UM ESTUDO DA TRADUÇÃO DO HUMOR NA SÉRIE … · Isto é, a teoria da incoerência explica como...
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Universidade Católica de Brasília – UCB
Escola de Educação, Tecnologia e Comunicação
Curso de Letras
Trabalho de Conclusão de Curso
UM ESTUDO DA TRADUÇÃO DO HUMOR NA SÉRIE ESTADUNIDENSE “HOW I
MET YOUR MOTHER”1
Aluno2: Maicon Fabricio dos Santos Paiva
Orientadora3: Profa. Dra. Alessandra Matias Querido
Resumo: O objetivo deste trabalho foi descobrir as principais dificuldades na tradução
(legendagem/dublagem) do humor no seriado How I Met Your Mother através da análise de
trocadilhos e referências culturais coletadas no seriado. Também procuramos descobrir o
motivo pelo qual certas expressões foram adaptadas e não traduzidas literalmente para a
língua de chegada. O trabalho foi dividido em sete tópicos: a introdução, as teorias do humor,
os elementos culturais e as nuances linguísticas que dificultam a tradução do humor, as
definições e teorias acerca da tradução audiovisual, a metodologia usada no desenvolvimento
deste artigo, a análise dos dados coletados no seriado e as considerações finais. Desta forma,
concluímos que a dublagem e a legendagem apresentam inúmeros desafios. As escolhas
lexicais, estilísticas e até filosóficas constituem, por si mesmas, grande parte da dificuldade da
tradução.
Palavras-chave: How I Met Your Mother. Tradução. Humor. Tradução Audiovisual.
Referências Culturais. Trocadilhos.
A STUDY OF THE HUMOR TRANSLATION IN THE AMERICAN TV SHOW
“HOW I MET YOUR MOTHER”
Abstract: The goal of this work was to discover the main difficulties in the translation
(subtitling/dubbing) of humor in the TV Show How I Met Your Mother through the analysis
of puns and cultural references gathered in the subject of analysis of this paper. We also tried
to discover the reason why some expressions were adapted and not literally translated to the
target language. This paper was divided into seven topics: The introduction, the theories of
humor, the definitions and theories on audiovisual translation, the methodologies used in the
development of this work, the analysis of the data gathered in the series and the conclusion. Consequently, we concluded that dubbing and subtitling present a number of challenges. The
lexical, stylistics and even philosophic choices integrate alone a big portion of the difficulties
found in translation.
Keywords: How I Met Your Mother. Translation. Humor. Audiovisual Translation. Cultural
References. Puns.
1 Artigo apresentado ao Curso de graduação em Letras Inglês da Universidade Católica de Brasília – UCB, como
requisito parcial para obtenção do Título de Licenciado em Língua Inglesa e respectivas literaturas.
2 Graduando do Curso de Letras Inglês da Universidade Católica de Brasília – UCB
3 Professor do Curso de Letras Inglês da Universidade Católica de Brasília – UCB
Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”
1 INTRODUÇÃO
A habilidade para apreciar o humor é compartilhada por todos os seres humanos. No
entanto, o que muda é o tipo ou a forma através da qual cada um o aprecia, ou seja, a
percepção desse fenômeno pode variar bastante entre diferentes culturas. O humor pode ser
percebido de diferentes formas, dependendo do conhecimento e do contexto cultural de quem
o presencia. Quando falamos de produtos audiovisuais, isso se torna ainda mais complexo,
podendo representar um problema na hora de traduzir expressões humorísticas. Na
legendagem, por exemplo, existem algumas limitações no que diz respeito ao espaço e ao
número de caracteres que podem ser lidos durante o período da fala dos personagens do
seriado. Em vista disso, o tradutor, muitas vezes, deve tomar certas liberdades para adaptar e
tornar o texto traduzido em algo com o qual o público alvo possa se relacionar. Já a dublagem
possui outras limitações, entre elas a inabilidade para reproduzir variações linguísticas e
dialetais provenientes da língua fonte.
A hipótese investigativa do trabalho ora proposto é que as nuances linguísticas são um
fator complicador da tradução humorística no processo de legendagem e dublagem da série
estadunidense How I Met Your Mother. A série gira em torno de Ted Mosby, arquiteto, que
em 2030 decide contar aos seus dois filhos como ele conheceu a mãe deles. Os eventos
narrados por ele correspondem a tudo que ocorreu de 2005 a 2014. A série também foca na
vida dos 4 melhores amigos do protagonista: Robin Scherbatsky, Barney Stinson, Lily Aldrin
e Marshall Eriksen. Todos os cinco protagonistas são peças fundamentais para os eventos que
levaram Ted a conhecer a mãe dos seus filhos, Tracy, que apenas aparece no final da 8º
temporada. Ela torna-se uma personagem importante durante toda a 9º e última temporada.
A série anglófona supramencionada foi escolhida por ser carregada de referências
culturais e de trocadilhos usados em contextos de humor. Como falamos a língua inglesa
como língua estrangeira e não estamos inseridos no contexto cultural da série, muitas vezes
não somos capazes de entender a fundo todas as referências à cultura norte-americana e nem
todos os jogos de palavras que escutamos nos episódios que serão analisados. Por esses
motivos, as situações linguísticas analisadas neste trabalho serão momentos em que
referências culturais e trocadilhos são usados pelos personagens da trama. Essas expressões
foram escolhidas devido às já citadas nuances linguísticas e culturais presentes no seriado.
O objetivo deste trabalho foi analisar a legendagem/dublagem das expressões
coletadas e descobrir as principais dificuldades na tradução do humor e refletir como certas
Maicon Fabricio dos Santos Paiva 3
expressões foram adaptadas e não traduzidas literalmente para a língua de chegada. Terá o
tradutor se distanciado do texto de partida para poder se aproximar mais do espectador
brasileiro? Ou terá o profissional seguido o caminho inverso?
O artigo foi dividido em sete tópicos: a introdução, as teorias do humor, os elementos
culturais e as nuances linguísticas que dificultam a tradução do humor, as definições e teorias
acerca da tradução audiovisual, a metodologia usada no desenvolvimento deste trabalho, a
análise dos dados coletados no seriado e as considerações finais.
2 TEORIAS DO HUMOR
Em um primeiro momento, é fácil descrever o que é humor. Ele pode ser definido
como o que nos proporciona divertimento, distração e entretenimento de forma a nos fazer rir
espontaneamente. No entanto, o humor pode variar bastante dependendo do conhecimento, do
contexto cultural e também de cada indivíduo. De acordo com Salvatore Attardo (1994),
definir o que é humor pode ser muito mais difícil do que pensamos. Isso ocorre,
principalmente, devido à natureza abstrata desse fenômeno. Ou seja, o melhor a fazer seria
aceitar qualquer definição que um grupo social proponha.
Segundo Deacon (1997), o riso possui um importante papel na evolução humana,
sendo originalmente desenvolvido por nossos ancestrais como um meio de socialização. Desta
forma, o riso promovia o compartilhamento de experiências emocionais, aliviando o estresse e
diminuindo a agressividade. Deacon também teoriza que a mente abstrata dos seres-humanos
capturou o riso de tal forma a desenvolver o fenômeno que chamamos de humor.
Rod A. Martin (2007) diz que o riso, diferentemente do humor, não necessita de uma
mente humana, ou seja, que pensa de forma abstrata. Durante o desenvolvimento dos bebês
humanos, o riso é uma das primeiras vocalizações usadas para socialização depois do choro.
Deacon (1997) ainda acrescenta que existem evidências de que outros primatas também
desenvolveram formas de riso usadas igualmente para socialização, alívio de estresse e
redução de hostilidade.
Essas teorias nos mostram que o humor é uma característica específica da nossa
espécie, tendo ligações com as partes primitivas do cérebro humano associadas ao
compartilhamento de emoções e redução de hostilidade. No entanto, “humor” não é o mesmo
que “riso”. Na verdade, o riso foi usado como uma resposta eficaz para inseguranças,
surpresas e percepções criadas pela mente abstrata durante a evolução humana. Além das
hipóteses propostas por Deacon (1997) e Martin (2007) acerca das origens do humor e do
Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”
riso, iremos abordar a seguir, três das mais difundidas teorias do humor, que são as da
superioridade, da incoerência e do alívio.
Vandaele (2002) diz que a teoria da superioridade defende a ideia do riso malevolente,
ou seja, que ocorre quando alguém ri dos menos afortunados ou dos em desvantagem para
sentir superioridade. Nessa teoria, o riso sempre ocorre quando um alvo é diminuído por
quem está rindo. Isto é, sempre existirá uma vítima. Podemos encontrar muitos exemplos
desta teoria no seriado analisado nesta pesquisa. Em diversas ocasiões, Robin é caçoada por
ser canadense. Como exemplo, temos uma piada feita por Marshall na quarta temporada:
Marshall: Ei pessoal, quantos canadenses são necessários para trocar uma lâmpada? O que, oh
não, a lâmpada está apagada. Eu estou com medo (Tradução nossa)!
Marshall: Hey everyone, how many Canadians does it take to change a lightbulb? What, oh
no, the lightbulb is out. I’m scared! (TEMPORADA 4, EPISÓDIO 11).
Essa piada ilustra perfeitamente a teoria da superioridade, pois Marshall usa o
estereótipo de que os canadenses têm medo do escuro para diminuir Robin, e desta forma,
sentir superioridade em relação a eles. Isso não ocorre apenas em frente à diminuição do
outro, mas também através de piadas e trocadilhos que caçoam de regras sociais.
Já a teoria da incoerência, também de acordo com Vandaele (2002) tem como hipótese
que o humor dá-se quando somos surpreendidos com a mistura de duas ideias desconexas.
Partindo deste pressuposto, poderíamos dizer que o humor consiste no encontro do
inadequado com o apropriado. O riso seria apenas uma resposta cognitiva que desenvolvemos
quando nos deparamos com uma situação inesperada ou improvável. Diferentemente da teoria
da superioridade, é levado muito mais em consideração a parte cognitiva do humor do que a
questão social. Isto é, a teoria da incoerência explica como piadas são estruturadas do ponto
de vista cognitivo, mas não em como as questões sociais e culturais influenciam na
efetividade de uma piada.
Na quinta temporada de How I Met Your Mother, temos a seguinte situação: Marshall,
Ted, Lily e Barney estão no local de trabalho de Robin quando ela está prestes a fazer uma
entrevista ao vivo com Ted sobre um modelo arquitetônico do Empire State que ele fez. Na
cena, há um macaco no set de filmagens e um homem com bonecas. Antes que Robin consiga
começar a entrevista com Ted, o macaco foge da sua jaula, pula na mesa onde as bonecas
estão e pega uma delas. Após isso, o macaco escala até o topo do modelo do Empire State
com a pequena boneca na mão enquanto todos na sala olham para improvável situação.
Maicon Fabricio dos Santos Paiva 5
Quando o seu treinador tenta contê-lo, o cinegrafista começa a jogar aviõezinhos de papel no
macaco. Ted olha para situação e diz:
Ted: Isto está realmente acontecendo? (Tradução nossa)
Ted: Is this really heppening? (TEMPORADA 5, EPISÓDIO 19).
Seria difícil identificar e consequentemente rir da situação caso o telespectador não
tenha o conhecimento do material de origem de onde a cena foi inspirada. A situação trata-se
de uma reprodução cômica de uma cena cult do filme King Kong (1933, 2005) em que um
gorila gigante sequestra uma linda atriz de cinema e sobe até o topo do Empire State.
Pequenos aviões de guerra começam a circular e atirar no gorila para que ele saia do prédio
com a moça. A cena é tão absurda, que Ted percebe que as chances daquilo acontecer na vida
real são quase impossíveis. Mas é a improvável situação que faz a cena engraçada para os
personagens envolvidos. No entanto, são apenas os telespectadores que reconhecerem a
referência ao material original que serão capazes de apreciar completamente a imitação, pois
o humor demanda conhecimento partilhado, ou seja, quem assiste, precisa reconhecer a
referência para poder rir.
Deacon (1997) já havia indicado que não apenas surpresa, mas também conhecimento
são componentes importantes para que o humor aconteça. É necessário ter certo conhecimento
sobre a situação para que haja humor. Isso significa que apesar da percepção de uma
incoerência, o humor é entendível de formas diferentes.
Também temos a teoria do alívio, que argumenta que o humor é causado pela remoção
de barreiras impostas pela sociedade e não por uma sensação de superioridade ou pelo
conhecimento de uma incoerência. As pessoas fazem piadas de convenções sociais que
reprimimos, como sexo e religião para poderem remover tensões do dia a dia. Freud é um dos
principais teóricos a desenvolver esta hipótese com o seus estudos no campo da psicanálise.
Ele foca primeiramente na parte psicológica de como recebemos e entendemos uma piada.
Questionar tais regras que a sociedade nos impõe com humor pode ser considerado uma
forma de quebrar tabus, a vista disso, o humor resultante nos causa grande alívio, devido à
fuga de sentimentos que normalmente reprimimos no nosso dia a dia (FREUD, 2002).
Todas as três teorias do humor mencionadas aqui estão entrelaçadas. Por exemplo,
quando caçoamos de convenções sociais, fazemos isso porque nos achamos superiores a tais
regras que a sociedade nos impõe. Ou seja, na teoria do alívio, podemos encontrar elementos
da teoria da superioridade. Agora que já abordamos as teorias pertinentes ao humor, iremos
discutir a seguir, como as nuances linguísticas e culturais podem influenciar a forma como os
Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”
membros de uma sociedade percebem o humor e como isso pode significar um problema na
hora de traduzir expressões humorísticas.
3 TRADUÇÃO, HUMOR, LÍNGUA E CULTURA
Lefevere (1992) define tradução como sendo o processo no qual procuramos
reproduzir no texto alvo o equivalente mais próximo da mensagem que o texto fonte quis
transmitir para o seu público. Nesta definição, nós podemos ver claramente que o autor
reconhece que qualquer tradução está sujeita a passar por problemas de equivalência, tanto
culturais quanto linguísticas. Quando falamos da tradução de expressões humorísticas, isso se
torna ainda mais complicado devido ao humor ser um fenômeno altamente subjetivo e
consequentemente de difícil tradução.
A tradução do humor é considerada uma das modalidades tradutórias mais difíceis.
Isso ocorre principalmente devido a nuances linguísticas e culturais. Diante disso, o humor é
muitas vezes intangível e característico de cada grupo social, podendo vir a se tornar um
pesadelo para os tradutores profissionais. (CHIARO 2010).
Assim como dito por Deacon (1997), conhecimento é um dos fatores principais para
que o humor aconteça. E muitas vezes, esse conhecimento está relacionado com elementos
culturais únicos de cada grupo. Podemos dizer então, que uma tradução de humor falhou
quando ninguém rir, ou seja, quando o público não reconheceu a referência cultural da piada.
A título de exemplo, uma referência a um filme ou livro é apenas compreendida por aqueles
que possuem pelo menos um conhecimento vago do que está sendo referenciado. Para
entendermos melhor, é necessário revisitarmos as teorias apresentadas anteriormente. Em
outras palavras, precisamos ter o conhecimento da incoerência, das regras sociais ou dos
temas tabus envolvidos na situação. Do contrário, o tradutor não será capaz de adaptar certos
termos para a língua alvo.
Edward Tylor (1971) descreve cultura como sendo crenças, conhecimento e qualquer
outro costume adquirido pelo homem na condição de membro da sociedade. Ou seja, cultura
pode ser considerada como tudo que é produzido pela humanidade, seja isso material ou em
forma de crenças e costumes. Devido a isso, na tradução da língua alvo para a língua fonte
devem ser levados em consideração, não somente os aspectos linguísticos, mas também, as
diferenças culturais que existem entre as duas línguas sendo trabalhadas. Desta forma, a
mensagem poderá ser transmitida de forma mais clara. Ou seja, o tradutor precisa ter um vasto
Maicon Fabricio dos Santos Paiva 7
conhecimento não só das línguas sendo trabalhadas, mas também das culturas envolvidas. A
partir deste conhecimento o tradutor será capaz de fazer as adaptações necessárias no texto.
Adaptações e mudanças no texto alvo são muitas vezes necessárias para tornar a
tradução mais acessível para o público e preservar o humor na mensagem. Muitas vezes, isso
pode significar que algumas das referências encontradas no texto fonte podem vir a não existir
em ambas as línguas/culturas envolvidas, assim, podendo ser trocadas por outras referências
que proporcionem o máximo de equivalência na mensagem que o texto fonte quis transmitir.
Essa técnica é chamada de domesticação. O contrário da domesticação seria a
estrangeirização, que é quando o tradutor opta por manter a expressão original, sem se
preocupar com as diferenças culturais e linguísticas presentes nas duas línguas sendo
trabalhadas (VENUTI 1995).
A domesticação adapta o texto fonte de acordo com a realidade da cultura/língua alvo,
deste modo, a mensagem pode ser claramente entendida pelo público que consome a tradução.
Isso é normalmente feito através da remoção de expressões e referências que seriam
incompreensíveis ou de difícil compreensão caso fossem traduzidas literalmente.
Agora falaremos de trocadilhos e como esse recurso linguístico pode vir a dificultar a
vida dos tradutores tanto quanto as referências culturais. Os teóricos Helitzer e Shatz (2005)
definem trocadilhos, em termos gerais, como sendo um jogo de palavras com significados ou
formas semelhantes que são usadas intencionalmente com propósito de causar confusão e
diversão nas pessoas. Os autores ainda acrescentam que o ouvido transmite a mente a
interpretação mais familiar que temos de cada palavra que ouvimos. Devido a isso, os
trocadilhos são mais efetivos quando falados ou ouvidos do que quando os escrevemos. A
maioria dos trocadilhos são estruturados a partir de palavras homônimas ou quase
homônimas, que possuem sons bem parecidos e muitas vezes até grafias, mas não são
exatamente iguais e possuem significados diferentes. Devido à similaridade entre certas
expressões, elas se tornam perfeitas na formulação de piadas.
Trocadilhos criam uma série de dificuldades quando precisamos traduzi-los, pois,
muitas vezes não é possível reproduzir o mesmo jogo de palavras em ambas às línguas. Isso
faz com que o tradutor precise mudar toda a piada para que o público alvo possa apreciá-la.
Devido a isto, muitas vezes há muitas perdas de significado, porém, também há ganhos que
podem melhorar a piada já que sempre devemos pensar em como o público alvo irá reagir ao
humor traduzido. No tópico a seguir, falaremos de tradução audiovisual e suas principais
vertentes, entre elas, a dublagem e a legendagem que são os objetos de estudos desta pesquisa.
Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”
4 TRADUÇÃO AUDIOVISUAL
Segundo o teórico Jorge Díaz Cintas (2009), esse é o ramo dos estudos da tradução
que lida com a transferência de textos multimídia para outras línguas e culturas com o
propósito de facilitar a distribuição desses materiais em diferentes mercados. De outro modo,
podemos dizer que essa modalidade tradutória não se limita apenas a transferir o texto de uma
língua para outra, mas também é dependente de uma grande variedade de recursos semióticos.
O que significa que, não só o texto deve ser levado em consideração, mas também as imagens,
o som, as cores, perspectivas e qualquer outro recurso semiótico que possa ser usado pelos
personagens de uma série de TV ou filme deve ser analisado atentamente para que o resultado
final esteja semanticamente adequado com as falas originais.
Díaz Cintas e Ramael (2007), afirmam que a tradução audiovisual é a atividade
tradutória que mais cresce na atualidade. Isso se deve principalmente ao público que consome
produtos audiovisuais como cinema, TV e, mais recentemente, os serviços de streaming como
a Netflix e a Amazon Prime, ser numeroso. O valor da imagem é fundamental nas nossas
vidas, sem contar que estamos literalmente cercados por telas de todos os tamanhos e formas.
Televisores, cinemas, computadores e celulares são comuns e também características
recorrentes do nosso contexto social. Nós esbarramos neles em casa, no local de trabalho, no
transporte público, em bibliotecas, bares, restaurantes e cinemas todos os dias.
Quando falamos de tradução audiovisual, normalmente nos referimos a legendagem e
dublagem, que de fato são as duas principais e mais difundidas modalidades dentro dessa
especialidade e, com o crescimento cada vez maior desse ramo desde 1990, a necessidade de
tradutores e pesquisadores que trabalhem nessa área é também cada vez maior (DÍAS
CINTAZ; RAMAEL 2007).
No entanto, a tradução audiovisual vai muito além da legendagem e dublagem.
Também temos legendas especiais para surdos e a autodescrição. As legendas especiais para
surdos e deficientes auditivos, também chamadas de close caption, além de representarem a
parte escrita da fala, também descrevem os sons para que o público surdo possa ter noção dos
efeitos sonoros que são de suma importância em determinadas cenas (NEVES in DÍAS
CINTAZ AND ANDERMAN, 2009).
Já a autodescrição consiste em transformar imagens em sons, tendo como objetivo
principal tornar recursos audiovisuais como cinema e TV mais acessível para deficientes
visuais. Por essa razão, essa técnica vem ganhando maior visibilidade à medida que a
Maicon Fabricio dos Santos Paiva 9
comunidade com necessidades especiais têm os seus direitos reconhecidos (FRANCO e
SILVA em MOTTA E ROMEU FILHO, 2010).
Apesar de a tradução audiovisual ser muito mais ampla do que apenas dublagem e
legendagem, iremos focar apenas nessas duas modalidades, de forma a mostrar as principais
diferenças entre ambas. Os outros campos dos estudos da tradução audiovisual foram citados
apenas a título de informação, para que todos saibam o quão grande são os estudos e as
possibilidades nessa área.
Jorge Días Cintaz e Aline Ramael (2007) descrevem a legendagem como sendo um
texto escrito, geralmente presente na parte inferior da tela, que tem como função recontar os
diálogos originais, assim como os elementos discursivos que aparecem na imagem. Além
disso, Días Cintaz e Ramael também afirmam que a legendagem foi ignorada por acadêmicos
durante muitos anos, no entanto, devido à crescente proliferação e distribuição de materiais
audiovisuais na nossa sociedade, a legendagem tornou-se uma das áreas que mais crescem e
ganham visibilidade no mundo acadêmico. Junto a isto, as legendas ajudam o público a
entender a parte falada de um filme ou série de TV enquanto escutam os diálogos originais.
Mas, existe uma série de limitações no que tange o espaço que temos na tela, o tempo que
temos para ler as legendas, e entre outras limitações que discutiremos mais adiante.
Dados empíricos sugerem que legendas podem entregar até 43% menos texto do que a
fala original, dado as limitações provenientes da sincronia entre a fala e as legendas que a
indústria demanda. É esperado que os tradutores priorizem as intenções comunicativas da fala
acima da semântica dos constituintes lexicais individuais (PÉREZ GONZÁLEZ in BAKER
AND SALDANHA 2009).
Todo programa de legendagem é composto por três componentes principais: a fala, a
imagem e a legenda. Días Cintaz e Ramael (2007) dizem que a interação desses três
componentes, mais a habilidade do telespectador de ler tanto as legendas quanto o que está
acontecendo na imagem, levando em consideração as restrições de tempo, espaço na tela, o
número de caracteres permitidos, o sincronismo entre os diálogos e as imagens e o contexto,
que deve levar em consideração todos os elementos semióticos para que o resultado final
esteja adequado com o texto original, é o que determina as características básicas que fazem
da legendagem um material audiovisual.
O tempo que as legendas devem permanecer na tela vai depender do país de chegada.
Mas de modo geral, o tempo flutua entre 5 e 7 segundos para que o público possa lê-las. Deste
modo, podemos dizer que devido a todas as limitações citadas anteriormente, as legendas
podem não conseguir reproduzir todas as nuances que a fala conseguiria na mesma situação.
Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”
A título de exemplo, as legendas não conseguem reproduzir o que se expressa através de
acento, entonação e ritmo. Os tradutores não podem usar estruturas complexas, eles precisam
ser breves e concisos para aumentar a legibilidade para o público. Isso pode vir a resultar em
perdas de significado, tornando o trabalho do tradutor uma difícil tarefa, já que ele precisa
decidir o que deve ou não deve ser perdido, e muitas vezes, uma pequena perda de
significado, pode acarretar uma mudança significativa no resultado final. (TVEIT in DÍAS
CINTAZ AND ANDERMAN, 2009).
Luyken et al (1991), diz que a velocidade que um adulto ler os textos das legendas,
gira em torno de 150 até 180 palavras por minuto. No entanto, esses dados dependem bastante
da complexidade do texto e da informação sendo passada. Se o público não tem conhecimento
sobre a informação, a acessibilidade será baixa e consequentemente o tempo de exposição às
legendas será maior. Minchinton (1993) acrescenta que o tempo que levamos para ler as
legendas é também afetado pelo gênero do que estamos assistindo. Por exemplo, romances e
comédias são considerados fáceis, já ficção científica e histórias policiais representam um
desafio maior para o público, já que muitas das expressões presentes nesses gêneros podem
não ser reconhecidas por quem assiste (Apud TVEIT in DÍAS CINTAZ AND ANDERMAN,
2009).
A dublagem juntamente com a legendagem é uma das duas práticas mais comuns de
tradução audiovisual. Segundo Luyken et al (1991) a dublagem é o processo através do qual a
fala original de um ator/atriz é substituída pela de um dublador, esse processo tem como
intuito recriar a fala original em outra língua, sempre respeitando da melhor forma possível à
sincronia entre a fala, as imagens, os sons e o movimento labial para que o resultado final soe
o mais natural possível.
Rocha Farias (2014), em sua dissertação de mestrado, afirma que além da dublagem
que conhecemos de filmes e séries, também existe o voice-over que é quando a voz do
dublador sobrepõe a fala do ator, no entanto, o áudio original ainda pode ser ouvido no
background. Essa técnica é normalmente usada em transmissões ao vivo, programas de
auditório e documentários.
A dublagem é considerada uma das formas mais compreensíveis de tradução. No
entanto, é necessário um alto nível de conhecimento na língua, e não apenas conhecimento
gramatical, mas também da semântica e prosódia para que a dublagem possa respeitar o
máximo possível à sincronia entre a fala e os elementos visuais presentes na cena.
Maicon Fabricio dos Santos Paiva 11
(WHITMAN-LINSEN 1992 Apud PÉREZ GONZÁLEZ in BAKER AND SALDANHA
2009).
Além disso, Dias Cintaz (2007), afirma que a dublagem tem um custo muito maior se
comparado à legendagem. Isso se deve principalmente ao fato da legendagem necessitar de
um número menor de profissionais, enquanto a dublagem, além do tradutor, é necessária uma
equipe de direção, atores e entre uma série de elementos que tornam essa prática muito mais
demorada e cara. Também deve ser levada em consideração a inabilidade da dublagem de
reproduzir variações linguísticas e dialetais provenientes da língua fonte. Isso termina fazendo
com que essa técnica tenha uma tendência a neutralização cultural (PAVESI 2005 apud
PÉREZ GONZALEZ in BAKER AND SALDANHA 2009).
Em How I Met Your Mother, por exemplo, a maior parte dos personagens fazem
piadas relacionadas ao sotaque canadense de Robin, no entanto, quando escutamos a versão
dublada, essas piadas são quase que totalmente ignoradas e consequentemente são
substituídas em um processo de neutralização cultural. A dublagem, assim como a
legendagem, também possui uma série de restrições. Para começar, Tveit (2009) afirma que
as limitações presentes nessa modalidade são óbvias. Uma delas seria a perda de
autenticidade, já que boa parte das características de um personagem se encontra na voz do
ator que o interpreta. A voz está intimamente ligada com a linguagem corporal do ator, e isso
nem sempre e reproduzido tão bem pelo dublador.
Não apenas a autenticidade é perdida na dublagem, mas de acordo com Tveit (2009), a
credibilidade também é comprometida. Mesmo que não possamos compreender as palavras
sendo faladas, a voz e a linguagem corporal por si só, já são capazes de nos proporcionar um
grande número de informações. Mesmo a entonação variando de língua para língua, existem
características universais como as expressões de dor, perda e felicidade que não devem ser
ignoradas pelo dublador. A linguagem corporal estar intimamente ligada ao ritmo, a ênfase e
ao volume da voz. Essas características contribuem consideravelmente para que as
informações não só do falante, mas também do contexto da cena sejam passadas com sucesso
para o público. Esses detalhes podem ser consideravelmente perdidos na dublagem.
Mesmo que o público alvo não entenda o que está sendo dito na fala original, apenas o
fato de escutarmos a voz dos atores já nos transmite uma quantidade enorme de informações
de cunho linguístico e cultural que certamente seriam perdidos na dublagem ou voice-over.
Como consequência, a legendagem tende a preservar certas características culturais que a
dublagem não conseguiria.
Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”
Apesar de todas as limitações, essa é uma modalidade tradutória muito importante. A
importância da dublagem é mais acentuada quando pensamos no fato de que ainda existem
pessoas com dificuldade para leitura, e por essa razão, precisam da dublagem para poder
apreciar produções audiovisuais como TV e cinema (TVEIT in DÍAS CINTAZ AND
ANDERMAN 2009). Agora iremos partir para as metodologias usadas no desenvolvimento
do trabalho e a análise dos dados coletados no seriado.
5 METODOLOGIA
Primeiramente, fizemos uma pesquisa bibliográfica acerca da tradução audiovisual
(legendagem e dublagem), das teorias do humor, dos fatores culturais e linguísticos que fazem
da tradução do humor um trabalho árduo e uma coleta de dados no seriado estadunidense How
I Met Your Mother usando a dublagem e as legendas encontradas na plataforma de streaming
Netflix a fim de encontrar dados que sustentem a hipótese proposta.
A escolha dos episódios foi feita considerando a quantidade de termos que foram
adaptados devido a diferenças culturais ou linguísticas. Procuramos priorizar expressões que
apresentassem essa dificuldade de tradução, de modo a otimizar a capacidade analítica de
cada uma delas. Também investigamos como foram feitas as traduções do texto fonte para o
texto alvo, se o humor foi mantido de forma a preservar a mensagem original ou se
adaptações foram necessárias para que o público alvo possa relacionar-se com as situações
humorísticas presentes no seriado.
A análise das ocorrências da tradução (Legendagem e Dublagem) foi feita da seguinte
maneira: Primeiro assistimos ao episódio do seriado com áudio em inglês. Ao notarmos
qualquer ocorrência de referências culturais ou trocadilhos, a mesma cena foi vista com
legendas em português uma segunda vez e depois uma terceira vez dublada no episódio
correspondente. Em seguida, dividimos as a referências culturais e os trocadilhos a serem
analisados em tabelas com as expressões originais, episódios e temporada a qual pertencem e
suas respectivas versões dubladas e legendadas. Após isso, os diálogos foram transcritos com
um breve resumo das cenas para ajudar na contextualização e nos resultados obtidos.
6 ANÁLISE DOS DADOS
Baseado nas expressões analisadas nas tabelas abaixo, tentamos chegar a um consenso
do motivo de em algumas delas haver domesticação e em outras não. Na primeira expressão,
Maicon Fabricio dos Santos Paiva 13
temos uma referência a outro seriado chamado Tales from the Crypt/Contos da Cripta. Ou
seja, primeiramente o público precisa conhecer a série sendo referenciada para que a piada
funcione em sua totalidade, pois Deacon (1997) afirma que conhecimento é essencial para que
o humor aconteça. A situação em que a expressão ocorreu foi quando Ted ficou com ciúmes
de Robin por ela estar namorando um homem mais velho. Segue as falas transcritas abaixo:
Ted: Well, how come we’re all allowed to bust on Barney when he dates some skanktron, but
when you sleep with the Crypt Keeper’s dad, I’m not allowed to say a word?
Ted: Bem, como que todos podem zoar o Barney quando ele namora alguma baranga, mas
quando você dorme com o Pai guardião da cripta/velhote, eu não posso dizer nada?
(Tradução nossa).
EXEMPLO 1
ORIGINAL LEGENDADO DUBLADO TEMPORADA EPISÓDIO
Crypt Keeper's dad Velhote
Pai guardião da cripta Terceira 9 -Slapsgiving
Fonte: O autor.
A versão dublada parece assumir que o público entenderá a tradução literal, já a versão
legendada faz o oposto e opta pela domesticação citada por Venuti (1995), o que pode ser
uma forma de ajudar a quem ler as legendas, uma vez que as expressões usadas na versão
legendada são bem mais simples e rápidas para ler do que a versão vista na dublagem.
Também podemos relacionar a piada de Ted com a teoria da superioridade citada por
Vandaele (2002), pois Ted está tentando diminuir o namorado de Robin, para mostrar que é
superior.
Agora vamos ao segundo exemplo, onde temos uma situação bem parecida com a
primeira, onde Ted conhece Bob, o namorado de Robin, e o chama de “Orville Redenbacher”
para insulta-lo. Segue abaixo a transcrição das falas:
Robin: Oh, there's Bob! By the way, heads up, he's a little bit older than us.
Ted: Robin is dating Orville Readenbacher.
Robin: Oh, ali está o Bob! A propósito, ele é um pouco mais velho que a gente.
Ted: Robin está namorando o Orville Readenbacher/Matusalém (Tradução nossa).
EXEMPLO 2
ORIGINAL LEGENDADO DUBLADO TEMPORADA EPISÓDIO
Orville
Rendenbacher
Matusalém Orville Readenbacher Terceira 9 -Slapsgiving
Fonte: O autor.
Ted usou o nome de Orville para enfatizar o quão velho o namorado de Robin era. A
expressão é uma referência a Orville Clarence Readenbacher, um americano normalmente
associado a marca de pipocas com o seu nome. Orville nasceu em 16 de julho de 1907 e
Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”
morreu aos 93 anos em 1995 (TOPPING, 2011). O interessante é que temos o mesmo caso da
primeira expressão analisada. Eles mantiveram o texto original, assumindo que o público irá
reconhecer a expressão, enquanto que a versão legendada foi domesticada. Os tradutores
usaram uma referência bíblica muito mais comum. A domesticação, assim como na primeira
piada, provavelmente ocorreu devido aos tradutores terem assumido que é muito mais fácil
entender um input sonoro do que escrito, então eles optaram por uma referência mais comum
e consequentemente de fácil compreensão.
O terceiro exemplo trata-se da palavra “beaver/castor” que nos Estados Unidos da
América é também usada como uma gíria para “vagina”. Já no Canada é um animal símbolo
do país. A situação em si, acontece quando Barney descobre que Robin costumava apresentar
um programa infantil quando ainda morava no Canadá. Na cena, Robin está usando castores
fantoches e quando Barney e Ted veem isso, eles caem na gargalhada e Robin fica chateada,
alegando que os castores são um símbolo de amizade em seu país. Segue a transcrição de
parte das falas:
Robin: Hey Jessica, How’s your beaver?
Jessica: Great, How’s your beaver?
Robin: Busy as ever.
Robin: Ei Jessica, como tá a sua bichinha/castor?
Jessica: Maravilhosa, como tá a sua?
Robin: Ocupada como sempre (Tradução nossa).
EXEMPLO 3
ORIGINAL LEGENDADO DUBLADO TEMPORADA EPISÓDIO
Beaver Bichinha Castor Sexta 9 -Glitter
Fonte: O autor.
Assim como nos exemplos anteriores, a versão legendada foi adaptada e a dublada
traduzida literalmente. O problema aqui é que em ambas as versões houve perda de
significado, já que no Brasil não usamos a palavra castor com a mesma conotação que os
americanos e canadenses. Na versão legendada, podemos ver que eles tentaram de forma
frustrada manter o sentido de vagina. Se não fossem os castores fantoches, eles poderiam ter
usado qualquer outra analogia, como a palavra perereca por exemplo. No entanto, mesmo que
essa adaptação fosse possível, haveria a perda das referências culturais canadenses e
americanas. Ou seja, podemos assumir que algumas referências são simplesmente
intraduzíveis quando as imagens na tela nos limitam a esse ponto. A situação também pode
ser ligada a teoria do alívio de Freud (2002) por se tratar de uma expressão tabu. A teoria do
alívio afirma que usamos expressões tabus para nos aliviarmos do estresse do dia a dia.
Maicon Fabricio dos Santos Paiva 15
O trocadilho analisado a seguir, pertence a slap bet/aposta do tapa. Na segunda
temporada, Marshall e Barney apostam para descobrir o motivo pelo qual Robin tem receio de
ir a shoppings. O prêmio para o vencedor é ter o direito de dar cinco tapas na cara do outro em
qualquer momento da vida sem a chance de vingança. Segue parte das falas transcritas:
Lilly: All right, we have a turkey. Isn’t this exciting? Our first thanksgiving together as a
group?
Marshall: Oh yeah, this is gonna be the best slapsgiving together.
Lilly: Olhem isso, nos temos um peru. Isso não é ótimo? O nosso primeiro dia de ação de
graças juntos como um grupo?
Marshall: Sim, isso vai ser a melhor estapeação de graças/dia dos tapas juntos (Tradução
nossa).
EXEMPLO 4
ORIGINAL LEGENDADO DUBLADO TEMPORADA EPISÓDIO
Slapsgiving Dia dos tapas Estapeação de graças Terceira 9 -Slapsgiving
Fonte: O autor.
Neste trocadilho também temos uma referência cultural americana. Na legendagem,
podemos observar que a referência ao dia de ação de graças foi completamente perdida, já na
dublagem, foi mantida como em todos os casos anteriores. No caso desse exemplo, a
legendagem poderia facilmente ter ficado da mesma forma que a dublagem já que além de ter
mantido a referência, muitos também conhecem esta data comemorativa americana aqui no
Brasil através de filmes e séries.
Em nosso último exemplo, temos outro trocadilho, um bordão usado pelo personagem
Barney. A palavra “dairy” significa laticínio (produto derivado do leite), mas, também tem a
função de completar a palavra “legenDARY (legendário)”. A expressão “dairy” e “dary”
possuem a mesma pronúncia (homófonas), porém, com escritas diferentes.
EXEMPLO 5
ORIGINAL LEGENDADO DUBLADO TEMPORADA EPISÓDIO
“Legen” - wait for it
and I hope you’re
not lactose intolerant
because the next
word is “Dairy”
“Lend” - e espero que
não se oponha, pois a
palavra é “Lendário”
“Legen” – espera um
pouquinho, porque eu
acho que você não vai
gostar da segunda metade
da palavra ... “Dario”.
Primeira 3 - Sweet
Taste of
Liberty
Fonte: O autor.
A partir dessa observação, podemos perceber o quanto é difícil traduzir essa
brincadeira com as palavras “dary” e “dairy”. Tanto na dublagem quanto na legendagem a
mensagem original foi perdida completamente. Não apenas expressões como a do exemplo
três, em que os tradutores se depararam com uma barreira imposta pelas imagens audiovisuais
Um Estudo da Tradução do Humor na Série Estadunidense “How I Met Your Mother”
na tela, tornam um texto difícil para traduzir . Jogo de palavras, como visto neste exemplo,
também podem ser intraduzíveis, já que raramente é possível reproduzir o mesmo jogo de
palavras em línguas diferentes.
Ao analisarmos as expressões coletadas na série How I Met Your Mother, podemos
notar que houve domesticação das referências culturais na versão legendada, apesar do
mesmo não ter ocorrido na versão dublada. Isso acontece quando a referência é também
conhecida na cultura do texto de chegada.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, tivemos como objetivo analisar a dublagem e a legendagem do humor
na série estadunidense How I Met Your Mother. Nossa principal preocupação foi identificar
ocasiões que trocadilhos e referências culturais específicas à cultura norte-americana foram
usados. Em tais ocasiões, procuramos verificar que abordagem foi tomada pelo tradutor para
que ele pudesse chegar às soluções encontradas durante a coleta de dados deste trabalho.
O que pudemos verificar foi que na maioria dos casos, houve algum tipo de
domesticação nas referências culturais e trocadilhos analisados, seja motivada por aspectos
linguísticos, culturais ou técnicos. O tradutor preferiu ora referências conhecidas do público,
ora mudar o referente, adotando outro, de identificação considerada mais fácil. Nesses casos,
também percebemos que a domesticação ocorreu apenas nas versões legendadas, enquanto
que na dublagem, eles sempre optaram por manter o texto traduzido literalmente.
Houve ocasiões, contudo, em que a mensagem original não foi apenas perdida, no
caso das legendadas e dos trocadilhos, mas também substituídas por termos ou expressões que
não reservam qualquer associação com o texto de partida. Esse foi o caso nas seguintes
ocasiões: “beaver” que ficou como “bichinha” e o trocadilho com as palavras “dary/dairy”
que foi totalmente perdido, tanto na legendagem quanto na dublagem. No entanto, temos que
considerar a dificuldade em traduzir as expressões do texto de partida, pois “beaver” tinha as
imagens que não permitiam muitas adaptações, já “dary/dairy” é um jogo de palavras
complicado para reproduzir da mesma forma no português. Outro exemplo de domesticação
foi a troca de elementos culturais por outros elementos que conhecemos no Brasil, que foi o
caso de “Orville Redenbacher” que ficou “matusalém”.
Podemos concluir, enfim, que a legendagem e a dublagem, na tentativa de retratar a
cultura de partida e o humor das cenas para o público alvo de maneira mais simples, acabou
Maicon Fabricio dos Santos Paiva 17
por perder algumas referências, fazendo que os elementos culturais estrangeiros e muitas
vezes o humor também fossem perdidos. Não estamos dizendo que a tradução não possui
momentos tão engraçados quanto o original, mas que muito se perde do humor quando este é
traduzido de uma língua para outra.
No entanto, devemos estar cientes que o processo de dublagem sofre influência de
vários profissionais, desde o tradutor, passando pelo roteirista, diretor de dublagem e os
atores. Portanto é um processo muito mais demorado e caro do que a legendagem.
Recomenda-se bom senso e precaução ao se avaliar uma tradução. Devemos ter em mente
todo o processo e não apenas o produto final.
Reconhecemos, finalmente, que a dublagem e a legendagem, pelo simples fato de
serem modalidades tradutórias, apresentam inúmeros desafios. As escolhas lexicais,
estilísticas e até filosóficas constituem, por si mesmas, grande parte da dificuldade da
tradução. Além desses, comuns às outras modalidades, outros desafios se apresentam
especificamente na dublagem. Como, vimos o primor pelos aspectos técnicos, à necessidade
da sincronia e entre outros já mencionados anteriormente. Cabe ao tradutor, estar ciente de
suas atribuições e encarar estes desafios como estímulo em busca da excelência.
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