UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS ÁREA...
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
ÁREA DE LITERATURAS, ARTES E CULTURAS
O (Anti)
MESTRADO EM ESTUDOS INGLESES E AMERICANOS
Área de Especialização de Estudos Ingleses
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
ÁREA DE LITERATURAS, ARTES E CULTURAS
O (Anti) - Imperialismo de J. A. Hobson
na Alvorada do Séc. XX
Ana Paula Lobato de Jesus
MESTRADO EM ESTUDOS INGLESES E AMERICANOS
Área de Especialização de Estudos Ingleses
�2013�
ÁREA DE LITERATURAS, ARTES E CULTURAS
MESTRADO EM ESTUDOS INGLESES E AMERICANOS
Área de Especialização de Estudos Ingleses
UNIVERSIDADE DE LISBOA
ÁREA DE LITERATURAS, ARTES E CULTURAS
O (Anti)
Ana Paula Lobato de Jesus
Ana Paula Lobato de Jesus
Dissertação orientada pelo Professor Doutor Júlio Carlos Viana Ferreira
MESTRADO EM ESTUDOS INGLESES E AMERICANOS
Área de Especialização
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
ÁREA DE LITERATURAS, ARTES E CULTURAS
O (Anti) -Imperialismo de J. A. Hobson
na Alvorada do Séc. XX
Ana Paula Lobato de Jesus
Ana Paula Lobato de Jesus
Dissertação orientada pelo Professor Doutor Júlio Carlos Viana Ferreira
MESTRADO EM ESTUDOS INGLESES E AMERICANOS
Área de Especialização de Estudos Ingleses
�2013�
ÁREA DE LITERATURAS, ARTES E CULTURAS
Imperialismo de J. A. Hobson
Dissertação orientada pelo Professor Doutor Júlio Carlos Viana Ferreira
MESTRADO EM ESTUDOS INGLESES E AMERICANOS
de Estudos Ingleses
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O (Anti) - Imperialismo de J. A. Hobson na Alvorada do Séc. XX
Copyright © Ana Paula Lobato de Jesus, FLUL, UL 2013
A Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e a Universidade de Lisboa têm licença não
exclusiva para arquivar e tornar acessível, nomeadamente através do seu repositório
institucional, esta dissertação, no todo ou em parte, em suporte digital, para acesso mundial. A
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a arquivar e, sem alterar o conteúdo, converter a dissertação entregue, para qualquer formato
ou ficheiro, meio ou suporte, nomeadamente através da sua digitalização, para efeitos da sua
preservação e acesso.
iii
Agradecimentos
Ao meu orientador, Professor Doutor Viana Ferreira, pela imensa paciência e pelo empenho
demonstrados. A sua expressão “Nem pensar!” tantas vezes repetida, ecoará por muitos anos
na minha cabeça e dar-me-á o estímulo necessário perante as grandes tarefas. Graças ao seu
enorme conhecimento, competência e rigor, pude levar a cabo este trabalho tão árduo, que
ficava mais fácil a cada um dos nossos muitos encontros. Agradeço também a sua
compreensão pelas minhas dificuldades e obstáculos, bem como a sua constante
disponibilidade para esclarecer todas as minhas dúvidas e entender as minhas angústias.
A todos os Professores que lecionaram os seminários deste Curso de Mestrado, concorrendo
com o seu saber e entusiasmo para que eu o levasse a bom porto.
Ao meu pai, que ao longo da vida me incentivou a estudar e a saber cada vez mais,
rejubilando com os meus sucessos e ajudando-me a concretizar os meus sonhos.
Aos meus pais, filhos e nora, pela enorme compreensão pelas minhas ausências e
recolhimento, bem como pelo orgulho e interesse manifestados, incentivando-me a nunca
desistir.
Às minhas amigas Carla e Cristina por terem tornado os meus dias mais leves com o seu bom
humor e amizade quando o cansaço e a ansiedade se instalavam.
Aos meus alunos, pela curiosidade revelada durante a elaboração desta dissertação e pela
alegria demonstrada aquando da sua conclusão, também elas um enorme estímulo para o meu
trabalho.
iv
Resumo
Esta dissertação tem como propósito explorar o paradigma de imperialismo de J. A.
Hobson, tanto na essência e pressupostos como nas respetivas limitações. Por isso, tornou-se
necessário contextualizar Hobson histórica e politicamente nos finais do séc. XIX, período em
que fervilhavam as teorias darwinianas, convenientemente utilizadas como justificação para a
colonização britânica em África e para o racismo daí resultante, e em que o New Imperialism
se impôs como uma fase mais agressiva da política colonial da Grã-Bretanha. Políticos
conservadores como Disraeli e Joseph Chamberlain fomentaram no povo o orgulho pelo
império e a manifestação de sentimentos patrióticos exacerbados, conhecidos genericamente
por jingoísmo, atitudes que Hobson viria a deplorar por moldarem negativamente o carácter
britânico.
O presente estudo enquadra ainda Hobson na tradição liberal inglesa e realça o papel da
expansão do império britânico e do capital financeiro na evolução do seu pensamento radical
e anti-imperialista, bem como a influência que liberais como Cobden exerceram nos seus
ideais internacionalistas. Sublinha-se também a importância dos grupos de discussão liberais e
radicais, com os quais Hobson colaborou ativamente, e como a sua ida à África do Sul na
qualidade de repórter da guerra dos boers constituiu um ponto de viragem fundamental na sua
visão do imperialismo britânico e, em particular, das respetivas preocupações relativas ao
impacto do imperialismo a nível interno.
A investigação efetuada permite concluir que Hobson, apesar das inconsistências e
algum exagero na forma como expôs as suas teorias, foi um homem à frente do seu tempo,
com uma visão muito abrangente da realidade, que apresentou propostas muito concretas e
viáveis não apenas para a melhoria da qualidade de vida dos britânicos, mas ainda para
solucionar a problemática dos impérios.
Palavras-chave: Hobson, Imperialismo, Capitalismo, Liberalismo, Internacionalismo.
v
Abstract
This dissertation aims to explore the paradigm of imperialism of J. A. Hobson, both in its
essence, assumptions and limitations. Therefore, it was necessary to contextualize Hobson
historically and politically at the end of the19th century, when Darwinist ideas were stirring
and being suitably used as a justification for the British colonization in Africa and consequent
racism, and when New Imperialism imposed itself as a more aggressive phase of Britain's
colonial policy. Conservative politicians such as Disraeli and Joseph Chamberlain encouraged
English people to feel proud of the Empire and the expression of nationalist and patriotic
feelings, generally known as jingoism, attitudes that Hobson would deplore for shaping
British character negatively.
This study places Hobson into the British liberal tradition and emphasizes the role of the
expansion of the British Empire and the financial capital in the evolution of its radical and
anti-imperialist thought, as well as the influence that liberals like Cobden wielded in his
internationalist ideals. It also stresses the importance of liberal and radical discussion groups
in which Hobson took an active part and the way his trip to South Africa as a reporter in the
Boer War marked a turning point in his vision of British imperialism and, in particular, his
concerns regarding the impact of imperialism at home.
The undertaken research led to the conclusion that Hobson, despite inconsistencies and
some exaggeration in the way he expressed his theories, was a man ahead of his time, with a
far-reaching vision of reality and very specific and feasible proposals, not only for the
improvement of the British people, but also to solve the problems of Empires.
Key words: Hobson, Imperialism, Capitalism, Liberalism, Internationalism.
vi
Índice
1. INTRODUÇÃO ….. ...................................................................................................... .1
2. CONTEXTO SOCIOECONÓMICO E POLÍTICO ENTRE 1870 e 1914
2.1. ECONOMIA E SOCIEDADE ....................................................................................... ..5
2.2. POLÍTICA E IMPÉRIO ............................................................................................... 15
2.3. CRÍTICAS AO IMPÉRIO ............................................................................................ 32
3. J. A. HOBSON E O ESTUDO DO IMPERIALISMO
3.1. VIDA E EVOLUÇÃO IDEOLÓGICA ............................................................................ 38
3.2. IMPERIALISMO E LIBERALISMO ............................................................................. 45
3.3. O RADICALISMO SOCIAL ........................................................................................ 49
3.4. O ECONOMISTA HEREGE ....................................................................................... 52
3.5. ESTUDOS HOBSONIANOS ...................................................................................... 56
4. IMPERIALISM: A STUDY DE J. A. HOBSON
4.1. RECEÇÃO E IMPACTO DA OBRA ............................................................................. 65
4.2. RELEVÂNCIA ECONÓMICA DA OBRA ...................................................................... 66
4.3. HOBSON E A PAIXÃO IMPERIAL .............................................................................. 71
4.4. IMPERIALISMO E INTERNACIONALISMO ................................................................ 73
4.5. DA GUERRA DOS BOERS À 1ª GUERRA MUNDIAL – AS CONTRADIÇÕES DE HOBSON ......................................................................... 77
5. CONCLUSÃO ................................................................................................................... 83
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 87
SITIOGRAFIA .................................................................................................................. 90
1
1. Introdução
Este estudo irá examinar o paradigma de imperialismo formulado por J. A. Hobson
no início do séc. XX, quer na sua substância e objetivos, quer nas suas limitações. Enquanto
tradicionalmente os académicos se têm dedicado ao impacto do império britânico no mundo,
Hobson analisou os efeitos do imperialismo sobre as instituições, a economia e a política
britânicas, e ainda a sua influência sobre a mentalidade e o caráter da nação. Tendo o séc.
XIX sido tão rico de acontecimentos históricos, sociais e económicos, optámos por limitar
este estudo ao período de entre 1870 e 1914, tanto pelas alterações geopolíticas mundiais nele
havidas, concretizadas na corrida a África, como por todo o desenvolvimento científico,
industrial e económico em que aqueles cerca de cinquenta anos foram férteis. A par da
democratização do sistema político e consequente alargamento do universo eleitoral, a
emigração para as colónias e a expansão do império nos trópicos inspiraram nessa época
inúmeros textos, artigos e discussões públicas. Foi igualmente um período determinante na
vida e produção literária de Hobson, com destaque para 1902, ano da publicação de
Imperialism, obra central no nosso trabalho de investigação.
O conceito de império transportou até aos nossos dias uma carga muito negativa,
comprovada em obras de ficção recentes em que mundos imaginários são normalmente
associados a impérios do mal, caso de trilogias célebres como Star Wars ou The Lord of the
Rings, nas quais as personagens maléficas controlam impérios e as bondosas governam
reinos. Quando o britânico J. R. R. Tolkien escreveu a famosa trilogia, o seu país possuía
ainda um vasto império, embora já numa fase decadente, sendo os heróis da obra retratados
como aventureiros e trabalhadores incansáveis em prol do bem-estar de outros,
metaforicamente considerados “construtores” do império, com uma imagem positiva e
suscetível de aprovação generalizada.
Ao longo do século XX a ideia de império perdeu muito do seu sentido heroico,
passando de uma quase total aceitação para a rejeição praticamente geral no mundo
democrático. Do mesmo modo o termo “imperialismo”, que Howe (2002: 22) distingue de
“império”, é considerado um processo, uma atitude, uma ideologia e até uma filosofia de vida,
de difícil definição, e que começou a ser amplamente usado apenas na segunda metade do séc.
XIX. O imperialismo reproduz não apenas o processo através do qual uns povos são
dominados por outros, mas ainda a natureza desse domínio, tendo os historiadores tornado o
tema bastante controverso, pelo facto de não chegarem a um consenso quanto à melhor
2
abordagem a uma análise do fenómeno e, consequentemente, considerarem que é muito difícil
estabelecer uma teoria única sobre o imperialismo, que revestiu formas diversas consoante o
espeço e o tempo em que ocorreu.
Do ponto de vista britânico, uma vez que o seu domínio colonial era considerado
civilizado e benéfico para os povos colonizados, o exemplo mais evidente de governo
despótico vinha de França, onde os apoiantes do Imperador Napoleão III eram denominados
“imperialistas”, mas muitos conseguiam também ver indícios de imperialismo britânico na
administração da Índia. Com o New Imperialism e para os conservadores liderados por
Disraeli passou a conotar-se imperialismo com patriotismo e orgulho imperial, enquanto os
radicais-liberais do final do séc. XIX recuperaram as conotações mais pejorativas de
despotismo e de patriotismo agressivo, substituindo por vezes o termo imperialism por
jingoism, pondo assim a tónica na atitude britânica em relação à posse de um império, e não
tanto no domínio, conquista ou expansão colonial em si, sendo então possível
simultaneamente opor-se ao imperialismo e aceitar o império.
O termo latino imperium, que está na origem dos conceitos de “império” e
“imperialismo,” denomina em termos gerais todo e qualquer tipo de relação estabelecida entre
um estado poderoso e outro menos poderoso. Para os Romanos imperium tinha o duplo
significado de fazer guerra e executar as leis, e o imperador era por norma um general
vitorioso. Ao longo do império o termo adquiriu nova conotação, passando a designar o
governo sobre os territórios distantes de Roma, sentido que se manteve durante séculos, vindo
na Inglaterra anglo-saxónica alguns reis a autoproclamarem-se “imperadores” e a
vangloriarem-se da sua “soberania absoluta” se não reconheciam a existência de qualquer
rival pretendente ao trono. Quando Henrique VIII de Inglaterra proclamou o seu império em
1530,teve como objetivos garantir que não prestaria qualquer vassalagem ao Papa nem
permitiria a sua interferência nos assuntos do país.
Embora no reinado da Rainha Vitória, sobretudo por volta de 1840, “império” pudesse
designar apenas as Ilhas Britânicas (Koebner & Schmidt1964: xxv), foi ela quem deu
respeitabilidade e fortaleceu o vasto império ao tornar-se imperatriz da Índia pela mão de
Disraeli. No início do século XX foi o radical liberal J. A. Hobson o primeiro a defender a
ideia de que o imperialismo britânico, mas também o europeu, estava associado à procura de
mercados e áreas de investimento do capital financeiro, tendo afirmado então que
imperialismo e capitalismo eram uma e a mesma coisa, teoria desenvolvida posteriormente
por Lénine. Atualmente falar de imperialismo é falar da política externa dos Estados Unidos,
que utiliza os mesmos métodos do colonialismo dos séculos XIX e XX, embora não
3
diretamente, mas antes através de um controlo económico, diplomático e cultural, não
hesitando porém em intervir militarmente se considerar que os seus interesses estão
ameaçados, como aconteceu no Vietname, Kuwait ou Iraque.
Apesar de o conceito de império se ter alterado ao longo da história e muitas terem
sido as formas de o tentar definir, citaremos a definição de Stephen Howe, que nos parece
muito concisa (2002: 14):
(…) an empire is a large political body which rules over territories outside
its original borders. It has a central power or core territory – whose
inhabitants usually continue to form the dominant ethnic or national group
in the entire system – and an extensive periphery of dominated areas. In
most cases the periphery has been acquired by conquest.
É nosso propósito nesta dissertação analisar o imperialismo britânico do ponto de
vista de alguém que, ao contrário de Disraeli, Chamberlain ou Kipling, homens que tanto se
orgulharam do “seu” império, o tivesse encarado como algo de intrinsecamente mau e
prejudicial ao país e, nesse sentido, Hobson surgiu-nos como a figura ideal.
Para levarmos a cabo este estudo, propomo-nos caracterizar primeiro o contexto
socioeconómico e político em que Hobson viveu e no qual desenvolveu as suas teses sobre o
imperialismo, com relevância para a revolução industrial, a expansão da alta finança e da City
como centro mundial dos negócios, e a luta política entre conservadores e liberais, liderados
respetivamente por Disraeli e Gladston. Discordando embora da importância e da
administração do império bem como da expansão colonial, liberais e conservadores
praticaram o New Imperialism que conduziu à partilha de África e à guerra dos boers, que
acabou por despertar algumas consciências e, no caso de Hobson, muito contribuiu para a
alteração da sua perspetiva sobre o império. Em segundo lugar, abordaremos a vida, obra e
evolução ideológica de Hobson, realçando o papel das sociedades éticas nas quais se reuniam
os grupos de intelectuais que nos finais do séc. XIX refletiam sobre a sociedade da época,
exigindo reformas sociais, e que tiveram um papel fundamental no radicalismo das suas
visões sobre o império e na sua relação com o imperialismo liberal. Dedicaremos ainda parte
importante desta dissertação ao estudo de Imperialism, obra na qual Hobson reuniu os textos
que escreveu enquanto correspondente na guerra dos boers, referindo a forma como a obra foi
recebida pela sociedade e pelos críticos, e analisando pormenorizadamente o seu conteúdo e a
questão da sua atualidade. Na parte final do trabalho e porque ele abarca ainda um período de
cerca de uma década após a publicação de Imperialism, destacaremos a evolução de Hobson e
4
as ligeiras alterações efetuadas na 2ª edição da obra, publicada em 1905, mas An Economic
Interpretation of Investment, de 1911, merecer-nos-á particular atenção, visto que nele
Hobson contradisse algumas das suas anteriores posições sobre o imperialismo, certamente
fruto de alterações políticas na Grã-Bretanha e ainda da natural evolução ideológica de um
pensador tão fecundo.
Dado que Hobson publicou cinquenta e duas obras e centenas de artigos e cartas,
para além de Imperialism, destacaremos também a sua autobiografia, Confessions of an
economic heretic, fundamental para perceber a sua evolução como pensador político e
económico, bem como The Psychology of Jingoism, no qual desmonta e analisa a influência
que o império teve no carácter dos britânicos, muito conseguida através da cooperação de uma
imprensa “amiga” dos que defendiam a manutenção e exploração económica das colónias,
inflamando as emoções e o fervor patriótico do povo e levando-o ao rubro com os sucessos
dos soldados do império.
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2. Contexto Socioeconómico e Político entre 1870 e 1914
2. 1. Economia e Sociedade
A história da Grã - Bretanha do séc. XIX ficou marcada por duas realidades que
contribuíram de forma decisiva para uma modificação profunda da estrutura económica e
social do país e para o seu desenvolvimento interno, bem como para um claro domínio
externo: o Império e a sua expansão, sobretudo a partir da década de 1870, e a Revolução
Industrial, ambos numa relação de dependência, na qual a industrialização usou o Império
como forma de encontrar mercados para os novos produtos manufacturados em série e o
Império utilizou o dinheiro acumulado pelos magnatas da indústria para se expandir e
autojustificar. A Revolução Industrial levou a Grã- Bretanha a alterar o seu modo de vida
tradicional e a adaptar-se ao progresso trazido pela industrialização que, para o bem e para o
mal, transformou decisivamente a sociedade, contribuindo de igual forma para estimular o
debate intelectual e político.
Hobsbawm (1999: 12) escreveu: “the Industrial Revolution is not merely an
acceleration of economic growth, but an acceleration of growth because of and through,
economic and social transformation.” O aparecimento de novas máquinas, sobretudo têxteis,
contribuiu para a mudança de hábitos laborais, com implicações na vida económica e social
do país e da população. A partir dos finais do século XVIII até à segunda metade do XIX,
todo o sistema económico e social britânico se transformou, sobretudo nos setores industrial,
comercial e financeiro. Do mesmo modo, a tecnologia utilizada, toda a organização e práticas
laborais e novos modos de produção, bem como o crescimento demográfico e a deslocação de
parte da população das áreas rurais e do setor agrícola para as cidades, muitas delas
transformadas em grandes centros industriais, foram alterações evidentes e de grande
relevância social na época.
A indústria têxtil, sobretudo a do algodão, sofreu enorme expansão e, a par de fábricas
que empregavam centenas de trabalhadores em instalações pouco adequadas, proliferavam
muitas outras de menores dimensões, com menos trabalhadores, e uma produção artesanal,
em pequena escala, que apenas satisfazia o mercado interno. Tratava-se de pequenas
indústrias familiares, que controlavam o comércio local, instaladas em ruas escondidas e
operando de forma quase clandestina, que recorriam às poupanças familiares, mais do que aos
bancos, para se capitalizarem e para fazerem novos investimentos. (Hobsbawm, 1999: 50)
Durante décadas os produtos britânicos, manufacturados em série e de forma
6
competitiva, dominaram o comércio mundial. O enorme crescimento da produção teve como
consequência uma queda acentuada dos preços e um aumento da procura interna e externa que
estimularam de forma decisiva a economia vitoriana, levando a que nenhum outro país no
mundo tivesse possibilidades de competir com a Grã- Bretanha, tornando-se esta a oficina do
mundo.
Mais determinante do que os têxteis para o desenvolvimento económico foi, sem
dúvida, a indústria pesada. A este propósito escreveu Hobsbawm (1999: 87): “Fortunately a
new phase of industrialization was about to take over, and to provide a much firmer
foundation for economic growth: that based on capital goods industries, on coal, iron and
steel.” A produção de energia a vapor, a construção de navios mais modernos e, sobretudo, do
caminho-de-ferro, impulsionaram de forma decisiva as comunicações e as deslocações de
pessoas e cargas. Segundo Anthony Wood (2002: 175) entre 1850 e 1870 construíram-se
62.700 Km de linha férrea e, em 1869, exportaram-se 300.000 toneladas de ferro para os
EUA, para a construção do caminho-de-ferro naquele país, correspondendo a um terço das
exportações anuais daquele minério. Na década de 70 a produção de aço atingiu as 486.000
toneladas por ano, passando a utilizar-se mais do que o ferro, por ser menos quebradiço.
A construção naval sofreu, de igual modo, enorme expansão neste período.
Construíram-se navios de cinco toneladas e desenvolveram-se caldeiras de aço e motores de
expansão tripla, para um consumo mais económico de combustível e uma navegabilidade
mais rápida do a que as velas permitiam. A abertura do Canal do Suez, em 1869, reduziu em
muito a duração das viagens para oriente, contribuindo para o aumento das exportações dos
bens que se produziam em grande escala. Apesar disso, segundo Anthony Wood, em 1875 as
importações suplantaram as exportações em 60 milhões de libras: “Thus the workshop of the
world never entirely paid its way.” (2002: 177)
Com o centro da atividade económica a transferir-se da agricultura para a indústria e
para o comércio, verificaram-se alterações significativas a nível social, com consequências em
todas as classes. A velha aristocracia rural continuou com peso institucional na sociedade,
mas com o declínio da agricultura por volta de 1870, perdeu influência, prestígio e poder
económico. Cain e Hopkins (2002: 115) escreveram a este propósito:
The landed aristocracy could mitigate their economic difficulties after 1870
only by reaching an accommodation with other forms of wealth. (…) And,
insofar as their political and social power was on the wane, their successors
were gentlemen from the service sector or from finance rather than
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manufacturers from the industrial provinces.
As famílias proprietárias de estaleiros navais, empresas de navegação, campos de
minas e bancos contavam-se entre as mais abastadas do país mas, ao longo do século, viram-
se forçadas a formar sociedades, que elegiam órgãos diretivos para gerir as empresas. A classe
média foi, sem dúvida, a que mais cresceu e prosperou naquela época. Aumentou, de forma
significativa, o número de profissionais com um elevado rendimento, como advogados,
contabilistas, engenheiros, arquitetos ou médicos. Abaixo destes na escala social, surgiam
empregados bancários e de seguros, prósperos donos de lojas e de pequenas fábricas. As
mulheres passaram também a fazer parte da força de trabalho e, de acordo com Wood (1982:
182), havia em 1871 mais de 1.200.000 de empregadas domésticas.
Contudo, a nova riqueza nacional teve pouco impacto nas classes trabalhadoras. Em
1867 um trabalhador especializado ganhava £ 3 por semana e os aumentos salariais eram
sempre diminutos. Apesar de as condições de trabalho irem gradualmente melhorando, graças
às leis sucessivas que o Parlamento aprovava com esse objetivo, ainda assim, de acordo com
Wood (1982: 185), em 1875 morreram cerca de 800 trabalhadores do caminho-de-ferro e
anualmente morriam mais de mil mineiros, devido à dureza e ao perigo das suas profissões. A
análise que Rubinstein (1998: 296) faz desta classe é crua:
Apart from being crime-ridden (…) and full of disease, the East End and
other deprived areas were inhabited by tens of thousands of people who
spoke English with a different accent and were, to the wealthy, often
physically repellent. (…) Workers indeed often wore the same clothes for
months on end; (…) Drink and drunken behaviour, signs of domestic
violence, foul language and shouting, would also be unavoidable features of
any venture into the slums.
Até ao início da Primeira Guerra Mundial cerca de 10% da população londrina,
sobretudo desempregados ou operários indiferenciados, vivia na mais completa miséria, e no
final do séc. XIX 30% da população britânica vivia em pobreza crónica, segundo Rubinstein
(1998: 294).
No entanto, face à vasta oferta de produtos a preços mais baixos, as classes média e
trabalhadora puderam aceder ao consumo de tecidos, calçado, artigos para o lar, como
porcelanas, espelhos, relógios, mobiliário, e ainda diversos acessórios para vestuário.
Passaram, de igual modo, a comprar fruta, legumes, carne, leite e muitos outros alimentos,
8
que agora já não produziam. Com a vinda para as cidades à procura de trabalho e de melhores
condições de vida, muita gente que vivia da agricultura saiu das terras que antes cultivava,
perdeu os hábitos da vida rural e adaptou-se, como pode, à vida urbana. Foi, então, visível o
aumento do número de lojas, o uso de montras, o aparecimento de grandes armazéns a partir
de 1880, com a consequente utilização de publicidade em cartazes e nos jornais.
No período entre 1880 e 1900 o progresso social foi notório. Como afirmou Richard
Shannon(1976: 202): “Evidence of increasing well-being was indeed impressive.” O nível de
vida das classes trabalhadoras melhorou, muito devido aos aumentos de salários e à descida
dos preços dos bens de consumo. Ainda segundo Shannon (1976: 202): “Probably the gain in
real wages for the average worker in the period 1860-1900 was about 60%.” As condições
higiénicas melhoraram e as doenças contagiosas deixaram de ser uma ameaça social
constante. Nesse período muitos lares passaram a ter eletricidade, inventou-se o
cinematógrafo e massificou-se a cultura, até então privilégio de gente abastada e confinada a
salões privados. A taxa de mortalidade baixou, bem como a de natalidade, sobretudo no seio
das classes altas, o que alarmou alguns setores da sociedade, que encararam esse facto como
um sinal de decadência nacional, sugerindo que os filhos das classes baixas, menos capazes,
acabariam por ultrapassar os das classes superiores, considerados mais competentes para gerir
o país.
No entanto, e paradoxalmente, enquanto a sociedade progredia a economia
desacelerava. A partir de 1870, com o desenvolvimento da Alemanha e dos Estados Unidos,
que possuíam reservas abundantes e mais baratas de energia e matérias-primas, setores como
a agricultura, os têxteis, o ferro, o aço e alguns bens de consumo entraram numa fase difícil.
O caminho-de-ferro chegava agora aos enormes silos da Rússia e a Europa era inundada pelos
cereais oriundos dos Estados Unidos. Para Hobsbawm (1999: 164-166) a tendência
continuada de redução de preços internacionais, por força das novas condições de
concorrência, exigiam que a economia britânica se reestruturasse. Para entrarem no jogo do
mercado, os industriais britânicos teriam de aumentar a produtividade e baixar os preços, o
que implicava a existência de grandes unidades fabris, ou aceder ao crédito fácil para
financiarem o desenvolvimento e a comercialização dos bens de consumo. Porém, o carácter
obsoleto da indústria britânica e alguma inércia do setor financeiro conduziram à perda de
competitividade da economia, face a atitudes mais arrojadas por parte dos Estados Unidos e
da Alemanha. Além disso, as políticas liberais da época impediam a intervenção estatal e o
protecionismo económico à agricultura e à indústria. Consequentemente, a economia britânica
sofreu, no último quartel do séc. XIX, uma recessão que ficou registada na História como
9
Great Depression, caracterizada por uma queda acentuada nos preços dos produtos agrícolas,
devido às importações de outros países e ainda a períodos de más colheitas, que conduziram
ao abandono das quintas por parte de muitos agricultores, que não retiravam qualquer
proveito da sua atividade. Da mesma forma, a indústria e o comércio sofreram quedas
acentuadas nas taxas de crescimento, nos lucros e no investimento estrangeiro. Hobsbawm
(1988: 70) sintetizou desta forma os mais de vinte anos de recessão económica mundial: “A
depressão da década de 1870 inaugurou uma nova era histórica, política e económica. (…)
Essa depressão minou ou destruiu as bases do liberalismo de meados do século XIX, que
parecera tão firmemente implantado.”
Para além dos motivos já referidos, pode também apontar-se o avanço tecnológico
como causa da queda dos preços de produção e distribuição mas, na época, as classes mais
altas recusavam qualquer ligação ao comércio e à tecnologia; no ensino destacava-se a
ausência de formação científica, se comparado com o de países como a França, Áustria,
Prússia, Bélgica ou Suíça, que ministravam cursos de gestão aos industriais, ou da Alemanha,
com o dobro dos estudantes universitários. (Wood, 1982: 279)
Apesar da industrialização e consequente modernização do país, a aristocracia rural
continuou a dominar os centros de decisão e o governo. Os interesses financeiros dos que
viviam de rendimentos, mais do que os dos novos empresários industriais, guiavam a política
nacional, muitas vezes às custas da indústria. Mesmo os magnatas industriais aspiravam ainda
a um estilo de vida rural. As segundas e terceiras gerações das dinastias industriais estudavam
em colégios privados e buscavam carreiras na lei ou na administração imperial, mais do que
nos negócios. Atitudes pouco entusiásticas em relação ao espírito empreendedor industrial
foram os calcanhares de Aquiles do sucesso britânico. Hobsbawn (1999: 166) apontou
algumas das falhas do sistema industrial britânico: incapacidade de modernização por parte
dos empresários, que não adotaram métodos mais avançados, persistindo em padrões
obsoletos e evitando investir os lucros em novas tecnologias. A desaceleração do crescimento
da economia no final da era vitoriana e a crescente competição dos concorrentes estrangeiros,
sobretudo a Alemanha e os Estados Unidos, podem ser considerados como o preço inevitável
a pagar pelo uso pioneiro de novas tecnologias, nunca antes experimentadas. As indústrias
rivais dos outros países aprenderam com o exemplo e os erros britânicos e receberam,
provavelmente, maior ajuda financeira e proteção por parte dos seus estados. A política de
seguir a liderança britânica tornou a sua industrialização mais vigorosa e rápida, para
conseguirem acompanhar o passo, já avançado, do rival. Segundo Porter (1984: 119-20):
The facts of the matter were simple and ominous. Economically Britain was
10
falling back in the world in the 1890s, as she had in the 1880s. (...)Year by
year the gap narrowed between Britain and her industrial competitors. In
foreign trade Britain was having to struggle to maintain even a moderate
rate of growth, while her rivals bounded ahead on theirs.
Na última década do séc. XIX a Grã-Bretanha era ainda uma das potências mais
industrializadas, porém, suplantada já pelos seus dois maiores rivais na produção de aço. Para
além disso, era um país com poucos recursos naturais para além do carvão, a sua indústria
têxtil dependia muito da importação de algodão e, dado o declínio agrícola, já referido
anteriormente, importava, nessa altura, cerca de metade dos bens alimentares e outros,
necessários a uma população que aumentava dia a dia. A solução era recorrer aos mercados
do Império, mais desprotegidos e de fácil exploração. A Grã- Bretanha tornara-se, não uma
economia competitiva, mas antes parasitária, nas palavras de Hobsbawm (1999: 170): “living
off the remains of world monopoly, the underdeveloped world, her past accumulations of
wealth and the advance of her rivals.” Dotada de bancos com muito capital acumulado, que
podia emprestar aos outros países, de boas seguradoras e de serviços financeiros de
excelência, para além de uma boa frota mercante, a economia britânica deslocou-se, nos finais
do século XIX, da indústria para o comércio e finanças, tornando-se então a City de Londres o
centro financeiro mundial. Banca, seguros e bolsa geraram fortunas bem maiores do que as
conseguidas na indústria, sendo, na época, os negócios da City conduzidos sob os princípios
do que Cain e Hopkins chamam de gentlemanly capitalism, cujos ideais, mais próximos dos
da aristocracia rural do que dos dos novos-ricos da indústria, estavam assentes numa rede de
contactos pessoais, na confiança mútua e em códigos de honra mais usuais nas zonas rurais ou
nos clubes privados da capital.
As atividades financeiras da City originaram elevados rendimentos, não só às
empresas já estabelecidas, mas ainda a pequenos negócios familiares, e as suas elites,
constituídas maioritariamente por famílias de origem judaica, para além de prestígio, viram
abrir-se-lhes as portas da política e do poder mais facilmente do que aos empresários
industriais. Da mesma forma banqueiros, financeiros e gente ligada ao comércio ficaram mais
reguardados na luta de classes, sendo os industriais forçados a sofrer a hostilidade dos
conflitos laborais que foram surgindo ao longo do século XIX, o que, de certa forma, minou a
autoridade que a riqueza adquirida, de contrário, lhes daria. Viam-se invariavelmente
encurralados entre a cultura cavalheiresca que inundou o mundo capitalista, que
simultaneamente desprezava a tecnologia industrial geradora da sua riqueza, e o sindicalismo
11
radical, que exaltava a produção mas condenava o lucro.
Cain e Hopkins afirmaram (2002: 47): “The Imperial mission was the export version
of the gentlemanly order. In some respects, indeed, the gentlemanly code appeared in bolder
format abroad in order to counter the lure of an alien environment”. O império foi também o
solo fértil para a cultura cavalheiresca gerar o bem, o progresso e os ideais de honra e de
cumprimento do dever.
Os financeiros da City, ao invés de apoiarem a indústria, intensificaram a exportação
dos capitais excedentários, motivados pelos lucros obtidos, levando a uma política
expansionista muito agressiva por parte da Grã-Bretanha que inaugurou uma nova fase da sua
política colonial, conhecida por New Imperialism, caracterizada pela divisão do mundo em
zonas preferenciais de atuação dos capitais nacionais. Sentindo-se ameaçada pelo crescimento
económico e pela crescente concorrência de outras potências europeias, sobretudo França e
Alemanha, para além dos Estados Unidos, que a destronaram do lugar de única potência
industrial, levando ainda a uma redução drástica do seu comércio mundial, a Grã – Bretanha
viu-se forçada a expandir o império formal principalmente em África, Oriente e zona do
Pacífico na defesa dos seus interesses económicos (James 1998: 201). Os políticos liberais,
nomeadamente Gladstone, habitualmente contrários a mais anexações, foram forçados a
reconhecer a importância para o país de esferas de influência ciosamente vigiadas, tal como
faziam as outras potências coloniais. Um dos maiores defensores do New Imperialism foi
Joseph Chamberlain, empresário de sucesso, mayor de Birmingham e político hábil, cujas
funções de Estado incluíram a de ministro de um governo liberal e posteriormente a de
Secretário Colonial de um governo conservador. Chamberlain acreditava profundamente na
unidade do Império, na figura da Rainha Vitória como símbolo máximo dessa unidade e
também na missão civilizadora da raça anglo-saxónica, cujos valores como patriotismo, fair
play, autodisciplina, altruísmo, coragem e ousadia (James 1998: 205-6) que Chamberlain
considerava vitais para o desenvolvimento e felicidade dos povos mais atrasados, eram
transmitidos nas escolas às futuras gerações de administradores do Império. Num discurso
proferido em Londres em 1987, ano do jubileu da Rainha, Chamberlain afirmou (Boehmer
1998: 213):
We feel now that our rule over these territories can only be justified if we
can show that it adds to the happiness and prosperity of the people, and I
maintain that our rule does, and has, brought security and peace to countries
that never knew these blessings before. In carrying out this work of
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civilization we are fulfilling what I believe to be our national mission, and
we are finding scope for the exercise of the faculties and qualities which
have made us a great governing race.
A primeira colónia britânica no continente africano foi Cape Colony, na Áfirca do Sul,
adquirida em 1815 após o Congresso de Viena, mas a partilha de África (Scramble for
Africa), que caracterizou em grande parte o New Imperialism, começou para os britânicos em
1882 com a ocupação do Egipto, país anteriormente ocupado pela França durante as
campanhas napoleónicas e que estava, desde então, sob influência francesa em vários
domínios. M. E. Chamberlain (1999: 29) escreveu:
The Egyptian educational system, which was more advanced than that of
many parts of Europe, was modelled on the French system and Egyptian law
was codified according to Napoleonic practice. Some Egyptians became
interested in French philosophy and political thought. (…) At first those
Egyptians who wanted to change their country were by no means hostile to
European influence. On the contrary they saw Europeans as allies against
obscurantist elements in their own society.
Foi um francês, Ferdinand de Lesseps, a levar a cabo a construção do Canal do Suez,
inaugurado em 1869, que passou a ligar o Mar Vermelho ao Mediterrâneo, reduzindo para
metade o tempo de viagem para a Índia. Apesar da oposição inicial, por temerem que aquela
nova passagem fosse objeto da cobiça e de controlo por parte de outros países, o Canal acabou
por ser, para os britânicos, de vital importância comercial e militar, dada a sua presença na
Índia. Em 1875, o então primeiro-ministro Disraeli, comprou cerca de metade das ações da
Companhia do Canal do Suez, para conseguir um certo controlo sobre aquela importante via
de comunicação, mas a situação política e económica do Egito deteriorou-se muito no início
dos anos 80 e os interesses britânicos no país foram postos em risco. Em 1882 oitenta por
cento do tráfego marítimo no Canal era britânico (Chamberlain 1999: 31) e, temendo que o
Canal passasse para controlo estrangeiro, o primeiro-ministro Gladstone enviou ao Egito uma
expedição militar que em três dias derrotou o exército local, passando o Canal do Suez a ficar
sob controlo britânico e assumindo a Grã – Bretanha, quase em seguida, a administração das
finanças e do governo egípcios (Hill 1977: 137). Esta ocupação foi considerada desastrosa
para o governo britânico, muito criticada na Grã-Bretanha e causadora de atritos com a
França, com a qual houvera, até então, um bom entendimento. Ainda segundo Chamberlain
13
(1999: 39):
It has been contended by some historians, and strenuously denied by others,
that the Anglo-French estrangement over Egypt had repercussions all over
Africa, that indeed was the trigger that began an unexpected and unintended
chain reaction which resulted in the partition of tropical Africa among the
European great powers.
A partir de 1880 os britânicos passaram a um controlo mais formal de áreas do sul e
oeste do continente africano, sobretudo para salvaguardar as rotas comerciais do Oceano
Índico e defender interesses nacionais, postos em causa pela competição de outras poderes
europeus, como foi referido anteriormente. A posição dominante da Grã-Bretanha como
potência industrial e a prosperidade do país foram tão seriamente ameaçadas, que nem o
governo nem a população se sentiram desconfortáveis perante novas anexações, que mais não
foram que uma reação de pânico a uma situação de risco económico para o país.
(Chamberlain 1999: 57)
Entre 1878 e 1914 as potências coloniais europeias, Grã-Bretanha, Portugal, França,
Alemanha, Itália e Bélgica, repartiam entre si cerca de um sexto do mundo, tendo o Império
Britânico ganho mais 12,173.000 de quilómetros quadrados de extensão nesse processo. A
explicação mais convencional era a económica: o comércio seguia a bandeira. Porém, com o
decorrer do tempo, verificou-se que esse não era um motivo válido para explicar o
imperialismo expansionista.
Lawrence James (1998: 215) escreveu:
Britain entered the twentieth century as the world’s greatest imperial power
at least in terms of territory and population. The fact was widely trumpeted
by politicians and journalists, along with platitudes about dispensing
civilization to those who lacked it. There was also a steady stream of
reassuring propaganda which emphasized national greatness and the innate
strengths of the Anglo-Saxon character.
O séc. XIX terminou com a morte da Rainha Vitória, após um longo e impressionante
reinado, passando o trono ao filho, Eduardo VII, que reinou somente durante nove anos, não
tendo tido o tempo necessário para cunhar uma época, como a mãe conseguira. O historiador
G.M. Trevelyan (1975: 408) resumiu desta forma os sessenta e quatro anos de época
14
vitoriana:
(…) in those sixty years past, millions had come out of the house of
bondage and misery into which the unregulated advent of the Industrial
Revolution had plunged its victims. In the same years our people had spread
far over the face of the globe, carrying with them, on the whole, justice,
civilization, and prosperity where they went. Great men of genius in
literature, science, and thought had adorned an age when civilization
seemed for a while to be strong both in quantity and in quality, and had
helped to make common during her reign certain standards of intellectual
seriousness and freedom.
Apesar da imensidão de acontecimentos que tiveram lugar durante o séc. XIX,
verificou-se, ainda assim, uma continuidade ao nível da estrutura das instituições e do
governo. Rubinstein (1998: 334) afirmou: “The monarchy, the two Houses of Parliament, the
Cabinet government, the Established Church, the titled aristocracy, the common law, and
many fundamental British institutions appeared not to have changed in any formal sense
during the 19th century.” No entanto, as mudanças sociais e políticas foram evidentes,
sobretudo no que diz respeito aos direitos das classes trabalhadoras. O movimento sindical
impôs-se e, a partir de 1907 greves gigantescas tiveram lugar em todo o país, devido ao
declínio económico já anteriormente analisado. O extremismo e a violência tomaram conta do
país e atingiram todas as classes. Apesar disso, durante o breve reinado de Eduardo VII a
sociedade refinou-se, muito ao gosto do rei que, ao contrário da mãe, era mundano e
apreciava viajar, tendo já ao seu dispor os recursos tecnológicos necessários. Quando morreu,
em 1910, era um rei popular, em grande parte devido ao seu apoio às artes, mas o país
enfrentava já alguma decadência. Jeremy Paxman resume assim a situação do país no reinado
de Eduardo VII (2012: 217):
The Boer War had shown how the mightiest power on earth could be
brought low by a bunch of farmers, and recruitment for the army had
demonstrated the appalling physical condition of many of the slum-dwellers
who were supposed to defend the flag. The nation could no longer feed
itself, and the Germans were expanding their naval fleet. The upper classes
were infiltrated by arrivistes who cared more for money than for duty:
Trades unions were on the rise and industrial productivity was dropping.
15
O Império agitava-se já em várias frentes e muito rapidamente se viu envolvido em
nova guerra, a primeira e uma das maiores do séc. XX, que marcou definitivamente a entrada
no novo século. De entre os vários fatores que originaram o conflito, contam-se também os
económicos. Como Wood (1982: 415) afirmou:
Russia’s desire to prevent the development of a German economic empire in
the Balkans, the growing significance of the Middle East, the clash between
British and German business interests – all these were factors that had a
considerable bearing on the political scene (…).
2. 2. Política e Império
Se, como foi referiu anteriormente, a Revolução Industrial contribuiu de forma
decisiva para o progresso económico e social da Grã-Bretanha e para o reforço da sua posição
no mundo, a questão imperial esteve permanentemente no centro do debate político, quer no
Parlamento e na imprensa, quer em tertúlias liberais, em que grupos de intelectuais e políticos
analisavam à exaustão a legitimidade e o futuro do Império, tanto em termos políticos como
económicos.
O pensamento liberal invadira a Grã-Bretanha nos anos 30 do séc. XIX e dominara
toda a época vitoriana, englobando ideias, valores e conceitos que se disseminaram por uma
realidade política e social complexa e em constante evolução. A independência das colónias
americanas e a Revolução Francesa no final do séc. XVIII, e o processo de reformas sociais e
económicas na Grã- Bretanha, iniciado com a Lei de Reforma de 1832, a revogação das leis
dos cereais ou a adoção do comércio livre na década de 40 contribuíram para moldar o
pensamento político do século, sofrendo adaptações, reinvenções e incorporando outras
doutrinas, incluindo as teorias evolucionistas e económicas mais revolucionárias.
Para os liberais a sociedade era constituída por indivíduos com identidades e interesses
autónomos, que procuravam formar grupos ou organizações com o fim de progredirem nos
seus propósitos políticos e sociais. A base do liberalismo era o impulso reformista, dirigido
sobretudo contra a concentração e abuso do poder político. Michael Freeden escreveu a este
propósito (1986: 5):
16
The concern of liberals with problems of social reform was of course part of
a general movement of a progressive thought that had existed as an
undercurrent in the first half of the nineteenth century and gradually swelled
to become a dominant factor in social thought towards the end of the
Victorian era.
No centro das suas preocupações estavam problemas sociais como a pobreza, o
desemprego ou a doença, que constituíram verdadeiros desafios para os políticos da época e
para os quais os intelectuais liberais procuraram dar respostas, passando a encarar as questões
sociais do ponto de vista da filosofia, da religião, da ciência e do pensamento político e social
(Freeden1986: 6).
Cobden, Mill, Maine, Spencer, Hobson e Hobhouse foram pensadores e ativistas
liberais notáveis que influenciaram, de forma marcante, a cena intelectual e política do séc.
XIX. O Império era de uma forma geral apoiado, mas a diversidade de ideias expressas e
argumentos utilizados conferia ao debate imperial uma multiplicidade de discursos à medida
da sua dimensão. No final do século, no auge da expansão colonial, a discussão centrava-se na
natureza e objetivos do Império, abandonando as justificações éticas que haviam dominado o
discurso imperial do início do século, substituídas agora por um debate sociológico e
económico. Peter Cain, num ensaio incluído na coletânea Victorian Visions of Global Order
(Bell: 215) afirma:
Within the multiform and sometimes contradictory web of ideas labelled
‘liberalism’ in Victorian England there was an important strand of thinking
best described as popular radicalism. It emerged in the eighteenth century,
finding its first full expression in the work of Paine, and ended in the early
twentieth century, at which point it was subsumed in what passed in Britain
for Marxism.
Em 1870 este radicalismo estava, em grande parte, contido num Partido Liberal
emergente, uma força política que reunia comerciantes, pequenos industriais e sindicalistas
radicais e que teve como uma das principais figuras W. E. Gladstone, eleito primeiro-ministro
por quatro vezes. No lado conservador esteve o igualmente distinto Benjamin Disraeli, sendo
ambos os protagonistas centrais da cena política dos finais do século XIX, e tendo colocado o
Império no topo do debate político e social da época.
O Império Britânico que existia e prosperava há quase três séculos ocupava agora um
17
quinto do globo e governava, a partir de Londres, cerca de 400 milhões de súbditos de etnias e
credos diferentes, para além da Índia, com mais de trezentos milhões de pessoas. O controlo
exercido sobre esta enorme dispersão de territórios e povos era bastante flexível: uma certa
prepotência nuns locais e a colaboração voluntária dos governantes locais com a coroa
britânica noutros. (Johnson, 2003: 2)
O termo ‘império’ teve origem na palavra latina “imperium”, conotada com os
conceitos de comando e poder e significava a autoridade exercida por um monarca
habitualmente denominado imperador mas, para os britânicos dos finais do séc. XIX,
designava os territórios possuídos por um estado para além das suas fronteiras nacionais, cujo
governante poderia não ser chamado de “imperador” (Porter 1984: 1). É também este autor
que afirma (1994: 2):
Fundamentally the empire – true to its derivation – was a manifestation of
British power and influence, and whatever strange individual shapes they
took the colonies all shared this common characteristic, that they owed their
origins in some way to British economic, political and cultural
predominance in the world.
Para além dos territórios oficiais pertencentes e administrados pela coroa britânica,
havia o chamado “império informal”, fruto da expansão económica e do dinamismo
vitorianos. O sistema industrial precisava de cada vez mais matérias-primas, logo de locais
onde as adquirir, e ao transformá-las em bens transacionáveis, exigia cada vez mais mercados
para os vender. É ainda Porter quem afirma (1984: 4): “The way Britain prospered was by
manufacturing articles for sale abroad, which her customers paid for in raw materials and
food. (…) The ties of dependency therefore between Britain and her trading partners were
mutual. (…) ”
Essa forma de controlo informal era porventura mais favorável aos britânicos, já que
podiam exercer influência económica, sem custos políticos. Em 1953 John Gallagher e
Ronald Robinson escreveram o artigo “The Imperialism of Free Trade”, no qual chamaram a
atenção e, em simultâneo, criticaram a posição britânica nesta questão. Para eles a expansão
foi uma espécie de imperialismo barato, que se deu através do comércio. Na página 13 1escreveram:
British policy followed the principle of extending control informally if
1 Edição online
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possible and formally if necessary. To label one method ‘anti-imperialist’
and the other ‘imperialist, is to ignore the fact that whatever the method
British interests were steadily safeguarded and extended.
A expansão do Império deu-se sobretudo devido a fatores económicos: a necessidade
de defender no estrangeiro os interesses económicos e financeiros britânicos, abrir os
mercados à exportação dos bens produzidos no país, bem como ainda adquirir, nessas
paragens, matéria-prima mais acessível. Sobre estas questões escreveu Hill (1977: 138):
What was the general economic importance of these new lands to Britain?
Most obviously they offered new markets for British manufacturers –
markets not only for consumers’ goods like cotton clothes, hardware and
metal goods, pottery and the like, but also for the heavy equipment (…)
rails, steamships, mining machinery and large –scale tools of various kinds.
New supplies of well-known materials, (…)
Os novos territórios ofereciam ainda a oportunidade de novos investimentos, outro
fator relevante para a economia britânica, muito embora a maior parte do capital investido em
negócios pelos empresários britânicos fosse para a Índia e a Austrália e não para as colónias
africanas. (Hill 1977: 139)
Outra questão crucial foi a emergência de novas potências, que rivalizavam com a
supremacia económica e imperial britânicas, casos da Alemanha, dos Estados Unidos e
também da França. Ao ameaçarem os interesses nacionais, aqueles países desenvolveram na
Grã- Bretanha um sentimento de insegurança, levando-a à ânsia pela defesa do Império. De
acordo com Porter (1984: 74): “In the last quarter of the nineteenth century British interests in
the world seemed to be threatened more and more, and people in Britain were becoming more
aware of this and more vigilant.”
A partilha da África, levada a cabo por diversos Estados europeus, esteve
precisamente relacionada com a necessidade de equilibrar o seu poder no mundo e, no caso
britânico, também a de impor ordem em zonas onde uma emergente instabilidade social
punha em risco empresas britânicas lucrativas.
O Império sobreviveu e prosperou durante três séculos graças à proteção da armada
mais poderosa do mundo, ao mérito de uma vasta marinha mercante, que transportava da Grã-
Bretanha para todo o globo, e vice-versa, os bens transacionáveis, e a um sistema financeiro
de sucesso, sediado na City de Londres. A sua administração esteve entregue a milhares de
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funcionários civis, muitas vezes recrutados nas próprias colónias, e a homens de negócios
dinâmicos que, através de uma boa rede de transportes, com relevo para o caminho-de-ferro,
providenciavam a distribuição dos produtos manufacturados, com apoio dos bancos,
companhias de seguros e de navegação. O Império comunicava em inglês através do
telégrafo, correio e telefone. O governo controlava e o exército vigiava, com o apoio de uma
boa parte do povo britânico. (Johnson 2003: 5)
Como foi referido anteriormente, os dois políticos mais proeminentes da última fase
da época vitoriana foram Gladstone e Disraeli, ambos notáveis primeiros-ministros, de áreas
políticas diferentes e com visões completamente distintas da questão imperial. O primeiro,
com uma carreira longa ao serviço do Estado, iniciou funções governativas em 1830 num
governo conservador para, trinta anos mais tarde, se tornar líder do Partido Liberal, posição
que manteve durante um quarto de século e que lhe permitiu ser primeiro-ministro quatro
vezes, tendo angariado muito respeito pela forma moralista como abordou a política e pela
profunda fé cristã que sempre orientou a sua vida (Goodlad 2000: 14). Antes de aderir ao
Partido Liberal, Gladstone comungava das posições pacifistas e internacionalistas de Cobden.
Considerava que os gastos em armamento eram um sorvedouro de impostos e um estímulo
para uma política externa agressiva (Goodlad 2000: 20). Imperialista relutante, acreditava que
a grandiosidade britânica residia no comércio, na indústria e nas instituições parlamentares e
não no Império, que aceitava apenas em termos económicos. Demonstrava pouco entusiasmo
pela expansão colonial e acreditava na autodeterminação de todos os povos. Num discurso
proferido em Edimburgo em 1879, afirmou (Goodlad 2000: 25):
Whatever we may say amidst the clash of arms and amidst the din of
preparation for warfare in time of peace – amidst all this yet there is going
on a profound mysterious movement, that whether we will or not, is
bringing the nations of the civilized world, as well as the uncivillised,
morally as well as physically nearer to one another, and making them more
and more responsible before God for one another’s welfare.
No entanto, foi obrigado a enviar tropas para zonas do Império fundamentais para os
interesses britânicos, caso do Canal do Suez. O imperialismo protecionista levado a cabo pelo
liberal Gladstone contrastava com as suas políticas governamentais de redução de despesas
(retrenchment).
Uma das questões mais polémicas entre os liberais, que chegou mesmo a dividir o partido
em várias fações, foi a do governo autónomo irlandês, que Gladstone sempre defendeu e tudo
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fez para conseguir. A Irlanda, única colónia europeia, há séculos oprimida e humilhada pelos
britânicos, clamava por mudanças que lhe devolvessem a dignidade perdida. Apesar de
algumas reformas levadas a cabo pelos governos liberais, os irlandeses continuavam
insatisfeitos e em constante rebelião. Nasceram movimentos nacionalistas e um dos líderes,
Charles Stewart Parnell, exigiu um governo autónomo, que Gladstone admitiu conceder em
1886. O receio de contágio a outras colónias, sobretudo à Índia, levou à cisão do Partido
Liberal e à formação do Partido Unionista, liderado por Chamberlain, que se uniu aos
conservadores, vencendo as eleições seguintes. Em 1895 o Partido Unionista foi absorvido
pelo Partido Conservador.
Anthony Wood escreveu sobre Gladstone (1982: 343):
He believed in Free Trade and in democracy. Loathing war, he believed in
the Concert of Europe. It is easy to argue that Free Trade eventually
involved its own downfall, that democracy unleashed an unreasoning
Imperialist spirit, and to ignore the arms race after 1871 was unrealistic.
(…) The foundation of modern government was laid during his first great
administration.
Disraeli, pelo contrário, via o Império como um pilar da democracia, capaz de unir as
classes sociais sob a bandeira do orgulho imperial. Lawrence James afirmou “The Empire was
an asset to be cherished” (1998: 196). Para Disraeli, os britânicos tinham o dever de exercer a
sua influência civilizadora sobre os povos nativos, bem mais importante do que a mera defesa
de interesses económicos. Colocou a monarquia e o Império acima de tudo, apelando
continuamente ao patriotismo do povo britânico contra os ataques dos liberais que, quando no
poder, não protegiam convenientemente os interesses nacionais no estrangeiro. Num discurso
famoso proferido no Crystal Palace em 1872, sendo então líder da oposição ao primeiro
governo de Gladstone, Disraeli explicou a posição do seu partido sobre o Império:
Gentlemen, there is another and second great object of the Tory party. If
the first is to maintain the institutions of the country, the second is, in my
opinion, to uphold the empire of England. If you look to the history of this
country since the advent of Liberalism - forty years ago - you will find that
there has been no effort so continuous, so subtle, supported by so much
energy, and carried on with so much ability and acumen, as the attempts of
21
Liberalism to effect the disintegration of the empire of England. (…)
Well, what has been the result of this attempt during the reign of
Liberalism for the disintegration of empire? It has entirely failed. But how
has it failed? Through the sympathy of the colonies with the mother
country. (…) Therefore, gentlemen, with respect to the second great object
of the Tory party also - the maintenance of the Empire - public opinion
appears to be in favour of our principles.
Disraeli associou e identificou de forma muito clara o partido conservador com o
patriotismo, a monarquia e o império. Lawrence James cita um outro excerto daquele discurso
(1998: 196):
When I say ‘Conservative’, I use the word in its purest and loftiest sense. I
mean that the people of England, and especially the working classes of
England, are proud of belonging to a great country, and wish to maintain its
greatness – that they are proud of belonging to an Imperial country.
O Partido Conservador venceu as eleições de 1874 e Disraeli tornou-se primeiro-
ministro, tendo então a possibilidade de passar à prática a sua tenaz defesa do Império. Nos
seis anos que se seguiram, tudo fez para preservar a integridade do Império Otomano e a
segurança da Índia e ainda reforçar com vigor o império informal. Comprou ações da
Companhia do Canal do Suez para retirar aos franceses parte do controlo daquela via,
salvaguardando dessa forma o comércio britânico para o Oriente e em 1876 declarou a Rainha
Vitória Imperatriz da Índia, outorgando-lhe um estatuto igual ao dos monarcas da Rússia,
Alemanha e Áustria-Hungria, em termos de poder e prestígio. No entanto, a devoção pelo
Império levou-o a cometer erros que lhe motivaram críticas acesas, como a defesa da Turquia
no massacre dos cristãos búlgaros, situação que os Liberais e a opinião pública não aceitaram.
Envolveu ainda o país em hostilidades com os Zulus na África do Sul para proteger o
Transvaal e no Afeganistão para defender a fronteira noroeste da Índia contra as investidas da
Rússia. (Goodlad, 2000: 6). Nenhuma destas situações favoreceu Disraeli e, pelo contrário,
deu armas aos liberais para vencerem as eleições de 1880 e colocarem Gladstone, mais uma
vez, no poder. Goodlad escreveu também acerca de Disraeli (2000: 11)
It is not necessary to depict Disraeli as the prophet of a ‘new imperialism’ in
order to give him credit for a serious commitment to the British Empire. His
22
view of his country’s world role was an essentially traditionalist one. He
came to power with a determination to assert what he regarded as Britain’s
‘just position’ in Europe and in the wider world. This did not necessarily
entail the annexation of further territory, but it did require a determined
defence of existing positions. In that, at least, he remained consistent
throughout his career.
Os defensores de Disraeli justificaram a sua política imperialista invocando teorias
paternalistas e racistas, baseadas em interpretações erróneas da teoria de evolução de Darwin,
que viam o Imperialismo como uma manifestação do que Kipling chamou de “o fardo do
homem branco”, que fundamentava a existência do Império, não por uma questão estratégica
ou económica, mas para civilizar e cristianizar os povos nativos, inferiores e mais atrasados,
logo incapazes de se autogovernarem. Esta doutrina foi amplamente aceite e serviu para
legitimar a anexação de zonas da África Central. Homens como Disraeli e Chamberlain eram
considerados imperialistas pela constante defesa e apologia que fizeram do governo imperial
nas várias funções oficiais que desempenharam ao longo da vida.
O termo “imperialismo” surgiu na Grã-Bretanha associado, segundo os britânicos, ao
governo despótico e indigno do Imperador Napoleão III em França, em nada semelhante ao
governo imperial britânico que, em sua opinião, colonizava, mas não conquistava. Não
descrevia uma realidade objetiva, como “império”, mas antes a relação entre um poder
controlador e os que se encontravam sob o seu domínio. (Lichtheim 1971: 12) Foram os
romanos que cunharam o termo imperium para designar os conceitos de comando e poder. Em
plena República, imperium alargou o seu significado e passou também a ser conotado com
grandeza, designando, então, o governo sobre territórios extensos e longínquos, bem distantes
da pátria dos governantes. (Howe 2002: 13). O império romano, baseado em conquistas
militares, foi o maior império da história no que respeita ao controlo exercido sobre os seus
territórios. Para além da enorme força militar utilizada nas conquistas e na vigilância do
império, os romanos estabeleceram estruturas políticas, sociais e económicas uniformes,
construíram cidades, desenvolveram as artes e a educação, criaram milhares de empregos e
legaram à posteridade monumentos, pontes, canais e recintos desportivos admiráveis.
Acreditavam que haviam levado a paz aos territórios conquistados e que difundiam uma
forma elevada de civilização nesses domínios, considerando bárbaros todos os povos que não
aceitavam o poder romano (McDonough 1994: 4). O império britânico, embora estabelecido
através de conquistas militares, nunca se impôs aos povos colonizados de forma tão coerciva
23
como o romano, dependendo sobretudo da sua força naval para defender o comércio, principal
atividade económica e uma das justificações para a manutenção das colónias.
No início da época vitoriana o termo empire tinha duas interpretações: designava The
British Isles ou The United Kingdom e a influência natural que um país tão importante tinha
sobre o resto do mundo, mas também o domínio imperial sobre as dependências britânicas
(Koebner e Schmidt 1964: 37-8). Na segunda metade do séc. XIX o termo passou a designar o
governo imperial britânico, sobretudo na Índia, bem como toda a influência exercida pelos
britânicos sobre os povos colonizados. Com Disraeli ser “imperialista” era sentir orgulho no
império e na grandiosidade da nação; para os liberais “imperialismo” era sinónimo de poder
autocrático e militar, tendo assim sido utilizado como slogan contra Disraeli, e o termo
“jingoísmo” usado em sua substituição na propaganda liberal.
O termo surgiu por volta de 1876 para designar o fervor imperialista que dominava o
país, patente nas canções populares de music-hall, na imprensa e nas manifestações de apoio
ao Império. Howe afirmou (2002: 23):
The stress on attitudes is important here: for most late-Victorian users of the
word, imperialism did not mean the facts of dominance, conquest, or
overseas expansion, but a policy, a philosophy, or just an emotional attitude
of enthusiasm for such things. For some British critics, the label was
interchangeable with ‘jingoism’- a word adapted from a belligerent music-
hall song and used to mean thoughtlessly aggressive patriotism.
Considerado a fonte do patriotismo britânico, o music-hall foi identificado por
Hobson como a primeira forma de imperialismo popular, acusando-o de manipular a opinião
das classes trabalhadoras, infetadas pelo “jingoísmo”, favorecendo as políticas de exploração
imperialista (Mackenzie 1986: 17). Em The Psychology of Jingoism escreveu (2009: 3):
Among large sections of the middle and the labouring classes, the music-
hall, and the recreative public house into which it shades off by
imperceptible degrees, is a more potent educator than the church, the school,
the political meeting, or even than the press. Into this ‘lighter self’ of the
city populace the artist conveys by song or recitation crude notions upon
morals and politics, appealing by coarse humour or exaggerated pathos to
the animal lusts of an audience stimulated by alcohol into appreciative
hilarity.
24
Na última década do séc. XIX o termo era já usado pelos apoiantes e pelos opositores
das políticas de expansão colonial. O império britânico foi uma realidade tão complexa que
torna o conceito de imperialismo difícil de explicar, mas as palavras de Robert Johnson (2003:
12) parecem bastante adequadas a uma tentativa de definição:
British imperialism combined a host of peripheral, local and metropolitan
influences. It is a term that encompasses the desire of states to dominate for
reasons of national security, the exercise of direct power or the extension of
influence, or economic and military hegemony. Imperialism can also be
used to incorporate the imposition or spread of cultural values and ideas. It
can be used as a term to assess British power or influence, the process of
how the British Empire worked, and the impact it had on Britain and the
wider world.
O conceito de imperialismo teve uma maior aceitação por parte das classes média e
alta, com maior capacidade para se fazer ouvir e, desta forma, moldar a opinião pública. O
entusiasmo das massas pelo império foi, na opinião de Bédarida (1991: 146), muito
amplificado, já que grande parte da população rural e da classe operária nunca terá sido muito
atingida pelo fervor imperial. Em Londres e Birmingham, onde se sentia bastante a influência
de Joseph Chamberlain, era mais evidente o ardor imperialista expresso em paradas militares,
canções patrióticas ou nas festividades do jubileu da Rainha Vitória. Mas o facto de os
britânicos amarem o seu país e exultarem ante os seus feitos não fazia deles imperialistas
devotos. Porter afirmou (1984: 117): “Popular imperialism is usually associated with national
self-confidence. In the 1880s it could equally well be associated with national self-doubt.” Por
muito que os imperialistas mais proeminentes quisessem erguer o orgulho imperial, parte do
país estava deprimido e numa certa decadência, pelo que dificilmente aderiria àquele espírito,
a não ser pelo que ele exibia como espetáculo para as massas. Porter afirmou ainda (1984:
119):
From the impression she gave – the bragging of her favourite poets and her
press, the public celebrations of might and glory (…), Britain was weaker in
the world in the 1890s than she had been twenty years before, and that
despite the vast size of her empire and its recent expansion.
25
Citando o jornal Manchester Guardian na sua edição de 7 de Junho de 1884, Porter
escreveu (1984: 111): “It is not the habit of the English people to set out with their eyes open
on a career of conquest and annexation. The conquests which we make are forced upon us.”
Os liberais rejeitavam a febre de anexações, o crescimento do poder absoluto e a perda de
liberdade que isso acarretava para os povos colonizados, utilizando assim o termo
“imperialismo” em sentido pejorativo e como arma contra a política de Disraeli e do Partido
Conservador. Para Gladstone a ideia de um império era anti-cristã e anti-europeia e os
britânicos deveriam, acima de tudo, encorajar a independência e a liberdade de todos os
povos. Koebner e Schmidt afirmaram (1964: 147): “It was Imperialism, a word Gladstone
now hurled against his political enemies as an abuse which meant to characterize their
erroneous concept of Empire.” Apesar disso, muitos liberais, horrorizados, condenaram
Gladstone por persistir numa política colonial, a que a sua eleição supostamente deveria ter
posto termo. A justificação oficial era o interesse nacional, a necessidade de defender o
império ancestral e ainda a pressão de outras potências europeias na corrida à África. Não era
já possível garantir esferas de influência sem que estivessem assinaladas num mapa, mas
enquanto o império formal se expandia, o informal contraía, com perda clara de influência
política em zonas como a Turquia ou a Pérsia. Ainda segundo Porter (1984: 118), a expansão
do império na década de 80 não refletia o crescimento do poder britânico no mundo, mas
antes a antecipação do seu declínio.
Nos anos 90 os britânicos prepararam-se para defender o Império com armas, se
necessário fosse, considerando que poderiam fazer frente à França, Alemanha e mesmo à
Rússia e convictos do amplo apoio popular à guerra. Muitos imperialistas encaravam essa
possibilidade de forma leviana, mas os que detinham poder e responsabilidade, casos de
Chamberlain ou Lord Rosebery, tendiam a ser mais cautelosos por receio das consequências e
pela constatação da fragilidade do poder britânico na época. Porter escreveu (1984:
129):“Men of action and responsibility – the Roseberys, Curzons and Chamberlains – did not
relish the prospect of a European war, because they had the navy lords close to them to warn
them of the possible consequences.” No entanto, ambos concordavam que a Grã-Bretanha
deveria preparar-se para sobreviver na corrida das nações e que o verdadeiro imperialismo
deveria começar em casa. Sentiam-se aptos a governar um quarto do mundo, mas deviam
organizar-se para tal, dada a dispersão dos territórios imperiais.
Muitos imperialistas acreditavam convictamente na superioridade da “raça” britânica,
numa demonstração de grande autoestima patriótica. Afirmavam que os britânicos eram o
melhor povo do mundo, dotado de valores elevados, como decência, justiça, liberdade e paz e
26
quanto mais esses valores se disseminassem pelo mundo, tanto melhor para a humanidade.
Cecil Rhodes afirmou (Chamberlain 1999: 117):
I contend that we are the first race in the world, and that the more of the
world we inhabit the better it is for the human race. I contend that every acre
added to our territory means the birth of more of the English race who
otherwise would not be brought into existence. Added to this, the absorption
of the greater portion of the world under our rule simply means the end of
all wars…
Joseph Chamberlain, a propósito da expansão em África e durante o jantar anual do
Royal Colonial Institute em Março de 1897, afirmou:
But no doubt such a state of things, such a mission as I have described,
involves heavy responsibility . . . and it is a gigantic task that we have
undertaken when we have determined to wield the scepter of empire. Great
is the task, great is the responsibility, but great is the honor; and I am
convinced that the conscience and spirit of the country will rise to the height
of its obligations, and that we shall have the strength to fulfill the mission
which our history and our national character have imposed upon us.
Lord Rosebery, secretário para os assuntos estrangeiros do último governo de
Gladstone, escreveu no The Times em 1900 (Porter 1984: 130):
An Empire such as ours requires at first condition an Imperial Race – a race
vigorous and industrious and intrepid. Health of mind and body exalt a
nation in the competition of the universe. The survival of the fittest is an
absolute truth in the conditions of the modern world.
Uma parte da opinião pública apoiava a política imperial graças à propaganda
institucional que apelava a sentimentos patrióticos exacerbados, a que a imprensa da época
dava eco e apoiava em grande medida. Não era socialmente bem aceite ser anti-imperialista
ou, de alguma forma, criticar a política imperial dos sucessivos governos, mas Hobson atacou
de forma vigorosa a ideia de Chamberlain e de outros expansionistas de que a Grã-Bretanha
beneficiava com a extensão do seu controlo, contrapondo que eram os capitalistas financeiros
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a tirar proveito do império e a utilizá-lo para obter maiores lucros em novos mercados. Em
Imperialism: a study (1975: 81) Hobson afirmou:
It is not much to say that the modern foreign policy of Great Britain has
been primarily a struggle for profitable markets of investment. (…) It is this
economic condition of affairs that forms the taproot of imperialism. If the
consuming public in this country raised its standards of consumption to keep
pace with every rise of productive powers, there could be no excess of
goods or capital clamorous to use imperialism in order to find markets.
Um dos aspetos mais sombrios do imperialismo foi a sua ligação com o racismo, que
alguns deploraram, pela ingerência na vida e dignidade de outros povos, mas que outros
verdadeiramente apoiaram, acreditando na superioridade da raça anglo-saxónica e na sua
capacidade e no direito de governar os povos considerados inferiores. (Johnson, 2003: 121)
A categorização das raças ajudou a justificar o domínio britânico: atribuíram-se
características de inferioridade às raças dominadas e de superioridade aos colonizadores.
Johnson (2003: 11) sugere que não havia um paradigma oficial de imperialismo imposto na
subjugação das outras raças, mas apenas diferentes formas de lidar com os nativos, utilizadas
pelas autoridades britânicas em cada área colonizada, de acordo com as exigências e
condições locais. Por um lado gerou-se a ideia de que os indivíduos de raças diferentes eram
incapazes de se desenvolverem e, por outro, justificava-se desta forma o colonialismo
britânico do final do séc. XIX como uma forma de ajudar ao seu desenvolvimento. A retórica
e a prática institucionais favoreciam a apologia da colonização, promovendo-a como algo de
intrinsecamente bom e benéfico para os povos colonizados que supostamente deveriam
subordinar as suas culturas e tradições à grande civilização britânica, e era essa a crença
profunda de grande parte do povo britânico: o Império era uma força positiva que contribuía
não apenas para o desenvolvimento económico e cultural do país, como também para o das
nações não civilizadas, tarefa considerada quase um imperativo moral dos britânicos.
Lawrence James afirmou (1998: 184): “There was, on the whole, general agreement that the
empire was a powerful force for the spread of civilization through trade and the imposition of
superior codes of behaviour on its ‘savage’ inhabitants.”
Para estas ideias megalómanas e racistas muito contribuíram as doutrinas dos
darwinistas, amplamente aceites no século XIX. Na sua obra The Origins of the Species,
publicada em 1859, Charles Darwin havia desenvolvido a teoria da origem da vida e da
28
evolução das espécies através da seleção natural. No final do Capítulo 3 Darwin escreveu2:
All that we can do, is to keep steadily in mind that each organic being is
striving to increase at a geometrical ratio; that each at some period of its life,
during some season of the year, during each generation or at intervals, has to
struggle for life, and to suffer great destruction. When we reflect on this
struggle, we may console ourselves with the full belief that the war of nature
is not incessant, that no fear is felt, that death is generally prompt, and that
the vigorous, the healthy, and the happy survive and multiply.
Darwin desenvolveu o conceito de que a evolução se dá pela interação de três
princípios: a variação, que está presente em todas as formas de vida; a hereditariedade,
entendida como a força que transmite uma forma orgânica semelhante de uma geração a
outra, e a luta pela existência, que determina as variações que serão vantajosas para um
determinado ambiente, deste modo alterando as espécies através da reprodução seletiva. O
facto de o evolucionismo ser ainda uma disciplina incipiente na época, levou a interpretações
erróneas das palavras e da teoria de Darwin, que os imperialistas aproveitaram muito
convenientemente. Theodore Hoppen afirmou (1998: 474):
Indeed, it was precisely because evolutionary ways of thinking had already
become so ubiquitous and elastic, that Darwin’s most original contribution –
natural selection – was itself rapidly absorbed into a range of ( not always
compatible) systems of thought.
Na realidade foi Herbert Spencer, filósofo e sociólogo contemporâneo de Darwin,
quem formulou muitas das teorias habitualmente consideradas darwinistas, tendo também
cunhado a expressão “a sobrevivência dos mais aptos”, mais tarde utilizada por Darwin.
Spencer conseguiu identificar aspetos comuns entre a zoologia e a economia e concebeu
teorias, segundo as quais a natureza e a sociedade obedeciam às mesmas leis e a evolução
explicava todos os fenómenos. Ainda segundo Hoppen (1998: 475): “What Spencer did was
to extend the so-called ‘laws’ of evolution to all spheres of existence – social, organic and
physical – and to inject into the whole affair the clear and unambiguous notion of ‘Progress’”.
A relação entre teorias evolucionistas e progresso era muito complexa e envolvia
questões científicas, filosóficas, religiosas e políticas. Acreditava-se que a superioridade
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britânica era baseada na moral, na lei, na religião e nas instituições políticas, enquanto fatores
como o clima e a ignorância determinavam o estado de subdesenvolvimento em que os não-
europeus se encontravam. Andrew Porter afirmou (1999: 24):
For the British, the explicit sense of racial distinctiveness that came to
predominate in the second half of the century also had positive aspects. It
helped to explain the Empire’s growth and justify the costs and exertions to
maintain it; it was held to excuse some of Empire’s destructiveness and
oppression.
Ignorou-se por completo os milhares de anos de história e cultura de muitos povos,
somente porque eram diferentes das dos britânicos e o facto de, por exemplo, as populações
aborígenes da Austrália ou maori da Nova Zelândia estarem em declínio numérico foi
utilizado pelos antropólogos para dar razão a Darwin e Spencer quanto à sobrevivência dos
indivíduos mais fortes e aptos de cada espécie. No final do séc. XIX muitas das teorias sobre
a superioridade dos europeus eram inseparáveis das provas da biologia e sobre esta questão
escreveu Johnson (2003: 109):
Europeans and Arians in particular, were associated with exemplary
standards of beauty, intelligence, physical strength, moral integrity and
courage. The savage was the antithesis of this civilization, the result of
stagnation in culture and development. Black skin was ‘evidence’ of being a
‘human fossil’ or ‘infantile’. The absence of literature or technology was
seen as evidence of ignorance. Rebellion or resistance to white rule, and
therefore to civilization, was used as proof of underdevelopment,
impulsiveness or immaturity.
A partir da segunda metade do séc. XIX, a mistura de raças foi desaconselhada em
absoluto, a segregação racial formalizou-se e os nativos, sobretudo os indianos, que
conviviam mais de perto com os britânicos, quer nos desportos, no exército ou nos serviços
públicos, eram ridicularizados quando tentavam comportar-se como os seus colonizadores.
Por outro lado, era inaceitável que um britânico se aproximasse demasiado de um nativo ou o
tratasse como igual.
Em 1871, cerca de dez anos após The Origins of the Species, Darwin publicou The
Descent of Man, onde defendeu a seleção natural para a evolução do homem mas indo mais
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longe, ao sugerir que as raças inferiores seriam eliminadas em breve e que só as mais
avançadas se desenvolveriam e teriam sucesso. No final do capítulo 213 afirmou:
The advancement of the welfare of mankind is a most intricate problem: all
ought to refrain from marriage who cannot avoid abject poverty for their
children; for poverty is not only a great evil, but tends to its own increase by
leading to recklessness in marriage. On the other hand, as Mr. Galton has
remarked, if the prudent avoid marriage, whilst the reckless marry, the
inferior members tend to supplant the better members of society. Man, like
every other animal, has no doubt advanced to his present high condition
through a struggle for existence consequent on his rapid multiplication; and
if he is to advance still higher, it is to be feared that he must remain subject
to a severe struggle. Otherwise he would sink into indolence, and the more
gifted men would not be more successful in the battle of life than the less
gifted.
Deu assim argumentos aos que precisavam de provas da superioridade de uma “raça”
sobre outras e contribuiu para as teorias do darwinismo social, cujos principais cultores foram
Spencer e Francis Galton, e que se tornaram um meio através do qual racistas e imperialistas
legitimaram as formas mais agressivas de imperialismo. Transferindo e aplicando as leis da
natureza ao Homem, procuraram apresentar como natural a opressão dos fracos, dos pobres e
das chamadas “raças inferiores”, sugerindo ser esta a única forma de progresso para a
humanidade. Justificaram desta forma todas as injustiças perpetradas ao longo da história sob
uma suposta base científica.
Sir Francis Galton, primo de Darwin e muito influenciado pelos seus textos,
desenvolveu a noção de “eugenia” em 1883, que definiu como o estudo dos agentes que
podem aperfeiçoar ou enfraquecer as qualidades raciais das futuras gerações, seja física ou
mentalmente. Censurou a classe média pela baixa fertilidade, argumentando que se deveria
encorajar a reprodução dos mais capazes e controlar a dos menos válidos socialmente e
acreditava que a “raça” humana poderia ser melhorada se se evitassem cruzamentos
indesejáveis. Galton reconhecia ainda que as circunstâncias culturais influenciavam a
capacidade dos cidadãos de uma determinada civilização, considerando que a sociedade
britânica da época carecia de grandes talentos. Na obra Hereditary Genius afirmou (1869:
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362)4:
The best form of civilization in respect to the improvement of the race, would
be one in which society was not costly; where incomes were chiefly derived
from professional sources, and not much through inheritance; where every lad
had a chance of showing his abilities, and, if highly gifted, was enabled to
achieve a first-class education and entrance into professional life, by the liberal
help of the exhibitions and scholarships which he had gained in his early youth;
where marriage was held in as high honour as in ancient Jewish times; where
the pride of race was encouraged (of course I do not refer to the nonsensical
sentiment of the present day, that goes under that name); where the weak could
find a welcome and a refuge in celibate monasteries or sisterhoods, and lastly,
where the better sort of emigrants and refugees from other lands were invited
and welcomed, and their descendants naturalized.
Sobre a eugenia, numa conferência proferida na Sociological Society no dia 16 de
Maio de 1904, afirmou:
It has, indeed, strong claims to become an orthodox religious, tenet of the
future, for eugenics co-operate with the workings of nature by securing that
humanity shall be represented by the fittest races. What nature does blindly,
slowly, and ruthlessly, man may do providently, quickly, and kindly. As it
lies within his power, so it becomes his duty to work in that direction. The
improvement of our stock seems to me one of the highest objects that we
can reasonably attempt. We are ignorant of the ultimate destinies of
humanity, but feel perfectly sure that it is as noble a work to raise its level,
in the sense already explained, as it would be disgraceful to abase it. I see no
impossibility in eugenics becoming a religious dogma among mankind, but
its details must first be worked out sedulously in the study
O colonialismo foi, em parte, também justificado por todas estas teorias. Os
administradores coloniais procuravam legitimar a exploração das populações nativas com
base nas teorias de Darwin: era uma lei da natureza que as “raças inferiores” fossem mantidas
sob controlo das “raças superiores”. O darwinismo social foi um produto da expansão
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económica e política dos finais do século XIX e acabou por defender o imperialismo,
demonstrando que os poderes imperiais eram naturalmente superiores e que o controlo de
uma civilização superior sobre outras ocorria no melhor interesse da evolução humana. Sobre
esta questão afirmou Lawrence James (1998: 205):
Social Darwinism was now fashionable and its theories, a rough and ready
transfer of Darwin’s principles from the world of plants and animals to that
of men, suggested that certain races were better fitted than others. (…) there
was a common agreement that their assumed progeny, the British,
represented a super-race. (…) The fact that the Anglo-Saxons had dispersed
across the globe and mastered their environment added to the general
feeling that they were ideally qualified to rule.
2. 3. Críticas ao Império
Segundo Richard Shannon (1976: 16), em 1870 três grandes temas dominavam o
debate político: o primeiro, relacionado com questões internas, consistia em adaptar as
políticas públicas à sociedade em mudança, dotando-a de instituições e serviços capazes de a
fazer funcionar devidamente; o segundo tinha a ver com a posição dominante da Grã-
Bretanha no mundo e à necessidade de assegurar que toda a sua atividade comercial, baseada
no comércio livre, se desenvolvesse de forma rentável e, sobretudo, num mundo em paz; o
terceiro dizia respeito à eterna e, aparentemente, irresolúvel questão da Irlanda. Mas sem
dúvida que, acima de tudo, no pensamento político da Inglaterra do século XIX, o tema
dominante era o advento da democracia. A revolução americana e depois a francesa tinham
posto em causa uma estabilidade constitucional que vigorara até então, passando algumas
vozes a exigir reformas parlamentares.
Da mesma forma se exigia uma nova organização económica do país, para fazer face
aos problemas causados pela cada vez maior industrialização, designadamente a pobreza e o
desemprego. Uma nova conceção de sociedade ideal e uma diferente organização económica
determinaram, assim, o pensamento político do séc. XIX, em especial nas últimas décadas.
Um dos seus maiores paradoxos foi o da relação entre liberalismo e império, pela
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forma como um sistema de pensamento, baseado em princípios universais e democráticos, foi
capaz de gerar, em simultâneo, justificações éticas e políticas para o imperialismo. Desde as
origens do Império na Índia no séc. XVIII que os pensadores políticos britânicos se
esforçaram por dar sentido ao carácter anómalo do governo imperial naquele território e ainda
por legitimá-lo política e moralmente. Homens como Paine, Burke, Bentham, James Mill e J.
S. Mill enquadraram os debates de então em termos éticos, mais concretamente, os de um
elevado sentido de dever e responsabilidade, condizentes com o estatuto de povo livre e
civilizado do poder governante. Este modelo liberal de imperialismo, que aliava uma teoria de
legitimidade imperial com um projeto de progresso e civilização, foi a justificação ética do
império mais estruturada no séc. XIX, porém desafiado por formas diversas de rebelião,
resistência e instabilidade nas colónias, que puseram em causa a natureza e objetivo do
domínio imperial.
A existência e a expansão do Império dominaram desde cedo a cena política e
intelectual britânica, centrando-se os debates em questões como a da sua utilidade ou a dos
custos ou benefícios para a nação. Um dos primeiros críticos do colonialismo britânico foi
Adam Smith que, ainda no séc. XVIII, considerou desnecessária e pouco lucrativa a posse de
colónias, afirmando que o comércio colonial, só por si, era suficiente para trazer vantagens
económicas ao país. No final da obra The Wealth of Nations (pág.1668)5 Adam Smith
afirmou:
But if the empire can no longer support the expense of keeping up this
equipage, it ought certainly to lay it down; (…) The rulers of Great Britain
have, for more than a century past, amused the people with the imagination
that they possessed a great empire on the west side of the Atlantic. This
empire, however, has hitherto existed in imagination only. It has hitherto
been, not an empire, but the project of an empire; not a gold mine, but the
project of a gold mine; a project which has cost, which continues to cost,
and which, if pursued in the same way as it has been hitherto, is likely to
cost, immense expense, without being likely to bring any profit; (…)
The Wealth of Nations foi publicado em 1776, o ano da independência das colónias
americanas, acontecimento que originou profunda reflexão e muitos textos por parte de alguns
pensadores sobre os custos e benefícios económicos do império. Consideravam que, apesar do
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interesse nacional em jogo, a posse e governo de territórios longínquos e habitados por outros
povos era imoral e contrário à conceção de liberdade e de outros valores fundamentais do
povo britânico, sem menosprezar, evidentemente, os custos envolvidos. No final do séc.
XVIII Jeremy Bentham, filósofo utilitarista, escrevera textos panfletários e obras de carácter
económico, nos quais defendera argumentos contra a posse de colónias pela Grã-Bretanha e
por outros estados europeus. Em A Manual of Political Economy, de 1798, afirmou na página
56 do cap. III6:
If we proceed to consider the situation of colonies in detail, we shall not fail
to be struck by its disadvantages. (…) The evils suffered in these
establishments, from the ignorance, the weakness, or the insensibility of
European governments, exceeded everything that can be imagined. When
we consider the multitude of men destroyed, the fleets lost, the treasures
swallowed up, the establishments pillaged – we are astonished to hear
colonies spoken of as a means of enrichment.(…) The colonial system is
hurtful to Europeans, only because it is hurtful to the colonies.
Durante o século XVIII prevalecera o sistema mercantilista, que entendia o comércio
internacional como um jogo em que, se um país perdia, outro haveria de ganhar e em que os
governos intervinham para proteger as suas indústrias da competição estrangeira, evitando os
contactos e a partilha de informações. Estas práticas foram alvo de críticas por parte dos
liberais, para os quais a melhor forma de criar riqueza era permitir a competição económica
sem controlo governamental. Os franceses tinham inventado a expressão exata para o que
devia ser feito, laissez faire, laisser passer, em inglês algo como let it be, leave it alone.
Objetivamente os economistas liberais clássicos, como Adam Smith ou James Mill, exigiam
alterações importantes na organização económica britânica e também europeia: o fim das
restrições mercantilistas à indústria e ao comércio e a abolição de tarifas e restrições impostas
pelos governos sobre as importações com o fim de protegerem os produtores nacionais. No
início do século XIX foram, sobretudo, os economistas David Ricardo e John Stuart Mill
quem, perante a realidade da Revolução Industrial, afirmaram que ela geraria uma enorme
riqueza e tornaria o país a oficina do mundo, mas só o comércio livre lhe traria riqueza
generalizada. (Porter 1999: 691)
Durante a primeira metade do séc. XIX essa crítica era sobretudo de natureza
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económica, tendo evoluído, no seio dos liberais, para a crítica anti-imperialista do final do
século. Nessa fase, destacaram-se as doutrinas da Manchester School, defendidas por Richard
Cobden e John Bright, cujos discursos e textos mais tarde inspirariam os liberais mais
radicais, nomeadamente J. A. Hobson. As suas posições em meados do século podiam ser
consideradas contrárias aos interesses do Império, no entanto defendiam que os estados
civilizados tinham o direito de intervir em regiões menos civilizadas em nome do comércio.
Cobden argumentava que as vantagens de possuir colónias eram menores do que se defendia e
que o comércio colonial tinha efeitos muito negativos nas relações comerciais harmoniosas e
pacíficas que se desejavam entre a Grã- Bretanha e os Estados Unidos, que ele privilegiava
acima de tudo. (Porter 2008: 10) Cobden e Bright, considerados radicais na sua época, por
exigirem reformas profundas para o país, foram grandes nomes do liberalismo inglês,
defensores do comércio livre, lutadores vigorosos pela abolição das “leis dos cereais”, que
ocorreu em 1846, facilitando assim a entrada na Grã-Bretanha de milho oriundo do
estrangeiro, o que permitiu alimentar uma população urbana em crescimento e, em grande
parte, miserável. Para ambos, os princípios do comércio livre, da redução de despesas
militares e da paz (free trade, retrenchment and peace) estavam intimamente ligados e a
presença do exército e da marinha não defendia o comércio e, pelo contrário, os custos da sua
manutenção em territórios longínquos desviava fundos necessários à indústria britânica.
(Clayes 2012: 28). Num discurso proferido no Parlamento, Richard Cobden afirmou
(págs.362-3)7:
(...) I look further; I see in the Free-Trade principle that which shall act on
the moral world as the principle of gravitation in the universe, - drawing
men together, thrusting aside the antagonism of race, and creed, and
language, and uniting us in the bonds of eternal peace. ... I believe that the
effect will be to change the face of the world, so as to introduce a system of
government entirely distinct from that which now prevails. I believe that the
desire and the motive for large and mighty empires; for gigantic armies and
great navies (...) will die away; I believe that such things will cease to be
necessary, or to be used when man becomes one family, and freely
exchanges the fruits of his labour with his brother man.
Ainda de acordo com Clayes (2012: 28) as críticas de Cobden ao colonialismo eram
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controversas, considerando alguns que, na realidade, ele defendia a preservação do império e
o princípio da não-intervenção somente quando os interesses britânicos não estavam em risco.
Segundo Porter (2008: 10) a abolição das “leis dos cereais” não resolveu a questão imperial e
não impediu o regresso das medidas anteriormente utilizadas pelo mercantilismo e a que
Cobden e Bright se tinham oposto de forma enérgica. Em relação às colónias, consideravam-
nas um fardo que a nação não podia suportar. Koebner e Schmidt (1964: 69-70) afirmaram:
The nation, Cobden maintained, was asked to foot the bill for vast army and
navy expenditure on account of the colonies. If the idea was to build up a
vast Downing Street Empire governing and protecting Canada, Australia,
New Zealand, the Cape, and the West Indies, it would, no doubt, adversely
affect the house-keeping money at the disposal of every family in the United
Kingdom.
Para ambos o império constituía também uma ingerência nos assuntos internos de
outros países mas, apesar de deplorarem a pobreza e o sofrimento do povo indiano infligidos
pela administração britânica, não sugeriam alternativas, preocupando-se acima de tudo com o
interesse nacional e com a importância do algodão indiano para a indústria têxtil britânica.
O Cobdenismo, termo que designa as teorias económicas de Cobden, permeou o
liberalismo britânico do séc. XIX, influenciando gerações de anti-imperialistas, sobretudo nas
questões de política externa, onde prevalecia o princípio da não-ingerência noutros estados.
Para os radicais e liberais as atitudes imperialistas eram mais evidentes a nível interno,
através da propaganda e do jingoísmo popular do que nas colónias. Porter (2008: 93) afirmou:
To these same Liberals in the nineties, inheriting from Bright their pacifism
and from Gladstone their moralism, the New Imperialism, and especially its
popular ‘democratic’ aspect, threatened not only the peace of the world but
progress and social reform as well. (…) when Radicals talked about
‘imperialism’, they were referring more to a phenomenon in England than to
a policy in the colonies.
Um dos maiores críticos do imperialismo britânico foi J. A. Hobson, para quem a
formação e expansão do império aconteceram por força e no interesse do capitalismo.
Koebner e Schmidt afirmaram (1964: 227):
Imperialism was ‘unmasked’ by Hobson as a capitalist and Jewish
37
conspiracy to draw Britain into a fight for the benefit of Jewish financiers
and their ruthless British capitalist allies like Rhodes. The British people
were being held into a crime by capitalists for the sake of capitalist interests.
Hobson aceitava apenas uma justificação ética para o império: a do contributo para a
elevação da humanidade, propagando a civilização e educando as raças inferiores nas artes do
governo e do comércio, aumentando assim o nível de conforto material e de conduta moral no
mundo. (Clayes 2012: 238).
O seu livro Imperialism: a Study, publicado em 1902, foi considerado o ponto de
partida do pensamento anti-imperialista na Grã-Bretanha, mas sobre ele nos debruçaremos
mais adiante.
38
3. J. A. Hobson e o estudo do Imperialismo
3. 1. Vida e evolução ideológica
Antes de se tornar economista herege, como ele próprio se considerava, nada havia
no passado de Hobson que indicasse o caminho que haveria de seguir enquanto crítico
acérrimo do imperialismo e das suas consequências económicas para o país. Nascido em 1858
no seio de uma família da classe média alta de Midlands, filho do fundador e proprietário de
um jornal regional, politicamente ativo como liberal e mayor da cidade durante dois anos,
desde cedo Hobson questionou crenças e atitudes, tendo mesmo rejeitado a ortodoxia cristã
em prol de um tipo muito próprio de humanismo. Fez os estudos em Oxford, tornou-se
professor primário e casou com Florence Edgar, filha de um advogado de Nova Iorque, o que
lhe possibilitou um bom conhecimento dos Estados Unidos, país que visitou diversas vezes e
onde contactou com muitos intelectuais liberais. (Townshend 1990: 3)
Mudou-se para Londres em 1887 para se dedicar ao jornalismo e ao ensino
universitário. A este propósito escreveu P. J. Cain (2002: 17): “Hobson arrived in the capital
in interesting times. The 1880s were characterized by falling prices and pressure on profits in
both agriculture and in manufacturing. Provincial businessmen routinely complained of a
tendency to ‘overproduction’ (…)”. Uma das causas deste problema era o mercado livre que
permitia a concorrência estrangeira na importação de produtos agrícolas, muito facilitada pelo
caminho-de-ferro e transporte marítimo acessível.
Em Londres Hobson conheceu A. F. Mummery, homem de negócios e desportista
famoso, que o iniciou no caminho para o radicalismo, tendo colaborado com ele na escrita de
The Phyisiology of Industry em 1889, obra que chocou os economistas mais ortodoxos por
duas explicações inovadoras e polémicas da crise capitalista que se vivia: a instabilidade
motivava mais as pessoas a guardar o dinheiro e não a gastá-lo; e o impulso de acumular
lucros numa sociedade competitiva forçava os capitalistas a pouparem e reinvestirem em
demasia, o que resultava em sobreprodução, que acabava por não ser escoada pela falta de
consumo. Hobson e Mummery concluíram que numa sociedade saudável o consumo seria
estimulado, o peso dos impostos recairia sobre as poupanças e não sobre os bens de consumo
e que a classe operária deveria ter acesso a uma parte do “bolo” nacional (Cain 2002: 26).
Esta colaboração marcou o início de uma produção literária vasta por parte de Hobson, a par
de uma carreira intelectual atribulada. Na sua autobiografia Hobson escreveu a este respeito
(2011: 30): “This was the first open step in my heretical career, and I did not in the least
39
realize its momentous consequences”. Foi expulso da Universidade de Londres, em que
lecionava a cadeira de Economia Política e viu fecharem-se-lhe muitas portas, factos ainda
assim insuficientes para o considerar, na época, um radical convicto.
Jules Townshend afirmou (1990: 4): “So began, unwittingly, his long ambivalent
relationship with academic orthodoxy. He wanted academic recognition, but this was denied
him.” E mais adiante continuou (1990: 5): “Yet if he had been admitted into academia, he
may have become, for posterity at least, a far less interesting figure, he may have become less
politically active, and his radicalism more tempered.” Ao ser banido dos círculos académicos,
Hobson teve a possibilidade de se tornar um economista mais abrangente, sem uma área de
especialização, expondo ao mundo toda a sua dimensão intelectual. Ingressou então em dois
círculos de pensadores da época, o Ethical Movement e o Rainbow Circle, onde, pela primeira
vez, pôde contactar com as ideias dos Fabianos, e também com as ideologias americanas mais
progressistas. Acabou por abandonar o primeiro grupo e juntar-se a um outro, The South
Place Ethical Society, em 1896, em que se tornou um dos principais oradores por mais de
trinta anos, tendo conhecido, entre outros, L. T. Hobhouse, Bertrand Russell e Norman
Angell.
Porter (2008: 157) afirmou sobre estes grupos:
Each of these societies saw itself as a kind of avant-courier of the New
Radicalism, regenerating the Left and planting, perhaps, the seeds of a new
progressive party. (…) The new ideology of the turn of the century came
chiefly not from the Labour and Liberal parties, but from this intellectual
‘Lib-Lab’ group in the middle.
No Rainbow Circle, Hobson conviveu com intelectuais liberais, socialistas e
marxistas, com funcionários públicos e políticos abrangendo todas as áreas da esquerda, desde
o socialismo ao imperialismo liberal, centrando-se as suas discussões, sobretudo, na forma de
arranjar consensos para reformar e alargar as funções económicas e sociais do Estado.
Consideravam que o antigo radicalismo filosófico e a Manchester School já não davam
respostas satisfatórias à atual situação e planeavam a transição entre o velho modelo e o Novo
Radicalismo (Porter 2008: 164).
Foi também no Rainbow Circle que Hobson conheceu Ramsay McDonald e ainda
William Clarke, que tiveram uma profunda influência no seu radicalismo, tendo os três
colaborado na criação da Progressive Review que, apesar de ter sido publicada apenas entre
1986 e 1889, cumpriu o objetivo de propagar as ideias comuns dos diferentes membros do
40
grupo. O próprio Hobson afirmou (2011: 54): “We had here in the Review a first serious
attempt to draw the attention, not of a few intellectuals but of a wider thinking minority of
citizens, to the difficulties besetting the intrusion of the State, whether autocratic or
democratic, into new economic spheres of activity.”O artigo “Ethics of Empire”, publicado
sob o pseudónimo Nemo na Progressive Review em 1897, foi a primeira contribuição
substancial de Hobson para o debate sobre o imperialismo.
Clarke, o editor da revista, acusou a “sinistra” classe financeira de encorajar o
imperialismo e uma paz podre na Europa para seu próprio benefício, considerando o
capitalismo financeiro como elemento fulcral do imperialismo (Cain 2002: 64), teorias que
influenciaram Hobson na senda do radicalismo e o transformaram em pensador novo liberal.
A sua posição estava próxima da dos Fabianos, exceto na convicção em aplicar a sua análise
económica a uma conceção orgânica da sociedade, que o aproximava mais do idealismo
evolucionista e de Ruskin. Via a sociedade capitalista como um organismo doente. Cain cita-o
em The Social Problem (2002 -41): “The logical end of a society living on unearned incomes
would be death by overfeeding, or the inability to digest and assimilate their food.” Esta foi a
sua primeira obra de fôlego na área da filosofia social, revelando uma maturidade e um
pensamento muito estruturado na relação bem-sucedida entre o seu individualismo e o seu
papel ativo naquela sociedade.
Durante alguns anos, Hobson tentou aliar o seu radicalismo social ao entusiasmo pelo
império, chegando a defender que a sua expansão era vital para o emprego e o bem-estar dos
trabalhadores. No início da década de 90 contrariou a sua posição a favor do mercado livre,
defendendo a proteção aos negócios britânicos. Esta dualidade de posições que
constantemente manifestou ao longo da vida, mereceu de Cain as seguintes palavras (2002:
13): “ (…) Hobson not only contradicts himself at different points in his life but he was quite
capable of holding two opposed sets of ideas at the same time”. Em 1898 num artigo para a
Contemporary Review,“ Free Trade and Foreign Policy” (Cain 1979) 8 Hobson iniciou a
enorme tarefa de retratar o imperialismo como um produto direto do capitalismo financeiro,
rejeitando ainda o protecionismo como parte importante da política imperialista. Ao contrário
do que preconizava a Lei dos mercados de Jean Baptiste Say, segundo a qual a produção
criava a sua própria procura, Hobson defendia que, uma vez que a economia britânica sofria
de uma distribuição desigual dos rendimentos, não havia uma procura efetiva: os que tinham
o poder económico para procurar bens, não tinham o desejo de o fazer, já que as suas
necessidades estavam amplamente satisfeitas; os que tinham o desejo, não tinham poder
8 Edição online
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económico para o conseguir e, sendo assim, os que possuíam demasiados bens produzidos,
tentavam encontrar no estrangeiro mercado para o excesso de produção. A resolução do
problema estava na correção do desequilíbrio entre o esforço produtivo e o consumo e isso só
seria possível com o restabelecimento de um controlo racional e democrático da economia
com fins sociais. Porter afirmou (2008: 197): “There was ‘an immense potential market’ for
commodities among our own people; and this market should increase proportionately to the
number of goods manufactured.” Hobson concluiu que o sistema económico em vigor era
uma barreira ao progresso social e passou a alinhar com a tradição anti-imperialista mais
radical.
Analisou o imperialismo de forma muito crítica, considerando-o um pretexto do
capitalismo para investir no exterior o capital excedentário, que poderia ser redistribuído
através dos impostos e investido socialmente na ajuda aos mais necessitados. Wood escreveu
(1982: 356): “To Hobson imperialism was merely a symptom of the inequitable distribution
of wealth within the United Kingdom”, e ainda: “The expansion of empire was the direct
consequence of their [financiers] search for more profitable areas in which to place it
[capital]”. Porter (2008: 207) afirmou que, em Imperialism, Hobson pretendeu demonstrar e
persuadir os britânicos de que o imperialismo, para além de irracional, lhes trouxera poucas
ou nenhumas vantagens e que o poder e a imprensa os levaram erroneamente a crer nos seus
benefícios. Hobson considerava que o excedente de capital acumulado pelos financeiros
deveria ser devolvido ao país e redistribuído internamente e não, como acontecia, investido no
estrangeiro, levando a uma progressiva expansão colonial, forçada pela necessidade de
conseguir novos mercados. Preconizava a subida dos salários e reformas sociais como
necessárias para transformar o capitalismo e acabar com o imperialismo. (Cain, 2007: 111-2)
Para Hobson (1975: 59) o capitalismo conduziu a uma política expansionista:
It is true that the motor-power of Imperialism is not chiefly financial:
finance is rather the governor of the imperial engine, directing the energy
and determining its work: it does not constitute the fuel of the engine, nor
does it directly generate the power. (…) An ambitious statesman, a frontier
soldier, an overzealous missionary, a pushing trader, may suggest or even
initiate a step of imperial expansion may assist in educating patriotic public
opinion to the urgent need of some fresh advance, but the final
determination rests with the financial power.
Mais do que explicar o impacto do Império no mundo, como outros fizeram, Hobson
42
preocupou-se em analisar as suas implicações nas instituições democráticas, na economia e na
política interna e externa da Grã- Bretanha, não tendo esquecido o papel do imperialismo na
mentalidade britânica.
A instabilidade que se fazia sentir em várias regiões da África do Sul e o Jameson
Raid de 1895 tiveram um papel determinante na mudança de perspetiva de Hobson em
relação ao imperialismo britânico. Na sua autobiografia (2011: 59) afirmou: “The Boer War
was both a turning-point in my career and an illumination to my understanding of the real
relations between economics and politics which were to occupy so large a place in my future
work.” Condenou com muita firmeza a cobiça capitalista de Cecil Rhodes, que instigou o raid
inglês contra o governo afrikaner legítimo do Transvaal, com o fim de se apoderar das minas
de ouro existentes no território. Hobson considerou que este era o início de uma fase de
imperialismo financeiro, de que beneficiavam sobretudo os investidores da City, muitos deles
estrangeiros, mas com forte influência política no país. Afirmou (2011: 60): “The outbreak of
the Boer War in 1899 will, however, rank as the simplest and plainest example of the
interplay of political and economic motives in Imperialism.”
Assim, na passagem para o séc. XX o país estava em guerra na longínqua África do
Sul. Pela segunda vez em vinte anos, tropas inglesas confrontaram os Boers para evitar a
independência das Repúblicas do Transvaal, após a descoberta de ouro e diamantes no seu
solo. A guerra durou três anos, mobilizou cerca de 300.000 soldados e custou ao país £200
milhões de libras, terminando com a anexação forçada das repúblicas boers pela colónia
britânica. Internamente a guerra desencadeou diferentes reações, desde apoio incondicional à
defesa do Império, até ao repúdio pela violência usada sobre mulheres e crianças e sua
detenção em campos de concentração, atitudes desumanas que os britânicos deploraram e a
opinião pública internacional condenou. Mais de vinte mil soldados morreram, grande parte
por doença e falta de condições de higiene, num total de setenta e cinco mil baixas num
conflito que indignou muitos setores da sociedade, que viram na guerra uma defesa
musculada por parte do Império dos interesses económicos existentes naquela colónia
africana. (Porter 1999: 618)
Hobson, na época correspondente do Manchester Guardian na África do Sul, tomou o
partido dos Boers, através de relatos fidedignos dos acontecimentos e de artigos onde
expressou os seus pensamentos e visões sobre o conflito, sem temer qualquer censura por
parte do jornal. Considerou os testemunhos de outros jornalistas insuficientes ou incorretos e
manifestou-se contra a imprensa que, segundo ele, branqueava o conflito, enganando os
leitores. Passou a ver na guerra uma alegada conspiração capitalista, liderada por judeus
43
europeus, sobretudo alemães, os Randlords, que controlavam as minas de ouro e a imprensa
britânica de Joanesburgo. Porter (2008: 201-2) reproduz parte de uma carta que Hobson
escreveu ao seu editor C. P. Scott, onde apontou claramente os culpados da situação na África
do Sul:
The bulk of the Uitlanders excepting the actual miners I believe to be Jews […]
German Jews who have been in England and figure as British subjects. Many of
them are the veriest scum of Europe. The entire mining industry, with the
partial exception of the Consolidated Gold Fields (Rhodes) is in their hands, the
Dynamite Monopoly, the illicit Liquor Traffic are theirs, they and Rhodes own
or control the press, manipulate the slave market, and run the chief commercial
businesses both in Johannesburg and Pretoria. These men will rig the politics
when they have the franchise. Many of them have taken English names and the
extent of the Jew power is thus partially concealed.
Para além dos judeus alemães, Hobson considerava Cecil Rhodes o paradigma do
capitalista descarado e oportunista, que utilizou a política para atingir os seus objetivos
económicos. Chamou-lhe mesmo “sham-hero” do Império. No artigo “War of Races” escrito
em Outubro de 1899, afirmou: “The Boers have a good working comprehension of the ways
of Mr. Rhodes and the ways in which capitalism is handling British Imperialism, though they
see the history not in its abstract “isms” but in hard, concrete deeds and persons.” Durante a
estadia na África do Sul Hobson visitou as principais cidades e contatou todos os políticos
envolvidos no conflito, desde o Alto-comissário Sir Alfred Milner até aos presidentes boers
Kruger e Steyn, e o próprio Cecil Rhodes. Na sua opinião, tanto os líderes britânicos como os
boers eram manipulados pelos financeiros judeus, que não se limitavam a dirigir a economia,
mas também a política sul-africana.
A análise de Hobson às causas da guerra teve grande impacto e provocou diferentes
reações na Grã-Bretanha: os radicais consideravam-no um herói e dessa forma foi recebido
aquando do regresso a casa; os britânicos em geral e a imprensa londrina, maioritariamente
controlada pelos Conservadores, criticaram-no de forma enérgica. A visita à África do Sul foi
marcante para a sua mudança de atitude em relação ao imperialismo. Antes da guerra, via-o
como o produto de um sistema económico injusto, que obrigava os industriais e os capitalistas
a exportar o que, estivesse a sociedade organizada de forma diferente, poderia ser consumido
internamente, mas considerava ainda os capitalistas como simples peões de um sistema errado
e do qual não eram responsáveis. A partir de 1900, já regressado da África do Sul, passou a
44
identificar o imperialismo com a guerra, na qual os soldados britânicos haviam sido obrigados
a defender os financeiros judeus, a quem passou a apontar as armas, já que os via como
autores de uma conspiração contra os interesses do povo britânico. (Porter 2008: 206). Ainda
sobre esta questão afirmaram Koebner e Schmidt (1964: 226-7): “Hobson introduced a strong
note of anti-Semitism into his attempt to compromise imperialism in the eyes of his British
readers.”
Em 1900 Hobson escreveu uma série de artigos, publicados no ano seguinte com o
título The Psychology of Jingoism, nos quais analisou o desenvolvimento e a manipulação das
massas em relação ao espírito de guerra. A esse respeito afirmou (2009: 138):
This conjunction of the forces of the press, the platform, and the pulpit, has
succeeded in monopolizing the mind of the British public, and imposing a
policy calculated not only to secure the interests of the British Empire, but
to advance the private, political, and business interests of a small body of
men who have exploited the race feeling in South Africa and the Imperialist
sentiment in England.
Neste capítulo analisou-se a evolução ideológica de Hobson, sobretudo a sua posição
relativamente ao imperialismo que, desde 1889, oscilou entre a defesa do comércio livre e a
preocupação pelo que a perda do comércio internacional teria na vida dos trabalhadores,
chegando a admitir a necessidade de encontrar novos mercados para os produtos britânicos,
ainda que à custa da expansão colonial e, até 1896, acreditou que o imperialismo era
compatível com um programa de reformas sociais radicais. Foi a sua fase de imperialista
social, cujas preocupações se centravam no bem-estar da população mais pobre. Mas todas
estas ideias foram abandonadas a partir de 1897, quando passou a criticar de forma enérgica a
expansão colonial. (Cain 2002: 80). Nessa fase associava o imperialismo à necessidade de
expansão do capitalismo, pela acumulação excessiva de capital. A partir da guerra dos boers,
identificou e acusou de forma explícita os especuladores financeiros, sobretudo judeus,
responsáveis pela guerra e pela exploração de mão-de-obra barata, que conseguiram controlar
a economia, a imprensa e a política da África do Sul, graças à conivência das autoridades
britânicas.
Porém, nesta fase ainda não referia nos seus textos a relação entre o subconsumo e o
investimento estrangeiro, cerne da sua teoria económica, que viria a acontecer apenas com a
obra Imperialism.
45
3. 2. Imperialismo e liberalismo
O liberalismo do séc. XIX nasceu a partir da coesão ideológica do pensamento social e
económico de homens como Cobden e J. S. Mill e não de um partido liberal organizado.
Gladstone liderou o partido por vários anos, tendo conseguido reconciliar as várias tendências
internas, que tinham a ver com a diversidade dos seus membros, desde aristocratas,
comerciantes e industriais da classe média, muitos deles com posições radicais, e ainda
operários, pequenos lojistas e artesãos, que comungavam dos ideais de liberdade, de
desenvolvimento pessoal e de progresso social. (Goodlad 2000: 14). Muitos liberais
aceitavam a existência do império, como escreveu Rubinstein (1998: 243):
(…) the late Victorian Liberal Party also contained an influential group of
leaders who accepted British imperialism as a good thing, a progressive and
uplifting extension of British government and democracy to Britons
overseas in the white colonies, and of British civilisation to the non-
European Empire.
No entanto, o apoio de Gladstone a um governo autónomo irlandês, os problemas
relacionados com a invasão do Egito e ainda a guerra dos boers levaram à cisão do partido,
sobretudo quanto às questões externas e imperiais. Enquanto uma fação mais tradicional, os
unionistas liberais, liderada por Joseph Chamberlain, exigia a defesa intransigente dos
interesses britânicos, os liberais mais idealistas preferiam que a Grã-Bretanha evidenciasse a
sua superioridade moral na promoção do direito dos povos à autodeterminação (Goodlad
2000: 15). Uma outra fação, os imperialistas liberais, casos de Rosebery, Haldane ou Grey,
defendiam a manutenção do império como necessária à “exportação” do excesso de
população e como forma de desenvolver o comércio, para além da necessidade de expandir a
evangelização (Koebner e Schmidt 1964: 194) e, pelo contrário, homens como Morley ou
Lloyd George, considerados pró-boers e little-englanders, viam na guerra mais uma ameaça
britânica à independência da pequena colónia boer. No final do século XIX o imperialismo
tinha sobretudo a ver com os acontecimentos em África, dividida pelas potências coloniais
europeias em esferas de influência, administrada por funcionários coloniais e defendida por
exércitos, unidos na missão de civilizar e desenvolver aquele continente.
Passada a expansão, era agora tempo de consolidar e tirar o máximo do império
existente e os próprios liberais reconheciam essa necessidade. Entre 1880 e 1890 as
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importações aumentaram 11% e as exportações apenas 3%, mas dez anos depois as
importações registaram um aumento de 31% e as exportações de 32%, assim continuando até
1914. Porter (1984: 197) afirmou: “Nothing had changed since the 1890s to loosen the bonds
between Britain and her empire”.
Ao retomar o poder em 1905, o Partido Liberal herdou um império vasto e bem
organizado economicamente, mas a humilhante guerra dos boers revelara a fragilidade do
seu controlo militar que, na realidade, nunca fora apanágio da política imperial dos vários
governos britânicos, preferindo estes uma colaboração subtil com os súbditos das diversas
colónias, o que tornou, em grande medida, esse controlo tolerável e, nalguns casos, bem
aceite. Porter escreveu (1984: 202):
To this extent – and it was a considerable extent – she did not in fact control
the empire which in theory she was sovereign over; she could not do
anything she liked it, with or for it. And the limitations to her imperial
power, in the first decade or so of the new century, were as important
determinants of her colonial policy as was the power itself.
Enquanto os Conservadores exultavam com os sucessos imperiais, desde as
celebrações do jubileu da Rainha Vitória, a reconquista do Sudão ou a vitória na guerra dos
boers que elevaram, na sua perspetiva, o sentimento de orgulho nacional (Claeys 2012: 3), a
questão da Irlanda, a invasão do Egito ou a morte do general Gordon no Sudão manchavam
ainda a imagem dos liberais, apelidados de little-englanders pelos seus opositores políticos,
que os consideravam antipatrióticos e negligentes em relação ao império. No entanto, o novo
governo liberal, liderado por Campbell-Bannerman, foi um dos mais bem-sucedidos e
memoráveis da história da Grã-Bretanha, não só por ter aberto o caminho para o futuro Estado
Social, mas também por ter conduzido o país à primeira guerra mundial. (Rubinstein 1998:
256).
Richard Shannon (1976: 218) analisou desta forma a visão liberal do imperialismo:
‘Imperialism’ had already been identified as a particularly virulent political
evil, and there was no doubt that it was becoming, from the Liberal point of
view, a dangerous social anodyne, a focus of patriotic sentiment, of comfort
and reassurance to the reactionary classes, and in its more vulgar and
jingoistic aspects, an occasion of unseemly popular misbehavior egged on
by deplorable populist journalists (…)
47
No início do séc. XX as posições políticas em relação ao império divergiam entre uma
visão mais nacionalista e imperialista de Chamberlain e dos Conservadores, que
ambicionavam um império poderoso, unido economicamente por tarifas e ligado por laços
políticos e militares cada vez mais estreitos, e a visão da “esquerda”, para a qual o império
consumia os meios necessários ao desenvolvimento do país e desviava a atenção dos
governantes das tão prementes reformas sociais. Como se referiu anteriormente, Hobson foi
um dos primeiros e mais influentes críticos aos métodos e espírito do imperialismo, tendo
combatido a ideia de que “o comércio seguia a bandeira”, tão cara a Chamberlain, e
apresentado números que provavam que a Grã-Bretanha mantinha maior volume de negócios
com as potências rivais do que com as próprias colónias, daí o contestar a sua existência e
valia e considerar que o imperialismo era incompatível com o progresso e as reformas sociais.
(Koebner e Schmidt 1964: 221)
Em 1902, finda a guerra dos boers e perante as atrocidades cometidas, o termo
imperialismo passou a ter uma conotação muito negativa para os liberais mais radicais que, de
um modo geral, eram contra a expansão colonial britânica, considerando-a uma falácia que
avaliava a grandiosidade e o progresso britânicos em termos quantitativos de território e
população. Numa série de artigos publicados na revista liberal de inspiração cristã New Age,
sob o título Liberalism or Imperialism, Hobson descrevia a política imperial do partido liberal
como hipócrita e defendia que o fardo do Império deslocava o centro de gravidade do Estado
e absorvia as energias dos governantes, que reduziam à insignificância as questões internas,
quando comparadas com as questões imperiais sendo, assim, o imperialismo inimigo de um
governo popular, identificando-se, pelo contrário, com um governo autocrático e centralizado,
logo antidemocrático (Claeys 2012: 241). Hobson via ainda com preocupação o militarismo
associado aos interesses imperiais e o aumento da despesa com armamento. Todos estes
fatores contribuíam para que os liberais em geral, e Hobson em particular, vissem o
imperialismo como incompatível com políticas de reforma e foi este um dos maiores dilemas
que os liberais tiveram de enfrentar no início do século XX. Shannon (1976: 218) escreveu:
The younger generation of Liberals was becoming aware of the need for
revised intellectual explanations as to why things had gone wrong since
1880. Mill of course no longer sufficed; nor indeed did Morley or Green.
They hardly provided anything fundamentally beyond Gladstone himself at
Midlothian.
Impunha-se a necessidade de novas doutrinas e práticas que defrontassem os
48
problemas mais urgentes da época e, nesse sentido, grupos de indivíduos oriundos da classe
média, alguns dos quais licenciados em Oxford e Cambridge, que se movimentavam nos
mesmos círculos intelectuais e comungavam das mesmas ideias, reuniam regularmente e
analisavam os muitos problemas sociais da cidade de Londres, dos quais falavam com
conhecimento e autoridade, exprimindo as suas visões da sociedade em periódicos radicais de
pequena circulação. Chamados de novos liberais, conseguiram ser eleitos para o Parlamento
nas eleições de 1906. Dos vinte e cinco membros do Rainbow Circle, dez foram eleitos. As
questões mais importantes que tinham pela frente prendiam-se com a harmonia entre a velha
tradição liberal e as novas necessidades sociais ou até que ponto o novo liberalismo seria uma
ideologia coerente e persuasiva; uma outra questão era a da real importância e diferença que
os políticos novos liberais conseguiriam imprimir na política britânica e, por último, se o seu
conceito de reforma social seria bem aceite no seio dos trabalhadores ou apenas visto como
uma teoria paternalista. (Freeden 1990: 175-6) Os seus objetivos eram os de uma reforma
social radical da sociedade britânica, pois acreditavam, tal como os velhos liberais, que o
liberalismo tinha o dever de elevar todos os membros da sociedade a uma condição desejável
de civilização e que o estado e os indivíduos não podiam estar em lados opostos.
Barker escreveu (1978: 13):
(…) a difficulty existed for those who sympathized with the call for social
reform but who also as traditional political radicals believed in voluntary
rather than coerced action. For them the state was an inherently oppressive
institution whose activities, beyond a certain necessary minimum for the
preservation of life and property, should be restricted in order to give full
and free play to the life of the individual.
Estas eram questões importantes que os novos liberais tinham de clarificar, a da
relação entre o estado e o indivíduo e até que ponto a interferência daquele colidia com a
liberdade e os interesses individuais. Barker(1978: 14) cita palavras de T. H. Green, filósofo
novo liberal, numa conferência em 1881: “Freedom (…) was not the ability to do whatever
one liked, but a positive power or capacity of doing or enjoying something worth doing or
enjoying something worth doing or enjoying and that, too, something that we do or enjoy in
common with others.” Para se atingir tal estado de liberdade seria necessário muito empenho
e trabalho em prol da melhoria das condições das pessoas que, de outro modo, seriam
impedidas de agir livremente.
49
3. 3. O radicalismo social
Na sua autobiografia (2011: 52) Hobson define desta forma o termo “Novo
Liberalismo”: “New Liberalism differed from the old in that it envisaged more clearly the
need for important economic reforms, aiming to give a positive significance to the ‘equality’
which figured in the democratic triad of liberty, equality, fraternity.” Foi nos círculos politicos
e literários liberais, nomeadamente o Ethical Movement, o Rainbow Circle ou The South
Place Ethical Society, que Hobson clarificou e consolidou as suas posições relativamente às
questões sociais. A este respeito afirmou (2011: 56): “My close connection with this liberal
platform, lasting continuously for thirty-six years, was of great help to me in clarifying my
thought and enlarging my range of interests in matters of social conduct.”
Importa nesta altura explicitar o conceito de sociedade para Hobson. Como muitos dos
pensadores do seu tempo, desde conservadores a marxistas, também ele foi “contaminado”
pelas teorias darwinistas, que tudo explicavam e justificavam através da evolução biológica.
Para Hobson a sociedade era um organismo vivo e só assim a contradição entre produção e
consumo, custo e utilidade, bem-estar físico e espiritual encontrariam forma de se reconciliar,
dando resposta à crise do liberalismo do final do séc. XIX. (Townshend1990: 27).
A abordagem progressista e novo-liberal de Hobson à sociedade e às reformas sociais
baseou-se naquela analogia, não se limitando ele a adotar as doutrinas do darwinismo social,
mas ainda o conceito de organismo social de Herbert Spencer, que transformou no móbil das
reformas sociais liberais. (Long 1996: 8) Segundo este autor, o termo “orgânico” foi utilizado
por Hobson para referir a natureza dos seres humanos como organismos biológicos, rejeitando
a teoria dualista cartesiana de corpo e espírito ou outras teorias separatistas das ciências
sociais. Realçou a unidade da personalidade humana e da sociedade, encorajando a criação de
uma ciência, a Sociologia, que refletisse essa unidade e fosse um guia para o progresso social.
Sendo o homem um animal racional, a razão era parte do desejo por uma vida melhor e mais
completa, conseguida através de um controlo crescente sobre o meio ambiente e Hobson via-a
como um instrumento científico, utilizada para satisfazer interesses e desejos humanos. (Long
1996: 9)
Para Hobson a estrutura orgânica da sociedade não era constituída pela soma de
utilidades individuais, mas a utilidade social ou orgânica necessitava ser alcançada como um
fim em si mesma. Assim, o organicismo como argumento liberal era a favor da necessidade
de garantir o bem-estar individual, sem o qual a sociedade não poderia desenvolver-se
50
Freeden (2010: 122). Sendo a sociedade um “organismo” no qual as partes eram mutuamente
dependentes, nenhuma instituição poderia ser entendida apenas como um meio racionalmente
concebido para um fim único e específico. Os fenómenos sociais e políticos deveriam ser
vistos em termos das suas funções em relação a todo o complexo tecido social. (Porter 2008:
145). Para Hobson, como para os liberais idealistas, o Estado devia estar moralmente ao
serviço da promoção do bem comum e da elevação de todos os membros da sociedade a uma
condição civilizada, sendo para isso necessária uma intervenção estatal positiva, embora os
liberais discordassem quanto à medida desejável dessa intervenção. O Estado deveria dedicar-
se à proteção da vida, haveres e liberdade dos indivíduos, isto é, ao seu bem-estar, e poderia
fazê-lo muito melhor do que cada membro da sociedade por si, provendo às necessidades
coletivas.
O Estado podia ser encarado, em termos políticos e económicos, e do ponto de vista da
analogia orgânica, como o núcleo social central imprescindível para controlar os poderosos
interesses setoriais da indústria, quer de empresários, quer de trabalhadores, que haviam
emergido como forças políticas da sociedade moderna. Esta visão do papel do Estado na
economia e na política social contrastava grandemente com a condição do Estado laissez-faire
do velho liberalismo (Long 1996: 23).
John Ruskin, sobre quem Hobson escreveu, tendo publicado John Ruskin: Social
Reformer em 1898, abordara a sociedade de uma perspetiva económica e uma das suas
intenções foi definir o conceito de “riqueza” de forma mais profunda do que os economistas
clássicos haviam feito. Na economia política de Ruskin, uma dada quantidade de riqueza
objetiva podia produzir níveis de satisfação subjetiva, dependendo de como aquela era
produzida e consumida. Riqueza não era na essência o mesmo que bem-estar. Na sua
autobiografia Hobson cita Ruskin (2011: 39):
There is no wealth but life. Life, including all its powers of love, of joy, and
of admiration. That country is the richest which nourishes the greatest
number of noble and happy human beings; the man is richest who, having
perfected the functions of his own life to the utmost, has also the widest
influence, both personal and by means of possessions, over the lives of
others.
Para Ruskin a riqueza não tinha qualquer valia se não fosse aproveitada por alguém, se
não lhe fosse atribuído valor, mas Hobson considerava que ele esquecera os custos humanos
para a aquisição dessa mesma riqueza. A diferença entre Hobson e Ruskin reside no facto de
51
que, enquanto para Ruskin a sociedade seria essencialmente um conceito económico, para
Hobson ela era também uma estrutura política, mas foi dele que Hobson extraiu a base do seu
pensamento económico para produzir as obras que se seguiram. Afirmou (2011: 43): “From
him [Ruskin] I learned the necessity of going behind the current monetary estimates of
wealth, cost, and utility, to reach the body of human benefits and satisfactions which give
them real meaning”. Para Hobson o “valor” real de uma coisa não era o preço pago por ela
nem a quantidade de satisfação que produzia no consumidor, mas antes o serviço inerente ao
seu uso (Porter 2008: 172). Comparando Hobson e Ruskin, Porter afirma:
But the important point is that Hobson had been brought up to believe that
economics was inviolable and the pursuit of ‘wealth’ universally beneficial,
and now Ruskin had come to tell him that this was not so. The implications
of this to Hobson were profound. The belief that there was no need to
regulate the economic system, because it worked better on its own, was
discredited. Economics could now come within the scope of policy. And
that policy should recognize the primacy of social and moral values over
impersonal economic ones.
Segundo David Long (1996: 26) o novo liberalismo de Hobson, assim como as suas
ideias sobre a racionalidade humana, a ciência social e o bem-estar, inspiraram-se na
terminologia orgânica. Foi uma tentativa de compromisso entre o laissez-faire do liberalismo
do séc. XIX e o tom autoritário do socialismo da esquerda mais radical. O seu conceito de
organização social e a necessidade de intervenção estatal foi também influenciado pela sua
teoria da mais-valia (surplus value) de que falaremos mais adiante. Com a sua analogia entre
a sociedade e um organismo, conseguiu demonstrar as deficiências do individualismo
metodológico que analisa a ação humana a partir de agentes individuais, em detrimento de
uma visão holística da sociedade, segundo a qual o ser humano é indivisível e não pode ser
entendido através de uma análise separada de suas diferentes partes.
Rodney Barker escreveu (1978: 23):
(…) he argued that the common interests and functions which identified
society had a distinctive claim, and one which was made through the central
organizing intelligence represented by the state. The organic analogy was
employed also to assert the rights of the community as a whole, by destroying
the individual claim to property or to the creation of the value of property.
52
Mas ao mesmo tempo que afirmava a primazia da sociedade sobre os seus membros
individuais, Hobson avançava também com uma série de exigências para esses indivíduos,
baseadas nas necessidades da comunidade orgânica vista como um todo. Os argumentos a
favor do sufrágio universal são um bom exemplo da necessidade de envolver nos assuntos do
governo todos os que por ele eram afetados.
3. 4. O economista herege
De acordo com Richard Shannon, uma das tarefas do liberalismo foi associar o
imperialismo a uma crítica da situação interna, explicando-o como resultado de distorções e
injustiças económicas. A este propósito escreveu (1976: 218):
The owners of industry, out of reactionary opposition to social reform,
refused to make a possible social regeneration through economic re-
investment and reconstruction. The first mature formulation of this Liberal
theory would come from Hobson in 1902; but already by 1889 he had
developed a theory of domestic underconsumption which became the key to
the economic interpretation of imperialism [The Physiology of Industry,
with A. F. Mummery]
Esta teoria baseava-se no argumento de que era da natureza do capitalismo maximizar
os lucros, pagando salários baixos aos trabalhadores, pelo que estes nunca teriam capacidade
económica para adquirir os bens que produziam. Desta forma, os capitalistas não poderiam
investir os lucros no aumento da produção nem conseguiriam vender os bens aos seus
próprios trabalhadores, sem antes aumentar os salários. Preferiram rejeitar esta solução e
investir no estrangeiro, onde havia mão-de-obra mais barata e se abriam novos mercados, o
capital excedentário, que lhes daria a oportunidade de continuar a aumentar os lucros
(Shannon 1976: 219). E, segundo Hobson, isso deu origem ao imperialismo. Para se
conseguir novos mercados, usou-se o erário público em proveito de interesses privados e
reforçou-se a máquina militar para forçar as “raças inferiores” a consumir os bens produzidos
pelos trabalhadores britânicos, entretanto empobrecidos pela má distribuição da riqueza.
(Koebner &Schmidt 1964: 223).
Numa abordagem marxista, Hobson atribuiu o problema ao excesso de poupança
53
(over-saving), pelo qual a riqueza acumulada pelos ricos não encontrava investimentos
internos lucrativos, dada a falta de poder de compra da classe operária, pelo que era escoada
no império, sobretudo nas minas de ouro da África do Sul. Para Hobson essas poupanças
deveriam antes ser investidas ou consumidas internamente (Andrew Porter 1999: 692). Em
Imperialism (1975: 88-89) apontou as falhas do capitalismo na Grã-Bretanha industrial:
If the industrial revolution had taken place in an England founded upon
equal access by all classes to land, education and legislation, specialization
in manufacturers would not have gone so far … foreign trade would have
been less important, though more steady; the standard of life for all portions
of the population would have been high, and the present rate of national
consumption would probably have given full, constant, remunerative
employment to a greater quantity of private and public capital than is now
employed.
Na autobiografia Hobson defendeu a sua teoria face aos críticos, esclarecendo que esta
sua “heresia” não era dirigida aos que usavam de parcimónia (thrift) e se sacrificavam para
conseguir poupar. Afirmou (2011: 32-33):
So it came about that the theory of over-saving committed a deadly offence.
(…)I found, and still find, it idle to protest that my argument against over-
saving was not directed against individual thrift, that it left it open to any
thrifty individual to spend as little as he chose of his income and to save as
much.
Para Porter (2008: 191) a necessidade de escoar o excesso de produção e de
população, que os mais radicais identificavam com imperialismo, foi usado pelos
imperialistas como justificação para a expansão colonial, acabando por esvaziar a denúncia do
imperialismo pelos liberais, que não podiam deixar de a defender em termos económicos, mas
Hobson considerava esse argumento uma ilusão. Perplexo e indignado pelo apoio irracional à
política expansionista, afirmou em Imperialism (1975: 46):
Seeing that the Imperialism of the last six decades is clearly condemned as a
business policy, in that at enormous expense it has procured a small, bad,
unsafe increase of markets, and has jeopardized the entire wealth of the
54
nation in rousing the strong resentment of other nations, we may ask, ‘How
is the British nation induced to embark upon such unsound business?’
Rejeitou liminarmente os argumentos que defendiam a expansão para os trópicos
como solução para o problema do excesso de população britânica, e ainda os da importância
desses mercados para o aumento do comércio. Muito poucos emigraram para aquela zona,
dadas as condições climatéricas ali existentes, o comércio para essa zona foi sempre reduzido
e, pelo contrário, registou-se um enorme aumento da despesa militar para proteger esses
territórios. Para Hobson, mais importante que o comércio externo, era o comércio interno, que
representava um maior peso na receita nacional. Perder mercados fora do país não afetava
grandemente a economia nacional, segundo os seus cálculos. Afirmou (1975: 31): “There is
some reason to hold that Great Britain had, in 1905, reached an industrial level where external
trade, though still important, will be relatively less important in her national economy.” Se o
sistema funcionasse corretamente a nível interno, a oferta e a procura estariam equilibradas,
não havendo necessidade de mercados externos.
Para Hobson a expansão imperialista era, antes de mais, uma questão ética, devendo o
império ser questionado quer política quer economicamente em termos da sua utilidade social:
de que forma a Grã-Bretanha poderia utilizar o seu voluntarismo em prol do bem-estar
mundial; se seria mais útil limitar-se ao seu território e aí explorar os recursos existentes ou
expandir-se comercialmente para outras regiões do globo; quais as partes do mundo em que a
expansão desse voluntarismo seria mais benéfica e quais os elementos do imperialismo mais
significativos para a resolução dos problemas sociais britânicos. Embora numa primeira fase
Hobson considerasse absolutamente desnecessária e imoral a existência do império,
posteriormente, com o “contributo” dos darwinistas sociais, passou a considerar válida a
exploração de terras não aproveitadas pelos habitantes indígenas por parte de uma cultura
mais avançada, desde que isso não significasse a exploração e a civilização forçada das “raças
inferiores”. (Claeys 2012: 253)
Esta posição de Hobson assemelhava-se muito à de Kidd, doutrinário do darwinismo
social, que defendia um modelo iluminado de imperialismo, segundo o qual o controlo
imperial se justificava através da “ eficiência social”. Em 1908 numa conferência do Rainbow
Circle, dissertando sobre “National versus Individual Standards of Morality”, Hobson
defendeu que a lei suprema de uma nação era o seu interesse próprio e reconheceu que a
invasão de uma nação mais fraca por uma mais forte era injustificável se acontecesse entre
estados com o mesmo nível civilizacional, mas completamente aceitável se o estado mais
55
fraco fosse atrasado ou bárbaro, podendo assim beneficiar da civilização imposta e cujo
desenvolvimento fosse benéfico para o resto do mundo, mas defendia sanções por parte de
uma sociedade de nações, contra a ingerência de uma nação imperialista na vida de um povo
mais fraco. Afirmou Hobson (Freeden 1990: 178)9:
No nation can live to itself. This thought justifies interference with an
institution like slavery (…) A nation has the right to interfere when it has
been delegated by a Society of Nations to put a stop to some monstrous
custom. This is different from saying: “We are a superior nation, and must
send armies and administer in the name of humanity. It embodies the
remoralising policy that is characteristic of our day. We look forward to the
same moral relations now prevalent between nations as are now between
individuals.
Apesar do interesse da atitude filosófica e ética de Hobson em relação ao império, que
não pode considerar-se anti-imperialista, no sentido em que ele não rejeitava de todo o a
expansão territorial sob o pretexto da utilização de novas matérias-primas e aceitava a
justificação de Kidd e dos Fabianos, segundo a qual os recursos naturais eram património da
humanidade e deveriam, por isso, ser explorados de forma legal pelas nações mais capazes,
quer as menos capazes aceitassem ou não (Claeys 2012: 260), importa nesta fase do estudo
dar relevância às suas interpretações económicas do imperialismo que, como já se referiu
anteriormente, encaravam a expansão colonial como uma força de reação às reformas sociais
e à democracia. Tendo sidos referidos noutros capítulos os diferentes elementos da teoria
imperialista de Hobson, cabe agora realçar a importância e analisar tão profundamente quanto
possível a sua obra Imperialism: a Study, em que compilou muitos dos artigos escritos até
então acerca da questão imperial, acrescentando dados estatísticos relativos ao comércio e às
despesas militares.
9 Edição online
56
3. 5 . Estudos hobsonianos
As teorias de Hobson sobre o imperialismo foram ignoradas pelos historiadores
durante grande parte do séc. XX, tendo começado a despertar o seu interesse apenas a partir
dos anos 70, após a publicação em 1968 de Critics of Empire, um estudo no qual Bernard
Porter analisa em pormenor o pensamento político de Hobson e o coloca no contexto do
radicalismo do fim de século na Grã-Bretanha. Porter não só enunciou as justificações do
império, com relevo para as questões do capitalismo financeiro, como também referiu e
pormenorizou o nascimento de críticas severas ao colonialismo britânico, destacando os anti-
imperialistas radicais que defendiam uma reversão no processo da expansão colonial, pelo
facto de a considerarem imoral. Porter concentrou-se em Hobson e nos debates do final do
século sobre a importância e utilidade do império, assumindo-se como pioneiro na análise do
pensamento e textos de Hobson (Porter 2008: xvi):
J. A. Hobson (the main individual), (…) the ‘New Liberals’ and the
Rainbow Circle (…) The place of these people and groups in the evolution
of a new critique of imperialism in the 1890s and early 1900s is explained
below, (…) most of these, however, were almost totally unknown in the
1960s – the main exception was Hobson, and he was not known about much
– which is why I regard myself as their discoverer (a ‘pioneer’)
Bernard Porter (2002: 186) não considerou Hobson um anti-imperialista na plena
aceção do termo, já que este respeitava os motivos genuínos daqueles que defendiam a
expansão colonial, alinhando com a opinião dos liberais, para quem se deveria proteger ou
“civilizar” os mais fracos, além de que os povos “primitivos” deveriam ser governados por
outros povos de civilização mais avançada, durante algum tempo e para o seu próprio bem,
aceitando mesmo que os recursos dos territórios desses povos fossem explorados e
administrados pelos ocidentais, mesmo contra a vontade dos nativos. No entanto Hobson veio
a concluir que as nações imperiais não eram suficientemente confiáveis para tal tarefa e
apelou a uma supervisão internacional.
Para Porter, tal como para Hobson, o anti-imperialismo britânico manifestou-se de
forma mais visível durante e após a guerra dos boers, referindo os nomes dos maiores
“críticos” na época: John Morley, William Morris, Hobson e Herbert Spencer, oriundos de
57
áreas que iam desde a política à filosofia. Do mesmo modo, salientou que uma das
características mais importantes do sentimento imperial foi o jingoísmo, responsável pela
exaltação patriótica da direita e por muita da especulação de esquerda sobre o imperialismo.
Foi este sentimento nacional que muito indignou Hobson pelo efeito de ricochete que o
imperialismo acabou por ter na Gã- Bretanha.
A republicação de Critcs of Empire em 2008 justificou-se pela atualidade das questões
levantadas cem anos antes por Hobson e outros radicais aquando e devido à intervenção no
Iraque em 2003, entre outras por tropas britânicas, feita em nome de questões humanitárias,
segundo o primeiro-ministro Tony Blair, mas ainda assim considerada imperialista por muitos
setores. A teoria capitalista do imperialismo formulada por Hobson continua atual porque
embora o império britânico tenha terminado, o imperialismo não morreu com ele. Basta
substituirmos “Império Britânico” por “Estados Unidos” e “ouro” por “petróleo” e facilmente
constataremos que a crítica de Hobson no final do século ainda se aplica ao mundo de hoje.
Em 1990 Michael Freeden supervisiona a obra Reappraising J. A. Hobson: Humanism
and Welfare, para assinalar o 50º aniversário da morte de Hobson, na qual apresenta visões
diferentes e por vezes contraditórias do pensamento económico, político e social hobsoniano,
através de uma compilação de ensaios de diversos autores, que procuram não só atestar a
invulgar amplitude intelectual de Hobson, como também explicar os diferentes aspetos do seu
pensamento, com o objetivo de corrigir a injustiça da sua marginalização pelos académicos
dos finais do séc. XIX e ainda de o colocar no merecido lugar de criador da ideia de bem-estar
social para os britânicos. Freeden afirma que Hobson é um pensador progressista cuja
influência só se fez sentir a partir dos anos 70 do séc. XX (1990: 2):
This volume is intended to demonstrate, however, that Hobson’s claim to
distinction is now perceived as based on firmer and more extensive ground,
that his work was part of a broader and interrelated – or, as he would have
it, organic – concern with social, political, economic and ethical issues, and
that a reappraisal of the impact of his writings in those areas must confirm
the belated recognition of his continuous, if often unacknowledged, role as a
social theorist of consequence.
Não se trata de uma visão geral da obra de Hobson, mas os ensaios deitam um pouco
mais de luz sobre as áreas a que se dedicou, não cedendo à tentação de o analisar apenas como
autor de um livro mais ou menos famoso, Imperialism, ou o precursor de uma teoria polémica
como foi a do imperialismo económico que, como veremos adiante, tantas vozes críticas
58
levantou, mas mais como o fulcro de uma geração vibrante de indivíduos de esquerda e de
pensamento radical, devotados às reformas sociais e políticas pelas quais lutavam nos círculos
intelectuais que frequentavam, com consequências políticas nas eleições de 1905, que deram a
vitória aos liberais, e ainda como uma referência para as práticas do pensamento atual.
Dos oito ensaios que compõem a coletânea e que contam com a colaboração de nomes
como Bernard Porter, P. J. Cain, Peter Clarke, John Alett ou o próprio Michael Freeden, todos
autores reputados ligados às questões económicas e ideológicas do império, destacaremos o
de Cain “Variations on a famous theme: Hobson, international trade and imperialism, 1902-
1938”, no qual o autor analisa a evolução das teorias de Hobson ao longo das três publicações
de Imperialism, afirmando (Cain: 31) que ele se manteve firme quanto à ideia de que o
imperialismo era um dos frutos do subconsumo e do excesso de poupança, que gerava
enormes fluxos de capital internacional, cujos lucros apenas beneficiavam os financeiros
enquanto eram pagos por toda a nação. Para Hobson a única forma de eliminar o imperialismo
era através da transformação radical da natureza do capitalismo que havia sofrido uma
evolução perversa e desnecessária. Mais tarde, refere Cain (p. 32), Hobson encarava por vezes
o crescimento da economia internacional como uma força benigna, suscetível de elevar o
nível de vida da população e podendo mesmo tornar-se um meio para atingir a democracia
económica, considerando assim o imperialismo uma fase necessária na senda por uma
sociedade mundial próspera e pacífica. Cain considera a obra de Hobson um puzzle, mas não
aceita as críticas que a referem como inconsistente. Afirmou (p.51):
(…) he offered two different paths to progress at different times. When there
was peace and rapid growth, Hobson expected a steady drift towards reform.
The expansion of international trade was then an aid to progress because it
raised living standards and increased international interdependence,
eliminating imperialism along the way.
Durante a guerra dos boers, na segunda metade da 1ª Grande Guerra e nos finais dos
anos 30 do séc. XX, Hobson percebeu claramente que a economia estava demasiado
debilitada para gerar progresso, mas alimentou esperanças de que houvesse uma reação
interna de toda a nação que levasse à morte do imperialismo. Cain afirma que Hobson, mais
do que utópico, é “eucrónico” (P.52): “Hobson (…) projected the good place, good state of
consciousness and good constitution into a good future time (…)”. Uma sociedade de
mercado, livre das suas imperfeições, constituiria a base económica ideal para se atingir um
futuro risonho.
59
Um segundo artigo que destacamos foi “Hobson’s Evolving Conceptions of Human
Nature”, de Michael Freeden, responsável pela coletânea, no qual o autor descreve a evolução
do conceito de natureza humana para Hobson, através da análise dos seus escritos e das
conferências que proferiu o longo dos tempos, abordando as várias áreas do pensamento sobre
as quais se debruçou e que contribuíram em grande medida para a evolução dos seus
conceitos filosóficos e psicológicos. Partindo da observação empírica e objetiva, Hobson
conseguiu abranger vários aspetos do comportamento humano, incorporando os novos
desenvolvimentos da filosofia, psicologia, sociologia e fisiologia, relacionando-os com
convenções morais mais antigas e ligando-os à perspetiva evolucionista, com impacto
profundo nos seus argumentos. Para além disso os círculos radicais que frequentou,
desenvolveram-lhe uma forte visão social e coletivista, permitindo que, embora sem o rigor
que lhe daria um maior reconhecimento académico, conseguisse produzir em 1901 a sua
maior obra não económica, The Social Problem, que Freeden (2010: 54) considera uma das
mais importantes e originais de Hobson.
Para formular e desenvolver as suas conceções de natureza humana Hobson contou
com a influência de Ruskin, como já referimos anteriormente, e ainda do psicólogo social
Gustave Le Bon que o levou a considerar que a humanidade não era linear ou que uma nação
poderia civilizar outra considerada inferior. Freeden (p.61) cita-o em The Social Problem:
“(…) wide variations of natural environment and of race… [that] oblige us to conceive
civilisation as ‘multiform’”. Mais tarde Hobson abandonou esta ideia, afirmando que
nenhuma civilização era melhor que outra, mas sim diferente. Le Bon veio ainda a influenciar
Hobson na questão da irracionalidade humana e na psicologia das multidões, temas que este
acabou por desenvolver em The Psychology of Jingoism.
Ao longo da vida Hobson evoluiu de tal forma nas suas conceções que, aquando da 1ª
Grande Guerra, conseguia identificar várias camadas no ser humano: uma personalidade
única, um membro de uma classe ou grupo e um membro de uma comunidade mais vasta.
(Freeden 2010: 72). Pertencendo a uma geração com grande dificuldade em articular a ética e
a ciência e em que as novas descobertas sobre comportamento humano podiam abalar os
sistemas de conhecimento já existentes, a tarefa de Hobson foi a de defender um liberalismo
ético amparado na psicologia e sociologia modernas, na persecução do bem-estar humano.
Freeden afirmou (p.73):
Hobson continued in his attempt to diffuse a message whose ideological
content had changed but little, and his multiform ideas on human nature
60
helped to buttress his belief both in the white bases of the social sciences
and in the political programmes he persistently endorsed. Psychology
afforded insights into human nature that could partly replace the important
functions of questioning, exposition and criticism that philosophy had
provided in the past.
Um outro artigo merecedor de realce foi “Hobson and Internationalism” de Bernard
Porter, no qual o autor examina a afinidade de Hobson com as teorias internacionalistas de
Cobden. Porter destaca 1940 como sendo, para além do ano da morte de Hobson, o ano em
que a Alemanha ocupou a Bélgica, a Holanda e o norte de França e em que a Grã-Bretanha
entrou de facto na guerra, algo que desgostou tão profundamente Hobson, que sempre
abraçara as teorias pacifistas de Cobden segundo as quais, como já referimos noutro capítulo
deste estudo, o free trade conduziria à paz mundial e se isto se verificou até à morte de
Cobden em 1865, o mesmo não sucedeu durante a vida de Hobson que assistiu à expansão
colonial em África, à guerra dos boers, à 1ª Grande Guerra e ao início da segunda, o que lhe
provocou e a muitos liberais uma grande desilusão quanto a uma visão cobdeniana das
relações internacionais.
A nível interno Hobson via ainda muitas semelhanças entre a Grã-Bretanha atual e a
de Cobden, uma vez que a democracia aparentemente ainda não funcionava: a maioria não
tinha ainda direito de voto, os plutocratas haviam substituído os aristocratas no poder e
contavam agora com a imprensa para controlarem a opinião pública. Hobson via a democracia
como o meio para atingir uma ordem mundial racional e nesse sentido preconizava três
medidas chave para educar a população: uma imprensa verdadeiramente livre; escolas não
sectárias; e que o púlpito e o palco fossem veículos de transmissão do pensamento livre. (p.
174). A solução, segundo Hobson, era empenhar os internacionalistas liberais na tarefa de
libertar e depurar estes órgãos de opinião. A antítese de tirania não era, segundo Hobson, a
anarquia, mas antes a democracia e se o capitalismo internacional fora arrebatado por
interesses especiais, impunha-se que o “interesse geral” retomasse o controlo. Porter escreveu
(p.181):
Hobson’s internationalism was similar to Cobden’s in many ways. It saw the
salvation of the world in the peaceful and profitable exchange of goods
between men. It believed that that exchange should ignore national barriers
(…) It regarded economic and political liberty as essentially complementary,
so that there was no question of the former needed to be imposed.
61
Uma das obras mais completas sobre Hobson é Hobson and Imperialism: Radicalism,
New Liberalism, and Finance, 1887 – 1938 de P. J. Cain, publicada em 2002, na qual o autor
analisa a evolução das ideias de Hobson sobre a economia do império entre 1898 e 1914,
colocando-o na senda dos radicais e liberais que, a partir da Guerra da Independência
Americana, passaram a associar o imperialismo à aristocracia rural, então politicamente
dominante. Cain (45-46) identifica três fases no pensamento imperial de Hobson: até 1891 é
visto como um imperialista social, preocupado com o bem-estar dos mais carenciados, para os
quais antevia consequências desastrosas da política de free trade, favorecendo nesse período o
protecionismo e o imperialismo pela necessidade de novos mercados, vitais para o
crescimento da economia britânica. Após 1891, sob influência de Ruskin e da sua aversão aos
efeitos da política de laissez-faire, tornou-se ainda mais hostil ao free trade, que acreditava
promover o progresso da industrialização, que abominava. É nesta fase que, segundo Cain,
Hobson identificou pela primeira vez o imperialismo como produto direto do capitalismo,
baseado na má distribuição da propriedade, tendo como resultado o excesso de poupança
(oversaving) que só conseguia escoar-se no investimento e no comércio externos. A terceira
fase é já a de “anti-imperilista” convicto e autor de Imperialism: a study, que Cain analisa em
profundidade e que considera ser a maior contribuição de Hobson para o debate sobre as
causas da expansão colonial.
Para remediar a circunstância de ele ser conhecido sobretudo por esta obra, Cain
(p.166) examina e compara outras obras e artigos de Hobson sobre o imperialismo no
contexto do seu pensamento económico, social e político, revelando-nos a evolução das suas
ideias e atitudes relativamente ao império, à finança e ao comércio internacional, estudo que
considera ter sido muito descurado, até por si próprio. Cain pretende dar a conhecer a figura
algo “sombria” de Hobson: do homem pouco se sabe, mesmo após a leitura da sua
autobiografia; do intelectual é possível um maior conhecimento através dos textos e das
referências que dele fizeram outros autores. Ainda assim, Cain (p.13) considera que Hobson
pode ser visto como um intelectual já muito afastado do nosso tempo e com pouca influência
nos nossos dias: a sua filosofia baseada na busca racional por um bem comum está deslocada
na nossa época, na qual grande parte da satisfação das nossas necessidades é tomada por
certa; o seu anti-semitismo e alguns sinais de eugenismo são atualmente incómodos e podem
lançar muitas dúvidas sobre a autenticidade do seu liberalismo. Mas para além destas
constatações, Cain refere ainda as inconsistências e as limitações intelectuais de Hobson, bem
como alguma falta de rigor académico, mas elogia a amplitude do seu conhecimento que
poderá hoje em dia embaraçar qualquer estudioso ao abarcar áreas como a política, a
62
sociologia, a economia ou a biologia.
Apesar das inconsistências detetadas, Cain considera que Hobson, ao longo da vida, se
manteve firme na convicção de que a democracia económica e o internacionalismo acabariam
por vencer o elitismo e o imperialismo, apenas hesitando quanto ao modo e ao período em
que essa transformação ocorreria. Hobson buscava um mundo utópico de prosperidade e de
paz, ajustando muitas vezes os seus argumentos intelectuais a qualquer situação política e
económica interna ou externa. Cain afirmou (2002: 240):
The New Liberalism’s, and Hobson’s, great achievement was to identify
capitalist monopoly and inequalities as the major hindrance to the growth of
a pure capitalism and to campaign for its reform. But, in doing so, Hobson
came up against the dilemma that earlier radicals had faced: that the same
extension of international trade which offered the possibilities of spreading
the new moral world of industry could also, while the ‘classes’ remained
powerful, be a carrier of war and imperialism
A obra mais recente sobre Hobson e o imperialismo, e a última a que faremos
referência neste capítulo, é Imperial Sceptics, da autoria de Gregory Claeys e publicada em
2010. Devido a um maior distanciamento histórico, Claeys (2010: 7) desafia a narrativa
histórica dominante sobre as primeiras manifestações de anti-imperialismo na Grã-Bretanha
vitoriana, segundo a qual a oposição interna ao império surgiu como resposta à guerra dos
boers e que Imperialism: a study de J. A. Hobson foi a obra intelectualmente mais articulada
sobre a questão. Claeys vem nesta obra propor uma nova cronologia do anti-imperialismo,
situando-o nos anos 50 do séc. XIX, com o desenvolvimento de críticas positivistas ao
império, recuperando assim um aspeto muito descurado do anti-imperialismo. Revela ainda a
diversidade e ambivalência das reflexões socialistas sobre o império e reformula o
pensamento de Hobson e a relevância da sua obra à luz desta nova contextualização: as suas
explicações financeiras sobre o capital excedentário para a expansão colonial podem agora ser
vistas como versões metódicas e sistemáticas dos argumentos desenvolvidos pelos positivistas
e adotadas pelos socialistas durante as décadas seguintes.
Após vasta investigação realizada a relatos e documentos da época, Claeys (p.8)
conclui que o primeiro indício de oposição à expansão colonial se registou após o Indian
Mutiny de 1857, com a publicação de textos anti-imperialistas de uma dezena de positivistas
britânicos, sendo essa uma das razões que o levou a dedicar grande parte da obra à
reabilitação da corrente iniciada por Auguste Comte e ao contributo dos seus seguidores para
63
o debate sobre a rejeição do imperialismo. Claeys (p.8) considera ainda que a influência dos
socialistas no pensamento anti-imperialista era ambígua dado que, embora muitos fossem
verdadeiros Little-Englanders e defendessem o fim da expansão e mesmo a independência
dos territórios colonizados, outros assumiram atitudes claramente pró-imperiais e enalteceram
a missão civilizadora dos britânicos.
Claeys escolheu terminar a obra com Hobson, tendo afirmado (2010: 7): “This book
ends rather than beginning with Hobson, and attempts to define a much wider preexisting
spectrum of thought for contextualizing his contribution to the debate than has been identified
previously.” Analisa as origens da explicação de imperialismo associadas a Hobson,
concluindo que ele é um imperialista social. Claeys afirmou (2010: 260): “(…) firstly, the
imperialist component, namely the justification of continuing exploitation of tropical
resources by European nations, particularly by ‘coercive’ means; and secondly, the socialist,
that this exploitation was proposed to be undertaken in a ‘socialist’ manner.” Claeys explica
que a transição de Hobson de uma atitude imperialista para uma visão mais internacionalista
se deveu à influência de William Clarke, editor da Progressive Review, genuinamente anti-
imperialista e positivista. Frisa também a força desta corrente no pensamento e evolução de
Hobson, que nos círculos e grupos que frequentou, se relacionava com muitos dos seus
seguidores, sendo algumas das suas conceções sociológicas, como por exemplo a conceção
orgânica de sociedade ou o seu conceito de utilidade social, baseadas na filosofia positivista.
Feita a análise dos autores que nas últimas décadas mais se têm destacado no estudo
da personalidade e da obra de Hobson, cada um deles apresentando uma visão diferente dos
vários aspetos a que se dedicou, mas contribuindo todos para uma maior compreensão do seu
pensamento e para uma admiração crescente pela sua figura, importa finalmente integrar este
trabalho na âmbito dos estudos hobsonianos. Propusemo-nos estudar um homem do seu
tempo que soube apreender magistralmente a realidade política e económica, que estudou a
natureza humana à luz de novos conhecimentos, constituindo-se como um dos pioneiros da
sociologia, evoluindo e regredindo com as inevitáveis mudanças ocorridas em meio século,
formulando e reformulando uma série de teorias originais, permanecendo ao longo da vida um
pensador sistemático e inquieto, um “trouble-maker”.
Hobson foi um economista político e utilitarista liberal social que viveu durante o
declínio da ideologia liberal e a 1º Guerra Mundial, sendo muitos dos seus argumentos uma
reação à crise do liberalismo e a sua tentativa em alargar a análise para fundar uma economia
“moral” uma censura muito séria ao imperialismo que, ainda assim, constituiu um desafio
para o liberalismo, dada a incompatibilidade com uma mundivisão que privilegia uma cada
64
vez maior liberdade individual. Como liberal, Hobson optou por dar mais atenção aos
acontecimentos internos e lutar por reformas sociais, dados os prejuízos que, na sua visão, o
imperialismo provocou na Grã-Bretanha, afetando grande parte da população.
Cem anos passados sobre o período a que esta dissertação respeitou, pensamos ter
contribuído para a ideia de que Hobson, homem de grande visão, esteve sempre muito à frente
do seu tempo. As suas análises económicas e sociais, criticadas e ignoradas na época,
anteviam uma realidade que faz ainda todo o sentido nos nossos dias: o capitalismo domina
através de empresas multinacionais que manipulam os governos, conseguindo da parte destes
toda a proteção possível na sua busca do lucro, ainda que sacrificando as populações locais.
Embora essas corporações já não possam contar com a aquisição de novos territórios por parte
dos governos, exercem sobre estes uma enorme pressão e influência quando se trata de
proteger os seus interesses, ao ponto de, se necessário, os levar à demissão, substituindo-os
por outros que continuem a fazer o mesmo trabalho sujo contra as populações indefesas.
Nesse sentido, Hobson e Imperialism: a study transmitem uma mensagem hoje cada vez mais
evidente: a economia está na origem de todas as questões mundiais.
65
4. Imperialism: a Study de J. A. Hobson
4. 1. Receção e impacto da obra
Aquando da sua publicação em 1902, Imperialism recolheu críticas negativas por
parte de diversos setores, mesmo os liberais e radicais que, tal como Hobson, condenavam os
danos que a expansão imperial trazia à Grã-Bretanha, alinhando na sua defesa do free trade e
nos ataques ao imperialismo, mas não no seu reformismo de cariz novo-liberal, que
considerava o Estado como importante ator económico, optando por seguir a visão
gladstoniana, dominante no Partido Liberal até ao início da I Guerra Mundial. De uma forma
geral as críticas dirigiam-se sobretudo à forma excessiva e veemente como Hobson expunha
os seus argumentos.
Segundo Jules Townshend (1990: 32) o impacto de Imperialism terá sido diminuto e
sua receção muito diversa. Enquanto os Little Englanders e alguns socialistas, como Leonard
Woolf, que se opunham à guerra dos boers, o acolheram bem, os liberais mais tradicionais
mostraram-se avessos a teorias de imperialismo financeiro, ainda que partissem de um novo
liberal. De acordo com Cain (2002: 261-2), a maior discussão após a publicação da obra deu-
se na Edinburgh Review, para a qual contribuíram opiniões diversas dos seus colaboradores,
concordando com Hobson quanto aos poucos benefícios que as novas aquisições em África
haviam trazido à Grã-Bretanha e no facto de o imperialismo ser prejudicial à prosperidade do
país, mas discordando da forma como ele apresentou os seus argumentos, bem como da sua
análise de underconsumption, muito hostil ao capital. Foi ainda Cain quem afirmou (p.164)
que a influência que Imperialism poderia ter tido após a sua publicação foi muito
enfraquecida pela firme convicção de Hobson em relação à falta de capacidade britânica na
gestão do seu império e ainda quanto ao papel nefasto da Grã-Bretanha no contexto da
economia mundial, opiniões aceites apenas por uma pequena fação de liberais.
De acordo com Koebner & Schmidt (1964: 256) a partir das teorias de Hobson sobre
o imperialismo, o termo passou a ter uma nova conotação e a suscitar atitudes irracionais e o
impacto do seu pensamento fez-se sentir sobretudo na segunda década do século XX, não
tanto na Grã-Bretanha, mas na Alemanha e na Áustria, onde alguns socialistas enquadraram o
imperialismo de Hobson nas teorias marxistas. Na Suíca o exilado russo Lenin incorporou
também o pensamento hobsoniano e em 1914 associou o imperialismo ao capitalismo e à
guerra, tentando agitar as massas através de vários panfletos revolucionários. Atribuiu duas
funções principais ao imperialismo, segundo Koebner & Schmidt (1964: 269): “It became the
symbol of exploitation of the proletariat by the capitalists. It also became the symbol of the
66
oppression of small nations by the big Powers.” Em 1916 publicou, recuperando muito do
pensamento de Hobson, Imperialism, the Highest Stage of Capitalism.
4. 2. Relevância económica da obra
Por ocasião da morte de Hobson, ocorrida em Abril de 1940, o historiador G. D. H.
Cole escreveu um artigo, publicado no vol. 50 do Economic Journal em Julho desse ano, no
qual afirmou:10
(…) But Hobson was never mainly an economist in any narrow sense of the
term. He became an economist because he was already a social reformer,
seeking a solution to the problem of poverty; and when he had become an
economist in this way it became imperative for him to fit his economics into
the wider structure of his Liberal philosophy.
Tal afirmação parece indicar que as teorias de Hobson agradariam muito mais aos
historiadores económicos do que aos próprios economistas que, como vimos anteriormente, o
consideraram herege, por não seguir os cânones económicos da época e também por não ser
um dos seus pares. No entanto, Imperialism é a obra que consegue tirar Hobson do anonimato
e consagrá-lo entre os historiadores das ideias económicas. A importância de Hobson como
economista é ambígua: por um lado foi criticado e marginalizado pela ignorância
demonstrada ao analisar alguns conceitos essenciais na economia, como por exemplo os de
over-saving, underconsumption ou investment; por outro, formulou teorias notáveis, para
quem não era especialista na matéria, o que constitui uma atenuante à sua heresia. Michael
Freeden afirmou (2010: 3):
Hobson is worth examining precisely because he is no longer merely the
writer of a particular book, or the precursor of a particular theory, but a
focal point for the unraveling of an idea-set, for the decoding of the
prevalent assumptions, beliefs and purposes of an unusually active and
vibrant generation of individuals dedicated to social and political reform.
10
Edição online
67
E continuou na pág. 4:
(…) the nature of the Hobsonian enterprise was different from the one that
economists were and are expected to pursue. His ultimate guiding
framework was extra-economic, ethical and organic, concerned with the
quality of human production and consumption and with the generation of
non-quantifiable human welfare.
Vimos anteriormente que para Hobson, numa primeira fase, e em termos utilitaristas, a
expansão da civilização poderia justificar o império. Porém, ao longo dos anos foi escrevendo
uma série de artigos que prenunciavam já e seriam a base da sua obra mais famosa,
Imperialism, nomeadamente “Free Trade and Foreign Policy”, publicado em 1898, no qual e
pela primeira vez associou o excedente de poupança (over-saving) à competição pelo
investimento no estrangeiro e identificou de forma clara o atraso que o imperialismo havia
causado ao desenvolvimento económico, político e social do país. Condenou também o uso da
força para conseguir mercados externos que representaria uma violação dos princípios do free
trade, tão caros a Cobden e aos radicais.
Em Imperialism, publicado no outono de 1902, Hobson reuniu nas duas partes
principais da obra as abordagens e análises da questão do imperialismo feitas nos últimos
quatro anos. Na primeira parte explicitou a teoria das causas da expansão colonial: o excesso
de poupança (over-saving) ou o subconsumo (underconsumption) impulsionaram a procura
crescente de novos mercados, e o comércio veio a crescer, não com as colónias e
dependencies britânicas, mas com parceiros comerciais de países rivais, retirando assim
legitimidade e justificação económica ao império e à sua expansão. O argumento central de
Imperialism encontra-se neste excerto (Hobson 1975: 53-54)):
To a larger extent every year Great Britain has been becoming a nation
living on tribute from abroad, and the classes who enjoy this tribute have an
ever-increasing incentive to employ the public policy, the public purse, and
the public force to extend the field of their private investments, and to
safeguard and improve their existing investments.
Hobson defendeu que a expansão do Império Britânico fora sobretudo impulsionada
por um grupo de pressão, que dela beneficiaria, e que compreendia investidores e financeiros.
Apresentou números que demonstravam que enquanto a proporção de negócios levada a cabo
68
dentro do império era demasiado escassa para justificar os custos da sua expansão e
manutenção a partir de 1870, o investimento britânico no exterior crescera de tal forma que,
no final do séc. XIX, os lucros dos investimentos estrangeiros chegaram aos 120 milhões de
libras (1975: 62); Hobson continuou (1975: 63):
In other words, in 1893 the British capital invested abroad represented about
15 per cent of the total wealth of the United Kingdom; nearly one-half of
this capital was in the form of loans to foreign and colonial Governments; of
the rest a large proportion was invested in railways, banks, telegraphs, and
other public services, owned, controlled, or vitally affected by
Governments, while most of the remainder was placed in lands and mines,
or in industries directly dependent on land values.
Porém, Hobson não se limitou a visar o imperialismo britânico e, em Imperialism,
afirmou: “What was true of Great Britain is true likewise of France, Germany, the United
States, and of all countries in which modern capitalism had placed large surplus savings in the
hands of a plutocracy or of a thrifty middle class.” (1975: 54) Essas poupanças só
encontravam forma de aplicação através do investimento estrangeiro, uma forma de
possibilitar que o resto do mundo comprasse mais do que vendia, resolvendo desta forma o
problema do baixo consumo interno. Para Hobson o imperialismo foi um mau negócio para o
país, tendo declarado a propósito: “Although the new Imperialism has been bad business for
the nation, it has been good business for certain classes and certain trades within the nation
[who] usurp control of the national resources and use them for their private gain” (1975: 46).
Citando uma afirmação de James Mill sobre as colónias quase um século antes, “ a
vast system of outdoor relief for the upper classes” (1975: 51), Hobson dividiu os
beneficiários do New Imperialism em três grupos: o primeiro dizia respeito ao comercial
imperialism, mais concretamente empresas de transportes, construção naval, fábricas de
armamento e empresas de fornecimento de serviços à instituição militar, com imenso capital e
dirigidas por pessoas com poder para influenciar a política da época (1975: 47); o segundo
incluía os industriais, que produziam bens como têxteis, ferramentas, maquinaria, que
despachavam para os países que o imperialismo ia anexando, quer a procura fosse real ou não
e que competiam entre si para levar a civilização a zonas longínquas do mundo, tendo assim
muito a ganhar com a expansão colonial; o terceiro grupo compreendia os investidores, que
Hobson considerava os elementos fundamentais para se compreender o capitalismo moderno
e acerca dos quais escreveu (1975: 56):
69
Investors who have put their money in foreign lands, upon terms which take
full account of risks connected with the political conditions of the country
desire to use the resources of their Government to minimize these risks, and
so to enhance the capital value and the interest of their private investments.
The investing and speculative classes in general have also desired that Great
Britain should take other foreign areas under her flag in order to secure new
areas for profitable investments and speculation.
Hobson distinguia entre os investidores, em geral, e os financeiros que traficavam em
investimentos, caracterizando os últimos da seguinte forma (1975: 57): “(…) men of a single
and peculiar race, who have behind them many centuries of financial experience, they are in a
unique position to manipulate the policy of nations.” Eram estas dinastias financeiras, muito
bem organizadas, quem controlava a política imperial. Na pág. 59 de Imperialism, Hobson
escreveu:
The wealth of these houses, the scale of their operations, and their
cosmopolitan organisation make them the prime determinants of imperial
policy. They have the largest definite stake in the business of Imperialism,
and the amplest means of forcing their will upon the policy of nations.
Hobson culpabilizou os parasitas financeiros, como lhes chamou, (1975: 46) que
investiam em países subdesenvolvidos na expectativa do lucro que o investimento interno não
lhes traria, dado o fraco poder de compra da classe operária nessa época, atribuindo-lhes ainda
muitos dos danos que o imperialismo causava ao país, não negando porém a importância que
os fatores não económicos tais como o patriotismo, a busca de aventuras, as operações
militares, a ambição política e a filantropia desempenhavam na expansão imperial. Na pág. 59
de Imperialism afirmou:
It is true that the motor-power of Imperialism is not chiefly financial:
finance is rather the governor of the imperial engine, directing the energy
and determining its work (…) An ambitious statesman, a frontier soldier, an
overzealous missionary, a publishing trader, may suggest or even initiate a
step of imperial expansion, may assist in educating patriotic public opinion
to the urgent need of some fresh advance, but the final determination rests
with the financial power.
70
Devido à sua obsessão com os financeiros, segundo P. J. Cain (2007: 110), Hobson
pouco escreveu acerca do estado da economia até ao capítulo VI da obra. Aí reiterou o
argumento principal da expansão colonial: o excesso de produção de bens e de capital,
agravados pelo crescimento da competição internacional, tornou premente a existência de
novos mercados, mas reafirmou também a ligação já anteriormente estabelecida por si entre o
imperialismo e os erros do sistema capitalista: subconsumo (underconsumption), excesso de
poupança (oversaving) e distribuição desigual e injusta da riqueza (maldistribution) (Koebner
e Schmidt (1964: 254). Hobson constituiu estes fatores como a taproot do imperialismo e
explicou que a má distribuição da riqueza produzida e concentrada nas mãos de poucos os
levava a um excesso de poupança que investiam fora do país, criando deste modo pressão
para mais expansão colonial, na ânsia por novos mercados, o que seria evitado se houvesse
uma redistribuição do rendimento no mercado interno.
Segundo Porter (2008: 215) há em Imperialism duas teorias económicas: uma teoria da
“conspiração” e um “modelo” económico. A primeira, já referida anteriormente, surgiu na
sequência da visita de Hobson à África do Sul e sobre ela escreveu Porter: “This conspiracy
theory attributed to a financial clique the manipulation of imperial sentiment in the interests of
their own selfish greed.” Sem relação com esta, Hobson formulou ainda uma teoria original
que colocava o imperialismo no topo de um modelo económico, cuja raiz era a distribuição
desigual e injusta da riqueza. Embora os financeiros estivessem no centro da teia imperialista,
Hobson deixou-os de fora da sua teoria do subconsumo. Porter afirmou a este respeito:
When the ‘cosmopolitan Jews’ of the Rand forced Britain into war, they did
so because they wanted bigger profits, not because they needed fields for
investment. The financiers, therefore, Hobson could strongly condemn on
moral grounds; the industrialists and investors, forced into a course of action
by circumstances beyond their control, he had, to a certain extent, to
sympathise with.
Em Imperialism Hobson demonstrou como a política externa e colonial britânicas
lesavam o bem-estar do país: o comércio não beneficiou e foi claramente prejudicado por um
sistema protecionista que sacrificava os compradores em detrimento dos que obtinham lucro
(Porter 2008; 223). O imperialismo aumentava os impostos indiretos, estimulava a guerra e
tudo o que ela acarretava: despesas militares, competição de armas, militarismo, serviço
militar obrigatório e era inimigo mortal da paz e da economia. (Hobson 1975: 139)
71
Hobson foi um liberal social utilitarista e um economista político que viveu na época
do declínio do liberalismo, constituindo grande parte dos seus argumentos reações à crise da
ideologia liberal, cujos políticos não encontravam respostas para os muitos problemas que
afligiam a sociedade britânica, absorvidos que estavam pelas questões do império. Afirmou
Hobson (1975: 144):
It is not that Liberals have openly abandoned the old principles and
traditions, but that they have rendered them of no account by dallying with
an Imperialism (… ) [which] signifies that they have preferred the economic
interests of the possessing and speculative classes, to which most of their
leaders belong, to the cause of Liberalism.
4. 3. Hobson e a paixão imperial
Ainda antes da ida à África do Sul durante a guerra dos boers, já Hobson escrevera
acerca das causas da paixão imperial que invadiu a Grã-Bretanha durante o New Imperialism,
vindo a acentuar-se durante o conflito, tendo analisado as ideias mais populares na época,
desde a de “missão civilizadora” até à do manifest destiny, invocadas como causas para a
expansão imperial, com a vantagem de absolverem a nação de sentimentos de culpa (Cain
2007: 100-101). Por detrás destas ideias Hobson identificou emoções primárias e assustadoras
sintetizadas na palavra jingoism, que descreveu da seguinte forma (2009: 2): “primitive
passion, modified and intensified by certain conditions of modern civilisation.”
Numa obra de 1901,The Psychology of Jingoism, Hobson destacou o music-hall como
um dos impulsionadores do jingoísmo e a mais poderosa manifestação de força bruta e ódio
pelos estrangeiros, sobretudo por parte das classes trabalhadoras, para além de uma arma
política muito útil na manipulação da mentalidade do povo britânico, capaz de gerar paixões
patrióticas e glorificar até as atrocidades militares, desde que praticadas em nome do Império.
Para Hobson jingoísmo era uma espécie de patriotismo invertido. Sobre esta questão escreveu
(1901: 3):
Among large sections of the middle and labouring classes, the music-hall,
and the recreative public house into which it shades off by imperceptible
degrees, are a more potent educator than the church, the school, the political
meeting, or even than the press. Into this ‘lighter self’ of the city populace
72
the artiste conveys by song or recitation crude notions upon morals and
politics, appealing by coarse humour or exaggerated pathos to the animal
lusts of an audience stimulated by alcohol into appreciative hilarity.
Na coletânea Imperialism and Popular Culture, publicada em 1986, John Mackenzie
examinou o impacto do imperialismo e a sua penetração ideológica na cultura popular,
referindo Hobson e a sua manifesta aversão ao jingoísmo (p.1):
Contemporaries noted the popular excitements generated by (or
generating?) imperial expansion, but J. A. Hobson destroyed any
respectability a theory of imperialism rooted in them might have had by
linking them with his press and Rands magnates’ conspiracy in his pungent
book The Psychology of Jingoism of 1901.
No segundo capítulo da obra, Patriotism and Empire – Music-hall Entertainment
1870-1914, Penny Summerfield analisou o papel do music-hall como fonte de patriotismo e
importante manipulador das massas a favor do império, salientando a posição de Hobson em
relação a esta questão (1986: 17):
Nineteenth century music hall was known as the ‘fountain of patriotism’.
While some observers praised this development, others such as J. A.
Hobson condemned the music hall for manipulating working-class opinion
in favour of exploitative imperialist policies. Hobson was convinced, by the
absence of mass opposition to the boer war and by the working-class
celebrations of victories (…) that the working-class was infected of
jingoism.
Hobson acreditava que a vida nas cidades, para além da massa de desempregados,
alvos preferenciais da propaganda jingoísta, gerava também seres humanos de espírito fraco,
graças ao trabalho monótono e repetitivo que desempenhavam nas fábricas. Ambos os grupos
eram muitíssimo sugestionáveis e facilmente influenciáveis, constituindo por isso o terreno
perfeito para lavagens ao cérebro sobre domínio racial, o que poderia levá-los rapidamente a
odiar e a querer destruir povos que desconheciam por completo. Em Imperialism (1975: 215)
escreveu:
73
Jingoism is merely the lust of the spectator, unpurged by any personal
effort, risk, or sacrifice, gloating over the perils, pains, and slaughter of
fellow-men whom he does not know, but whose destruction he desires in a
blind and artificially stimulated passion of hatred and revenge.
Segundo Hobson, para exercerem controlo sobre a opinião pública, os financeiros
colocaram a imprensa ao seu serviço e em várias cidades europeias muitos dos jornais mais
influentes eram controlados pelas dinastias financeiras, que os utilizavam com o objetivo de
incutir crenças e sentimentos no espírito do povo e influenciar as políticas públicas.
O mais importante para Hobson era demonstrar como os impulsos imperialistas e
militaristas eram explorados pelos financeiros com o objetivo de alargar as fronteiras do
controlo britânico e provar que a manipulação da imprensa tornara o imperialismo tão popular
que, mesmo os jornais chamados independentes, eram sujeitos a pressões e forçados a
acompanhar a corrente, por receio de perderem receitas provenientes da publicidade. Hobson
continuou (1975:215):
(…) the spectatorial lust of Jingoism is a most serious factor in Imperialism.
The dramatic falsification both of war and the whole policy of imperial
expansion required to feed this popular passion forms no small portion of
the art of the real organizers of imperialist exploits, the small groups of
business men and politicians who know what they want and how to get it.
4. 4. Imperialismo e internacionalismo
Na segunda parte de Imperialism Hobson pôs de parte os argumentos económicos e
centrou-se na defesa do que apelidou de sane imperialism, que mais não era do que a
assunção de responsabilidade das potências ocidentais relativamente ao bem-estar dos povos
colonizados, sobretudo os dos trópicos, tendo contribuido com algumas propostas construtivas
em prol do desenvolvimento daqueles territórios. (Porter 2008: 230) Para além da ligação que
estabeleceu com o parasitismo económico e financeiro, Hobson denegriu ainda mais a
imagem do imperialismo ao associá-lo à guerra, uma vez que as guerras imperiais eram
essenciais à submissão dos povos “atrasados”, servindo para reprimir revoltas e reforçar ou
demarcar as fronteiras que separavam uns impérios de outros. Hobson via o imperialismo
74
como fonte de conflitos entre impérios rivais que poderiam mesmo gerar guerras, como veio a
verificar-se na primeira guerra mundial.
Perante tão severas críticas, poderia pensar-se que Hobson preconizava o fim do
imperialismo tout court como se de uma chaga política, económica e cultural se tratasse, o
que na realidade não se verificou. Ao invés, exigiu a sua reforma e internacionalização,
preferindo defender um modelo mais “são”, segundo o ideal do Império Romano. Em
Imperialism escreveu (1975: 365): “(…) the opportunity of a parasitic Imperialism which
should reproduce upon a vaster scale many of the main features of the latter Roman Empire
visibly presents itself.”
Assumindo a defesa ética do imperialismo, Hobson acreditava que a interdependência
global crescera de tal forma que os povos mais vulneráveis seriam sujeitos à exploração, a não
ser que se criasse uma forma ou um mecanismo de intervenção pública internacionalizada. Os
capitalistas ocidentais aproveitariam qualquer oportunidade para aumentar os lucros às custas
da população local, se não fossem regulados e fiscalizados de forma muito firme. Tal como
muitos liberais, Hobson considerava também que os povos oprimidos não conseguiriam
cuidar de si próprios e esta sua posição ambivalente, a da defesa dos povos “atrasados” face à
sua completa vulnerabilidade e dependência, foi a força impulsionadora da sua sugestão de
reforma internacional do imperialismo, baseada na ideia de que, sendo impossível eliminá-lo,
era no entanto necessário suavizá-lo de alguma forma. Escreveu Hobson (1975: 230):
If organized Governments of civilized Powers refused the task, they would
let loose a horde of private adventurers, slavers, piratical traders, treasure
hunters, concession mongers, who, animated by mere greed of gold or
power, would set about the work of exploitation under no public control and
with no regard to the future.
Os países mais avançados tinham assim o direito e o dever de intervir junto das “raças
inferiores”, mas apenas com o objetivo de servir o bem da humanidade e não para defender os
seus próprios interesses. Segundo Hobson as potências imperiais não mereciam confiança
depois de tudo aquilo a que se assistira durante a vigência dos impérios, em que subjugaram
os interesses económicos, culturais e sociais dos povos colonizados, interferindo de forma
muito negativa na sua vida diária e nas suas tradições. Hobson enumerou os males da
civilização ocidental impostos aos povos “inferiores” (loc. cit.):
(…) playing havoc with the political, economic, and moral institutions of
75
the peoples, instilling civilized vices and civilized diseases, importing spirits
and firearms as the trade of readiest acceptance, fostering internecine strife
for their own political and industrial purposes, and even setting up private
despotisms sustained by organized armed forces.
Assim, propunha um imperialismo sane segundo três condições, sempre com o
objetivo utilitarista do bem-estar global: em primeiro lugar, o governo imperial deveria
favorecer a humanidade em geral, maximizando os benefícios do comércio internacional e a
exploração dos recursos naturais, o que contrariava a ideia do comércio livre, por ele
defendido na linha de Cobden, enquanto nesta nova fase favorecia já a intervenção estatal
como forma de remediar as desigualdades do mercado e os males da distribuição capitalista.
Em segundo lugar, o governo imperial deveria beneficiar os povos submetidos, melhorando o
seu nível de vida, explorando os recursos naturais de forma eficaz, tendo como objetivo a sua
autonomia; a terceira condição era a formação de um governo internacional, para controlar a
ocupação imperial e inspecionar a população subjugada. Na pág. 280 de Imperialism Hobson
escreveu:
In setting forth the theory which sought to justify Imperialism as the
exercise of forcible control over lower races, by regarding this control as a
trust for the civilization of the world, we pointed out three conditions
essential to the validity of such a trust: first, the control must be directed to
the general good, and not to the special good of the ‘imperialist’ nation;
secondly, it must confer some net advantage to the nation so controlled;
lastly, there must exist some organization representative of international
interests, which shall sanction the undertaking of a trust by the nation
exercising such control.
Segundo Cain (2002: 154) Hobson exigia “uma representação organizada da
humanidade civilizada” que reconhecesse a “unidade orgânica” do mundo. Esse governo
desenvolveria África para benefício de todos, impedindo a posse de terras por europeus, a
atividade mineira e o trabalho escravo. Preservaria o mais possível as tradições sociais
indígenas e expô-las-ia aos europeus, dando liberdade aos nativos para procurar trabalho de
acordo com as suas necessidades e os seus novos níveis de consumo. Hobson resumiu assim
esta questão (1975: 279-80):
76
So far as Imperialism seeks to justify itself by sane civilisation of lower
races, it will endeavour to raise their industrial and moral status on their
own lands, preserving as far as possible the continuity of the old tribal life
and institutions… If (…) many of the old political, social and religious
institutions decay, that decay will be a wholesome process, and will be
attended by the growth of new forms, not forced upon them, but growing
out of the old forms, and conforming to laws of natural growth in order to
adapt native life to a changed environment.
De acordo com Porter (2008: 235), Imperialism começa e termina com um apelo ao
internacionalismo, em que Hobson manifestamente acreditava, esperando que a “seleção
natural” de imperialismos competitivos pudesse ser substituída por uma “seleção racional” de
cooperação internacional e assim encorajar não uma relação militar, mas antes intelectual, na
qual os “génios” não fossem encarados como propriedade de uma nação, mas atingissem um
estatuto de pertença internacional, em prol de uma humanidade civilizada. Hobson afirmou
(1975: 187): “the higher kinds of competition, the struggle of languages, literatures, scientific
theories, religious, political and social institutions, and all the arts and crafts which are the
highest and most important expressions of national as of individual life.” Só através das suas
atividades e sucessos se manifestava a eficácia social de uma nação.
Nesta linha de pensamento Hobson foi assim um defensor pioneiro de uma Liga das
Nações, mas muitos dos seus textos sobre este tema foram produzidos após o início da 1ª
Guerra Mundial, justamente como resposta ao conflito. Em 1915 delineou-se uma estrutura
daquele tipo em pequena escala, que envolvia políticos britânicos e americanos, com o
objetivo de manter a paz entre as nações, mas só em Janeiro de 1919, com o Tratado de
Versailles, se estabeleceu a criação de uma organização internacional, a Sociedade das
Nações, que teria como missão assegurar a paz, e cuja Carta foi assinada por quarenta e
quatro Estados. Ao subscreverem este pacto comprometiam-se a manter as relações
internacionais abertas e francas, a reduzir os armamentos e a submeter à análise da Sociedade
das Nações questões que pudessem gerar conflitos futuros.
No entanto eram muitos os obstáculos a uma paz duradoura: os países derrotados
foram excluídos dos tratados de paz e da Sociedade das Nações e alguns dos vencedores
mostravam-se insatisfeitos com os acordos conseguidos; os EUA não aprovaram o Tratado e
não integravam a Sociedade das Nações e os vencedores não tentaram procurar soluções
adequadas para a crise económica na Europa, preferindo exigir indeminizações aos países
77
derrotados. Por estas razões, a Sociedade das Nações acabou por se revelar incapaz de mediar
conflitos, o que comprometeu a sua existência e levou à sua extinção em 1946, passando as
suas responsabilidades à futura ONU.
Em Confessions of An Economic Heretic (2011: 113) Hobson afirmou:
The history of the post-War world has, however, shown that none of the
Great Powers is yet ready for this necessary surrender of its sovereign
rights. (…) But until the domination of class and economic interests within
each nation, which feeds and inspires this nationalism, can be recognized
and overcome by an enlightened classless nationalism, a League of Nations
will not be endowed with the authority and the power needed for world
peace and progress.
Após a guerra Hobson reforçou o seu compromisso com o internacionalismo, por
oposição ao imperialismo nacionalista de tipo protecionista, mas rejeitou o tipo de
organização entretanto criado, tendo afirmado (Hobson 1921: 232-3) 11: “ the disposal of the
mandated areas as war-spoils by the victors (…) the perversion of this great ideal of a League
of Nations into a present instrument for autocratic and imperialistic government will rank in
history as a treason to humanity as deplorable as the Peace Treaty with which it was so
injuriously bound.”
4. 5. Da guerra dos boers à 1ª guerra mundial – as contradições de Hobson
Como se referiu anteriormente, Hobson começou por escrever artigos que foi
divulgando em publicações de cariz político e económico, tendo posteriormente reunido esses
textos em Imperialism, obra inspirada sobretudo pela guerra dos boers e por uma série de
ideias muito radicais suscitadas pela observação direta do conflito e do funcionamento do
imperialismo capitalista na África do Sul, bem como pelos efeitos causados ao país pela
“aventura” imperialista britânica, em termos económicos e sociais. No entanto a sua
preocupação, quase obsessão, pelo tema não se esgotou em 1902, ano da publicação de
Imperialism, tendo continuado a reafirmar publicamente e em várias ocasiões o que escrevera
antes, inclusive na segunda edição da obra em 1905, na qual as alterações foram mínimas,
11
in Claeys, Gregory “Imperial Sceptics”, p. 259
78
tendo-se limitado a reforçar as ideias já expressas. Quando os liberais venceram as eleições de
1906, Hobson esperou que o novo governo estabelecesse por fim uma democracia industrial
na Grã-Bretanha, após ter conseguido lançar os alicerces do que viria a ser o estado
providência, mas os conservadores, mais tradicionalistas, atacavam essas pretensões de forma
sistemática. (Cain 2002: 166).
Uma década depois Hobson publicou An Economic Interpretation of Investment, um
livro estranho segundo Cain, baseado numa série de artigos escritos em 1910 para The
Financial Review of Reviews, um guia para investidores. Nele, Hobson abandonou muitas das
crenças expressas em Imperialism, tendo regressado à visão cobdenista, segundo a qual o
comércio externo era o caminho para a prosperidade e o protecionismo estava ligado ao
imperialismo (Cain: 1978: Economic History Review p.568-9) 12. Foi também Cain quem
afirmou (2002: 166):
Overall, his writings on international trade, foreign investment, and
imperialism appear to have a peculiarly schizophrenic quality at this
juncture, offering visions of a new world of democracy and internationalism
on the one hand while almost simultaneously presenting dramatic insights
into the strength and depth of the forces making for imperialism on the
other.
Dez anos depois de Imperialism Hobson alterava o seu pensamento acerca da relação
entre o crescimento económico e a extensão do comércio externo: a penetração económica em
territórios “atrasados” era agora encarada como um processo benéfico tanto para os países
industrializados como para os subdesenvolvidos, não ameaçando a sobrevivência da
industrialização e aprofundando a democratização do capitalismo. O imperialismo continuava
a existir, mas era agora apresentado como um fenómeno do mesmo processo económico
internacional que Hobson condenara de forma veemente em Imperialism. ( Freeden 1990: 33).
Hobson, seguindo a tradição de Cobden, defendia agora um mundo de nações
interdependentes, no qual o caminho para a justiça económica e para a paz internacional seria
tão mais fácil de percorrer quanto maior fosse a sua interação económica.
Esta mudança de atitude por parte de Hobson, que durante anos se manifestara
frontalmente contra a existência de colónias em termos económicos, que deplorara o
imperialismo como pretexto do capital financeiro para encontrar mercados externos que lhe
12
Edição online
79
permitissem investir e obter lucros à custa dos trabalhadores e dos povos “atrasados” já que
internamente tal não era possível, como já se referiu, tinha muito provavelmente a ver com as
mudanças políticas na Grã-Bretanha. Quando Hobson escreveu Imperialism, o país
recuperava ainda da guerra dos boers, que culminara duas décadas de expansão colonial em
África, numa época em que as reformas económicas e sociais pareciam impossíveis de
concretizar e Hobson pintou na altura um quadro exageradamente negro do imperialismo
como forma de agitar a consciência nacional e levar o país a reagir de alguma forma. Em
1911, o partido liberal governava há cinco anos e a febre pelo império abrandara, pelo que
Hobson acreditava que a humanidade iria finalmente aceitar a necessidade da sua
interdependência e que toda a irracionalidade imperialista daria lugar a um mundo
economicamente democrático e cooperante.
Tal como Cobden, Hobson considerava o comércio livre (free trade) um aliado
fundamental da democracia industrial, enquanto protecionistas como Chamberlain
acreditavam que ele minava a indústria britânica, levando a que o capital saísse do país. Ao
escrever sobre comércio internacional, investimento estrangeiro e imperialismo, Hobson
evidenciou os dilemas de alguém que já não condenava o imperialismo como uma doença do
capitalismo, antes o considerava uma fase inevitável no processo do desenvolvimento
mundial, benéfica para todos os intervenientes. Ao contrário do que escrevera em
Imperialism, mudou também a sua atitude em relação aos financeiros, cuja função era quase
indispensável. Em An Economic Interpretation of Investment Hobson (1911:10) afirmou: “(...)
However large the allowance for fraud and overreaching on the part of skilled middlemen, the
delicacy and importance of the services they render…are undeniable.” Da mesma forma, a
exportação de capitais era agora vista como natural na evolução económica de um país,
quando em Imperialism fora considerada destrutiva para os países destinatários. Escreveu na
pág. 89:
Foreign investment does not injuriously compete with home investments
robbing the latter of capital which it could put to advantageous use in
employing British labour but …they represent a use found abroad for a
surplus quantity of British saving which otherwise would either not exist at
all or would represent a wasteful oversupply of home capital... Foreign
investments, then, form in the first instance a safety valve against excessive
gluts of capital at home. They find a profitable use for capital which
otherwise could not economically fructify at all.
80
Nesta fase Hobson considerava que proibir a exportação de capitais significava que
alguns países ficariam com excesso de capital, enquanto outros não receberiam o suficiente
para o seu desenvolvimento, diminuindo desta forma a produção mundial. O fluxo de capital
do Ocidente era útil, não apenas para todas as classes do país credor, mas também para as
nações que dele beneficiavam, independentemente do seu estado de desenvolvimento (Cain
2002: 190). Hobson escreveu (1911: 90): “The development of a backward country by foreign
capital is always beneficial to the country itself, to the industrial world at large (by increasing
world trade) and to the investing country in particular.” Deste modo nasceria um mundo de
nações ricas, mutuamente benéficas e em parte donas dos bens umas das outras, podendo
então os novos países em desenvolvimento competir industrialmente com a Grã-Bretanha,
produzindo bens que os britânicos adquiririam de forma vantajosa. Nas páginas 106-7 de An
Economic Interpretation of Investment afirmou:
(…) as foreign trade and foreign investment advance it becomes a more
important and more useful function of every government to try to secure for
its citizens new markets for their goods and for their capital, and to employ
public diplomacy and force to improve the markets already got and the
capital already invested.
As posições adotadas por Hobson nesta obra foram centrais no seu pensamento até ao
início da 1ª Guerra Mundial e consistiam na tentativa de provar que a economia global
emergente poderia ser uma causa do imperialismo e simultaneamente impulsionar a harmonia
internacional. Porém, os seus pontos de vista mudaram radicalmente desde Imperialism (Cain
2002: 195) em questões como a importância do comércio internacional para o
desenvolvimento capitalista e a sua relação com o imperialismo e no papel dos financeiros no
desenvolvimento económico
Peter Clarke, num artigo publicado na Economic History Review em 1981, veio
criticar Hobson e refutar a ideia de que seria um pensador sistemático como defendia Cain,
afirmando que ele se limitara a desenvolver algumas ideias muito contraditórias. Afirmou
Clarke: “Instead, he proceeded by developing diverse insights which were sometimes deeply
original, sometimes embarrassingly trite, and not seldom at odds with [his] previous
approaches.” (Clarke 1981: Economic History Review p. 308-9)13. Clarke criticou ainda a
ligação que Hobson insistiu em estabelecer entre o imperialismo e o capital financeiro quando
13
Edição online
81
seriam, na realidade, os capitalistas a usar o império em seu proveito.
Muito embora Hobson tenha refletido sobre a sociedade britânica em termos
económicos e sociais durante várias décadas, contribuindo com ideias muito válidas para o
status quo da época numa linha de pensamento liberal radical, não podemos deixar de
assinalar algumas falhas na sua atitude perante a colonização, sobretudo numa primeira fase,
em que se aproximou muito das posições eugenistas. Escreveu ele em Imperialism, num
capítulo sugestivamente denominado Scientific Defense of Imperialism (1975: 153):
Others, taking the wider cosmic standpoint, insist that the progress of humanity
itself requires the maintenance of a selective and destructive struggle between
races which embody different powers and capacities, different types of
civilisation. It is desirable that the earth should be peopled, governed, and
developed, as far as possible, by the races which can do this work best, i.e. by
the races of highest "social efficiency"; these races must assert their right by
conquering, ousting, subjugating, or extinguishing races of lower social
efficiency. The good of the world, the true cause of humanity, demands that this
struggle, physical, industrial, political, continue, until an ideal settlement is
reached whereby the most socially efficient nations rule the earth in accordance
with their several kinds and degrees of social efficiency.
Hobson não assumiu claramente posições eugenistas ou sequer referiu o termo
“eugenia” em algum momento de Imperialism mas, para além do capítulo já referido,
escreveu outro com um título também bastante sugestivo, “Imperialism and the lower races”,
ao longo do qual se refere de forma sistemática aos povos colonizados como “lower races”,
aludindo à sua condição e à utilidade dos recursos naturais das suas terras para a civilização
ocidental do seguinte modo (1975: 227:
The European races have grown up with a standard of material civilisation
based largely upon the consumption and use of ...natural products of tropical
countries. The industries and the trade which furnish these commodities are
of vital importance to the maintenance and progress of Western civilisation.
(…)The inhabitants of these countries are not "progressive people"; they
neither develop the arts of industry at any satisfactory pace, nor do they
evolve new wants or desires, the satisfaction of which might force them to
labour.
82
Afirmações deste tipo tornaram-se hoje em dia muito controversas e não entendemos
facilmente como um homem que durante toda a vida condenou o imperialismo e a exploração
das classes mais baixas, possa referir-se assim a outros povos, colocando-os num patamar
inferior em relação aos ocidentais. A defesa feita por Hobson da exploração dos recursos
naturais dos novos territórios pelos “brancos”, admitindo a incapacidade e a falta de iniciativa
e empenho dos nativos, é altamente criticável e só pode justificar-se à luz das teorias dos
darwinistas sociais, às quais o espírito de Hobson foi sensível.
83
5. Conclusão
Nesta dissertação abordámos as teorias (anti)-imperialistas de Hobson, sobretudo
expressas a partir dos finais do século XIX até ao início da I Guerra Mundial,
contextualizando historicamente o homem e estudando a sua evolução ideológica através das
intervenções públicas e da vasta obra, particularmente Imperialism, publicado no auge do
fervor imperial por parte da maioria dos britânicos, muito manipulados pela propaganda
governamental e por toda uma série de atividades, apelidadas de “jingoístas” por Hobson e
outros liberais. Estas iam desde os espetáculos de variedades, onde se exaltava de forma
exacerbada os feitos e glórias do império, até alguma imprensa, cujos artigos e reportagens
contribuíam para a amplificação do ardor patriótico, ao propagarem o heroísmo dos soldados
na guerra dos boers ou a defenderem de forma inequívoca o Império, não esquecendo os
escritores “imperialistas”, como Kipling que, com o poema White Man’s Burden, justificou o
papel do império e a colonização de outros povos com a missão colonizadora da Grã-
Bretanha.
O objetivo deste estudo foi compreender as razões que levaram alguém nascido na
classe média de uma zona rural da Grã-Bretanha, com todas as probabilidades de se tornar um
simples mestre-escola, modesto jornalista regional ou porventura clérigo, aceitando e
conformando a sua vida aos modelos vitorianos do rigor e do trabalho, a converter-se ao
radicalismo e a pensar o imperialismo de forma tão antagónica ao espírito patriótico da época,
numa atitude contracorrente que o tornou famoso como pensador político e, acima de tudo,
como historiador económico. Para tal, começámos por caracterizar os anos que decorreram
entre a Grande Depressão de 1870 e o início da primeira grande guerra, tendo para o efeito
sido realizada, numa primeira fase, pesquisa alargada aos historiadores e pensadores que
escreveram sobre o século XIX britânico ou que o influenciaram a nível ideológico, político e
económico, casos de Trevelyan, Adam Smith ou J. S. Mill, chegando-se posteriormente aos
autores que se debruçaram mais especificamente sobre a figura de Hobson, com destaque para
Bernard Porter, P. J. Cain e Gregory Claeys, cujas obras se constituíram como contributos
essenciais para este trabalho. Fundamental se revelou também a autobiografia de Hobson,
inestimável na recolha de informações sobre o seu pensamento e postura ante o imperialismo.
Dado que Hobson dedicou grande parte da sua vida e obra às questões económicas que
na época atingiam o país e, em particular, os britânicos das classes mais baixas, relacionando-
as com o imperialismo, e não sendo a economia o âmbito deste estudo, houve o maior cuidado
em abordar-se esses temas de forma tão aprofundada quanto possível, sem no entanto resvalar
84
para uma pura análise económica, dadas as nossas limitações nessa área do conhecimento,
optando antes por tratá-los de uma perspetiva histórica e cultural.
Pelo que ficou exposto ao longo da dissertação pode concluir-se que Hobson foi uma
figura central na alteração da atitude moral em relação ao império e ao imperialismo no
mundo ocidental, ao associar o fenómeno à guerra, exploração e tirania, externa e
internamente, de uma forma que hoje se nos afigura normal e aceitável, mas que na época se
estabeleceu como algo de dramaticamente original. O que ele trouxe de novo foi provar como
o “imperialismo financeiro” se estava a impor, e relacionar o subconsumo
(underconsumption) e o excesso de poupança (oversaving) com o investimento externo,
dando-lhes uma centralidade no discurso radical, que sempre realçara a ligação estreita entre a
expansão imperial e os privilégios, os monopólios e os lucros obtidos sem esforço, mas a um
nível nunca antes atingido. Imperialismo era, para Hobson, o empenho nacional em encontrar
escoamento para o excesso de poupanças da classe endinheirada, cujo domínio era ampliado
pelo facto de estar cultural e socialmente integrada nos círculos que tradicionalmente
detinham o poder na Grã-Bretanha. Os seus membros estavam intimamente ligados a
financeiros, políticos, militares e administradores, que tinham um interesse direto em
expandir-se nas fronteiras do império. (Cain 2002: 244)
Hobson atacou o imperialismo britânico pelos efeitos causados ao próprio país, contra
as opiniões mais conservadoras da época e as dos “imperialistas sociais” como Chamberlain,
segundo as quais a expansão colonial poderia solucionar muitos dos males sociais internos ou
que a propagação da cultura britânica pelas “raças inferiores” constituiria a tarefa mais nobre
que alguém poderia desempenhar e um passo essencial para melhorar a condição dos povos
atrasados. Hobson considerou ainda o orgulho patriótico excessivo, o jingoísmo, um dos
maiores danos causados ao país, pela manipulação emocional que constituía. Mas no século
XIX os problemas sociais mais graves eram o desemprego que, segundo algumas opiniões,
conduzia à indolência, à miséria e ao descontentamento. Os desempregados eram
considerados socialmente inúteis e moralmente falhados e, nesse sentido, muitos
consideravam o império como uma espécie de válvula de escape para os trabalhadores
excedentários, podendo até levar a que os salários subissem na Grã-Bretanha pela escassez de
mão-de-obra restante. Porém, não foi isto que aconteceu e, pelo contrário, enquanto a classe
trabalhadora sofria, a classe endinheirada aplicava o dinheiro nas indústrias extrativas das
colónias africanas e não internamente, como Hobson defendia, com o objetivo de criar postos
de trabalho a quem deles necessitava e assim melhorar o nível económico e social das classes
mais baixas.
85
Em Imperialism Hobson veio contestar e propor a sua versão de imperialismo “são” e
utilitarista: a expansão colonial e a colonização só fariam sentido se fossem benéficas para
ambas as partes e para a humanidade em geral, em termos do comércio internacional e da
exploração dos recursos naturais; os povos colonizados não seriam submetidos pelos
ocidentais, mas antes apoiados no seu desenvolvimento, pois essa seria a concretização da
missão civilizadora dos britânicos. Para que isto fosse eficaz, deveria criar-se uma
organização internacional que gerisse e fiscalizasse os vários impérios, para evitar que se
tornassem rivais e esse facto pudesse conduzir à guerra. A este propósito referimos a
constituição da Sociedade das Nações, para a qual Hobson contribuiu com as suas ideias
sobre internacionalismo, muito na tradição de Cobden e Bright, como a antítese para o
imperialismo e todas as consequências negativas que acarretava à humanidade, em prol do
entendimento e da paz entre os estados. O seu sonho desvaneceu-se quando, vinte anos após a
criação da Sociedade das Nações, o mundo sofreu uma nova guerra mundial, que a
organização claramente não esteve à altura de evitar.
Referimos ainda que, desde a publicação de Imperialism até ao início da primeira
guerra mundial, Hobson mudou a sua posição relativamente ao papel do imperialismo
económico, acompanhando uma evolução ideológica natural, bem como alterações políticas
na Grã-Bretanha após a vitória dos liberais nas eleições de 1906, mudança que Cain analisou
de forma profunda, identificando contradições e reconhecendo-lhe exageros, sem porém lhe
negar o papel de maior crítico daquele fenómeno. Nessa fase Hobson passou a considerar o
imperialismo uma etapa natural e necessária do desenvolvimento económico dos países
menos desenvolvidos, que os mais ricos tinham obrigação de “amparar”, numa lógica de
progresso geral da humanidade, explorando os seus recursos naturais, algo para o que os
nativos não teriam conhecimentos, condições ou capacidade.
Se analisarmos a relevância de Imperialism nos dias de hoje, o facto mais evidente é
que os impérios sobre os quais Hobson escreveu começaram a ruir após a I Guerra Mundial,
desmoronando-se por completo após a segunda, daí que a obra tenha naturalmente perdido
algum sentido. No entanto, muitas das questões nela abordadas continuam presentes e
pertinentes nos debates atuais sobre o desenvolvimento da economia mundial: o mundo é
dominado e gerido por financeiros que controlam os negócios mundiais, por multinacionais
cujo único objetivo é o lucro e não a melhoria das condições de vida das populações,
contando com a cumplicidade dos governos para as suas atividades, muitas vezes
especulativas e criminosas. Neste sentido Imperialism continua atual e consideramos que
Hobson, apesar de algum exagero, conseguiu caracterizar o imperialismo e o
86
internacionalismo económico de tal forma, que o reconhecemos hoje como um precursor da
globalização que se instalou no mundo há várias décadas, Ao lermos muitos dos seus textos,
constatamos facilmente que muitas das teorias e ideias por ele formuladas prediziam o que
haveria de acontecer em termos económicos quase um século depois, pelo que Hobson
continua a ser lido e analisado por académicos em todo o mundo. O seu mérito reside
sobretudo na originalidade e na amplitude das ideias, mais do que no rigor ou exatidão com
que as expressou, sendo por vezes acusado de negligência, repetição e erros de análise, o que
poderá ser justificado pelo facto de não ser economista, mas sim um reformista preocupado
com questões extraeconómicas e éticas relacionadas com a qualidade de vida do ser humano,
procurando soluções para o problema da pobreza, mas também interessado nos direitos dos
trabalhadores e na democratização da indústria britânica.
87
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