Sociedade e Educacao Das Relacoes Etnico-Raciais

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  • UNIVERSIDADE POTIGUAR UnPPR-REITORIA ACADMICA

    NCLEO DE EDUCAO A DISTNCIA NEaD

    Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    Livro-texto EaD

    Natal/RN EdUnP2013

  • DIRIGENTES DA UNIVERSIDADE POTIGUAR UnP

    ReitoriaSmela Soraya Gomes de Oliveira

    Pr-Reitoria AcadmicaSandra Amaral de Arajo

    NCLEO DE EDUCAO A DISTNCIA UNIVERSIDADE POTIGUAR UnP

    Coordenao Geral Barney Silveira Arruda

    Coordenao AcadmicaLuciana Lopes Xavier

    Coordenao PedaggicaPriscilla Carla Silveira Menezes

    Apoio AcadmicoEliane Ferreira de Santana Calheiros

    Francilene Amorim XavierLidiane de Medeiros Lucena

    rsula Andra de Arajo Silva

    Apoio PedaggicoMichelle Cristine Mazzetto Betti

    Produo de Recursos Didticos para a EaDMichelle Cristine Mazzetto Betti

    Supervisor de Tecnologia da InformaoWeinberg de Paiva e Souza

    Coordenao de LogsticaHelionara Lucena Nunes

    Assistente AdministrativoElba Kaline Lima de BritoRicardo Luiz Quirino da Silva

    O48s Torquato, Arthur Luis de Oliveira. Sociedade e educao das relaes tnicos-raciais / Arthur Luis de Oliveira Torquato, Bruno Balbino Aires da Costa. Natal: EdUnP, 2013. 190p. : il. ; 20 X 28 cm

    Ebook Livro eletrnico disponvel on-line. ISBN 978-85-8257-008-1

    1. Sociedade Educao. 2. Educao - Relaes tnicos- raciais. I. Costa, Bruno Balbino Aires da. II. Ttulo.

    RN/UnP/SIB CDU 316.37

  • Arthur Lus de Oliveira Torquato Bruno Balbino Aires da Costa

    Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    1a edio

    Natal/RN EdUnP2013

  • EQUIPE DE PRODUO DE RECURSOS DIDTICOS

    OrganizaoAntonio Vladimir Felix da Silva

    Coordenao de Produo de Recursos DidticosMichelle Cristine Mazzetto Betti

    Reviso de Linguagem e Estrutura em EaDMichelle Cristine Mazzetto Betti

    Ilustrao do MascoteLucio Masaaki Matsuno

    EQUIPE DE PRODUO DE MATERIAL DIDTICODelinea - Tecnologia Educacional

    Diretoria ExecutivaCharlie Anderson Olsen

    Larissa Kleis PereiraMargarete Lazzaris Kleis

    Thiago Kleis Pereira

    DiagramaoAlexandre Alves de Freitas Noronha

    IlustraesAlexandre Oliveira

  • ARTHUR LUS DE OLIVEIRA TORQUATO

    Ol, tudo bom?

    com grande satisfao que venho compartilhar meus

    conhecimentos com voc. Possuo licenciatura e bacharelado em

    Histria (2008) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    (UFRN). Nesta mesma instituio fiz mestrado em Histria (2011)

    e fui professor temporrio entre 2011 e 2012, atuando nos cursos

    de Histria e Cincias Sociais. Ainda em 2012, ingressei no Curso

    de Histria da Universidade Potiguar (UnP). J participei de vrias

    pesquisas na rea de Histria, mas o meu foco principal est

    relacionado aos aspectos polticos e culturais do Brasil e do Rio Grande

    do Norte no sculo XX. Se tiver interesse em conhecer o meu lattes,

    acesse o link http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.

    do?id=W9154572. Espero poder auxili-lo na compreenso da

    pluralidade tnica e cultural que forma o Brasil contemporneo.

    Boa leitura!

    BRUNO BALBINO AIRES DA COSTA

    Ol! Estou contente em participar da sua formao intelectual!

    Sou formado em Histria pela Universidade Estadual do Rio Grande

    do Norte (UERN) e mestre em Histria pela Universidade Federal do

    Rio Grande do Norte (UFRN). Leciono as disciplinas de Histria da

    frica, Estudos Contemporneos da Cultura, Histria da Educao

    Brasileira e Historiografia brasileira no curso de Histria da

    Universidade Potiguar (UnP). Alm disso, sou professor e orientador

    do curso de ps-graduao em Histria do Brasil da UnP. Tambm

    fui autor do livro Mossor no cabe num livro: Lus da Cmara

    Cascudo, o historiador da cidade, publicado pela editora Ideia, em

    2011, e de alguns artigos publicados em outros livros e em revistas

    impressas e eletrnicas de Histria, que podem ser visualizados

    no meu lattes, no link http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/

    visualizacv.do?id=K4485179E0. Espero que o nosso livro possa

    contribuir significativamente na sua formao!

    CON

    HEC

    END

    O O

    AU

    TOR

  • SOCIEDADE E EDUCAO DAS RELAES TNICO-RACIAIS

    Caro aluno.

    O sculo XX e as polticas tnicas implementadas no Brasil

    so fundamentais para que possamos compreender, reconhecer e

    respeitar as diferenas tnicas e culturais que formam a sociedade

    brasileira contempornea. Nesse sentido, a proposta deste livro

    promover uma compreenso mais aprofundada a educao das

    relaes tnico-raciais mediados pela reflexo terica e prtica

    sobre os processos de excluso e incluso social na formao e

    estruturao da sociedade brasileira.

    Ao longo de sua leitura, voc ter a oportunidade de conhecer,

    explorar e indagar sobre os processos polticos, conceituais e

    culturais que formam a complexa sociedade brasileira. Tambm

    discutiremos as correntes tericas e as questes culturais que

    formam a diversidade tnico-cultural do nosso pas, a partir de um

    levantamento histrico, sociolgico e antropolgico, tendo como

    base renomados cientistas sociais da atualidade.

    Ao final da sua leitura, esperamos que voc seja capaz

    de identificar as pluralidades culturais, respeitando suas

    particularidades e diferenas; reconhecer a contribuio dos ndios,

    negros, europeus e asiticos na formao da social, tnica e cultural

    do Brasil; apontar a importncia e as especificidades de conceitos

    sociais fundamentais como etnia, raa e sociedade.

    Esperamos que o contedo aqui apresentado contribua para o

    desenvolvimento da sua autonomia intelectual, no que se refere s

    questes tnico-raciais brasileiras, e que ele desperte seu interesse

    em compreender a importncia da riqueza da multiplicidade tnica

    e cultural em nosso Brasil.

    Bons estudos e uma prazerosa leitura!

    CON

    HEC

    END

    O A

    DIS

    CIPL

    INA

  • SUM

    RI

    OCaptulo 1 - Estrutura social e aspectos tnico-culturais ......................... 131.1 Contextualizando ........................................................................................................... 131.2 Conhecendo a teoria ..................................................................................................... 141.2.1 Conceitos de cultura, etnia, etnocentrismo e aspectos da estrutura social brasileira ............................................................................................. 141.2.2 Cultura ...................................................................................................................... 141.2.3 Etnocentrismo ....................................................................................................... 161.2.4 Etnia e raa ............................................................................................................. 171.2.5 Estrutura social ...................................................................................................... 191.2.6 Preconceito, racismo, discriminao e estigma social ............................ 20 Preconceito .............................................................................................................. 21 Racismo .................................................................................................................... 23 Discriminao e estigma social ............................................................................ 26

    1.3 Aplicando a teoria na prtica ..................................................................................... 271.4 Para saber mais ............................................................................................................... 281.5 Relembrando ................................................................................................................... 281.6 Testando os seus conhecimentos ............................................................................. 29Onde encontrar ...................................................................................................................... 30

    Captulo 2 - Etnocentrismo e questo racial no Brasil: ndios ................ 312.1 Contextualizando ........................................................................................................... 312.2 Conhecendo a teoria ..................................................................................................... 32

    2.2.1 A diversidade indgena brasileira ................................................................... 322.2.2 As resistncias indgenas................................................................................... 372.2.3 A colonizao da Amrica Portuguesa e os ndios .................................. 382.2.4 A diversidade das formas de resistncia indgena ................................... 41

    2.3 Aplicando a teoria na prtica ..................................................................................... 442.4 Para saber mais ............................................................................................................... 462.5 Relembrando ................................................................................................................... 472.6 Testando os seus conhecimentos ............................................................................. 48Onde encontrar ...................................................................................................................... 48

    Captulo 3 - Etnocentrismo e questo racial no Brasil: africanos ............ 513.1 Contextualizando ........................................................................................................... 513.2 Conhecendo a teoria ..................................................................................................... 52

    3.2.1. A diversidade africana no Brasil ..................................................................... 523.2.2 Formas de resistncia africana escravido .............................................. 57 Resistncias individuais: do suicdio as fugas ................................................... 61 Resistncias coletivas: dos quilombos s rebelies ......................................... 63

    3.3 Aplicando a teoria na prtica ..................................................................................... 733.4 Para saber mais ............................................................................................................... 743.5 Relembrando ................................................................................................................... 753.6 Testando os seus conhecimentos ............................................................................. 76Onde encontrar ...................................................................................................................... 76

  • Captulo 4 - Grupos tnicos na sociedade brasileira contempornea ........................ 794.1 Contextualizando .................................................................................................................................... 794.2 Conhecendo a teoria .............................................................................................................................. 80

    4.2.1 A pluralidade tnica da sociedade brasileira contempornea. .................................... 80 As razes da imigrao ................................................................................................................... 84 A vinda dos imigrantes ao Brasil e sua diversidade .................................................................. 87

    4.3 Aplicando a teoria na prtica .............................................................................................................. 924.4 Para saber mais ........................................................................................................................................ 944.5 Relembrando ............................................................................................................................................ 944.6 Testando os seus conhecimentos ...................................................................................................... 96Onde encontrar ............................................................................................................................................... 96

    Captulo 5 - Cidadania e democracia na formao da sociedade brasileira ............... 975.1 Contextualizando .................................................................................................................................... 975.2 Conhecendo a teoria .............................................................................................................................. 98

    5.2.1 Discutindo os conceitos de Cidadania e Democracia ..................................................... 98 Uma longa histria: cidadania e democracia no Brasil ..........................................................1005.2.2 Cidadania e Democracia: avanos e retrocessos histricos .........................................106

    5.3 Aplicando a teoria na prtica ............................................................................................................1145.4 Para saber mais ......................................................................................................................................1155.5 Relembrando ..........................................................................................................................................1165.6 Testando os seus conhecimentos ....................................................................................................118Onde encontrar .............................................................................................................................................118

    Captulo 6 - Polticas de incluso social .......................................................................1216.1 Contextualizando ..................................................................................................................................1216.2 Conhecendo a teoria ............................................................................................................................122

    6.2.1 Estatuto da igualdade social ...................................................................................................1226.2.2 Aes afirmativas para ndios, negros e pardos ...............................................................127

    6.3 Aplicando a teoria na prtica ............................................................................................................1346.4 Para saber mais ......................................................................................................................................1366.5 Relembrando ..........................................................................................................................................1366.6 Testando os seus conhecimentos ....................................................................................................138Onde encontrar .............................................................................................................................................138

    Captulo 7 - Direitos sociais no Brasil ..........................................................................1417.1 Contextualizando ..................................................................................................................................1417.2 Conhecendo a teoria ............................................................................................................................142

    7.2.1 O processo poltico das lutas sociais no Brasil ..................................................................1427.2.2 Os direitos sociais no Brasil Contemporneo ...................................................................148

    7.3 Aplicando a teoria na prtica ............................................................................................................1567.4 Para saber mais ......................................................................................................................................1587.5 Relembrando ..........................................................................................................................................1597.6 Testando os seus conhecimentos ....................................................................................................161Onde encontrar .............................................................................................................................................161

  • Captulo 8 - Relaes tnico-raciais e educao inclusiva na sociedade brasileira contempornea.............................................................................................1658.1 Contextualizando ..................................................................................................................................1658.2 Conhecendo a teoria ............................................................................................................................166

    8.2.1 As relaes tnico-raciais no Brasil .......................................................................................1668.2.2 O Estado e a educao inclusiva no Brasil .........................................................................172

    8.3 Aplicando a teoria na prtica ............................................................................................................1748.4 Para saber mais ......................................................................................................................................1768.5 Relembrando ..........................................................................................................................................1768.6 Testando os seus conhecimentos ....................................................................................................177Onde encontrar .............................................................................................................................................178

  • Captulo 1

    13 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    ESTRUTURA SOCIAL E ASPECTOS TNICO-CULTURAIS

    CAPTULO 1

    1.1 Contextualizando

    Para iniciarmos o tema Sociedade e Educao tnico-raciais,

    partiremos de conceitos ligados antropologia cultural, sociologia e

    histria para compreendermos concepes bsicas, que so fundamentais

    em qualquer anlise sociocultural, como raa e racismo, etnia e

    etnocentrismo, cultura e estrutura social. A sua reflexo acerca desses conceitos

    de suma importncia, pois, assim, vamos conseguir promover um dilogo

    saudvel e enriquecedor.

    importante ressaltarmos que este captulo ser a base terica do

    nosso livro e, por isso, faz-se necessrio frisar a importncia de sua clara

    compreenso. Sabendo disso, nossa inteno que voc entenda alguns

    conceitos que tanto utilizamos no nosso dia-a-dia sem, muitas vezes, conhecer

    as suas especificidades, sua riqueza e influncia na educao e nas relaes

    estabelecidas no nosso cotidiano.

    Ao final dessa leitura, esperamos que voc seja capaz de identificar

    conceitos, como cultura, etnia, etnocentrismo, estrutura social, raa, racismo

    e preconceito. Desejamos que voc seja capaz de relacionar os conceitos

    discutidos neste captulo com o seu cotidiano.

    Objetivamos fazer neste captulo uma discusso filosfica, bem como

    apresentar conceitos bsicos que se faro presentes em todo nosso livro,

    e tambm nos aprofundar em palavras que regularmente utilizamos nas

    relaes que vivenciamos nos grupos sociais em que estamos inseridos. Vamos

    comear? Boa leitura!

  • Captulo 1

    14 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    1.2 Conhecendo a teoria

    1.2.1 Conceitos de cultura, etnia, etnocentrismo e aspectos da estrutura social brasileira

    Ao iniciarmos um estudo sobre qualquer assunto, devemos sempre

    conhecer o significado de conceitos que sero fundamentais para a

    compreenso das nossas leituras. Como apresentado na questo anterior,

    a partir de agora, iremos compreender alguns aspectos importantes para

    o entendimento da estrutura social brasileira e conhecer importantes

    conceitos, como cultura, raa, etnia e etnocentrismo. A anlise dos

    conceitos que aparecero neste captulo no universal, h outras

    correntes de pensamentos sobre eles, mas acreditamos que a que aqui

    apresentaremos consegue exprimir, de forma clara e didtica, seus significados

    e prticas. Est preparado?

    1.2.2 Cultura

    Quando conhecemos uma pessoa que demonstra muito

    conhecimento, costumamos afirmar que ela uma pessoa culta, ou seja, o

    fato de uma pessoa demonstrar conhecimento sobre determinados temas

    com propriedade nos transmite uma ideia de que ela detentora de grande

    cultura, ou que l muito ou mesmo que muito inteligente.

    No entanto, desde j, devemos deixar claro que essa uma viso

    muito pobre para definirmos o termo cultura. Isso porque cultura

    no algo que possui uma definio nica, ou mesmo pode ser uma

    caracterstica prpria daqueles que possuem grande erudio, a

    ideia de cultura bem mais abrangente e complexa do que uma

    definio como essa. Segundo o antroplogo norte-americano Clifford

    Geertz (1973, p. 24) A cultura no um poder, algo ao qual podem ser

    atribudos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos,

    as instituies ou os processos; ela um contexto, algo dentro do qual

    eles (os smbolos) podem ser descritos de forma inteligvel isto ,

    descritos com densidade.

    Na verdade, o que Clifford Geertz (1973) quer dizer que a cultura

    no algo que pertence apenas a determinadas pessoas, mas algo

    que intensamente construdo na prtica, na convivncia cotidiana

  • Captulo 1

    15 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    entre os indivduos e que, portanto, a cultura deve ser compreendida

    como formas diferentes que cada grupo social tem de ver e entender o

    mundo. Parece uma ideia muito abrangente, no ? Mas vamos pensar

    um pouco mais.

    Quando no conhecemos uma pessoa ou um lugar, geralmente

    utilizamos o conhecimento que possumos para imaginar como tal pessoa

    ou tal lugar so. Na verdade, o que estamos fazendo pensar o outro

    a partir de conceitos, da bagagem cultural que adquirimos ao longo

    de nossas vidas como iremos discutir mais frente. A partir de nossas

    experincias, adquirimos uma herana cultural que nos auxilia a interpretar

    nossos cotidianos.

    O antroplogo brasileiro Roque de Barros Laraia (2001), com base na

    tambm antroploga Ruth Benedict, afirma que a cultura como uma

    lente atravs da qual o homem v o mundo. Homens de culturas diferentes

    usam lentes diversas e, portanto, tm vises desencontradas das coisas

    (LARAIA, 2001 p. 67). Pensado dessa maneira, o conceito de cultura passa

    a ser visto a partir de um olhar muito mais complexo, mas, ao mesmo

    tempo, muito interessante: passamos a perceber que cultura corresponde

    ideia de diversidade, de vrias formas de se observar um mesmo

    objeto ou realidade.

    Essa pluralidade de percepo muito interessante, no verdade?

    A partir dessa ideia de cultura, comeamos a entender porque, s vezes,

    divergimos dos nossos amigos sobre um mesmo tema, desde os mais

    complexos vistos em sala de aula, at mesmo quando discutimos o jogo

    do nosso time no dia anterior, e sempre achamos que nossas vises esto

    corretas, j percebeu?

    So nessas prticas cotidianas dos debates que conseguimos perceber

    as diferenas culturais que existem ao nosso redor. Ah! Mas essa pluralidade

    cultural deve ser vista como algo muito positivo, pois so as diferentes formas

    de enxergar as coisas ao nosso redor que possibilitam o progresso, seja social,

    econmico, seja cientfico, etc. Por exemplo? A compreenso dos dialetos

    indgenas fundamental para entendermos os nomes de vrios espaos das

    nossas cidades, demonstrando o quanto a tradio da cultura indgena ainda

    uma presena constante no nosso cotidiano.

  • Captulo 1

    16 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    O grande problema quando passamos a achar que apenas a nossa

    cultura nossa forma de ver o mundo a correta, a mais justa ou a

    nica. Pensando dessa forma, estaremos cometendo o que chamamos de

    etnocentrismo e, a, deixamos de perceber todas as qualidades que as outras

    culturas tm a nos oferecer. Voc sabe o que etnocentrismo? o que vamos

    apresentar na prxima seo! Vamos l?

    1.2.3 Etnocentrismo

    Como vimos na seo anterior, grande parte dos progressos humanos

    nascem do dilogo, de formas diferentes de entender o mundo. As discusses

    entre pessoas de culturas diferentes sempre proporcionam avanos

    significativos nas relaes sociais, o que ficou mais acentuado aps a Segunda

    Guerra Mundial, em 1945, e a fundao da Organizao das Naes Unidas

    ONU, com sede em Nova Iorque. Nesse espao, naes de diferentes culturas

    passaram a se conhecer e a discutir seus pontos de divergncia e, por meio de

    dilogos, tentam encontrar uma resoluo pacfica que, em tese, respeite as

    especificidades culturais e polticas dos envolvidos nas discusses.

    A Organizao das Naes Unidas, tambm conhecida pela sigla ONU, uma organizao internacional formada por pases que se reuniram voluntariamente para trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundiais. O prembulo da Carta das Naes Unidas documento de fundao da Organizao expressa os ideais e os propsitos dos povos cujos governos se uniram para constituir as Naes Unidas (ONU BRASIL, 2012).

    SAIBA QUE

    Quando passo a achar que a minha cultura sempre superior outra, ou

    mesmo que a minha viso a mais correta , na verdade estou incorrendo em

    uma prtica etnocntrica, ou seja, estou diminuindo, menosprezando a viso

    cultural do outro em privilgio da minha forma cultural de enxergar uma

    dada situao. O doutor em Antropologia Social, Everardo Pereira G. Rocha

    (1988), em um clssico livro sobre etnocentrismo, d-nos uma viso bastante

    enriquecedora acerca desse conceito. Segundo ele,

  • Captulo 1

    17 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    CONCEITO

    Etnocentrismo uma viso do mundo onde o nosso prprio grupo tomado como centro de tudo e todos os outros so pensados e sentidos atravs dos nossos valores, nossos modelos, nossas definies do que a existncia. No

    plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferena; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc. Perguntar sobre o que etnocentrismo , pois, indagar sobre um fenmeno onde se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo, estes dois planos do esprito humano sentimento e pensamento vo juntos compondo um fenmeno no apenas fortemente arraigado na histria das sociedades como tambm facilmente encontrvel no dia-a-dia das nossas vidas (ROCHA, 1988, p. 5).

    A viso de Everardo Rocha (1988) nos auxilia bastante no entendimento

    acerca da ideia de etnocentrismo. Porm, aprofundaremos essa discusso nos

    pargrafos seguintes.

    Como fica claro, o etnocentrismo algo que pode ser percebido em

    diversos aspectos da nossa vida, seja em relao a discusses intelectuais

    seja nas discusses de cunho afetivo que temos no decorrer do nosso dia.

    Ao julgar o outro sem entender suas singularidades e sua herana cultural,

    no estaremos agindo racionalmente, mas estaremos expressando nossos

    conceitos culturais em detrimento dos alheios, incorrendo claramente em uma

    prtica preconceituosa, ou seja, formulando conceitos sem entender a herana

    cultural, a forma de ver do outro. Em sntese, estaremos sendo etnocntricos.

    Mas, h dois conceitos relevantes que esto ligados diretamente ao conceito de

    etnocentrismo, so eles: etnia e raa. Vamos conhec-los mais profundamente?

    1.2.4 Etnia e raa

    Etnia e raa so dois conceitos que comumente confundimos em nosso

    cotidiano tomando-os, muitas vezes, como sinnimos quando, na verdade, so

    distintos. Uma das maiores referncias nesse assunto o antroplogo Kebengele

    Munanga, que, em uma de suas conferncias, estabeleceu, de forma sucinta,

    uma diferenciao entre os conceitos contemporneos de raa e etnia.

  • Captulo 1

    18 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    CONCEITO

    O contedo da raa morfo-biolgico e o da etnia scio-cultural, histrico e psicolgico. Um conjunto populacional dito raa branca, negra e amarela, pode conter em seu seio diversas etnias. Uma etnia um conjunto de

    indivduos que, histrica ou mitologicamente, tm um ancestral comum; tm uma lngua em comum, uma mesma religio ou cosmoviso; uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo territrio (MUNANGA, 2004, p. 28-29).

    Como se percebe, a ideia de raa pensada por Munanga (2004) bem

    diferente da concepo que existia no sculo XIX, por exemplo. Durante este

    sculo, alguns estudiosos acreditavam que a raa definia o nvel de cultura em

    uma sociedade, e que apenas a raa europeia poderia, por fatores geogrficos

    e culturais, produzir civilizaes avanadas e modernas, o que caracteriza um

    olhar preconceituoso e eurocntrico do mundo.

    Como podemos notar, uma raa pode conter diversas etnias, isso porque

    a ideia de etnia est diretamente vinculada s questes socioculturais, formas

    de ver o mundo, como j vimos na seo anterior. As ideias de etnia e raa,

    tais como estamos discutindo aqui, ajudam-nos a entender por que as pessoas,

    muitas vezes, possuem culturas idnticas, formas semelhantes de ver e perceber

    o mundo, sem que isso esteja relacionado sua cor de pele.

    Associar uma forma de cultura a uma questo de cor de pele, por

    exemplo, ser preconceituoso, como iremos melhor analisar mais adiante.

    A ideia de etnia nos mostra que a cultura, a forma de viver de um grupo e a

    sua organizao geogrfica independem da sua raa. A histria nos mostra

    que algumas etnias constituram sozinhas naes. Assim o caso de vrias

    sociedades indgenas brasileiras, africanas, asiticas, australianas, etc. que so

    ou foram etnias naes (MUNANGA, 2004, p. 29).

    A incompreenso desses conceitos, muitas vezes, revela, em nosso

    cotidiano, uma srie de preconceitos sem qualquer fundamento. O conceito

    de raa utilizado, com frequncia, por vrios estudiosos brasileiros no intuito

    de denunciar e procurar compreender as causas do racismo no pas e, segundo

    afirma Munanga (2004),

  • Captulo 1

    19 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    A maioria dos pesquisadores brasileiros que atuam na rea das relaes raciais e intertnicas [sic] recorrem com mais frequncias ao conceito de raa. Eles empregam ainda este conceito, no mais para afirmar sua realidade biolgica, mas sim para explicar o racismo, na medida em que este fenmeno continua a se basear em crena na existncia das raas hierarquizadas, raas fictcias ainda resistentes nas representaes mentais e no imaginrio coletivo de todos os povos e sociedades contemporneas (MUNANGA, 2004, p. 29).

    Vivemos em um pas que, por condies histricas, marcado pela

    pluralidade tnica, cultural e racial, que, a cada dia, reinventa-se e procura,

    constantemente, explicar suas diversidades. Em um pas como o Brasil, devemos

    sempre estar atentos para conceitos to fundamentais, como o de raa e etnia,

    de forma a no incorrermos em preconceitos e/ou sermos etnocntricos.

    Ento, como podemos analisar essa pluralidade cultural brasileira? Para

    isso, a sociologia aponta alguns caminhos, como, por exemplo, a percepo da

    sociedade por meio de estruturas sociais. Vamos saber mais?

    1.2.5 Estrutura social

    Toda sociedade, dada a pluralidade de seus membros, necessita de certa

    organizao para que possa ser compreendida, se no de forma geral, mas,

    ao menos, de modo que facilite sua compreenso. Para isso, alguns ramos da

    sociologia perceberam que as sociedades possuem, em suas organizaes, o

    que eles convieram chamar de estrutura social.

    Em seu livro Introduo sociologia, o pesquisador Prsio Santos

    de Oliveira nos explica, de forma bem didtica, a ideia de estrutura social,

    exemplificando a partir de uma situao cotidiana. Prestemos ateno:

    CONCEITO

    Numa escola trabalham o diretor, o coordenador pedaggico, vrios professores, o secretrio e os serventes, alm dos alunos. Cada um desses elementos ocupa uma posio social, um status no grupo. Cada posio est relacionada s

    demais, e todas elas, em conjunto, formam a estrutura da escola.

    Estrutura social, portanto, esse conjunto ordenado de partes encadeadas que formam um todo. Dito de outro modo, a estrutura social a totalidade dos status existentes em um determinado grupo social ou numa sociedade (OLIVEIRA, 1995, p. 59).

  • Captulo 1

    20 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    Percebeu como este um conceito que nos ajuda a entender nosso

    cotidiano? As estruturas sociais podem ser vistas como uma organizao da

    sociedade, em que cada um dos participantes de uma estrutura desempenha

    o papel correspondente posio social que ocupa (OLIVEIRA, 1995, p. 59).

    No entanto, fundamental lembrarmos que o conceito de estrutura

    social est relacionado, mas no igual ao de organizao social. Enquanto

    o primeiro refere-se a um grupo de partes que compe uma sociedade, o

    segundo diz respeito s relaes que se estabelecem entre as partes que

    formam as estruturas sociais. Voc notou a importncia de se entender as

    especificidades de cada conceito? Longe de serem sinnimos, esses conceitos

    nos possibilitam compreender melhor a complexidade da sociedade em

    que vivemos.

    Contudo, preciso estudar outras noes fundamentais e que esto

    relacionadas com o que at aqui discutimos. A partir de agora, vamos pensar

    quais os problemas advindos da no compreenso do significado de cultura,

    raa, etnia, etnocentrismo e estrutura social. Vamos l?

    1.2.6 Preconceito, racismo, discriminao e estigma social

    Como vimos anteriormente, os conceitos de cultura, raa, etnia,

    etnocentrismo e estrutura social so importantes para o entendimento

    das relaes tnico-raciais na formao de uma sociedade. Alm desses

    conceitos, imprescindvel conhecer, tambm, outros, tais como:

    preconceito, racismo, discriminao e estigma social. Voc os conhece?

    Sabe a diferena de cada um deles?

    Se sim ou se no, vamos fazer algumas perguntas de ordem mais

    prtica. Voc j presenciou alguma cena de preconceito em seu cotidiano?

    Voc j vivenciou algum tipo de discriminao? Algum j lhe estigmatizou

    por morar em algum bairro, cidade, regio, pas ou pela sua opo sexual?

    Talvez voc tenha respondido positivamente a maior parte dessas perguntas,

    pois todos ns estamos sujeitos a sofrer algum tipo de preconceito. Mas ser

    que voc no foi um agente de reproduo de preconceitos e discriminaes?

    Como identificar se fui ou se sou preconceituoso(a)? Para identificarmos se

    nossas atitudes so discriminatrias ou preconceituosas, preciso, primeiro,

    estudar esses conceitos.

  • Captulo 1

    21 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    Preconceito

    O socilogo Florestan Fernandes afirmou, em seu livro O Negro no

    Mundo dos Brancos, que o brasileiro tem preconceito de no ter preconceito.

    (FERNANDES, 1972). Na ocasio, Florestan Fernandes estava se reportando s

    relaes raciais que, no Brasil, foram ofuscadas pelo discurso da democracia

    racial. Devido a uma formao social marcada pelo processo de miscigenao,

    acreditamos que, em nosso pas, o preconceito, sobretudo, racial, no seja

    uma caracterstica da nossa sociedade, mas sim de outros povos.

    CONCEITO

    Miscigenao ou mestiagem, pode ser definida como a mistura de seres humanos e de imaginrios. Segundo o Dicionrio de Conceitos Histricos, a miscigenao pode abranger tanto a chamada mestiagem biolgica, a mistura de raas, quanto a mestiagem cultural (SILVA, 2012, p. 290).

    Parece que, no Brasil, preconceito limita-se apenas cor ou raa. Se

    no ofendermos ningum pela sua cor ou pela sua etnia, ento no somos

    preconceituosos, como pensam alguns. Essa viso do senso comum parece

    obscurecer a variedade de preconceitos que podemos identificar em diversas

    sociedades, inclusive, na qual estamos inseridos. Podemos falar de preconceitos

    contra a mulher, contra o analfabeto, contra as pessoas com deficincia, contra

    determinadas etnias, contra os homossexuais, contra pessoas de determinas

    regies etc. Se fossemos identificar os diversos tipos de preconceitos existentes,

    no terminaramos nunca este livro. Diante dessa pluralidade de preconceito,

    como podemos defini-lo conceitualmente?

    Segundo o historiador Durval Muniz de Albuquerque Jnior, o

    preconceito pode ser definido como um conceito sobre algo ou algum que

    se estabelece antes que qualquer relao de conhecimento ou de anlise se

    estabelea. (ALBUQUERQUE JNIOR, 2007, p.10-11). Por exemplo, quando

    temos uma nica experincia negativa com um indivduo de um determinado

    grupo social, s vezes tendemos a generalizar, ou seja, a expandir a todos

    componentes daquele grupo uma viso desfavorvel.

  • Captulo 1

    22 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    Ao fazermos isso, estamos estabelecendo um olhar preconceituoso,

    pois, ao tratarmos um determinado grupo social somente pela experincia

    que tivemos com um dos seus integrantes, estaremos analisando o grupo

    antes de qualquer relao de conhecimento mais profundo. Geralmente, o

    olhar generalizador nos conduz ao preconceito em relao a um determinado

    grupo social ou indivduo.

    Nesse sentido, o preconceito um conceito prvio, apressado, que

    vem antes de qualquer esforo verdadeiro no sentido de se entender

    o outro, o diferente, o estrangeiro, o estranho, em sua diferena

    (ALBUQUERQUE JNIOR, 2007, p.10-11). Quando se trata de grupos de

    pessoas de uma cultura diferente daquela que fazemos parte, enquadramos,

    imediatamente, qualquer uma dessas pessoas em rtulos preestabelecidos.

    muito comum assimilarmos conceitos preexistentes a respeito de certos

    grupos de pessoas, mesmo sem ter tido uma experincia direta com qualquer

    um de seus integrantes.

    O preconceito acontece, quando classificamos e valoramos

    negativamente o diferente, o estranho, o outro, que no estamos

    acostumados a observar ou conviver.

    De acordo com o antroplogo Renato da Silva Queiroz, a percepo que

    temos do outro no acontece de maneira abstrata, nem desinteressada.(

    QUEIROZ, 1995, p.11). Dessa forma, errnea a ideia de que o preconceito

    j nasce dentro de ns. Assim como tudo que cultural, o preconceito uma

    construo social, pois todos ns enxergamos o mundo atravs das lentes,

    dos filtros que nos so fornecidos pela nossa cultura. Portanto, o preconceito

    no inato, no transmitido geneticamente, nele est presente a

    interferncia dos processos de socializao, como afirma o psiclogo Jos

    Leon Crochk (2006, p.18).

    O convvio em uma determinada sociedade possibilita que o indivduo

    ou o grupo social socialize dados critrios culturalmente estabelecidos,

    criados e apreendidos. Isso no quer dizer que a sociedade determina o

    indivduo. O que estamos considerando que o indivduo, ao viver em

    uma determinada sociedade, troca experincias com os seus pares, partilha

    costumes e tradies comuns, constroem laos identitrios. Nesse sentido,

    um indivduo sozinho no capaz de construir um preconceito, antes, ele

    l o outro a partir das lentes culturais que estabeleceu por meio das suas

  • Captulo 1

    23 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    relaes sociais. Mas como evitar que a leitura do outro seja equivocada,

    pejorativa ou preconceituosa?

    Um dos caminhos sermos capazes de considerar as pluralidades

    culturais, respeitando suas particularidades e suas diferenas. A tolerncia

    um timo exerccio. Todavia, o que acontece quando no reconhecemos

    as diversidades socioculturais? A resposta : preconceito, materializado no

    racismo, na discriminao e no estigma social.

    Racismo

    O racismo no sinnimo de preconceito. O racismo uma das vrias

    manifestaes do preconceito. Logo, toda atitude racista preconceituosa,

    mas o contrrio no verdadeiro. O racismo, como j sugere a palavra, trata

    de um tipo de preconceito especfico, isto , contra alguma raa ou etnia.

    Voc se lembra do que falamos, quando discutamos a diferenciao desses

    dois conceitos?

    Para compreendermos melhor como surgiram os preconceitos raciais,

    preciso fazer um breve histrico sobre dois conceitos: racismo e racialismo.

    CONCEITO

    importante assinalar que racismo no a mesma coisa de racialismo. Este ltimo significa a crena em raas humanas, j o primeiro definido como preconceito contra raas consideradas inferiores ( SILVA, 2012, p. 346).

    O racialismo foi uma forma de pensamento criado pelos filsofos

    iluministas do sculo XVIII, cujo objetivo era encontrar um sistema de valores

    universal, que pudesse ser estabelecido para todas as raas (SILVA, 2012, p.

    347). O critrio estabelecido pelos estudiosos do racialismo era a relao entre

    os tipos humanos e suas diferenas biolgicas. Sendo assim, a ideia de raa

    seria entendida a partir das caractersticas fsicas comuns partilhadas por

    um determinado grupo de pessoas. Entretanto, com o desenvolvimento da

    Antropologia Fsica e da Frenologia, o conceito de raa passou a contemplar,

    tambm, as caractersticas psicolgicas de determinados grupos humanos a

    partir do tamanho do crebro (SILVA, 2012, p. 347).

  • Captulo 1

    24 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    Os filsofos iluministas surgiram no sculo XVIII na Frana, mais precisamente, em Paris. Ideologicamente eles se posicionavam contra a intolerncia religiosa, o absolutismo e as prticas mercantilistas. Os iluministas refletiam sobre vrios temas pertinentes sociedade, como, por exemplo, a questo da democracia e o estudo das raas. Podemos destacar alguns filsofos iluministas: Rousseau, Voltaire, Montesquieu, Diderot, entre outros.

    No sculo XIX, com as teorias evolucionistas, sobretudo, de Charles

    Darwin, o racialismo passou a difundir a ideia de que, assim como as espcies,

    algumas raas seriam mais evoludas do que outras, criando, dessa forma, a

    distino racial. Essas teorias, conhecidas, tambm, como Darwinismo Social,

    legitimaram a crena de que o homem branco europeu seria mais evoludo em

    relao aos outros grupos humanos.

    No podemos confundir Darwinismo Social com as teorias de Charles Darwin. O Darwinismo Social foi influenciado pelas ideias evolucionistas e da seleo natural das espcies de Charles Darwin. Foi Spencer que se utilizou das ideias de Darwin para levar ao campo social a ideia de que, assim como as espcies, haveria raas superiores e outras inferiores. Para conhecer

    mais sobre o tema, leia o artigo de Andr Strauss e Ricardo Waizbort, intitulado Sob o signo de Darwin? Sobre o mau uso de uma quimera, publicado na Revista Brasileira de Cincias Sociais, v.23, n.68, outubro de 2008, disponvel no seguinte link: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092008000300009 &script=sci_arttext

    SAIBA QUE

    A raa branca seria, de acordo com essa doutrina, a nica portadora da

    misso de civilizar o mundo. Os asiticos, os mestios da Amrica, os africanos,

    alm de serem considerados inferiores, eram pensados como selvagens ou

    brbaros, destitudos de civilizao. Para o intelectual brasileiro Nina Rodrigues

    (1862-1906), os no-brancos ameaariam a civilizao por serem incapazes

    de ingressar, como sujeitos, na ordem liberal-republicana (VENTURA, 1999,

    p.332). Segundo Rodrigues (1862-1906), o atraso da evoluo dos negros e a

  • Captulo 1

    25 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    degenerao dos mestios colocavam em apuros as classes superiores, ou seja,

    a raa branca, detentora da civilizao brasileira.

    O Darwinismo Social e, posteriormente, a eugenia que enaltecia

    a pureza das raas e a no mistura entre elas, compuseram a base do

    racismo (SILVA, 2012). Assim, o racismo a materializao dessas formas de

    pensamento, ou seja, a aplicao prtica dessas teorias, que acreditam

    em raas superiores e criam mecanismos sociais e polticos para reprimir as

    raas consideradas inferiores ( SILVA, 2012, p. 348).

    DEFINIO

    Segundo Lilia Denise Mai e Emlia Luigia Saporiti Angerami, em seu artigo Eugenia negativa e positiva: significado e contradies, publicado pela revista Latino-am Enfermagem, Francis Galton em 1883, a partir das ideias de Malthus,

    Lamarck e Darwin, definiu eugenia como o estudo dos fatores fsicos e mentais socialmente controlveis, que poderiam alterar para pior ou para melhor as qualidades racionais, visando o bem-estar da espcie. Segundo as referidas autoras, a busca incansvel do homem pela melhor compleio fsica e mental dele prprio e de sua descendncia culminou com a tentativa de sistematizao da eugenia com base em argumentos cientficos e a esperana de melhorar e aperfeioar a espcie humana atravs do controle reprodutivo dos indivduos. O artigo est disponvel no seguinte link: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v14n2/v14n2a15

    No sculo XX, essas teorias saram dos limites das academias e

    passaram a sustentar, ideologicamente, vrias manifestaes de

    preconceito racial, como, por exemplo, o antissemitismo do partido

    Nazista. Isso demonstra como o saber cientfico pode legitimar uma dada

    forma de poder. Ao longo da histria do sculo XX, chefes de Estado,

    partidos polticos, intelectuais, grupos terroristas e fundamentalistas,

    entre outros se apropriaram das teorias racialistas para justificarem suas

    agresses, seus ataques e as mortes por eles proporcionadas.

    A partir do fim do sculo XX, muitos estudos cientficos contriburam

    para se repensar as noes de que existem raas puras ou impuras,

    superiores ou inferiores, evoludas ou atrasadas. Mais do que isso, as

  • Captulo 1

    26 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    novas pesquisas cientficas nos mostram que s podemos falar de uma

    raa: a humana. Isso no impede que ainda ocorram cenas de preconceito

    racial. Ento, de que maneira poderamos reduzir os preconceitos? Uma

    das solues esteja, talvez, nas reflexes que a educao pode dar para

    se pensar as relaes sociais entre os diversos grupos tnicos. Essa soluo

    pode contribuir ainda para, se no o fim, pelo menos, a reduo das

    prticas de discriminao.

    Discriminao e estigma social

    Assim como o racismo, a discriminao uma das manifestaes do

    preconceito. A discriminao , tambm, extremamente diversa. Podemos

    falar de discriminao racial, social, sexual, poltica etc. Mas, afinal de

    contas, o que discriminao? Que prticas podem ser consideradas

    discriminatrias?

    De acordo com o antroplogo Renato da Silva Queiroz, discriminao

    a palavra usada para designar um tratamento diferencial, sobretudo,

    naquelas sociedades em que proclama a igualdade de todos por meio de leis e

    princpios que, na prtica, no so obedecidos. (QUEIROZ, 1995, p.34). Fala-

    se, por exemplo, que, em todos os estabelecimentos pblicos de comrcio

    ou em caladas e ruas, devem ter espaos reservados para os portadores de

    necessidades especiais. Porm, em muitos deles, no h qualquer preocupao

    em fornecer uma estrutura bem adequada para a locomoo e o acesso das

    pessoas com necessidades especiais. Podemos caracterizar tal atitude como um

    ato exemplar de discriminao. O fato de ignorarmos os idosos, rotulando-

    os de velhos, ranzinzas, estressados, ou no lhes dando a devida ateno e

    respeito, , tambm, uma forma de discriminao.

    Estigmatizar uma prtica discriminatria. Os esteretipos constroem

    dadas caricaturas sociais, que objetivam a rotulao de pessoas com o

    sentido de ofend-las. Os esteretipos so a matria-prima e expresso

    de preconceito e de discriminao (QUEIROZ, 1995, p.26). Pessoas com

    necessidades especiais so constantemente estigmatizados, estereotipados,

    por pessoas ditas normais, que se sentem constrangidas pela presena

    daqueles. Os normais desconsideram as habilidades e as capacidades que

    os deficientes tm em desenvolver atividades cotidianas da mesma maneira

    dos ditos normais.

  • Captulo 1

    27 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    Existem vrias situaes que podemos identificar atitudes

    discriminatrias. A questo que tais atitudes marginalizam, distanciam

    indivduos ou grupos da participao na vida em sociedade, permitindo

    desigualdades e limitando o acesso dos que so discriminados s

    oportunidades de trabalho, escolarizao, cultura, lazer e ascenso social

    (QUEIROZ, 1995, p.40).

    1.3 Aplicando a teoria na prtica

    Em maro de 2012, o jogador congols Christopher Samba, zagueiro

    do Anzhi Maknachkala, foi vtima de um episdio de preconceito. Durante a

    partida, vlida pelo campeonato de futebol russo, o zagueiro foi alvo de uma

    banana arremessada por torcedores do time rival, o Lokomotiv de Moscou.

    Outros jogadores, como o brasileiro Roberto Carlos, tambm j sofreram esse

    tipo de preconceito durante uma partida de futebol.

    Tomando como referncia as discusses realizadas no captulo, que tipo

    de preconceito voc identifica no referido episdio? Em sua opinio, de que

    maneira esses preconceitos poderiam ser evitados nos estdios de futebol?

    Antes de avanar a leitura, reflita sobre esse assunto.

    Como vimos na seo anterior, racismo um tipo de preconceito, mais

    especificamente, contra uma raa ou etnia. O fato de jogar bananas um

    gesto que remete aos macacos. A comparao que alguns torcedores (as)

    preconceituosos (as) estabelecem entre os macacos e os jogadores negros

    racista, pois deprecia esses jogadores como se estes, pelo fato de serem

    negros, tivessem comportamentos de animais. H, portanto, no ato de

    jogar bananas em jogadores negros uma ideia subjacente de que a cor dos

    jogadores negros inferior, caracterizando um preconceito racial. Para

    evitar que esses episdios continuem nos estdios de futebol, preciso

    conscientizar os torcedores com algumas aes afirmativas, como, por

    exemplo, entregando folhetos explicando que algumas atitudes podem

    caracterizar atos de racismo.

  • Captulo 1

    28 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    1.4 Para saber mais

    Filme: Quanto vale ou por quilo?Direo: Srgio Bianchi Ano: 2005

    Sinopse: filme crtico acerca da indstria da misria no Brasil, alm de duras crticas continuidade dos preconceitos socioculturais no pas, desde o perodo colonial. No filme, o diretor Srgio Biachi prope uma ntima relao entre as questes sociais e interesses econmicos. Filme bastante interessante para pensarmos os conceitos debatidos durante o captulo que estudamos, tais como: cultura, racismo e etnocentrismo.

    Site: UNESCOURL:

    O site da UNESCO possui interessantes artigos, notcias e uma grande variedade de temas que envolvem vrias das questes e conceitos to discutidos durante o captulo que acabamos de ler.

    1.5 Relembrando

    Diante de tudo que discutimos ao longo deste captulo, voc pode

    responder o que significa raa, racismo, etnia, etnocentrismo, preconceito,

    discriminao, estrutura social e estigma social? Voc pode diferenciar cada

    uma desses conceitos? Sim? No? Queremos ajud-lo, relembrando um pouco

    do que ns estudamos. Vamos l?

    Para iniciarmos, importante frisar que cultura um conceito

    polissmico, ou seja, possui vrios sentidos e significados. Segundo Clifford

    Geertz (1973, p. 24), a definio de cultura depende do contexto em que ele

    est inserido, isso quer dizer que a cultura no algo que pertence apenas a

    determinadas pessoas, mas algo que intensamente construdo na prtica,

    na convivncia cotidiana entre os indivduos e que, portanto, a cultura deve

    ser compreendida como prticas, aes, instituies e formas diferentes que

    cada agrupamento humano ou grupo social cria e tem de ver e entender o

    mundo. A partir de nossas experincias, adquirimos uma herana cultural

    que nos auxilia a interpretar nossos cotidianos.

  • Captulo 1

    29 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    Desse modo, o conceito de cultura passa a ser visto a partir de um

    olhar muito mais complexo, correspondendo ideia de diversidade, isto ,

    de vrias formas de se observar um mesmo objeto ou realidade. Entender a

    diversidade cultural importante para que no sejamos intolerantes com a

    cultura do outro, achando que a minha cultura superior, evitando aquilo

    que chamamos de etnocentrismo.

    Se julgarmos o outro sem entender suas singularidades e sua herana

    cultural, no estaremos agindo racionalmente, estaremos sendo etnocntricos,

    ou seja, colocando a nossa etnia como centro, marginalizando todas as

    outras. Mas o que etnia? a mesma coisa de raa? No. Como vimos, uma

    raa pode conter diversas etnias, isso porque a ideia de etnia est diretamente

    vinculada s questes socioculturais, como, por exemplo, a estrutura social,

    enquanto raa refere-se noo morfo-biolgica.

    Como vimos neste captulo, ao estudarmos os conceitos de cultura,

    etnia, raa, etnocentrismo e estrutura social, podemos evitar alguns riscos

    quando nos relacionamos com os outros. Um desses riscos, por exemplo,

    o preconceito, que ocorre quando classificamos e valoramos negativamente

    outro, que no estamos acostumados a observar ou conviver. O preconceito

    no nasce conosco, ele construdo socialmente. Ele se materializa em vrias

    manifestaes do social, tais como: racismo, discriminao e a reproduo de

    estigmas sociais.

    1.6 Testando os seus conhecimentos

    Agora chegamos ao fim do nosso primeiro captulo. E a? Que tal colocar

    em prtica os conhecimentos adquiridos? A partir do que discutimos at aqui,

    ser que voc conseguiria fazer uma relao entre os conceitos discutidos

    neste captulo e relatar suas caractersticas a partir do seu cotidiano? Elabore

    uma redao, articulando os conceitos que voc acabou de analisar e aponte,

    em sua anlise, situaes em que voc consegue perceber a aplicabilidade de

    conceitos, como etnia e etnocentrismo, raa e racismo, preconceito, estrutura

    social e cultura.

  • Captulo 1

    30 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    Onde encontrar

    ALBUQUERQUE JNIOR, Durval Muniz de. Preconceito contra a origem

    geogrfica de lugar: as fronteiras da discrdia. So Paulo: Cortez, 2007.

    CROCHK, Jos Leon. Preconceito, indivduo e cultura. 3. ed. So Paulo: Casa

    do Psiclogo, 2006.

    FERNANDES, Florestan. O Negro no Mundo dos Brancos. So Paulo: Difel,

    1972.

    GEERTZ, Clifford. A interpretao das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

    LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropolgico. 14. ed. Rio de

    Janeiro: Zahar, 2001.

    MUNANGA, K. . Uma abordagem conceitual das noes de raa, racismo,

    identidade e etnia. Cadernos PENESB (Programa de Educao sobre o Negro

    na Sociedade Brasileira). UFF, Rio de janeiro, n.5, p. 15-34, 2004.

    OLIVEIRA, Prsio Santos de. Introduo Sociologia. So Paulo: tica, 1995.

    ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS (ONU). Conheca a Onu. ONUBR: naes

    unidas no Brasil, 2012. Disponvel em: Acesso em: 13 set.2012.

    QUEIROZ, Renato da Silva. No vi e no gostei: o fenmeno do preconceito.

    So Paulo: Editora Moderna, 1995.

    ROCHA, Everardo Pereira Guimares. O que etnocentrismo?. 5. ed. So

    Paulo: Brasiliense, 1988.

    SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionrios de conceitos

    histricos. 2. Ed. So Paulo: Contexto, 2012.

    VENTURA, Roberto. Um Brasil mestio: raa e cultura na passagem da

    monarquia repblica. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem

    Incompleta. A experincia brasileira. Formao: histrias. So Paulo: Editora

    Senac So Paulo, 1999.

  • Captulo 2

    31 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    ETNOCENTRISMO E QUESTO RACIAL NO BRASIL: NDIOS

    CAPTULO 2

    2.1 Contextualizando

    Neste captulo, voc ir conhecer a diversidade dos grupos indgenas

    do Brasil e identificar as suas formas de resistncia em relao ao

    processo colonizador.

    Para que voc entenda a importncia desse tema, preciso partir

    da seguinte questo: em meio sociedade bastante diversa, como a

    contempornea, como reconhecer e respeitar a cultura, os valores, e os

    costumes de grupos tnicos, como os indgenas?

    Ns iremos discutir essa questo ao longo deste captulo e, ao final da

    sua leitura, esperamos que voc seja capaz de:

    Descrever o processo colonizador no Brasil;

    Identificar as primeiras tentativas de diviso dos grupos indgenas;

    Perceber a importncia dos debates acerca dos atuais problemas que

    cercam o universo indgena;

    Apontar as diversas formas de resistncia dos ndios em relao

    colonizao.

  • Captulo 2

    32 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    2.2 Conhecendo a teoria

    2.2.1 A diversidade indgena brasileira

    Como todos sabem, a esquadra de Pedro lvares Cabral aportou na

    Amrica Portuguesa em 1500, trazendo os primeiros colonizadores europeus

    s recm descobertas terras do alm-mar. No entanto, nessas terras, j existiam

    organizaes sociais complexas, as quais foram dominadas pelos exploradores

    europeus. A designao dos nativos de ndios deveu-se ao fato de acharem

    que as terras encontradas eram parte das ndias.

    Ao chegarem ao Brasil, as expedies portuguesas passaram a

    promover uma srie de incurses no litoral, procurando mapear riquezas,

    pontos estratgicos e compreender o modo de vida dos nativos do

    litoral e, posteriormente, do interior das terras recm descobertas. Nesse

    contexto de entendimento das sociedades indgenas, os jesutas foram

    fundamentais no processo de conhecimento dos idiomas dos nativos das

    terras portuguesas na Amrica.

    Segundo a historiadora Denise Monteiro (2002, p. 20), podemos

    afirmar que os ndios brasileiros estavam divididos em dois grupos: os que

    se denominavam Tupi, que, em grande medida, habitavam o litoral e os

    denominados Tapuia, vistos pelos ndios do litoral como aqueles que tinham

    lnguas e costumes diferentes dos seus e ocupavam parte do interior do pas.

    Com as pesquisas ao longo do tempo, descobriu-se que as organizaes

    socioculturais desses dois grupos possuam configuraes complexas, diferentes

    entre si. Um dos critrios de diferenciao a prpria lngua. Vejamos o que

    fala a historiadora Denise Monteiro sobre essa complexidade social indgena:

    Mas, de Maneira [sic] geral, os povos indgenas do Brasil tanto os desaparecidos como os sobreviventes so classificados, pelo critrio lingustico, atualmente, em quatro grandes grupos: o tronco tupi, dividido em sete famlias de lnguas, o tronco Macro-J, com nove famlias; o tronco Aruaque e, por ltimo, um grande grupo de lnguas consideradas independentes e ainda no classificadas (MONTEIRO, 2002, p. 21).

    Como se percebe, a diviso inicial feita pelos europeus sofreu

    modificaes do perodo colonial at os dias de hoje. Se antes os ndios

    estavam divididos em Tapuias e Tupis, hoje a organizao e distribuio dos

    grupos indgenas, no territrio brasileiro, leva em considerao os troncos

  • Captulo 2

    33 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    lingusticos aos quais pertencem, revelando uma maior diversidade tnica

    da populao indgena do pas. Mas, em meio ao processo de colonizao

    europeia, os indgenas passaram por grandes transformaes, principalmente

    por meio da troca de culturas e da miscigenao.

    Poucos sabem, mas a expanso portuguesa em direo ao interior do

    Brasil no foi feita por portugueses, mas por aqueles que Darcy Ribeiro (2006)

    denomina brasilndios ou mamelucos, constituindo um brao fundamental

    do processo colonizar empreendido na Amrica Portuguesa.

    A expanso do domnio portugus terra adentro, na constituio do Brasil, obra dos brasilndios ou mamelucos. Gerados por pais brancos, a maioria deles lusitanos, e mulheres ndias, dilataram o domnio portugus exorbitando a dao [sic] de papel das Tordesilhas, excedendo a tudo que se podia esperar (RIBEIRO, 2006, p. 95).

    SAIBA QUE

    Existindo um claro e abrangente processo de miscigenao entre

    brancos e ndios na chamada Amrica Portuguesa, muitas etnias indgenas

    mantiveram suas culturas isoladas das influncias lusitanas, mesmo que

    passando, muitas destas, por um processo doloroso de perseguio e

    extermnio por parte dos colonizadores. Contudo, ainda podemos encontrar

    grupos indgenas que mantm prticas culturais que remetem seus

    antepassados coloniais. E, quando analisamos de forma mais cuidadosa,

    percebemos que os ndios esto espalhados, ainda hoje, em todas as regies

    do Brasil, apresentando uma variao sociocultural muito rica.

    Em seu livro, O ndio brasileiro: o que voc precisa saber sobre os

    povos indgenas do Brasil de hoje (2006), o filsofo e antroplogo Gersem

    dos Santos Luciano (Baniwa) chama ateno para a riqueza e complexidade

    cultural das sociedades indgenas no Brasil.

    [...] quando falamos de diversidade cultural indgena, estamos falando de diversidade de civilizaes autnomas e de culturas; de sistemas polticos, jurdicos, econmicos, enfim, de organizaes sociais, econmicas e polticas construdas ao longo de milhares de anos, do mesmo modo que outras civilizaes

  • Captulo 2

    34 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    dos demais continentes: europeu, asitico, africano e a Oceania. No se trata, portanto, de civilizaes ou culturas superiores ou inferiores, mas de civilizaes e culturas equivalentes, mas diferentes (LUCIANO, 2006, p. 46).

    Com base nas colocaes de Luciano (2006), possvel perceber que

    cada sociedade indgena possui seu modo prprio de viver, com prticas

    cotidianas distintas, e no podem ser consideradas iguais apenas por serem

    todos denominados ndios. Assim como qualquer sociedade urbana, os ndios

    tambm possuem suas especificidades, portanto, ao homogeneizarmos as

    diversidades culturais dos ndios, estamos desprezando a riqueza sociocultural

    e a diversidade desses povos, deixando de considerar suas diferentes formas

    religiosas, artesanais, lingusticas e sociais.

    Atualmente, uma srie de polticas pblicas visam a constituir leis

    que garantam aos ndios suas terras para que possam, dessa forma, manter

    suas tradies e perpetuarem suas prticas culturais. Muitas so as reservas

    indgenas existentes no Brasil, mesmo que estejam distribudas em extenses

    de terra bem menores do que j foram um dia, o que demonstra quanto o

    processo colonizador teve sucesso em sua poltica de perseguio e tomada de

    terras indgenas durante todo perodo do Brasil colonial.

    A fim de visualizar a diviso geogrfica existente entre as variadas etnias

    indgenas brasileiras e ter ideia dos nmeros e reservas existentes, o jornal

    O Estado de So Paulo nos fornece um mapa apontando a localizao destas

    reservas e mostrando a diversidade geogrfica das sociedades indgenas no Brasil.

    Figura 1 - As reservas indgenas no Brasil Fonte: Daniel Lima

  • Captulo 2

    35 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    O mapa acima indica alguns pontos interessantes. A partir da legenda

    fornecida, podemos perceber que o processo de legitimao de reservas

    indgenas no de competncia apenas do Governo Federal, mas, tambm,

    dos Governos Estaduais, de modo que todos devem cooperar no constante

    processo de reconhecimento de direitos dos povos indgenas do Brasil. Desde

    1987, a Fundao Nacional do ndio (FUNAI) possui um setor denominado

    Departamento de ndios Isolados responsvel por localizar e proteger

    tribos isoladas, a fim de manter a cultura dessas etnias e, com isso, garantir a

    manuteno da diversidade e riqueza da populao indgena.

    A Funai tem como objetivo principal promover polticas de desenvolvimento sustentvel das populaes indgenas, aliar a sustentabilidade econmica scio- ambiental, promover a conservao e a recuperao do meio ambiente, controlar e mitigar possveis impactos ambientais decorrentes de interferncias externas s terras indgenas, monitorar as terras indgenas

    regularizadas e aquelas ocupadas por populaes indgenas, incluindo as isoladas e de recente contato, coordenar e implementar as polticas de proteo aos grupos isolados e recm-contatados e implementar medidas de vigilncia, fiscalizao e de preveno de conflitos em terras indgenas (BRASIL, 2012).

    SAIBA QUE

    Alm de demarcar terras indgenas, protegendo e garantindo a

    preservao das etnias indgenas brasileiras que j tiveram contato com

    os brancos, a FUNAI tambm se preocupa com aquelas etnias que nunca

    mantiveram esse contato. Com relao a esse segundo grupo de indgenas,

    Gersem dos Santos Luciano (2006) afirma que, no contato com essas tribos,

    devem-se levar em conta duas questes de direitos humanos: A primeira

    delas o pleno direito de decidirem se querem ou no qualquer tipo de

    aproximao [...] A segunda questo diz respeito ao fato de terem seus

    territrios reconhecidos e assegurados pelo Estado brasileiro para a sua

    existncia presente e futura (LUCIANO, 2006, p. 54).

    Como se percebe, mesmo existindo uma srie de interesses de produtores

    agrcolas, mineradores e at mesmo de Estados que desejam ocupar territrios

    pertencentes a povos indgenas, funo do Estado brasileiro garantir a

  • Captulo 2

    36 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    preservao das culturas e dos territrios indgenas, como forma de reparar

    questes histricas, garantindo a preservao da diversidade sociocultural dos

    ndios do pas, por meio de leis e mecanismos oficiais de regulao federal.

    Mas, ser mesmo que necessrio se ter, no Brasil, uma poltica voltada

    para as questes indgenas, ou isso deveria se limitar apenas aos Estados que

    possuem populaes indgenas? A que est a grande questo! Segundo

    dados do Senso de 2010, promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica (IBGE), entre os anos de 2000 e 2010 houve um aumento considervel

    de populaes indgenas no Brasil, principalmente pelo fato de muitas pessoas

    passarem a se identificar como ndios em decorrncia dos sucessos das lutas

    pela legitimidade da identidade indgena e tambm das polticas pblicas de

    proteo s etnias e terras indgenas, isso, obviamente, aliado s iniciativas

    de preservao indgena e a organizao poltica para proteo por parte da

    prpria comunidade indgena do pas. Veja, na Tabela 1, o comparativo da

    populao indgena entre 2000 e 2010.

    Tabela 1 Populao indgena residente - Brasil e Grandes Regies - 2000/2010

    BraSil E GraNdE rEGiO 2000 2010

    Brasil 734.127 817.963

    Regio Norte 213.443 305.873

    Regio Nordeste 170.389 208.691

    Regio Sudeste 161.189 97.960

    Regio Sul 84.747 74.945

    Regio Centro-Oeste 104.360 130.494

    Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000/2010.Nota: Em 2000, foram considerados os resultados da amostra.

    Conforme aponta o Tabela 1, podemos perceber que houve um

    aumento da populao indgena em 3 das 5 regies do pas, formando um

    quadro considervel com mais de 800 mil pessoas que passaram a se definir

    como ndio. Esse aumento justamente o reflexo do sucesso das polticas de

    reafirmao e preservao de reas e etnias indgenas. Viu por que se torna

    necessrio pensar a diversidade indgena no pas? Quando agimos de forma

    etnocntrica (conforme estudamos no captulo anterior), esquecemo-nos

    de perceber e respeitar a diversidade sociocultural de uma grande parcela

    da populao do nosso pas, que o caso da populao indgena, que, por

  • Captulo 2

    37 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    sua vez, fornece-nos uma enriquecedora forma de ver e entender o mundo

    a partir de uma diversidade de culturas que, ainda hoje, exercem grande

    influncia no nosso cotidiano.

    Muitos dos hbitos, costumes, alimentao e crenas da sociedade brasileira so herana direta dos povos indgenas, como, por exemplo: o hbito de andar descalo, o costume de dormir em rede, o hbito da pesca e caa, alimentao base de mandioca, farinha, polvilho, beiju, alm

    das crenas na eficcia das plantas como alternativa para cura de doenas (ndios do Brasil, 2012).

    CURIOSIDADE

    Mas, voc j parou par imaginar o quanto os ndios brasileiros

    precisaram lutar para conseguir alguns direitos que lhes garantissem a

    prosperidade de sua diversidade cultural? Esse processo de resistncia est

    relacionado aos primeiros momentos da colonizao portuguesa, em que

    colonizadores e nativos promoveram intensas e dolorosas disputas por terras.

    Para voc compreender os atuais conflitos que persistem entre os

    interesses capitalistas e as populaes indgenas, precisamos nos remeter a

    uma anlise do processo histrico de resistncias indgenas no territrio

    brasileiro. Vamos l!

    2.2.2 As resistncias indgenas

    Como vimos na seo anterior, ao chegarem ao territrio que viria a ser

    o Brasil, em 1500, os portugueses se depararam com povos indgenas bastante

    diversificados culturalmente. Dessa forma, no podemos falar dos ndios e

    considerar que so homogneos, que possuem os mesmos costumes, hbitos,

    religio, economia, etc. Pelo contrrio, durante os primeiros sculos da nossa

    histria, os europeus se depararam com uma diversidade significativa entre os

    grupos indgenas espalhados pelo Brasil.

    E a prpria dinmica da colonizao da Amrica Portuguesa resultou,

    em partes, na reduo significativa do nmero de ndios ao longo da

    nossa histria.

  • Captulo 2

    38 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    CONCEITO

    Colonizao, mais do que um conceito, uma categoria histrica, porque diz respeito a diferentes sociedades e momentos ao longo do tempo. A ideia de colonizao ultrapassa as fronteiras do Novo Mundo: um fenmeno

    de expanso humana pelo planeta, que desenvolve a ocupao e o povoamento de novas regies. Portanto, colonizar est intimamente associado a cultivar e ocupar uma rea nova, instalando nela uma cultura preexistente em outro espao. Assim sendo, a colonizao em determinadas pocas histricas foi realizada sobre espaos vazios, como ocaso das migraes pr-histricas que trouxeram a espcie humana ao continente americano. Mas, desde que a humanidade se espalhou pelo mundo, diminuindo significativamente os vazios geogrficos, o tipo de colonizao mais comum tem sido mesmo aquele executado sobre reas j habitadas, como a colonizao grega do Mediterrneo, na Antiguidade, e a colonizao do Novo Mundo, na Idade Moderna. ( SILVA, 2012, p. 67).

    2.2.3 A colonizao da Amrica Portuguesa e os ndios

    Quando falamos da colonizao portuguesa no Brasil, geralmente,

    fazemos uma associao desta com a explorao econmica. Parece que

    a nossa memria j evoca aquelas aulas de histria do Brasil que tivemos

    no ensino bsico, nas quais, o professor ensinava que os portugueses s

    queriam retirar a riqueza do Brasil e levar para a Europa. Ser que era s

    isso mesmo? No haveria outras motivaes? Vamos repensar essas ideias?

    Leia esse trecho da carta de Pero Vaz de Caminha endereada ao Rei de

    Portugal em maio de 1500.

    TEXTO 1

    A Carta

    At agora no pudemos saber se h ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo dagora assim os achvamos como os de l. guas so muitas; infinitas. Em tal maneira graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se- nela tudo; por causa das guas que tem!

  • Captulo 2

    39 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que ser salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lanar. E que no houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegao de Calicute bastava. Quanto mais, disposio para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa f!

    Fonte: CAMINHA, Pero Vaz de. A Carta. Disponvel em: . Acesso em: 30 de setembro de 2012

    O objetivo da carta de Pero Vaz Caminha era informar ao Rei de Portugal,

    D. Manuel I, tudo o que sua expedio visse na terra, seja a descrio da

    natureza, das guas, dos animais e da flora, seja de seus habitantes. Caminha

    descreveu prontamente tudo o que viu. Lendo uma parte dessa carta, voc

    diria que a colonizao portuguesa s era motivada pela busca dos metais

    preciosos? Voc conseguiu identificar outro interesse alm do econmico?

    Qual? Se no, veja: Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-

    me que ser salvar esta gente. O que esse trecho quer dizer na prtica?

    Isso quer dizer que o interesse luso no se reduziu apenas explorao

    econmica da terra recm-encontrada. Salvar esta gente mostra que o

    objetivo da colonizao passaria, tambm, pela propagao do cristianismo

    para esta gente, o ndio. Entretanto, vale destacar que salvar o ndio no,

    necessariamente, era o papel da Coroa Portuguesa. A Igreja catlica, atravs

    das ordens religiosas, como a dos Jesutas, tinha como encargo promover a

    evangelizao dos ndios. Desse modo, coube ao Estado portugus o papel

    fundamental de garantir a soberania poltica sobre a Colnia, dot-la de

    uma administrao, promover o povoamento, resolver os problemas bsicos,

    como o da mo-de-obra, enquanto Igreja caberia transformar os ndios,

    atravs do ensino, em bons cristos, reunindo-os em pequenos povoados

    ou aldeias (FAUSTO, 2003).

    Depois de convertidos, muitos ndios eram aldeados pelas misses

    jesuticas, desempenhando vrios papeis, sobretudo, aqueles ligados ao

    servio na lavoura que, por sua vez, dava o sustento material da aldeia.

    Nela, os ndios, tambm, realizavam tarefas vinculadas atividade artesanal,

    sendo parte daquilo que era produzido comercializada pelos prprios

    padres. Poderiam, ainda, ser requisitados para outras atividades, tais como:

    lavouras e criaes, na pesca, nas salinas (MONTEIRO, 2002). Alm disso, o

    ndio aldeado e convertido propiciaria maior obedincia autoridade real e,

    consequentemente, contribuiria para o avano da colonizao pelo territrio

  • Captulo 2

    40 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    da Colnia. Contudo, nem sempre os interesses da Coroa Portuguesa se

    assemelhavam, coadunavam aos da Igreja. As ordens religiosas tentaram

    proteger os ndios da escravido imposta pelos colonos, o que gerou vrios

    choques entre os padres e os colonos.

    Em 1681, o rei de Portugal criou um rgo especificamente para tratar dos assuntos relacionados com grupos de indgenas j submetidos pela colonizao a Junta das Misses. Foi a partir de ento que teve incio a chamada misses de aldeamento, em que os

    ndios subjugados passaram a ser governados por missionrios de diferentes ordens religiosas, como os jesutas, os capuchinhos, os carmelitas, etc (MONTEIRO, 2002).

    CURIOSIDADE

    A alternativa encontrada pela Coroa Portuguesa para resolver o

    problema da mo-de-obra foi o incentivo ao trfico de escravos africanos

    para o Brasil ainda no sculo XVI. A partir da segunda metade desse sculo,

    o nmero de escravos africanos tendeu a aumentar, o que permitiu que

    houvesse um declnio da utilizao da mo-de-obra indgena na lavoura de

    cana-de-acar.

    Isso no quer dizer que todos os ndios deixaram de ser escravos.

    Muitos ndios continuaram sendo utilizados como mo-de-obra na lavoura de

    cana-de-acar, na explorao das drogas-do-serto, na pecuria, na pesca,

    etc (MONTEIRO, p.111). O fim da escravido indgena s ocorreu em 1758,

    durante a administrao do Marqus de Pombal (1750-1777) em Portugal.

    Apesar da abolio da escravido indgena, a situao dos ndios no foi

    marcada pela melhoria de suas vidas. Muitos continuaram trabalhando em

    condies precrias e perdendo seus territrios, reduzindo cada vez mais o seu

    habitat. Entretanto, vale destacar que os ndios no esperaram a proteo

    das ordens religiosas, que tambm se apropriam do trabalho indgena nas

    aldeias, para resistirem ao trabalho compulsrio e escravido. Os ndios

    no aceitaram passivamente essa condio, esperando que os padres jesutas

    ou de outras ordens religiosas pudessem defend-los. Pelo contrrio, muitos

    indgenas resistiram de vrias formas escravido, ao processo de aldeamento

    e perda de seus territrios.

  • Captulo 2

    41 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    2.2.4 A diversidade das formas de resistncia indgena

    Segundo Gersem dos Santos Luciano Baniwa , os povos indgenas

    sempre resistiram a todo o processo de dominao, massacre e colonizao

    europeia por meio de diferentes estratgias, desde a criao de federaes e

    confederaes de diversos povos para combaterem os invasores, at suicdios

    coletivos (2006, p.57). interessante pensarmos as formas de resistncias

    indgenas a partir de suas relaes com as estruturas de poder e dominao

    (FERREIRA, 2007). A colonizao, a escravido e a conquista territorial dos

    colonizadores se estabelecem como formas de dominao em que o universo

    indgena esteve submetido ao longo da histria do Brasil. Nesse processo, os

    ndios desenvolveram vrias estratgias para escaparem da ordem estabelecida

    pela lgica da colonizao.

    Ao organizarem fugas ou at mesmo ao cometerem suicdio, os ndios

    estavam resistindo s formas de dominao que lhes eram impostas. No

    podemos discriminar nenhum desses tipos de resistncia, mesmo que o suicdio

    represente, para a nossa sociedade contempornea, uma prtica errada. Os

    ndios se valiam desses expedientes em favor de suas prprias vidas, apesar

    de, contraditoriamente, terem de perd-las. Isso demonstra o comportamento

    dos seres humanos de reagirem a situaes de total dominao ou explorao,

    s vezes, lanando mo de estratgias radicais, como, por exemplo, o suicdio,

    outras vezes, se desesperando e fugindo.

    As guerras tambm se constituram como estratgia de resistncia

    indgena dominao durante o perodo colonial. A resistncia indgena, por

    meio de guerras, foi mais forte no Rio de Janeiro, a cargo dos Tamoios, e no

    atual Nordeste. A confederao dos Tamoios, ocorrida entre 1554 e 1567 e a

    Guerra dos Brbaros, de 1680 a 1720, exemplificam, respectivamente, as duas

    grandes guerras indgenas contra a colonizao europeia.

    A Guerra dos Brbaros, por exemplo, foi um conflito que envolveu

    vrios indgenas do grupo lingustico macro-j e as foras colonizadoras

    portuguesas na Amrica. O conflito que englobou os colonizadores

    portugueses e seus agentes por um lado e, por outro, a aliana indgena,

    que ficaria conhecida como Confederao Cariri, que se constitua, entre

    outros, por jandus, paiacus, caripus, ics, caratis e cariris, teve incio no

    final do sculo XVII e durou at, pelo menos, a segunda dcada do sculo

    XVIII (DIAS, 2001, p.5 e 6.).

  • Captulo 2

    42 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    Desde o incio da colonizao portuguesa na Amrica, os ndios que ocupavam o territrio que estava sendo conquistado pelos portugueses foram constantemente denominados de brbaros numa classificao claramente etnocntrica, que levava em conta sua aparente falta de organizao social, religiosa e poltica, e principalmente seus hbitos antropofgicos.

    Estes, a princpio, foram vistos como costumes bestiais e selvagens, o que lhes garantia o adjetivo denegridor [sic], sem que se levasse em conta seu contexto cultural (DIAS, 2001, p.6).

    SAIBA QUE

    Com a expanso das fazendas de gado durante o sculo XVII e a doao

    de sesmarias para alm do litoral em direo ao serto do atual Nordeste,

    as terras indgenas foram conquistadas pelo processo de expanso territorial

    portuguesa. Cercados pela expanso do gado e pela penetrao cada vez

    maior de colonos, os ndios tiveram que se organizar em confederaes a fim

    de evitar a conquista de seus territrios.

    CONCEITO

    A sesmaria foi conceituada no Brasil como uma extenso de terra virgem, cuja propriedade era doada a um sesmeiro, com a obrigao raramente cumprida de cultiv-la no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido Coroa.

    Houve em toda a Colnia imensas sesmarias, de limites mal definidos, como a de Brs Cubas, que abrangia parte dos atuais municpios de Santos, Cubato e So Bernardo ( FAUSTO, 2003, p.45).

    As tribos indgenas do serto passaram a reagir expanso dos colonos,

    atancando-os. Prontamente, as autoridades locais solicitaram, junto Coroa

    Portuguesa, reforos militares. As expedies militares, no primeiro momento,

    no foram prias para a superioridade numrica dos indgenas nem para a

    vantagem de conhecerem o territrio.

    Uma das formas encontradas pelas autoridades da Colnia foi a

    contratao dos teros paulistas, bandeirantes paulistas que tinham grande

  • Captulo 2

    43 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    experincia no aprisionamento de ndios de outras reas da Colnia e

    no desbravamento do interior da Colnia. A partir dessas expedies dos

    teros paulistas em meados de 1690, os rumos da guerra passaram a mudar

    (MONTEIRO, 2002, p. 85). Os ndios passaram a ser derrotados e muitos tiveram

    que fugir para outras provncias para no serem dizimados.

    Com o final da Guerra dos Brbaros, muitos ndios foram mortos,

    dizimados, outros foram aldeados pelas misses jesutas e alguns se tornaram

    mo-de-obra de vrios sesmeiros e posseiros da Colnia, que se utilizavam do

    trabalho indgena para as suas lavouras e criaes de gado, tanto no litoral

    como no serto (MONTEIRO, 2002, p.93)

    Fugas, suicdios e guerras so exemplos das vrias formas de resistncia

    indgena durante o perodo colonial. Mas e hoje? Os ndios ainda resistem? A

    resposta sim. De que maneira?

    Atravs do Movimento Indgena, os ndios se organizam em defesa

    de seus direitos e interesses coletivos (LUCIANO, 2006, p.58). No Brasil, desde

    a dcada de setenta, o movimento indgena brasileiro se organiza em um

    esforo conjunto e articulado de lideranas, povos e organizaes indgenas

    com o escopo de elaborar uma agenda comum de luta, como a agenda pela

    terra, pela sade, pela educao e por outros direitos (LUCIANO, 2006, p.59).

    TEXTO 2

    Segundo Rosa Helena Dias da Silva, a emergncia do movimento indgena nos 70 deve-se a trs fatores.

    Um primeiro, interno, dos povos indgenas que se encontravam, na sua quase totalidade, em uma situao extrema, tendo seus territrios invadidos ou tomados, suas expresses culturais ridicularizadas e desprezadas; enfim, sendo condenados compulsoriamente ao extermnio enquanto povos etnicamente diferenciados.

    Um segundo, externo, da sociedade majoritria, envolvente, onde comeava a se articular um movimento de resistncia e oposio ao regime militar ditatorial que se havia implantado no pas. Foi o momento em que emergiram novos movimentos e atores sociais, que aos poucos foram criando e desenvolvendo estratgias de luta para mudana e transformao da realidade sociopoltica e econmica do pas.

    Um terceiro, continental, e mais especificamente centro e sul-americano, onde se dava um embate muito forte entre os setores da sociedade em diversos pases. Por um lado, buscava-se a implantao de novos modelos polticos e econmicos (a partir do paradigma socialista); por outro, explodia a reao violenta das classes dominantes, impondo regimes ditatoriais, instaurando a represso perseguio, tortura e violncia institucionalizada. (SILVA, 2000, p.96)

  • Captulo 2

    44 Sociedade e Educao das Relaes tnico-Raciais

    Como fruto desse esforo conjunto, o movimento indgena conseguiu

    que o Congresso Nacional aprovasse, em 1988, atravs da atual Constituio

    Federal, vrias medidas ligadas, por exemplo, aos direitos terra indgena,

    para que fossem respeitadas e garantidas as reservas e as demarcaes do seu

    territrio, e poltica educacional, resultando na chamada educao escolar

    indgena diferenciada, que possibilita a cada povo indgena definir e exercitar,

    no mbito de sua escola, os processos prprios de ensino-aprendizagem

    e produo e reproduo dos conhecimentos tradicionais e cientficos de

    interesse coletivo do povo ( LUCIANO, 2006, p. 59).

    Atravs do Movimento Indgena e de outras formas de organizao, os

    ndios tm reivindicado seus direitos. Tm lutado por melhores condies de

    moradia, de sade, de educao, de vida. Enfim, tm resistido ao preconceito

    racial, ao estigma social e s diversas formas de excluso social.

    2.3 Aplicando a teoria na prtica

    Leia com bastante ateno a reportagem a seguir:

    TEXTO 3

    Demarcao d garantias a ndios

    Professor do Departamento de Antropologia da Universidade Braslia (UnB), Stephen Baines desenvolve uma pesquisa sobre etnologia indgena e Estados nacionais, na qual analisa casos de Brasil, Canad e Austrlia - que enfrentam debates comuns, tais como a demarcao e a explorao das terras destinadas aos ndios. Para o professor, no existe nenhum modelo que possa ser copiado pelos brasileiros, pois as diferenas entre as condies de cada pas so enormes.

    Isso posto, observa: os aborgines da Austrlia tm territrio maior que o dos ndios brasileiros; em 1999 o Canad destinou a indgenas rea contnua quase cem vezes maior que a da polmica Raposa Serra do Sol e isso no causou problemas; e em todas as terras indgenas abertas minerao empresarial houve problemas ambientais e culturais. Baines acredita que qualquer deciso no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a homologao da Raposa atentar contra a Constituio e assegura: Os rizicultores so os invasores.

    Na polmica em torno da Raposa Serra do Sol, ningum se ope concesso de terras aos ndios. O problema est na forma da demarcao: em terra contnua ou em ilhas, com a permanncia de no-indgenas no territrio.

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