Sociedade e Educacao Das Relacoes Etnico-Raciais
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UNIVERSIDADE POTIGUAR UnPPR-REITORIA ACADMICA
NCLEO DE EDUCAO A DISTNCIA NEaD
Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
Livro-texto EaD
Natal/RN EdUnP2013
-
DIRIGENTES DA UNIVERSIDADE POTIGUAR UnP
ReitoriaSmela Soraya Gomes de Oliveira
Pr-Reitoria AcadmicaSandra Amaral de Arajo
NCLEO DE EDUCAO A DISTNCIA UNIVERSIDADE POTIGUAR UnP
Coordenao Geral Barney Silveira Arruda
Coordenao AcadmicaLuciana Lopes Xavier
Coordenao PedaggicaPriscilla Carla Silveira Menezes
Apoio AcadmicoEliane Ferreira de Santana Calheiros
Francilene Amorim XavierLidiane de Medeiros Lucena
rsula Andra de Arajo Silva
Apoio PedaggicoMichelle Cristine Mazzetto Betti
Produo de Recursos Didticos para a EaDMichelle Cristine Mazzetto Betti
Supervisor de Tecnologia da InformaoWeinberg de Paiva e Souza
Coordenao de LogsticaHelionara Lucena Nunes
Assistente AdministrativoElba Kaline Lima de BritoRicardo Luiz Quirino da Silva
O48s Torquato, Arthur Luis de Oliveira. Sociedade e educao das relaes tnicos-raciais / Arthur Luis de Oliveira Torquato, Bruno Balbino Aires da Costa. Natal: EdUnP, 2013. 190p. : il. ; 20 X 28 cm
Ebook Livro eletrnico disponvel on-line. ISBN 978-85-8257-008-1
1. Sociedade Educao. 2. Educao - Relaes tnicos- raciais. I. Costa, Bruno Balbino Aires da. II. Ttulo.
RN/UnP/SIB CDU 316.37
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Arthur Lus de Oliveira Torquato Bruno Balbino Aires da Costa
Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
1a edio
Natal/RN EdUnP2013
-
EQUIPE DE PRODUO DE RECURSOS DIDTICOS
OrganizaoAntonio Vladimir Felix da Silva
Coordenao de Produo de Recursos DidticosMichelle Cristine Mazzetto Betti
Reviso de Linguagem e Estrutura em EaDMichelle Cristine Mazzetto Betti
Ilustrao do MascoteLucio Masaaki Matsuno
EQUIPE DE PRODUO DE MATERIAL DIDTICODelinea - Tecnologia Educacional
Diretoria ExecutivaCharlie Anderson Olsen
Larissa Kleis PereiraMargarete Lazzaris Kleis
Thiago Kleis Pereira
DiagramaoAlexandre Alves de Freitas Noronha
IlustraesAlexandre Oliveira
-
ARTHUR LUS DE OLIVEIRA TORQUATO
Ol, tudo bom?
com grande satisfao que venho compartilhar meus
conhecimentos com voc. Possuo licenciatura e bacharelado em
Histria (2008) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Nesta mesma instituio fiz mestrado em Histria (2011)
e fui professor temporrio entre 2011 e 2012, atuando nos cursos
de Histria e Cincias Sociais. Ainda em 2012, ingressei no Curso
de Histria da Universidade Potiguar (UnP). J participei de vrias
pesquisas na rea de Histria, mas o meu foco principal est
relacionado aos aspectos polticos e culturais do Brasil e do Rio Grande
do Norte no sculo XX. Se tiver interesse em conhecer o meu lattes,
acesse o link http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.
do?id=W9154572. Espero poder auxili-lo na compreenso da
pluralidade tnica e cultural que forma o Brasil contemporneo.
Boa leitura!
BRUNO BALBINO AIRES DA COSTA
Ol! Estou contente em participar da sua formao intelectual!
Sou formado em Histria pela Universidade Estadual do Rio Grande
do Norte (UERN) e mestre em Histria pela Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN). Leciono as disciplinas de Histria da
frica, Estudos Contemporneos da Cultura, Histria da Educao
Brasileira e Historiografia brasileira no curso de Histria da
Universidade Potiguar (UnP). Alm disso, sou professor e orientador
do curso de ps-graduao em Histria do Brasil da UnP. Tambm
fui autor do livro Mossor no cabe num livro: Lus da Cmara
Cascudo, o historiador da cidade, publicado pela editora Ideia, em
2011, e de alguns artigos publicados em outros livros e em revistas
impressas e eletrnicas de Histria, que podem ser visualizados
no meu lattes, no link http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/
visualizacv.do?id=K4485179E0. Espero que o nosso livro possa
contribuir significativamente na sua formao!
CON
HEC
END
O O
AU
TOR
-
SOCIEDADE E EDUCAO DAS RELAES TNICO-RACIAIS
Caro aluno.
O sculo XX e as polticas tnicas implementadas no Brasil
so fundamentais para que possamos compreender, reconhecer e
respeitar as diferenas tnicas e culturais que formam a sociedade
brasileira contempornea. Nesse sentido, a proposta deste livro
promover uma compreenso mais aprofundada a educao das
relaes tnico-raciais mediados pela reflexo terica e prtica
sobre os processos de excluso e incluso social na formao e
estruturao da sociedade brasileira.
Ao longo de sua leitura, voc ter a oportunidade de conhecer,
explorar e indagar sobre os processos polticos, conceituais e
culturais que formam a complexa sociedade brasileira. Tambm
discutiremos as correntes tericas e as questes culturais que
formam a diversidade tnico-cultural do nosso pas, a partir de um
levantamento histrico, sociolgico e antropolgico, tendo como
base renomados cientistas sociais da atualidade.
Ao final da sua leitura, esperamos que voc seja capaz
de identificar as pluralidades culturais, respeitando suas
particularidades e diferenas; reconhecer a contribuio dos ndios,
negros, europeus e asiticos na formao da social, tnica e cultural
do Brasil; apontar a importncia e as especificidades de conceitos
sociais fundamentais como etnia, raa e sociedade.
Esperamos que o contedo aqui apresentado contribua para o
desenvolvimento da sua autonomia intelectual, no que se refere s
questes tnico-raciais brasileiras, e que ele desperte seu interesse
em compreender a importncia da riqueza da multiplicidade tnica
e cultural em nosso Brasil.
Bons estudos e uma prazerosa leitura!
CON
HEC
END
O A
DIS
CIPL
INA
-
SUM
RI
OCaptulo 1 - Estrutura social e aspectos tnico-culturais ......................... 131.1 Contextualizando ........................................................................................................... 131.2 Conhecendo a teoria ..................................................................................................... 141.2.1 Conceitos de cultura, etnia, etnocentrismo e aspectos da estrutura social brasileira ............................................................................................. 141.2.2 Cultura ...................................................................................................................... 141.2.3 Etnocentrismo ....................................................................................................... 161.2.4 Etnia e raa ............................................................................................................. 171.2.5 Estrutura social ...................................................................................................... 191.2.6 Preconceito, racismo, discriminao e estigma social ............................ 20 Preconceito .............................................................................................................. 21 Racismo .................................................................................................................... 23 Discriminao e estigma social ............................................................................ 26
1.3 Aplicando a teoria na prtica ..................................................................................... 271.4 Para saber mais ............................................................................................................... 281.5 Relembrando ................................................................................................................... 281.6 Testando os seus conhecimentos ............................................................................. 29Onde encontrar ...................................................................................................................... 30
Captulo 2 - Etnocentrismo e questo racial no Brasil: ndios ................ 312.1 Contextualizando ........................................................................................................... 312.2 Conhecendo a teoria ..................................................................................................... 32
2.2.1 A diversidade indgena brasileira ................................................................... 322.2.2 As resistncias indgenas................................................................................... 372.2.3 A colonizao da Amrica Portuguesa e os ndios .................................. 382.2.4 A diversidade das formas de resistncia indgena ................................... 41
2.3 Aplicando a teoria na prtica ..................................................................................... 442.4 Para saber mais ............................................................................................................... 462.5 Relembrando ................................................................................................................... 472.6 Testando os seus conhecimentos ............................................................................. 48Onde encontrar ...................................................................................................................... 48
Captulo 3 - Etnocentrismo e questo racial no Brasil: africanos ............ 513.1 Contextualizando ........................................................................................................... 513.2 Conhecendo a teoria ..................................................................................................... 52
3.2.1. A diversidade africana no Brasil ..................................................................... 523.2.2 Formas de resistncia africana escravido .............................................. 57 Resistncias individuais: do suicdio as fugas ................................................... 61 Resistncias coletivas: dos quilombos s rebelies ......................................... 63
3.3 Aplicando a teoria na prtica ..................................................................................... 733.4 Para saber mais ............................................................................................................... 743.5 Relembrando ................................................................................................................... 753.6 Testando os seus conhecimentos ............................................................................. 76Onde encontrar ...................................................................................................................... 76
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Captulo 4 - Grupos tnicos na sociedade brasileira contempornea ........................ 794.1 Contextualizando .................................................................................................................................... 794.2 Conhecendo a teoria .............................................................................................................................. 80
4.2.1 A pluralidade tnica da sociedade brasileira contempornea. .................................... 80 As razes da imigrao ................................................................................................................... 84 A vinda dos imigrantes ao Brasil e sua diversidade .................................................................. 87
4.3 Aplicando a teoria na prtica .............................................................................................................. 924.4 Para saber mais ........................................................................................................................................ 944.5 Relembrando ............................................................................................................................................ 944.6 Testando os seus conhecimentos ...................................................................................................... 96Onde encontrar ............................................................................................................................................... 96
Captulo 5 - Cidadania e democracia na formao da sociedade brasileira ............... 975.1 Contextualizando .................................................................................................................................... 975.2 Conhecendo a teoria .............................................................................................................................. 98
5.2.1 Discutindo os conceitos de Cidadania e Democracia ..................................................... 98 Uma longa histria: cidadania e democracia no Brasil ..........................................................1005.2.2 Cidadania e Democracia: avanos e retrocessos histricos .........................................106
5.3 Aplicando a teoria na prtica ............................................................................................................1145.4 Para saber mais ......................................................................................................................................1155.5 Relembrando ..........................................................................................................................................1165.6 Testando os seus conhecimentos ....................................................................................................118Onde encontrar .............................................................................................................................................118
Captulo 6 - Polticas de incluso social .......................................................................1216.1 Contextualizando ..................................................................................................................................1216.2 Conhecendo a teoria ............................................................................................................................122
6.2.1 Estatuto da igualdade social ...................................................................................................1226.2.2 Aes afirmativas para ndios, negros e pardos ...............................................................127
6.3 Aplicando a teoria na prtica ............................................................................................................1346.4 Para saber mais ......................................................................................................................................1366.5 Relembrando ..........................................................................................................................................1366.6 Testando os seus conhecimentos ....................................................................................................138Onde encontrar .............................................................................................................................................138
Captulo 7 - Direitos sociais no Brasil ..........................................................................1417.1 Contextualizando ..................................................................................................................................1417.2 Conhecendo a teoria ............................................................................................................................142
7.2.1 O processo poltico das lutas sociais no Brasil ..................................................................1427.2.2 Os direitos sociais no Brasil Contemporneo ...................................................................148
7.3 Aplicando a teoria na prtica ............................................................................................................1567.4 Para saber mais ......................................................................................................................................1587.5 Relembrando ..........................................................................................................................................1597.6 Testando os seus conhecimentos ....................................................................................................161Onde encontrar .............................................................................................................................................161
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Captulo 8 - Relaes tnico-raciais e educao inclusiva na sociedade brasileira contempornea.............................................................................................1658.1 Contextualizando ..................................................................................................................................1658.2 Conhecendo a teoria ............................................................................................................................166
8.2.1 As relaes tnico-raciais no Brasil .......................................................................................1668.2.2 O Estado e a educao inclusiva no Brasil .........................................................................172
8.3 Aplicando a teoria na prtica ............................................................................................................1748.4 Para saber mais ......................................................................................................................................1768.5 Relembrando ..........................................................................................................................................1768.6 Testando os seus conhecimentos ....................................................................................................177Onde encontrar .............................................................................................................................................178
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Captulo 1
13 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
ESTRUTURA SOCIAL E ASPECTOS TNICO-CULTURAIS
CAPTULO 1
1.1 Contextualizando
Para iniciarmos o tema Sociedade e Educao tnico-raciais,
partiremos de conceitos ligados antropologia cultural, sociologia e
histria para compreendermos concepes bsicas, que so fundamentais
em qualquer anlise sociocultural, como raa e racismo, etnia e
etnocentrismo, cultura e estrutura social. A sua reflexo acerca desses conceitos
de suma importncia, pois, assim, vamos conseguir promover um dilogo
saudvel e enriquecedor.
importante ressaltarmos que este captulo ser a base terica do
nosso livro e, por isso, faz-se necessrio frisar a importncia de sua clara
compreenso. Sabendo disso, nossa inteno que voc entenda alguns
conceitos que tanto utilizamos no nosso dia-a-dia sem, muitas vezes, conhecer
as suas especificidades, sua riqueza e influncia na educao e nas relaes
estabelecidas no nosso cotidiano.
Ao final dessa leitura, esperamos que voc seja capaz de identificar
conceitos, como cultura, etnia, etnocentrismo, estrutura social, raa, racismo
e preconceito. Desejamos que voc seja capaz de relacionar os conceitos
discutidos neste captulo com o seu cotidiano.
Objetivamos fazer neste captulo uma discusso filosfica, bem como
apresentar conceitos bsicos que se faro presentes em todo nosso livro,
e tambm nos aprofundar em palavras que regularmente utilizamos nas
relaes que vivenciamos nos grupos sociais em que estamos inseridos. Vamos
comear? Boa leitura!
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Captulo 1
14 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
1.2 Conhecendo a teoria
1.2.1 Conceitos de cultura, etnia, etnocentrismo e aspectos da estrutura social brasileira
Ao iniciarmos um estudo sobre qualquer assunto, devemos sempre
conhecer o significado de conceitos que sero fundamentais para a
compreenso das nossas leituras. Como apresentado na questo anterior,
a partir de agora, iremos compreender alguns aspectos importantes para
o entendimento da estrutura social brasileira e conhecer importantes
conceitos, como cultura, raa, etnia e etnocentrismo. A anlise dos
conceitos que aparecero neste captulo no universal, h outras
correntes de pensamentos sobre eles, mas acreditamos que a que aqui
apresentaremos consegue exprimir, de forma clara e didtica, seus significados
e prticas. Est preparado?
1.2.2 Cultura
Quando conhecemos uma pessoa que demonstra muito
conhecimento, costumamos afirmar que ela uma pessoa culta, ou seja, o
fato de uma pessoa demonstrar conhecimento sobre determinados temas
com propriedade nos transmite uma ideia de que ela detentora de grande
cultura, ou que l muito ou mesmo que muito inteligente.
No entanto, desde j, devemos deixar claro que essa uma viso
muito pobre para definirmos o termo cultura. Isso porque cultura
no algo que possui uma definio nica, ou mesmo pode ser uma
caracterstica prpria daqueles que possuem grande erudio, a
ideia de cultura bem mais abrangente e complexa do que uma
definio como essa. Segundo o antroplogo norte-americano Clifford
Geertz (1973, p. 24) A cultura no um poder, algo ao qual podem ser
atribudos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos,
as instituies ou os processos; ela um contexto, algo dentro do qual
eles (os smbolos) podem ser descritos de forma inteligvel isto ,
descritos com densidade.
Na verdade, o que Clifford Geertz (1973) quer dizer que a cultura
no algo que pertence apenas a determinadas pessoas, mas algo
que intensamente construdo na prtica, na convivncia cotidiana
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Captulo 1
15 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
entre os indivduos e que, portanto, a cultura deve ser compreendida
como formas diferentes que cada grupo social tem de ver e entender o
mundo. Parece uma ideia muito abrangente, no ? Mas vamos pensar
um pouco mais.
Quando no conhecemos uma pessoa ou um lugar, geralmente
utilizamos o conhecimento que possumos para imaginar como tal pessoa
ou tal lugar so. Na verdade, o que estamos fazendo pensar o outro
a partir de conceitos, da bagagem cultural que adquirimos ao longo
de nossas vidas como iremos discutir mais frente. A partir de nossas
experincias, adquirimos uma herana cultural que nos auxilia a interpretar
nossos cotidianos.
O antroplogo brasileiro Roque de Barros Laraia (2001), com base na
tambm antroploga Ruth Benedict, afirma que a cultura como uma
lente atravs da qual o homem v o mundo. Homens de culturas diferentes
usam lentes diversas e, portanto, tm vises desencontradas das coisas
(LARAIA, 2001 p. 67). Pensado dessa maneira, o conceito de cultura passa
a ser visto a partir de um olhar muito mais complexo, mas, ao mesmo
tempo, muito interessante: passamos a perceber que cultura corresponde
ideia de diversidade, de vrias formas de se observar um mesmo
objeto ou realidade.
Essa pluralidade de percepo muito interessante, no verdade?
A partir dessa ideia de cultura, comeamos a entender porque, s vezes,
divergimos dos nossos amigos sobre um mesmo tema, desde os mais
complexos vistos em sala de aula, at mesmo quando discutimos o jogo
do nosso time no dia anterior, e sempre achamos que nossas vises esto
corretas, j percebeu?
So nessas prticas cotidianas dos debates que conseguimos perceber
as diferenas culturais que existem ao nosso redor. Ah! Mas essa pluralidade
cultural deve ser vista como algo muito positivo, pois so as diferentes formas
de enxergar as coisas ao nosso redor que possibilitam o progresso, seja social,
econmico, seja cientfico, etc. Por exemplo? A compreenso dos dialetos
indgenas fundamental para entendermos os nomes de vrios espaos das
nossas cidades, demonstrando o quanto a tradio da cultura indgena ainda
uma presena constante no nosso cotidiano.
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Captulo 1
16 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
O grande problema quando passamos a achar que apenas a nossa
cultura nossa forma de ver o mundo a correta, a mais justa ou a
nica. Pensando dessa forma, estaremos cometendo o que chamamos de
etnocentrismo e, a, deixamos de perceber todas as qualidades que as outras
culturas tm a nos oferecer. Voc sabe o que etnocentrismo? o que vamos
apresentar na prxima seo! Vamos l?
1.2.3 Etnocentrismo
Como vimos na seo anterior, grande parte dos progressos humanos
nascem do dilogo, de formas diferentes de entender o mundo. As discusses
entre pessoas de culturas diferentes sempre proporcionam avanos
significativos nas relaes sociais, o que ficou mais acentuado aps a Segunda
Guerra Mundial, em 1945, e a fundao da Organizao das Naes Unidas
ONU, com sede em Nova Iorque. Nesse espao, naes de diferentes culturas
passaram a se conhecer e a discutir seus pontos de divergncia e, por meio de
dilogos, tentam encontrar uma resoluo pacfica que, em tese, respeite as
especificidades culturais e polticas dos envolvidos nas discusses.
A Organizao das Naes Unidas, tambm conhecida pela sigla ONU, uma organizao internacional formada por pases que se reuniram voluntariamente para trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundiais. O prembulo da Carta das Naes Unidas documento de fundao da Organizao expressa os ideais e os propsitos dos povos cujos governos se uniram para constituir as Naes Unidas (ONU BRASIL, 2012).
SAIBA QUE
Quando passo a achar que a minha cultura sempre superior outra, ou
mesmo que a minha viso a mais correta , na verdade estou incorrendo em
uma prtica etnocntrica, ou seja, estou diminuindo, menosprezando a viso
cultural do outro em privilgio da minha forma cultural de enxergar uma
dada situao. O doutor em Antropologia Social, Everardo Pereira G. Rocha
(1988), em um clssico livro sobre etnocentrismo, d-nos uma viso bastante
enriquecedora acerca desse conceito. Segundo ele,
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Captulo 1
17 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
CONCEITO
Etnocentrismo uma viso do mundo onde o nosso prprio grupo tomado como centro de tudo e todos os outros so pensados e sentidos atravs dos nossos valores, nossos modelos, nossas definies do que a existncia. No
plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferena; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc. Perguntar sobre o que etnocentrismo , pois, indagar sobre um fenmeno onde se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo, estes dois planos do esprito humano sentimento e pensamento vo juntos compondo um fenmeno no apenas fortemente arraigado na histria das sociedades como tambm facilmente encontrvel no dia-a-dia das nossas vidas (ROCHA, 1988, p. 5).
A viso de Everardo Rocha (1988) nos auxilia bastante no entendimento
acerca da ideia de etnocentrismo. Porm, aprofundaremos essa discusso nos
pargrafos seguintes.
Como fica claro, o etnocentrismo algo que pode ser percebido em
diversos aspectos da nossa vida, seja em relao a discusses intelectuais
seja nas discusses de cunho afetivo que temos no decorrer do nosso dia.
Ao julgar o outro sem entender suas singularidades e sua herana cultural,
no estaremos agindo racionalmente, mas estaremos expressando nossos
conceitos culturais em detrimento dos alheios, incorrendo claramente em uma
prtica preconceituosa, ou seja, formulando conceitos sem entender a herana
cultural, a forma de ver do outro. Em sntese, estaremos sendo etnocntricos.
Mas, h dois conceitos relevantes que esto ligados diretamente ao conceito de
etnocentrismo, so eles: etnia e raa. Vamos conhec-los mais profundamente?
1.2.4 Etnia e raa
Etnia e raa so dois conceitos que comumente confundimos em nosso
cotidiano tomando-os, muitas vezes, como sinnimos quando, na verdade, so
distintos. Uma das maiores referncias nesse assunto o antroplogo Kebengele
Munanga, que, em uma de suas conferncias, estabeleceu, de forma sucinta,
uma diferenciao entre os conceitos contemporneos de raa e etnia.
-
Captulo 1
18 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
CONCEITO
O contedo da raa morfo-biolgico e o da etnia scio-cultural, histrico e psicolgico. Um conjunto populacional dito raa branca, negra e amarela, pode conter em seu seio diversas etnias. Uma etnia um conjunto de
indivduos que, histrica ou mitologicamente, tm um ancestral comum; tm uma lngua em comum, uma mesma religio ou cosmoviso; uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo territrio (MUNANGA, 2004, p. 28-29).
Como se percebe, a ideia de raa pensada por Munanga (2004) bem
diferente da concepo que existia no sculo XIX, por exemplo. Durante este
sculo, alguns estudiosos acreditavam que a raa definia o nvel de cultura em
uma sociedade, e que apenas a raa europeia poderia, por fatores geogrficos
e culturais, produzir civilizaes avanadas e modernas, o que caracteriza um
olhar preconceituoso e eurocntrico do mundo.
Como podemos notar, uma raa pode conter diversas etnias, isso porque
a ideia de etnia est diretamente vinculada s questes socioculturais, formas
de ver o mundo, como j vimos na seo anterior. As ideias de etnia e raa,
tais como estamos discutindo aqui, ajudam-nos a entender por que as pessoas,
muitas vezes, possuem culturas idnticas, formas semelhantes de ver e perceber
o mundo, sem que isso esteja relacionado sua cor de pele.
Associar uma forma de cultura a uma questo de cor de pele, por
exemplo, ser preconceituoso, como iremos melhor analisar mais adiante.
A ideia de etnia nos mostra que a cultura, a forma de viver de um grupo e a
sua organizao geogrfica independem da sua raa. A histria nos mostra
que algumas etnias constituram sozinhas naes. Assim o caso de vrias
sociedades indgenas brasileiras, africanas, asiticas, australianas, etc. que so
ou foram etnias naes (MUNANGA, 2004, p. 29).
A incompreenso desses conceitos, muitas vezes, revela, em nosso
cotidiano, uma srie de preconceitos sem qualquer fundamento. O conceito
de raa utilizado, com frequncia, por vrios estudiosos brasileiros no intuito
de denunciar e procurar compreender as causas do racismo no pas e, segundo
afirma Munanga (2004),
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Captulo 1
19 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
A maioria dos pesquisadores brasileiros que atuam na rea das relaes raciais e intertnicas [sic] recorrem com mais frequncias ao conceito de raa. Eles empregam ainda este conceito, no mais para afirmar sua realidade biolgica, mas sim para explicar o racismo, na medida em que este fenmeno continua a se basear em crena na existncia das raas hierarquizadas, raas fictcias ainda resistentes nas representaes mentais e no imaginrio coletivo de todos os povos e sociedades contemporneas (MUNANGA, 2004, p. 29).
Vivemos em um pas que, por condies histricas, marcado pela
pluralidade tnica, cultural e racial, que, a cada dia, reinventa-se e procura,
constantemente, explicar suas diversidades. Em um pas como o Brasil, devemos
sempre estar atentos para conceitos to fundamentais, como o de raa e etnia,
de forma a no incorrermos em preconceitos e/ou sermos etnocntricos.
Ento, como podemos analisar essa pluralidade cultural brasileira? Para
isso, a sociologia aponta alguns caminhos, como, por exemplo, a percepo da
sociedade por meio de estruturas sociais. Vamos saber mais?
1.2.5 Estrutura social
Toda sociedade, dada a pluralidade de seus membros, necessita de certa
organizao para que possa ser compreendida, se no de forma geral, mas,
ao menos, de modo que facilite sua compreenso. Para isso, alguns ramos da
sociologia perceberam que as sociedades possuem, em suas organizaes, o
que eles convieram chamar de estrutura social.
Em seu livro Introduo sociologia, o pesquisador Prsio Santos
de Oliveira nos explica, de forma bem didtica, a ideia de estrutura social,
exemplificando a partir de uma situao cotidiana. Prestemos ateno:
CONCEITO
Numa escola trabalham o diretor, o coordenador pedaggico, vrios professores, o secretrio e os serventes, alm dos alunos. Cada um desses elementos ocupa uma posio social, um status no grupo. Cada posio est relacionada s
demais, e todas elas, em conjunto, formam a estrutura da escola.
Estrutura social, portanto, esse conjunto ordenado de partes encadeadas que formam um todo. Dito de outro modo, a estrutura social a totalidade dos status existentes em um determinado grupo social ou numa sociedade (OLIVEIRA, 1995, p. 59).
-
Captulo 1
20 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
Percebeu como este um conceito que nos ajuda a entender nosso
cotidiano? As estruturas sociais podem ser vistas como uma organizao da
sociedade, em que cada um dos participantes de uma estrutura desempenha
o papel correspondente posio social que ocupa (OLIVEIRA, 1995, p. 59).
No entanto, fundamental lembrarmos que o conceito de estrutura
social est relacionado, mas no igual ao de organizao social. Enquanto
o primeiro refere-se a um grupo de partes que compe uma sociedade, o
segundo diz respeito s relaes que se estabelecem entre as partes que
formam as estruturas sociais. Voc notou a importncia de se entender as
especificidades de cada conceito? Longe de serem sinnimos, esses conceitos
nos possibilitam compreender melhor a complexidade da sociedade em
que vivemos.
Contudo, preciso estudar outras noes fundamentais e que esto
relacionadas com o que at aqui discutimos. A partir de agora, vamos pensar
quais os problemas advindos da no compreenso do significado de cultura,
raa, etnia, etnocentrismo e estrutura social. Vamos l?
1.2.6 Preconceito, racismo, discriminao e estigma social
Como vimos anteriormente, os conceitos de cultura, raa, etnia,
etnocentrismo e estrutura social so importantes para o entendimento
das relaes tnico-raciais na formao de uma sociedade. Alm desses
conceitos, imprescindvel conhecer, tambm, outros, tais como:
preconceito, racismo, discriminao e estigma social. Voc os conhece?
Sabe a diferena de cada um deles?
Se sim ou se no, vamos fazer algumas perguntas de ordem mais
prtica. Voc j presenciou alguma cena de preconceito em seu cotidiano?
Voc j vivenciou algum tipo de discriminao? Algum j lhe estigmatizou
por morar em algum bairro, cidade, regio, pas ou pela sua opo sexual?
Talvez voc tenha respondido positivamente a maior parte dessas perguntas,
pois todos ns estamos sujeitos a sofrer algum tipo de preconceito. Mas ser
que voc no foi um agente de reproduo de preconceitos e discriminaes?
Como identificar se fui ou se sou preconceituoso(a)? Para identificarmos se
nossas atitudes so discriminatrias ou preconceituosas, preciso, primeiro,
estudar esses conceitos.
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Captulo 1
21 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
Preconceito
O socilogo Florestan Fernandes afirmou, em seu livro O Negro no
Mundo dos Brancos, que o brasileiro tem preconceito de no ter preconceito.
(FERNANDES, 1972). Na ocasio, Florestan Fernandes estava se reportando s
relaes raciais que, no Brasil, foram ofuscadas pelo discurso da democracia
racial. Devido a uma formao social marcada pelo processo de miscigenao,
acreditamos que, em nosso pas, o preconceito, sobretudo, racial, no seja
uma caracterstica da nossa sociedade, mas sim de outros povos.
CONCEITO
Miscigenao ou mestiagem, pode ser definida como a mistura de seres humanos e de imaginrios. Segundo o Dicionrio de Conceitos Histricos, a miscigenao pode abranger tanto a chamada mestiagem biolgica, a mistura de raas, quanto a mestiagem cultural (SILVA, 2012, p. 290).
Parece que, no Brasil, preconceito limita-se apenas cor ou raa. Se
no ofendermos ningum pela sua cor ou pela sua etnia, ento no somos
preconceituosos, como pensam alguns. Essa viso do senso comum parece
obscurecer a variedade de preconceitos que podemos identificar em diversas
sociedades, inclusive, na qual estamos inseridos. Podemos falar de preconceitos
contra a mulher, contra o analfabeto, contra as pessoas com deficincia, contra
determinadas etnias, contra os homossexuais, contra pessoas de determinas
regies etc. Se fossemos identificar os diversos tipos de preconceitos existentes,
no terminaramos nunca este livro. Diante dessa pluralidade de preconceito,
como podemos defini-lo conceitualmente?
Segundo o historiador Durval Muniz de Albuquerque Jnior, o
preconceito pode ser definido como um conceito sobre algo ou algum que
se estabelece antes que qualquer relao de conhecimento ou de anlise se
estabelea. (ALBUQUERQUE JNIOR, 2007, p.10-11). Por exemplo, quando
temos uma nica experincia negativa com um indivduo de um determinado
grupo social, s vezes tendemos a generalizar, ou seja, a expandir a todos
componentes daquele grupo uma viso desfavorvel.
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Captulo 1
22 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
Ao fazermos isso, estamos estabelecendo um olhar preconceituoso,
pois, ao tratarmos um determinado grupo social somente pela experincia
que tivemos com um dos seus integrantes, estaremos analisando o grupo
antes de qualquer relao de conhecimento mais profundo. Geralmente, o
olhar generalizador nos conduz ao preconceito em relao a um determinado
grupo social ou indivduo.
Nesse sentido, o preconceito um conceito prvio, apressado, que
vem antes de qualquer esforo verdadeiro no sentido de se entender
o outro, o diferente, o estrangeiro, o estranho, em sua diferena
(ALBUQUERQUE JNIOR, 2007, p.10-11). Quando se trata de grupos de
pessoas de uma cultura diferente daquela que fazemos parte, enquadramos,
imediatamente, qualquer uma dessas pessoas em rtulos preestabelecidos.
muito comum assimilarmos conceitos preexistentes a respeito de certos
grupos de pessoas, mesmo sem ter tido uma experincia direta com qualquer
um de seus integrantes.
O preconceito acontece, quando classificamos e valoramos
negativamente o diferente, o estranho, o outro, que no estamos
acostumados a observar ou conviver.
De acordo com o antroplogo Renato da Silva Queiroz, a percepo que
temos do outro no acontece de maneira abstrata, nem desinteressada.(
QUEIROZ, 1995, p.11). Dessa forma, errnea a ideia de que o preconceito
j nasce dentro de ns. Assim como tudo que cultural, o preconceito uma
construo social, pois todos ns enxergamos o mundo atravs das lentes,
dos filtros que nos so fornecidos pela nossa cultura. Portanto, o preconceito
no inato, no transmitido geneticamente, nele est presente a
interferncia dos processos de socializao, como afirma o psiclogo Jos
Leon Crochk (2006, p.18).
O convvio em uma determinada sociedade possibilita que o indivduo
ou o grupo social socialize dados critrios culturalmente estabelecidos,
criados e apreendidos. Isso no quer dizer que a sociedade determina o
indivduo. O que estamos considerando que o indivduo, ao viver em
uma determinada sociedade, troca experincias com os seus pares, partilha
costumes e tradies comuns, constroem laos identitrios. Nesse sentido,
um indivduo sozinho no capaz de construir um preconceito, antes, ele
l o outro a partir das lentes culturais que estabeleceu por meio das suas
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Captulo 1
23 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
relaes sociais. Mas como evitar que a leitura do outro seja equivocada,
pejorativa ou preconceituosa?
Um dos caminhos sermos capazes de considerar as pluralidades
culturais, respeitando suas particularidades e suas diferenas. A tolerncia
um timo exerccio. Todavia, o que acontece quando no reconhecemos
as diversidades socioculturais? A resposta : preconceito, materializado no
racismo, na discriminao e no estigma social.
Racismo
O racismo no sinnimo de preconceito. O racismo uma das vrias
manifestaes do preconceito. Logo, toda atitude racista preconceituosa,
mas o contrrio no verdadeiro. O racismo, como j sugere a palavra, trata
de um tipo de preconceito especfico, isto , contra alguma raa ou etnia.
Voc se lembra do que falamos, quando discutamos a diferenciao desses
dois conceitos?
Para compreendermos melhor como surgiram os preconceitos raciais,
preciso fazer um breve histrico sobre dois conceitos: racismo e racialismo.
CONCEITO
importante assinalar que racismo no a mesma coisa de racialismo. Este ltimo significa a crena em raas humanas, j o primeiro definido como preconceito contra raas consideradas inferiores ( SILVA, 2012, p. 346).
O racialismo foi uma forma de pensamento criado pelos filsofos
iluministas do sculo XVIII, cujo objetivo era encontrar um sistema de valores
universal, que pudesse ser estabelecido para todas as raas (SILVA, 2012, p.
347). O critrio estabelecido pelos estudiosos do racialismo era a relao entre
os tipos humanos e suas diferenas biolgicas. Sendo assim, a ideia de raa
seria entendida a partir das caractersticas fsicas comuns partilhadas por
um determinado grupo de pessoas. Entretanto, com o desenvolvimento da
Antropologia Fsica e da Frenologia, o conceito de raa passou a contemplar,
tambm, as caractersticas psicolgicas de determinados grupos humanos a
partir do tamanho do crebro (SILVA, 2012, p. 347).
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24 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
Os filsofos iluministas surgiram no sculo XVIII na Frana, mais precisamente, em Paris. Ideologicamente eles se posicionavam contra a intolerncia religiosa, o absolutismo e as prticas mercantilistas. Os iluministas refletiam sobre vrios temas pertinentes sociedade, como, por exemplo, a questo da democracia e o estudo das raas. Podemos destacar alguns filsofos iluministas: Rousseau, Voltaire, Montesquieu, Diderot, entre outros.
No sculo XIX, com as teorias evolucionistas, sobretudo, de Charles
Darwin, o racialismo passou a difundir a ideia de que, assim como as espcies,
algumas raas seriam mais evoludas do que outras, criando, dessa forma, a
distino racial. Essas teorias, conhecidas, tambm, como Darwinismo Social,
legitimaram a crena de que o homem branco europeu seria mais evoludo em
relao aos outros grupos humanos.
No podemos confundir Darwinismo Social com as teorias de Charles Darwin. O Darwinismo Social foi influenciado pelas ideias evolucionistas e da seleo natural das espcies de Charles Darwin. Foi Spencer que se utilizou das ideias de Darwin para levar ao campo social a ideia de que, assim como as espcies, haveria raas superiores e outras inferiores. Para conhecer
mais sobre o tema, leia o artigo de Andr Strauss e Ricardo Waizbort, intitulado Sob o signo de Darwin? Sobre o mau uso de uma quimera, publicado na Revista Brasileira de Cincias Sociais, v.23, n.68, outubro de 2008, disponvel no seguinte link: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092008000300009 &script=sci_arttext
SAIBA QUE
A raa branca seria, de acordo com essa doutrina, a nica portadora da
misso de civilizar o mundo. Os asiticos, os mestios da Amrica, os africanos,
alm de serem considerados inferiores, eram pensados como selvagens ou
brbaros, destitudos de civilizao. Para o intelectual brasileiro Nina Rodrigues
(1862-1906), os no-brancos ameaariam a civilizao por serem incapazes
de ingressar, como sujeitos, na ordem liberal-republicana (VENTURA, 1999,
p.332). Segundo Rodrigues (1862-1906), o atraso da evoluo dos negros e a
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25 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
degenerao dos mestios colocavam em apuros as classes superiores, ou seja,
a raa branca, detentora da civilizao brasileira.
O Darwinismo Social e, posteriormente, a eugenia que enaltecia
a pureza das raas e a no mistura entre elas, compuseram a base do
racismo (SILVA, 2012). Assim, o racismo a materializao dessas formas de
pensamento, ou seja, a aplicao prtica dessas teorias, que acreditam
em raas superiores e criam mecanismos sociais e polticos para reprimir as
raas consideradas inferiores ( SILVA, 2012, p. 348).
DEFINIO
Segundo Lilia Denise Mai e Emlia Luigia Saporiti Angerami, em seu artigo Eugenia negativa e positiva: significado e contradies, publicado pela revista Latino-am Enfermagem, Francis Galton em 1883, a partir das ideias de Malthus,
Lamarck e Darwin, definiu eugenia como o estudo dos fatores fsicos e mentais socialmente controlveis, que poderiam alterar para pior ou para melhor as qualidades racionais, visando o bem-estar da espcie. Segundo as referidas autoras, a busca incansvel do homem pela melhor compleio fsica e mental dele prprio e de sua descendncia culminou com a tentativa de sistematizao da eugenia com base em argumentos cientficos e a esperana de melhorar e aperfeioar a espcie humana atravs do controle reprodutivo dos indivduos. O artigo est disponvel no seguinte link: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v14n2/v14n2a15
No sculo XX, essas teorias saram dos limites das academias e
passaram a sustentar, ideologicamente, vrias manifestaes de
preconceito racial, como, por exemplo, o antissemitismo do partido
Nazista. Isso demonstra como o saber cientfico pode legitimar uma dada
forma de poder. Ao longo da histria do sculo XX, chefes de Estado,
partidos polticos, intelectuais, grupos terroristas e fundamentalistas,
entre outros se apropriaram das teorias racialistas para justificarem suas
agresses, seus ataques e as mortes por eles proporcionadas.
A partir do fim do sculo XX, muitos estudos cientficos contriburam
para se repensar as noes de que existem raas puras ou impuras,
superiores ou inferiores, evoludas ou atrasadas. Mais do que isso, as
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Captulo 1
26 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
novas pesquisas cientficas nos mostram que s podemos falar de uma
raa: a humana. Isso no impede que ainda ocorram cenas de preconceito
racial. Ento, de que maneira poderamos reduzir os preconceitos? Uma
das solues esteja, talvez, nas reflexes que a educao pode dar para
se pensar as relaes sociais entre os diversos grupos tnicos. Essa soluo
pode contribuir ainda para, se no o fim, pelo menos, a reduo das
prticas de discriminao.
Discriminao e estigma social
Assim como o racismo, a discriminao uma das manifestaes do
preconceito. A discriminao , tambm, extremamente diversa. Podemos
falar de discriminao racial, social, sexual, poltica etc. Mas, afinal de
contas, o que discriminao? Que prticas podem ser consideradas
discriminatrias?
De acordo com o antroplogo Renato da Silva Queiroz, discriminao
a palavra usada para designar um tratamento diferencial, sobretudo,
naquelas sociedades em que proclama a igualdade de todos por meio de leis e
princpios que, na prtica, no so obedecidos. (QUEIROZ, 1995, p.34). Fala-
se, por exemplo, que, em todos os estabelecimentos pblicos de comrcio
ou em caladas e ruas, devem ter espaos reservados para os portadores de
necessidades especiais. Porm, em muitos deles, no h qualquer preocupao
em fornecer uma estrutura bem adequada para a locomoo e o acesso das
pessoas com necessidades especiais. Podemos caracterizar tal atitude como um
ato exemplar de discriminao. O fato de ignorarmos os idosos, rotulando-
os de velhos, ranzinzas, estressados, ou no lhes dando a devida ateno e
respeito, , tambm, uma forma de discriminao.
Estigmatizar uma prtica discriminatria. Os esteretipos constroem
dadas caricaturas sociais, que objetivam a rotulao de pessoas com o
sentido de ofend-las. Os esteretipos so a matria-prima e expresso
de preconceito e de discriminao (QUEIROZ, 1995, p.26). Pessoas com
necessidades especiais so constantemente estigmatizados, estereotipados,
por pessoas ditas normais, que se sentem constrangidas pela presena
daqueles. Os normais desconsideram as habilidades e as capacidades que
os deficientes tm em desenvolver atividades cotidianas da mesma maneira
dos ditos normais.
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Captulo 1
27 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
Existem vrias situaes que podemos identificar atitudes
discriminatrias. A questo que tais atitudes marginalizam, distanciam
indivduos ou grupos da participao na vida em sociedade, permitindo
desigualdades e limitando o acesso dos que so discriminados s
oportunidades de trabalho, escolarizao, cultura, lazer e ascenso social
(QUEIROZ, 1995, p.40).
1.3 Aplicando a teoria na prtica
Em maro de 2012, o jogador congols Christopher Samba, zagueiro
do Anzhi Maknachkala, foi vtima de um episdio de preconceito. Durante a
partida, vlida pelo campeonato de futebol russo, o zagueiro foi alvo de uma
banana arremessada por torcedores do time rival, o Lokomotiv de Moscou.
Outros jogadores, como o brasileiro Roberto Carlos, tambm j sofreram esse
tipo de preconceito durante uma partida de futebol.
Tomando como referncia as discusses realizadas no captulo, que tipo
de preconceito voc identifica no referido episdio? Em sua opinio, de que
maneira esses preconceitos poderiam ser evitados nos estdios de futebol?
Antes de avanar a leitura, reflita sobre esse assunto.
Como vimos na seo anterior, racismo um tipo de preconceito, mais
especificamente, contra uma raa ou etnia. O fato de jogar bananas um
gesto que remete aos macacos. A comparao que alguns torcedores (as)
preconceituosos (as) estabelecem entre os macacos e os jogadores negros
racista, pois deprecia esses jogadores como se estes, pelo fato de serem
negros, tivessem comportamentos de animais. H, portanto, no ato de
jogar bananas em jogadores negros uma ideia subjacente de que a cor dos
jogadores negros inferior, caracterizando um preconceito racial. Para
evitar que esses episdios continuem nos estdios de futebol, preciso
conscientizar os torcedores com algumas aes afirmativas, como, por
exemplo, entregando folhetos explicando que algumas atitudes podem
caracterizar atos de racismo.
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Captulo 1
28 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
1.4 Para saber mais
Filme: Quanto vale ou por quilo?Direo: Srgio Bianchi Ano: 2005
Sinopse: filme crtico acerca da indstria da misria no Brasil, alm de duras crticas continuidade dos preconceitos socioculturais no pas, desde o perodo colonial. No filme, o diretor Srgio Biachi prope uma ntima relao entre as questes sociais e interesses econmicos. Filme bastante interessante para pensarmos os conceitos debatidos durante o captulo que estudamos, tais como: cultura, racismo e etnocentrismo.
Site: UNESCOURL:
O site da UNESCO possui interessantes artigos, notcias e uma grande variedade de temas que envolvem vrias das questes e conceitos to discutidos durante o captulo que acabamos de ler.
1.5 Relembrando
Diante de tudo que discutimos ao longo deste captulo, voc pode
responder o que significa raa, racismo, etnia, etnocentrismo, preconceito,
discriminao, estrutura social e estigma social? Voc pode diferenciar cada
uma desses conceitos? Sim? No? Queremos ajud-lo, relembrando um pouco
do que ns estudamos. Vamos l?
Para iniciarmos, importante frisar que cultura um conceito
polissmico, ou seja, possui vrios sentidos e significados. Segundo Clifford
Geertz (1973, p. 24), a definio de cultura depende do contexto em que ele
est inserido, isso quer dizer que a cultura no algo que pertence apenas a
determinadas pessoas, mas algo que intensamente construdo na prtica,
na convivncia cotidiana entre os indivduos e que, portanto, a cultura deve
ser compreendida como prticas, aes, instituies e formas diferentes que
cada agrupamento humano ou grupo social cria e tem de ver e entender o
mundo. A partir de nossas experincias, adquirimos uma herana cultural
que nos auxilia a interpretar nossos cotidianos.
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Captulo 1
29 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
Desse modo, o conceito de cultura passa a ser visto a partir de um
olhar muito mais complexo, correspondendo ideia de diversidade, isto ,
de vrias formas de se observar um mesmo objeto ou realidade. Entender a
diversidade cultural importante para que no sejamos intolerantes com a
cultura do outro, achando que a minha cultura superior, evitando aquilo
que chamamos de etnocentrismo.
Se julgarmos o outro sem entender suas singularidades e sua herana
cultural, no estaremos agindo racionalmente, estaremos sendo etnocntricos,
ou seja, colocando a nossa etnia como centro, marginalizando todas as
outras. Mas o que etnia? a mesma coisa de raa? No. Como vimos, uma
raa pode conter diversas etnias, isso porque a ideia de etnia est diretamente
vinculada s questes socioculturais, como, por exemplo, a estrutura social,
enquanto raa refere-se noo morfo-biolgica.
Como vimos neste captulo, ao estudarmos os conceitos de cultura,
etnia, raa, etnocentrismo e estrutura social, podemos evitar alguns riscos
quando nos relacionamos com os outros. Um desses riscos, por exemplo,
o preconceito, que ocorre quando classificamos e valoramos negativamente
outro, que no estamos acostumados a observar ou conviver. O preconceito
no nasce conosco, ele construdo socialmente. Ele se materializa em vrias
manifestaes do social, tais como: racismo, discriminao e a reproduo de
estigmas sociais.
1.6 Testando os seus conhecimentos
Agora chegamos ao fim do nosso primeiro captulo. E a? Que tal colocar
em prtica os conhecimentos adquiridos? A partir do que discutimos at aqui,
ser que voc conseguiria fazer uma relao entre os conceitos discutidos
neste captulo e relatar suas caractersticas a partir do seu cotidiano? Elabore
uma redao, articulando os conceitos que voc acabou de analisar e aponte,
em sua anlise, situaes em que voc consegue perceber a aplicabilidade de
conceitos, como etnia e etnocentrismo, raa e racismo, preconceito, estrutura
social e cultura.
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Captulo 1
30 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
Onde encontrar
ALBUQUERQUE JNIOR, Durval Muniz de. Preconceito contra a origem
geogrfica de lugar: as fronteiras da discrdia. So Paulo: Cortez, 2007.
CROCHK, Jos Leon. Preconceito, indivduo e cultura. 3. ed. So Paulo: Casa
do Psiclogo, 2006.
FERNANDES, Florestan. O Negro no Mundo dos Brancos. So Paulo: Difel,
1972.
GEERTZ, Clifford. A interpretao das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropolgico. 14. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 2001.
MUNANGA, K. . Uma abordagem conceitual das noes de raa, racismo,
identidade e etnia. Cadernos PENESB (Programa de Educao sobre o Negro
na Sociedade Brasileira). UFF, Rio de janeiro, n.5, p. 15-34, 2004.
OLIVEIRA, Prsio Santos de. Introduo Sociologia. So Paulo: tica, 1995.
ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS (ONU). Conheca a Onu. ONUBR: naes
unidas no Brasil, 2012. Disponvel em: Acesso em: 13 set.2012.
QUEIROZ, Renato da Silva. No vi e no gostei: o fenmeno do preconceito.
So Paulo: Editora Moderna, 1995.
ROCHA, Everardo Pereira Guimares. O que etnocentrismo?. 5. ed. So
Paulo: Brasiliense, 1988.
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionrios de conceitos
histricos. 2. Ed. So Paulo: Contexto, 2012.
VENTURA, Roberto. Um Brasil mestio: raa e cultura na passagem da
monarquia repblica. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem
Incompleta. A experincia brasileira. Formao: histrias. So Paulo: Editora
Senac So Paulo, 1999.
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Captulo 2
31 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
ETNOCENTRISMO E QUESTO RACIAL NO BRASIL: NDIOS
CAPTULO 2
2.1 Contextualizando
Neste captulo, voc ir conhecer a diversidade dos grupos indgenas
do Brasil e identificar as suas formas de resistncia em relao ao
processo colonizador.
Para que voc entenda a importncia desse tema, preciso partir
da seguinte questo: em meio sociedade bastante diversa, como a
contempornea, como reconhecer e respeitar a cultura, os valores, e os
costumes de grupos tnicos, como os indgenas?
Ns iremos discutir essa questo ao longo deste captulo e, ao final da
sua leitura, esperamos que voc seja capaz de:
Descrever o processo colonizador no Brasil;
Identificar as primeiras tentativas de diviso dos grupos indgenas;
Perceber a importncia dos debates acerca dos atuais problemas que
cercam o universo indgena;
Apontar as diversas formas de resistncia dos ndios em relao
colonizao.
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Captulo 2
32 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
2.2 Conhecendo a teoria
2.2.1 A diversidade indgena brasileira
Como todos sabem, a esquadra de Pedro lvares Cabral aportou na
Amrica Portuguesa em 1500, trazendo os primeiros colonizadores europeus
s recm descobertas terras do alm-mar. No entanto, nessas terras, j existiam
organizaes sociais complexas, as quais foram dominadas pelos exploradores
europeus. A designao dos nativos de ndios deveu-se ao fato de acharem
que as terras encontradas eram parte das ndias.
Ao chegarem ao Brasil, as expedies portuguesas passaram a
promover uma srie de incurses no litoral, procurando mapear riquezas,
pontos estratgicos e compreender o modo de vida dos nativos do
litoral e, posteriormente, do interior das terras recm descobertas. Nesse
contexto de entendimento das sociedades indgenas, os jesutas foram
fundamentais no processo de conhecimento dos idiomas dos nativos das
terras portuguesas na Amrica.
Segundo a historiadora Denise Monteiro (2002, p. 20), podemos
afirmar que os ndios brasileiros estavam divididos em dois grupos: os que
se denominavam Tupi, que, em grande medida, habitavam o litoral e os
denominados Tapuia, vistos pelos ndios do litoral como aqueles que tinham
lnguas e costumes diferentes dos seus e ocupavam parte do interior do pas.
Com as pesquisas ao longo do tempo, descobriu-se que as organizaes
socioculturais desses dois grupos possuam configuraes complexas, diferentes
entre si. Um dos critrios de diferenciao a prpria lngua. Vejamos o que
fala a historiadora Denise Monteiro sobre essa complexidade social indgena:
Mas, de Maneira [sic] geral, os povos indgenas do Brasil tanto os desaparecidos como os sobreviventes so classificados, pelo critrio lingustico, atualmente, em quatro grandes grupos: o tronco tupi, dividido em sete famlias de lnguas, o tronco Macro-J, com nove famlias; o tronco Aruaque e, por ltimo, um grande grupo de lnguas consideradas independentes e ainda no classificadas (MONTEIRO, 2002, p. 21).
Como se percebe, a diviso inicial feita pelos europeus sofreu
modificaes do perodo colonial at os dias de hoje. Se antes os ndios
estavam divididos em Tapuias e Tupis, hoje a organizao e distribuio dos
grupos indgenas, no territrio brasileiro, leva em considerao os troncos
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Captulo 2
33 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
lingusticos aos quais pertencem, revelando uma maior diversidade tnica
da populao indgena do pas. Mas, em meio ao processo de colonizao
europeia, os indgenas passaram por grandes transformaes, principalmente
por meio da troca de culturas e da miscigenao.
Poucos sabem, mas a expanso portuguesa em direo ao interior do
Brasil no foi feita por portugueses, mas por aqueles que Darcy Ribeiro (2006)
denomina brasilndios ou mamelucos, constituindo um brao fundamental
do processo colonizar empreendido na Amrica Portuguesa.
A expanso do domnio portugus terra adentro, na constituio do Brasil, obra dos brasilndios ou mamelucos. Gerados por pais brancos, a maioria deles lusitanos, e mulheres ndias, dilataram o domnio portugus exorbitando a dao [sic] de papel das Tordesilhas, excedendo a tudo que se podia esperar (RIBEIRO, 2006, p. 95).
SAIBA QUE
Existindo um claro e abrangente processo de miscigenao entre
brancos e ndios na chamada Amrica Portuguesa, muitas etnias indgenas
mantiveram suas culturas isoladas das influncias lusitanas, mesmo que
passando, muitas destas, por um processo doloroso de perseguio e
extermnio por parte dos colonizadores. Contudo, ainda podemos encontrar
grupos indgenas que mantm prticas culturais que remetem seus
antepassados coloniais. E, quando analisamos de forma mais cuidadosa,
percebemos que os ndios esto espalhados, ainda hoje, em todas as regies
do Brasil, apresentando uma variao sociocultural muito rica.
Em seu livro, O ndio brasileiro: o que voc precisa saber sobre os
povos indgenas do Brasil de hoje (2006), o filsofo e antroplogo Gersem
dos Santos Luciano (Baniwa) chama ateno para a riqueza e complexidade
cultural das sociedades indgenas no Brasil.
[...] quando falamos de diversidade cultural indgena, estamos falando de diversidade de civilizaes autnomas e de culturas; de sistemas polticos, jurdicos, econmicos, enfim, de organizaes sociais, econmicas e polticas construdas ao longo de milhares de anos, do mesmo modo que outras civilizaes
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Captulo 2
34 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
dos demais continentes: europeu, asitico, africano e a Oceania. No se trata, portanto, de civilizaes ou culturas superiores ou inferiores, mas de civilizaes e culturas equivalentes, mas diferentes (LUCIANO, 2006, p. 46).
Com base nas colocaes de Luciano (2006), possvel perceber que
cada sociedade indgena possui seu modo prprio de viver, com prticas
cotidianas distintas, e no podem ser consideradas iguais apenas por serem
todos denominados ndios. Assim como qualquer sociedade urbana, os ndios
tambm possuem suas especificidades, portanto, ao homogeneizarmos as
diversidades culturais dos ndios, estamos desprezando a riqueza sociocultural
e a diversidade desses povos, deixando de considerar suas diferentes formas
religiosas, artesanais, lingusticas e sociais.
Atualmente, uma srie de polticas pblicas visam a constituir leis
que garantam aos ndios suas terras para que possam, dessa forma, manter
suas tradies e perpetuarem suas prticas culturais. Muitas so as reservas
indgenas existentes no Brasil, mesmo que estejam distribudas em extenses
de terra bem menores do que j foram um dia, o que demonstra quanto o
processo colonizador teve sucesso em sua poltica de perseguio e tomada de
terras indgenas durante todo perodo do Brasil colonial.
A fim de visualizar a diviso geogrfica existente entre as variadas etnias
indgenas brasileiras e ter ideia dos nmeros e reservas existentes, o jornal
O Estado de So Paulo nos fornece um mapa apontando a localizao destas
reservas e mostrando a diversidade geogrfica das sociedades indgenas no Brasil.
Figura 1 - As reservas indgenas no Brasil Fonte: Daniel Lima
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Captulo 2
35 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
O mapa acima indica alguns pontos interessantes. A partir da legenda
fornecida, podemos perceber que o processo de legitimao de reservas
indgenas no de competncia apenas do Governo Federal, mas, tambm,
dos Governos Estaduais, de modo que todos devem cooperar no constante
processo de reconhecimento de direitos dos povos indgenas do Brasil. Desde
1987, a Fundao Nacional do ndio (FUNAI) possui um setor denominado
Departamento de ndios Isolados responsvel por localizar e proteger
tribos isoladas, a fim de manter a cultura dessas etnias e, com isso, garantir a
manuteno da diversidade e riqueza da populao indgena.
A Funai tem como objetivo principal promover polticas de desenvolvimento sustentvel das populaes indgenas, aliar a sustentabilidade econmica scio- ambiental, promover a conservao e a recuperao do meio ambiente, controlar e mitigar possveis impactos ambientais decorrentes de interferncias externas s terras indgenas, monitorar as terras indgenas
regularizadas e aquelas ocupadas por populaes indgenas, incluindo as isoladas e de recente contato, coordenar e implementar as polticas de proteo aos grupos isolados e recm-contatados e implementar medidas de vigilncia, fiscalizao e de preveno de conflitos em terras indgenas (BRASIL, 2012).
SAIBA QUE
Alm de demarcar terras indgenas, protegendo e garantindo a
preservao das etnias indgenas brasileiras que j tiveram contato com
os brancos, a FUNAI tambm se preocupa com aquelas etnias que nunca
mantiveram esse contato. Com relao a esse segundo grupo de indgenas,
Gersem dos Santos Luciano (2006) afirma que, no contato com essas tribos,
devem-se levar em conta duas questes de direitos humanos: A primeira
delas o pleno direito de decidirem se querem ou no qualquer tipo de
aproximao [...] A segunda questo diz respeito ao fato de terem seus
territrios reconhecidos e assegurados pelo Estado brasileiro para a sua
existncia presente e futura (LUCIANO, 2006, p. 54).
Como se percebe, mesmo existindo uma srie de interesses de produtores
agrcolas, mineradores e at mesmo de Estados que desejam ocupar territrios
pertencentes a povos indgenas, funo do Estado brasileiro garantir a
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Captulo 2
36 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
preservao das culturas e dos territrios indgenas, como forma de reparar
questes histricas, garantindo a preservao da diversidade sociocultural dos
ndios do pas, por meio de leis e mecanismos oficiais de regulao federal.
Mas, ser mesmo que necessrio se ter, no Brasil, uma poltica voltada
para as questes indgenas, ou isso deveria se limitar apenas aos Estados que
possuem populaes indgenas? A que est a grande questo! Segundo
dados do Senso de 2010, promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica (IBGE), entre os anos de 2000 e 2010 houve um aumento considervel
de populaes indgenas no Brasil, principalmente pelo fato de muitas pessoas
passarem a se identificar como ndios em decorrncia dos sucessos das lutas
pela legitimidade da identidade indgena e tambm das polticas pblicas de
proteo s etnias e terras indgenas, isso, obviamente, aliado s iniciativas
de preservao indgena e a organizao poltica para proteo por parte da
prpria comunidade indgena do pas. Veja, na Tabela 1, o comparativo da
populao indgena entre 2000 e 2010.
Tabela 1 Populao indgena residente - Brasil e Grandes Regies - 2000/2010
BraSil E GraNdE rEGiO 2000 2010
Brasil 734.127 817.963
Regio Norte 213.443 305.873
Regio Nordeste 170.389 208.691
Regio Sudeste 161.189 97.960
Regio Sul 84.747 74.945
Regio Centro-Oeste 104.360 130.494
Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000/2010.Nota: Em 2000, foram considerados os resultados da amostra.
Conforme aponta o Tabela 1, podemos perceber que houve um
aumento da populao indgena em 3 das 5 regies do pas, formando um
quadro considervel com mais de 800 mil pessoas que passaram a se definir
como ndio. Esse aumento justamente o reflexo do sucesso das polticas de
reafirmao e preservao de reas e etnias indgenas. Viu por que se torna
necessrio pensar a diversidade indgena no pas? Quando agimos de forma
etnocntrica (conforme estudamos no captulo anterior), esquecemo-nos
de perceber e respeitar a diversidade sociocultural de uma grande parcela
da populao do nosso pas, que o caso da populao indgena, que, por
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Captulo 2
37 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
sua vez, fornece-nos uma enriquecedora forma de ver e entender o mundo
a partir de uma diversidade de culturas que, ainda hoje, exercem grande
influncia no nosso cotidiano.
Muitos dos hbitos, costumes, alimentao e crenas da sociedade brasileira so herana direta dos povos indgenas, como, por exemplo: o hbito de andar descalo, o costume de dormir em rede, o hbito da pesca e caa, alimentao base de mandioca, farinha, polvilho, beiju, alm
das crenas na eficcia das plantas como alternativa para cura de doenas (ndios do Brasil, 2012).
CURIOSIDADE
Mas, voc j parou par imaginar o quanto os ndios brasileiros
precisaram lutar para conseguir alguns direitos que lhes garantissem a
prosperidade de sua diversidade cultural? Esse processo de resistncia est
relacionado aos primeiros momentos da colonizao portuguesa, em que
colonizadores e nativos promoveram intensas e dolorosas disputas por terras.
Para voc compreender os atuais conflitos que persistem entre os
interesses capitalistas e as populaes indgenas, precisamos nos remeter a
uma anlise do processo histrico de resistncias indgenas no territrio
brasileiro. Vamos l!
2.2.2 As resistncias indgenas
Como vimos na seo anterior, ao chegarem ao territrio que viria a ser
o Brasil, em 1500, os portugueses se depararam com povos indgenas bastante
diversificados culturalmente. Dessa forma, no podemos falar dos ndios e
considerar que so homogneos, que possuem os mesmos costumes, hbitos,
religio, economia, etc. Pelo contrrio, durante os primeiros sculos da nossa
histria, os europeus se depararam com uma diversidade significativa entre os
grupos indgenas espalhados pelo Brasil.
E a prpria dinmica da colonizao da Amrica Portuguesa resultou,
em partes, na reduo significativa do nmero de ndios ao longo da
nossa histria.
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Captulo 2
38 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
CONCEITO
Colonizao, mais do que um conceito, uma categoria histrica, porque diz respeito a diferentes sociedades e momentos ao longo do tempo. A ideia de colonizao ultrapassa as fronteiras do Novo Mundo: um fenmeno
de expanso humana pelo planeta, que desenvolve a ocupao e o povoamento de novas regies. Portanto, colonizar est intimamente associado a cultivar e ocupar uma rea nova, instalando nela uma cultura preexistente em outro espao. Assim sendo, a colonizao em determinadas pocas histricas foi realizada sobre espaos vazios, como ocaso das migraes pr-histricas que trouxeram a espcie humana ao continente americano. Mas, desde que a humanidade se espalhou pelo mundo, diminuindo significativamente os vazios geogrficos, o tipo de colonizao mais comum tem sido mesmo aquele executado sobre reas j habitadas, como a colonizao grega do Mediterrneo, na Antiguidade, e a colonizao do Novo Mundo, na Idade Moderna. ( SILVA, 2012, p. 67).
2.2.3 A colonizao da Amrica Portuguesa e os ndios
Quando falamos da colonizao portuguesa no Brasil, geralmente,
fazemos uma associao desta com a explorao econmica. Parece que
a nossa memria j evoca aquelas aulas de histria do Brasil que tivemos
no ensino bsico, nas quais, o professor ensinava que os portugueses s
queriam retirar a riqueza do Brasil e levar para a Europa. Ser que era s
isso mesmo? No haveria outras motivaes? Vamos repensar essas ideias?
Leia esse trecho da carta de Pero Vaz de Caminha endereada ao Rei de
Portugal em maio de 1500.
TEXTO 1
A Carta
At agora no pudemos saber se h ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo dagora assim os achvamos como os de l. guas so muitas; infinitas. Em tal maneira graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se- nela tudo; por causa das guas que tem!
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Captulo 2
39 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que ser salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lanar. E que no houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegao de Calicute bastava. Quanto mais, disposio para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa f!
Fonte: CAMINHA, Pero Vaz de. A Carta. Disponvel em: . Acesso em: 30 de setembro de 2012
O objetivo da carta de Pero Vaz Caminha era informar ao Rei de Portugal,
D. Manuel I, tudo o que sua expedio visse na terra, seja a descrio da
natureza, das guas, dos animais e da flora, seja de seus habitantes. Caminha
descreveu prontamente tudo o que viu. Lendo uma parte dessa carta, voc
diria que a colonizao portuguesa s era motivada pela busca dos metais
preciosos? Voc conseguiu identificar outro interesse alm do econmico?
Qual? Se no, veja: Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-
me que ser salvar esta gente. O que esse trecho quer dizer na prtica?
Isso quer dizer que o interesse luso no se reduziu apenas explorao
econmica da terra recm-encontrada. Salvar esta gente mostra que o
objetivo da colonizao passaria, tambm, pela propagao do cristianismo
para esta gente, o ndio. Entretanto, vale destacar que salvar o ndio no,
necessariamente, era o papel da Coroa Portuguesa. A Igreja catlica, atravs
das ordens religiosas, como a dos Jesutas, tinha como encargo promover a
evangelizao dos ndios. Desse modo, coube ao Estado portugus o papel
fundamental de garantir a soberania poltica sobre a Colnia, dot-la de
uma administrao, promover o povoamento, resolver os problemas bsicos,
como o da mo-de-obra, enquanto Igreja caberia transformar os ndios,
atravs do ensino, em bons cristos, reunindo-os em pequenos povoados
ou aldeias (FAUSTO, 2003).
Depois de convertidos, muitos ndios eram aldeados pelas misses
jesuticas, desempenhando vrios papeis, sobretudo, aqueles ligados ao
servio na lavoura que, por sua vez, dava o sustento material da aldeia.
Nela, os ndios, tambm, realizavam tarefas vinculadas atividade artesanal,
sendo parte daquilo que era produzido comercializada pelos prprios
padres. Poderiam, ainda, ser requisitados para outras atividades, tais como:
lavouras e criaes, na pesca, nas salinas (MONTEIRO, 2002). Alm disso, o
ndio aldeado e convertido propiciaria maior obedincia autoridade real e,
consequentemente, contribuiria para o avano da colonizao pelo territrio
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Captulo 2
40 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
da Colnia. Contudo, nem sempre os interesses da Coroa Portuguesa se
assemelhavam, coadunavam aos da Igreja. As ordens religiosas tentaram
proteger os ndios da escravido imposta pelos colonos, o que gerou vrios
choques entre os padres e os colonos.
Em 1681, o rei de Portugal criou um rgo especificamente para tratar dos assuntos relacionados com grupos de indgenas j submetidos pela colonizao a Junta das Misses. Foi a partir de ento que teve incio a chamada misses de aldeamento, em que os
ndios subjugados passaram a ser governados por missionrios de diferentes ordens religiosas, como os jesutas, os capuchinhos, os carmelitas, etc (MONTEIRO, 2002).
CURIOSIDADE
A alternativa encontrada pela Coroa Portuguesa para resolver o
problema da mo-de-obra foi o incentivo ao trfico de escravos africanos
para o Brasil ainda no sculo XVI. A partir da segunda metade desse sculo,
o nmero de escravos africanos tendeu a aumentar, o que permitiu que
houvesse um declnio da utilizao da mo-de-obra indgena na lavoura de
cana-de-acar.
Isso no quer dizer que todos os ndios deixaram de ser escravos.
Muitos ndios continuaram sendo utilizados como mo-de-obra na lavoura de
cana-de-acar, na explorao das drogas-do-serto, na pecuria, na pesca,
etc (MONTEIRO, p.111). O fim da escravido indgena s ocorreu em 1758,
durante a administrao do Marqus de Pombal (1750-1777) em Portugal.
Apesar da abolio da escravido indgena, a situao dos ndios no foi
marcada pela melhoria de suas vidas. Muitos continuaram trabalhando em
condies precrias e perdendo seus territrios, reduzindo cada vez mais o seu
habitat. Entretanto, vale destacar que os ndios no esperaram a proteo
das ordens religiosas, que tambm se apropriam do trabalho indgena nas
aldeias, para resistirem ao trabalho compulsrio e escravido. Os ndios
no aceitaram passivamente essa condio, esperando que os padres jesutas
ou de outras ordens religiosas pudessem defend-los. Pelo contrrio, muitos
indgenas resistiram de vrias formas escravido, ao processo de aldeamento
e perda de seus territrios.
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41 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
2.2.4 A diversidade das formas de resistncia indgena
Segundo Gersem dos Santos Luciano Baniwa , os povos indgenas
sempre resistiram a todo o processo de dominao, massacre e colonizao
europeia por meio de diferentes estratgias, desde a criao de federaes e
confederaes de diversos povos para combaterem os invasores, at suicdios
coletivos (2006, p.57). interessante pensarmos as formas de resistncias
indgenas a partir de suas relaes com as estruturas de poder e dominao
(FERREIRA, 2007). A colonizao, a escravido e a conquista territorial dos
colonizadores se estabelecem como formas de dominao em que o universo
indgena esteve submetido ao longo da histria do Brasil. Nesse processo, os
ndios desenvolveram vrias estratgias para escaparem da ordem estabelecida
pela lgica da colonizao.
Ao organizarem fugas ou at mesmo ao cometerem suicdio, os ndios
estavam resistindo s formas de dominao que lhes eram impostas. No
podemos discriminar nenhum desses tipos de resistncia, mesmo que o suicdio
represente, para a nossa sociedade contempornea, uma prtica errada. Os
ndios se valiam desses expedientes em favor de suas prprias vidas, apesar
de, contraditoriamente, terem de perd-las. Isso demonstra o comportamento
dos seres humanos de reagirem a situaes de total dominao ou explorao,
s vezes, lanando mo de estratgias radicais, como, por exemplo, o suicdio,
outras vezes, se desesperando e fugindo.
As guerras tambm se constituram como estratgia de resistncia
indgena dominao durante o perodo colonial. A resistncia indgena, por
meio de guerras, foi mais forte no Rio de Janeiro, a cargo dos Tamoios, e no
atual Nordeste. A confederao dos Tamoios, ocorrida entre 1554 e 1567 e a
Guerra dos Brbaros, de 1680 a 1720, exemplificam, respectivamente, as duas
grandes guerras indgenas contra a colonizao europeia.
A Guerra dos Brbaros, por exemplo, foi um conflito que envolveu
vrios indgenas do grupo lingustico macro-j e as foras colonizadoras
portuguesas na Amrica. O conflito que englobou os colonizadores
portugueses e seus agentes por um lado e, por outro, a aliana indgena,
que ficaria conhecida como Confederao Cariri, que se constitua, entre
outros, por jandus, paiacus, caripus, ics, caratis e cariris, teve incio no
final do sculo XVII e durou at, pelo menos, a segunda dcada do sculo
XVIII (DIAS, 2001, p.5 e 6.).
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42 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
Desde o incio da colonizao portuguesa na Amrica, os ndios que ocupavam o territrio que estava sendo conquistado pelos portugueses foram constantemente denominados de brbaros numa classificao claramente etnocntrica, que levava em conta sua aparente falta de organizao social, religiosa e poltica, e principalmente seus hbitos antropofgicos.
Estes, a princpio, foram vistos como costumes bestiais e selvagens, o que lhes garantia o adjetivo denegridor [sic], sem que se levasse em conta seu contexto cultural (DIAS, 2001, p.6).
SAIBA QUE
Com a expanso das fazendas de gado durante o sculo XVII e a doao
de sesmarias para alm do litoral em direo ao serto do atual Nordeste,
as terras indgenas foram conquistadas pelo processo de expanso territorial
portuguesa. Cercados pela expanso do gado e pela penetrao cada vez
maior de colonos, os ndios tiveram que se organizar em confederaes a fim
de evitar a conquista de seus territrios.
CONCEITO
A sesmaria foi conceituada no Brasil como uma extenso de terra virgem, cuja propriedade era doada a um sesmeiro, com a obrigao raramente cumprida de cultiv-la no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido Coroa.
Houve em toda a Colnia imensas sesmarias, de limites mal definidos, como a de Brs Cubas, que abrangia parte dos atuais municpios de Santos, Cubato e So Bernardo ( FAUSTO, 2003, p.45).
As tribos indgenas do serto passaram a reagir expanso dos colonos,
atancando-os. Prontamente, as autoridades locais solicitaram, junto Coroa
Portuguesa, reforos militares. As expedies militares, no primeiro momento,
no foram prias para a superioridade numrica dos indgenas nem para a
vantagem de conhecerem o territrio.
Uma das formas encontradas pelas autoridades da Colnia foi a
contratao dos teros paulistas, bandeirantes paulistas que tinham grande
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Captulo 2
43 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
experincia no aprisionamento de ndios de outras reas da Colnia e
no desbravamento do interior da Colnia. A partir dessas expedies dos
teros paulistas em meados de 1690, os rumos da guerra passaram a mudar
(MONTEIRO, 2002, p. 85). Os ndios passaram a ser derrotados e muitos tiveram
que fugir para outras provncias para no serem dizimados.
Com o final da Guerra dos Brbaros, muitos ndios foram mortos,
dizimados, outros foram aldeados pelas misses jesutas e alguns se tornaram
mo-de-obra de vrios sesmeiros e posseiros da Colnia, que se utilizavam do
trabalho indgena para as suas lavouras e criaes de gado, tanto no litoral
como no serto (MONTEIRO, 2002, p.93)
Fugas, suicdios e guerras so exemplos das vrias formas de resistncia
indgena durante o perodo colonial. Mas e hoje? Os ndios ainda resistem? A
resposta sim. De que maneira?
Atravs do Movimento Indgena, os ndios se organizam em defesa
de seus direitos e interesses coletivos (LUCIANO, 2006, p.58). No Brasil, desde
a dcada de setenta, o movimento indgena brasileiro se organiza em um
esforo conjunto e articulado de lideranas, povos e organizaes indgenas
com o escopo de elaborar uma agenda comum de luta, como a agenda pela
terra, pela sade, pela educao e por outros direitos (LUCIANO, 2006, p.59).
TEXTO 2
Segundo Rosa Helena Dias da Silva, a emergncia do movimento indgena nos 70 deve-se a trs fatores.
Um primeiro, interno, dos povos indgenas que se encontravam, na sua quase totalidade, em uma situao extrema, tendo seus territrios invadidos ou tomados, suas expresses culturais ridicularizadas e desprezadas; enfim, sendo condenados compulsoriamente ao extermnio enquanto povos etnicamente diferenciados.
Um segundo, externo, da sociedade majoritria, envolvente, onde comeava a se articular um movimento de resistncia e oposio ao regime militar ditatorial que se havia implantado no pas. Foi o momento em que emergiram novos movimentos e atores sociais, que aos poucos foram criando e desenvolvendo estratgias de luta para mudana e transformao da realidade sociopoltica e econmica do pas.
Um terceiro, continental, e mais especificamente centro e sul-americano, onde se dava um embate muito forte entre os setores da sociedade em diversos pases. Por um lado, buscava-se a implantao de novos modelos polticos e econmicos (a partir do paradigma socialista); por outro, explodia a reao violenta das classes dominantes, impondo regimes ditatoriais, instaurando a represso perseguio, tortura e violncia institucionalizada. (SILVA, 2000, p.96)
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Captulo 2
44 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais
Como fruto desse esforo conjunto, o movimento indgena conseguiu
que o Congresso Nacional aprovasse, em 1988, atravs da atual Constituio
Federal, vrias medidas ligadas, por exemplo, aos direitos terra indgena,
para que fossem respeitadas e garantidas as reservas e as demarcaes do seu
territrio, e poltica educacional, resultando na chamada educao escolar
indgena diferenciada, que possibilita a cada povo indgena definir e exercitar,
no mbito de sua escola, os processos prprios de ensino-aprendizagem
e produo e reproduo dos conhecimentos tradicionais e cientficos de
interesse coletivo do povo ( LUCIANO, 2006, p. 59).
Atravs do Movimento Indgena e de outras formas de organizao, os
ndios tm reivindicado seus direitos. Tm lutado por melhores condies de
moradia, de sade, de educao, de vida. Enfim, tm resistido ao preconceito
racial, ao estigma social e s diversas formas de excluso social.
2.3 Aplicando a teoria na prtica
Leia com bastante ateno a reportagem a seguir:
TEXTO 3
Demarcao d garantias a ndios
Professor do Departamento de Antropologia da Universidade Braslia (UnB), Stephen Baines desenvolve uma pesquisa sobre etnologia indgena e Estados nacionais, na qual analisa casos de Brasil, Canad e Austrlia - que enfrentam debates comuns, tais como a demarcao e a explorao das terras destinadas aos ndios. Para o professor, no existe nenhum modelo que possa ser copiado pelos brasileiros, pois as diferenas entre as condies de cada pas so enormes.
Isso posto, observa: os aborgines da Austrlia tm territrio maior que o dos ndios brasileiros; em 1999 o Canad destinou a indgenas rea contnua quase cem vezes maior que a da polmica Raposa Serra do Sol e isso no causou problemas; e em todas as terras indgenas abertas minerao empresarial houve problemas ambientais e culturais. Baines acredita que qualquer deciso no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a homologao da Raposa atentar contra a Constituio e assegura: Os rizicultores so os invasores.
Na polmica em torno da Raposa Serra do Sol, ningum se ope concesso de terras aos ndios. O problema est na forma da demarcao: em terra contnua ou em ilhas, com a permanncia de no-indgenas no territrio.
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