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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação INTERCOM SUDESTE 2006 – XI Simpósio de Ciências da Comunicação na Região Sudeste. Ribeirão Preto, SP - 22 a 24 de maio de 2006. Uma análise da experiência pré-predicativa claro/escuro nos infográficos de guerra da SuperInteressante nos anos de 2000 a 2005 1 2 Cristiane Machado Módolo 3 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) Resumo Para Harry Pross, os meios mais eficientes de comunicação de massa utilizam a emoção e não a racionalidade para tornar uma informação verdadeira perante o leitor. Desta forma, nos processos de comunicação, a mídia se apóia na sensação de conforto que o homem tem quando lhe apresenta uma informação que não lhe causa estranhamento. Sendo assim, basear os textos culturais nas experiências pré- predicativas, que são incorporadas pelo ser humano na primeira infância, faz os textos midiáticos serem compreendidos mais facilmente pelo consumidor dessa mídia. Neste trabalho, será feita uma análise da utilização da experiência primária claro/escuro nos infográficos de guerra da revista SupirInteressante nos anos de 2000 a 2005. O objetivo é buscar evidências da utilização da emoção e dos conceitos que o leitor já possui (considerando claro como algo positivo e escuro como algo negativo) na publicação de infográficos de guerra. Palavras-chave: experiências pré-predicativas; claro/escuro; infográficos; guerra; SuperInteressante. Introdução A linguagem jornalística utilizada na mídia impressa, particularmente em revistas, está se tornando mais imagética a cada dia. Até a própria palavra passou a ser uma imagem gráfica, já que sua forma (caixa alta e baixa), tipologia (tipo de letra), tamanho, cor, entre outras possibilidades, passou a ter significado na página impressa. Isso equivale a dizer que as fontes (palavras escritas), como elemento de comunicação, ampliam as possibilidades de exploração do potencial gráfico, funcionando como 1 GT 02 – Produção Editorial, do Intercom Sudeste 2006. 2 Para a apresentação deste trabalho, será preciso utilizar canhão multimídia ou data show. 3 Bacharel em Comunicação Social, Habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação; aluna do Programa de Pós- Graduação em Comunicação Midiática da mesma Faculdade, desenvolvendo a pesquisa “Infográficos: Comunicação e Informação na Era das Imagens”. E-mail: [email protected] 1

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Uma análise da experiência pré-predicativa claro/escuro nos infográficos de

guerra da SuperInteressante nos anos de 2000 a 20051 2

Cristiane Machado Módolo3Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)

Resumo

Para Harry Pross, os meios mais eficientes de comunicação de massa utilizam a

emoção e não a racionalidade para tornar uma informação verdadeira perante o leitor.

Desta forma, nos processos de comunicação, a mídia se apóia na sensação de conforto

que o homem tem quando lhe apresenta uma informação que não lhe causa

estranhamento. Sendo assim, basear os textos culturais nas experiências pré-

predicativas, que são incorporadas pelo ser humano na primeira infância, faz os textos

midiáticos serem compreendidos mais facilmente pelo consumidor dessa mídia. Neste

trabalho, será feita uma análise da utilização da experiência primária claro/escuro nos

infográficos de guerra da revista SupirInteressante nos anos de 2000 a 2005. O objetivo

é buscar evidências da utilização da emoção e dos conceitos que o leitor já possui

(considerando claro como algo positivo e escuro como algo negativo) na publicação de

infográficos de guerra.

Palavras-chave: experiências pré-predicativas; claro/escuro; infográficos;

guerra; SuperInteressante.

Introdução

A linguagem jornalística utilizada na mídia impressa, particularmente em

revistas, está se tornando mais imagética a cada dia. Até a própria palavra passou a ser

uma imagem gráfica, já que sua forma (caixa alta e baixa), tipologia (tipo de letra),

tamanho, cor, entre outras possibilidades, passou a ter significado na página impressa.

Isso equivale a dizer que as fontes (palavras escritas), como elemento de comunicação,

ampliam as possibilidades de exploração do potencial gráfico, funcionando como

1 GT 02 – Produção Editorial, do Intercom Sudeste 2006.2 Para a apresentação deste trabalho, será preciso utilizar canhão multimídia ou data show.3 Bacharel em Comunicação Social, Habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de

Mesquita Filho” (UNESP), Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação; aluna do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da mesma Faculdade, desenvolvendo a pesquisa “Infográficos: Comunicação e Informação na Era das Imagens”. E-mail: [email protected]

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imagens. Dentro desse contexto, os infográficos destacam-se por atingir um maior

número de leitores e apresentam-se como um dos principais recursos da comunicação

nesse tipo de mídia. A imagem infográfica não é simples adereço, mas meio de

informação como qualquer outra parte gráfica.

Os infográficos e seu processo de comunicação segundo as experiências

primárias ou pré-predicativas serão o objeto de estudo desse artigo. Por infográfico

entende-se o recurso de aliar texto verbal e imagem visual na comunicação, fenômeno

observado cada vez mais freqüentemente na mídia, em especial na impressa. A

infografia é uma linguagem, uma maneira de reportar uma informação ao leitor

utilizando um conjunto de gráficos, de tabelas, de desenhos, de fotos e legendas, de

ilustrações, de mapas e maquetes. A fim de observar o uso das experiências pré-

predicativas na comunicação infográfica, na utilização de cores mais escuras ou mais

claras de acordo com o sentido que se deseja produzir no leitor, será feita a análise de

infográficos publicados pela revista SuperInteressante, da Editora Abril, lançados entre

janeiro de 2000 e junho de 2005.

A linguagem infográfica

O termo infográfico vem do inglês informational graphics. Esse recurso, usado

cada vez mais na mídia impressa, em especial em revistas, alia texto e imagem a fim de

transmitir uma informação visualmente atraente para o leitor. Sendo assim, o

infográfico pode ser caracterizado como um tipo de linguagem sincrética, pois faz uso

das linguagens imagética e textual na sua proposta da comunicação. No entanto, é o

verbal que está a serviço da imagem e não como acontecera até então, a imagem estando

a serviço do verbal. O principal objetivo do infográfico seria “mostrar” a notícia em

lugar de somente “falar” sobre ela. As principais características dessa linguagem são a

conectividade entre texto e imagem; a interatividade entre a linguagem verbal e a não-

verbal; e, por último, a clareza no tratamento da informação. A imagem deixa de ter

somente o papel de ilustrar o texto escrito, pelo contrário, apresenta-se como a própria

informação, protagonizando, juntamente com o verbal, o processo de comunicação.

Outra característica importante do infográfico é o fato de que ele não deve admitir

muitas redundâncias entre o texto verbal e a imagem, além das absolutamente

necessárias, sob risco de tornar-se pedante e ineficaz. Em alguns casos, o infográfico

seria capaz de substituir o próprio texto diante do poder de comunicação da linguagem

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não-verbal, mas ele não se bastaria apenas na imagem. Se por um lado, temos que a

informação seria apreendida pelo leitor mais rapidamente por meio da linguagem visual,

por outro lado, para que o infográfico seja eficaz no seu propósito de comunicação, ele

depende também de um texto enxuto, objetivo, claro, subdividido em itens e com

linguagem direta. Entende-se que, se o infográfico não convida o leitor para a

reportagem ou se não é possível entendê-lo em poucos segundos, sua função como meio

de informação não se cumpre.

Os principais objetivos dos infográficos são atrair o público para a leitura das

matérias, facilitar a compreensão da informação e oferecer uma noção mais rápida e

clara dos sujeitos, do tempo e do espaço da notícia. A infografia, diferentemente de

outros recursos gráficos como a fotografia e a ilustração (desenhos, seqüência em

quadrinhos, etc.), não apenas “ilustram” uma página nem são recursos de “decoração”

da informação. Segundo a Associação Brasileira de Imprensa:

“É uma forma de representar informações técnicas como números, mecanismos e/ou estatísticas, que devem ser sobretudo atrativos e transmitidos ao leitor em pouco tempo e espaço. Normalmente utilizado em cadernos de Saúde ou Ciência e Tecnologia, em que dados técnicos estão mais presentes, o infográfico vem atender a uma nova geração de leitores, que é predominantemente visual e quer entender tudo de forma prática e rápida. Segundo pesquisas, a primeira coisa que se lê num jornal são os títulos, seguidos pelos infográficos, que, muitas vezes, são a única coisa consultada na matéria.” (http://www.abi.org.br, acesso em 15/10/2005 às 17h)

É importante ressaltar ainda que o infográfico, primeiramente utilizado para

apresentar dados em Editorias de Saúde, Ciência e Tecnologia, está sendo usado

também em outras, como Política, Cultura, Cidades e Variedades, pois se descobriu a

eficácia dele no processo de comunicação. Isso equivale a dizer que a interação

discursiva entre o discurso científico e o discurso midiático está mudando a forma de

produção editorial. Aliado a esse fato, temos que o uso dos infográficos revolucionou o

layout das páginas de jornais, revistas e sites. Segundo Léo Tavejnhansky, editor de arte

do Globo:

“A infografia tem uma longa trajetória. É uma soma de disciplinas que inclui o desenho arquitetônico e o de anatomia, os gráficos estatísticos e a cartografia. Exemplos desses grafismos se perdem no tempo (...). Podemos dizer que as inscrições nas cavernas eram infográficos, pois os desenhos contavam histórias.” (http://www.abi.org.br, acesso em 15/10/2005 às 17h)

Ainda segundo a Associação Brasileira de Imprensa, o uso dos infográficos na

mídia impressa, particularmente em jornais, não é um fato recente: o primeiro exemplo

de infográfico teria sido publicado em 1702, no The Daily Courant, primeiro diário

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inglês. Outro exemplo seria o infográfico publicado na primeira página do The Times, de

Londres, em 1806, que mostrava o passo a passo de um assassinato. Em revistas, temos

como exemplo a Time, que se vale do recurso da infografia desde os anos de 1930. Na

década de 70, a maior parte dos grandes jornais contava com profissionais

especializados em gráficos e mapas, época em que os departamentos de Arte começaram

a ser estruturados. No entanto, apenas a partir da década de 80 esse recurso informativo

teve maior destaque, principalmente com o lançamento do USA Today (1982), que

revolucionou o design dos jornais com o uso da infografia e da cor. A partir de 1985

ocorreu uma grande expansão técnica com a chegada do Macintosh: nesse momento, a

produção infográfica deixou de ser artesanal e industrializou-se. No Brasil, o infográfico

está presente nos principais jornais e revistas, como Época, O Globo, Veja e Folha de

São Paulo. Dentre as mídias impressas, uma publicação da Editora Abril destaca-se na

utilização do infográfico como principal recurso na comunicação: SuperInteressante.

Essa revista apresenta várias páginas dedicadas aos infográficos e têm uma boa aceitação

no mercado editorial.

A SuperInteressante caracteriza-se por ser uma revista moderna, com layout e

editorial variados e arrojados. Tem um projeto gráfico diferenciado e apresenta assuntos

que atendem aos mais diversos interesses. O leitor da SuperInteressante tem entre 18 e

39 anos (59%), é predominantemente do sexo masculino (57%, enquanto as mulheres

representam 43%) e da Classe B (50%)4. A revista tem tiragem5 de 434.800 exemplares,

254.950 assinaturas6 e venda média de 103.750 exemplares/mês nos últimos 12 meses7.

Em entrevista à ABI, Luiz Iria, editor de Arte da revista SuperInteressante, diz que:

“A infografia já se tornou nossa marca registrada. Até os repórteres, muitas vezes, chegam da apuração com um esboço desenhado. (...) Quando um texto e imagem se integram, geram informação imediata. (...) A informação (...) deve vir numa seqüência contínua, com começo, meio e fim. É importante destacar uma imagem principal, que mostre o ponto inicial de leitura (...). Os textos nunca devem estar espremidos nos espaços ou invadir as imagens, também não devem ser longos e cansativos. Ao mesmo tempo, as imagens não podem ocupar todo o espaço da página.” (http://www.abi.org.br, acesso em 15/10/2005 às 17h)Como é possível observar, o recurso da infografia está tão presente na concepção

e produção da revista SuperInteressante que ela se tornou conhecida no mercado por

4 Informações retiradas do site da Editora Abril: http://publicidade.abril.com.br, acesso em 30/9/2005, às 18h

5 Tiragem: número de exemplares impressos de uma publicação editorial mídia revista.6 Informações retiradas do site da Editora Abril: http://publicidade.abril.com.br, acesso em 30/9/2005,

às 18h.7 Venda avulsa. Considera a venda em bancas e outros canais alternativos de vendas, como

supermercados. Informações: DINAP/ Brasil. Mês de setembro de 2005.

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esse fato e mesmo os repórteres, que tradicionalmente usariam o texto verbal para

escrever uma matéria, já pensam em elementos visuais como recursos para a informação

chegar ao leitor da maneira mais clara, concisa e eficaz possível.

As experiências pré-predicativas

São formadas na primeira infância, quando surgem as primeiras relações da

criança com o mundo, ou melhor, quando a criança começa a ter consciência do seu

corpo e de outros materiais. Na primeira infância, o indivíduo percebe o mundo através

de relações binárias (fome/saciedade e conforto/desconforto, por exemplo). Por serem

as primeiras experiências vivenciadas durante o processo de formação neural, irão fazer

a criança adquirir esses valores que se tornarão conceitos. Esses conceitos irão se tornar

padrões muito fortes, porque é nesse momento que a criança está se formando e

construindo sua visão de mundo. São três as experiências pré-predicativas: dentro e

fora, acima e abaixo e claro e escuro. A repetição dessas experiências faz os conceitos

se interiorizarem e justifica os padrões que utilizamos.

A primeira experiência pré-predicativa acontece com a aproximação ou o

afastamento da mãe: quando ela está próxima, a criança sente-se segura, ao contrário do

que acontece quando a mãe está longe. Essa experiência vai configurar o padrão de que

estar dentro (interior) é bom, e estar fora (exterior) é ruim. Essa noção vai acompanhar a

criança por toda a vida.

A segunda experiência pré-predicativa é a relação entre vertical e horizontal

(acima e abaixo). Nas experiências da primeira infância, interiorizamos o conceito de

que vertical (acima) denota poder, a elevação torna-se algo considerado positivo, pois a

posição ereta passa a significar superioridade, ao contrário do que acontece com o

horizontal, que passa a ser encarado como uma posição desprivilegiada. Por exemplo:

Embora as duas figuras sejam uma formação de 3 linhas, vemos esses desenhos com corporeidade, julgando o primeiro como “firme” e o segundo como “instável”.

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Os conceitos de “firmeza” e “instabilidade” impostos ao objeto são adquiridos

através da experiência com os objetos do mundo e isso faz o homem ter uma percepção

carregada de valores. Alguns exemplos de verticalidade significando poder: aulas em

que o professor fica sobre um palanque e as cadeiras de reis que são sempre mais altas

(denota o poder do rei, que é inquestionável). A verticalidade é um valor forte do

homem, uma questão ontogênica (processo de evolução de uma espécie, no caso

humana, em que se observa essa espécie especificamente, mesmo que o padrão seja

geral) e filogênica (quando se considera a espécie como um todo, desde a época mais

primitiva até os dias de hoje).

A terceira experiência pré-predicativa relaciona claro e escuro como sinônimos

de bom e ruim, como por exemplo, quando relacionamos o dia com a luz, como algo

positivo, e a noite com a escuridão, como algo negativo.

Nas três experiências pré-predicativas ou primárias (dentro/fora,

vertical/horizontal e claro/escuro) são baseados os textos culturais. As experiências pré-

predicativas determinam o comportamento social do homem, antecedem as outras

categorias de apreensão (como a ética, por exemplo). Elas são categorias de organização

do mundo. Quando se organiza um texto cultural, essas categorias pré-determinam os

conceitos. É preciso usar esses conceitos na mídia sabendo o que eles vão proporcionar

nas pessoas, pois entre as coisas e os símbolos delas existem diferenças. As pessoas

consumidoras das mídias não vão questionar esses valores, pois a estrutura fundamental

desses símbolos está presente. A interpretação errada vai sempre acarretar prejuízos ou

o não-reconhecimento de um código que deveria ser reconhecido.

Para PROSS, os meios mais eficientes de comunicação de massa usam a emoção

e não a racionalidade. Sendo assim, a mídia se apóia na sensação de conforto do ser

humano quando ele se defronta com uma informação conhecida. Isso porque uma

informação já interiorizada faz o processo de comunicação fluir de maneira mais

imediata e fácil do que quando ocorre um estranhamento, ou seja, o não-

reconhecimento da informação, que causa problemas na comunicação, já que é preciso

que a pessoa vá buscar o sentido que não está sendo dado naquele momento. Por outro

lado, a informação que se baseia em idéias já interiorizadas causam conforto, pois usam

conceitos que a pessoa já possui.

Sendo assim, o leitor de uma revista, quando se depara com matérias que usam

as experiências primárias (dentro/fora, vertical/horizontal e claro/escuro) como base

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para sustentar a informação, interioriza a mensagem muito mais fácil e rapidamente,

pois há uma pré-disposição positiva ou negativa para isso.

Infográficos e a experiência pré-predicativa de claro/escuro: uma análise

Para realizar o estudo de como se dá a utilização da experiência pré-predicativa

claro/escuro nos infográficos de guerra da revista SuperInteressante, publicação da

Editora Abril, foi realizada uma pesquisa na “Coleção Completa SuperInteressante”,

que traz os 18 anos de história da publicação em cd-rom. Em primeiro lugar, foi

utilizado um filtro de pesquisa por palavra-chave e por período, delimitando o campo a

ser pesquisado. Deste modo, foram selecionadas as matérias que se relacionavam com

“guerra”, publicadas entre janeiro de 2000 e junho de 2005. Nesta fase, foram

encontradas 82 matérias que se encaixavam no perfil pesquisado. O segundo passo foi

selecionar, dentre essas matérias, aquelas referentes a infográficos. Encontrou-se 12 que

preenchiam esses pré-requisitos.8

KTENAS, A.. As armas mais chatas do mundo. SuperInteressante, São Paulo, Edição 213, Páginas 28-29, maio 2005.

A figura do bandido mostrado nesse infográfico é ameaçadora; a página escura,

com uma figura humana desfocada, tem a intenção de mostrar o lado “negro” da

bandidagem. Nesse infográfico, portanto, a experiência pré-predicativa claro/escuro é

8 É importante ressaltar que, nessa classificação, foram consideradas matérias que tratavam de guerra como palavra-chave, significando combate, luta, conflito, não necessariamente entre países ou nações.

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utilizada no sentido de utilizar a pré-disposição negativa do leitor frente às cores escuras

e desfocadas para comunicar o texto.

IRIA, L., SAMBUGARO, A., AMADOR, J., LOPES, R. J., FINOTTI, I.. Star Wars. SuperInteressante, São Paulo, Edição 202, Páginas 32-33, julho 2004.

Esse infográfico mostra todos os personagens do filme, explicando o papel de

cada um na história. Os personagens tidos como “bons” (protagonistas) estão todos com

roupas claras e mais iluminados do que os personagens do “lado negro da força”

(antagonistas). Leia Organa, os soldados, Luke Skywalker, Obi-wan Kenobi e outros

personagens importantes estão com vestes brancas e, quando esse não é o caso, são mais

iluminados, o que proporciona uma visão mais detalhada dos seus rostos e vestes. Por

outro lado, personagens como Anakin/Darth Vader, Palpetine/Imperador, povo da areia

e Darth Maul estão com roupas de cor escura ou preta. Esta oposição claro/escuro, que

também é o mote central do filme “Star Wars” foi aproveitada no infográfico.

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LOPES, R. J., SAMBUGARO, A., NUNES, R.. As nove cidades. SuperInteressante, São Paulo, Edição 200, Páginas 52-53, maio 2004.

No infográfico que mostra as nove cidades de Tróia encontrada por

pesquisadores, todo o fundo das duas páginas da revista está na cor preta, enquanto as

cidades aparecem em amarelo. Essa oposição claro (preto) e claro (amarelo) também

utilizam a pré-disposição humana considerando o claro como positivo e o preto como

negativo para evidenciar que as consecutivas cidades de Tróia, construídas umas sobre

as ruínas das outras, ainda eram mais seguras do que o restante do mundo naquela

época.

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MARTON, F., PAVANELLI, O., SAMBUGARO A., FINOTTI I., IRIA L. Esquadrilha Maluca. SuperInteressante, São Paulo, Edição 200, Páginas 34-35, maio 2005.

O infográfico “Esquadrilha Maluca” não apresenta características relevantes da

utilização da experiência primária claro/escuro.

GRECO, A., MAROJA R., IRIA L. O fim de tudo. SuperInteressante, São Paulo, Edição 194, Páginas 96-97, novembro 2003.

Nesse infográfico, que fala sobre como catástrofes podem acabar com a vida na

Terra e outras que já quase exterminaram todos os seres vivos do planeta, há várias

luzes “caindo do céu” em referência a ameaças de astros que podem atingir a Terra.

Essas luzes são contrapostas à negritude das paisagens e da Terra apresentada em alguns

quadros, talvez para deixar a matéria um pouco mais leve, com a utilização da idéia de

“luz” que chega para iluminar as “trevas”.

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MIRANDA, C., MAROJA R. O lobo do Cáucaso. SuperInteressante, São Paulo, Edição 183, Páginas 20-21, dezembro 2002.

Esse infográfico (“O lobo do Cáucaso”) não apresenta características relevantes

da utilização da experiência primária claro/escuro.

LEMOS, J.A., SAMBUGARO A., IRIA J. Por que as minas terrestres são tão perigosas?. SuperInteressante, São Paulo, Edição 181, Páginas 32-33, outubro 2002.

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Nesse infográfico, cores escuras como preto e vermelho-escuro são usadas para

dar uma conotação negativa à utilização das minas terrestres. Essas cores são, inclusive,

utilizadas para representar o fogo e todo o espaço de destruição ao redor dele,

provocado por uma explosão de mina terrestre.

SAMATZ L., IRIA L. A força está com eles. SuperInteressante, São Paulo, Edição 178, Páginas 54-55, julho 2002.

Esse infográfico sobre “Star Wars” faz uso das experiências pré-predicativas

claro/escuro para denotar bem/mal da mesma forma como o primeiro apresentado neste

artigo.

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BURGIERMAN D. R., MAROJA R. Sangue nos bálcãs. SuperInteressante, São Paulo, Edição 175, Páginas 16-17, abril 2002.

O infográfico acima não apresenta características relevantes da utilização da

experiência primária claro/escuro.

IRIA L., KENSKI R., CAVALCANTE R. Como funcionam os mísseis de última geração. SuperInteressante, São Paulo, Edição 171, Páginas 32-33, dezembro 2001.

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As cores claras, como o branco e o azul, foram utilizadas nesse infográfico como

sinônimo de coisas boas ou agradáveis, como o céu e o mar. Por outro lado, o marrom,

escuro, o preto e o vermelho escuro fazem referência à guerra e à morte causada por ela.

BURGIERMAN D. R. Todas as guerras do mundo. SuperInteressante, São Paulo, Edição 171, Páginas 16-17, dezembro 2001.

Não apresenta características relevantes da utilização da pré-predicativa

claro/escuro.

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NILSON P. Como funcionam os abrigos antinucleares. SuperInteressante, São Paulo, Edição 168, Páginas 36-37, setembro 2001.

Não apresenta características relevantes da utilização da experiência primária

claro/escuro.

Conclusão

Depois de analisar os infográficos que preenchiam dois requisitos (terem sido

publicados entre janeiro de 2000 e junho de 2005 e apresentarem “guerra” como

palavra-chave) foi possível perceber que a mídia impressa, particularmente a revista

SuperInteressante analisada aqui, se vale do uso das experiências pré-predicativas para

tornar a comunicação mais rápida, fácil e eficiente. Quando o leitor da publicação se

depara com conceitos já interiorizados por ele, como a noção de claro como positivo e

escuro como negativo, ele absorve mais facilmente a informação visual, pois não há

estranhamento durante a comunicação. O leitor associa antecipadamente as cores mais

claras dos infográficos como “coisas boas”, como no caso do infográfico de Star Wars,

e as cores mais escuras como “coisas ruins”, como é o caso do bandido apresentado na

matéria “As armas mais chatas do mundo”. Baseando-se em conceitos que o leitor já

tem, adquiridos por ele por meio das experiências pré-predicativas, a revista se vale da

emoção e não da racionalidade para comunicar.

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Page 16: Uma análise da experiência pré-predicativa claro/escuro nos … · 2018. 3. 28. · Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação INTERCOM SUDESTE

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaçãoINTERCOM SUDESTE 2006 – XI Simpósio de Ciências da Comunicação na Região Sudeste.Ribeirão Preto, SP - 22 a 24 de maio de 2006.

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PROSS, H. La violencia de los simbolos sociales. Editora Anthropos, 1983.

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