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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO MANOEL FRANCISCO BARREIROS
O ENSINO DE GEOMETRIA NOS GRUPOS ESCOLARES DO ESTADO DE SÃO PAULO (1890 a 1930)
SÃO PAULO 2011
2
MANOEL FRANCISCO BARREIROS MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
O ENSINO DE GEOMETRIA NOS GRUPOS ESCOLARES DO ESTADO DE SÃO PAULO (1890 a 1930)
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade Bandeirante de São Paulo, para obtenção do título de Mestrado Acadêmico em Educação Matemática. Orientador: Prof. Dr. Ruy César Pietropaolo. Co-orientadora: Profa. Dra. Aparecida Rodrigues Silva Duarte.
SÃO PAULO 2011
3
Barreiros, Manoel Francisco O ensino de geometria nos grupos escolares do Estado de
São Paulo (1890 a 1930) / Manoel Francisco Barreiros. - São Paulo: [s.n.], 2011.
111 f; il.; 30 cm. Dissertação de Mestrado Acadêmico – Universidade
Bandeirante de São Paulo, curso de Educação Matemática. Orientador: Prof. Dr. Ruy César Pietropaolo Co-orientadora: Profa. Dra. Aparecida Rodrigues Silva Duarte.
1.História da Educação Matemática 2.Ensino de
Geometria 3.Curso Primário 4.Grupo Escolar I. Título.
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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO
Manoel Francisco Barreiros
O ENSINO DE GEOMETRIA NOS GRUPOS ESCOLARES DO ESTADO DE SÃO PAULO (1890 a 1930)
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, na Universidade Bandeirante de São Paulo – UNIBAN, à seguinte banca examinadora:
Prof. Dr. Ruy Cesar Pietropaolo (Orientador) Doutor em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Brasil, 2005.
Profª. Drª. Gladys Denise Wielewski (Membro Titular Externo – UFMT) Doutora em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Brasil, 2005.
Profª. Drª. Vera Helena Giusti de Souza (Membro Titular Interno – UNIBAN) Doutora em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Brasil, 2008.
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais, LÚCIO E APARECIDA, que sempre se esforçaram para que seus
filhos tivessem a instrução que eles não puderam ter.
À minha ESPOSA E FILHOS, pela compreensão nos momentos em que sacrifiquei
a companhia deles para me dedicar a este projeto.
Aos PROFESSORES E AMIGOS DE CURSO, pelo carinho e incentivo que me
conduziram à conclusão deste estudo.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a DEUS, em sua infinita bondade e misericórdia, por
ter concedido esta oportunidade e pela sustentação nos momentos difíceis de nossa
jornada.
Agradeço ao PROF. DR. RUY CÉSAR PIETROPAOLO, que me acolheu e incentivou
quando a Linha de História da Educação Matemática perdeu seus principais
integrantes. Sua orientação e carinho foram muito importantes.
Agradeço à PROFA. DRA. APARECIDA RODRIGUES SILVA DUARTE pela sua
preciosa participação que muito me auxiliou nos momentos finais deste trabalho.
Agradeço ao PROF. DOUTOR WAGNER RODRIGUES VALENTE, que me encaminhou
ao conhecimento de História da Educação.
Agradeço também à minha esposa NEIDE e às minhas FILHAS pela paciência,
estímulo e compreensão; aos colegas e amigos de cursos, pelas experiências
trocadas e conhecimentos compartilhados; e aos professores desta Instituição, que
incentivaram e creram no potencial individual de seus alunos.
A minha eterna gratidão a todos os que contribuíram direta ou indiretamente
para o desenvolvimento desta pesquisa.
7
O passado é, por definição, um dado que nada mais modificará.
Mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que
incessantemente se transforma e aperfeiçoa.
MARC BLOCH (1886 - 1944)
8
RESUMO
Este trabalho, de natureza histórica, tem como objetivo central investigar o processo
de ensino de geometria no curso primário dos Grupos Escolares do Estado de São
Paulo no período de 1890 a 1930, período da Primeira República. Com base em
pressupostos metodológicos da História Cultural (BLOCH, 2008; LE GOFF, 1982), a
pesquisa desenvolvida implicou a realização de um estudo sobre a Revista de
Ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo e das
obras didáticas Desenho linear ou elementos de geometria prática popular, de
autoria de Abílio César Borges, publicada em 1822, e Noções de geometria prática,
de autoria de Olavo Freire, de 1894, 1ª edição. Além disso, foram analisados
exames finais de 1896 e 1900. A opção pelo Estado de São Paulo decorre de seu
pioneirismo na implantação desse sistema de ensino – Grupos Escolares – não
apenas pela construção ou aluguel de prédios específicos para esse fim, mas,
sobretudo, pela definição de programas e formação de professores. A influência do
modelo paulista se espalhou pelo Brasil e contribuiu para a organização do ensino
primário no País durante a implantação do regime político republicano. Nesta
pesquisa verificou-se que os livros analisados eram mais dirigidos aos professores
do que aos alunos. A análise das provas indicou o que era esperado dos estudantes
do primário em relação à Geometria: memorização de definições, propriedades e
construções geométricas. Esse fato pode ser comprovado pelos exames finais, o
que de certa forma, contrariava as orientações metodológicas das reformas
educacionais que propunham um ensino voltado mais para a prática, intuitivo e
menos enciclopédico. Vale também ressaltar que no início dos Grupos Escolares as
aulas de Geometria estavam destinadas apenas aos meninos; às meninas cabiam
aulas de trabalhos manuais, fato que foi modificado posteriormente.
Palavras-chave: História da Educação Matemática; Ensino de Geometria; Curso
Primário; Grupo Escolar.
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ABSTRACT
The objective of such work, of historical nature, is to investigate the teaching process
of Geometry in the Elementary School of “Grupos Escolares” in São Paulo from 1890
to 1930, period of First Republic. Based on methodological assumptions of Cultural
History (Bloch, 2008 and Le Goff, 1992), the current research resulted in a detailed
study on the teaching magazine “Revista de Ensino da Associação Beneficente do
Professorado Público de São Paulo”, and also, on educational books used by
teachers in São Paulo such as: “Desenho Linear ou Elementos de Geometria Prática
Popular” by Abílio César Borges, published in 1822 and “Noções de Geometria
Prática” by Olavo Freire in 1894, first edition. Furthermore final exams from 1896 and
1900 have been analyzed. São Paulo has chosen this work because it was the
pioneer in the implementation of this teaching system – the called “Grupos
Escolares” - not only by the construction or rent of specific buildings for this proposal,
but mainly by the definition of programs and teachers formation. The influence from
São Paulo´s model spread out through Brazil and contributed for the organization of
elementary school in the country during implementation of Republican government.
In This research it has been verified that analyzed books were much more focused
on teachers than students. The analysis of the exams showed which was expected
from elementary students regarding to geometry, definitions memorization, properties
and geometrical constructions.
Such fact could be proved by the final exams, which, in a certain way, were against
the methodological orientations from educational remodeling whose proposals were a
kind of teaching focused on the practice, intuitive and less encyclopedic. It is also
important to point out that in the beginning of “Grupos Escolares” the geometry
classes were only up to the boys, for the girls hand made work classes were
reserved, a fact that has been changed later.
Key words: History of the Mathematics Education, Geometry Teaching, Elementary School and “Grupo Escolar”.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Imagem do autor na Escola Municipal Desembargador Francisco Meirelles, 1969.............................................................................................
20
Figura 2 Escola Modelo do Carmo, anexa à Escola Normal de São Paulo............... 42
Figura 3 Escola Normal da Praça da República......................................................... 43
Figura 4 Currículos de Geometria impresso na Revista de Ensino de 1904............. 46
Figura 5 Resumo dos assuntos apresentados pela Revista de Ensino de 1902.............................................................................................................
52
Figura 6 Aula de Geometria de Antonio Penna, Revista de Ensino de 1902............. 54
Figura 7 2.ª aula de Geometria de Antonio Penna, Revista de Ensino de 1902.............................................................................................................
55
Figura 8 Aula sobre ângulos de Antonio Penna, Revista de Ensino de 1902............ 58
Figura 9 12.ª aula de Antonio Penna, Revista de Ensino, 1902................................. 59
Figura 10 Capa do livro de Abílio César Borges, 1882................................................ 63
Figura 11 O traçado de uma perpendicular em uma reta AB....................................... 66
Figura 12 Secções aplicadas ao cone.......................................................................... 68
Figura 13 Contracapa da 9.ª edição do livro de Freire................................................. 69
Figura 14 Página 30 do livro de Borges....................................................................... 71
Figura 15 Página 32 do livro de Freire......................................................................... 71
Figura 16 Página 47 do livro de Freire......................................................................... 73
Figura 17 Página 140 do livro de Freire....................................................................... 75
Figura 18 Página 368 do livro de Freire....................................................................... 77
Figura 19 Lição sobre posição das linhas do livro de Borges, p.11............................. 78
Figura 20 Lição sobre posição das linhas do livro de Freire, p.19............................... 78
Figura 21 Grupo Escolar de Tatuí, 1909...................................................................... 81
Figura 22 Grupo Escolar Antonio Padilha, 1896.......................................................... 83
Figura 23 Representação da solução de problema sem instrumentos........................ 85
Figura 24 Imagem do 1.º Grupo Escolar de Campinas, 1909...................................... 86
Figura 25 Prova prática do aluno Pelagio Lobo, 1900................................................. 87
11
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..................................................................................... 13
1 DA TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO AO CAMINHO DA PESQUISA....... 15
1.1 ANTECEDENTES E MOTIVAÇÕES: O DESAFIO DE APRENDER E ENSINAR MATEMÁTICA..........................................................................
15
1.2 A LIGAÇÃO AFETIVA COM O GRUPO ESCOLAR.................................. 19
1.3 POR QUE NO ESTADO DE SÃO PAULO?.............................................. 21
1.4 POR QUE GEOMETRIA?.......................................................................... 23
2 SUSTENTAÇÃO TEÓRICA E DESCRIÇÃO DE UM CENÁRIO.............. 25
2.1 A CULTURA ESCOLAR COMO OBJETO HISTÓRICO............................ 26
2.2 FONTES PARA A ESCRITA DA TRAJETÓRIA ESCOLAR: A IMPRENSA PEDAGÓGICA EDUCACIONAL E AS AVALIAÇÕES ESCOLARES ...............................................
28
2.3 O FAZER HISTÓRICO.............................................................................. 29
2.4 CONCEPÇÕES DE GEOMETRIA............................................................. 32
3 A EDUCAÇÃO ANTES DA REPÚBLICA................................................. 35
3.1 A PRIMEIRA REPÚBLICA......................................................................... 39
3.2 A FORMAÇÃO DAS ESCOLAS MODELO E DOS GRUPOS ESCOLARES ............................................................................................
41
3.3 AS REFORMAS EDUCACIONAIS E A GEOMETRIA............................... 45
4 OS MATERIAIS DIDÁTICOS ANALISADOS........................................... 49
4.1 A REVISTA DO ENSINO: CONTRIBUIÇÕES DE ANTONIO PENNA...... 50
4.2 DESENHO LINEAR OU ELEMENTOS DE GEOMETRIA PRÁTICA POPULAR DE ABÍLIO CESAR BORGES................................................
62
4.3 NOÇÕES DE GEOMETRIA PRÁTICA DE OLAVO FREIRE.................... 68
4.4 OS EXAMES FINAIS DE ALGUNS GRUPOS ESCOLARES.................... 79
4.4.1 Os exames do Grupo Escolar de Tatuí ..................................................... 80
4.4.2 Os exames do Grupo Escolar Antonio Padilha.......................................... 83
12
4.4.3 Os exames do Grupo Escolar de Campinas.............................................. 85
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 88
REFERÊNCIAS......................................................................................... 94
ANEXOS ................................................................................................... 100
13
APRESENTAÇÃO
O presente estudo insere-se na linha de pesquisa “História da Matemática
Escolar no Brasil”, do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da
Universidade Bandeirante de São Paulo. Seu propósito é estudar e esboçar um
panorama sobre o Ensino de Geometria nos Grupos Escolares de São Paulo na
Primeira República, ou República Velha, período de 1889 e 1930, quando da
proclamação até a ascensão de Getúlio Vargas.
Tem como principal objetivo investigar como se dava o ensino de Geometria
nos Grupos Escolares no Estado de São Paulo no referido período, não incluindo
Desenho e Desenho Geométrico, embora as fronteiras entre essas disciplinas não
estivessem, naquela época, bem delimitadas, uma vez que já há estudos sobre o
Desenho.1
Para tanto, a Geometria no Ensino Primário será observada sob duas
perspectivas: a prática e a intuitiva.2
A apresentação deste trabalho encontra-se distribuída em quatro capítulos.
No primeiro, apresento, inicialmente, minha trajetória, apontando os desafios
enfrentados com a Matemática desde os primeiros anos de escolaridade. Destaco
nesse percurso o acolhimento e a dedicação de alguns professores – importantes
em minha formação. Descrevo, também, as mudanças no sistema educacional que
vivenciei como aluno e justifico minhas escolhas: grupo escolar, Estado de São
Paulo e a Geometria.
No segundo capítulo, justifico minha opção pela História Cultural e discuto a
fundamentação teórica: Bloch (2008), Le Goff (1992), Julia (2001), Chartier (1990,
1991), autores utilizados por pesquisadores que adotam a perspectiva da História
Cultural.
Já no terceiro capítulo apresento breve síntese sobre a educação antes da
República com a finalidade de delinear o cenário onde estão nossos objetos de
estudo, qual seja a Geometria ensinada nos grupos escolares de São Paulo, no
1 Cito como exemplo o estudo realizado por Gláucia Márcia Costa Trinchão, 2008. 2 Embora, mais adiante, façamos uma discussão mais ampla sobre os significados dessas duas categorias, cabe por ora apresentar uma breve síntese desses significados. Definimos como “Prática” a Geometria que possuía forte vínculo com as profissões ou ofícios. “Intuitiva” a Geometria apreendida pelos sentidos, sem a preocupação do uso.
14
período da República Velha. Ou seja, procuro situar o leitor, familiarizando-o e
contextualizando-o com os termos, situações e personagens significativas de modo
a permitir ao leitor uma visão – cultural – de fatos significativos para nossa
investigação.
Em seguida, no Capítulo 4, analiso documentos e materiais que destacam o
ensino de Geometria na época: a Revista de Ensino da Associação Beneficente do
Professorado Público de São Paulo, publicada entre 1902 até 1918; o livro Desenho
linear ou elementos de geometria prática popular, do Dr. Abílio César Borges (1882),
e o livro Noções de geometria prática, de Olavo Freire (19--?). Procuro verificar
como aquela Geometria foi apropriada pelos professores e alunos, como fizeram uso
dos objetos que lhes foram transmitidos (CHARTIER, 1991). Ainda nesse tópico
discuto as questões das provas e dos exames e as respostas apresentadas pelos
alunos com o intuito de verificar quais eram as expectativas de aprendizagem de
Geometria nos Grupos Escolares.
Nas considerações finais, retomo brevemente o percurso deste trabalho e as
análises feitas de modo a relacioná-las com resultados de outras pesquisas
históricas sobre o ensino de Matemática e que tiveram por base o período que
escolhi. Além disso, discuto as limitações desta investigação, abrindo novas
perspectivas para pesquisas futuras.
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1 DA TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO AO CAMINHO DA PESQUISA
1.1 ANTECEDENTES E MOTIVAÇÕES: O DESAFIO DE APRENDER E ENSINAR
MATEMÁTICA
A Matemática sempre foi para mim um desafio. Encontrei muitas dificuldades
para entendimento e prática no período escolar, o que muitas vezes foi motivo para
frustrações e desespero. Não compreendia, apesar de meu esforço, a razão de tão
complexa empreitada e acreditava ser o único responsável por esta dificuldade.
Nossa própria cultura escolar evidenciava que somente uns poucos alunos
inteligentes conseguiam acompanhar esta ciência, servindo a disciplina como
elemento de seleção, de exclusão social, levando muitos alunos ao sofrimento. Só
não sabia há quanto tempo essa situação já vinha ocorrendo.
A passagem do Ensino Primário3 para o Ginasial4 foi traumática para mim.
O surgimento das equações de 1.º grau, para quem ainda sentia tremor nas divisões
com mais de 2 números, só iria perpetuar minha agonia, fruto da insegurança
marcada nas primeiras letras. A mudança de um único professor para vários
professores diferentes com metodologias e disciplinas distintas não foi superada
facilmente, pois ainda carregava comigo o modelo de ensino anterior. O que dizer
então do Colegial,5 com todas as matrizes, sistemas, geometria analítica e espacial.
Já trazia as dificuldades de compreensão dos conteúdos matemáticos do Ensino
Fundamental, as quais se tornavam ainda mais evidentes no Colegial. Foi preciso
muito esforço e ajuda de professores especiais, que percebiam minhas deficiências
e apresentavam novamente as tarefas, passo a passo, permitindo-me saber o
porquê, para que e qual foi o caminho percorrido.
Cedo compreendi que a Matemática estava em todas as atividades
humanas, nas artes (música, desenho, pintura, escultura etc.), nas profissões e,
inclusive, nas outras disciplinas escolares. Teria que enfrentar e vencer estas
dificuldades, visto que meus pais, com pouquíssima formação, não podiam ajudar.
3 O Ensino Primário corresponde atualmente ao Ensino Fundamental de 1.º ao 5.º anos. 4 O Ensino Ginasial ou Ginásio corresponde atualmente ao Fundamental do 6.º ao 9.º anos. 5 O Colegial corresponde atualmente aos três anos do Ensino Médio.
16
Lembro-me de que essa preocupação os levou a procurar um professor particular,
ainda no ensino primário, pois não se achavam em condições de orientar-me.
Durante meu desenvolvimento profissional nas escolas de ensino técnico, a
Matemática esteve ainda mais presente. Neste período, a disciplina Matemática era
apresentada seguida de uma aplicação prática que lhe dava significado: a conversão
de unidades de medidas, proporção, perímetros, áreas, volumes, trigonometria,
planos cartesianos R2 e R3, perspectivas, simetria e muitas outras relacionadas com
desenho, manutenção e construção de máquinas e equipamentos. O trajeto foi
percorrido com mais facilidade em virtude do desempenho alcançado na escola
pública e de professores mais próximos e atentos ao nosso desenvolvimento.
Aprender a técnica sempre me pareceu o único meio utilizado durante estes
aprendizados, mas encontrei excelentes professores que ampliavam mais os temas
trabalhados, transferindo o ensino para além das salas de aula.
Formei-me em Mecânica de Automóveis, Desenho Técnico Mecânico,
Técnico de Máquinas e Ferramentas, entre outros cursos realizados nas Escolas
Senai, entre 1976 e 1990, o que possibilitou um domínio maior sobre a Matemática
prática aplicada à formação profissional.
Já na Indústria, em razão do conhecimento e domínio de Controle Estatístico
de Processo (CEP), recebi a responsabilidade de treinar operadores e controladores
de produção. Foi minha primeira experiência como professor, tendo em vista que era
necessário começar pelas operações básicas em virtude da pouca escolaridade dos
indicados (alguns nem haviam chegado à 4.ª série do Ensino Fundamental). Nesta
gratificante oportunidade, vi neles refletidas dificuldades de entendimento que me
acompanhavam no primário, podendo, inclusive, colaborar no sentido de motivá-los
a concluir seus estudos. Fui ainda chamado para efetuar outros treinamentos, na
área de PPCP (Planejamento, Programação e Controle de Produção), Manufatura,
Engenharia de Processo e Engenharia de Desenvolvimento de Produtos, sobre
assuntos ligados à Matemática. Daí ficou evidente a facilidade em educar e o sabor
que ora despontava nessa atividade.
Decidi então buscar a Licenciatura, pela expectativa criada na relação com
meus aprendizes, sentindo o desejo de aprimorar meus conhecimentos com o
objetivo de que meus alunos não tivessem mais aversão pela Matemática. Era
preciso ir além do conhecimento que possuía, pois cada vez mais a Matemática
ocupava minhas atividades na Indústria (Controle de Custos, Orçamentos, Cotações,
17
Análise Financeira e Técnica de Projetos), levando-me a buscar formação
universitária. Eu havia percebido que não era de fato um matemático, mas adorava o
ensino, e a perspectiva de mudar de ramo na direção da Educação fundamentou
minha decisão. Embora tivesse sido aprovado no vestibular da Faculdade de
Engenharia Industrial (FEI), optei pela Licenciatura em Matemática.
Licenciado em 2002, em Matemática, pela Faculdade Interação Americana
(FIA), conheci entre os colegas, professores, profissionais que já exerciam
atividades em diversos estabelecimentos (públicos e particulares), principalmente no
ensino primário e que buscavam especialização. A convivência com esses lentes foi
rica de experiências compartilhadas, em que ficavam claros a questão da vocação e
o carinho que dedicavam aos seus pequenos. Em meu estágio escolhi as escolas
mais complicadas em questões de disciplina e segurança, e percebi a carência dos
alunos, confirmando os relatos de meus companheiros de curso. Conheci também a
educação pelo sistema Telecurso (EJA),6 que me permitiu observar que a
necessidade de conseguir melhores oportunidades era o fator preponderante na
motivação dos alunos. Estas experiências só vieram ratificar minhas próprias
tendências para a Educação, considerando a seguinte posição: O educador matemático [...] tende a conceber a matemática como um meio ou instrumento importante à formação intelectual e social de crianças, jovens e adultos e também do professor de matemática do ensino fundamental e médio e, por isso, tenta promover uma educação pela matemática [grifo dos autores] (FIORENTINI; LORENZATO, 2006, p. 3).
Uma vez formado, agora se tornava necessário ampliar esta busca na
Educação Matemática caminhando na direção da pesquisa científica, indagando
sobre o sistema educacional, sobre minhas próprias dificuldades e as dificuldades
dos alunos com a Matemática. Há quanto tempo isto acontece? Estaria ligado ao
método ou ao sistema? Teria sua origem no Ensino Primário? O Ensino Primário
sempre foi dessa forma?
Busquei novos conhecimentos e oportunidades para o desenvolvimento em
pesquisa científica. Participei do processo seletivo da UNIBAN para o curso de
6 O sistema Telecurso 2000 foi criado em 1994 por meio de uma parceria entre FIESP e Fundação Roberto Marinho, para possibilitar o acesso à educação das pessoas que não conseguiram, por algum motivo, completar seus estudos no Ensino Fundamental e Médio. As aulas são gravadas ou transmitidas pela televisão a um aluno ou um grupo de alunos e o ensino é acompanhado por um livro da disciplina com exercícios de aplicação (TELECURSO, 2000). Na oportunidade de meu estágio, era realizado dentro de uma empresa com a assistência de um orientador (professor graduado a serviço do SENAI).
18
Mestrado em Educação Matemática em 2008, e, dentro das linhas de pesquisa
desta Instituição, interessei-me pela História da Matemática Escolar no Brasil. Por
meio da orientação dos professores e pelo material apresentado em nossas aulas,
da leitura de livros, textos, dissertações e teses, que dia a dia nos enriqueciam,
descortinando um contexto até então desconhecido e apaixonante sobre a História
da Educação no Brasil, meu interesse foi se delineando na proporção em que era
apreendido. À medida que a leitura se aprofundava sobre o passado da Educação
Matemática, questões começaram a borbulhar em minha mente relativas ao ensino
de Matemática no início do século.
Fui convidado a conhecer e participar do Grupo de Pesquisa de História da
Educação Matemática (GHEMAT) no Brasil, mantendo contato com o Centro de
Documentação e o seu acervo. Neste Centro, tomei conhecimento do Projeto de
Pesquisa em que desejei estar inserido: A Educação Matemática na Escola de
Primeiras Letras, 1850 – 1950, do Prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente. Este projeto
estuda o ensino de Matemática na escola chamada de “escola do ler, escrever e
contar” (as quatro séries do Ensino Primário). O período estabelecido entre 1850 e
1950, que compreende o das discussões sobre o sistema métrico decimal até os
primórdios do Movimento da Matemática Moderna, contém um intervalo de tempo
que carece de aprofundamento. A possibilidade de estudar e analisar “contar”, por
meio da pesquisa em livros didáticos, despertou em mim o desejo de labutar nessa
seara.
Participei como ouvinte do XII Encontro Brasileiro de Estudantes de Pós-
Graduação em Educação Matemática (EBRAPEM), em Rio Claro, em setembro de
2008, e do Colóquio Osvaldo Sangiorgi, em outubro do mesmo ano, na UNIBAN.
Estes dois encontros muito contribuíram para minha identificação com a História da
Educação Matemática no Brasil, pois foi por meio dos trabalhos e produções
apresentados que novas ideias e questionamentos se formaram, uma vez que
diferentes caminhos e tópicos de pesquisa surgiram.
A linha de História da Educação Matemática poderia responder as perguntas
que fomentavam minha mente: Como se formou a Educação Matemática no Brasil?
Como acontecia no Ensino Primário? Quais materiais didáticos eram usados para
ensinar Matemática no início do século? Um tema tão aberto carecia de um
afunilamento não só em razão do curto espaço de tempo disponível para a pesquisa,
mas também por ser uma dissertação de mestrado.
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Determinado a seguir essa direção, recebi o apoio e a orientação do Prof.
Dr. Ruy César Pietropaolo que, com sua experiência e cuidado, muito contribuiu na
construção deste trabalho, e sem o qual não teria sido possível chegar aqui. O
incentivo, a demonstração de confiança e a firmeza da direção do Professor
Pietropaolo permitiram, mais que o desenvolvimento do texto, a formação de um
caráter investigativo e curioso, desejoso de continuar meus estudos mesmo após a
conclusão deste trabalho.
1.2. A LIGAÇÃO AFETIVA COM O GRUPO ESCOLAR
Fui aluno da Escola Municipal Desembargador Francisco Meirelles de 1969
a 1970, na Vila Carioca, Ipiranga. Formada inicialmente na década de 50 por salas
independentes montadas por professores, tornou-se posteriormente, em 1956,
Escola Mista de Vila Carioca, depois Escolas Agrupadas de Vila Carioca e,
finalmente em 1966, com prédio de alvenaria composto por doze salas de aula e
estrutura com diretor, na Escola Municipal Desembargador Francisco Meirelles
(IPIRANGA NEWS, 2006, p. 12). A forte presença desta escola em minha formação
firmou o interesse neste modelo escolar, pois todos ao seu redor a chamavam ainda
de Grupo Escolar Francisco Meirelles, mesmo não tendo recebido oficialmente este
nome. A Direção da escola preocupava-se com a construção do caráter e a
civilidade, além do ensino.
As escolas, nos anos 1970, sofreram mudanças significativas, justamente no
período em que eu estudava, pois era a fase em que o Ensino Primário se juntava
ao Ginásio, recebendo a denominação de Ensino de 1.º Grau. Embora esta junção
com o Ginásio não houvesse ainda ocorrido de fato na Francisco Meirelles, já estava
em vias de acontecer no Grupo Escolar Senador Robert Kennedy (mais conhecido
como Grupo Escolar do Bairro Assunção), em São Bernardo do Campo, para onde
me transferi no 3.º ano do Primário. Em 1973, a conversão com o antigo Ginásio
ocorreu, passando a entidade a receber o nome de Escola Estadual de Primeiro
Grau Senador Robert Kennedy, porém a formatação básica da escola primária se
manteve: classes seriadas e um único professor, seguindo o mesmo modelo dos
Grupos Escolares nos áureos anos no início do século XIX, na Primeira República.
20
Em 1975, a Escola Robert Kennedy mudou para um outro prédio, maior e
mais moderno, quando o ensino de primeiro grau (já estava cursando a sétima série)
voltou a se agrupar com o segundo grau (antigo Colégio). Então, o antes Grupo
Escolar do Bairro Assunção voltou a assistir exclusivamente às crianças do Ensino
Primário, mudando posteriormente seu nome para Escola Municipal de Ensino
Básico (EMEB) Pedro Augusto Gomes Cardim.
Lembro-me, saudosamente, de minha professora da E. M. Francisco
Meirelles, D. Vera, que se desdobrava para alfabetizar e ensinar a contar as 30
crianças de nossa turma. A carinhosa e paciente professora nos acompanhou até o
2.º ano, ao fim do qual me transferi para São Bernardo do Campo. Nesta última, a
Diretora, D. Helena Moreira Vilhagra, mantinha-nos em fila, meninos separados de
meninas, a distâncias medidas de um braço esticado, enquanto entoávamos o Hino
Nacional, diante do pendão brasileiro, antes de entrarmos ordenada e
silenciosamente para nossas classes, como acontecia, também, na primeira escola,
às vistas do antigo Diretor.
Figura 1 - Imagem do autor na Escola Municipal Desembargador Francisco Meirelles – 1969.
Fonte: Acervo do autor.
Marcas significativas ficaram gravadas em minha personalidade,
relativamente à disciplina, pois os alunos temiam ser repreendidos ou ser
encaminhados à Diretoria, e se os pais fossem chamados, então, era castigo certo.
21
Por outro lado, aprendíamos os hinos nacionais, conhecíamos os símbolos que
representavam o País e respeitávamos as autoridades e prédios públicos. Éramos
orientados para a leitura, a escrita e a Matemática, principalmente, mas também
recebíamos aulas de Geografia, História Geral e do Brasil, Ciências, Estudos
Sociais, Desenho e até Música, confirmando o conteúdo enciclopedista
característico do modelo dos Grupos Escolares, como discutirei mais adiante.
As classes, divididas por séries, com um único professor em contato
permanente conosco, atividades físicas, comemorações de datas importantes e de
festividades religiosas, inspirando a participação coletiva e o desenvolvimento físico
dos alunos, complementavam o currículo daquelas escolas, seguindo igualmente o
modelo dos Grupos Escolares.
Essas escolas, com suas metodologias e equipe de funcionários dedicados,
do porteiro ao Diretor, sem dúvida influenciaram na formação de meu caráter. Nada
mais natural e justo que honrá-los com o estudo dos primórdios dos Grupos
Escolares, pois acredito que tenham feito muita diferença na preparação e formação
de muitos ex-alunos, em especial no que tange à Matemática Escolar e, mais
especificamente, sobre o ensino de Geometria.
1.3 POR QUE NO ESTADO DE SÃO PAULO?
Apoiado pelo Partido Republicano Paulista, pelas oligarquias cafeeiras e
incentivado pela população, o Governo do Estado de São Paulo, administrado pelo
então presidente Bernardino José de Campos Junior, direcionou seus esforços na
consolidação do ensino público. Com o objetivo de criar uma educação moderna no
Estado de São Paulo nos moldes dos padrões europeus e norte-americanos, os
educadores e legisladores trabalharam para que esse pressuposto se concretizasse.
São Paulo acabou por servir de modelo para os outros Estados da Federação, que
contratariam professores formados nas escolas paulistas para implantar Grupos
Escolares em suas regiões (SOUZA, 2004).7
7 O texto de Rosa Fátima de Souza, Lições da Escola Primária, de 2004, descreve resumidamente a formação das Escolas-Modelo e dos Grupos Escolares a partir de 1893. O trabalho de Souza não trata especificamente do ensino de Matemática, mas dos primórdios da Escola Primária no início do século.
22
Os elementos que mais impactaram esta iniciativa foram: a formação de
professores, a construção e imponência dos edifícios escolares, a disciplina rígida,
as noções de civilidade e o currículo enciclopedista.8 São Paulo estava na dianteira
no ensino de primeiras letras no início do século (SOUZA, 2004).
No estabelecimento da Primeira República, a Constituição de 1891 transferia
aos Estados a responsabilidade sobre o Ensino Primário. Tal situação ia ao encontro
do desejo da população urbana, que cobrava oportunidades de instrução para seus
filhos. O Ensino Primário e profissionalizante era considerado “educação do povo”,
enquanto permanecia para a Federação a responsabilidade sobre o Ensino
Secundário e Superior, reservado para a elite, mantendo o domínio que vinha sendo
seguido desde o período imperial (ROMANELLI, 2005).
O Estado de São Paulo já contava com significativo desenvolvimento
industrial e se destacava pela força da cultura cafeeira que propiciou o
desenvolvimento das estradas de ferro e a comunicação entre as cidades, ligando o
litoral ao interior. Com a chegada dos imigrantes que substituíram a mão de obra
escrava, aumentou-se consideravelmente a população concentrada em suas
cidades, principalmente na Capital, porque dos estrangeiros que vinham inicialmente
para trabalhar na agricultura, alguns acabavam permanecendo na cidade (PAIVA,
1985).
A população urbana de São Paulo não era mais constituída somente de
artífices, comerciantes, famílias que vinham das fazendas para se estabelecerem
nas cidades, e sim de uma nova classe social exigente que começava a surgir neste
período, fruto do desenvolvimento do Estado. A cobrança desta nova classe social e
o desejo de atender as expectativas do novo Regime Político ganharam força e
iniciaram o processo de organização no sistema de ensino, mais especificamente no
de “primeiras letras” (ROMANELLI, 2005).
Assim, em virtude do pioneirismo do Estado de São Paulo em adotar um
novo programa e método de ensino, pela implantação das Escolas Modelo e Grupos
Escolares, escolhemos essa unidade da Federação.
8 Rosa Fátima de Souza desenvolveu um excelente trabalho chamado Templos de civilização, 1998, em que aborda o aspecto ideológico das construções dos Grupos Escolares. Ver também Buffa e Pinto (2002).
23
1.4 POR QUE GEOMETRIA?
Busco nas memórias de meus tempos de Primário os ensinos que recebi em
Matemática, e, embora estejam ainda nítidas as quatro operações, a tabuada, a
escrita e noções de números, escapa-me o que aprendi de Geometria naqueles
primeiros tempos de escola. Notadamente a Aritmética dominou e ainda domina o
currículo do ensino das Matemáticas no curso primário, porém custa-me acreditar
que somente figuras geométricas planas passaram por meus dias de educando. Não
me recordo de ter visto e aprendido as noções de ponto, reta e curva, e muito menos
ângulos e figuras sólidas. Não sei se por uma questão de currículo (se figuravam ou
não nos programas dos meus professores do Primário), ou de tempo para o ensino
da disciplina ou por não ter, simplesmente, apreendido a matéria, mas o fato é que
não estão presentes em mim estes conhecimentos como frutos do Ensino Primário,
embora me recorde bem deles no Ginásio.
A preferência pelo ensino da Geometria se deu em razão desse lapso e
também porque já se conheciam produções sobre Aritmética, tais como:
“A aritmética escolar no ensino primário brasileiro: 1890-1946”
(COSTA, 2010), que aborda a trajetória da Aritmética por meio de
análise de livros didáticos desse período;
“Por uma nova arithmética: o sistema métrico decimal como um
saber escolar em Portugal e no Brasil oitocentistas” (ZUIN, 2007),
que trata da implantação do ensino do sistema métrico de medidas
nas escolas primárias;
“A presença da matemática na formação do professor do ensino
primário em São Paulo, no período de 1890 a 1930” (SILVA, 2008),
que versa sobre a formação de professores, a legislação e as cartas
de Parker9 para o ensino de Aritmética.
Sobre Geometria, porém, encontrei poucas publicações. Uma delas intitula-
se Positivismo e matemática escolar dos livros didáticos no advento da República,
de autoria de Wagner Rodrigues Valente (2000), que discute especificamente a
influência positivista de Augusto Comte nos livros didáticos de Matemática
conhecidos na Primeira República. Embora o artigo aborde os livros de Geometria, 9 Francis Wayland Parker (1837–1902) elabora um conjunto de gravuras para auxiliar o professor a ensinar as quatro operações fundamentais pelo método intuitivo (VALENTE, 2008).
24
não caminha no sentido de nossa pesquisa, que é mais centrada no Ensino Primário
e aplicada aos Grupos Escolares no período em que versa esta investigação (início
do século XX).
Dentre as questões discutidas no trabalho de Valente (2000) destaco a
constatação de que a Geometria de Clairaut10 caminhava em sentido diferente do da
Geometria dos Elementos de Euclides, distanciando-se do rigor, dos axiomas e
partindo dos conceitos do modelo mais intuitivo e prático, que deveriam ser os mais
próximos da realidade e simplicidade, porém não prevaleceu sobre os autores que
preferiam seguir Euclides (p.6).
Nesse artigo, Valente também afirma que Olavo Freire, um dos autores dos
livros de nossa pesquisa dedicado ao ensino de Geometria para o Ensino Primário,
não seguia o curso intuitivo, caminhava na direção da Geometria prática. A posição
de Valente baseava-se no fato de o livro de Freire não possuir demonstrações e
axiomas, mas apenas exercícios de aplicação.
Outro artigo que merece destaque é o de autoria de Maria Célia Leme da
Silva (2010), intitulado A prática da geometria prática no ensino primário: subsídios
para uma história disciplinar. Nele, a autora comenta sobre o ensino de Geometria
no Curso Primário do final do século XIX e início do século XX, por meio das normas
legislativas da educação do Estado de São Paulo, assim como discute sobre os
programas e metodologias de ensino propostos para a Geometria. Para tanto, a
autora apresenta o livro Primeiras noções de geometria prática, de Olavo Freire,
edição de 1907, e questiona o conceito de Geometria Prática atribuído à obra
estudada em oposição ao intuitivo.
De tais considerações surgem as questões problematizadoras deste
trabalho: Qual era então a Geometria ensinada no Ensino Primário? Era conceitual,
teórica ou tinha aplicações práticas? Como era apresentada aos alunos? De que
forma lhes era cobrado o conteúdo?
10 Aléxis Claude Clairaut (1713-1765), matemático, escreveu Elements de Géométrie em 1741, traduzido por José Feliciano em 1892.
25
2 SUSTENTAÇÃO TEÓRICA E DESCRIÇÃO DE UM CENÁRIO
Todo pesquisador precisa de referenciais teóricos para a construção de seu
trabalho. Quando se trata da escrita de uma História, em especial da História da
Educação, essa tarefa exige que esses aportes possibilitem a interpretação das
fontes encontradas. A maneira com que o pesquisador conseguirá essas fontes e o
modo como tratará os elementos coletados deverão ter como modelo um
procedimento que, em geral, não segue um modo convencional.
Citando Proust (1996), Valente esclarece: Desse modo, ensina Prost, a produção histórica não se define nem por seu objeto, nem por seus documentos, pelos traços deixados do passado no presente. Não existem fatos históricos por natureza. Eles são produzidos pelos historiadores a partir de seu trabalho com as fontes, com os documentos do passado, que se quer explicar a partir de respostas às questões previamente elaboradas. Assim, não há fontes sem as questões do historiador. Será ele que irá erigir os traços deixados pelo passado em documentos para a história, em substância para a construção de seus fatos. Há, dentro dessa perspectiva, um primado da questão, da interrogação sobre o documento (2007, p. 32).
O passado não apresenta com facilidade as informações de que precisamos.
É necessário um trabalho de arqueólogo, de escavador por parte do pesquisador,
que precisa, antes de tudo, saber onde procurar. O ambiente quase sempre frio e
empoeirado das bibliotecas e arquivos é o local de labuta e encantamento para o
pesquisador que, como criança, feliz entre os brinquedos que manuseia, lê, separa,
anota, fotografa tudo o que pode para depois separar, selecionar, classificar. Como
observa De Certeau, Em história tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em “documentos” certos objetos distribuídos de outra maneira. Esta nova distribuição cultural é o primeiro trabalho. Na realidade ela consiste em produzir tais documentos, pelo simples fato de recopiar, transcrever ou fotografar esses objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto (1982, p. 81).
Os vestígios encontrados devem ser examinados e a construção do
conhecimento histórico deve passar pela análise crítica do autor, e ele terá de ser o
mais próximo possível da verdade, sem que isso o afaste de expressar sua visão
dos fatos (CAR, 1996).
26
Nesse sentido, para esta investigação, o primeiro aspecto a ser avaliado é o
estudo dos materiais utilizados para o ensino: quais eram os livros didáticos usados
para o ensino de Geometria?
2.1 A CULTURA ESCOLAR COMO OBJETO HISTÓRICO
A história do livro didático de Matemática no Brasil está intrinsecamente
ligada com a história da Educação Matemática, e sua evolução pode ser contada por
meio deste registro (VALENTE, 2007).
Partindo deste princípio, o ponto fundamental deste trabalho está
relacionado com a análise do material utilizado para se ensinar Geometria no Curso
Primário no Estado de São Paulo, no início do século XX. Chopin (2000) considera
que “todo livro didático está histórica e geograficamente determinado e é produto de
um grupo social e de uma dada época”, (p. 116) é tarefa do pesquisador aprofundar-
se sobre eles, fazendo questionamentos, procurando identificar a cultura escolar
presente implícita ou explicitamente no objeto de estudo.
Nesse sentido, cabe ainda explicitar como está sendo entendido o conceito
de cultura escolar, nesta investigação. [...] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão destes conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA, 2001, p. 10).
Uma das maneiras de se aprofundar na cultura escolar se faz pela leitura e
análise dos registros encontrados. Tratando-se de livros didáticos, podem ser
observados como os autores se apropriaram11 da legislação educacional vigente na
época e quais suas especificidades, suas características. Nas revistas e nas provas
podem ser encontrados vestígios das práticas dos professores segundo as
finalidades da época.
Na análise do livro didático, além de seu conteúdo, devem ser observadas
informações sobre a edição, o autor, o contexto político-social, a ideologia presente,
as características específicas do volume, a ordenação, se a obra é inovadora ou 11 O sentido de apropriação utilizado neste estudo é aquele definido por Roger Chartier (1991), para quem apropriação “visa uma história social dos usos e das interpretações, referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as produzem” (p. 180).
27
uma vulgata12. Segundo Valente (2008), o livro didático deverá ser compreendido
muito além do conteúdo de Matemática que encerra; a história cultural valoriza o
livro didático, que antes era considerado descartável.
Para saber sobre estes livros foi necessário um mapeamento do período por
meio da busca das publicações conhecidas, obras citadas em trabalhos anteriores,
ou ainda inéditas e para serem descobertas e registradas em nosso Projeto. A busca
nos alfarrábios (sebos) foi difícil porque são obras muito antigas. Identificar datas é
outra tarefa complicada, pois elas podem não existir ou, se existirem, podem ser
reimpressões de obras anteriores ao período pesquisado.
O livro didático é um dos rastros que o passado nos deixou, assim como
diários de classe, provas, cadernos de alunos, livros de atas, fichas de alunos, que
ainda se encontram nos arquivos das escolas, nos arquivos pessoais de alunos e
professores. Deve-se, portanto, esforçar-se por encontrá-las, classificá-las e analisá-
las criticamente, buscando sua história, pois [...] o historiador da educação matemática tem, por tarefa, organizar um conjunto de obras didáticas sobre as quais irá se debruçar para investigar a trajetória da educação matemática num determinado período (VALENTE, 2008, p. 143).
Em nossa primeira excursão, a leitura do estudo Uma história da matemática
escolar no Brasil de 1730 – 1930, do Prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente, forneceu
dados importantes sobre os livros didáticos no Brasil, estabelecendo uma relação
significativa com os compêndios europeus, principalmente os franceses (os livros
FIC – Frères de l’Instruction Chrètienne, traduzidos por Eugênio de Barros Raja
Gabaglia). Destaca Valente (1999, p. 113) que o ensino de Geometria no curso
primário, desde a criação da escola primária em 15 de novembro 1827, não foi
incluído no currículo, passando a fazer parte do secundário. As indicações dos livros
referentes ao ensino primário estavam, em sua maioria, direcionadas para a
Aritmética. A Geometria era oferecida em edições para o Ensino Secundário, Liceus
e Cursos Superiores.
Nesse contexto, este estudo vale-se das obras Desenho linear ou elementos
de geometria prática popular, de autoria de Abílio César Borges (1882), e Noções de
12 Vulgata Escolar é o termo utilizado por Chervel para definir a elaboração de uma obra bastante próxima de uma outra obra didática original. Nessa elaboração havia uma forte similaridade dos conceitos ensinados, das seqüências, dos símbolos e dos exercícios em relação á obra original. Havia, portanto, poucas variações durante um determinado período de tempo (apud VALENTE, 2007).
28
geometria prática, de autoria de Olavo Freire (19--?), quando se procura verificar
como era a Geometria ensinada no Primário.
2.2 FONTES PARA A ESCRITA DA TRAJETÓRIA ESCOLAR: A IMPRENSA
PEDAGÓGICA EDUCACIONAL E AS AVALIAÇÕES ESCOLARES
Neste trabalho também abordamos textos publicados na Revista do Ensino
da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo, quando tratam
especificamente da Geometria destinada às escolas primárias, destacando-se
metodologias, regras que regulam os modos de difusão e apropriação desse saber
escolar.
Faz-se, portanto, necessário debruçar-se sobre os impressos como objeto
de estudo, uma vez que esse material possibilita desvelar o campo educacional, os
modos de articulação entre teoria e prática, a formação de professores, os debates e
discussões acerca de temas educativos (CATANI; BASTOS, 1999).
Destaque-se ainda que
[...] os periódicos constituem uma instância privilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do campo educacional, pois fazem circular informações sobre o trabalho pedagógico, o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específico das disciplinas, a organização dos sistemas, as reivindicações da categoria do magistério e outros temas que emergem do espaço profissional. Além disso, acompanhar o aparecimento e o ciclo de vida da imprensa periódica de educação e de ensino permite conhecer as lutas por legitimidade que se travam dentro do campo, e também analisar a participação dos agentes produtores do periódico na organização do sistema de ensino e na elaboração dos discursos que visam instaurar as práticas exemplares. É nesse sentido que se pode afirmar a dupla alternativa que os periódicos pedagógicos oferecem, simultaneamente, como fontes ou núcleos informativos para a compreensão dos discursos, das relações e das práticas, que permitem explicar modalidades de funcionamento do campo educacional (CATANI; BASTOS, apud BASTOS, 2007, s.p.).
No entender de Julia (2001), o historiador deve tentar reconstituir, ainda que
de forma indireta, as práticas escolares a partir dos programas oficiais ou revistas
pedagógicas.
A construção do sentido dos textos escritos permite descrever os dispositivos
materiais e formais por meio dos quais os referidos textos chegam aos leitores e
como estes se apropriam desses textos.
29
Portanto, busca-se compreender como o uso de novos livros de Geometria e
publicações em revistas modificaram as formas de sociabilidade e autorizaram
novas formas de pensar.
Este estudo levou igualmente em conta as avaliações elaboradas e
aplicadas pelos professores do Ensino Primário no período de 1890 a 1930, que
contribuem para verificar até que ponto os livros didáticos eram utilizados e até onde
o programa de ensino era seguido. Apresentam-se, pois, como fontes privilegiadas
para revelar a trajetória dos saberes presentes no cotidiano escolar de um
determinado período (MACHADO; VALENTE, 2000).
A diversidade de fontes a ser analisada remete a Chartier (1991), para quem
o historiador vem tentando decifrar de outro modo as sociedades, voltando seu olhar
para o funcionamento das escolas, fazendo emergir novas perspectivas, outras
maneiras de articular obras, práticas e o mundo social, considerando o estudo crítico
dos textos, a história dos livros e a análise das práticas. Deve-se considerar o lugar
onde circulam os textos, os impressos, as produções ou normas culturais, a fim de
verificar como os professores se apoderaram ou fizeram uso dessa documentação.
2.3 O FAZER HISTÓRICO
É de esperar que um trabalho de História da Educação Matemática
necessite dos referenciais teóricos de um ou mais historiadores. Primeiro, porque
sendo o pesquisador um Educador Matemático, haverá de andar por caminhos que
lhe são estranhos, a princípio, porém devem ser trilhados sob a orientação e a ótica
de um historiador, uma vez que se trata de um trabalho eminentemente histórico.
Segundo, porque é preciso observar aspectos que o educador não está
acostumado, envolvendo a cultura de um tempo, uma série de registros que
precisam ser observados, desconstruídos e construídos novamente (LE GOFF,
1992). Por fim, o pesquisador precisa saber como analisar criticamente estas
informações para construir um fato histórico (BLOCH, 2008).
A metodologia a ser adotada está vinculada a uma particularidade da
pesquisa histórica: é preciso se apropriar da metodologia dos historiadores para se
produzir um texto de história de Educação Matemática. Uma particularidade evidente
é que a pesquisa em história não segue um roteiro fechado e sistemático na sua
30
metodologia, como as outras linhas, ela se guia por intermédio dos teóricos
escolhidos (VALENTE, 2007).
O historiador Marc Bloch,13 parafraseando Bayle e Fustel de Coulanges,
afirma que a História é a mais difícil de todas as ciências (Bloch, p. 47). Em seu
trabalho, Bloch descreve o esforço de historiadores na busca por uma investigação
crítica e detalhada da pesquisa, ao mesmo tempo em que critica os que se
preocupam apenas com os acontecimentos. Assim sendo, instiga os pesquisadores
à flexibilidade para a labuta, distante dos sistemas simplistas das narrativas
superficiais e apresenta um estudo dos métodos de pesquisa em História, conforme
sua própria experiência. A História é a ciência que envolve o homem, a coletividade
humana e sua ação no tempo com suas consequências, assevera Bloch (2008). Há muito tempo, com efeito, nossos grandes precursores, Michelet, Fustel de Coulanges, nos ensinaram a reconhecer: o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens. Mais que o singular, favorável à abstração, o plural, que é o modo gramatical da relatividade, convém a uma ciência da diversidade. Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem [os artefatos ou as máquinas], por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar (BLOCH, 2008, p. 54).
Bloch (2008) vê o historiador como construtor de uma história coletiva, e não
um mero narrador dos fatos. Mais do que a história do homem, simplesmente, mas a
história do homem no tempo, por meio da leitura dos vestígios encontrados no
presente, segundo o teórico. Esta posição também é reforçada por Le Goff: O interesse da memória coletiva e da história já não se cristaliza exclusivamente sobre grandes homens, os acontecimentos, a história que avança depressa, a história política, diplomática, militar. Interessa-se por todos os homens, suscita uma nova hierarquia mais ou menos implícita dos documentos (LE GOFF, 1992, p. 531).
A análise critica dos documentos também é ponto comum entre as ideias de
Bloch e Le Goff. Para Le Goff, o documento deve ser encarado como um
monumento, uma roupagem, uma vestimenta imposta pelos dominantes, com o
objetivo de manipular a informação e manter ou prolongar uma situação específica
de seu interesse: “É preciso começar por desmontar, demolir esta montagem,
13 Bloch, em sua obra inacabada Apologia da história ou o ofício de historiador, escrita em 1944 e publicada pela primeira vez em 1949, destaca a importância do ofício do historiador. A influência do autor já era notada pela mudança ocorrida em relação a como se escrevia história antes dos Annales (1929) e depois. O pesquisador dinamiza a relação do homem com seu passado, colocando-o como elemento principal no tempo e espaço, com o qual aprendemos. A versão utilizada neste estudo é a traduzida por André Telles impressa em 2008 (BLOCH, 2008).
31
desestruturar esta construção e analisar as condições de produção dos
documentos/monumentos” (LE GOFF, 1982, p. 114).
Toda análise que se faça sobre um monumento, sustenta Le Goff, deverá
ser cautelosa, tendo em vista os interesses envolvidos, porém como documento a
questão é mais ampla sob o ponto de vista das diversas formas de ser apresentada;
como vestígio, poderá ser escrito, ilustrado, sonoro, na forma de imagem etc.
Le Goff (1982) acrescenta que todo documento é um monumento, e
exemplifica que a diferença está no olhar do pesquisador, que deve encarar os
elementos que constituem o documento/monumento, de modo a desmontá-lo,
buscando os interesses e possíveis manipulações. No intuito de encontrar a
verdade, Le Goff aconselha a considerar todos os documentos como falsos,
obrigando o pesquisador a ser ainda mais criterioso em suas análises. Le Goff ainda
nos faz refletir sobre as mudanças ocorridas a partir do século XII, e reforçadas por
Bloch, em que o conceito de análise de documentos é modificado a partir da busca
pela verdade. Permite-nos compreender que não é mais admissível a concentração
da história aos fatos relevantes e aos grandes homens; o interesse presente é o da
memória coletiva, ou seja, o pesquisador precisa encarar os documentos com
respeito e de forma crítica para construir o fato histórico.
Reconhecemos as dificuldades de colocarmo-nos como historiador do
presente, estudando o passado, ao tentar analisar os documentos, sem, contudo,
prejulgar os fatos e inserir neles nossas impressões. Entretanto, procuraremos nos
distanciar o suficiente para, despindo-nos o máximo possível de opiniões
particulares (intrínsecas ao meu tempo), analisar os registros, tentando observar as
intenções do seu autor, embora acreditemos ser tarefa difícil não colocar sobre eles
nossas interpretações. Nas palavras de Edward Hallet Car: O historiador não é um escravo humilde nem um senhor tirânico de seus fatos. A relação entre o historiador e seus fatos é de igualdade e reciprocidade. Como qualquer historiador ativo sabe, se ele para avaliar o que está fazendo enquanto pensa e escreve, o historiador entra num processo contínuo de moldar seus fatos segundo sua interpretação e sua interpretação segundo seus fatos. É impossível determinar a primazia de um sobre o outro (CAR, 1996, p. 531).
Assim mesmo, cabe ao historiador “tirar dos documentos tudo o que eles
contêm e em não lhes acrescentar nada que eles não contêm, sendo o melhor
historiador aquele que se mantém mais próximo possível dos textos” (LE GOFF,
1982, 104).
32
2.4 CONCEPÇÕES DE GEOMETRIA
Do mapeamento efetuado destacamos a influência da Geometria de Clairaut
(livro que recebeu a indicação de Augusto Comte), publicado a partir de 1741,
traduzido por José Feliciano e também utilizado como referência para construção da
obra de Francisco Carlos da Costa Cabrita, em circulação no Brasil a partir de 1890,
período por nós estudado, porém não direcionado ao Ensino Primário. As obras do
ensino de primeiras letras no Estado de São Paulo nos Grupos Escolares
selecionadas e citadas nesta investigação foram:
Desenho linear ou elementos de geometria prática popular, seguidos
de algumas noções de Agrimensura, Stereometria e Architetura, para
uso das Escolas Primárias e Normais, dos Liceus e dos Collegios,
dos Cursos de Adultos, e em geral dos Artistas e Operários em
qualquer ramo da indústria, de autoria de Abílio César Borges,
primeira parte, 21. ed., destinada especialmente às escolas
primárias. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves. Typ. Aillaud.,
Paris, 1822.
Noções de geometria prática, de Olavo Freire. 9. ed. Francisco Alves
& Cia., 1894.
Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado
Público de São Paulo, de 1902 a 1918.
Manuais de professores são citados no Anuário do Ensino do Estado
de São Paulo,14 de 1907/1908.
Algumas provas escritas de Grupos Escolares de Campinas,
Sorocaba e Tatuí, de 1896 e 1900.
A Geometria prática a que fazem referência os títulos das obras citadas diz
respeito àquela Geometria sem demonstrações, contendo muitos exercícios de
aplicação de formulários e questões ligadas ao desenho geométrico (VALENTE,
2000).
14 Os Annuários do Ensino do Estado de São Paulo foram produzidos entre os anos de 1907 e 1937 pela Directoria Geral de Instrucção Pública, subordinada à Secretaria dos Negócios e do Interior, e também pela Directoria do Ensino ligada à Secretaria da Educação e Saúde Pública. Estes materiais estão digitalizados e disponíveis no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
33
Vale ressaltar que o conceito de prática, em geral, está vinculado ao uso de
instrumentos. Para este estudo, estamos entendendo o conceito de prática como
aquele que está ligado diretamente a um ofício, ou seja, a um conhecimento
profissional, por exemplo, o serviço de carpinteiro, de pedreiro, de jardineiro e de
outros.
Essas concepções de geometria prática foram demarcadas a partir de uma
vertente pedagógica denominada método intuitivo, que ganhou força no final do
século XVIII, de modo a atender a crescente urbanização e a necessidade de
democratização do ensino, destacando-se uma de suas formas de aplicação, as
lições de coisas, que passaram a ser utilizadas nas escolas primárias e nos cursos
de formação de professores (SCHELBAUER, 2006).
Já o método intuitivo pretendia amenizar o excesso de teoria presente nos
livros didáticos, por meio da observação e experimentação. Defendia que a origem
do conhecimento são os sentidos humanos.
As escolas-modelo, que surgiram a partir de 1890, apoiavam-se no sistema
de ensino intuitivo Pestalozziano,15 ou “lição de coisas”, que “se caracteriza por
oferecer dados sensíveis à observação, indo do particular ao geral, do concreto
experienciado ao racional, chegando por esse caminho aos conceitos abstratos”
(ZANATTA, 2005).
As ideias do método intuitivo começaram a ser divulgadas no Brasil a partir
da tradução do manual didático Primary object lessons for a graduated course of
development, de Norman Allison Calkins, publicado nos Estados Unidos em 1861,
efetuada por Rui Barbosa em 1880 e publicada em 1886 no Brasil, sob a
denominação Primeiras lições de coisas (ZANATTA, 2005).
Para Rui Barbosa, o ensino intuitivo era uma forma de: Educar a vista, o ouvido, o olfato; habituar os sentidos a se exercerem naturalmente sem esforço e com eficácia; ensiná-los a apreenderem os fenômenos que se passam ao redor de nós, a fixarem na mente a imagem exata das coisas, a noção precisa dos fatos... (apud LOURENÇO FILHO, 1954, p. 121).
Para tanto, o professor deveria proporcionar situações em que o aluno
pudesse ver, sentir e observar objetos, de modo que os manuais didáticos deveriam 15 Johann Heinrich Pestalozzi – 1746-1827. Suíça. Foi um dos pioneiros da pedagogia moderna, influenciando profundamente todas as correntes educacionais. Defensor do método intuitivo, acrescentou-lhe o método prático didático, defendendo que os objetos devem preceder as gravuras nas primeiras experiências de aprendizagem, ou seja, partir dos objetos e das impressões para depois chegar às abstrações (ZANATTA, 2005).
34
incluir maior quantidade de figuras, desenhos e cores. Para a geometria, Rui
Barbosa recomenda: É por meio de modelos materiais, de construções gráficas, que há de ter entrada na escola o curso sempre concreto, intuitivo, figurado dos elementos desta ciência. Começando por discernir ao aspecto as formas geométricas mais elementares, o sistema froebeliano adestra utilmente o menino em reproduzi-las por meio de papelão, do papel, da terra plástica, ou do arame. Por uma graduada sucessão de passos, esta parte do programa, dominado e encaminhado sempre pelo mesmo espírito é susceptível do mais amplo desenvolvimento (apud LOURENÇO FILHO, 1954, p. 289-290).
A geometria intuitiva, assim referida, é definida por Buisson (1897) como
aquela que “se faz pela via da demonstração sensível, visível, palpável, o ensino
pelos olhos” (apud SCHELBAUER, 2006, p. 8).
Diante de tais considerações, procuraremos familiarizar o leitor no momento
histórico estudado, traçando um panorama da História da Educação, privilegiando a
História do Ensino Primário brasileiro, a partir do período anterior à República até a
criação e formação dos Grupos Escolares, destacando o ensino de Geometria. Em
seguida, procedemos à análise dos documentos encontrados, procurando
estabelecer diálogo com os historiadores referenciados.
35
3 A EDUCAÇÃO ANTES DA REPÚBLICA
Com o propósito de entender o momento histórico relativo à escola primária
no período compreendido entre 1890 e 1930, faz-se necessário que nos coloquemos
em uma viagem pelo tempo caminhando pela História da Educação, discorrendo
sobre o sistema de ensino brasileiro anterior à Primeira República (1889-1930),
destacando-se nesse percurso a criação do Ensino Primário. Assim sendo, iniciamos
pelo Brasil Colônia, passando pelo Império até chegar à Primeira República.
Destacamos somente os elementos mais significativos de nossa pesquisa
nesse percurso histórico, recuando no tempo apenas o suficiente para identificar
transformações no Ensino Primário até o momento histórico que discutiremos o
ensino de Geometria nos Grupos Escolares. O intuito é evidenciar as diferenças
entre estes dois períodos: antes da República e nos primeiros anos do novo regime.
No Brasil Colônia, a educação era privilégio dos filhos dos poucos
proprietários de terra. A educação era promovida pelos padres jesuítas,
continuadores de princípios da Idade Média e humanistas, mais preocupados em
arregimentar elementos para o clero do que formar indivíduos com espírito crítico
apurado. Era um sistema exclusivista e excludente em que eram deixados à
ignorância as mulheres, os índios, os negros e os mestiços. O ensino também era
negado aos filhos primogênitos da família, pois estes assumiriam o controle dos
negócios e precisariam apenas de pouca instrução e de disponibilidade de tempo
para o aprendizado das atividades relativas ao meio de preservação e subsistência
do clã (ROMANELLI, 2005).
Esta classe de cidadãos moldava-se nos costumes e na cultura europeias,
aristocráticas, com quem procurava se identificar. Assim, a educação logo começou
a dar lugar de destaque às elites que passaram a receber educação diferenciada
dos padres (ROMANELLI, 2005).
A educação elementar era direcionada à população índia e branca, em geral,
com a intenção de catequizar. Aos meninos, filhos dos proprietários de terras, além
da educação elementar, também o Ensino Secundário visando à educação superior
lhes era oferecido pelos padres. Estes poucos jovens privilegiados poderiam seguir
36
seu aprendizado na direção superior sacerdotal ou ainda partir para a Europa, onde
continuariam seus estudos para o ensino superior não eclesiástico. A educação para
as mulheres era vetada. Assim, os padres acabaram ministrando, em princípio, educação elementar para a população índia e branca em geral (salvo as mulheres), educação média para os homens da classe dominante, parte da qual continuou nos colégios preparando-se para o ingresso na classe sacerdotal, e educação superior religiosa só para esta última (ROMANELLI, 2005, p. 35).
A formação dos meninos, não primogênitos, permitia uma aproximação
maior com a Corte, pois estavam mais preparados para preencher os cargos
públicos. Esta proximidade com o poder público por parte da elite garantia domínio
sobre o resto da população e esse princípio permaneceu enraizado na cultura
popular, perdurando durante o período imperial e invadindo a República
(ROMANELLI, 2005).
Mesmo após a expulsão dos jesuítas em 1759, pelo Primeiro-Ministro de
Portugal, Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal,16 a maioria da
população era mantida distante da educação. Essa posição garantia o fortalecimento
das elites, a ponto de afirmar que o Ensino Primário e o profissionalizante (dos
Liceus) eram considerados educação para o povo, enquanto o Ensino Superior era
reservado para a classe dominante (ROMANELLI, 2005).
O marquês de Pombal, além dos conflitos políticos com o Clero, tinha um
conceito educacional diferente do modelo jesuíta. O modelo do Marquês era voltado
ao ensino enciclopedista, não ao ensino humanista que foi implementado pelos
jesuítas. Esta ruptura com o sistema vigente causou um período de adaptação do
ensino no Brasil, pois não havia professores formados para substituir os padres, o
que permitiu o surgimento de disciplinas isoladas e leigos para fornecer instrução.
Era a primeira vez que o Estado assumia a responsabilidade pela educação fora do
ensino militar (ROMANELLI, 2005).
A expulsão dos jesuítas não ocorreu em sua totalidade porque os colégios e
os seminários permaneceram, assim como os padres, filhos das famílias aristocratas
rurais, continuaram a atuar como professores nas fazendas de onde muitos vieram.
Os meninos educados por eles e que seguiram a carreira sacerdotal acabaram por
16 Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal, 1750 a 1777, entrou em conflito com os jesuítas em 28 de junho de 1759. Suprimiu as escolas jesuíticas de Portugal e de todos os seus domínios, implantando um novo método de ensinar, criando as aulas régias de Latim, Grego e Retórica, que deveriam suprir as disciplinas antes oferecidas pelos Jesuítas (ALMEIDA, 2010).
37
continuar educando seus primos e sobrinhos, formando um contingente de parentes
professores. Muitos desses padres foram chamados para instruir nas cidades, em
virtude da falta de profissionais formados. O que se viu foi a continuidade do sistema
anterior, pois o novo modelo continha ainda a mesma pedagogia religiosa com sua
disciplina e severidade. Deste quadro pode-se observar que pouca mudança
ocorrera de fato na reforma pombalina (ROMANELLI, 2005).
Com a transferência da Família Real para o Brasil em 1808, a preocupação
do governo com a educação era a formação das elites dirigentes do País. Não havia,
por parte do Reino, interesse em organizar o ensino de forma a atender a
população. A energia do Regime concentrava-se apenas no Ensino superior não
teológico e profissional e em cursos preparatórios que permitissem o acesso a esses
cursos superiores. Com a transferência, a Família Real trouxe progressos
importantes para a educação, pois criaram os cursos superiores da Academia Real
da Marinha, da Academia Real Militar, de Engenharia, de Medicina, de Economia
Política, de Química, de Desenho, de Pintura, de Escultura e de Arquitetura Civil.
Foram também montadas estruturas culturais como: bibliotecas, museu, jardim
botânico e imprensa régia para viabilizar a permanência da Corte (ROMANELLI,
2005).
A Independência não trouxe maiores mudanças ao sistema educacional,
apesar de a Carta Magna, outorgada por D. Pedro I em março de 1824, estabelecer
instrução primária gratuita a toda a população (art. 179, XXXII), uma vez que não
havia, ainda, locais destinados para este fim. Esta carta, posteriormente, foi
transformada na Lei de 15 de outubro de 1827 (COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO
DO BRASIL, 1827, p. 71).
A Lei de 15 de outubro de 1827 estabelecia a obrigatoriedade da criação de
escolas primárias em todas as cidades, vilas e lugarejos e escolas de meninas nas
cidades mais populosas. Esta mesma Lei insistia na aplicação do Método Lancaster,
ou do ensino mútuo17 e os professores que não estivessem preparados deveriam
buscar conhecimento do método, por recursos próprios, nas escolas da capital
(COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL, 1827, p. 71).
17 O método lancasteriano ou sistema monitorial baseava-se no trabalho de Joseph Lancaster, consistia que um grupo de dez alunos (decúria) era ensinado por um aluno menos ignorante (Decurião), sob orientação e supervisão de um inspetor (MENEZES; SANTOS apud SILVA, 2008).
38
O currículo matemático deste período já previa “as noções mais gerais de
geometria prática”, tema de conflito entre os Deputados da Câmara. Ferreira França,
apoiado por Lino Coutinho, defendia a introdução da Geometria prática, alegando
que os meninos deveriam aprender como os pedreiros e carpinteiros, argumentando,
por outro lado, que os professores não se achavam em condições de ensinar-lhes.
Exemplo disso, o Arcebispo da Bahia, Romualdo de Seixas, acrescentava à
discussão que o ensino de geometria era assunto dos Liceus e não das escolas
primárias. Além disso, para as meninas não haveria ensino de Geometria
(MOACYR, apud VALENTE, 2007, p. 77).
O Ato Adicional de 1834 estabelecia que ao Império cabia a
responsabilidade pelo Ensino Primário, Secundário e Superior na Capital, e aos
cursos superiores no resto do País. Para as províncias, cabia a responsabilidade
sobre o ensino de primeiras letras e Secundário. Criava-se, então, uma dualidade de
sistemas: o de responsabilidade do poder central e o de responsabilidade do poder
provincial (ROMANELLI, 2005).
A falta de recursos e a desorganização das Províncias acabaram por
produzir poucas escolas primárias e transferir as escolas secundárias para a
iniciativa privada. Isto tornava o acesso ao ensino ainda mais excludente, visto que
somente algumas famílias conseguiam arcar com os custos destas escolas
particulares. É importante destacar que não era requerida formação no Ensino
Primário, nem no secundário; para poder frequentar o Ensino Superior, bastava que
o candidato superasse os exames de admissão. Desse modo, os cursos secundários
eram utilizados apenas como preparatórios para o curso superior, privilegiando a
classe dominante (ROMANELLI, 2005).
O Ensino Primário, fragmentado por esses problemas, sobrevivia graças ao
esforço de poucos professores, os quais, segundo Romanelli (2005), eram
“destituídos de habilitação para o exercício de qualquer profissão rendosa, se viam
na contingência de ensinar” (p. 40).
Em 1854, por meio do Decreto 1.331, o Ensino Primário foi dividido em
Elementar e Superior. Ao Elementar foi estabelecido os princípios elementares de
Aritmética e o sistema de medidas da Corte (CHAGAS, apud PILETTI, 1990).18 Ao
Superior, além da continuação das disciplinas acima, designou-se o ensino de
18 Continha também o Currículo, Educação Moral e Religiosa, Leitura e Escrita, Noções essenciais de Gramática (PILETTI, 1990).
39
Geometria Elementar, Agrimensura, Desenho Linear, e um estudo mais
desenvolvido do sistema de pesos e medidas abrangendo as províncias e os países
com quem o Brasil mantinha relações comerciais (Decreto 1.331, art. 47, 1854 apud
SILVA, 2008).19 Para os meninos saudáveis, o Ensino Elementar era obrigatório,
sendo seus responsáveis sujeitos a multa se não os enviassem à escola. No entanto
a frequência era vetada aos meninos que padecessem de moléstias contagiosas,
aos não vacinados ou aos escravos.
Em 1888, apenas 250.000 alunos de uma população de 14 milhões de
habitantes estavam matriculados, justificado por uma sociedade escravagista que
privilegiava as elites, muito longe de permitir o acesso à educação às classes
intermediárias que começavam a surgir, cujas necessidades comerciais e industriais
começavam a se fazer presentes. Muito pouco pôde produzir o Império para o
desenvolvimento da educação no País, além de ter promovido e garantido a
prosperidade da elite aristocrática rural (ROMANELLI, 2005).
3.1. A PRIMEIRA REPÚBLICA
Após a Proclamação da República, o Estado de São Paulo começou a trilhar
o caminho da organização do ensino por meio do Decreto n.º 27, de 12 de março de
1890. Este documento priorizava a reforma da Escola Normal e convertia em
Escolas-Modelo as Escolas Anexas a essas instituições, estabelecendo as
disciplinas a serem aprendidas, as exigências aos candidatos a alunos e aos lentes,
os cargos, funções e salários dos profissionais das Escolas Normais e a organização
das Escolas-Modelo, com suas disciplinas, para o exercício das práticas escolares
de alunos do 3.º ano das Escolas Normais.
Os objetivos desse Decreto ficam explicitados em suas primeiras linhas: Considerando que a instrucção bem dirigida é o mais forte e efficaz elemento do progresso e que ao governo incumbe o rigoroso dever de promover o seu desenvolvimento; Considerando que de todos os factores da instrucção popular o mais vital, poderoso e indispensável é a instrucção primária largamente diffundida e convenientemente ensinada;
19 No Decreto n.º 1.331 verificam-se também as disciplinas: o desenvolvimento da arithmetica em suas aplicações práticas, a leitura explicada dos Evangelhos e noticia da história Sagrada, os elementos de História e Geographia, principalmente do Brasil, os princípios das Ciências Physicas e da História Natural applicaveis aos usos da vida, noções de Música e Canto, Gymnastica.
40
Considerando que, sem professores bem preparados, praticamente instruídos nos modernos processos pedagógicos e com cabedal scientífico adequado ás necessidades da vida actual, o ensino não pode ser regenerador e efficaz; Considerando mais que a Escola Normal do Estado não satisfaz as exigências do tirocínio magistral a que se destina, por insuficiência de seus alunnos (SÃO PAULO, 1890).
A organização da Educação Primária do Estado iniciava pela escola
formadora de profissionais e pelas escolas que serviriam de treinamento para as
novas técnicas pedagógicas. Além de prepararem os professores, as Escolas
Anexas serviram, como frisava o próprio nome, como modelo para as escolas de
Ensino Primário.
A Constituição da República de 1891 não alterou significativamente o
sistema educacional no sentido das responsabilidades. Continuava sob a égide do
Governo Federal criar e controlar a educação superior em todo o País e o ensino em
todos os níveis na capital da República. Aos Estados permanecia a responsabilidade
pela criação e controle das escolas primárias e profissionalizantes, mantendo o
privilégio defendido pela classe dominante desde o Império (ROMANELLI, p. 41).
Mas a população mudou em relação ao tempo do Império e tornou-se mais
exigente no tocante à educação. Assim era composto o estrato humano neste
período: Existia já uma pequena burguesia, em si mesma heterogênea, uma camada média de intelectuais letrados ou padres, os militares em franco prestígio, uma burguesia industrial, ensaiando seus primeiros passos, e todo um contingente de imigrantes que, na zona urbana, se ocupavam de profissões que definiam classes médias e, na zona rural, se ocupavam da lavoura. Estes últimos eram, tanto no que respeitava ao nível cultural quanto ao que se caracterizavam os interesses, bastante diferentes das camadas camponesas que se ocupavam da economia de subsistência e, mais diferentes ainda, do contingente saído da escravidão (ROMANELLI, p. 41).
As medidas tomadas pelo Novo Regime para melhoria do ensino e
atendimento das novas necessidades populares não surtiram o efeito esperado.
Dentre esses esforços destaque-se a Reforma Benjamin Constant, de 8 de
novembro de 1890. Não obstante buscasse inserir o modelo enciclopédico, com
disciplinas científicas, seguindo parcialmente o modelo positivista de Augusto
Comte, não teve o apoio das elites que se sentiram ameaçadas pelas ideias
reformistas. No art. 3.º do Decreto 981, de 8 de novembro de 1890, destacamos
particularmente as disciplinas:
41
O ensino das escolas primarias do 1.º gráo, que abrange tres cursos, comprehende: Leitura e escripta; [...]; [...]; Contar e calcular. Arithmetica pratica até regra de tres, mediante o emprego, primeiro dos processos espontaneos, e depois dos processos systematicos; Systema metrico precedido do estudo da geometria prática (tachymetria); [...]; (...); Desenho; Trabalhos manuaes (para os meninos); Trabalhos de agulha (para as meninas); Noções práticas de agronomia [grifos nossos] (BRASIL, 1890).
A Geometria já constava entre as disciplinas, sobretudo no modo de
aprendizado relacionado à prática, talvez indo além da construção de figuras e se
apropriando de conceitos e necessidades cotidianas dos alunos.
3.2. A FORMAÇÃO DAS ESCOLAS-MODELO E DOS GRUPOS ESCOLARES
O sucesso das Escolas-Modelo deu-se em razão de nomes importantes
envolvidos na sua formação, como Dr. Antonio Caetano de Campos, Miss Márcia
Percy Brown e Maria Guilhermina Loureiro de Andrade, já na Escola-Modelo do
Carmo fundada em 7 de julho de 1890. Essa escola funcionava provisoriamente nos
fundos da Igreja da Ordem Terceira do Carmo. A implantação e direção do
estabelecimento foram de responsabilidade de Caetano Campos20 até 1893, quando
assumiu a direção Miss Brown21 (MARCÍLIO, 2005).
20 Antônio Caetano de Campos (1844-1891), médico e educador brasileiro. Foi convidado pelo então presidente do Estado de São Paulo, Prudente de Morais, para reorganizar o ensino público paulista, iniciado em 1890. Com a Reforma que levou seu nome, institucionalizou pela primeira vez o método defendido pelo Movimento dos Pioneiros da Educação Nova, baseado no educador americano Jonh Dewey. Constituiu a primeira Escola Normal de São Paulo a partir dos métodos modernos baseados na escola americana. No final dos anos 1930, a Escola que mandara erguer e não viu ser finalizada, na Praça da República em São Paulo, passou a receber o seu nome, sendo símbolo de uma época (WIKIPEDIA, 2010). 21 Marcia Percy Brown. Nascida em 1845. Educadora Presbiteriana convidada para lecionar no Mackenzie College por Horace Lane. Organizou a primeira Escola-Modelo e revolucionou o ensino primário onde atuou de 1890 até 1896, quando retornou aos Estados Unidos. Antes de vir ao Brasil, havia sido diretora de uma escola normal em Saint Louis, Massachusetts (MARCÍLIO, 2005).
42
Figura 2: Escola-Modelo do Carmo, anexa à Escola Normal de São Paulo.
Fonte: Annuário do Ensino do Estado de São Paulo 1907-1908. Arquivo Público do Estado.
Com a dedicação de Caetano de Campos, logo as Escolas-Modelo
começaram a se multiplicar, vindo a surgir a Escola da Praça da República em 1894,
que mais tarde receberia seu nome; Prudente de Morais e Maria José, ambas em
1895. Os melhores alunos das Escolas-Modelo tornaram-se influentes no ensino
paulista, editando livros, revistas e periódicos educacionais. Alguns deles
apareceriam na Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado
Público de São Paulo (REVISTA DO ENSINO, 1902-1918).
Um ex-aluno relata suas memórias sobre o primeiro dia de aula na Escola-
Modelo da Praça da República: A escola era bem organizada. Cesário Mota, Caetano de Campos, Miss Brown, norte-americana que vivera alguns anos no Rio de Janeiro, tinham modernizado o ensino. Os professores amavam a tarefa. Ensinava-se bem. Cartilha das mães de Arnaldo Barreto, (...).Pauzinhos do tamanho de meios-palitos, para aprendizagem de somas e subtrações. Cartões em cores variadas, de formas triangulares, poligonais para geometria. Pequenos cubos, cones, pirâmides, cilindros de madeira para geometria no espaço. Cartões de cortes longitudinais paralelos e fitas estreitas de papel de cor, lustroso, para tecer sobre os cartões, como nos tapetes dos índios americanos, e nos ornatos mouros e egípcios [grifos nossos] (AMERICANO, apud MARCÍLIO, 2005, p. 168).22
22 Segundo Maria Luiza Marcílio (2005), o depoimento são memórias de Jorge Americano.
43
Já se começava a moldar uma Escola Primária diferente daquela existente
no Império. O sistema antigo a cargo de um único professor, sem uma metodologia
testada e sistematizada, deveria ser substituído pelo novo modelo. Era este o
assunto em discussão na Câmara dos Deputados e o objetivo de Caetano de
Campos, fazer surgir uma escola renovada e organizada, inspirada nos países mais
desenvolvidos da Europa e Estados Unidos da América do Norte.
Com a Reforma da Instrução Pública iniciada por Bernardino de Campos
(1892-1893), a Lei 169, de 7 de setembro de 1893, cria definitivamente os Grupos
Escolares na capital e nos diversos municípios paulistas (MARCÍLIO, 2005).
Inicialmente chamadas de Escolas Centrais, compunha-se da reunião de
diversas escolas que funcionavam num mesmo bairro, em um único prédio,
seguindo os parâmetros e experiências pedagógicas das Escolas-Modelo. Tanto as
Escolas-Modelo como os Grupos Escolares foram criados praticamente juntos,
atendendo a mesma Lei 169 (ANNUÁRIO, 1907-1908).
A implantação dos Grupos Escolares enfrentou problemas como a falta de
professores qualificados, prédios prontos devidamente preparados e equipados para
o ensino, exigindo que os professores contratados que não fossem normalistas
frequentassem, pelo menos uma vez por semana, uma aula em uma das Escolas-
Modelo da capital (ANNUÁRIO, 1907-1908).
Quanto aos prédios, muitos foram alugados, sendo alguns residências
adaptadas, enquanto o Governo encomendava as construções nos escritórios do
renomado arquiteto Ramos de Azevedo (MARCÍLIO, 2005, p. 178-179).
Figura 3: Escola Normal da Praça da República.
Fonte: Annuário do Ensino do Estado de São Paulo 1907-1908. Arquivo Público do Estado.
44
Entretanto, estas dificuldades não tiraram o brilho dessa empreitada, nem
desanimaram o povo paulista. Os esforços eram concentrados para atender as
necessidades básicas do empreendimento, buscando os recursos financeiros. Os
professores passaram a ser mais valorizados. Havia um diretor que assumia a
responsabilidade e o comando da unidade escolar, uma nova posição social,
respeitável e admirada. Os salários privilegiavam os normalistas e professores que
passavam pelas Escolas-Modelo (MARCÍLIO, 2005).
Um relatório do Secretário dos Negócios do Interior e da Justiça de 1904
dizia: Edifícios apropriados, móveis adequados, professores capazes, disciplina rigorosa, direção inteligente, de par com assídua vigilância e metódica distribuição do ensino, permite contar, entre os melhores, os serviços desses estabelecimentos à causa da instrução pública do Estado (apud MARCÍLIO, p. 169).
O entusiasmo e o apreço com que a população enxergava os Grupos
Escolares eram visíveis. Segundo o Annuário do Ensino do Estado de São Paulo
(1907-1908), em 1896 existiam 29 Grupos Escolares instalados e 7 em vias de
instalação, e, em 1908, atingia a marca de 78 unidades educacionais em todo o
Estado, 17 só na Capital.
As Escolas Isoladas ainda permaneceram durante a implantação dos
Grupos Escolares, não só porque havia uma carência de vagas para o Ensino
Primário, mas também porque o Estado não podia atender à demanda. No entanto,
quando comparadas com os Grupos Escolares, sua organização e recursos, as
Escolas Isoladas passaram a ser vistas de forma pejorativa como escolas de bairro
ou escolinhas rurais (SOUZA, 2008, p. 46). As Escolas Isoladas continuavam com
carências e dificuldades que já traziam do período imperial, e não se pode negar a
importância de sua existência, pois atendiam uma população mais distante dos
grandes centros e mais carente (MARCÍLIO, 2005).
Uma das formas de tentar resolver a questão das Escolas Isoladas foi a
criação das Escolas Reunidas. Compunham-se do agrupamento de diversas Escolas
Isoladas de uma mesma região em um único prédio, mas sem a organização
administrativa e curricular dos Grupos Escolares. Uma escola de baixo custo que,
por fim, acabaria sendo convertida, mais tarde, em Grupo Escolar (MARCÍLIO,
2005).
45
Apesar do esforço do Estado, os currículos ainda não eram uniformes entre
as unidades escolares. Com a criação dos Anuários das Inspetorias de Ensino, em
1907, os relatórios estatísticos e sugestões sobre os rumos da educação paulista,
essas diferenças foram evidenciadas, logo, era possível dar direção e buscar esta
uniformidade, mediante a indicação de currículos e padronização de materiais
didáticos. São Paulo, dessa forma, media o progresso das unidades e também a
qualidade do ensino em geral, na Capital e interior do Estado (ANNUÁRIO, 1907-
1908).
Com o objetivo de atender a demanda e o melhor aproveitamento dos
prédios escolares, foram criados turnos, em dois períodos em 1908, inicialmente de
quatro horas cada e posteriormente de três horas cada em 1928, visando preservar
a saúde das crianças. Ainda assim, das 40.256 crianças da Capital apenas 24,5%
estavam matriculadas em 1908 (ANNUÁRIO, 1907-1908).
3.3 AS REFORMAS EDUCACIONAIS E A GEOMETRIA
A Lei 88, de setembro de 1892, aprovada pelo então presidente do Estado
de São Paulo, Dr. Bernardino de Campos, propunha a Reforma da Instrução Pública
do Estado. Estabelecia a criação do Ensino Primário dividido em preliminar e
complementar. O preliminar para crianças de 7 a 12 anos e o complementar para as
crianças que tivessem sido aprovadas no ensino preliminar. Reforçado com o
Decreto 144-B, de 30 de dezembro, o currículo de Geometria se apresentava como:
Geometria Prática (Taquimetria) para desenvolver noções necessárias para
medições de superfícies e volumes23 (SOUZA, 2008).
A Revista de Ensino de 1904 publicou o currículo aprovado por Bernardino
de Campos por meio do Decreto n.º 1.217, de 29 de abril. Dessa edição extraímos
apenas os currículos referentes à Disciplina de Geometria direcionada aos Grupos
Escolares e Escolas-Modelo:
23 Regulamento da Instrução Pública do Estado, Decreto n.º 144-B, de 30 de dezembro de 1892 assinado por Dr. Bernardino de Campos, Presidente do Estado (apud SOUZA, 2008, p. 51).
46
Figura 4: Currículos de Geometria impressos na Revista de Ensino de 1904.
Fonte: Acervo Faculdade de Educação da USP. Biblioteca Central.
47
Outras alterações do programa de ensino ocorreram no Decreto n.º 1.281,
de 24 de abril de 1905; Decreto n.º 2.005, de 12 de fevereiro de 1911; Decreto
2.225, de abril de 1912; Decreto n.º 2.944, de 8 de agosto de 1918; e no Ato de 19
de fevereiro de 1925, mas nada significativos em relação ao ensino de Geometria,
alterando, quando muito, a sequência dos temas abordados e o tempo de duração
do ensino preliminar (SILVA, 2008).
As Reformas de Ensino do Governo Federal nada contribuíram para o
Ensino Primário do Estado de São Paulo. O Código Epitácio Pessoa de 1901 retirou
as disciplinas a Biologia, a Sociologia e Moral, mas incluiu a Lógica, seguindo mais
nitidamente na direção positivista; pregava a educação seriada, mas não exigia
comprovação do curso, permitindo o acesso por meio de exames preparatórios aos
cursos superiores (SOUZA, 2008). A Lei Orgânica do Ensino Superior e
Fundamental de 1911, de Rivadávia Corrêa24, durante o Governo do Marechal
Hermes da Fonseca, eliminava o vínculo entre as escolas, permitindo a eleição de
um diretor entre os próprios professores. Esse excesso de liberdade distanciava a
possibilidade de padronização de um currículo, além de eliminar exigências de
diploma de Ensino de Secundário, voltando a prevalecer os exames de admissão
para o Ensino Superior (ROMANELLI, 2005).
A Reforma Maximiliano, de 1915, tentou dar ordem ao sistema educacional
brasileiro. Tornou obrigatória a seriação e regulamentou os exames de acordo com a
série em que o aluno se encontrava, só permitindo seu avanço quando cumprida
cada etapa. O rigor dessa Reforma seguia a orientação do modelo europeu e se
expressava com mais força no vestibular para os cursos superiores (ROMANELLI,
2005).
No Governo de Arthur Bernardes, em 1925, houve a Reforma Rocha Vaz,
que buscava eliminar definitivamente os exames parcelados ou preparatórios,
tentando fundamentar normas e regulamentos para o ensino. Rocha Vaz tinha o
objetivo de instalar irrevogavelmente o ensino seriado, dificultando o acesso aos
outros níveis, senão pela qualificação em cada etapa. A particularidade que merece
destaque dessa reforma é a preocupação com o Ensino Secundário, que passava a
ter duração de cinco anos e devia ser aplicado na preparação do aluno para a vida,
e não para o Ensino Superior. Logo se percebeu que esta medida moralizadora
24 Rivadavia da Cunha Corrêa (1866 – 1920), jurista, foi Ministro da Justiça e Negócios Interiores, órgão responsável pela Educação no Governo do Marechal Hermes, entre 1910 e 1913.
48
surtiria pouco efeito, porque em 1929 ainda havia escolas que admitiam seus alunos
por meio de exames preparatórios.
O fato de essas reformas pouco inferirem no programa de ensino, pela
condição de serem medidas puramente administrativas tomadas pelo Governo
Federal, provocou um atraso significativo nas questões de organização do modelo
educacional nacional. Ditados ainda pelas oligarquias políticas do café, os privilégios
das elites permaneciam garantidos (ROMANELLI, 2005).
A população trazia ainda em sua cultura a preocupação em se associar a
uma educação para o trabalho, característica vinculada à classe dominada,
enraizada pela elite dominante desde o Brasil Colônia. Logo, enxergava com muita
dificuldade que mudanças no modelo educacional permitiriam acesso a níveis
sociais mais altos.
O Estado de São Paulo, em franco desenvolvimento industrial e comercial,
carecia de mão de obra preparada, e por esta razão a educação representava a
possibilidade de oportunidade de emprego nos grandes centros. Neste período de
mudança política, iniciava-se um processo de alfabetização marcado pela
organização do ensino por intermédio dos Grupos Escolares. A sociedade participou
desta mudança exigindo do poder público, colaborando na sua implantação e,
principalmente, valorizando o modelo apresentado. O ensino deveria estar atento às
necessidades desse desenvolvimento, e, como parte integrante do currículo, a
Geometria deveria corresponder àquela expectativa.
Após apresentação deste panorama geral do Ensino Primário brasileiro do
final do século XIX ao início do século XX, intenta-se, por meio de análises das
fontes anteriormente citadas, descrever a Geometria trabalhada nos Grupos
Escolares. O que se ensinava, ou se propunha ensinar, sobre Geometria naquele
tempo?
49
4 OS MATERIAIS DIDÁTICOS ANALISADOS
O acesso aos materiais do Ensino Primário, no período estudado (1890-
1930), estava restrito aos professores, sendo permitido o uso de livros e manuais de
Aritmética pelos alunos em classe. A criança poderia fazer anotações e registros,
porém era aconselhado que o material fosse recolhido ao fim da aula ficando na
posse do professor. Assim, o livro didático, os manuais e outras publicações,
concernentes ao ensino de Geometria, estavam direcionados exclusivamente aos
professores. Esses materiais eram fornecidos durante os cursos nas Escolas
Normais da cidade de São Paulo e também pelo Governo do Estado para uso
durante a formação dos professores e para as aulas nos Grupos Escolares
(ANNUÁRIO, 1907-1908).
No caso da Revista de Ensino, publicação subsidiada pelo Governo do
Estado de São Paulo, tanto aos professores associados quanto aos que estavam em
formação, o acesso era possível pela entidade de classe que tinha o objetivo de
alcançar o professorado paulista e também pelo interesse do Estado em divulgar
seus decretos e avisos por meio dela.
Outros recursos didáticos de manipulação, como peças e conjuntos de
pranchas para o desenvolvimento intuitivo, conhecido como Lições de Coisas, eram
pouco trabalhados pelos professores, uma vez que nem todos os professores tinham
acesso a essas pranchas, bem como, provavelmente, não conheciam o método para
trabalhar com esses materiais.
Segundo Marcílio (2005), [...] o método não estava plenamente assimilado, nem mesmo pelos seus defensores, que não dispunham de obras completas de Pestalozzi, nem de muito conhecimento concreto da aplicação do método em outros países. Além disso, o método exigia abundante material didático para ser aplicado, o que nem sempre era fornecido. O mestre deveria recorrer menos à palavra e mais à observação, através dos sentidos, o que exigia novas “linguagens” pela manipulação dos objetos e a observação da criança. Para todas as disciplinas eram precisos materiais: compassos, réguas, tabuinhas, contadores, caixas de formas geométricas, abecedários, ardósias25, cadernos de desenho, de caligrafia, globos terrestres, esferas, estampas [...] (p. 184).
25 Ardósia ou pedra era uma espécie de pequena lousa de ardósia circundada com estrutura de madeira usada para escrever ou desenhar durante as aulas. Vide imagem em Anexos.
50
A utilização de instrumentos como réguas e compasso é inquestionável para
o ensino de Geometria, porém não está no foro desta pesquisa porque se
aproximava muito do ensino de Desenho. Trabalhos manuais começavam pela
construção de figuras em papel empregando-se esses instrumentos, sem, contudo,
transmitir conceitos específicos de Geometria. Algumas provas foram encontradas
que fizeram o uso destes instrumentos para o ensino de Geometria, mas isso não
era uma constante, tendo em vista a dificuldade de conseguir estes recursos. Uma
de nossas provas apresentadas mais adiante, inclusive, faz uma construção
geométrica usando desenho à mão livre.26
O Annuário do Ensino do Estado de São Paulo, em edição de 1907-1908, à
página 392, indica os livros didáticos e manuais recomendados, além das
Publicações Pedagógicas reconhecidas. Dentre os itens relacionados à Geometria
encontram-se:
Primeiras noções de geometria prática – de Olavo Freire
Elementos de geometria – de Sabino Cruz
Lições de geometria prática – de Gabriel Prestes
Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado Público
de São Paulo.
Para este estudo, entretanto, foram utilizadas as obras de Olavo Freire (19--
?) e César Borges (1882), a Revista de Ensino e algumas provas de alunos do
Ensino Primário do período entre 1890 e 1930. É nesse entrecruzamento de fontes –
manuais didáticos, publicações em revistas e provas – que intentamos verificar como
a Geometria era ensinada no Ensino Primário no período compreendido entre 1890
e 1930.
4.1 A REVISTA DE ENSINO: CONTRIBUIÇÕES DE ANTONIO PENNA
Revista subsidiada pelo Governo do Estado de São Paulo27, elaborada a
partir de 1901, obteve finalmente sua primeira edição em abril de 1902 e encerrou
suas atividades em 1918. Direcionada à classe do professorado paulista, como
forma de organização de categoria profissional, propiciava aos associados
informações referentes às alterações da lei, direitos e informações relativas à 26 Vide Figura 23, p.85. 27 Impresso na Tipografia do Diário Oficial do Governo do Estado de São Paulo.
51
educação. Eram oferecidas gratuitamente aos professores, bastando vincularem-se
à associação que contava inicialmente com 320 sócios no Estado de São Paulo –
110 só na Capital, em 1902. A aquisição da publicação também podia ser feita por
assinatura para outros interessados. Associados e assinantes podiam ser
colaboradores da Revista cabendo ao redator-chefe selecionar e autorizar as
publicações.
A Revista de Ensino até 1907 era editada bimestralmente, alterando para
trimestralmente até seu fechamento em 1918. Suas páginas eram numeradas
sequencialmente, até completar o ano editorial que se iniciava em abril. Assim, no
ano de 1902, a revista teve seis edições, atingindo um total geral de 1.649 páginas.
Durante sua existência, o número de edições anuais foi irregular em virtude de
problemas financeiros, agravados por dissidências com o Governo do Estado que
subsidiou a impressão da Revista nos anos de 1902 até 1904. Entre 1905 e 1910,
sua periodicidade ficou comprometida quando a Revista tentou sobreviver às suas
próprias custas, aumentando o intervalo entre as edições e finalmente
interrompendo a publicação em 1910. Em 1911, voltou a receber subsídios do
Governo do Estado até seu encerramento em 1918. Conforme Gualtiere (2011): No editorial da Revista número 3 de 1916, é possível ler que a tiragem estava em 3.000 exemplares e há um pedido ao governo do Estado para aumentar esse número e, com isso, permitir que continuasse a ser distribuída gratuitamente aos professores das mais longínquas escolas isoladas do Estado (GUALTIERE, 2011, p. 2).
Em seus fascículos podem ser observados os caminhos percorridos pelos
professores paulistas, os rumos da educação e os conflitos no período estudado. Na
Revista discutiam-se as metodologias, os pesquisadores da educação e as
alterações na legislação referentes à educação. Neles havia orientações destinadas
aos professores paulistas a respeito de seus direitos como profissionais e as faixas
salariais do funcionalismo dos Grupos Escolares e demais escolas.
A Revista defendia veementemente os Grupos Escolares, divulgando os
métodos de ensino por eles propagados em razão do espaço direcionado para estas
instituições em suas páginas, apresentando os novos prédios que eram construídos
com esta finalidade e discutindo as várias disciplinas desenvolvidas por estas
escolas. Na primeira edição, um artigo intitulado Mais Grupos Escolares, de autoria
de Ramon Roca Dordal, assim se expressava: Dentre os nossos diversos typos de escolas, destaca-se como a que mais póde satisfazer as condições necessárias de economia e bons resultados –
52
O Grupo Escolar. [...] A nossa Câmara Municipal deve, pois, oferecer o auxílio que mais facilmente pode actualmente prestar, patenteando assim que deseja dar o exemplo ás outras municipalidades, cooperando para a realização desta aspiração geral – mais grupos escolares (REVISTA DE ENSINO, 1902, p. 29-32).
A Revista era composta e dirigida por uma diretoria formada por nomes
reconhecidos na educação, ex-normalistas de destaque, do tempo da Escola Normal
do Carmo, autores de compêndios e manuais que foram utilizados nos Grupos
Escolares. Em 1902, o primeiro redator-chefe da Revista foi Arnaldo de Oliveira
Barreto, ex-aluno da Escola Normal do Carmo e autor de manuais de leitura infantil.
Acompanhando o redator-chefe, essa diretoria tinha Romão Puiggari como redator
secretário, e como redatores efetivos, Joaquim Luiz de Brito, João Pinto e Silva,
João Lourenço Rodrigues, João Chrysostomo B. dos Reis Junior, Alfredo Bresser da
Silveira, Emilio Mario Arantes, Ramon Roca Dordal, todos responsáveis pela
elaboração, revisão dos textos e leitura dos materiais enviados para aquele
periódico (REVISTA DE ENSINO, 1902).
Os assuntos dentro da Revista, na edição n.º 1, de abril de 1902, achavam-
se assim distribuídos: questões gerais, abordando temas pedagógicos fornecidos
pela Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo; Pedagogia
prática; Literatura infantil; Crítica sobre trabalhos escolares; Hinos; Movimento
associativo; Atos oficiais; Notícias e anúncios.
Figura 5: Resumo dos assuntos apresentados impresso na parte interna da Revista de Ensino, 1902.
Fonte: Acervo Faculdade de Educação da USP. Biblioteca Paulo Borroul.
53
A Revista continha sugestões de aulas de diversas disciplinas como
Arithmética, Physiografia, Chimica, História da Civilização, além de Literatura Infantil,
Música, Gymnastica e Ensino Militar, e na seção de Pedagogia Prática se
encontravam as aulas de Geometria (REVISTA DE ENSINO, 1902).
Os planos de Pedagogia Prática sobre Geometria eram apresentados como
sugestão de aulas a serem ministradas nas escolas, principalmente para os Grupos
Escolares e Escolas Reunidas, dirigidas ao Ensino Primário. Traziam unicamente a
denominação de aula, sendo numeradas, de forma sequencial, somente alertando
ao leitor a mudança de ano, continuando, entretanto, a numeração anterior.
Não foi possível conseguir anotações de aulas feitas por professores que
nos permitissem comparar com o plano seguido pela Revista até 1904, porém o
responsável pela apresentação desse plano na Revista desculpou-se por não estar
seguindo exatamente a ordem que lhes era indicado seguir: Não estamos seguindo á risca o programa dos nossos Grupos, porque no nosso modo de ver esta matéria [referia-se ao estudo das figuras geométricas na aula 17] está mal distribuída pelos diferentes annos escolares (PENNA, apud REVISTA DE ENSINO, 1903, p. 143).
Essa observação nos faz inferir que o currículo apresentado na Revista,
provavelmente não condizia com aquele trabalhado pelos professores na escola.
Cumpre lembrar que no Relatório de João Lourenço Rodrigues, Inspetor
Geral do Ensino do Estado de São Paulo, publicado no Annuário do Ensino do
Estado de São Paulo 1907-1908, já se discutia, desde 1898, a falta de uniformidade
no ensino das escolas paulistas. Este era, inclusive, o principal argumento para
justificar a importância da Inspetoria de Ensino.
Portanto, expomos uma síntese de cada aula apresentada na Revista de
Ensino, procurando evidenciar o que era sugerido para ser ensinado e o modo de
fazê-lo.
A primeira aula de Geometria aparece na edição de número 3, de agosto de
1902. Foi elaborada por Antonio Penna28 por meio de um diálogo com os alunos do
primeiro ano, e propunha discutir os conceitos de linhas.
O aluno é conduzido a reconhecer intuitivamente linhas retas, quebradas e
curvas pela comparação com móveis e objetos na classe e fora dela.
28 Antonio Penna foi diretor do Grupo Escolar de Santa Efigênia e tesoureiro da Revista de 1903 a 1904.
54
No trecho que destacamos a seguir, à página 413, Penna acrescenta uma
associação prática do conhecimento em desenvolvimento. Para tanto, o autor utiliza-
se do recurso de uma exposição dialogada entre professor e aluno.
Por meio de perguntas, o aluno é instigado a participar da aula, cujo
desenvolvimento culmina de modo a fazer com que o aluno perceba a importância
da Geometria nas ações cotidianas:
Figura 6: Aula de Geometria de Antonio Penna, Revista de Ensino de 1902.29 Fonte: Acervo Faculdade de Educação da USP. Biblioteca Central.
Em seguida, Penna dá prosseguimento à aula, conduzindo os alunos para a
compreensão de linhas retas, curvas e quebradas, contínuas, interrompidas e
pontuadas. O autor ainda sugere aos seus leitores que tomem cuidado em não
ministrar, naquele momento, as características de posição, horizontal, vertical e
inclinada, até que seus alunos dominem o conhecimento referente ao tipo de linha.
Alerta igualmente para a possibilidade de o aluno fixar a linha reta em uma única
posição. Expliquemos o emprego destas linhas no mappa. Tenhamos muito cuidado para que as linhas rectas sejam traçadas em todas as posições, para que a creança não pense, como geralmente acontece, que a linha recta só tem a posição horizontal (PENNA, apud REVISTA DO ENSINO,1902, p. 415).
29 Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo, n. 3, p. 413, ago. 1902.
55
Na segunda aula, ainda na mesma seção, a proposta é discutir a ideia de
posição, sempre estabelecendo um diálogo com os alunos e solicitando que eles
participem no quadro-negro. Usa-se novamente a associação com objetos e
instrumentos de trabalho para se estabelecerem claramente as linhas retas
horizontais, verticais e inclinadas. O nível e o prumo, ferramentas profissionais, são
exemplificados de modo que as crianças comparassem as ideias de horizontal e
vertical e uma carteira e uma escada para fazer a mesma comparação com a linha
reta inclinada. Eis como Penna (1902, p. 417) apresenta esse assunto:
Figura 7: Segunda aula de Antonio Penna, Revista de Ensino de 1902.30 Fonte: Acervo Faculdade de Educação da USP. Biblioteca Central.
30 Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo, n. 3, p. 417, ago. 1902.
56
A terceira e quarta aulas são apresentadas no volume n.º 4, de outubro de
1902, a partir da página 661. No mesmo estilo das aulas anteriores, ocorre o
aprofundamento da questão sobre as linhas, agora direcionado para as
perpendiculares, oblíquas e paralelas. Nesta lição, observa-se a dificuldade de
trabalhar sem um conceito de ângulo. A apresentação do autor diz respeito a uma
linha vertical ligada a uma linha horizontal pela base, e depois são mostradas em
várias posições. O autor não discute o conceito de ângulo nesta lição, possivelmente
porque entendia que os alunos, naquela fase, ainda não estavam em condições de
compreender o significado de ângulo reto ou agudo. Sugere que, por meio da
sobreposição de objetos, o professor faça a verificação do que foi apreendido,
conforme se pode constatar: Mostremos todas estas hypotheses as creanças, fazendo linhas perpendiculares em todas as posições imagináveis. Isto será muito importante para que ellas não julguem, como geralmente acontece, que a linha perpendicular só é aquella que, estando vertical, cahe sobre uma outra que está horizontal. Insistamos ainda sobre este ponto, dizendo que tanto é perpendicular a que está de pé, como a que está deitada ou mesmo inclinada e perguntando sempre o porque (PENNA, 1902, p. 662). Procedamos de maneira tal que, depois da perfeita distincção feita pela classe, e depois de dizermos que a linha recebeu o nome de obliqua, a creança possa por si mesma dizer: - Esta linha é obliqua porque pende mais de um lado que de outro. Façamos a experiência do lápis, da caneta e da régua relativamente a linha obliqua (PENNA, apud REVISTA DO ENSINO,1902, p. 663).
A seguir, Penna trabalha com as retas paralelas usando como referência os
trilhos de bonde, de modo que, cortando as linhas paralelas, o professor possa dar
ao aluno a ideia de linhas equidistantes.
A partir da quinta aula, é tratado o conceito de linhas convergentes e
divergentes, quando Penna (1902) sugere o mesmo modo de trabalho para as linhas
côncavas, convexas, sinuosas e reversas.
Penna encerra sua participação no compêndio, afirmando que, com os
assuntos tratados, estaria completa a grade referente ao ensino de Geometria do 1.º
ano dos Grupos Escolares.
Entretanto, mais adiante, Penna verifica que não havia encerrado
definitivamente o estudo.
Assim sendo, retorna na Revista de n.º 5, de dezembro de 1902, justificando
a necessidade de continuar o estudo de retas:
57
Ficou dito no 4.º número de nossa Revista que podíamos dar como terminado o estudo da geometria no 1.º anno, tratando-se das linhas côncavas, convexas, sinuosas, reversas, etc. Achamos, porém, necessário mais algumas lições para completarmos o estudo das linhas. É o que vamos hoje fazer, estudando o processo para medir uma recta, bem como o modo de dividil-a em partes eguaes (PENNA, 1902, p. 846).
A 6.ª aula tem seu início à página 846, quando o autor propõe o conceito de
grandeza sem explicitá-lo, apenas para, por comparação, observar as diferenças
entre padrões de medida, como uma introdução ao assunto principal, que é a
medida e a divisão de retas em partes iguais. Na 7.ª aula, Penna conclui o tema da
divisão da reta, usando instrumentos, régua e compasso, começando com a divisão
ao meio e depois em várias partes iguais. Neste momento, Penna afirma que
concluiu o programa referente ao 1.º ano: Recapitulemos tudo o que temos dito a respeito de linhas, desde a nossa primeira lição, a fim de nos capacitarmos de que a classe esta conhecedora do que foi ensinado no 1.º anno. Será este o nosso trabalho do primeiro mez escolar. Nesta recapitulação deveremos dar um desenvolvimento algum tanto mais detalhado relativamente às linhas, e só então teremos base sólida para o estudo dos ângulos que será a 8.ª lição do nosso modesto trabalho, ou a 1.ª lição do 2.º anno (PENNA, 1902, p. 851).
Como se pode notar, o diálogo estabelecido entre professor e aluno sugere
que o autor segue o princípio intuitivo, uma vez que, por meio de preleção, procura
conduzir o aluno do conceito mais simples e fácil para o mais difícil e complexo. Só
houve o uso de ferramentas para construção da divisão de retas na última aula do
1.º ano e na recapitulação da primeira aula do 2.º ano, o que configura uma distância
segura da ideia de Prática ou Desenho.
Na mesma Revista, a de n.º 5, de dezembro de 1902, Penna inicia sua
apresentação para o ensino de Geometria para o 2.º ano do Curso Primário
Preliminar, na aula de número 8, às páginas 851 e 852. O autor solicita ao professor
que seja feita uma revisão das aulas do 1.º ano no primeiro mês do curso, para
depois começar a tratar de ângulos, procurando fazer com que o aluno consiga
identificar os ângulos agudo, obtuso e reto, da seguinte forma: o professor deverá
solicitar a um aluno que fique em pé e levante o braço em diversas posições,
estabelecendo visualmente os ângulos.
Na 9.ª aula, o autor orienta o professor a nomear as partes de um ângulo e
tipos de ângulo: vértice, lado, ângulo reto, agudo e obtuso. Partindo da definição do
ângulo reto, apresentando o esquadro como ferramenta de uso dos pedreiros e
58
carpinteiros, o professor conduz os alunos à definição dos demais ângulos por
comparação. Antonio Penna encerra a aula demonstrando a ideia de ângulos
adjacentes.
A próxima aula aparece na 6.ª Revista, a partir da página 1.060.
Trabalhando ainda o conceito de ângulo adjacente, pela primeira vez o autor
explicita um conceito quando trata dos ângulos suplementares. Nas palavras de
Penna: “Os angulos, construídos em torno de um ponto acima ou abaixo de uma
recta, valem em somma 2 angulos rectos” (PENNA, apud REVISTA DE ENSINO,
1902, p. 061).
Figura 8: Aula sobre ângulos de Antonio Penna, Revista de Ensino, 1902.31 Fonte: Acervo Faculdade de Educação da USP – Biblioteca Central.
Antonio Penna prossegue com esse tema, e na aula 11.ª conceitua o termo
opostos, insistindo que o professor deveria pedir aos alunos que repitam a seguinte
sentença: “Os angulos construídos em torno de um ponto, acima e abaixo de uma
recta, valem em somma 4 angulos rectos” (PENNA, apud REVISTA DE
ENSINO,1902, p. 1063).
31 Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo, n. 6, p. 1061, fev. 1902.
59
Nessa aula, pela primeira vez aparece a palavra “grau”, porém ainda sem
explicação sobre seu significado.
No estudo seguinte, 12.ª lição, além de se enfatizar sobre a necessidade do
uso de transferidor pelos alunos, os graus já começam a ser trabalhados durante o
desenvolvimento das ideias de ângulo suplementar e complementar. Penna conclui
a lição sugerindo uma série de questionamentos para verificação do que foi
apreendido. Nota-se que até agora não são apresentados exercícios de fixação,
além do aplicado pelas perguntas em classe, trabalhando a construção do
conhecimento pelo próprio aluno.
Figura 9: 12.ª aula de Antonio Penna, Revista de Ensino de 1902.32 Fonte: Acervo Faculdade de Educação da USP. Biblioteca Central. Em breve resumo na 13.ª aula, Penna encerra o assunto dos ângulos e
passa a desenvolver o conhecimento sobre os triângulos (apud REVISTA DE
ENSINO, 1903). O tema é bastante explorado na 14.ª aula com as definições de
triângulos quanto à natureza dos lados: retilíneos, curvilíneos (côncavos e convexos)
32 Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo, n. 6, p. 1063, fev. 1902.
60
e mixtilíneos; quanto à natureza dos ângulos: retângulos, acutângulos e
obtusângulos; quanto à natureza dos lados: equiláteros, isósceles e escalenos.
Penna revela preocupação com a quantidade de informações ao explicar que estas
aulas podem ser dadas de forma mais parcelada que a apresentada, e deixa
suspensa, para uma demonstração somente para os alunos do 3.º ano primário, a
afirmação de que “a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180º”. Na 15.ª
lição, o professor define base e altura de triângulos, procurando destacar todas as
características encontradas em diversos tipos de triângulos. Por fim, na aula 16.ª,
Penna relaciona todas as definições aprendidas até aquele momento sobre
triângulos (apud REVISTA DE ENSINO, 1903, p. 139).
A proposta da 17.ª aula é introduzir os quadriláteros, e segue utilizando os
mesmos métodos aplicados ao estudo dos triângulos.
Penna continua a apresentação de suas aulas na Revista n.º 3, de 1903, às
páginas 244 a 251; com a utilização de ferramentas, ensina a construção de
triângulos e começa a introduzir a ideia de semelhança de triângulos, sem contudo,
desenvolvê-la. A seguir, começa a tratar da área de quadriláteros e triângulos, e pela
primeira vez fala sobre catetos e hipotenusa. Apresenta ainda as anotações da
didática de um colega da Escola Pública, em 15 de dezembro de 1896, Professor
Gabriel Prestes, que, com o uso de cartões, aplica exercícios para o
desenvolvimento de áreas.33 Acreditamos que, embora o autor não tenha deixado
claro, se tratava aqui de aulas para o 3.º ano primário.
Em dezembro de 1903, na Revista de n.º 5, a Geometria volta a aparecer
nas aulas de Pedagogia Prática, às páginas 460 a 462. Em continuidade aos planos
anteriores, possivelmente para o 4.º ano primário, uma série de exercícios de
verificação é passada e começa a se introduzir a ideia de polígonos com mais de
cinco lados e nomeá-los. Quanto à maneira de construí-los, Penna destaca que
estão perfeitamente explicados no livro de Olavo Freire.
Na Revista de n.º 1 de abril de 1904, na aula 26.ª, p. 19-20, são introduzidas
as definições de circunferência, raio, diâmetro, e é feita uma indicação pelo autor
para que os professores deem continuidade ao estudo incluindo-se tangente,
secante, corda, flecha, arco, zona, setor, segmento etc.
33 Os cartões referidos por Penna dizem respeito a uma espécie de dobradura, mas com figuras geométricas que são desenhadas, cortadas e montadas, possibilitando a visualização e construção de sólidos geométricos com papel cartão (REVISTA DE ENSINO, 1903, p. 231).
61
Penna considera encerrada sua participação na Revista com o tema
Geometria Plana, e aconselha os professores que sigam, a partir daquele momento,
o livro de Olavo Freire para o ensino sobre as áreas de diversas figuras. O Professor
Antonio Pena justifica as 26 aulas apresentadas na Revista como uma sugestão de
plano de aula e confirma a orientação em relação ao programa de Geometria nos
Grupos Escolares: Não tivemos a pretensão de ter descoberto a pólvora, dando publicidade na Revista ao methodo de ensino de geometria plana por nós imaginado; apenas procurámos auxiliar os novéis collegas, principalmente os do interior na transmissão desta matéria que faz parte do programma organizado para as escolas preliminares do Estado de S. Paulo (PENNA, apud REVISTA DE ENSINO, 1904, p. 20).
A Revista ainda trabalha com cartões, estando a aula de cartonagem
vinculada à disciplina de Atividades Manuais. Em virtude da necessidade do
conhecimento de Desenho Geométrico para construir as figuras, os cartões são
indicados principalmente para os alunos a partir do 3.º ano. Antes disso, os alunos
recebem as figuras prontas, já desenhadas para recortar e montar, nas aulas de
Atividades Manuais (REVISTA DE ENSINO, 1903). Esse tema, porém, não é objeto
de nosso estudo, pois está ligado a Desenho, sem compromisso direto com os
conceitos geométricos.
Mais adiante, nas revistas posteriores, Antonio Penna retorna com suas
aulas de Geometria, agora acrescentando que estas são resultado de anotações
suas sobre as aulas recebidas, em tempo de normalista, quando aluno do Professor
Godofredo Furtado, entre 1885 e 1887. Não há indicação das séries a que se
destinam estas aulas, porém são totalmente diferentes do estilo anterior, os ensinos
são condensados e diretos. Penna relaciona uma série de definições, cuidando das
ideias de plano, ponto e reta e medidas de figuras geométricas (REVISTA DE
ENSINO, 1904).
Acreditamos que esses conceitos estavam sendo apresentados para o
conhecimento dos professores. Embora estivessem presentes no currículo, alguns
elementos foram cobrados dos alunos do 4.º ano primário, como poderemos
confirmar pela observação dos exames finais que discutiremos mais adiante.
As aulas de Penna, desse ponto em diante, seguem um roteiro mais
conceitual e de demonstração, tornando-se mais axiomático e nem um pouco
62
intuitivo, e, finalmente, o autor encerra sua participação na Revista na edição de
número 5, de outubro de 1905.
Antonio Penna foi um colaborador ativo da Revista para o ensino de
Geometria. Pelo alcance da Revista no Estado de São Paulo, Penna pode ter
contribuído muito para a orientação das escolas mais distantes dos grandes centros,
Grupos Escolares em formação, com professores recém-saídos das Escolas-Modelo
ou aproveitados das Escolas Isoladas com suas aulas em Pedagogia Prática de
Geometria.
4.2 DESENHO LINEAR OU ELEMENTOS DE GEOMETRIA PRÁTICA POPULAR
DE ABÍLIO CÉSAR BORGES
Abílio César Borges,34 ou Barão de Macahubas, era médico e educador
baiano. A contribuição de Borges à educação brasileira foi muito significativa,
principalmente no tocante ao Ensino Primário em tempos do Império. Abriu escolas,
desenvolveu método próprio para alfabetização de crianças, editou livros de leitura e
até traduziu, adaptou e produziu a edição Escolar de “Lusíadas de Camões” para
crianças, em 1879 (TRINCHÃO, 2007).
Embora os livros de Borges tivessem sido escritos ainda no período imperial
e destinados à Capital da Corte e demais Províncias, é possível que tenham
circulado nas Escolas Normais no Estado de São Paulo antes e até ainda depois da
Proclamação da República. O autor é citado na Revista de Ensino de 1902, em um
artigo de João Bellegarde, intitulado Um bom livro: Nada há a explorar nesse gênero de livros infantis, consubstanciando pela inolvidável colleção produzida pelo gênio educativo do benemérito brasileiro Abílio César Borges a quem o Brasil deve relevantes serviços prestados a instrução popular, – e á sua memória, ainda hoje um penhor que embleme a veneração de um povo, que concretise a gratidão de uma classe ao maior pedagogo que o paiz tem produzido, illustre Bahiano que tanto se esforçou pela elevação moral e intellectual da mocidade brasileira (apud REVISTA DE ENSINO, 1902, p. 83-84).
Borges escreveu dois livros sobre Geometria. O primeiro, em 1878,
chamado Desenho linear ou elementos de Geometria prática popular, seguidos de
algumas noções de Agrimensura, Stereometria e Architectura para uso das Escolas 34 Dr. Abílio César Borges, Bahia, nasceu em 09.09.1824 e faleceu em 17.01.1891. Diretor da Instrução Pública da Bahia em 1856. Fundou o Ginásio Bahiano em 1857 e o Colégio Abílio em 1870. Membro do Conselho Diretor de Instrução do Município da Corte.
63
primarias e normaes, dos Liceus e Collegios, dos cursos de adultos e em geral dos
artistas e operários em qualquer ramo de indústria. O segundo livro foi editado em
1882, sendo uma versão reduzida do primeiro, adicionado o subtítulo “Primeira
Parte”. O autor reduziu o primeiro livro, atendendo à solicitação dos colegas da
educação, que alegavam que o volume de 1878 era muito extenso para ser
implantado no ensino primário na sua totalidade, como ele mesmo afirma no prólogo
da segunda edição: Attendendo ás sensatas observações de muitos professores e de alguns Collegas educadores e Inspectores de instrucção, sobre ser o meu compêndio de Geometria Popular extenso demais para ter a conveniente applicação no geral das escolas, e ser nellas profundamente distribuído, visto como nas mesmas escolas só poderia ser regularmente utilizada a primeira metade della, resolvi dar sob título de Primeira Parte um extracto da obra exclusivamente apropriado ás escolas primárias de todos os gráos, [...] (BORGES, 1882, p. vi).
O exemplar que encontramos é da 21.ª edição, de 1882, e foi impresso na
Typographia Aillaud, de Paris, para a Livraria Francisco Alves; mede 11 cm x 18 cm,
contendo 100 páginas. Figura 10: Capa do livro de Abílio Cesar Borges, 1882.
Fonte: Acervo da Biblioteca do Livro Didático da USP.
64
Na capa e na página iii aparecem as credenciais do autor em destaque:
Dr. Abílio Cesar Borges, Barão de Macahubas, ex-Director geral dos estudos da província da Bahia, ex-membro do Conselho Superior de Instrucção Pública da Corte, Sócio Effectivo do Instituto Histórico e Geographico brasileiro, e correspondente das Sociedades Geographicas de Paris, de Bruxellas e de Buenos Ayres, da Sociedade dos Amigos da Instrucção Popular de Montevideo, da sociedade parisiense para o Desenvolvimento da Instrucção Primária, fundador da Sociedade Propagadora da Instrucção do Rio de Janeiro, do Collegio Abílio do Districto Federal e do de Barbacena, etc. (BORGES, 1882, capa e p.iii).
O livro é numerado de forma diferenciada a partir da capa, iniciando em
algarismos romanos até página XXX, visíveis apenas a partir da sexta página e
desaparecendo na trigésima, reiniciando em algarismos indo-arábicos, quando a
disciplina de Geometria começa a ser apresentada, chegando até a página 86. Ao
fim do volume são reservadas 16 páginas denominadas Exercícios Graphicos, não
numeradas, e, em seguida, o Índice.
A parte inicial do livro é destinada ao prólogo, introdução e cartas, enquanto
a central é reservada ao ensino de Geometria, ficando as últimas para a prática de
desenho com instrumentos.
O prólogo, como já comentamos, é uma justificativa da redução do primeiro
volume, atendendo aos pedidos dos professores. A introdução é a mesma editada
no primeiro volume e nela Borges justifica seu chamado para a construção do livro
de Desenho Linear ou Geométrico para a Instrução Primária da escola pública da
Bahia e nos demais estados do Brasil. Reforça a importância do ensino de Desenho
Geométrico, apresentando posições de educadores internacionais, adicionando
citações à introdução. Borges explica que a primeira parte é destinada aos dois
primeiros anos da Instrução Primária; a segunda e os dois primeiros capítulos da
terceira, aos terceiros e quarto anos da mesma Instrução; a terceira e quarta partes
para as Escolas Normais públicas ou particulares (BORGES, 1878, p. 28). Borges
conclui assim a introdução do primeiro livro:
Enfim, no desenvolvimento do livro procurei seguir, quanto coube e minhas forças, uma marcha naturalmente progressiva, procedendo passo a passo, subindo docemente, como por degráos insensíveis, das ideias mais simples ás mais complicadas, e usando sempre de uma linguagem calculadamente concisa, singela e clara, de modo que qualquer pessoa do povo, sabendo apenas ler, podesse no mesmo encontrar uma instrucção fácil em cousas, como eu acima disse, de tanta utilidade prática em todas as posições sociaes (BORGES, 1882, p. xvii).
65
Na seção de Cartas (p. xix) recebe críticas do Engenheiro Dr. André
Rebouças,35 enviada em 7 de janeiro de 1879, sobre algumas definições, não
especificadas:
Nesta primeira edição escaparam alguns enganos, que será facillimo remediar na segunda; algumas definições poderão, também, ser aperfeiçoadas, pondo-as de acordo com o ensino da geometria superior (BORGES, 1882, p. xxi).
Em resposta enviada em 9 de fevereiro de 1879, Borges somente agradece
a carta recebida, sem indicar se faria alguma mudança no livro.
O ensino de Geometria começa por noções preliminares e segue dividido em
11 capítulos, acompanhados de figuras após cada definição ou conceito
apresentado. Para cada capítulo o autor apresentava a definição dos conceitos, e,
ao final de cada capítulo, acrescentava um questionário para verificação do
aprendizado. Antes de alguns capítulos, é inserido um quadro sinótico dos temas
discutidos no capítulo anterior. Nas páginas 62 e 63 é indicado um conjunto de
particularidades das linhas retas antes de se iniciar o estudo dos sólidos.
Borges escreve seu livro inicialmente para o ensino de Desenho Linear,
porém, ao folhearmos o material, não encontramos detalhes sobre como desenhar
as figuras geométricas, embora o autor inicie seu trabalho apresentando as
ferramentas utilizadas para fazê-lo, como régua T, curvas francesas, o esquadro, o
compasso e o transferidor.36 Somente na apresentação da elipse Borges descreve a
maneira mais fácil de desenhar a figura exemplificando o modo “como fazem os
jardineiros” (1882, p. 56). Também não há nos exercícios propostos solicitação de se
desenhar qualquer figura; apenas questões sobre as definições e conceitos
apresentados.
Em Noções Preliminares, são abordadas as noções de Desenho Linear,
espaço, corpo e superfície. Na página 3, Borges define Geometria como “a parte das
mathematicas que estuda a medida indirecta da extensão, isto é, dos comprimentos
das linhas, das áreas das superfícies, e dos volumes dos espaços” (BORGES, 1882,
p. 3).
No Capítulo I, são comentados os conceitos de ponto e linha. No tocante à
forma, os diversos tipos de linhas são apresentadas (cheias, pontuadas,
35 Engenheiro Dr. André Rebouças era naquele período professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro (VAINFAS, 2002, p. 43-44). 36 “Primeira Parte”, p. 3-4.
66
interrompidas, retas, curvas etc.), seguidas de figuras que permitem sua
visualização. Ao final desse capítulo aparece um questionário, e antes de se iniciar o
Capítulo II é apresentado um resumo das linhas explicitadas, ao qual foi dado o
nome de Quadro Synoptico das linhas (BORGES, 1882, p. 10).
No Capítulo II, Borges segue, tratando das linhas quanto à posição, as linhas
retas horizontal, vertical e inclinada, e as linhas curvas côncavas e convexas. Em
seguida, no Capítulo III, Borges discute as posições relativas das linhas
perpendicular, oblíqua, paralelas, equidistantes, divergentes e convergentes.
Finaliza com um questionário e um quadro sinótico das linhas quanto à sua posição
(p. 19).
Os ângulos começam a ser tratados a partir do Capítulo IV. Inicialmente,
Borges define o que é ângulo, vértice, lado e abertura. Em seguida, discute a
natureza dos ângulos: ângulos retilíneos, curvilíneos e mixtilíneos. Os curvilíneos
são ainda divididos em côncavo, convexo e côncavo-convexo. Quanto à grandeza,
ainda no mesmo capítulo, são apresentados os ângulos reto, agudo e obtuso, e
prossegue relacionando os ângulos entre si: complementares, suplementares,
adjacentes, opostos verticalmente e opostos pelas aberturas. Na página 27, Borges
mostra a representação de uma reta cortada perpendicularmente, onde aparecem os
sinais de construção do compasso, porém não descreve como fazê-lo. Junto à figura
é adicionado o seguinte conceito:
Figura 11: O traçado de uma perpendicular em uma reta AB.37
Fonte: Acervo da Biblioteca do Livro Didático da USP. No questionário que encerra o capítulo IV, a última pergunta, “por que meio
se faz a medida dos ângulos?” (p. 29), nos permite observar que, embora o
transferidor não tenha sido mencionado nesse tópico, deve ter sido utilizado pelo
professor em sala de aula, pois de outra forma o aluno não conseguiria respondê-la.
37 BORGES, 1882, p. 27.
67
No Capítulo V (p. 30) seguem-se as definições de polígonos e também se
apresentam as definições de perímetro e área. Os polígonos são apresentados
conforme o número de lados, regulares, irregulares, inscritos, circunscritos etc.
Alguns termos utilizados nas definições, como no polígono circunscrito, podem
causar alguma dificuldade de compreensão, como se pode observar no uso da
palavra “tangente” e “circunferência”, sem que esses conceitos tivessem sido
comentados nos capítulos anteriores: “Polygonos circumscriptos são aquelles cujos
lados são tangentes a uma circunferência” (BORGES, 1882, p. 33).
Os triângulos são discutidos a partir do Capítulo VI, em que são nomeados
base, vértice e altura, diferenciados conforme seus lados em equilátero, isósceles e
escalenos, e também relativamente aos ângulos e formas. No Capítulo VII os
quadriláteros são apresentados conforme seus lados e ângulos internos, e são
discutidas particularidades dos paralelogramos.
No Capítulo VIII, Borges (1882) apresenta o que chamou de “figuras
formadas por linhas curvas”, como a circunferência, a elipse, o oval, a espiral, a
hélice, a parábola e a hipérbole (p. 47). Identificou as partes da circunferência (neste
capítulo se definem tangente e secante). Da mesma forma, detalhou a elipse, a oval,
a espiral, a hélice, a parábola e a hipérbole. No questionário, pela primeira vez pede
para traçar uma figura, e no quadro sinótico destaca as principais características das
figuras comentadas (p. 61).
Nos Capítulos IX, X e XI discute e apresenta os sólidos, seus nomes, formas
e denominações das partes que os compõem. Assim, trata dos prismas, das
pirâmides, dos cones, do cilindro, da esfera, do elipsoide e do ovoide, encerrando
com particularidades das secções com a apresentação de um cone sendo cortado
em pontos diferentes: Como se vê nas figuras seguintes, sendo um cone cortado por um plano parallelo á base, as secções apresentam figuras circulares; e sendo cortado por planos obliquos, ora as secções apresentam-se com a figura de ellipse, ora com a figura de parábola, ora com a da hiperbole. As secções dos cylindros apresentam algumas figuras idênticas as dos cones (BORGES, 1882, p. 82).
68
Figura 12: Secções aplicadas ao cone.38 Fonte: Acervo da Biblioteca do Livro Didático da USP. Por fim, Borges (1882) encerra o capítulo com apenas duas páginas sobre o
desenvolvimento das superfícies dos sólidos. O autor sugere que o professor deva
possuir em cartões diversos tipos de sólidos desenvolvidos para facilitar o
entendimento do aluno.
Não houve, durante a leitura deste livro, indicação de instrução para
construção das figuras. É provável que Borges reconhecesse que o professor
poderia estar transmitindo esses conhecimentos.
4.3 NOÇÕES DE GEOMETRIA PRÁTICA DE OLAVO FREIRE
Olavo Freire é o autor do livro didático de Geometria aprovado e indicado
pelo Estado de São Paulo para uso nos Grupos Escolares, conforme indica o
Annuário do Ensino de 1907/1908. Noções de geometria prática foi editado pela
primeira vez em 1894, e, segundo Valente, chegou a atingir cerca de 40 edições
(VALENTE, 2000).
Freire foi autor de vários livros pela Francisco Alves, como Arithmetica
intuitiva para os cursos primário, médio e complementar, Atlas de geographia para o
38 BORGES, 1882, p. 81.
69
curso primário, Cadernos de cartographia (coleção de 1 a 6 volumes), Cadernos de
desenho (coleção de 1 a 7 volumes), e seis Cadernos de caligraphia.39
O volume de nossa pesquisa é a 9.ª edição, cuja imagem da contracapa
original apresentamos abaixo:
Figura 13: Contracapa da 9.ª edição do livro de Freire. Fonte: Acervo do autor. Conforme mencionamos, foram feitas muitas edições, e a cada nova edição,
mais exercícios, mais problemas resolvidos e mais gravuras foram sendo
acrescentados. A primeira edição, datada de 1894, continha 318 exercícios, 71
problemas resolvidos e 233 gravuras. A 9.ª edição, publicada pela Francisco Alves &
Cia., se apresenta com 1.080 exercícios, 340 problemas resolvidos e 665 gravuras
em um volume de capa dura, reencadernado, medindo 11,5 cm x 17 cm, com 425
páginas. Foi impresso na Typographia Aillaud de Paris para a Editora Francisco
Alves e Cia.
Infelizmente, no exemplar encontrado, da 9.ª edição, não foi possível
identificar o ano de publicação.
39 Os livros da Editora Francisco Alves traziam em sua última capa a relação dos autores e obras relacionadas como forma de divulgação dos seus produtos. Neste caso, estava presente em nossa edição e nas Revistas de Ensino. Ver também o acervo Núcleo de Pesquisa sobre Livro e História Editorial do Brasil.
70
Depois, em outubro de 1894, Joaquim José de Menezes Vieira escreve o
prefácio do volume, e, nele, não poupa crítica ao autor, sugerindo que buscasse
problemas mais práticos e menos abstratos. Freire responde, em nota de rodapé,
que “publicaria uma série de problemas de caráter essencialmente prático” (FREIRE,
19--?, p. 5) para atender a essas críticas. Todavia, cabe destacar que, na 1.ª edição
do livro, o professor Freire fez uma dedicatória a Menezes Vieira40.
Ainda nas primeiras páginas, porém, evidentemente, a partir da 2.ª edição,
Freire registra os elogios recebidos pela primeira edição do Jornal do Commércio,
em 29 de março de 1895, destacando a importância do ensino de Geometria para as
profissões e as gravuras pertencentes ao primeiro livro: [...] Por elle (referindo-se ao livro), a geometria elementar póde ser ensinada com grande vantagem nas escolas de instrucção primária, e sabem todos quanto o conhecimento da geometria impõe-se hoje a todas as profissões. Como em outros compêndios d’essa sciencia, o livro é ornado de muitas gravuras, cerca de 260, explicativas e exemplificativas. (FREIRE, 19--?, p. 7).
O jornal O Paiz segue na mesma linha de elogios ao primeiro volume, em 7
de abril de 1895, e o jornal paulista O Democrata Federal, em 15 de maio de 1895,
encerra esse conjunto de três opiniões apresentadas no início do volume por Freire.
O Democrata acrescenta um comentário um pouco contraditório em relação ao
Jornal do Commercio ao destacar o que considera como aspecto intuitivo aplicado à
obra de Freire: O livro, compilado pelo sr. Olavo Freire, contém 318 exercícios, 71 problemas e 233 gravuras. Desenvolve intuitivamente todos os elementos indispensaveis aos primeiros conhecimentos de mathematica linear, exemplificando os problemas com boas gravuras elucidativas. Pela sua clareza de exposição e pela distribuição methodica das matérias, torna-se o presente opúsculo um livro de grande utilidade para principiantes, principalmente si considerarmos que no genero, raros são os auctores, que se prestam pela precisão e clareza, á aprendizagem dos jovens estudantes (FREIRE, 19--?, p. 8).
Destinado ao Ensino Primário, o livro apresenta características muito
comuns ao livro de Borges, a começar pela sequência em que os temas são
abordados e a presença de muitas figuras, elogiadas na citação acima.
O volume é composto de 21 capítulos intercalados, e ao fim de cada capítulo
são acrescentados exercícios. Esses exercícios aparecem na forma de problemas
resolvidos e em um questionário. Nas primeiras páginas, ferramentas conhecidas
40 Dr. Joaquim José de Menezes Vieira, médico coeducador (1848-1897). Para conhecer a biografia do Dr. Menezes Vieira ler Pro Patria Laboremus (BASTOS, 2002).
71
são adicionadas como figuras compondo o tema e explicando suas aplicações
práticas. Nos exercícios, o autor dialoga com o aluno, seguindo um modelo muito
parecido com o apresentado por Penna em suas primeiras aulas de Geometria na
Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São
Paulo, como se pode observar no seguinte exemplo: 1. – Arnaldo ! este livro ocupa logar no espaço? que nome recebe? 2. – O que é um corpo? 3. – Dá alguns exemplos de corpos: na aula, no jardim, no pateo, na sala, na rua, no quarto. 4. – Um lápis será um corpo? Porque? (FREIRE, 19--?, p. 10).
O livro começa com conceitos de espaço, corpo, extensão, volume,
superfície, linha e ponto. Ao fim de cada grupo de argumentos aparece uma seção
de exercícios de verificação e Synopses (p.32), aspectos construtivos muito
parecidos com os do livro de Borges e seu Quadro Synoptico (p. 30), porém com
maior volume de exercícios e detalhamento. Comparando o mesmo tema nos dois
volumes, temos:
Figuras 14 e 15: Página 30 do livro de Borges e página 32 do livro de Freire. Fonte: Acervo da Biblioteca do Livro Didático da USP e Acervo do autor.
A divisão dos ângulos conforme sua grandeza, natureza, e em relação à
soma das grandezas apresentada por Freire, permite uma visualização detalhada e
72
relativa sobre o mesmo tema que se mostra de forma generalizada no quadro de
Borges. O que não significa que as orientações de Borges não foram detalhadas
durante o desenvolvimento de seu livro. O mesmo formato explicativo é aplicado por
Freire em todo o seu livro.
Os textos no livro de Freire são intercalados com figuras, inicialmente de
animais e objetos conhecidos do aluno, como ovo, vasos, telha etc. A primeira
associação da geometria relacionada às profissões é comentada à página 14,
quando Freire se utiliza de uma plaina de marceneiro para construir o conceito de
superfície plana. Mais adiante, a partir da página 17 do livro, Freire explica o uso das
linhas retas pelos pedreiros usando prumo, nível e metro. Freire emprega
novamente ferramentas quando discute ângulos, na página 27; mostrando a figura
de um compasso e de uma tesoura, na página 30, com uma foice, uma faca e um
esquadro falso41 na página 34, no Capítulo II. E assim prossegue, em toda
oportunidade, até o final do volume.
A partir do final do Capítulo I, já se começa a fazer uso de régua e
compasso para dividir e construir figuras geométricas, assumindo de vez o caráter
prático da obra. Freire ensina a comparar uma linha reta com a régua, construir uma
circunferência com compasso, medir ângulos usando o transferidor.
A respeito do uso de instrumentos, observamos que, na obra elaborada por
Borges (1882), embora esses instrumentos tenham sido citados, esse autor não
ensina como utilizá-los, como o faz Freire (19--?).
À página 20 do compêndio, Freire acrescenta uma nota explicativa sobre o
metro, a definição, os diversos tipos de instrumentos de medir e até a respeito dos
múltiplos e submúltiplos da unidade.
O livro de Freire é dividido em duas partes: A primeira parte trata da
Geometria Plana, que vai do Capítulo I até o Capítulo XII, dos conceitos da
Geometria Plana até áreas dos polígonos; a segunda parte cuida da Geometria
Espacial, que vai do Capítulo XIII até o XXI, do conceito de plano até hipérbole.
No início de cada capítulo é colocado um sumário sobre os assuntos que
serão discutidos. No Capítulo I, Freire adiciona o subtítulo “Primeiras definições”, e
41 Esquadro falso, ou suta, é um instrumento composto de duas hastes de madeira fixadas em um ponto ajustável, usado por operários para medir ou reproduzir um ângulo. Figura 53 do livro de Freire. Vide imagem em Anexos.
73
trabalha os conceitos de espaço, corpo, extensão, volume, superfície, linha e ponto
(19--?, p. 9).
No Capítulo II, com início à página 27, o autor explana ângulos e divisão de
ângulos, apresentando uma primeira série de nove problemas resolvidos sobre
ângulos, com a utilização de compasso. No Capítulo III, Freire trabalha os conceitos
de retas perpendiculares e oblíquas e acrescenta mais problemas resolvidos, dentre
os quais destacamos o de número 16, pela relação com a vida prática e o uso de
instrumentos:
Figura 16: Página 47 do livro de Freire.
Fonte: Acervo do autor.
Como se pode notar, além da apresentação elaborada, a figura ilustrativa
após o enunciado, possibilita ao leitor melhor compreensão do problema por meio de
visualização da figura, bem como a observação da resolução do problema mediante
construção geométrica. Ao que tudo indica, o autor procurou apresentar o problema
por intermédio de uma situação do cotidiano daquela época.
Continuando seu estudo sobre as linhas, no Capítulo IV (p. 50), Freire
aborda as linhas paralelas, as convergentes e as divergentes. Apresenta os ângulos
segundo a posição quando duas retas paralelas são cortadas por uma reta oblíqua,
formando os alternos internos, alternos externos, correspondentes e suplementares.
74
No Capítulo V (p. 60), são apresentados os triângulos, definições e
problemas que exigem o uso de compasso. Nos problemas contidos nesse capítulo,
Freire ensina a construir triângulos utilizando diversas particularidades como base,
altura, ângulos, raio de círculo inscrito, a perpendicular, a bissetriz, o baricentro. São
52 problemas, e ao final do capítulo são ainda colocados 46 exercícios que
trabalham desde o recorte de figuras em cartão até a construção de figuras com
instrumentos.
Freire dedica o Capítulo VI (p.97) aos quadriláteros, definindo cada tipo e
nas sinopses destaca as diferenças entre eles. Coloca 30 problemas resolvidos que
ensinam a traçar as figuras utilizando os mesmos princípios aplicados aos triângulos:
ângulos, perpendicular, diagonais, baricentro. Encerra o capítulo com 62 exercícios e
uma observação: “os ângulos dados neste capítulo devem ser traçados sem o
transferidor, cuja noção deve ser dada mais tarde” (FREIRE, 19--?, p. 122).
A circunferência é tratada no Capítulo VII (p.123) do livro de Freire, que
define círculo e circunferência, raio, diâmetro, arco, corda, flecha, tangente, secante,
segmento, setor, ângulo central, ângulo inscrito e circunscrito, circunferências
concêntricas e excêntricas. Freire ensina como traçar uma circunferência no solo
usando uma estaca, uma corda presa à estaca e a uma vara na outra ponta.
Girando em torno da estaca, a vara riscará a figura, afirma Freire (p. 129), em uma
associação indireta com o trabalho de jardinagem ou canteiro de obras. Os 17
problemas resolvidos para construção das circunferências aplicando os conceitos
discutidos são apresentados, e os últimos exemplos são mais elaborados do que
aqueles trabalhados nos primeiros capítulos, além de não terem significado prático
para aqueles alunos. Eis um exemplo: Problema 124. Descrever quatro circunferências tangentes a três rectas que se cortem duas a duas. As rectas AB, CD e EF se cortam duas a duas formando um triangulo MNO (fig. 309). Tracemos as bissectrizes dos ângulos d’esse triangulo, prolongando-as e também as de três dos ângulos externos d’esse mesmo triangulo, por exemplo, de FMO, NOD e MNA prolongando-as em ambas as direcções. Essas bissectrizes, o são também dos ângulos verticalmente oppostos e encontram-se com as dos ângulos internos nos pontos 1, 2 e 3 que são os centros das circunferências tangentes exteriores cujos raios são respectivamente as perpendiculares 1m , 2n e 3s. O ponto 4 será o centro e 4p o raio da circunferência inscrita no triangulo (FREIRE, 19--?, p. 139).
75
Figura 17: Página 140 do livro de Freire. Fonte: Acervo do autor.
No Capítulo VIII (p. 144) do livro de Freire, são tratados os polígonos
regulares, irregulares, inscritos e circunscritos. Freire ensina a construir os polígonos
regulares e também o que ele chamou de polígonos regulares estrellados, figuras
geométricas baseadas em polígonos regulares que seguem um traçado ligando,
alternadamente, os pontos que tocam a circunferência, formando uma estrela. É
também discutida a divisão da circunferência e medidas dos ângulos em graus,
minutos e segundos. Neste capítulo é apresentado o transferidor.
Nos Capítulos IX, X e XI do livro de Freire são apresentados alguns cálculos
como introdução ao estudo de áreas e volumes. Primeiro, discutem-se razão e
proporção e sua aplicação na divisão de retas (p. 180), depois as escalas para
comparação de polígonos (p. 190) e, por fim, a relação entre a circunferência e seu
diâmetro (p. 202).
A partir do Capítulo XII, Freire começa a ensinar cálculo de áreas de
polígonos regulares e figuras circulares (p.208). Nesse capítulo o autor deixa as
ideias conceituais e figuras e parte para o cálculo, fazendo uso de fórmulas
matemáticas.
Nos Capítulos XIII e XIV, como introdução aos sólidos, são apresentados o
plano e a linha reta em relação a este plano (p. 263). Em seguida, os ângulos
diedros e poliedros (p. 270). E, finalizando, Freire identifica os tipos de sólidos,
fazendo uso de cartões para desenvolvimento das figuras (p. 276).
Freire deixa registradas no livro várias figuras de poliedros para serem
desenhadas e montadas em cartão para que, mediante a manipulação, o aluno
76
consiga ter o objeto concreto do sólido estudado nos Capítulos XV e XVI. No
Capítulo XVII, Freire apresenta os corpos redondos: o cilindro, o cone e a esfera. No
final do Capítulo XVII, Freire acrescenta: Nota. Para as licções contidas nos capítulos XV, XVI, XVII e XVIII é necessário que o professor disponha de uma collecção de sólidos geométricos. Estes sólidos devem ser feitos em cartão, pelos alumnos (FREIRE, [s.d.], p. 309).
No Capítulo XVIII (p. 310), Freire ensina o cálculo de área de poliedros e
corpos redondos, e finalmente no Capítulo XIX (p. 324) versa sobre o volume dos
sólidos.
O Capítulo XX (p.360) trata de concordância de linhas e está mais voltado
ao desenho geométrico, como podemos observar no problema resolvido 306:
Problema 306. Traçar uma aza de cesto de sete centros sendo conhecidos vão e flecha. MN é o vão e AB é a flecha (fig. 594). Descrevamos duas semi-circumferencias concêntricas em A e com os raios AM e AB. Dividamo-la em oito partes eguaes: pelos pontos a, b, c, d, e, f, tracemos retas parallelas a AB e pelos pontos g, h, i, j, k, l, rectas parallelas a MN Todas estas parallelas determinam os pontos C, D, E, F, G, H. Para termos os centros dos sete arcos que compõem a aza d cesto procedamos da seguinte maneira: J e K são as intersecções das perpendiculares ao meio de MC e HN com a recta MN; O e P resultam das intersecções das perpendiculares ao meio de CD e GH com os prolongamentos de CJ e HK; P e V são intersecções das perpendiculares ao meio de DE e FG com os prolongamentos das rectas DO e GP, e por último, o ponto S é o resultado do encontro das rectas EP e FV. Descrevamos, portanto os arcos que formarão a aza de cesto (FREIRE, 1894, p. 368-369).
77
Figura 18: Página 368 do livro de Freire. Fonte: Acervo do autor.
Encerrando o volume no Capítulo XXI, Freire aborda a elipse, a oval, a
espiral, a hélice, a parábola e a hipérbole. Nesse capítulo, o exemplo de construção
da elipse utilizado por Freire é o mesmo de Borges: ambos citam a construção de
canteiros por jardineiros, usando duas estacas e uma corda: Traça-se uma ellipse de diversos modos, sendo mais fácil o que se segue, empregado pelos jardineiros. Sobre uma recta indefinida finquem-se dous alfinetes, ou pregos em dous pontos quaesquer. Atem-se as pontas de fio de linha um pouco maior que a distancia dos alfinetes ou pregos, e esticando-o com a ponta de um lápis, traça-se a ellipse (BORGES, 1882, p. 56). 1.º processo. com uma linha, dous alfinetes e lápis, giz ou carvão. Sejam AB e CD os eixos de uma ellipse que desejamos traças sobre cartão. Façamos passar perpendicularmente pelo meio, um do outro, os dous eixos. Do ponto C como o centro e com um raio egual a AO determinemos os pontos E e F, isto é, os fócos. Tomemos um fio de linha do comprimento do eixo maior (AB) e fixemol-o com alfinetes, pelas extremidades, nos pontos E e F. Colloquemos na dobra M do fio um lápis e façamol-o andar de modo que o fio se conserve bem esticado; descreveremos uma metade da ellipse. Procedamos do mesmo modo, no outro lado do eixo maior, e teremos a outra metade e portanto a ellipse que desejávamos traçar. Este processo facillimo de se executar é baseado na própria definição de ellipse e é muito empregado para o traçado d’essa curva em terrenos planos. Os jardineiros usam d’este processo quando querem dar a um canteiro a fórma elliptica e n’este caso os alfinetes são substituídos por estacas, o lápis ou o giz por uma ponteira ou plantador, e a linha por uma corda (FREIRE, 1894, p. 376).
Além dessa semelhança, os capítulos seguem a mesma sequência e
formato nos dois livros. Teria Freire se baseado no livro de Borges? Por exemplo, à
página 11 da obra de Borges (1882) encontramos:
78
Figura 19: Lição sobre posição das linhas (BORGES, 1882, p. 11).
Fonte: Acervo da Biblioteca do Livro Didático da USP.
Na obra de Freire (p. 19), o mesmo assunto aparece de maneira
semelhante:
Figura 20: Lição sobre posição das linhas do livro de Freire, p. 19.
Fonte: Acervo do autor.
Nessa passagem, podemos verificar que os autores exemplificam o conceito
de linha quanto à posição horizontal, utilizando-se do fio de prumo, instrumento
79
comum para pedreiros. No entanto, as semelhanças não estão somente na escolha
do exemplo. A figura empregada por ambos é semelhante. O exemplo da direção da
linha evoca a direção da superfície das águas, usando inclusive o mesmo adjetivo,
qual seja “na direção das águas tranquilas”.
Assim como nessa conceituação, muitas outras foram observadas,
utilizando-se, ambos os autores, de modelos e exemplos semelhantes.
Assim, inferimos que, provavelmente, Freire fez apropriações da obra de
Borges (1882).
À medida que os capítulos avançam, observa-se uma crescente
complexidade nos problemas apresentados, e, cada vez menos, vão aparecendo
problemas ou comentários sobre o uso da Geometria com alguma relação com o
cotidiano. Essa forma de tratamento mostra um período na História da Educação
brasileira em que o ensino não era sequenciado, não havendo necessidade de
cursar o Ensino Secundário para ingressar no Ensino Superior. Talvez, por essa
razão, os manuais didáticos da época tratavam os conceitos de forma a atender não
apenas as crianças matriculadas no Ensino Primário, bem como aqueles que
almejavam acesso ao Ensino Superior ou para uso de operários e artistas. Ou seja,
não eram exclusivos do Ensino Primário.
Ambos, Borges e Freire, colocaram suas obras de Geometria a serviço do
Ensino Primário. Mas, do que foi apresentado por eles, que conhecimentos de
Geometria eram cobrados dos alunos entre os anos por nós estudados?
4.4 OS EXAMES FINAIS DE ALGUNS GRUPOS ESCOLARES
Os programas e currículos aprovados pelos órgãos oficiais, e determinados
em forma de Lei, não garantem o cumprimento na sua integralidade. Em geral, o
planejamento curricular baseia-se nas necessidades da comunidade escolar e do
que é cobrado para as séries seguintes, até atingir o sistema de exame de
classificação para o Curso Superior.
As provas e exames escolares são fontes que permitem verificar as
modificações ocorridas na Matemática escolar ao longo do tempo, posto que
apresentam os modos como essa disciplina participa do processo de escolarização.
O que era cobrado dos alunos nos exames finais testemunha os saberes
privilegiados pela escola, que podem se mostrar diferentes do que se era exigido
80
pelas determinações curriculares oficiais, não só na metodologia, prática ou intuitiva,
mas também na qualidade e na quantidade do que era apresentado. Nesse sentido,
olhar para os exames escolares pode dar indícios de como as determinações oficiais
eram apropriadas pela cultura escolar.
Atente-se, ainda, aos dizeres de Julia (2001), para quem é muito difícil
escrever a história das práticas culturais, uma vez que elas não deixam vestígios.
Acrescente-se ainda a dificuldade de encontrar documentos históricos, em especial
aqueles produzidos por professores e alunos, como é o caso das provas escolares.
Os documentos que estudamos foram encontrados e separados no Arquivo
Público do Estado e compreendem os anos de 1896 e 1900 nos Grupos Escolares
de Sorocaba, de Tatuí e de Campinas, concentradas as respectivas atenções sobre
a disciplina de Geometria. São exames finais para qualificação para as séries
seguintes, contendo outras disciplinas como gramática, redação (algumas vezes
ditados), história, geografia, etc.
4.4.1 Os exames do Grupo Escolar de Tatuí
O Grupo Escolar de Tatuí iniciou suas atividades em novembro de 1895,
somente para os meninos. Em outro prédio, a partir de outubro 1897, foram
instituídas as classes femininas. A integração de ambos ocorreu em 1898, tendo
como diretor o Professor Cesário Lange Adrien (ANNUARIO, 1907-1908).
O Edifício da Figura 19, de autoria do arquiteto Manuel Sabater, foi
construído para abrigar as duas alas, femininas e masculinas, em 1909, situado na
praça Paulo Setúbal, n.º 21, no Centro de Tatuí. Atualmente, com o nome de Escola
Estadual João Florêncio, oferece Ensino Fundamental de 1.ª a 4.ª séries, e Ensino
Especial para deficientes auditivos e mentais (Centro de Referência em Educação
Mário Covas).
81
Figura 21: Grupo Escolar de Tatuí em 1909. Fonte: Centro de Referência em Educação Mário Covas.
Do Grupo Escolar de Tatuí tivemos acesso a três provas do 3.º ano e uma
do 4.º ano do Ensino Preliminar. Todas as provas são de 24 de dezembro de 1896.
As provas estavam reunidas em pacotes com outras disciplinas, porém
separadas com uma capa própria com os seguintes dizeres: Provas Escriptas das
matérias do terceiro anno do curso preliminar feitas pelo alunno ..., Grupo Escolar de
Tatuhy, anno de 1896. Nessa capa, e em todo o pacote das provas, há um carimbo
com o nome da escola, certificando fazer parte do acervo original do Grupo Escolar.
Às páginas também foram adicionados carimbos do Arquivo do Estado de São
Paulo. Esse conjunto de provas e a data de sua execução confirmam que se tratava
de exames finais.
No cabeçalho das provas aparece a palavra Tachymetria (taquimetria), em
uma visível referência ao aspecto prático reforçado no Decreto n.º 144B, de 30 de
dezembro de 1892 (SOUZA, 2008),42 e em seguida “ponto 1.º”, para indicar o
estudo que seria cobrado. As escritas são de autoria dos alunos: Vicente Mathias de
Oliveira, Antonio Pereira Fiuza e Deodoro Pinto Vieira, alunos do terceiro ano do
Curso Preliminar do Grupo Escolar de Tatuí, quando ainda era uma instituição
basicamente masculina.
Totalmente manuscritas e com figuras desenhadas sem instrumento, as
provas eram muito mais conceituais, pois eram produzidas com questões como: Que
é ponto? Que é linha? Quantas espécies há de linhas? Que é linha reta? Que é linha
42 Regulamento da Instrução Pública do Estado, Decreto n.º 144-B, de 30.12.1892, assinado por Dr. Bernardino de Campos, Presidente do Estado (apud SOUZA, 2008, p. 51).
82
curva? Descrever e representar todas as linhas que conheceis. Logo pela primeira
questão: “Que é ponto?” as repostas dos alunos foram:
1) O ponto é o elemento da linha (FIÚZA, 1896; OLIVEIRA, 1896).
2) Ponto é um pequeno sinal (VIEIRA, 1896).
As definições utilizadas por Fiúza e Oliveira estão claramente expostas no
livro de Borges (p. 5), e não aparecem no livro de Freire. A resposta de Vieira está
tanto no livro de Borges (p. 5) como no livro de Freire (p. 24), ou seja, indicando o
ponto como um sinal, um vestígio deixado pelo lápis ou pena.
“Que é linha?”, continuam as provas, e as respostas dos alunos são muito
próximas, porém Oliveira escreve a mesma frase que encontramos na página 5 do
livro de Borges: “linha é uma série de pontos em qualquer direção”.
A partir da terceira questão, as provas de Fiúza e Vieira seguem um mesmo
roteiro, e a de Oliveira, embora não siga a sequência dos colegas, trata e discute o
mesmo assunto: as linhas.
Outro elemento comum das três provas surge na questão: “Descrevei e
representai todas as linhas que conheceis”. Para atender a essa questão, Fiúza e
Vieira colocaram suas definições seguidas de representações das linhas, já Oliveira,
apenas as definições. As definições dos tipos de linhas citadas pelos alunos estão
presentes no trabalho de Borges entre as páginas 6 e 10 de seu livro.
Outra consideração é que, conforme o programa de ensino de 1904, os
temas deveriam ser cobrados dos alunos do primeiro ano, e não do terceiro, o que
demonstra uma distância em relação ao que era proposto e o que era ensinado. Não
encontramos igualmente características de Geometria Prática, tanto no uso de
instrumentos quanto na questão de aplicabilidade a vida cotidiana do aluno.
Já na prova do aluno do 4.º ano, Norberto Mayer, desse mesmo Grupo
Escolar de Tatuí, o tema abordado são os triângulos. O aluno, seguindo a forma
descritiva, vai da definição do triângulo aos tipos e como construí-los. Não há uso de
instrumentos como régua ou compasso, porém o jovem Mayer descreve como se
constrói um triângulo isósceles: “Traça-se uma linha recta infinita, toma-se nella um
comprimento igual a base e com o raio do mesmo comprimento do lado se descreve-
se dois arcos de circulo que se cortam, une-se este ponto as extremidades da base”
(MAYER, 1896).
83
Percebemos também nessa prova uma distância entre o programa de 1904
e o cobrado para um aluno de 4.º ano, pois essa matéria estava prevista para o 3.º
ano. Além disso, não foram utilizados instrumentos como régua e compasso.
Não observamos a utilização do método intuitivo na prova desse Grupo
Escolar. Ao que tudo indica, nessas provas eram cobradas questões retiradas de
questionários de manuais didáticos, cabendo aos alunos a resposta acordada com
os pontos contidos naqueles manuais.
4.4.2 Os exames do Grupo Escolar Antonio Padilha
O Grupo Escolar Antonio Padilha, situado na cidade de Sorocaba/SP, foi
criado pelo Decreto n.º 248, de 26 de julho de 1894, mas foi oficialmente inaugurado
em 1896, com quatro classes para cada sexo, de 1.º, 2.º, 3.º e 4.º anos do Ensino
Preliminar. Situado entre as ruas do Theatro e das Flores, o prédio originalmente
ocupado pertencia à família Lopes de Oliveira. O Grupo Escolar recebera seu nome
do seu principal idealizador, o comerciante e Vereador Antônio Padilha de Camargo,
que falecera antes de ver seu projeto concretizado. Em virtude das condições
precárias do primeiro edifício, estruturais e de higiene, o Grupo Escolar mudou-se,
em 1905, para outro endereço até ser definitivamente instalado em prédio próprio
em 1910, na Rua Cesário Motta em Sorocaba (NUNES, 2006).
Eis a imagem do Grupo Escolar Antonio Padilha:
Figura 22: Grupo Escolar Antonio Padilha, 1896.
Fonte: Acervo Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba.
84
Do Grupo Escolar Antonio Padilha separamos duas provas das alunas do 4.º
ano, de 3 de dezembro de 1896. As provas possuem uma capa, assim como as do
Grupo Escolar de Tatuí, com os dizeres: Provas escriptas da alunna do 4.º anno do
Grupo Escolar Antonio Padilha em Sorocaba, Sorocaba, 3 de desembro de 1896. No
rodapé da capa encontra-se o nome da aluna, seguido de uma assinatura,
possivelmente da professora que aplicou a prova.
As alunas Georgina de Aquino e Anna Leão Rogich responderam aos
questionamentos destas provas evidenciando que a Geometria também era
ensinada às meninas, em 1896. Dessas alunas são cobradas as definições de
Circunferência e Círculo, que a princípio se aproximam muito do apresentado por
Freire nas páginas 123 e 124. Senão, vejamos:
A definição dada pelas alunas sobre circunferência foi a seguinte:
“Circunferência é uma linha curva fechada situada em um mesmo plano e
equidistante de um ponto interior chamado centro” (AQUINO, 1896; ROGICH, 1896).
Já a definição de Freire é a que segue: “Uma linha curva fechada situada em
um mesmo plano e equidistante de um ponto interior, chama-se circunferência. A
esse ponto interior dá-se o nome de centro da circunferência” (FREIRE, 19--?,
p.123).
Sobre o círculo, as alunas apresentaram a seguinte definição: “Circulo é a
porção do plano limitada pela circunferência” (AQUINO, 1896; ROGICH, 1896).
Freire assim define círculo: “[...] a porção do plano ou superfície plana
limitada pela circunferência, o nome de círculo” (FREIRE, 19--?, p.124).
Ambas desenharam em suas provas uma circunferência e foram conduzidas
a achar o centro de uma circunferência ou de um arco como problema a ser
resolvido. Fizeram primeiramente de modo descritivo e em seguida por meio de
imagem construída: “Seja abc o arco cujo centro não é conhecido. Unamos o ponto
b aos pontos a e c, e tracemos pelos meios destas cordas duas perpendiculares que
determinarão o ponto m, isto é, o centro do arco”.
É dessa mesma forma que Freire apresenta o assunto, à página 130.
Além disso, as questões dessas provas se encontram no Capítulo VII do
livro de Freire (19--?), tanto no que tange ao conceito quanto à técnica utilizada, o
que indica um provável uso desse manual nesse Grupo Escolar.
85
Verifica-se, também, que essas provas estão de acordo com o programa de
ensino de 1904, aprovado pelo Decreto n.º 1.217.43
Nessas avaliações aparece apenas uma demonstração de construção
prática de uma figura geométrica, porém sem vínculo com o cotidiano do aluno, e,
como se pode observar, sem o uso de instrumentos como régua e compasso:
Figuras 23: Representação da solução do problema sem instrumentos. Fonte: Provas das alunas Aquino e Rogich do Grupo Escolar Antonio Padilha 1896. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Finalmente, a análise dessas provas permitiu-nos verificar que as respostas
das alunas eram idênticas, evidenciando, ao que tudo indica, que as respostas aos
questionários apresentados nos manuais didáticos eram fornecidas pelos
professores durante as aulas, e eram memorizadas pelos alunos.
Entretanto, não observamos a utilização do método intuitivo na prova desse
Grupo Escolar.
4.4.3 Os exames do Grupo Escolar de Campinas
Por fim, apresentamos uma prova do 1.º Grupo Escolar de Campinas. O 1.º
Grupo Escolar de Campinas foi instalado, já em prédio próprio, em 7 de fevereiro de
1897, na Rua Moraes Salles, centro de Campinas. O estabelecimento, projeto do
arquiteto Ramos de Azevedo, iniciou seu funcionamento com 401 alunos, 216
meninos e 185 meninas, em 3 classes de 1.º, 2.º e 3.º anos para cada sexo. Foi
organizado pelo inspetor literário Luiz de Campos, que o dirigiu por alguns meses,
em 1898. Por decreto de 4 de abril de 1899, assumiu a direção da escola o
Professor Christiano Volkart. Em 1917, passou a ser chamado de Grupo Escolar
Francisco Glicério, tendo atualmente recebido a designação de Escola Estadual
Francisco Glicério.
43 Vide Capítulo 3.3, As Reformas Educacionais e a Geometria.
86
Figura 24: Imagem do 1.º Grupo Escolar de Campinas, 1909. Fonte: Annuário do Ensino do Estado de São Paulo – 1908-1909. Acervo do Arquivo Público do Estado do São Paulo.
O último material separado é a prova escrita do aluno Pelagio Lobo, do 4.º
ano do 1.º Grupo Escolar de Campinas, de 27 de outubro de 1900. A prova de Lobo
(1900) apresenta todas as definições sobre os polígonos e acrescenta uma relação
dos nomes destas figuras conforme o número de lados, como o ensinado no
Capítulo VI do livro de Freire. Explica, também, como achar a área de um polígono
regular usando a área do triângulo dentro da figura e assim multiplicá-lo pela
quantidade de triângulos que puderem ser inscritos dentro da figura. Verificamos que
essa é a forma como Freire trata esse assunto, no Capítulo XII, à página 225.
Encerrando sua prova, Lobo acrescenta várias figuras geométricas
construídas com régua e compasso, como bissetrizes, perpendiculares, divisão de
retas, ângulos, construção de polígonos inscritos em circunferência. A imagem a
seguir comprova nossa observação:
87
Figura 25: Prova prática do aluno Pelagio Lobo, 1900. Fonte: Provas dos Grupos Escolares do Estado de São Paulo. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
A referida prova se enquadra no Programa de Ensino de 1904 e desenvolve
a demonstração do conhecimento por meio do uso de instrumentos. Verificamos, ao
confrontar as questões da prova com o livro de Olavo Freire, que os assuntos
tratados foram apresentados em diversos capítulos do manual.
Dos exames por nós analisados verificamos que essa prova foi a que
chegou a empregar maior volume de conhecimentos e habilidades práticas. Ainda
assim, não há indicação de um conhecimento dos sólidos e do cálculo de volume.
A análise possibilitou ainda verificar um descompasso temporal
relativamente ao programa divulgado pelo Estado, do mesmo modo como nos
Grupos Escolares de Tatuí e Sorocaba. O que era cobrado dos alunos não
correspondia ao ano em que a matéria deveria ser apresentada pelo programa
oficial.
O aspecto prático, no tocante ao uso de instrumentos, somente foi
observado no Grupo Escolar de Campinas, mas sem relação com o cotidiano do
aluno.
Igualmente, não foi possível observar a utilização do método intuitivo na
prova desse Grupo Escolar.
88
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No final do século XIX, o esforço político dos republicanos em se diferenciar
do modelo Imperial, aliado ao desejo da população pela instrução de seus filhos,
foram os principais fatores do movimento de reforma educacional no Estado de São
Paulo.
A composição urbana de São Paulo, que já contava com estrangeiros
recém-chegados, artesãos, profissionais liberais e a industrialização iniciada pelo
crescimento das estradas de ferro paulistas, constituía uma massa populacional
mais exigente que começava a cobrar instrução de seus governantes, desejosos de
alcançar uma melhor posição social e econômica para seus descendentes.
Assim, ocorre a criação das Escolas Normais e Escolas Modelo, para
treinamento e aperfeiçoamento de novas técnicas de ensino as quais culminaram na
criação dos Grupos Escolares e colocaram São Paulo na vanguarda do Ensino
Primário no Brasil, servindo de modelo para as outras unidades da Federação.
O Estado de São Paulo, ao preparar professores e organizar os Grupos
Escolares, proporcionou discussões que levaram o Estado à colocação de um
programa mínimo que serviu de guia para os professores dos Grupos Escolares.
Esse programa permitiu a entrada da Geometria no Ensino Primário.
Em conformidade com Souza (2008), as reformas educacionais que
ocorreram entre 1890 e 1930 pouco influíram no Ensino Primário, limitando-se as
mudanças de períodos escolares e seqüência das matérias. Nessa perspectiva,
como analisar o que se esperava ensinar em Geometria?
No ensino da Geometria, nossas análises também vão nessa direção, ou
seja, as reformas educacionais durante o período estudado mostram que, apesar
das orientações metodológicas proporem um ensino voltado para preparar o aluno
para a vida prática, os exames apontam para a memorização dos conteúdos, na
ordem e clareza da resolução dos problemas propostos. Essa constatação nos
remete à Chartier (1991), para quem as práticas escolares, como produtos culturais,
89
encontram-se permeadas por mecanismos de controle e regulamentos, dando
sentido e finalidades à educação escolar de um determinado momento histórico. A
tradição pedagógica da época, caracterizada pela memorização, ordenação e
clareza na exposição das resoluções dos problemas preponderava nas prescrições
escolares.
Nesse sentido, ao que tudo indica, ocorreu um lento processo de
apropriação de novas metodologias para o ensino, representado naquele tempo pela
adoção do método intuitivo, o que mostra o peso das metodologias tradicionais.
Para a realização desta investigação, concentramos nossos esforços nos
materiais disponíveis para o ensino de Geometria para a Escola Primária. Por meio
da leitura e análise desses materiais procuramos verificar como a Geometria foi
apropriada por professores e alunos, como fizeram uso dos objetos que lhes foram
transmitidos (CHARTIER, 1991).
Para tanto, esta pesquisa, apoiada em fontes bibliográficas, analisa a
“Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São
Paulo”, publicada entre 1902 e 1918; o livro “Desenho Linear ou Elementos de
Geometria Prática Popular” do Dr. Abílio César Borges (1882); o livro “Noções de
Geometria Prática”, de Olavo Freire (19?) e exames finais de alguns grupos
escolares paulistas realizados entre 1896 e 1900.
Nesse esforço de implantação do novo modelo de ensino, a Revista de
Ensino da Associação Beneficente do Estado de São Paulo, muito colaborou na
divulgação dos métodos de ensino aplicados nos Grupos Escolares com suas aulas
de pedagogia prática, influenciando professores de escolas mais distantes. Assim
sendo, os impressos possibilitam examinar os modos de articulação entre teoria e
prática, a formação de professores e os debates e discussões acerca de temas
educativos (CATANI; BASTOS, 1999).
Embora nossas análises não permitam afirmar que as aulas de Geometria
do Professor Antonio Penna, responsável por essa disciplina na Revista, tivessem
sido adotadas na integralidade, reconhecemos que tenha servido para orientar
muitos professores, inclusive sobre o programa do ensino de Geometria para o
ensino primário.
90
As aulas do Professor Penna tinham um aspecto muito peculiar:
estabeleciam um diálogo entre o professor e os alunos. Por meio deste diálogo,
tentava transmitir os conceitos de Geometria, porém não possuía ou indicava fazer
uso das pranchas de lições de coisas. Ao que parece, Pena não fez uso do processo
intuitivo.
Nas aulas de pedagogia prática da Revista, nos momentos em que Penna
poderia ensinar a construir figuras, esse autor indicava o livro do Olavo Freire,
permanecendo no conceitual e evitando o uso de instrumentos em suas aulas.
Levando em conta que “todo livro didático está histórica e geograficamente
determinado e é produto de um grupo social e de uma dada época”, mais ainda, que
é tarefa do pesquisador aprofundar-se sobre eles, fazendo questionamentos,
procurando identificar a cultura escolar presente implícita ou explicitamente no objeto
de estudo, procuramos desenvolver nossas análises. (CHOPPIN, 2000, p.116).
Dentre os materiais estudados, o livro de autoria do Dr. Abílio César Borges
“Desenho Linear ou Elementos de Geometria Prática Popular” – primeira parte
chamou-nos a atenção por ter sido escrito antes da República, em 1882, e trazer
toda uma metodologia de ensino de Geometria simples e objetiva. Poderia este
compêndio ter sido usado ou ser conhecido durante a primeira República?
Não conhecemos a primeira edição do livro de Borges que, como ele mesmo
afirmou, era demasiado extensa para o ensino primário, por isso não sabemos se
continha exercícios práticos. Nesta edição de 1882, chamada de primeira parte, a
abordagem era muito mais teórica do que prática.
A obra de Borges não apresentava enunciados complexos e axiomas,
apenas a definição. Os exercícios eram apenas conceituais e não havia problemas.
Embora carregado de figuras, o livro de Borges não mostrava como construí-las,
dando a entender que a simples exibição da figura seria suficiente para garantir o
entendimento do leitor. A intenção era a de conduzir o leitor para o ensino de
Desenho Geométrico, como demonstravam seus próprios comentários na introdução
da obra.
Além disso, o livro de Borges traz definições e conceitos de Geometria, o
que nos faz crer que era mais direcionado ao professor do que para o aluno, pois o
91
mestre deveria desenhar a figura na lousa para se fazer entender e para o
desenvolvimento da aula.
Pela Revista de Ensino foi possível verificar, por meio de um artigo intitulado
“Um bom livro”, de autoria de Bellegarde (1902),que o livro de Borges era conhecido
no Estado de São Paulo. Era provável que tivesse sido usado também nas escolas
Normais da Capital do Estado para o ensino dos professores.
Outro livro analisado é o de autoria de Olavo Freire, de 19?, cuja primeira
edição era de 1894, e intitulado “Noções de Geometria Prática”. A simplicidade
desse livro de Freire é verificada pela eliminação de axiomas, de enunciados longos
e complexos e de demonstrações extensas de teoremas. Esta simplicidade se
diferencia do livro de Borges porque complementa e modifica algumas noções, que
segundo carta de André Rebouças, editada no próprio compêndio de Borges,
encontravam-se mal formuladas. O livro de Freire procura fugir do rigor da
Geometria Euclidiana, sem perder a essência do conteúdo, procurando tornar claros
os conceitos de Geometria para crianças. Nele, Olavo Freire propôs a planificação
dos sólidos e permitiu o desenvolvimento da técnica de construção com
instrumentos.
As associações das figuras com o cotidiano dos alunos podem ter permitido
manter o interesse e a compreensão dos temas abordados nas primeiras aulas.
Estas características devem ter contribuído também para auxiliar o professor na
elaboração e na dinâmica de sua aula, uma vez que os livros não eram de uso
corrente do aluno, mas sim do professor.
À medida que Freire ia desenvolvendo suas aulas, observa-se um
distanciamento cada vez maior do cotidiano do aluno, de modo que o leitor começa
a receber instruções para construir figuras sem o autor informar para qual finalidade.
Verifica-se uma crescente complexidade nos problemas apresentados, revelando um
momento da história do ensino brasileiro em que o ensino básico se encontrava
organizado em sua totalidade na forma seriada, bastando aos estudantes a
finalização do Curso Primário para concorrer ao Ensino Superior ou às escolas
técnicas.
Freire muito contribuiu com seu livro “Noções de Geometria” para o ensino
primário do Estado de São Paulo, principalmente no que diz respeito ao ensino nos
92
Grupos Escolares. Recém-lançado e adotado pelo Estado de São Paulo,
praticamente no período de implantação do novo modelo de ensino, não adotava o
método intuitivo e seu aspecto prático estava vinculado à construção de figuras com
instrumentos. Destaque-se que o livro de Freire, em constante atualização, foi muito
utilizado pelos professores, o que permitiu sua existência até por 40 edições,
ultrapassando os anos de 1930.
Possivelmente o método intuitivo ligado a estes materiais ficou seriamente
comprometido devido às dificuldades de fornecimento dos materiais para as escolas.
Os itens relacionados à Geometria não eram distribuídos em profusão e
provavelmente os professores acabavam por construir e buscar seus próprios
recursos materiais necessários à apresentação de suas aulas.
No livro de Freire e também no livro de Borges, a planificação dos sólidos
era fornecida como modelo para a construção de diversas peças geométricas a
serem produzidas pelos alunos e pelos professores, possivelmente para suprir a
falta deste material para o ensino de Geometria.
Os livros, tanto de Freire como o de Borges, e o programa Oficial
disponibilizavam mais informações do que era possível transmitir aos alunos, como
se pode observar pelos exames finais por nós avaliados.
Borges escreveu seu compêndio para a capital (Rio de Janeiro) e outras
unidades da federação e Olavo Freire era professor no Rio de Janeiro. É possível
que Freire tenha sido influenciado por Borges desde quando era normalista,
observando-se que Borges escreveu em 1882 e a primeira edição da obra de Freire
data de 1894. A semelhança dos dois livros, de Borges e de Freire, quanto à ordem
e os assuntos tratados nos levam a considerar esta possibilidade.
Quanto aos exames escolares que tivemos acesso, não encontramos
evidências do domínio do cálculo de áreas e volumes nas provas analisadas, mas
dos conceitos e definições geométricas apresentados. É possível que estes
conhecimentos tenham sido transmitidos, mas não foram cobrados nos exames
finais.
A avaliação a respeito da técnica de construção de figuras geométricas,
ensinada por Freire, pôde ser identificada em provas do 4º ano primário das escolas:
93
1º Grupo Escolar de Campinas e Grupo Escolar de Sorocaba Antonio Padilha. Nesta
última, descreveu-se a atividade pedida e a sua reprodução sem os instrumentos.
Evidencia-se, assim, a inserção de um ensino básico de Geometria Plana e
de noções de Geometria, como os títulos dos livros sugerem, mas que mal
pincelavam uma introdução à geometria espacial.
Finalmente, a análise dessas provas permitiu-nos verificar, questões com
respostas idênticas, evidenciando, ao que tudo indica, que as respostas aos
questionários apresentados nos manuais didáticos eram fornecidas pelos
professores durante as aulas e eram memorizadas pelos alunos.
Pelo que foi apresentado, inferimos que a Geometria, embora não fosse
desenvolvida de forma mais completa, conforme solicitavam os programas, foram
dados os passos iniciais para seu estudo no ensino primário dos Grupos Escolares.
Em síntese, verificou-se nesta pesquisa, que os livros analisados eram mais
dirigidos aos professores do que aos alunos. A análise das provas indicou o que era
esperado dos estudantes do primário em relação à Geometria: memorização de
definições, propriedades e construções geométricas. Esse fato pôde ser comprovado
pelos exames finais, o que de certa forma, contrariava as orientações metodológicas
das reformas educacionais que propunham um ensino voltado mais para a prática,
intuitivo e menos enciclopédico.
Vale também ressaltar que no início dos Grupos Escolares as aulas de
Geometria estavam destinadas apenas aos meninos; às meninas cabiam aulas de
trabalhos manuais, o que foi modificado posteriormente. Não se pode precisar o
momento em que a Geometria passou a ser ensinada às meninas. Seria bastante
elucidativo um estudo sobre a inclusão da Geometria para as classes de meninas,
nos Grupos Escolares no início da primeira república: porque não se ensinava
Geometria às meninas? Quem passou defender essa inclusão e quais foram os
argumentos? Quando?
Acreditamos que esse nosso estudo possa ser ampliado para além da
década de 1930, até o momento em que as primeiras ideias do Movimento da
Matemática Moderna são introduzidas nos Grupos Escolares.
94
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Anexo 1: Capa do ANNUÁRIO DO ENSINO DO ESTADO DE SÃO PAULO – 1907-1908. Typ. Augusto Siqueira & Cia.
Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo
101
Anexo 2: Capa da 3ª Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo
Fonte: Acervo Faculdade de Educação da USP. Biblioteca Central.
102
Anexo 3: Introdução à aula de Pedagogia Prática de Geometria de Antonio Penna.
Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São
Paulo. 1902. p.471.
Fonte: Acervo Faculdade de Educação da USP. Biblioteca Central.
103
Anexo 4: Provas de Geometria dos Exames Finais dos Grupos Escolares.
Grupo Escolar de Tatuí, 1896. Capa da prova do aluno Antonio Pereira Fiuza
Aluno do terceiro ano do curso preliminar.
Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo
104
Anexo 5: Prova escrita de Geometria do aluno Antonio Pereira Fiúza do Grupo Escolar de Tatuí, dezembro de 1896.
Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo.
105
Anexo 6: Prova escrita de Geometria do aluno Álvaro de Oliveira, aluno do Grupo Escolar de Tatuí, dezembro de 1896.
Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo
106
Anexo 7: Prova escrita de Geometria do aluno Norberto Mayer, aluno do Grupo Escolar de Tatuí, dezembro de 1896.
Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo
107
Anexo 8: Grupo Escolar de Sorocaba, Antonio Padilha, 1896. Capa da prova da
aluna Georgina de Aquino. Aluna do quarto ano do curso preliminar.
Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo.
108
Anexo 9: Prova escrita de Geometria da aluna Georgina de Aquino do Grupo Escolar de Sorocaba, dezembro de 1896.
Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo.
109
Anexo 11: Prova escrita de Geometria do aluno Pelagio Lobo do Grupo Escolar de Campinas, outubro de 1900.
Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo.
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Anexo 12: Continuação da prova de Pelagio Lobo. Aluno do quarto ano do curso preliminar do Grupo Escolar de Campinas.
Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo.
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Anexo 13: Imagem da Ardósia ou Pedra. Pequena lousa utilizada pelos alunos para escrever ou desenhar com pedaços de cal.
Fonte: Coleção de Paulina Aparecida Bosquesi que pertenceu a seu pai Sinésio Bosquesi, ex-aluno do Grupo Escolar nos idos de 1900.
Anexo 14: Esquadro falso ou suta. Instrumento usado para reproduzir ou medir ângulos.
Fonte: Noções de Geometria Prática de Olavo Freire, 19--?, pág.34, fig.53.