Uma Análise do Tratamento de Sequências Numéricas em ... · Em nosso trabalho de doutoramento em...
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Uma Análise do Tratamento de Sequências Numéricas em Livros
Didáticos Segundo as Ideias de Fischbein
William Vieira1
GD4 – Educação Matemática no Ensino Superior
Apresenta-se neste artigo uma análise dos tratamentos de sequências numéricas em livros de Cálculo
Diferencial e Integral. Mais especificamente, investiga-se se e como alguns livros didáticos favorecem as
interações entre os aspectos (ou componentes) formal, algorítmico e intuitivo na construção de conceitos
relativos às sequências numéricas. As obras analisadas foram selecionadas a partir das ementas das
disciplinas de Cálculo IV, Sequências e Séries e Análise Real das instituições de Ensino Superior nas quais
aplicamos nossos instrumentos de pesquisa. Os livros com maior incidência nessas ementas foram
selecionados e a análise dessas obras é o primeiro dos procedimentos metodológicos previstos em nossa Tese
de Doutorado em Educação Matemática, que tem por objetivo fornecer subsídios para a elaboração de outros
dois instrumentos: o roteiro de entrevistas com professores que ensinam sequências e o questionário
diagnóstico, a ser aplicado para alunos que já estudaram sequências numéricas no nível superior, a fim de
verificar as dificuldades que os professores apontam e que os alunos confirmam ou não no ensino e na
aprendizagem de sequências numéricas.
Palavras-chave: Ensino de Cálculo. Sequências Numéricas. Componente Intuitiva. Componente Formal.
Componente Algorítmica.
Em nosso trabalho de doutoramento em Educação Matemática nos propomos a analisar as
dificuldades apresentadas por alunos do nível superior quando do estudo de sequências
numéricas. O trabalho está dividido em três etapas metodológicas: análise de livros
didáticos, entrevista com professores que ensinam Cálculo e aplicação de questionário
diagnóstico para alunos que já estudaram sequências numéricas. As obras foram analisadas
segundo as ideias de Fischbein (1994) com o objetivo de fornecer elementos para a
elaboração do roteiro de entrevista e do questionário diagnóstico.
As obras analisadas são as indicadas nas ementas das disciplinas Cálculo Diferencial e
Integral IV e Sequências e Série dos cursos de Licenciatura em Matemática das instituições
de ensino superior nas quais aplicaremos nossos instrumentos de pesquisa. Não
pretendemos fazer um ranqueamento das obras analisadas, mas interpretar as estratégias de
abordagem e de ensino de sequências numéricas que cada uma delas oferece e quais
aspectos são favorecidos, ou não, em cada uma dessas abordagens.
1 Doutorando em Educação Matemática – Universidade Anhanguera de São Paulo, e-mail:
[email protected], orientadora: profa. Dra. Vera Helena Giusti de Souza.
Sobre o papel que as obras recomendadas desempenham, no desenvolvimento dos cursos
em que são utilizadas, concordamos com Barufi (1999) que sustenta a seguinte posição
Entendemos que o livro didático escolhido pelo professor (...) constitui um forte
indício do tratamento que será dado ao curso. O livro preferido faz transparecer
muitas das preocupações do professor, suas crenças, suas escolhas
metodológicas. (BARUFI, 1999, p. 7)
Cumpre destacar que a interação entre os aspectos (ou componentes) algorítmico, intuitivo
e formal (FISCHBEIN, 1994) podem ser observadas quando um sujeito está em atividade
matemática e está claro para nós que um livro didático é estático e não apresenta o
movimento da atividade; entretanto, procuramos observar, em nossas análises, como as
obras selecionadas podem contribuir para a aprendizagem de um sujeito que se debruça
sobre elas, no que diz respeito à interação entre os aspectos descritos por Fischbein (1994).
Neste artigo, apresentamos a análise de duas obras que são indicadas por todas as ementas
verificadas, precedida por um breve resumo das ideias de Fischbein (1994).
Fundamentação Teórica
O psicólogo romeno Efraim Fischbein, em seu artigo The interaction between the formal,
the algorithmic, and the intuitive componentes in a mathematical activity (1994), coloca
em discussão a necessidade de verificarmos se há interação entre aspectos formais,
algorítmicos e intuitivos ligados a qualquer conceito em Matemática, quando observamos
um sujeito em atividade matemática. Estes são, segundo o autor, os três aspectos básicos a
serem considerados quando tratamos a Matemática como uma atividade humana, feita por
seres humanos.
Segundo Fischbein, ao considerar a interação desses três aspectos, estamos olhando a
Matemática como um processo criativo e não como um corpo de conhecimentos
estruturado e já estabelecido. Atentar para este processo criativo significa entender essa
ciência como uma atividade humana, que envolve momentos de “iluminação, hesitação,
aceitação e refutação” (FISCHBEIN, 1994, tradução nossa).
Essa perspectiva, reitera o autor, deve guiar nossas escolhas quando ensinamos
Matemática, se desejamos que os estudantes sejam capazes, eles mesmos, de produzir
afirmações matemáticas, construir provas e avaliar, formal e intuitivamente, a validade
dessas produções (FISCHBEIN, 1994).
O aspecto formal refere-se aos axiomas, definições, teoremas e demonstrações. Estes
elementos compõem, de fato, o núcleo das ciências matemáticas e precisam ser levados em
conta quando analisamos o processo de criação matemático. Fischbein reitera que
“Axiomas, definições, teoremas e provas têm de penetrar como um componente ativo do
processo de raciocínio. Eles devem ser inventados ou aprendidos, organizados, checados e
usados ativamente pelo estudante” (FISCHBEIN, 1994, tradução nossa); alerta também
que o pensamento proposicional e o uso de construções hipotético-dedutivas não são
adquiridos espontaneamente pelos jovens e que somente um adequado processo de ensino
pode dar a esses elementos formais características verdadeiramente funcionais
(FISCHBEIN, 1994).
O aspecto algorítmico corresponde às técnicas e procedimentos de resolução. Este
componente também tem um caráter fundamental no processo de entendimento e criação,
uma vez que apenas o conhecimento das estruturas formais (axiomas, definições,
teoremas) não é suficiente para conferir habilidade em resolver problemas. Essas
habilidades, sustenta Fischbein, devem ser sistematicamente treinadas para que sejam
adquiridas (FISCHBEIN, 1994).
O aspecto intuitivo diz respeito a uma intuição cognitiva, um entendimento intuitivo, uma
solução intuitiva. A intuição cognitiva é o que um sujeito considera autoevidente e não vê
necessidade de prova ou justificação (FISCHBEIN, 1994). Consideramos autoevidentes,
para quase todos os sujeitos, afirmações do tipo “A parte é menor que o todo”, “Uma série
infinita tende ao infinito, pois somamos valores indefinidamente” ou “Se o termo geral de
uma série tende a zero, então a série é convergente”.
Pela sua natureza, o conhecimento intuitivo exerce um papel coercitivo no raciocínio,
definindo caminhos e estratégias para a resolução de problemas. Por vezes, isso se torna
um facilitador do processo de conhecimento, se estiver de acordo com verdades
logicamente justificáveis; em outros casos, torna-se um caminho para contradições e
equívocos - como no caso das afirmações apresentadas no parágrafo anterior - e, desta
forma, podem se configurar em dificuldades e obstáculos para o processo de aprendizagem
(FISCHBEIN, 1994).
Sobre o papel que o conhecimento intuitivo desempenha no processo de aprendizagem,
Fischbein et al. (1981) alertam que
O problema de identificar os vieses intuitivos naturais do aluno é importante
porque afetam - às vezes de uma maneira muito forte e permanente – seus
conceitos, suas interpretações, sua capacidade de compreender, de resolver e de
memorizar em uma determinada área. Estamos naturalmente inclinados a manter
interpretações que se adequam a esses vieses naturais e intuitivos, e esquecer ou
distorcer aqueles que não se encaixam a eles. (FISCHBEIN et al., 1981, tradução
nossa)
Análise das Obras
Começamos com a análise da obra Cálculo com Geometria Analítica – Volume 2 (1987),
de George Simmons. No prefácio, o autor apresenta os princípios e as ideias que nortearam
a elaboração da obra e o que constitui, em grande medida, sua visão sobre como deve se
realizar um curso introdutório de Cálculo.
O texto em si (...) é tradicional na matéria e na organização. Dei grande ênfase à
motivação e à compreensão intuitiva, e os refinamentos da teoria foram
negligenciados. (...) pois a essência do Cálculo não está em teoremas e em como
prová-los, mas nos instrumentos que fornece e na forma de utilizá-los. Meu
propósito maior foi o de apresentar o Cálculo como arte poderosa de resolver
problemas. Naturalmente, desejo convencer o estudante de que os instrumentos-
padrão do Cálculo são razoáveis e legítimos, mas não à custa de transformar o
assunto numa disciplina lógica enfadonha, dominada por definições
supercuidadosas, apresentações formais de teoremas e provas meticulosas. (...) O
objetivo principal do texto é explorar assuntos para os quais o Cálculo é útil (...)
e não sua natureza lógica, quando encarado do ponto de vista especializado (e
limitado) do matemático puro moderno. (SIMMONS, 1987, p. XIV)
Fica claro nessa introdução que o propósito do livro é o de privilegiar abordagens mais
intuitivas, afastando-se do excesso de rigor e formalismo.
Uma particularidade da obra de Simmons (1987), que a diferencia da maioria dos livros de
Cálculo, é o fato de apresentar séries infinitas antes de estudar sequências numéricas. No
Capítulo 13, o autor faz um rápido esboço das séries, sem tratar das sequências numéricas
e, no Capítulo 14, após trabalhar as sequências numéricas, aborda as séries numéricas e de
funções sob um ponto de vista mais profundo, buscando uma fundamentação mais sólida
dos conceitos básicos (SIMMONS, 1987, p. XVI).
No início do item reservado às sequências numéricas, intitulado Sequências Convergentes,
o autor destaca o tratamento que será dado a este tópico.
Todo estudo razoavelmente satisfatório de séries deve estar baseado numa
definição cuidadosa de convergência de sequências. No entanto, o
comportamento de muitas sequências é fácil de ser entendido sem explanações
elaboradas, e uma teoria maçante de sequências convergentes seria um obstáculo
indesejável (...). Discutiremos, portanto, as sequências bem resumidamente e
tentaremos nos manter num percurso intermediário entre informalidade
excessiva e detalhes tediosos. (SIMMONS, 1987, p. 36)
Usando linguagem corrente, o autor define informalmente sequências numéricas e destaca
algumas notações; e parte então para o Exemplo 1 (SIMMONS, 1987, p. 37), no qual
apresenta oito tipos de sequências (constante, convergentes, divergentes, limitadas,
alternadas e definidas por somas parciais), que servem de referência para a discussão,
também bastante informal, destes conceitos.
Em seguida, anuncia que o principal interesse é o conceito de limite de sequência e
apresenta a explicação
Grosso modo, isto refere-se ao fato de que certas sequências { } têm a
propriedade de ter os números cada vez mais próximos de um número real
quando cresce” (SIMMONS, 1987, p. 37, grifo do autor);
que é dita de outra maneira, ao expressar o limite de sequências com uma mistura de
linguagem corrente e elementos da definição formal, acompanhada do exemplo da
sequência de termo geral
, no qual explora o módulo da diferença entre o termo
geral e o limite 1.
Uma representação gráfica dessa sequência – uma linha horizontal marcando o intervalo
numérico entre 0 e 1 e alguns pontos destacados (Figura 1) – é exibida após a conclusão de
que
(SIMMONS, 1987, p. 38).
Figura 1: Representação gráfica de sequência convergente (SIMMONS, 1987, p. 38)
Usando a linguagem corrente, o autor apresenta, então, a definição formal de limite de
sequências e explora algumas notações para esse conceito.
Embora tenha destacado que privilegia a motivação e a intuição na obra, o que se verifica é
uma mistura confusa entre linguagem corrente e elementos formais relacionados às
sequências numéricas. Há poucas representações gráficas no texto e as articulações entre
elas e os problemas de origem não são claras, o que compromete o desenvolvimento de
competências como a visualização e o estabelecimento de relações, por parte do estudante;
propriedades operatórias dos limites de sequências são apresentadas sem nenhum tipo de
justificação e o exemplo de aplicação para essas propriedades não deixa claro quais, nem
como, estão sendo aplicadas.
Os exercícios e problemas propostos, em sua maioria do tipo calcule e mostre que,
privilegiam aspectos algorítmicos – pouco trabalhados no texto – e formais – solicitando
aplicações da definição – e pouco requerem da articulação entre aspectos formais,
algorítmicos e intuitivos para os conteúdos relativos às sequências numéricas. Esse caráter
confuso no qual a obra se apresenta, por um lado dificulta a iniciação no estudo de
sequências e, por outro, não faz um aprofundamento adequado do assunto.
Analisamos também o livro de James Stewart, Cálculo - Volume II (2001) no que se
refere ao assunto sequências numéricas; outras edições desta obra são indicadas nas
ementas que analisamos, contudo não há mudanças estruturais significativas entre elas e
esta que escolhemos.
No prefácio de sua obra, Stewart destaca que “Tentei escrever um livro que tome parte na
descoberta do cálculo pelos estudantes – por seu aspecto prático bem como por sua
surpreendente beleza” (STEWART, 2001, p. vii) e essa colocação dá uma medida dos
desígnios da obra. Com a intenção de mesclar as aplicações e o desenvolvimento das
técnicas do Cálculo, sem deixar de apresentar “uma avaliação da beleza intrínseca do
assunto” (STEWART, 2001, p. vii), o autor apresenta os pilares que sustentam seu
trabalho.
A ênfase está na compreensão dos conceitos. (...) Tentei implementar essa meta
através da Regra de Três: “Tópicos devem ser apresentados geométrica,
numérica e algebricamente”. Visualização, experimentação numérica e gráfica e
outras abordagens mudaram radicalmente a forma de ensinar o raciocínio
conceitual. Mais recentemente, a Regra de Três foi expandida tornando-se a
Regra de Quatro com o acréscimo do ponto de vista verbal ou descritivo.
(STEWART, 2001, p. vii)
Nos comentários sobre o capítulo 11, que trata das Sequências Infinitas e Séries, Stewart
destaca que “Agora os testes de convergência têm justificativas intuitivas, bem como
provas formais” (STEWART, 2001, p. ix), o que indica o tratamento que o autor reserva
para esta parte da obra.
A parte sobre sequências infinitas traz uma alternância entre a linguagem corrente e o
simbolismo matemático. No início, uma definição informal de sequências é apresentada e,
embora o autor destaque que uma sequência pode ser definida como uma função, não
explora a fundo as possibilidades dessa perspectiva. Entendemos que uma explanação
sobre o domínio das sequências reais, nos números Naturais, teria papel relevante para o
estabelecimento da relação entre aspectos intuitivos e formais relacionados às sequências,
como o caráter discreto do domínio da função. O Exemplo 1, que segue essa definição, traz
Figura 4 Figura 3
três tipos de notações algébricas para sequências (Figura 2), algumas com o índice não
começando em 0 ou 1, mas também não explora essa questão.
Figura 2: Representações algébricas de sequências numéricas (STEWART, 2001, p. 693)
No Exemplo 2, o autor destaca o fato de uma sequência numérica nem sempre estar
definida por uma regra algébrica, dando um exemplo de uma sequência cujo termo geral
é definido como o -ésimo dígito decimal do número ; também apresenta a sequência
de Fibonacci como um exemplo de sequência definida recursivamente (STEWART, 2001,
p. 694). Chamar a atenção para o fato de uma sequência nem sempre estar definida por
uma lei algébrica entendemos ser extremamente pertinente, pois evita o desenvolvimento
de aspectos intuitivos equivocados por parte do estudante; contudo, o texto não volta a dar
destaque para essa questão e no desenrolar da obra somente sequências definidas por leis
algébricas são exploradas. O que consideramos importante no Exemplo 2 pode não causar
o impacto a que se propõe.
Após os exemplos, o autor usa a sequência de termo geral
para introduzir o
conceito de convergência. Neste caso, dois tipos de gráficos são explorados: marcando os
valores de em um eixo ordenado; e pontos num plano, conforme Figuras 3 e 4.
Figuras 3 e 4: Representações gráficas de sequências convergentes (STEWART, 2001, p. 694)
No caso da Figura 4, o autor chama a atenção do leitor para o fato do domínio ser o
conjunto dos inteiros positivos e que, por isso, o gráfico é representado por pontos
isolados. A exploração de diferentes representações é importante para a inter-relação de
aspectos intuitivos, formais e algorítmicos, pois possibilita ao sujeito observar um objeto
matemático sob muitas perspectivas, de preferência que explorem características diferentes
desse objeto; contudo, também é necessária uma boa articulação entre essas diferentes
representações, para que elas não se tornem estéreis. A nosso ver, o texto peca ao não fazer
uma boa interação entre os gráficos e a função de origem e por não explorar, por exemplo,
aspectos algorítmicos que poderiam favorecer a associação entre as diferentes
representações.
A partir das representações ilustradas nas Figuras 3 e 4 , o autor faz a seguinte afirmação
A partir da Figura 3 ou 4 parece que os termos da sequência estão se aproximando de 1 quando se torna grande. De fato, a diferença
pode ser feita tão pequena quanto se deseja tomando suficientemente grande.
Indicamos isso escrevendo
(STEWART, 2001, p. 694)
Aqui o autor usa parte da definição de limite de sequências de maneira informal, mas a
diferença
aparece sem maiores explicações e a interação entre os aspectos
formais da definição e os intuitivos que as figuras pretendem imprimir não ficam
estabelecidas de maneira evidente e podem tornar essa passagem pouco elucidativa para o
leitor.
O trecho citado acima também esconde um conflito entre os aspectos intuitivos da Figura 4
e o formalismo do
, já catalogado pela literatura como um obstáculo
epistemológico “O limite é ou não atingido?” (CORNU, 1983, tradução nossa);
observamos na Figura 4 que “parece que os termos (...) estão se aproximando de 1”
(STEWART, 2001, p. 694) e há uma linha horizontal tracejada em 1, indicando
corretamente que a imagem 1 não será atingida pelos temos da sequência, mas ao final se
impõe que
, sem esclarecer a diferença entre os dois aspectos envolvidos
nessa questão, quais sejam, o fato dos termos da sequência jamais atingirem a imagem 1,
mas que seu limite é 1. O autor evita, assim, uma discussão também bastante pertinente
sobre a natureza intuitiva da noção de limite e o formalismo associado a ela.
Após esse exemplo, o autor apresenta a notação , generalizando a ideia de
convergência de uma sequência para um número ; essa argumentação é seguida de
dois gráficos (Figura 5) e de um comentário que chama a atenção do leitor para as
semelhanças entre a definição de convergência de sequência e a de funções reais no
infinito, tratada no volume I da obra, embora o autor não tenha, ainda, apresentado a
definição formal de convergência de sequências numéricas.
Figura 5: Representação gráfica de sequências convergentes (STEWART, 2001, p. 694)
O texto segue, então, para a definição formal de limite de sequências (Figura 6) e traz duas
representações gráficas (Figuras 7 e 8) dessa situação.
Figura 6: Definição de sequência convergente (STEWART, 2001, p. 695)
No caso da Figura 7, não há uma articulação clara entre os aspectos formais da
desigualdade | | da definição e os aspectos intuitivos do gráfico, que propõe, de
forma confusa, uma sequência cujos termos se alternam em torno do limite .
Figura 7: Representação gráfica da definição de sequência convergente (STEWART, 2001, p. 695)
O texto também não faz uma articulação entre o formalismo da desigualdade | |
e os valores e , representados na Figura 8. Além disso, a exploração
desse gráfico (Figura 8) deveria ser marcada pelo fato do limite corresponder à
aproximação dos termos (imagens da função) do número no eixo y, situação não
representada na figura. Essa representação pode desenvolver uma intuição equivocada com
respeito ao limite da sequência, que pode ser confundido com a aproximação dos pontos da
linha horizontal que passa por , o que não é verdade.
Figura 8: Representação gráfica da definição de sequência convergente (STEWART, 2001, p. 695)
Em seguida, o autor estabelece uma relação entre a definição de sequências apresentada e a
definição de convergência de funções de variáveis reais e enuncia, sem demonstrar, o
seguinte teorema (STEWART, 2001, p. 695).
Figura 9: Teorema 2 (STEWART, 2001, p. 695)
Traçar um paralelo entre os resultados para funções de variáveis reais e sequências
numéricas é uma característica bastante explorada nesta parte da obra, que procura reforçar
o fato dos resultados sobre sequências serem um caso particular das funções reais. Embora
alerte para a necessidade de ser inteiro – como no enunciado do teorema da Figura 9 –,
entendemos que há um abuso dessa associação no texto e características particulares das
sequências numéricas podem ser relegadas a segundo plano, como o caráter discreto de seu
domínio, por exemplo.
A obra passa, então, a apresentar uma série de teoremas e propriedades sobre a
convergência de sequências, sem qualquer demonstração ou justificativa, que são seguidos
de exemplos de aplicação; também são apresentadas e exemplificadas definições de
sequências crescentes/decrescentes e limitadas. Há um uso abundante de representações
gráficas dos termos da sequência no plano (como a Figura 5); no entanto, persiste o tipo de
abordagem que já observamos acima: falta articulação entre as figuras – que procuram
imprimir aspectos intuitivos – e os aspectos formais a que se referem. O capítulo termina
com o teorema que afirma que toda sequência limitada e monotônica é convergente, que é
o único que vem acompanhado da demonstração formal, que faz uso dos conceitos de
majorante e supremo, definidos anteriormente (STEWART, 2001, p. 700).
Embora Stewart destaque nos comentários iniciais sobre o capítulo que “Agora os testes de
convergência têm justificativas intuitivas, bem como provas formais” (STEWART, 2001,
p. ix), isso não se verifica na parte destinada às sequências, que é construída com base em
teoremas, sem demonstração, seguidos de aplicação; de maneira geral, não há articulação
clara entre os aspectos intuitivos, que as abundantes figuras pretendem desenvolver, com
os aspectos formais que as originam. Além disso, aspectos algorítmicos, que poderiam
favorecer uma interação maior entre as representações gráficas e os resultados formais, são
pouco explorados ao longo do texto.
Considerações Finais
Reiteramos que nosso objetivo não é o de ranquear ou classificar as obras analisadas, mas
entendemos que este olhar crítico pode favorecer um uso mais adequado e enriquecedor
desses textos. Além disso, também concordamos com Barufi (1999) quando afirma que “os
livros selecionados apresentam todos propostas que são válidas e que podem ser apreciadas
dentro de determinado contexto” (BARUFI, 1999, p. 147) e que a obra escolhida pelo
professor/aluno pode propiciar, em maior ou menor grau, vivência dos significados que
podem facilitar a construção do conhecimento.
No que diz respeito ao desenvolvimento da nossa tese de doutoramento, as análises dos
livros didáticos cumpriram o importante papel de orientar a construção dos demais
instrumentos de nossa pesquisa, que buscam entender as dificuldades relacionadas ao
processo de aprendizagem de sequências numéricas no nível superior.
Referências Bibliográficas
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