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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA EVALDO JESUS SALGADO PINTO RECONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DA CRECHE ESCOLA DR. ADOLFO BEZERRA DE MENEZES - MASSARANDUBA/RN (1985-2016) Natal (RN) – 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

EVALDO JESUS SALGADO PINTO

RECONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DA CRECHE ESCOLA DR. ADOLFO BEZERRA DE MENEZES -

MASSARANDUBA/RN (1985-2016)

Natal (RN) – 2016

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EVALDO JESUS SALGADO PINTO

RECONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DA CRECHE ESCOLA DR. ADOLFO BEZERRA DE MENEZES -

MASSARANDUBA/RN (1985-2016)

Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção de título de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Campus de Natal (RN).

.

Orientador: Prof. Dr. Walter Pinheiro Barbosa Júnior

Natal (RN) - 2016

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Evaldo Jesus Salgado Pinto

RECONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DA CRECHE ESCOLA DR. ADOLFO BEZERRA DE MENEZES -

MASSARANDUBA/RN (1985-2016)

Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção de título de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Campus de Natal (RN).

Conceito Final:

Aprovado em _______/________/_________

Banca Examinadora

__________________________________________________

Prof. Dr. Walter Pinheiro Barbosa Junior – UFRN - Orientador

__________________________________________________

Prof. Dra. Rouseane da Silva Paula – UERN - Examinadora

___________________________________________________

Prof. Dra. Marisa Narciso Sampaio – UFRN - Examinadora

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Dedico este trabalho a minha mãe Gracila, pelo exemplo de coragem, dedicação e persistência na busca de Luzes para sua prole. Aos meus familiares: irmãos, esposa e filhos que tantas vezes usurpados da minha presença, mas não do meu amor, sempre torceram por mim para a concretização de mais este objetivo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente a Deus que permitiu que bons encontros

acontecessem, ao longo de minha vida, e não somente nestes anos como

estudante, mas que em todos os momentos já vividos.

Aos meus pais, João (in memoriam) e Gracila, meus heróis, que apesar das

dificuldades materiais no início das nossas vidas em comum, me fortaleceram com

seus conselhos e apoios mesmo nas horas difíceis, e aos meus irmãos pelos

incentivos infindos.

Ao meu professor orientador Walter Pinheiro Barbosa Júnior, pelo suporte no

pouco tempo que lhe coube, pelas suas orientações, correções, incentivos, mas

principalmente, pela sua contribuição filosófica e pensamentos críticos, durante o

curso que ora finalizo.

Ao pessoal de Massaranduba; corpos funcional, docente e discente da

Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, que na figura de sua diretora, Mércia

Maria Carvalho, facultaram o acesso e confiaram em mim, para que pudesse fazer

este breve relato.

Agradeço a todos os meus professores do curso de Pedagogia da UFRN por

me proporcionarem o conhecimento não apenas racional, mas a manifestação do

caráter e afetividade da educação no processo de formação profissional, por tanto

que se dedicaram a mim, não somente por terem me ensinado, mas por terem me

auxiliado a aprender. A palavra mestre, nunca lhes fará justiça e terão sempre os

meus sinceros agradecimentos.

Também, meus agradecimentos aos amigos e colegas das várias turmas do

Curso de Pedagogia, companheiros de trabalhos e irmãos na amizade, que fizeram

parte nesta fase da minha formação e que vão continuar presentes em minha vida.

Por fim, mas não menos importantes, agradeço penhoradamente à minha

Morena e aos meus filhos, Wesgley, João, Augusto e Lili, por suportarem,

estoicamente, os meus rompantes de mau humor sem perderem a paciência e pelo

amor, incondicional, a mim dedicado. Eu os amo para todo o sempre.

Felicidades mil a todos!

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LISTA DE SIGLAS

AA Alcoólicos Anônimos ASG Auxiliar de Serviços Gerais CAIXA Caixa Econômica Federal CAPEMI Caixa de Pecúlio dos Militares CCABM Casa de Caridade Adolfo Bezerra de Menezes ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EJA Educação de Jovens e Adultos FNDE Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação INSS Instituto Nacional de Seguridade Social LDB Lei de Diretrizes Básicas da Educação NAM Núcleo Avançado de Massaranduba ONU Organização das Nações Unidas PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar PNLD Programa Nacional do Livro Didático PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PROERD Programa Educacional de Resistência às Drogas PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SINE Sistema Nacional de Emprego

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RECONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DA CRECHE ESCOLA DR. ADOLFO BEZERRA DE MENEZES -

MASSARANDUBA/RN (1985-2016)

RESUMO Este trabalho tem como objeto de estudo a história da Creche Escola Dr. Adolfo

Bezerra de Menezes. Objetiva-se identificar e problematizar os processos históricos

que possibilitaram a criação da Creche Escola. Para realizar a pesquisa, nos

orientamos por duas perguntas: Como a Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de

Menezes foi construída? Qual a contribuição que essa Creche ofereceu e oferece a

comunidade escolar e não escolar do distrito de Massaranduba? Essas perguntas

nos inspiraram a buscar na História Cultural, especialmente nos estudos de Certeau

elementos teóricos para respondê-las. No entanto, como pesquisador e voluntário da

instituição pesquisada, priorizamos reconstituir a história ouvindo relatos e histórias

de vida de moradores de Massaranduba, gestores, trabalhadores e estudantes da

Creche Escola. Outra fonte importante foram as lembranças da vida e do trabalho

voluntário nesta instituição pesquisada. Além de ouvir pessoas procuramos construir

dados a partir dos documentos da instituição e, das observações do trabalho

cotidiano da Creche. Concluímos que o processo histórico de criação da Creche

Escola se constitui em uma referência histórica, para a afirmação de que uma

pessoa sensível às demandas do próximo é capaz de envolver outras pessoas e

fazer nascer um trabalho que modifica muitos aspectos da vida de moradores de

uma comunidade vulnerável. Por outro lado, também concluímos que é importante

não se apropriar de modo privado daquilo que foi construído para pertencer a todos,

pois a gestão da educação necessita de avanços democratizantes com a finalidade

de transformar o assistencialismo em participação, considerando essa participação

como um processo em que a comunidade toma em suas mãos os destinos de sua

vida.

Palavras-Chave: História de Instituição Educativa. Educação Escolar. Comunidade.

Assistencialismo.

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RECONSTRUCTION OF THE HISTORY OF THE DR. ADOLFO BEZERRA DE MENEZES SCHOOL AND DAYCARE CENTER IN

MASSARANDUBA RN (1985-2016)

ABSTRACT

The objective of this paper is the historical study of the Dr. Adolfo Bezerra de

Menezes School and Daycare Center. We aim to identify and question the historical

processes that made the creation of this institution possible. To conduct the

necessary research, two base questions were asked: How was the institution built?

How does it contribute to the educational and non-educational community of the

Massaranduba village (situated 35 kilometers from the state capital, Natal), in Rio

Grande do Norte State? Such questions inspired a deep search of the cultural history

– in particular considering studies conducted by Certeau – to find theoretical

elements with which they could be answered. Nevertheless, as both researchers and

volunteers of said institution, we aimed to retrace the story by listening to the

accounts and life stories of the population of Massaranduba – such as managers,

workers and students that attended the school and daycare center. Another source of

relevance came from the life stories and volunteering stories of the institution. Asides

from listening to the people, we aimed to build data from researched institution

documents, as well as from observing its day to day workings. From those premises,

we concluded that the process of building the school and daycare center constitutes

a historical reference to the statement that an individual made sentient to the needs

of others is capable of birthing a project that can touch people and change several

aspects of the life of a vulnerable community. On the other hand, we also concluded

that what was built as a community asset cannot be made private by this or that

person, since all educational management requires democratic advancements in

order to transform the mere handout policy into real participation, into a process

where the community can take charge of its own destiny.

Keywords: Educational institution history, Education, Schooling, Community,

Handout policies.

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SUMÁRIO

1 RAÍZES DA PESQUISA .................................................................................... 09 1.1 Aspectos contributivos para escrita da história da Creche Escola Dr. Adolfo

Bezerra de Menezes ......................................................................................... 11

1.2 Retalhos da história de vida que se relacionam com a pesquisa ...................... 15

1.3 O Espiritismo e a Solidariedade ........................................................................ 20

1.4 Formação Acadêmica do pesquisador ............................................................. 22 2 O LUGAR ONDE A CRECHE FOI CRIADA: MASSARANDUBA .................... 24 3 A CASA DE CARIDADE ADOLFO BEZERRA DE MENEZES E O NÚCLEO AVANÇADO DE MASSARANDUBA ................................................................ 26 4 A CRECHE ESCOLAR DR. ADOLFO BEZERRA DE MENEZES .................... 32 4.1 Primeiros movimentos para a implementação da Creche Escola ...................... 33

4.2 Aspectos administrativos e a estrutura física da Creche Escola ....................... 41

4.3 Aspectos políticos e pedagógicos da Creche Escola ........................................ 46

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 47 6 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 50 7 ANEXOS – Registros Fotográficos ................................................................ 52 8 APÊNDICE ........................................................................................................ 54 8.1 Degravação da entrevista com a Sra. Mércia Carvalho – Diretora .................... 54

8.2 Degravação da entrevista com a Sra. Erlânia Sales – Pedagoga ..................... 61

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1. RAÍZES DA PESQUISA

Tenha em mente que tudo que você aprende na escola é trabalho de muitas gerações [...] receba essa herança, honre-a, acrescente a ela e, um dia, fielmente, deposite-a nas mãos de seus filhos.

Albert Einstein

Essa recomendação de Einstein (14 de março de 1879 - 18 de abril de

1955), um físico teórico alemão, remete-nos a ideia de que a escola não é um lugar

que brotou da natureza, mas emergiu a partir de um longo processo de

transformações, escolhas e ideias que foram responsáveis pelo surgimento dessa

instituição de ensino.

Nessa perspectiva, essa Monografia toma como objeto de estudo a história

cultural da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, destinada ao Ensino

Infantil e ao Ensino Fundamental I (do primeiro ao quinto ano), localizada em

Massaranduba no Município de São Gonçalo do Amarante-RN, objetivando com a

pesquisa feita identificar e analisar o processo histórico que fez surgir essa

instituição que cuida e educa crianças em Massaranduba, um distrito localizado na

Zona Rural.

No início desse trabalho, nos perguntamos: Por que a Creche Escola Dr.

Adolfo Bezerra de Menezes e não outra escola como objeto de estudo? Esta

pergunta marcou profundamente nossa pesquisa, mas depois de problematizar e

refletir sobre essa questão nos foi possível compreender, que a escolha se enraizou

em dois elementos: na identificação imediata que tivemos com a comunidade e na

certeza do desejo de exercer a função de pedagogo.

No primeiro aspecto, ou seja, na identificação com a comunidade onde a

Creche se localiza, compreendemos que se trata de um lugar de gente simples,

trabalhadora, desassistida, e que teima em discordar dos rumos, previamente

traçados por outras pessoas para suas vidas. Foi reconhecendo essa rebeldia

presente na comunidade que prometemos, nos idos de 2010 trabalhar para a

mudança da situação dessa comunidade, onde se localiza a Creche Escola que

pesquisamos. Passamos então a buscar compreender os processos históricos e

culturais que marcam a comunidade e a Creche Escola, especialmente a condição

de “tutelados” sem direito a voz, em que sobreviviam.

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No que diz respeito ao segundo elemento, foi a pesquisa que nos conduziu

a certeza de exercer a função de pedagogos, ou melhor, que somos

verdadeiramente pedagogos. Pois, foi no curso dessa pesquisa, que nos demos

conta destas outras questões: O que é Pedagogia? O que faz o pedagogo? Qual a

sua relação com a escola?

Essas perguntas e as leituras da obra de Libâneo e outros autores, além

das reflexões que empreendemos para responder, nos possibilitaram compreender

que Pedagogia é a ciência da educação, é método para ensinar, que na história o

pedagogo era o escravo que conduzia os meninos para estudar (meninas não

estudavam). Hoje, ser pedagogo não se resume apenas em levar a criança para a

escola, é fazer parte integrante da escola, é cuidar para que o ensino da escola

seja o melhor dentro das possibilidades físicas e intelectuais. Como escreve José

Carlos Libâneo (2004), no livro “Pedagogia e Pedagogos, para quê? ”.

A Pedagogia é o campo de conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação, isto é, do ato educativo, da prática educativa concreta que se realiza na sociedade como um dos ingredientes básicos da configuração da atividade humana. E a educação é o conjunto das ações, processos, influências, estruturas, que intervêm no desenvolvimento humano dos indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais. (LIBÂNEO, 2004).

Ainda, em relação às palavras de Libâneo (2004), cabe ressaltar que,

atualmente, é impossível reduzir a ação pedagógica à docência, pois a Pedagogia

ficaria limitada. O pedagogo pode ser hoje, o profissional que atua nas várias

instâncias da prática educativa, direta ou indiretamente ligadas às organizações e

aos processos de transmissão, assimilação e ação dos saberes, com o propósito

de propiciar uma formação adequada ao desenvolvimento contínuo das

capacidades humanas intelectuais, sociais, cognitivas e afetivas, com a intenção de

dar condições ao ser humano de alcançar patamares necessários à produção de

novos saberes, habilidades, atitudes e valores, essenciais aos enfrentamentos e às

exigências contínuas da sua vida diária.

Assim, descobrimos a partir das buscas para responder nossas perguntas

sobre o Curso/profissão, que o Pedagogo tem a tarefa de criar as condições para

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que desabrochem na vida das pessoas a comunicação e entre elas, suas

linguagens e comportamentos, de modo que possam construir um espaço favorável

aos processos educativos comunitários e auto organizados.

Estes foram os motivos de maior relevância que levaram a escolha da

Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra e Menezes, para reconstituir e “escrever” a sua

história.

Portanto, para realizarmos essa tarefa de escrever a história da Creche

Escola, nos orientamos por duas perguntas: Como a Creche Escola Dr. Afonso

Bezerra de Menezes foi construída? E, qual a contribuição que essa Creche, com

uma história de 22 anos de existência, ofereceu e oferece à comunidade do distrito

de Massaranduba?

Para responder a essas perguntas, buscamos reconstituir a história cultural

da instituição estudada, inspirando-se teoricamente na produção dos que criaram a

Historia Cultural, especialmente nas ideias de Michel de Certeau. Além dessa fonte

de inspiração para produção do nosso trabalho, tomamos as narrativas de

diferentes atores e diferentes práticas culturais da comunidade estudantil e não

estudantil de Massaranduba, um Distrito localizado na Zona Rural da Cidade de

São Gonçalo do Amarante, no Estado do Rio Grande do Norte.

Dessa comunidade estudada buscamos identificar, problematizar e

compreender suas narrativas sobre esquecimento; necessidades; socialização e

acima de tudo sobre educação. E, tudo o que nos foi possível identificar,

problematizar e que nutriu a monografia, teve como raiz os aspectos contributivos

para escrita da história da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes; os

retalhos da história de vida do pesquisador; a relação entre o espiritismo e a

solidariedade e a formação acadêmica do pesquisador, todos esses elementos são

tratados nesse capítulo. Vinde e vede.

1.1 – Aspectos contributivos para escrita da história da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes

Toda escola superior deveria oferecer aulas de filosofia e história. Assim fugiríamos da figura do especialista e ganharíamos profissionais capacitados a conversar sobre a vida.

Oscar Niemeyer

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Michel de Certeau nos informa que a prática do historiador se centraria em

transformar um material em objeto histórico. Em A Escrita da História (CERTAU,

1982, p. 78), esclarece que:

O historiador trabalha sobre um material, e que teria como objetivo transformar esse material em história, bem como, que o processo de manuseio do material deve obedecer a regras estabelecidas pela academia, e por último caberia ao historiador realizar o transporte do seu produto do campo cultural para o histórico.

A dimensão temporal torna-se importantíssima em uma narrativa histórica

posto que esta vê-se à frente de indagações acerca do período de tempo abrangido

no relato, posto que, neste caso específico, todos os fatos educativos são históricos

e não devemos permanecer, tão somente no presente da instituição, mas

descrever, compor narrativas de seus diferentes momentos de existência.

Sobre o assunto, Michel de Certeau diz que as estruturas narrativas são

como elementos de uma frase, as suas relações de concordância, de subordinação

e de ordem. “Os relatos poderiam igualmente ter esse belo nome [metáfora]: todo

dia, eles atravessam e organizam lugares; eles os selecionam e os reúnem num só

conjunto; deles fazem frases e itinerários. São percursos de espaços”. (CERTEAU,

1996, p. 199).

Escrever sobre a história de uma escola especificamente assume

importância crucial posto que, há apenas algumas décadas atrás, o papel que a

escola tinha na sociedade, não oferecia dúvidas. A escola ajudava na formação das

pessoas para a atividade laboral, bem como preparava para a vida ativa na

sociedade. Isto é: uma escola apenas para uma elite de prováveis “dirigentes

vencedores”. Sobre isto Jan Amos Comenius nos apresenta a escola como sendo

um dos principais institutos formadores da sociedade, o fundamento maior da

formação humana:

Se, portanto, queremos Igrejas e Estados bem ordenados e florescentes e boas administrações, primeiro que tudo ordenemos as escolas e façamo-las florescer, a fim de que sejam verdadeiras e vivas oficinas de homens e viveiros eclesiásticos, políticos e econômicos. Assim facilmente atingiremos o nosso objetivo; doutro modo, nunca o atingiremos. (COMENIUS, 2001, p. 71).

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Hoje, verificamos que, ao contrário do que acontecia no passado próximo, o

papel da escola torna-se diferente buscando educar através de um processo das

influências positivas entre pessoas que se reconhecem em suas individualidades e

buscam progredir como tal, utilizando a razão, através do pensamento reflexivo e

da emoção, com o uso dos sentimentos, construindo-se socialmente juntos de

modo colaborativo.

Segundo o educador indiano, Sathya Sai (1999), educação não é mero

conhecimento, é ação gradual e progressiva de formação do caráter humano. Esse

caráter se manifesta pela unidade entre pensamento, palavra e ação, levando a

integração do homem e a prática dos valores humanos na vida diária. O significado

maior da educação é proporcionar condições para a manifestação da

potencialidade existente no interior de cada ser humano, revelando essa essência

pessoal de maneira natural, contínua e permanente em coerência de pensar, falar e

agir. É função da escola estimular o estudante a conceber a si mesmo, descobrindo

suas qualidades latentes, ajudando-o a lidar melhor com suas próprias limitações e

dificuldades através de uma vivificação positiva no bem e na justiça.

A história da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Meneses, como

instituição escolar, será pesquisada e contada a partir da análise de diversos

aspectos histórico-culturais. Sua trajetória será traçada evidenciando os principais

acontecimentos, expectativas e experiências durante o período, testemunhadas e

vivenciadas por seus atores.

Investigar o processo de criação e de instalação da escola, a caracterização e a sua utilização do espaço físico (elementos arquitetônicos do prédio, sua implantação no terreno, seu entrono e acabamento), o espaço do poder (diretoria, secretaria, sala dos professores), a organização e o uso do tempo, a seleção dos conteúdos escolares, a origem social da clientela escolar, e seu destino provável, os professores, a legislação, as normas e a administração da escola. Estas categorias permitem traçar um retrato da escola com seus atores, aspectos de sua organização, seu cotidiano, seus rituais, sua cultura e seu significado para aquela sociedade. (BUFFA, 2002, p. 27).

Trata-se de um grande desafio traçar a trajetória desta instituição,

considerando o seu grau de importância para a comunidade. Sua proposta, hoje,

voltada à educação básica (educação infantil e fundamental I) e a mobilização de

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um grande conjunto de pessoas que tornou possível a sua criação evidenciam os

distintos atores sociais que participaram deste processo. Por detrás da instituição

estão uma série de relações sociais que caracterizam a vida desta escola, bem

como da comunidade onde está inserida. Nesse sentido, a Creche Escola Dr.

Adolfo Bezerra de Menezes se configura como um espaço de atuação de múltiplos

agentes.

O grande desafio de contar a História das Instituições Escolares é construir espaços e não apenas lugares. Espaço compreendido como um cruzamento, como movimento, contraposto a lugar como ordem, relação entre elementos posicionados entre si, preestabelecidos. Assim, um lugar admite muitos relatos de espaços vistos de forma diferente em decorrência dos atores e acontecimentos, em decorrência dos projetos e das temporalidades. Assim, “existem tantos espaços quantas experiências 13 espaciais distintas”, pois os espaços estão vinculados a ações de sujeitos históricos. (MERLEAU-PONTY apud CERTEAU, 1996, p. 202).

Para o entendimento da configuração desse espaço escolar foi fundamental

a pesquisa não só aos documentos da instituição, mas, da mesma forma, foi dada

atenção a todos os agentes históricos envolvidos no processo de criação desta

escola, principalmente através das entrevistas com fundadores, moradores da

comunidade, trabalhadores da escola, voluntários, etc.

Nesse contexto diverso e plural de conhecimentos, aprendizagens, onde a

insegurança, a insatisfação e a instabilidade no meio educacional contemporâneo

são gritantes, observou-se a necessidade de reencontrar caminhos alternativos e

eficientes de saberes para educar em constante reelaboração de valores

significativos a uma vida mais autêntica, saudável e feliz.

Para Paulo Freire (1968), o objetivo maior da educação é conscientizar o

estudante. Isso significa, em relação às parcelas desfavorecidas da sociedade,

levá-las a entender sua situação de oprimidas e agir em favor da própria libertação.

Destacamos, ainda, do mestre pernambucano, a preocupação com a construção do

diálogo entre os indivíduos quando diz: Sendo fundamento do diálogo, o amor, é também, diálogo. Daí que seja essencialmente tarefa dos sujeitos e que não possa verificar-se na relação de dominação. Nesta, o que há é patologia do amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos dominados. Amor, não.

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Porque é um ato de coragem, nunca de medo, o amor e compromisso com os homens. Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato amor está em comprometer-se com sua causa. A causa da sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico. (FREIRE, 1968, p. 45).

Orientando-se por estes aspectos contributivos e com o propósito de

facilitar o entendimento sobre os elementos que constituem nosso objeto de estudo,

buscarei descrever sobre a minha história e a história da Creche Escola Dr. Adolfo

Bezerra de Menezes, através de uma narrativa não ficcional, onde os fatos e as

pessoas intervenientes são apresentados em ordem cronológica, permitindo assim,

dar conhecimento do tempo e do espaço em que vivíamos e vivemos as

interpolações entre o sujeito e a escola e, como ainda se dá a construção do ser

social atual. Nesse sentido, vejamos um pouco dos retalhos de uma história de

vida.

1.2 – Retalhos da história de vida que se relacionam com a pesquisa

Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar, porque descobri no caminho incerto da vida que o mais importante e decidir.

Cora Coralina

O pesquisador é amazônidas e nasceu nos idos de 1957, na bela

Santarém, no estado do Pará, cidade fundada por portugueses, espremida entre

dois grandes rios, Tapajós, Amazonas e a grande floresta. Mas, essa história não

começa aqui, voltemos no tempo, onze anos, na cidade de Óbidos, também no

Pará, em um pós-guerra de muita dor e miséria, uma bela cabocla se apaixona pelo

“portuga” de olhos azuis e com ele casa. Ele, brasileiro, filho mais velho de um

português chegado ao Brasil após a primeira grande guerra, trabalhava como

vaqueiro na fazenda do pai, ela, órfã de mãe desde os onze anos de idade,

cuidava, juntamente com a irmã de doze anos, do pai (Vô Mundico) e mais sete

irmãos menores. Casaram-se no ano de 1948 e logo vieram vários filhos, um a

cada ano, Álvaro, Geraldo, Marcolino, Vera e Fátima, esta última nascida no ano de

1954.

Sobreveio sobre a região grande cheia dos rios na Amazônia brasileira e

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com isso, o alagamento das terras, construção de “marombas” י, morte do gado e

mais miséria. Preocupados com a situação difícil da família que ano a ano

crescia, os pais - principalmente a mãe - buscaram novas oportunidades de vida na

cidade de Santarém-PA, município polarizador na região do baixo rio Amazonas.

Chegou àquela cidade no início do ano de 1956, e o pai a caminho do

garimpo, em busca da riqueza proporcionada pelo mineral (haviam descoberto ouro

em Jacareacanga, no sul do Pará). A mãe, com 26 anos, cinco filhos e grávida do

sexto, tomou as rédeas da condução da família auxiliada pelos meus irmãos mais

velhos que enfrentaram uma dura rotina em tão tenra idade. Além de estudarem,

vendiam “cachorro quente” nas portas das fábricas de tecidos de juta, para auxiliar

na manutenção familiar.

No princípio, as coisas no garimpo andaram bem e o pai conseguiu juntar

algum recurso que dispôs para que a figura da mãe administrasse. De pronto ela

construiu uma padaria (coisa rara naquele “fim de mundo”) e as coisas melhoraram

razoavelmente e com isso a família cresceu, então vieram o Dimas, Evaldo e mais

três irmãs, Bernadete, Socorro e a Rita. Com 31 anos, a mãe já tinha 10 filhos, fato

relativamente comum naquela região.

Então as coisas no garimpo desandaram. O pai foi acometido de grave

malária, doença que devastava, e ainda destrói os povos da floresta. Trazido para

Santarém-Pa, ainda doente e com graves sequelas (ficou temporariamente

paraplégico), a esposa tratou-o como quem trata um filho muito amado. Não mediu

recursos para devolver-lhe a saúde, mesmo à custa do maior bem da família. A

padaria. Vendido tudo e com o pai ainda impossibilitado para o trabalho, retornaram

para a cidade de Óbidos onde a avó paterna, Maria, abrigou-os e passaram a viver

em uma fazenda às margens do rio Amazonas. Preocupada com a sobrevivência

de todos e sem querer depender do auxílio dos sogros a mãe deles buscou uma

solução para a manutenção familiar, uma mercearia à margem do rio, corria o final

do ano de 1961.

Vida boa essa de morar em fazenda onde tudo transcorria numa espécie de

modorra sem fim. Buscar água no rio, aprender a pescar, ver o trabalho dos

vaqueiros, brincar com amigos (filhos de trabalhadores rurais), subir nas árvores e

comer as frutos “no pé” ( uma infinidade de árvores frutíferas que cá não existem) e

______________________________

[1] - Espécie de curral elevado, construído em madeira para abrigar o gado quando das cheias do rio.

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dormir, pois fazer tudo isso dá uma canseira. Para quem lê pode parecer estranho,

mas podemos explicar: como éramos uma família grande e sem muitos recursos,

nossas brincadeiras e brinquedos eram construídos por nós mesmos – rebanhos de

bois feitos de pequenas cuias verdes com gravetos, outros animais feitos de

“balata”², outros ainda feitos de argila do rio, carrinhos de lata de leite, pião e pipa.

Muitas brincadeiras ao cair da noite, à luz de muitas lamparinas a colaborar com o

luar para maior claridade. Em vastas lembranças revisitamos essa época que

reputemos o início do processo educativo – claro que não foi o início, mas é o

começo das lembranças.

Era tempo de verão amazônico. E lá, as estações são regidas pelo ciclo

das águas. Inverno, de novembro a abril; muitas chuvas, rios cheios. Verão, de

maio a outubro; poucas chuvas e rios em processo de vazante. Nos idos de 1962,

Evaldo, com cerca de cinco anos de idade, seguia na garupa do cavalo de seu pai

– já recuperado da paralisia – para o retiro de verão (os demais membros da família

seguiram de canoa), onde passariam quatro meses coletando as dádivas da

floresta para complemento do nosso sustento. Lá chegando encontraram a tapera,

toda de palha, construída por seu pai e meus irmãos mais velhos. Iniciaram, Evaldo

(com cinco anos) e o seu irmão Dimas (com seis anos). O aprendizado teve como

mentor, o pai, homem rústico, mas de muita sabedoria. Aprenderam a coletar ovos

de marrecas silvestres, de tracajás (espécie de quelônio amazônico), pescar e fazer

reconhecimento de trilhas no mato e rudimentos de sobrevivência.

Tudo eles encaravam com a maior naturalidade. Aquele era o seu mundo, e

tudo em tom de muita brincadeira, contando sempre, com a paciência daquele

homem que para nós era um super-homem. O seu pai.

Nessa época tiveram que vencer os primeiros medos. Medo de piranhas –

peixes pequenos e vorazes – e medo de ciganas, aves enormes que, ao final da

tarde vinham pousar na árvore que nos servia de sanitário. Então, seu pai obrigou-

nos (Evaldo e seu irmão Dimas), a ficar nas proximidades dessa árvore até que as

aves, extremamente barulhentas, calassem e dormissem. De esclarecer que o

tempo todo seu pai ficou com eles e explicou-os sobre as aves. Já adultos,

revisitaram o lugar; as ciganas continuaram lá, porém já não eram aqueles animais

“enormes” da infância. Fase de muito aprendizado.

__________________________ [2] – Seiva da balateira, árvore amazônica similar à seringueira.

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Observamos o quanto essa época foi importante na construção individual

como ser humano.

Por necessidades educacionais formais, mudamos para a cidade de

Óbidos/PA (cidade minúscula às margens do rio Amazonas), transcorria o ano de

1964. O Brasil fervilhava com o golpe militar, entretanto, para nós, brasileiros

esquecidos naquele fim de mundo, nada parecia ter mudado. As crianças da família

foram matriculadas e Evaldo na primeira série do curso primário, uma vez que já

sabia ler, escrever e possuía os rudimentos da matemática, posto que já estava

alfabetizado pela mãe.

A vida transcorria tranquila onde viviam com intensidade, apesar de mais

responsabilidades, pois o pai passava mais tempo trabalhando como comerciante

de “regatão”³, e ficava dois, três, às vezes até quatro meses fora, e a mãe passava

a ser a regente da família. Desse período, até o ano de 1972 chegaram mais cinco

irmãos, o Júnior, o André, a Magali a Cristina e o Anchieta, perfazendo um total de

quinze filhos, todos vivos, coisa rara para os padrões amazônicos onde o índice de

mortalidade infantil, àquela época, era elevadíssimo.

Migraram mais uma vez, agora para Belém, capital do estado do Pará, em

busca de maiores oportunidades de estudos, pois os irmãos mais velhos já haviam

concluído o ensino secundário e precisavam cursar a Universidade. O pai deixou o

trabalho no “regatão” e aceitou um emprego público como fiscal de rendas do

estado e fomos para Belém. Era o início do ano de 1970.

Nessa época Evaldo descobrira o livro e nunca mais o deixou. E a leitura

do romance O Seminarista (Bernardo Guimarães) o marcou profundamente. Na

leitura dessa obra, ele descobriu, aos doze anos (estava no primeiro ano ginasial),

e de uma só tacada, a doçura do amor adolescente, o amargor da perda do ser

amado, a tristeza de deixar lugares felizes da infância, a tortura de fazer o que não

se quer, o conformismo da obediência cega, a alegria do retorno, a redescoberta do

amor perdido, o sexo como sublimação do amor, a morte de alguém que se ama e

finalmente os transtornos da loucura. Doze anos e a leitura dessa obra abriu para

Evaldo um universo novo da leitura de ficção e romances até hoje explorado, e

neste momento, tem avivados em suas memórias, vários outros desses livros,

_______________________________ [3] – espécie de barco que, como um armazém, vendia, comprava e trocava gêneros de primeira necessidade

para moradores das margens dos rios, na Amazônia.

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episódios de grande importância em sua vida, posto que repute aos muitos

autores, lidos ou estudados, o início e consolidação de seu pensamento crítico,

utilizado sempre, até estes dias de grandes mudanças. Presenciava, assim, nele

mesmo, a mudança para o mundo adulto.

Ele concluiu todas as fases escolares sempre com bom aproveitamento

(pensa que sempre foi um estudante dedicado e interessado), e sem sobressaltos.

Entrou no ensino superior como estudante de Ciências Econômicas no ano

de 1978, fase que se mostrou decepcionante. Estudo metódico, carência de

liberdades (estávamos ainda vivendo tempos de ditadura militar), época de pouca

cultura livre e muita repressão. Os estudantes caminhavam em um trilho e não

numa trilha.

Como homem adulto, novas experiências educativas com o trabalho, no

Espiritismo (esta libertadora), no casamento, criação dos filhos; pois nessas

situações colocamos em prática todos os nossos conhecimentos e descobrimos

que quase nada sabemos e que muito temos, ainda, que aprender, ensinar,

compartilhar.

Nessa fase adulta tomou conhecimento do Espiritismo (mais de trinta anos),

doutrina filosófica transformadora do caudal de minha vida. Aprofundou-se nesse

novo conhecimento, descobriu o princípio das “minhas verdades” e hoje as tem

como azimute orientador de suas ações neste mundo. Nesse período, conheceu a

CCABM, onde, atualmente, exerce as atividades de monitor do Estudo

Sistematizado da Doutrina Espírita, Monitor do Estudo e Prática da Mediunidade e

o cargo de Primeiro Vice-Presidente da Instituição mantenedora da Creche Escola.

Então, em 2013, já aposentado do trabalho remunerado (trabalhou por 30

anos no Banco do Brasil S. A.), mais uma vez retornou às lides universitárias, como

estudante, desta vez buscando aprender como ensinar; cercado de muitos jovens

colegas e experientes professores que com suas vivências certamente contribuíram

e mais contribuirão para a melhoria da sua visão de mundo, auxiliando-o nesse

processo de inserção e transformação da sociedade em que vivo.

Esses retalhos da história de Evaldo se relacionam diretamente com o

objeto de pesquisa, porque foi refletindo sobre ele mesmo que percebeu o quanto a

condição sócio, econômica e política da comunidade de Massaranduba se

relacionam com os lugares onde o mesmo criado e com os processos que forjaram

o seu caráter.

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Conforme o exposto pode se afirmar que a história de vida de Evaldo e da

pesquisa se interpenetram. Assim como sua história participa, outros elementos que

se encontram na base do processo histórico cultural da Creche Escola que

estudamos é a Doutrina Espírita (espiritismo) e a solidariedade humana, assim,

vamos em seguida nos aproximar um pouco mais dessas duas dimensões.

1.3 – O Espiritismo e a Solidariedade

O verdadeiro espírita não é o que crê nas comunicações, mas o que procura aproveitar os ensinamentos dos Espíritos. De nada adianta crer, se sua crença não o faz dar sequer um passo na senda do progresso, e não o torna melhor para o próximo.

Allan Kardec

A história cultural da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes

enraíza-se entre outros elementos, na ação de pessoas que se filiam ao espiritismo

e que são tomadas pelo sentimento de solidariedade.

Nesse sentido, para uma maior compreensão da história cultural da Creche

Escola, se fez necessário uma imersão em aspectos da Doutrina Espírita (ou

Espiritismo), pensamento filosófico construído historicamente e que adotei para

minha vida há mais de 30 anos.

A grande maioria das pessoas que vive a vida atribulada de hoje, não está

interessada nos problemas fundamentais da existência. Antes se preocupam com

seus negócios, com seus prazeres, com seus problemas particulares. Acham que

questões como “a existência de Deus” e “a imortalidade da alma” são da

competência de sacerdotes, de ministros religiosos, de filósofos e teólogos. Quando

tudo vai bem em suas vidas, elas nem se lembram de Deus e, quando se lembram,

é apenas para fazer uma oração, ir a um templo, como se tais atitudes fossem

simples obrigações exteriores das quais todas têm que se desincumbir de uma

maneira ou de outra.

Talvez você, que agora lê, já tenha feito perguntas de cunho filosófico como

estas: De onde vim ao nascer? Para onde irei depois da morte? O que há depois

dela? Por que uns sofrem mais do que outros? Por que uns têm determinada

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aptidão e outros não? Por que alguns nascem ricos e outros pobres? Por que Deus

permite tamanha desigualdade entre seus filhos? Por que uns, que são maus,

sofrem menos que outros, que são bons?

Há, entretanto, sob esta ótica, uma doutrina que possibilita algumas

respostas a estes questionamentos. É o Espiritismo. Doutrina revelada pelos

Espíritos Superiores, através de médiuns, e codificada, no século XIX (1857), pelo

educador francês Hippolite Leon Denizard Rivail, conhecido sob o pseudônimo de

Allan Kardec.

O conhecimento espírita nos proporciona uma visão ampla e racional da

vida, explicando-a de maneira convincente e permitindo-nos iniciar uma

transformação íntima, para melhor. O Espiritismo é, ao mesmo tempo, filosofia,

ciência e religião. Filosofia, porque dá uma interpretação da vida, respondendo a questões como: “de onde eu vim?”, “o que faço no mundo?”, “para onde irei depois

da morte?”. Toda doutrina que dá uma interpretação da vida, uma concepção

própria do mundo é uma filosofia.

É ciência, posto que estuda à luz da razão e dentro de critérios científicos,

os fenômenos mediúnicos, isto é, fenômenos provocados pelos espíritos e que não

passam de fatos naturais. Todos os fenômenos, mesmo os mais estranhos, têm

explicação científica. Não existe o sobrenatural no Espiritismo.

E por fim, é Religião, porque tem por objetivo a transformação moral do ser

humano, relembrando e revivendo os ensinamentos de Jesus Cristo, na sua

verdadeira expressão de simplicidade, pureza e amor. Uma religião simples sem

sacerdotes, hierarquias, cerimoniais e nem sacramentos de espécie alguma. Sem

rituais, culto a imagens, velas, vestes especiais, nem manifestações exteriores.

O Espiritismo tem como um dos seus pilares a solidariedade. Esta é um

processo de permuta no qual quem tem oferece, quem precisa recebe, mas ambos,

doador e receptor, reconhecem-se como que dentro de um campo de completude,

sem que tais papéis não definam superioridade ou inferioridade de quem quer que

seja. É o movimento de trocas incessantes que enseja constante crescimento

regulado pelo diferencial da fraternidade. Havendo o clima fraterno, surge

nivelamento com o desejo de aprender e crescer sem que o orgulho permeie a

relação, gerando os pedestais de pretensa sabedoria e elevação e estabelecendo

desnivelamento improdutivo e, por sua vez, acomodação de um lado e desvalor de

outro.

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A diferença do outro passa a ser contemplada como "qualidade do que ele

é", abstraindo nosso velho e infeliz hábito da exclusão, porque costumamos,

equivocadamente, entender a diferença do outro como defeito, atraso, problema,

etc.

A felicidade conquistada por alguém pode ser compartilhada, de tal forma, que ela venha a contagiar outras pessoas. É necessário que pensemos na formação de redes de ajuda mútua, que se estruturam a partir do tempo livre de cada um. É necessário que não entreguemos a melhoria da sociedade aos outros ou mesmo às instituições para isso criadas. Elas farão o papel delas, mas não irão além daquilo a que se propuseram como organizações oficiais. A criatividade de cada ser humano sempre será a grande alavanca para seu próprio desenvolvimento social e espiritual. (ADENÁUER NOVAES-2002).

É com mais esse pensamento que o Espiritismo contribui para o progresso

do ser humano, por buscar esclarecê-lo sobre os motivos de sua estadia na Terra e

o que o espera depois, da morte do corpo físico. Assim sendo, amplia as noções de

segurança, saúde, sociabilidade e felicidade, levando-o a repensar sua conduta,

suas metas, suas relações, ciente de que no amanhã aquele a quem desprezou

poderá ser-lhe tutor ou mesmo mestre (processo da reencarnação).

Essas raízes, ou seja, o espiritismo e a solidariedade se apresentam como

as que nutrem o conjunto de pessoas que construiu a Creche Escola que

estudamos, mas existe outra que também participa desse movimento a trajetória

formativa do próprio pesquisador. Vejamos.

1.4 – Formação acadêmica do pesquisador

Não foram os quadros negros, os responsáveis da minha formação intelectual e racional. Eles apenas distraíam meus pensamentos e despertavam minha curiosidade.

Nícolas Queiroz

O pesquisador tem 58 anos de idade. São mais de meio século de vida na

crosta do planeta. Esse tempo o autoriza a afirmar que vivenciou nas últimas

décadas vários projetos, metas, leis e planos de revisão educacional do Brasil,

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todos ao sabor de diversas configurações políticas. Mas, em sua opinião, essas

mudanças descontinuadas, nem sempre vieram ao encontro de um projeto

educacional contemporâneo, plural e democrático, que respeite as características e

necessidades de uma população miscigenada e continental. As políticas

educacionais quase sempre são construídas por interesses outros que não o

progresso de brasileiros e consequentemente do Brasil.

Atualmente, a noção de formação costuma ser associada à ideia de

formação acadêmica ou profissional, que compreendem cursos com o objetivo da

inserção e reinserção laboral e atualização de conhecimentos.

Dentro desse contexto, em 1978, aos 21 anos ele teve a primeira

experiência no processo de educação acadêmica. Foi aprovado no vestibular para

o Curso de Ciências Econômicas, curso que ele escolheu, pois naquele momento

era bancário. Tempos difíceis para estudantes universitários posto que vigorava,

com mão de ferro sobre todas as instituições, a ditadura militar, com reflexos

sombrios nas universidades, focos de pensamentos libertários. Tudo transcorria

muito sem graça, e com um aproveitamento de formação intelecto-profissional pífia,

não contributiva para a vida dele como ser social. Continuou o trabalho como

bancário, num estado de conformação, até a aposentadoria em 2009.

Liberto de muitas amarras sociais e psicológicas, e depois de decorridos 37

anos dessa primeira experiência acadêmica, agora no vigor de sua maturidade,

finalizou as atividades para conclusão do curso de Licenciatura em Pedagogia.

Foi trazido até uma Universidade novamente, desta vez pela necessidade

de melhor compreender e exercer seu trabalho - voluntário - de monitor do ensino

da Filosofia Espírita, para adultos, em associação filantrópica desta cidade, a

CCABM.

Maduro, e acreditou que foi bem encaminhado pelo coletivo de docentes da

UFRN, sentiu-se nesta nova fase extremamente comprometido com os processos

educativos, notadamente com a gestão de escolas, principalmente as públicas,

como por exemplo, a escola que tomou como objeto deste trabalho.

As mudanças que vêm ocorrendo no mundo, nos campos das diversas

ciências, inclusive da educação, assim como das mudanças nas novas propostas

educativas para o Brasil, ora em discussão, nos levam a necessidade de se

repensar a formação atualmente oferecida aos futuros professores bem como

àqueles que já exercem a docência, em todos os níveis, e requerem também de

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mim, participação ativa nesse processo.

Todo esse percurso acadêmico completa-se, por ora, com o relato da

história da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, em Massaranduba, zona

rural do município de São Gonçalo do Amarante, neste Rio Grande do Norte.

2. O LUGAR ONDE A CRECHE FOI CRIADA: MASSARANDUBA

Minha terra tem palmeiras, onde canta o Sabiá. As aves, que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, nossas várzeas têm mais flores, nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores.

Gonçalves Dias

O distrito de Massaranduba está localizado no Município de São Gonçalo

do Amarante, no Estado do Rio Grande do Norte, às margens da estrada vicinal que liga a BR 406 (trecho Natal/Macau), ao distrito de Serrinha, vinculado, também

ao mesmo município. Está distante cerca de 16 quilômetros da sede do Município e

29 quilômetros de Natal, capital do RN, conforme pode se observar no mapa

abaixo:

Mapa de localização do Distrito de Massaranduba Fonte: Arquivo da CCABM

De clima predominantemente tropical chuvoso, Massaranduba tem

temperatura média de 27° C. As precipitações chuvosas acontecem, com maior

volume entre os meses de abril a julho, mas sujeito a mudanças climáticas que

provoquem chuvas em outras épocas do ano, notadamente pela proximidade com o

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oceano Atlântico.

A área do distrito está localizada nos terraços de tabuleiros, numa altitude

de 10 m acima do nível do mar. O solo, em geral é argiloso (podzólico vermelho-

amarelo), com grandes faixas de terreno arenoso e salino, coberto, em grande

parte, por matas de várzea (presença do rio Potengi e tributários) e resquícios de

Mata Atlântica.

Originalmente, as terras onde se localiza Massaranduba foram habitadas

por povos da etnia Potiguar, os quais foram dizimados no processo de

“colonização” destas terras por grupos latifundiários pernambucanos (holandeses

inclusive), nos idos dos séculos XVII e XVIII. No século XX a população foi

formada, principalmente, por descendentes de trabalhadores dos latifúndios

canavieiros, negros, descendentes de escravos e de retirantes de outras regiões do

estado, enxotados de seus rincões pelo flagelo nordestino – A seca. Essa situação

persiste até os nossos dias.

Na comunidade de Massaranduba a população vive basicamente da

atividade rural de subsistência, subempregos, de natureza informal, que tornam a

vida das famílias uma luta constante para garantir as condições materiais de sua

existência.

A economia do distrito é composta, notadamente, pela agricultura familiar –

ainda incipiente –, oriunda de pequenas propriedades rurais; aposentados e

pensionistas do INSS; alguns funcionários públicos e um pequeno grupo de

trabalhadores rurais, ainda envolvidos na cultura da cana-de-açúcar. É grande o

contingente de desempregados, notadamente de jovens e de trabalhadores do

movimento social oriundos do Movimento dos Sem Terra (MST), sem qualquer

qualificação profissional e de crianças, sem perspectivas, reais, de sair desse

círculo vicioso de pobreza extrema.

A carência de qualidade nos serviços educacionais oferecidos pelo ensino

público estatal reflete-se nas elevadas taxas de evasão, inclusive no grupamento de

jovens e adultos da comunidade.

Foi essa população, completamente desassistida pelo poder público que no

final do século XX, precisamente no mês de junho de 1985, que se dispôs a ser

partícipe na criação do Núcleo Avançado de Massaranduba da Casa de Caridade

Adolfo Bezerra de Menezes e da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes.

Vamos nos aproximar do processo de criação dessas instituições.

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3. CASA DE CARIDADE ADOLFO BEZERRA DE MENEZES E O NÚCLEO AVANÇADO DE MASSARANDUBA

Ergamos um templo interior à bondade porque sem espírito de amor todas as nossas obras falham na base.

Bezerra de Menezes

Foi com esse pensamento e pela inspiração de Dr. Adolfo Bezerra de

Menezes (espírito), que em junho de 1985, por iniciativa de um grupo de cidadãos

residentes na comunidade de Massaranduba e em Natal, liderados pela senhora

Mércia Maria de Carvalho, médica ginecologista, à época com 42 anos de idade,

fundaram a Casa de Caridade Adolfo Bezerra de Menezes-CCABM, instituição

filantrópica de caráter civil, apolítico, beneficente, sem fins econômicos, de direito

privado, com duração por prazo indeterminado, de utilidade pública municipal e

estadual, registrada no Conselho Nacional de Assistência Social, com sede e foro

na cidade do Natal/RN, na Avenida Lima e Silva, 1520, no bairro de Lagoa Nova.

As principais finalidades dessa instituição, inscritas em seu Estatuto são:

Educar, promover, organizar, incentivar e qualificar o desenvolvimento integrado e

integral dos seus assistidos (social, econômico, tecnológico, esportivo, educativo,

cultural e espiritual), na sede e em seus polos de atividades, propiciando-lhes uma

melhor qualidade de vida e prestar serviços educacionais, na linha de

assessoramento técnico-pedagógico, consultoria, planejamento, avaliação e

pesquisa; Apoiar e assessorar alternativas de trabalhos dignos, que capacitem e

qualifiquem as famílias assistidas no Polo de atividades da CCABM, através de

cursos profissionalizantes e de especialização, por meio de parcerias com

Instituições Públicas e/ou Privadas, capacitando-as a ingressarem em um mercado

de trabalho que lhes valorize a vida e propicie um aumento de renda familiar.

Imbuídos desse propósito, no mesmo dia, 06 de junho de 1985, foi

aprovada na primeira reunião da Assembleia Geral da instituição a criação do

Núcleo Avançado de Massaranduba (NAM). Parte de uma organização de ampla

ação social, localizado no distrito de Massaranduba, na zona rural do município de

São Gonçalo do Amarante-RN.

O NAM é aberto a todas as pessoas, não fazendo distinção de raça, cor,

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sexo, gênero, credo, opção política ou nacionalidade, tendo o seu desenvolvimento

baseado no respeito mútuo, na solidariedade humana e no educar para crescer.

Possui uma missão de fraternidade cristã, de amor ao próximo, de

corresponsabilidade social e de muita fé e vida.

Mas como e por que tudo isso aconteceu? No curso da nossa Pesquisa,

nos foi possível obter essa resposta, por meio da entrevista que realizamos com a

Dra. Mércia, uma das fundadoras dessa instituição. Ao perguntarmos como tudo

começou, ela pensou um pouco, abriu um sorriso largo e nos contou:

No início do ano de 1985, estávamos, eu e meu marido, voltando de uma visita a uma fazenda naquele distrito quando encontramos, em um vilarejo formado por casinhas construídas de barro (sape), muitas crianças brincando na estrada empoeirada. Crianças, nuas, sujas, subnutridas, infestadas de piolhos, doentes mesmo, num estado lastimável. Pedi para Maurício (esposo dela), parar. Desci e conversei com elas, posteriormente com as mães e avós; identifiquei-me como médica, mas senti o peso da desconfiança daquela gente, assustada com a minha atitude. Então prometi voltar, no próximo sábado, com remédios e material hospitalar para atender àquelas crianças. Desde então nunca mais deixei de ir para lá. Me faz bem. Me proporciona imensa alegria e satisfação assistir a essa gente, hoje amiga. Foi assim que começou. (MÉRCIA CARVALHO, 2016).

Imagem de rua do Distrito de Massaranduba há 31 anos Fonte: Arquivos da CCABM

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Imagem de casa de morador de Massaranduba há 31 anos Fonte: Arquivos da CCABM

Imagem de crianças de Massaranduba há 31 anos Fonte: Arquivos da CCABM

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Conforme pode se observar o início foi à percepção de que outros seres

humanos estavam necessitando de cuidados. Existiu uma atitude solidária de parar

o carro, sair, enfrentar a desconfiança e por amor ao outro, mesmo que estranho,

uma disposição de fazer algo para melhorar a condição das crianças de uma

comunidade onde não conhecia ninguém e se estava apenas de passagem. A vida

é assim, uma estrada que nos convida o tempo todo a observar o que se

apresenta.

Uma relação de confiança que se deseja construir requer que aquilo que foi

prometido seja cumprido, nesse sentido com a continuidade da entrevista, nos foi

possível saber que a promessa de voltar no sábado se cumpriu, pois segundo a

Dra. Mércia: Retornamos no sábado como prometido, acompanhados de outros companheiros nossos, das mais diversas profissões, e à borda de um cacimbão começamos o tratamento das crianças, e orientações sanitárias. Posteriormente migramos para debaixo de um cajueiro, em um quintal muito limpo e depois, a medida que a desconfiança diminuía, para a varanda das casas, um sábado aqui, outro ali […] assim fomos adquirindo a confiança da comunidade. Um trabalho de “formiguinha”. (MÉRCIA CARVALHO, 2016).

Assim foi o início. A primeira parte da história começa com esse trabalho de

rua, depois vai para debaixo de uma árvore e conforme a confiança da comunidade

aumentava, crescia também o ambiente acolhedor, passando da sombra da árvore

para a varanda das casas e em seguida estavam autorizadas a entrar nas casas.

Foi esse processo crescente de espaços e confianças de que a equipe desejava

ajudar a comunidade que se formaram as equipes e então se passou a prestação

de serviços médicos, começamos a prestar serviços psicológicos, de apoio a

pessoas drogadas, não propriamente a droga, mas os alcoólicos, trabalho esse

apoiado pelo AA de Natal (RN), e as primeiras atividades de integração social com

a comunidade, notadamente com o clube de mães e o grupo da melhor idade.

Posteriormente, uma das primeiras atividades da nova associação foi

adquirir um terreno nas proximidades da comunidade (com recursos angariados em

uma festa beneficente no clube América, de Natal), onde, em regime de mutirão

comunitário, foi erguido o prédio que abrigaria o Núcleo Avançado de

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Massaranduba da Casa de Caridade Adolfo Bezerra de Menezes, uma construção

de 5 metros de frente por 8 metros de fundo. “Um prédio muito pequeno para um

nome muito grande”, diziam os moradores da comunidade. Para os associados um

grande marco, pois agora se tinha um local adequado para os atendimentos. Corria

o ano de 1987.

Imagem da Primeira Construção da CCABM em Massaranduba Fonte: Arquivos da CCABM

Estabelecidos em prédio próprio, ainda que extremamente pequeno, pois

eram apenas 40 m², as atividades oferecidas se multiplicaram. Cursos de corte,

costura, bordado, pintura em tecido, macramê, fuxico, tapeçaria em tear, bonecos e

muitos outros foram proporcionados às mães e jovens daquela comunidade, a

grande maioria ministrados pelo SINE. Reunião com idosos da comunidade, onde

foi formado o grupo de dança “Flor do Mandacaru”, composto por 68 idosos (mais

de 60 anos), aos quais foram oferecidas consultas médicas (muitos nunca tinham

se consultado com médico), palestras, passeios, inclusive para a praia (alguns não

conheciam o mar), shopping e outras atividades nas cidades circunvizinhas,

notadamente Natal.

Nessa mesma época o trabalho de evangelização infantil foi iniciado com a

abordagem da construção dos valores morais. Foi nessa ação que o grupo

fundador descobriu um elevado índice de crianças analfabetas, com idades entre

cinco a doze anos, sem quaisquer noções de leitura e/escrita, completamente à

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margem de um processo educacional que lhes auxiliasse na transformação de suas

vidas. Essa descoberta preocupou a Associação grandemente, pois se apresentou

como um impedimento ao progresso comunitário.

Imagem do Curso de Pintura em Tecido – NAM

Fonte: Arquivos da CCABM

Imagem do Curso de Bonecas – NAM Fonte: Arquivos da CCABM

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Observamos que a educação escolar é um elemento que contribui com o

desenvolvimento dos processos civilizadores, pois antes da chegada de um grupo

da cidade a comunidade se produzia de um modo, mas com a chegada de

forasteiros, pessoas estranhas à comunidade, inicia-se um novo momento para as

pessoas que habitam em Massaranduba. Dentro desse novo contexto, novas

preocupações surgiram, por exemplo, como proporcionar melhor qualidade de vida

àquela população, completamente esquecida dos poderes públicos? Como

promover e priorizar a convivência familiar? Como acompanhar e priorizar, também

jovens e adultos e idosos nas áreas de educação, saúde e lazer?

Essas perguntas que o grupo se fazia e as condições social, econômica e

educacional que a comunidade se encontrava, me remeteram aos meus primeiros

anos de vida, conforme se encontra narrado no início dessa monografia.

Muitas ideias surgiram, dentre as quais a construção de uma creche escola,

que possibilitasse ensino de qualidade às crianças daquela comunidade, bem como

liberasse os pais para o trabalho, uma creche escola de tempo integral até então

inexistente naquela localidade. Uma das primeiras atividades do NAM foi a

construção da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, objeto de nossa

investigação. Agora o convidamos a conhecer essa instituição que buscamos com

nossa pesquisa reconstituir sua memória histórica.

4. A CRECHE ESCOLA DR. ADOLFO BEZERRA DE MENEZES

As escolas, fazendo que os homens se tornem verdadeiramente humanos, são sem dúvida as oficinas da humanidade.

Comenius

A Constituição Brasileira de 1988 introduziu uma nova dimensão às

políticas da infância e adolescência ao declarar “prioridade absoluta” à promoção

da proteção integral da criança e do adolescente por parte do Estado, da família e

da sociedade.

Esta inovação tem provocado, desde então, transformações legais e

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institucionais regulamentadas por diversos instrumentos legislativos, sendo o

principal o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma Lei Federal de nº

8096 de 13 de julho de 1990.

Esta Lei garante à criança e ao adolescente todos os direitos constantes na

Convenção sobre Direitos da Criança da ONU e destaca o princípio democrático da

participação e controle da sociedade civil na formulação e na execução das ações

públicas de promoção e da defesa desses direitos.

Dentro desse contexto de pensamento, alicerçados nas leis e nas

concepções proferidas por Jesus, o Cristo, sobre as várias formas de amar os

outros seres como a solidariedade, fraternidade, caridade, indulgência,

benevolência e perdão. Com o desejo de facilitar o acesso a uma vida digna aos

habitantes da comunidade de Massaranduba é que no ano de 1992 a diretoria da

CCABM aprovou a criação da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, com

a finalidade precípua de promover o desenvolvimento integral das crianças (em

princípio) e dos adolescentes (posteriormente), buscando despertar os valores

morais e sociais de cidadania, de modo a propiciar melhores condições de vida

com ações nas áreas de educação, cultura, saúde, lazer artes e ações

complementares nas áreas de profissionalização para jovens e adultos.

4.1 – Primeiros movimentos para implementação da Creche Escola

O princípio da implantação da Creche Escola deu-se em uma viagem de

férias à cidade do Rio de Janeiro, em que o casal Mércia e Maurício Caminha (ela

presidente da CCABM, ele coronel do Exército Brasileiro), no início do ano de 1992,

onde contataram o Sr. César Reis, à época Capitão do exército Brasileiro, o qual

exercia a presidência do Lar Fabiano de Cristo, braço social da Caixa de Pecúlio

dos Militares-CAPEMI (instituição do ramo de previdência privada para militares),

ao qual a Sra. Mércia fez breve explanação acerca das atividades filantrópicas

desenvolvidas no distrito de Massaranduba, aqui no Rio Grande do Norte, e

recebendo do Sr. César Reis, pedido para enviar-lhe o material do projeto, para

análise do braço social daquela entidade, com o propósito de viabilizar essa

parceria.

A documentação solicitada foi enviada no início de junho daquele ano de

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1992. Em novembro desse mesmo ano uma comissão de analistas da CAPEMI,

chefiadas pelo Capitão César Reis (atualmente, Coronel César Reis) visitou o NAM

para avaliação in loco das atividades desenvolvidas e o alcance social do

empreendimento proposto. Aprovaram-no e comunicaram à presidente da CCABM

a disposição daquela Instituição de financiar, integralmente, o projeto da escola e

do posto de saúde (o primeiro da comunidade).

No início do ano de 1993, o convênio entre as instituições foi firmado,

começaram as obras da construção da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de

Menezes. As obras acordadas e executadas foram as seguintes: Prédio principal, onde funcionaria a Creche Escola com sete salas de aula,

oito banheiros, uma diretoria, uma secretaria, uma sala de professores, um

almoxarifado de material escolar, uma cozinha, um refeitório, uma dispensa de

gêneros alimentícios, uma lavanderia, dois banheiros para funcionários, área

coberta de recreação com 100m² e gramado ajardinado, interior.

Imagem do Prédio Principal da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes

Fonte CCABM

Posto de saúde vinculado ao NAM, contendo área de espera e triagem, um

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consultório médico, um consultório dentário, uma (1) sala de enfermagem.

Imagem do Posto de Saúde vinculado ao Nucleo Avançado de Massaranduba-NAM

Fonte: Arquivo da CCABM

Salão comunitário, com 160 m², para reuniões escolares, comunitárias e

eventos sociais da instituição.

Passaram-se três anos entre o início das obras e o começo do primeiro ano

letivo. Pois foi no exercício de 1996, que as instituições parceiras entregaram os

três prédios construídos e em condição de uso imediato (pintadas, mobiliadas e

limpas). Além de entregar os prédios as instituições ainda colaboraram,

substancialmente, com a contratação dos novos professores.

Firmou-se, paralelamente, convênio com a Prefeitura Municipal de São

Gonçalo do Amarante (RN), com objetivo de vincular a nova unidade estudantil

como escola anexa à Escola Municipal de Primeiro Grau Maria Rufina, bem como,

para o custeio, dos demais trabalhadores da escola, ASG's e merendeiras, que

passaram a ser contratados por uma empresa fornecedora de serviços

terceirizados da Prefeitura Municipal. Assim a nova unidade educacional surgiu

como entidade de caráter público, civil, apolítica, beneficente, sem fins econômicos

ou religiosos, mas não estatal.

Tudo pronto, no início de 1996 formaram as primeiras turmas de alunos,

todas em tempo integral. Creche (crianças de dois anos a quatro anos), Maternal

(crianças de cinco anos), Alfabetização (crianças de seis anos) e turmas do

primeiro grau da primeira a quarta séries, para crianças entre sete e doze. A

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instituição iniciou seus trabalhos pedagógicos com 157 crianças e muitos planos

para o futuro. Posteriormente, novas parcerias foram se formando, permitindo a

existência de 8 programas o que permitiu o aumento do número de vagas e a

ampliação dos trabalhos sociais e educacionais do NAM. Para uma maior

compreensão, vamos apresentar a seguir os programas com devidas anotações

sobre cada um deles.

Educação de Jovens e Adultos-EJA - Umas das primeiras atividades após a

fundação da escola e a implantação do ensino básico (até a quinta série) foi a

implantação da modalidade EJA no ano de 1999 no turno noturno; sendo custeado

totalmente pela CCABM através de doações recebidas. De esclarecer que essa

modalidade de ensino, apesar da grande demanda, não teve solução de

continuidade em decorrência dos custos elevados (salário e transporte da

professora, hora extra da merendeira, lanche, energia elétrica, etc.), tendo sido

encerradas as atividades da EJA em dezembro de 2006. A partir dessa data a

modalidade EJA passou a ser oferecida na Escola Municipal de 1º Grau Maria

Rufina, na frequência de três vezes por semana.

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil-PETI - Programa do Governo

Federal que visava erradicar todas as formas de trabalho de crianças e

adolescentes menores de 16 anos e garantir que frequentassem a escola e

atividades socioeducativas. Foi desenvolvido em parceria com os diversos setores

dos governos estaduais, municipais e da sociedade civil.

Suas principais finalidades eram: fomentar e incentivar a ampliação do

universo de conhecimentos da criança e do adolescente, por intermédio de

atividades culturais, desportivas e de lazer, no período complementar ao do ensino

regular (jornada ampliada), e estimular a mudança de hábitos e atitudes, buscando

a melhoria da qualidade de vida das famílias, numa estreita relação com a escola e

a comunidade.

Por meio de parcerias com o grupo CAPUCHE, neste programa, foi

construído o primeiro anexo com mais duas salas de aula, dois banheiros uma

secretaria e uma cozinha, de modo a abrigar o programa.

No auge do programa no ano de 2001, a Creche Escola trabalhava com

cerca de 400 crianças, com atividades sócio-recreacionais, aulas de reforço escolar

e segurança alimentar distribuíam-se 04 refeições diárias a cada criança

participante. A CCABM foi a primeira instituição, no município credenciada para

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desenvolver o trabalho. Atualmente o programa está desativado, pois foi substituído

pelo programa Bolsa Família.

Programa de Educacional de Resistência às Drogas- PROERD - É um

programa de caráter social e preventivo posto em prática em todos os estados do

Brasil, por policiais militares devidamente selecionados e capacitados. É

desenvolvido uma vez por semana em sala de aula, nas escolas de ensino público

e privado para os alunos que estejam cursando a partir ano do ensino fundamental.

Comandado em nosso estado pela Cel. Margarida, tem atuado com

palestras preventivas, notadamente em escolas de periferia onde os vícios em

drogas ilícitas grassam como epidemia.

Academia de Balé - A necessidade de atividades lúdicas e recreacionais

que congregassem adolescentes e jovens, notadamente do sexo feminino, e as

afastassem dos perigos das drogas, inclusive lícitas, bem como da prática do sexo

aviltante e descompromissado (prostituição infanto juvenil), propiciou a instalação

da academia de dança na Creche Escola em convênio com a Academia de Dança

Míriam Bacelar, de Salvador (BA).

Imagem do interior da Academia de Balé da Creche Escola Fonte: CCABM

A construção do prédio que abriga a academia foi providenciada através de

parcerias capitaneadas pela senhora Míriam Bacelar, a qual treinou os primeiros

professores em sua academia na cidade de Salvador. A academia foi inaugurada no

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ano de 2002, com curso gratuito de balé clássico é aberta a todas as crianças e

jovens da comunidade de Massaranduba. Os uniformes (malhas, meias, sapatilhas)

são conseguidos através de colaboração de doadores da capital do estado e

cedidos, gratuitamente, a todos os estudantes participantes. Capoeira do Mestre Pequeno – Outra atividade esportiva implantada na

Creche Escola foi o Grupo de Capoeira da Boa Vontade formado por crianças e

adolescentes de ambos os sexos da comunidade em situações de risco.

Sua principal finalidade é de integrar o grupo, despertando valores de

cidadania, morais e sociais, através de palestras e vivências, do valor de suas

vidas, propiciando uma melhor condição de vida, e complementação das atividades

educacionais.

Imagem do Grupo de Capoeira da Creche Escola Fonte: CCABM

Através do mestre Canelão (Salvador-BA), chegamos ao jovem mestre

Pequeno que comungando com nossos ideais, concordou em coordenar o grupo de

capoeira da Creche Escola. Inicialmente as atividades foram desenvolvidas no

salão de reunião e posteriormente migraram para a Academia de Balé, por oferecer

melhor estrutura. Todo o material utilizado: instrumentos musicais, uniformes e

lanches são adquiridos através de doações de colaboradores da Instituição. Sala de Informática – No ano de 2005, em decorrência do incentivo do

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Governo Federal à popularização de salas de informática nas escolas públicas,

bem como pela substituição dos equipamentos eletrônicos nas empresas públicas

iniciado no ano anterior; através de parceria com a Caixa Econômica Federal

Caixa, a escola recebeu 15 computadores, usados e revisados, foram instalados

em sala construída para essa finalidade.

Dessa forma, pudemos incluir no currículo escolar, aulas de

microinformática básica para os estudantes da creche escola, bem como oferecer à

comunidade, notadamente aos jovens e adultos frequentadores da turma de EJA,

mais essa oportunidade de ampliação de profissionalização.

Imagem da Sala de Informática da Creche Escola Fonte: CCABM

Grupo de Percussão na Lata – Iniciado em 2013, com os mesmos objetivos

das demais atividades acima mencionadas, busca-se através da musicalidade,

atrair para a escola crianças e jovens desassistidos com o fim dos repasses através

do PETI.

Abrigados, também, na Academia de Balé, os estudantes, juntamente com

o professor de percussão, desenvolveram e construíram com materiais simples,

existentes na comunidade (latas, tonéis de plástico, varas de bambu, cordas,

correias, etc.) os instrumentos musicais utilizados por todos os participantes do

grupo.

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Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego-

PRONATEC – Esse programa, instituído pelo Governo Federal no ano de 2011, de

expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educação profissional e

tecnológica no país.

O Pronatec busca ampliar as oportunidades educacionais e de formação

profissional qualificada aos jovens, trabalhadores e beneficiários de programas de

transferência de renda.

Através de convênio com o SENAC (instituição credenciada pelo Governo

Federal para ministrar cursos), foram instaladas no ano de 2015, 02 turmas do

curso de Servente de Pedreiro, dividido em duas partes (Paredes/piso e

Telhado/pintura), contando com 57 inscritos, em sua grande maioria mulheres.

Nesse curso, os educandos aprendem tanto na teoria quanto na prática os

princípios básicos da construção civil, fazendo jus a uma bolsa-auxílio.

A participação da Creche Escola constou da divulgação na comunidade,

das inscrições e cessão das salas de aula para os eventos. A segunda parte do

curso (telhado/pintura) não pode ser ministrada em decorrência de contingências

outras das entidades promotoras.

Conforme pudemos observar, a construção da Creche Escola constituiu em

algo muito maior do que aquilo que inicialmente foi pensado, ou seja, era pensado

apenas para possibilitar o acesso das crianças e adolescentes ao saber escolar,

mas dada a visão ampla e a disposição de auxiliar a comunidade como um todo, a

Creche Escola se constituiu em um espaço de encontro dos moradores da

comunidade para estudar, dançar, aprender uma profissão e desenvolver muitas

dimensões de suas vidas que sem a existência da Creche Escola, talvez não fosse

possível.

Reconstituir esses aspectos históricos, retomando os programas e as

atividades que já foram desenvolvidas e que continuam sendo trabalhadas, nos

indica que uma simples atitude de parar e descer do carro para ver de perto a

condição de vida das crianças, possibilitou o desdobrar de ações que interferiram e

melhoraram a vida de muitas crianças, adolescentes, jovens e idosos de uma

comunidade.

Agora vejamos como essa instituição criada e agora administrada pela

comunidade foi e continua sendo desenvolvida.

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4.2 Aspectos administrativos e a estrutura física da Creche Escola

A Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, vinculada ao Núcleo

Avançado de Massaranduba – NAM, é mantida pela Casa de Caridade Adolfo

Bezerra de Menezes, uma organização filantrópica civil de direito privado,

beneficente e sem fins econômicos, com atividades nas áreas assistencial,

promocional, educacional e cultural, com prazo de duração indeterminado e, com

sede própria e foro jurídico nesta cidade de Natal (RN), localizada na Avenida Lima

e Silva, 1520, Bairro de Lagoa Nova.

Sua administração, de concepção técnico-científica, atualmente é exercida

pelas seguintes pessoas/cargos:

Diretoria – Exercida pela presidente da entidade mantenedora, acima

descrita, Sra. Mércia Maria de Carvalho, a qual, como principal gestora da Creche

Escola, cabe cumprir com os artigos abaixo destacados do Estatuto da CCABM,

para o fiel cumprimento de suas atribuições, conforme descrito:

Art. 46º – O Núcleo Avançado de Massaranduba tem por finalidade: I. Proporcionar de forma gratuita o ensino infantil e fundamental I a crianças carentes, ajudando a integração social da família; II. Promover educação integral à criança, considerando que educar e cuidar são dimensões indissolúveis de toda ação educacional. III. Considerar que a criança e o jovem são sujeitos em formação e, por isso, merecedores de práticas educativas diferenciadas. IV. Prestar, ainda, assistência moral e material gratuita às famílias necessitadas, na medida de suas possibilidades; V. Realizar parcerias com entidades afins. VI. Promover a ética, a paz, a cidadania, os direitos humanos e os valores universais priorizados através da assistência à criança. Parágrafo único - Para tanto a entidade poderá organizar bazares, promover bingos beneficentes, rifas e sorteios, tudo com expressa obediência à legislação pertinente, objetivando aumentar a receita, a qual será, única e exclusivamente, direcionada para as finalidades sociais ás quais a entidade se destina. Art. 47º - No desenvolvimento de suas atividades, a entidade não fará qualquer distinção de raça, cor, sexo, condição social, credo político ou religioso. Parágrafo único - A entidade presta serviços permanentes e sem discriminação de clientela, de acordo com o plano de trabalho aprovado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Art. 48º - A entidade poderá adotar regimento interno que, se aprovado pela assembleia geral, disciplinará seu funcionamento. (ESTATUTO CCABM, 2016).

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Coordenação Pedagógica – Exercida há aproximadamente um ano e meio

pela Sra. Erlânia Cristina Sales, Pedagoga desde 2011, formada pela Universidade

Potiguar-UNP e com especialização em Educação Infantil, pela mesma

universidade. Responsável pela condução pedagógica, sob a orientação da diretora

da escola.

Coordenação Administrativa – Exercida pela Sra. Carmem Leila Inácio de

Melo, pedagoga, desde 2010, formada pela Universidade Vale do Acaraú - UVA,

com MBA em Gestão Estratégica, junto a FARN. Responsável pela condução

financeira e estrutural da escola, sob a orientação da diretora da instituição.

Os trabalhadores da Creche Escola em regime de CLT, são em número de

18 (atualmente), sendo 02 coordenadores,12 professores, 01 merendeira e 05

ASG's. Além desses profissionais, também trabalham na Creche-escola, em regime

de voluntariado, 01 diretora, 05 mães de alunos (responsáveis pela limpeza da área

externa dos prédios e da jardinagem, 02 estagiários universitários e 01 auxiliar de

enfermagem cedida pela Prefeitura Municipal de São Gonçalo do Amarante (RN).

O espaço físico escolar é muito importante para os alunos visto que eles

passam parte de sua vida presente neste ambiente e não apenas para serem

educados, mas também para aprenderem a se socializar com as demais pessoas

ao seu redor. Sobre o assunto o documento abaixo, nos diz: Escola é mais do que quatro paredes; é clima, espírito de trabalho, produção de aprendizagem, relações sociais de formação de pessoas. O espaço tem que gerar ideias, sentimentos, movimentos no sentido da busca do conhecimento; tem que despertar interesse em aprender; além de ser alegre aprazível e confortável, tem que ser pedagógico. Há uma “docência do espaço”. Os alunos aprendem dele lições sobre a relação entre o corpo e a mente, o movimento e o pensamento, o silêncio e o barulho do trabalho, que constroem conhecimento. (FUNDESCOLA/MEC, 2006).

Considerando a importância do espaço físico nos processos de educação,

procuramos saber no curso da nossa pesquisa, como se estrutura fisicamente a

Creche Escola e, nos foi possível saber que ela está instalada em uma área de

aproximadamente 5 hectares, onde encontram-se 07 construções que abrigam as

seguintes dependências: 10 salas de aula, 01 diretoria, 01 secretaria, 01 sala da

Coordenação Pedagógica, 01 sala da Coordenação Administrativa, 01 sala de

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Professores, 01 Almoxarifado, 20 Banheiros, 01 Área coberta de recreação, 01 Sala

de Informática, 01 Biblioteca, 01 Academia de Balé, 01 Salão de Reuniões, 01

Despensa, 01 Cozinha, 01 Refeitório, 01 Lavanderia, 02 Tendas recreacionais, 01

Campo de futebol e 01 Caixa de areia para crianças da Educação Infantil.

Além de um bom quadro de profissionais e um espaço físico considerável,

a Creche Escola fornece, gratuitamente aos alunos, o uniforme e material escolar

necessários ao aprendizado. Tudo muito simples, mas de boa qualidade.

Quanto aos livros didáticos, eles são garantidos pelo poder público, a

escola sempre enfrentou grandes problemas, posto que, apesar de demandados à

escola anexadora que é responsável pelo pedido junto ao PNLD/FNDE, quase

nunca é atendida em suas demandas. Para se ter uma ideia, encontramos nos

registros da Creche Escola, que dos 315 livros, de diversas disciplinas solicitados

para o ano de 2016, a Creche Escola só recebeu 50 livros de artes, sendo 30 para

a Educação Infantil e 20 para alunos do quarto e quinto ano. Consideramos que

esses livros de artes não foram solicitados.

Imagem de livro didático disponibilizado para a Creche Escola Fonte: Arquivo do Autor

Essa demanda não atendida constrói problemas para a equipe pedagógica,

e os professores, que necessitam promover um rearranjo do currículo, elevando,

consideravelmente os custos com reprodução (fotocópias) de documentos. Mas,

por outro lado, possibilitam uma liberdade de criar o próprio material didático.

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Outro componente que integra a logística da Creche é a alimentação.

Durante o processo de pesquisa e mesmo como voluntário que trabalha nessa

instituição pesquisada, ouvimos muitos depoimentos, mas um nos marcou

bastante, foi quando um aluno relatou: “A fome dói na barriga”. Essa narrativa nos

fez compreender a importância que a alimentação escolar tem para muitas

crianças. Nesse sentido, a alimentação constitui-se de um elemento importante,

hoje, no que se refere à escolarização de alunos de classes populares. No Brasil a

alimentação escolar sempre esteve presente nos programas de suplementação

alimentar. No caso da escola-objeto, mais do que suplementação, a alimentação

oferecida, diariamente, na escola, para elevado número de estudantes é a única

fonte alimentar.

O PNAE repassa para escola recursos da ordem de R$ 0,33/dia por aluno

do ensino fundamental e R$ 0,54/dia por aluno da educação infantil, para aquisição

da merenda escolar (de produtores e comerciantes da região), valores claramente

insuficientes para proporcionar alimentação adequada para as nossas crianças.

Diariamente são servidas 04 refeições a cada criança e aos professores

(cerca de 920/dia), complementadas com doações anônimas, angariadas em Natal

e Massaranduba, cujo cardápio foi elaborado por nutricionista (voluntária).

Imagem da despensa da Creche Escola Fonte: Arquivo do autor

Abaixo, alguns números atualizados (2015) dos atendimentos e serviços

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prestados na Creche Escola à comunidade de Massaranduba: Atendimento Escolar N°

Alunos Regulares (Matrículas 2015) 205

Reforço Escolar 37

Uniformes (Alunos) 205

Uniformes (Trabalhadores) 28

Refeições/dia (Alunos e Trabalhadores 920

Atendimentos pediátricos (Alunos e Comunidade não estudantil) 328*

Atendimentos Odontológicos (Alunos e Comunidade não estudantil) 178*

Atendimento Social N° Idosos Atendidos 46

Atendimentos Reumatológicos (Comunidade) 186*

Observação ( * ) Atendimentos prestados por médicos voluntários, sendo: 04 Pediatras, 01 Reumatologista e 01 Odontólogo.

Fonte: Arquivos da CCABM

Por ser uma Instituição civil, filantrópica, beneficente, sem fins lucrativos,

não governamental e não vinculada a partidos políticos, a CCABM, instituição

mantenedora da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, enfrenta sérias e

grandes dificuldades na manutenção de seus programas educacionais e

promocionais voltados para as crianças, adolescentes, idosos e gestantes que

fazem parte das famílias extremamente necessitadas por ela promovidas. Não

possuindo renda própria mensal pela gratuidade de todos os seus trabalhos, a

CCABM busca através de CONVÊNIOS e PARCERIAS com Órgãos

Governamentais, ou não, os APOIOS SOLIDÁRIOS, imprescindíveis para a

concretização dos projetos ali desenvolvidos.

Refletindo sobre esse processo histórico-cultural da Creche Escola, ficamos

pensando que uma das grandes artes é manter os programas funcionando, pois na

medida em que foi crescendo em número de pessoas e de programas, também foi

aumentando a demanda de recursos e de pessoal para manutenção e, como se

trata de um movimento que se sustenta pela solidariedade, aos poucos o trabalho

vai sendo fragilizado, o que exige que os gestores pensem em estratégias de

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manutenção da instituição porque as demandas da comunidade permanecem.

Mas, sem desejar esgotar essa dimensão estruturante da Creche Escola, vamos

nos aproximar de uma das dimensões mais importantes que são os aspectos

políticos e pedagógicos da instituição pesquisada.

4.3 Aspectos Políticos e Pedagógicos da Creche Escola

A Educação Infantil e o Ensino Fundamental estão organizados nas escolas

brasileiras quase sempre da mesma maneira, sejam escolas públicas ou

particulares, isto é, elas vem reproduzindo um modelo antigo e tradicional através

dos tempos. Na Creche escola não é diferente da grande maioria das escolas

públicas brasileiras.

Desde sua fundação, a Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes,

possui um modelo organizacional verticalmente hierarquizado cujas mudanças

“cosméticas”, em nossa opinião, não modificaram nesses vinte anos de existência.

Permanece um padrão assistencialista dos serviços oferecidos, apesar de contar

com muitos profissionais com formação superior na área da educação, uma vez

que existem 12 pedagogos, sendo 02 administradores e 10 professoras. Esses

profissionais da área educacional possuem pouca influência na construção do

currículo oferecido pela Creche Escola. Conforme as informações prestadas, foi

possível perceber que essa pouca influência acontece porque todos os

profissionais estão sujeitos à orientação da Diretoria consubstanciada no

Regimento Interno da Creche Escola. Este é o documento que define a

organização administrativa, didática, pedagógica e disciplinar da instituição,

estabelecendo normas que deverão ser seguidas e consequentes

responsabilidades e atribuições de cada pessoa, determinando o que cada um

deve fazer e como deve fazer. É o único documento pedagógico legal existente na

escola, pois esta não possui um Projeto Político Pedagógico elaborado.

Como prática formalmente organizada a avaliação no contexto da Creche

Escola realiza-se segundo objetivos escolares explícitos em seu Regimento Interno,

que, por sua vez, refletem as normas onde o exame (principalmente escrito)

apresenta-se como principal instrumento avaliativo. Percebe-se, portanto, que a

ideia de avaliar, serve tão somente para medir mudanças comportamentais e o

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nível quantitativo da aprendizagem. Vejam, em uma comunidade onde se instaura a

necessidade de educar e escolarizar, a avaliação deveria ser essencialmente

qualitativa.

Um dos poucos instrumentos avaliativos diferente do exame é a Mostra

Cultural. Evento anual, que congrega toda a comunidade escolar em torno de um

projeto, onde cada turma, respeitando o seu nível de aprendizagem, relata, através

de trabalhos expositivos em uma espécie de feira o que retiveram, em forma de

aprendizagem, sobre o tema do projeto.

Por fim, mas não menos importante, destacamos do ponto de vista

pedagógico que o trabalho de observação que empreendemos durante nossa

pesquisa, buscando reconstituir a história cultural da Creche Escola, nos revelou

que nessa instituição não existe uma política de formação continuada dos seus

profissionais.

Reconhecemos todos os limites que a instituição enfrenta por não possuir

uma fonte de renda permanente, pois se trata de um trabalho que se pauta

essencialmente pelo trabalho voluntário, mas não implementar uma política de

formação continuada nos dias de hoje, em que o conhecimento modifica

aceleradamente, pode comprometer a qualidade do trabalho que se desenvolve

com as crianças, adolescentes e jovens de Massaranduba.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Só existirá democracia no Brasil no dia em que montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública.

Anísio Teixeira

Responsabilidade social é uma atitude voluntária que pode proporcionar

ações para que os cidadãos socioeconomicamente menos favorecidos sejam

capacitados e, consequentemente, tenham mais oportunidades na sociedade.

Considerando essa assertiva, entendemos como inegável a grande contribuição

seja educacional, social e assistencial que a CCABM e Creche Escola Dr. Adolfo

Bezerra de Menezes vem proporcionando, nestes últimos 31 anos (1985-2016) aos

moradores da comunidade de Massaranduba, Zona Rural de São Gonçalo do

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Amarante (RN), Cooperando, grandemente, para o desenvolvimento de uma

comunidade, que, apesar da proximidade com a capital do estado, continuava

desamparada e quase esquecida dos poderes constituídos.

Gostaríamos, entretanto, de tecer algumas considerações acerca da gestão

e do fazer pedagógico da escola que tomamos como objeto de nossa pesquisa,

que em nada diminuem as proposituras acertadas em benefício da comunidade

assistida.

De estilo tradicional a gestão da escola necessita ser democratizada, onde

o processo de ouvir e conhecer as reais necessidades da comunidade seja a

premissa principal da gestão, para construções educativas que vão ao encontro da

clientela e dividindo com toda a comunidade as responsabilidades.

A gestão democrática é algo que se conquista e se constrói pouco a pouco

no cotidiano da vida escolar e, essencialmente, por meio do diálogo permanente.

Não se constrói individualmente, mas coletivamente num processo dinâmico de

interação entre gestão escolar, professores, pais, alunos e comunidade. Na escola

pesquisada percebeu-se que os mecanismos de democratização precisam ser mais

trabalhados para que cada vez mais a escola melhore a qualidade do ensino.

No que se refere à formação continuada do corpo docente, os professores

com quem conversamos entendem o sentido da necessidade da formação

continuada e percebem a importância em participar de programas voltados para a

atualização profissional. Entretanto, argumentam, também, a carência de tempo

para dedicar-se à atividade, posto que, alguns cumprem jornada de mais de 12

horas/dia (mais de um emprego) como forma de manter um orçamento mínimo

digno. Gestões deveriam ser tomadas pela escola de modo a subsidiar o

treinamento, na própria escola inclusive, de modo a sanar fragilidades pedagógicas

do corpo docente.

A carência de comunicação é entrave ao desenvolvimento de maior

autonomia da comunidade escolar, muitos ainda não conseguem perceber que a

escola é um espaço social de formação onde todos aprendem, vivenciando seus

valores, construída por erros e acertos que possibilitam o alcance de grandes

conquistas.

Sendo assim, observamos que o diálogo e envolvimento são fatores que

precisam ser trabalhados na escola, bem como na comunidade escolar para que

ocorra a concretização de um modelo de gestão que supere o individualismo para

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que se alcance uma educação democrática que é o anseio de todos os

profissionais envolvidos no processo educacional.

Outro ponto fundamental no processo educativo é a construção de um

registro dos objetivos que deseja alcançar, metas a cumprir e sonhos a realizar. Ao

conjunto dessas aspirações, bem como, os meios para concretizá-las é o que

chamamos de Projeto Político Pedagógico-PPP.

É projeto porque reúne propostas de ações concretas a serem realizadas

em um determinado período de tempo. É político por considerar a escola como

espaço de formação de cidadãos conscientes, responsáveis e críticos, que atuarão

na sociedade de modo individual e coletivo. É pedagógico por definir e organizar os

projetos e atividades educativos importantes à sustentação do processo de ensino

e aprendizagem.

Faz-se necessário que os comunitários de Massaranduba obtenham

conhecimento acerca verdadeira importância de ser cidadão, para possuir a

capacidade de conhecer e perceber os seus direitos e reivindicá-los, no sentido de

que o conceito de cidadão saia do papel, e se legitime, através da incorporação da

identidade de indivíduos marcados por suas vitórias e como sujeito construtor e co-

autor de uma cidadania democrática.

Por fim, concluímos que a escola, juntamente com a sociedade local, não

obstante as avassaladoras contribuições já prestadas à comunidade de

Massaranduba precisa repensar os seus papéis sociais na formação de

verdadeiros cidadãos, buscando com seriedade e com compromisso de toda a

coletividade escolar uma constante revisão crítica de seus papéis na manutenção

da escola, e que esta seja verdadeiramente democrática, de outra forma corremos

o risco de ficarmos apenas no assistencialismo.

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6. REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Alessandro A. Quando “Trabaio” é “Ensinação pra Rude” e estudo é bom “pro Caba” Conseguir Emprego Melhor: Falas, representações e vivências da educação escolar na reforma agrária. Tese de Doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará-UFCE, Fortaleza, 2006. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; Presidência da República, Casa Civil, Subchefia de assuntos jurídicos; disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm Acessado em: 05/04/2016. BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB Lei 9394/96; Brasília. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf . Acessado em 07/05/2016 BRASIL. FUNDESCOLA/MEC. Padrões Mínimos de Qualidade do Ambiente Escolar, Fundo de Fortalecimento da Escola, 2006. BUFFA, Ester. História e filosofia das instituições escolares. In: ARAÚJO, José Carlos Souza; GATTI JUNIOR, Décio (Org.). Novos temas em história da educação brasileira: instituições escolares e educação na imprensa. Campinas/ SP: Autores Associados; Uberlândia: EDUFU, 2002. p. 25-38. CERTEAU, Michel de. A Escrita da História; tradução de Maria de Lourdes Menezes; revisão técnica Arno Vogel. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. _______. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1996. COMENIUS, Jan Amos. A Didáctica Magna: Tratado da arte de ensinar tudo a todos. Tradução para e-books, prof. Dr. Joaquim Ferreira Gomes; Coimbra; Portugal; 2001. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook, consultado em 10/04/2016 DANTAS FILHO, Raimundo Sílvio. Participação, Diálogo e Confiança: Caminhos para a democracia na escola. Tese de Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, Natal, 2009. DIGIÁCOMO, Murillo José. Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado / Murillo José Digiácomo e Ildeara Amorim Digiácomo. Ministério Público do Estado do Paraná. Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, Curitiba, 2013, Disponível em <http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/eca_anotado_2013_6ed.pdf>, Acesso em: 03/09/2016. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Ed. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1968. INCONTRI, D. A Educação Segundo o Espiritismo. 7ª ed., São Paulo, Comenius, 2006.

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LIBÂNEO, J. C; OLIVEIRA, J. F; TOSCHE, M. S. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2005. LIBANÊO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos para quê? 7. ed. São Paulo: Cortez, 2004. NOVAES, Adenauer. Psicologia e Mediunidade. Fund. Lar Harmonia. Salvador. 2002. PADILHA, P. R. Planejamento Dialógico: como construir o projeto político pedagógico da escola. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002. SAI SATHYA. Educação em Valores Humanos: Manual para Professores. (Trad. Paulo Maurício B. A. Rego). 2ª ed., Rio de Janeiro: 1999. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. Edição Revista e Ampliada. São Paulo: Editora Cortez, 2000.

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7 ANEXOS REGISTROS FOTOGRÁFICOS

Imagem da área interna da Creche Escola Fonte: Arquivos da CCABM

Imagem de Sala de Aula da Creche Escola Fonte: Arquivos da CCABM

Imagem da hora do recreio na Creche Escola Fonte: Arquivos da CCABM

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Imagem dos alunos do 3° Ano da Creche Escola – ano 2014 Fonte: Arquivos da CCABM

Imagem panorâmica da Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes Fonte: Arquivos da CCABM

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8 APÊNDICE

8.1 DEGRAVAÇÃO DA ENTREVISTA COM A SRA. MÉRCIA CARVALHO, PRESIDENTE DA CASA DE CARIDADE ADOLFO BEZERRA DE MENEZES, DO NÚCLEO AVANÇADO DE MASSARANDUBA DA CCABM E DIRETORA DA CRECHE ESCOLA DR. ADOLFO BEZERRA DE MENEZES.

Entrevistada: Mércia Maria de Carvalho

Entrevistador: Evaldo Jesus Salgado Pinto

Estamos no Núcleo Avançado da Casa de Caridade Adolfo Bezerra de

Menezes, para iniciar a construção da história cultural da Creche Escola Dr. Adolfo

Bezerra de Menezes, localizada no Distrito de Massaranduba, zona rural do

município de São Gonçalo do Amarante (RN). Estamos aqui com a Dra. Mércia

Carvalho, presidente da Casa de Caridade Adolfo Bezerra de Menezes e Diretora

da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, para suas considerações iniciais.

Entrevistador: Dra. Mércia, para iniciar nossa conversa gostaria de saber como foi

criado o NAM – Núcleo Avançado de Massaranduba, da Casa de Caridade Adolfo

Bezerra de Menezes?

Entrevistada: O NAM surgiu de uma visita que foi feita `comunidade de uma forma

bastante inesperada. A gente passando por essa estrada do município (sic.) De

Massaranduba, há 35 anos atrás, nós sentimos a grande necessidade de iniciar um

trabalho sócio educativo, mas, acima de tudo, um trabalho de afetividade, já que

era uma região carente de tudo.

Então, como médica, fiz atendimento das crianças na beira da estrada (estrada de

Serrinha), e então, nós, começou aquela ligação entre a comunidade e a nossa

pessoa e aos poucos fomos conquistando esse espaço, até que nós tivemos a

certeza que era aqui, nesse município que nós teríamos iniciar o Núcleo Avançado

de Massaranduba - NAM; foi quando foi fundada a nossa instituição a Casa de

Caridade Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, em função do futuro núcleo que viria a

ser construído, iniciado 8 (oito) anos depois.

Então, a primeira parte da história começa com esse trabalho de rua, e a Casa

fundada, formaram-se as equipes e então nós começamos a prestar serviços

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médicos, começamos a prestar serviços psicológico, de apoio a pessoas drogadas,

não propriamente a droga, mas os alcoólicos, por conta dos Alcoólicos Anônimos,

que tínhamos amigos. Então nós montamos um trabalho como um todo, para já

começar esse trabalho de apoio e educação, tanto da parte física quanto da parte

espiritual, das pessoas desta comunidade que eram extremamente carentes.

Era uma comunidade muito pobre, as casas de sapé, as crianças portadoras de

doenças de várias espécies, e essa ideia do Núcleo foi justamente celebrada com a

fundação mesmo em 08 de julho de 1985. Então essa foi a data em que nós

fundamos a Casa de Caridade em função deste Núcleo que seria fundado aqui, no

distrito de Massaranduba, em São Gonçalo do Amarante, a nossa Massaranduba.

Entrevistador: Dra. Mércia, onde se realizavam essas atividades, no início, qual o

local onde se realizavam essas atividades?

Entrevistada: A primeira delas foi realizada embaixo de um cajueiro, sentados

assim, na borda de um cacimbão. Eu sentava na borda do cacimbão e atendias as

crianças, os idosos e as famílias. Quando foi fundada a instituição, então um grupo

de voluntários, então nós vínhamos para a estrada, conversávamos com as mês

embaixo desse cajueiro que ficava no início da rua e então, com o passar do

tempo, as famílias se chagaram e ofereceram as suas casas para que nós

pudéssemos fazer nossos atendimentos, então dávamos aconselhamentos, então o

trabalho foi crescendo, então depois de algum tempo nos fomos “estudados” pela

comunidade, nos falamos de uma maneira muito franca qual era o nosso objetivo,

nós não éramos políticos, nosso desejo era realmente trazer esse apoio de

ensinamentos sócio culturais, e começamos na rua, nas casas das pessoas depois

que elas viram qual era, realmente, a nossa visão, então eles colaboraram. Nós

íamos nas casas, nos terreiros das casas, nós colocávamos mesas, atendíamos as

crianças, fazíamos atendimentos médicos, as consultas, então o grupo foi

aumentando e as famílias confiando, então esses laços afetivos foram se

fortalecendo, a medida que eles sentiam a mudança no comportamento deles, das

famílias e da assiduidade de toda a equipe pronta para ajudar.

Nós éramos 20 trabalhadores, éramos, justamente os sócios fundadores daqui do

Núcleo da Casa de Caridade Adolfo Bezerra de Menezes. Os atendimentos eram

todos feitos nas casas dos moradores. Passávamos três meses numa casa, quatro

meses na outra, e assim nós fomos desenvolvendo esse trabalho sócio

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educacional, cultural e também um apoio emocional e moral que nós dávamos a

todas as famílias.

Entrevistador: Esses trabalhadores tinham alguma remuneração?

Entrevistada: Não. Todos nós éramos voluntários como é até hoje. Então todo o

trabalho é gratuito, conseguimos alimentos, porque nós fazíamos assim: Nós não

dávamos cestas básicas, nós organizávamos almoços que eram uma festa.

Organizávamos o Natal, Dia das Mães, Dia dos Pais, o Dia das Crianças, mas toda

a equipe era de colaboradores, nós somos ainda voluntários do trabalho. Então

cada um tinha a sua tarefa: conseguir medicamentos, outros, alimento, não para

ser distribuído, mas para que a gente pudesse realizar as nossas

confraternizações, pôs no momento em que passássemos a distribuir alimentos uns

seriam beneficiados e outros não. Então ali começava a divergência e a

insatisfação. “-Por que eu sim e eu não”. Então nós distribuíamos o que tínhamos

dentro do coração. E foi justamente isso que foi trazendo conforto, que deu essa

segurança e grande esperança de ver a confiança que nós estávamos, assim,

dedicando a eles com muita afeição e com muita sinceridade de propósitos que era

a proposta da tarefa.

Entrevistador: Atualmente, a gente observa que houveram grandes modificações

na comunidade. Já não existem mais as casas de sapé. Quais as contribuições do

NAM para essa modificação?

Entrevistada: Acho que a contribuição, na realidade, foi a conscientização da

necessidade do crescimento que nós precisamos trabalhar para que a vida melhore

e com o passar do tempo o que foi sendo dado na parte educacional, cultural e

também os valores morais, eles foram tomando essa consciência para trabalhar, e

o NAM trouxe depois várias oportunidades para esse crescimento. Eles se

entusiasmaram, sentiram que na realidade sem trabalho não conseguimos nada e

com a educação nós precisamos dela para executar um bom trabalho e tudo foi

melhorando e hoje nossa Massaranduba está uma Nova York, tudo melhorando

muito.

Entrevistador: A Senhora falou a pouco em educação. Nos fale como surgiu a

Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes? Quais foram as primeiras ações?

Como foram construídos os primeiros prédios? Recursos utilizados? E como se

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encontra a instituição hoje?

Entrevistada: Iniciou-se, nós tínhamos as turmas da evangelização, e a maioria da

população era católica e a nossa instituição é espírita então nós acolhíamos todas

as religiões. E o que é que nós fazíamos? Nós, na evangelização, sentíamos que

as crianças não sabiam ler, nem escrever e não havia escola no local, apenas uma

escola muito pequena, muito distante, e a gente sentia essa necessidade cada vez

mais crescente e os jovens também. Então, sete anos depois, nós adquirimos o

primeiro terreno da Casa de Caridade e uma amiga nossa que era uma das sócias

fundadoras daqui da comunidade, pois aqui nós temos sócios fundadores da Casa,

daqui da comunidade, então nós fizemos uma grande festa e compramos o terreno

e foi então a construção da primeira etapa do nosso NAM, e ali nós vínhamos

somente aos sábados, mas mesmo assim, iniciava-se na evangelização, as

primeiras formas de letramento pra que as crianças pudessem acompanhar alguma

coisa. E nós conhecíamos um senhor no Rio de Janeiro, nessa época Capitão

César Reis (Exército Brasileiro), hoje Coronel, que era, que trabalhava em uma

instituição muito conhecida em todo o Brasil que era o Lar Fabiano de Cristo que

era subsidiada pela CAPEMI (Caixa de Pecúlio dos Militares), ele fez essa proposta

de auxiliar e nós conversamos com ele sobre o sonho de realizar aqui essa Escola

para a gente poder auxiliar mais, modificar mais ainda a vida das crianças e da

própria comunidade. Então ele veio aqui com a equipe, viu a necessidade, e a

CAPEMI se prontificou a construir esse prédio que nós albergamos hoje a nossa

Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes. Foi então, justamente com o apoio

da CAPEMI, hoje CAPEMISA Social, que se construiu a Creche Escola, e trouxe

assim, uma esperança para todos nós, pois era mantida por ela. Nós tínhamos

muita coisa boa, e umas pessoas eram escolhidas para que o aprendizado se

realizasse da melhor maneira possível. Então iniciou dessa maneira.

Entrevistador: Qual o ano que foi construído o prédio da Creche Escola?

Entrevistada: A construção começou…, faz tanto tempo que temos que fazer as

contas. Acho que o prédio novo começou a construção em 1996 ou 1998. O

pequenininho, que era 4 x 8 m² foi construído, antes, pelos próprios trabalhadores

da Casa e da Comunidade, e ali nós tínhamos o local de acolhimento de Reuniões,

era muito interessante né. Era um Centro Comunitário. E essa Creche Escola

demorou um ano para ser construída e foi uma ligação direta da CAPEMI com a

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empresa que realizou essa construção. Depois houve a inauguração, e ali nós

tivemos a presença do senhor Nestor Mazotti (vice-presidente, à época da

Federação Espírita Brasileira), Cel. César Reis e uma equipe muito grande da

CAPEMI, foi um momento, assim, de muita alegria, muita emoção, porque a Creche

Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes passaria a se dedicar à sua missão de

colaborar com a construção de um novo mundo para essas crianças, jovens e para

essas famílias. Foram construídas 10 salas, banheiros, copa, cozinha, refeitório,

depósitos, então muita coisa… muito simples, mas com muito cuidado e tudo muito

bom, com material de primeira. Esses anos todos ela está aqui firme e forte com a

nossa… não é pretensão, é com a nossa esperança de manter essa Instituição

sempre firme e forte.

Entrevistador: Dra. Mércia, qual a origem dos recursos para a manutenção da

Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes?

Entrevistada: A manutenção da Creche veio primeiro pela CAPEMISA Social,

depois, em decorrência de alguns problemas na CAPEMI deixou de existir o Lar

Fabiano de Cristo então ela passou a colaborar diretamente com a CCABM através

de parceria e convênios. E além da Creche, nos sentimos a necessidade de ampliar

o trabalho, a CAPEMI não podia executar esse projeto, pois são muitos os projetos

sob sua responsabilidade, pois a gente sabe que a manutenção de vários dentro da

responsabilidade e daquele cuidado; cuidado de cuidar. Então sempre tivemos

parceiros, mais colaboradores como dentistas, médicos, nós tínhamos muita coisa

e recebíamos a auxílio, não remuneração, por exemplo: o gabinete odontológico foi

doado, mas CAPEMI comprou o material que era necessário. Nós tínhamos sempre

os voluntários e ela subsidiava o que era necessário. Então, muitas coisas, tudo o

que temos, depois foram crescendo, tivemos outras parcerias que foram

complementando, mas o básico a CAPEMI deixou para a Casa de Caridade, a

quem eles sempre valorizavam e valorizam o trabalho até hoje.

Entrevistador: Quais as perspectivas para o futuro?

Entrevistada: Muitas esperanças, porque a gente tem visto que as crianças saem

daqui com um comportamento diferente, não só na educação como no cuidado. A

maneira como eles são tratados, a pedagogia do afeto que é aplicada aqui dentro e

extremamente importante e junto a isso nós tivemos também atuações

complementares, pois nós temos famílias que não tem alimentação, são casos

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incríveis que vimos de famílias não terem com que se alimentar, nós tínhamos que

trazer quatro a cinco crianças (fora os estudantes), para se alimentar, para

passarem o dia. Foi quando surgiu o programa do PETI – Programa de Erradicação

do Trabalho Infantil e antes o PAC – Projeto de Apoio a Criança, eram projetos

governamentais, e através dessas parcerias os projetos foram assinados e amigos

e colaboradores como o grupo empresarial CAPUCHE, que construiu as salas d

PETI, com banheiros, para 100 crianças que nós recebemos. Então nessa época

nós tínhamos 420 alunos aqui dentro, tivemos que fazer uma cozinha

complementar, e durante quatro anos nós passamos com essa quantidade de

crianças de 07 a 15 anos. Um grupo saia depois entrava outro. Nós tivemos

também um projeto muito interessante realizado em parceria com a COSERN, que

é o programa do balé com a Escola de Balé Miriam Barcelar, uma grande

incentivadora, uma baiana que esteve aqui, e nessa época tivemos todo o apoio

daquela empresa a qual executou o projeto de construção do Salão do Balé.

Posteriormente nós tivemos o Setor de Produção. Tudo isso é uma interligação

entre a Creche Escola e a Comunidade, porque a gente educa as crianças, mas dá

oportunidade para as famílias de terem uma nova visão de vida, então foram muitos

cursos lá disponibilizados em parceria com o SINE, e esses projetos trouxeram

para a comunidade oportunidades enormes

Porque mais tarde elas formaram grupos de trabalhos, para que fossem

desenvolvidos o macramê, o bordado, a pintura em tecido, o crochê, a cestaria,

então foram cerca de 30 cursos proporcionados às mães além dos cursos de

teatro, bale, capoeira e percussão. Mais tarde tivemos a construção de mais quatro

salas de aula, biblioteca, brinquedoteca e a nossa sala de informática (está em

parceria com a CAIXA, e tudo isto numa complementação para desenvolver o

trabalho com as crianças, a parte da Informática, pela manhã era aberta à

comunidade e à tarde aos estudantes da escola e paralelo a isso nós tivemos o

programa de alfabetização para adultos. Alfabetização de Jovens e Adultos. Para

nós era um trabalho completo, fora a assistência que nós dávamos com 03

assistentes sociais que eram remuneradas pela CAPEMI. Então toda essa equipe

promoveu um trabalho de interação e integração entre a comunidade e a Escola. E

outro grupo que a gente faz questão de falar e o A. A. que colaborou por muito

tempo em decorrência do índice de alcoolismo que aqui existia. Também falar de

um programa que se iniciou com a Cel. Margarida (Polícia Militar do Estado),

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chamado PROERD. Esse programa governamental teve sua primeira atuação aqui

em nossa escola, onde iniciou u m trabalho de orientação (prevenção) ao

uso/consumo de drogas, momentos que são inesquecíveis, e a nossa esperança é

que continuemos esse trabalho que trouxe verdadeiras lições de vida para todos

nós. Existe uma interação muito grande entre família e escola, através da reunião

de pais e mestres com cerca de 180 a 200 pais aqui dentro. E eu espero, cada vez

mais essas relações se tornem mais próximas. Há 14 anos atrás tivemos, também

o apoio da Prefeitura Municipal de São Gonçalo do Amarante-RN com os

professores, os quais são escolhidos entre aqueles que se adéquem dentro da

filosofia de trabalho que nós fazemos com amor, com afeto, com carinho; então

elas (as professoras) fazem esse trabalho. Apesar do apoio de instituições públicas

das três esferas, nós frisamos sempre que somos uma instituição filantrópica,

apolítica e trabalhamos como voluntários, os demais como ASG's, os professores,

todos eles são pagos atreves de parceria com o município de São Gonçalo do

Amarante, e amigos que queiram colaborar

Entrevistador: Dra. Mércia nós agradecemos a sua atenção e pedimos autorização

para conversar com professores e funcionários e comunidade, sobre a escola.

Entrevistada: Eu acho muito bom. Nós temos aqui sócios que são fundadores da

CCABM, desde 1985 quando ela foi fundada nós temos pessoas que podem contar

um pouco sobre isso que a gente falou e também sobre uma coisa que eu ia

esquecendo, nossos idosos, nós temos um trabalho maravilhoso com os idosos e

também com gestantes e nutrizes. No momento, nosso grupo de idosos está

reduzido, eram 68 e hoje temos apenas 32. Mas a nossa esperança e de que no

próximo ano isso volte a aumentar. - Qual o nome do Grupo? Ha “Flor do

Mandacaru” é o grupo da melhor idade, eles vão a passeio, interagem aqui com a

instituição, eles fazem artesanato. Tem um grupo de “fuxiqueiras” (artesãs do

fuxico), que é a coisa mais linda. E por incrível que pareça, comercializam os seus

trabalhos feitos aqui, como nós também comercializamos os trabalhos das mães

vendendo em casas comerciais de Natal e tudo o que era arrecadado era

repassado para elas. Tudo isso que se fez foi com um amor tão grande e todos eles

participam até hoje.

Entrevistador: Muito agradecido Dra. Mércia pelas informações.

8.2 DEGRAVAÇÃO DA ENTREVISTA COM A SRA. ERLÂNIA CRISTINA SALES

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COORDENADORA PEDAGÓGICA DA CRECHE ESCOLA DR. ADOLFO BEZERRA DE MENEZES.

Entrevistada : Erlânia Cristina Sales

Entrevistador: Evaldo Jesus Salgado Pinto

Entrevistador: Nós estamos aqui com a Sra. Erlânia, Coordenadora Pedagógica

da Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, para fazer uma entrevista acerca

do fazer pedagógico da Creche Escola. Erlânia, para que a gente possa dar início à

nossa conversa eu gostaria que você iniciasse falando da sua formação acadêmica

e o tempo em que você está em trabalho aqui na Casa e na sua vida mesmo?

Entrevistada: Eu estou aqui na Casa faz um ano e três meses, sou formada em

Pedagogia, me formei em 2011 na UNP, morando em São Paulo do Potengi,

consegui uma bolsa do PROUNI, e fiquei estudando assim. Ganhei uma bolsa

integral em uma faculdade articular e estudei por 04 anos, me formei e vim morar

em Natal, a partir do momento em que passei no processo seletivo da Prefeitura

para professor onde passei 02 anos. E nesses 05 anos me dedique exclusivamente

a escolas como pedagoga mesmo. Como professora e agora como Coordenadora

Pedagógica.

Entrevistador: Você, além de Coordenadora Pedagógica da Escola acumula outro

emprego em outra unidade escolar?

Entrevistada: Não, no momento não. No momento estou trabalhando só aqui,

também porque é tempo integral, estou aqui desde 07 da manhã até 05 horas da

tarde. Aqui é período integral então não tem como. Mas antes eu tinha alguns

alunos particulares, prestava consultorias, fazia alguns cursos, mas aí eu aproveito

os sábados os momentos que eu tenho. Mas normalmente eu estou dedicada

exclusivamente à Casa.

Entrevistador: Como é o seu trabalho como Coordenadora Pedagógica aqui na

Casa de Caridade… ou melhor na Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes?

Entrevistada: Aqui o nosso trabalho vai além do estritamente pedagógico, não tem

como dizer que é só o pedagógico, mas agora está mais tranquilo, quando eu

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entrei, ano passado foi mais complicado, pela questão organizacional mesmo, pois

tinham passado 03 coordenadores num período pequeno e isso acaba mexendo.

Mexe com os professores que acabam sem norte seguro, mexe com os alunos,

porque chega um e diz que é de um jeito, chega outro e diz que é de outro, então

acaba influindo na aprendizagem deles. E os pais, querendo ou não eles não

sabem em quem acreditar, assim se perde um pouco da credibilidade. Quando eu

cheguei, mesmo no período de férias do recesso, os alunos de férias eu fiquei um

mês aqui na Casa só mexendo na parte de organização para quando os

professores chegarem para a semana pedagógica, quando voltar a reunião dos

pais pudesse dar uma encaminhada. Durante esses seis primeiros meses, até

dezembro era uma briga constante, com os professores porque não aceitavam, de

certa forma, a maneira como cheguei e expliquei a maneira como deveria ser feito.

Eles não queriam cumprir, então foi um pouco complicado e com os pais para

colocar os limites, então até hoje ainda tem alguns pais que ainda não aceitam

alguns limites que tinham sido liberados então, com referência a roupa dos alunos,

fardamento, então muita coisa, assim detalhes, a gente ainda tá colocando em

ordem, mas graças a Deus eu posso dizer que após um ano eu posso dizer que já

temos uma maior aceitação dos pais, pois estamos tentando colocar ordem, os

alunos durante esse ano já tiveram um avanço, então eu já consigo ver,

visivelmente, o avanço dos alunos. E assim, tem os professores também, a maioria

dos professores são novos e assim por serem novos eles estão vendo como e que

é. No passado como era antes, todo o histórico desse passado, mas a questão

pedagógica que é o principal, como eu disse para as meninas no início do ano o

foco e fazer com que as crianças avancem. Existem as regras da Casa, sim

existem, mas o foco principal da Escola é fazer com que o aluno avance. E esse

avanço não é só a nível cognitivo não, é avançar como pessoa, como ser humano,

avançar de uma maneira geral, e eles estavam muito sem norte. Talvez com essas

mudanças, para você ter uma ideia, tem aluno do 4 ano que não sabiam ler. Então

você vem de uma trajetória de creche, ensino infantil em todos os níveis, 3, 4 e 5 e

chega ao quarto ano, em uma turma de 16 alunos onde tem um ou dois silabando é

algo a se pensar. Quando são quatro, cinco, a gente pode ver que a criança pode

ter alguma necessidade especial, dificuldade de aprendizagem, mas se é uma

turma por completo a gente começa a se questionar realmente o que é que houve

nesse percurso. Então e assim, um dos maiores problemas que eu enfrentei foi de

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tentar colocar, organizar pedagogicamente, de uma maneira que os professores

busquem se reciclar, se eles não se reciclarem o mercado não os absorverá. E foi

a minha proposta. Nós temos três professoras que ainda não concluíram o curso de

pedagogia, já fazia tempo na Casa, e a minha proposta foi de que essas

professoras, se reciclassem para poder a gente dar continuidade. Só que não foi

aceito por N motivos, financeiro, carência de tempo, trabalho, mas aí o que eu

tentei levar para elas que se a gente não se reciclar, não estiver se atualizando, vai

ter uma hora em que não haverá escola que aceite. Infelizmente. E é assim uma

questão de visão, talvez pela cultura, ainda é de uma cultura que é difícil colocar na

cabeça que você tem que estar procurando se atualizar. A criança de hoje não é a

criança de ontem, muito menos a criança de 20 anos atrás. Onde o professor era a

autoridade máxima, então o professor, me lembro eu como criança que o que o

professor falasse era o que valia. Aluno não podia estar levantando voz, dizendo

coisas. Hoje não, hoje é diferente, a sociedade em si faz com que o aluno, a

criança já tenha opinião própria desde os dois anos de idade, porque ela é

estimulada o tempo todo, mesmo nas comunidades mais pobres, como aqui.

Aí vem a TV o rádio, a TV aberta que não sai nada de futuro, só educa as crianças

para coisas que não são adequadas a elas, mas são crianças que estão com a

cabeça em um mundo diferente. Elas pegam um celular e decifram em um

segundo, então não tem como a gente querer que essa criança que nasceu nessa

tecnologia, tenha o mesmo comportamento de crianças de 10, 15 anos atrás. Ou

seja, a nossa ação não pode ser a mesma, como professor não dá para ser a

mesma onde o aluno simplesmente aceite sentado, até mesmo porque o governo

traz uma ação para os professores cujo foco principal e esse que o professor tem

que estar trabalhando, se atualizando, dentro daquela realidade em que ele está

inserido.

Entrevistador: Qual e como é a sua relação com a Direção com referência ao seu

fazer pedagógico? Toda a nossa conversa vai ser sempre com referência ao fazer

pedagógico, como é o seu relacionamento com a direção da Casa ou da Escola?

Entrevistada: O meu relacionamento e tranquilo, quando eu cheguei aqui Dra.

Mércia deu total autonomia para eu avaliar como é que estavam os alunos, tudo

que fosse necessário. De início ela deu essa autonomia de fazer essa pesquisa

vamos dizer assim e foi o que fiz até o final do ano com o relatório das mudanças.

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Ela aceitou, não foi fácil, claro, por que como o senhor conhece também, então

para tirar funcionário ela pensa mais na parte humana que necessariamente no

projeto. Foi difícil nessa parte de tentar mostrar para ela que era necessário haver

algumas mudanças. Então ela aceitou e nós contratamos novas professoras,

infelizmente teve outros que saíram, não relacionado com o nosso desejo que a

gente teve que procurar outros e até agora estamos procurando uma pessoa com

experiência para o nível 5 da Educação Infantil, mas assim, a gente vai tentando

organizar. Com a direção meu único problema tem sido duas professoras que eu tô

tentando não tirar, mas colocar em um outro local, fazer uma troca para ver se

melhora. Eu já conversei, sugeri, mas não está resolvendo e eu já pedi o auxílio da

parte da Dra. Mércia que essa parte compete a ela como Diretora, e até o momento

ela não chegou a conversar e o que ela tinha me autorizado a fazer quando eu fiz

ela pediu para desfazer. Então assim, fica um pouco chato para mim que estou à

frente, que estou todo o dia vendo como é que está. Então atualmente só esses

dois probleminhas posso dizer assim, pois eu estou precisando fazer algumas

alterações a ainda não consegui autorização.

Entrevistador: Com os professores, como é o seu relacionamento no que diz

respeito a tratar do acompanhamento do fazer pedagógico, essa que é função

primordial do coordenador, e também dar o direcionamento necessário para que a

escola funcione?

Entrevistada: É no início do ano eu propus um projeto quando percebi no decorrer

da minha avaliação dos alunos, de que apesar deles estudarem aqui a muito tempo

eles praticamente não conhecem a nossa história, eles não conhecem a história da

comunidade, da Casa, do município em si. Então eu trouxe uma proposta para as

professoras no início do ano durante a semana pedagógica, orienta por uma

doutoranda da UFRN, então ou trouxe ela e ela fez algumas observações junto aos

professores e eu lancei o projeto; era um projeto inicial que era justamente para

fazer um resgate histórico, então foi proposto o seguinte junto as professoras: no

primeiro bimestre falaríamos da identidade do estudante, do eu mesmo, de cada

um e um pouco da comunidade. No segundo bimestre, aí focaríamos a comunidade

de Massaranduba, a comunidade da escola, qual o papel da escola na comunidade

e agora no terceiro bimestre nós estamos estudando o município de São Gonçalo

do Amarante, que é o que vai culminar em nossa Amostra Cultural no dia 30 deste

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mês, vai ser mostrado o que foi trabalhado nesses três bimestres, sendo a

culminância do nosso projeto. Pois o nosso objetivo primordial e de que as crianças

avançassem, desde o nível 3 até o quinto ano é de que elas avancem. Então as

professoras se propuseram a fazer esse trabalho, estão fazendo, então eu construí

um caderno de planejamento, e nesse caderno elas me entregam toda semana, o

plano é diário e nesse planejamento elas me entregam por semana. Na sexta feira

elas me entregam o planejamento da semana seguinte. Na segunda feira eu vejo

todos os planejamentos, coloco algumas observações que sejam necessárias,

oriento e ou acrescento alguma coisa, é a minha forma de estar orientando. Nós

não temos o dia de planejar. O ideal seria que nós pudéssemos sentar e elas

planejassem juntas, mas infelizmente nós não temos. Então elas planejam em casa

e trazem o caderno de planejamento para eu acompanhar. Eu tenho um

acompanhamento realmente dia a dia e vou auxiliando no que é possível no

decorrer da semana. O meu acompanhamento delas e dessa forma e uma vez por

mês, quando dá a gente se reúne, como sábado passado, que foi um sábado letivo,

a gente se reúne para fazer o planejamento coletivo, é o momento de conversar, de

ver se está acontecendo alguma coisa que não consegue tá falando todo o dia,

mas tem uma hora que precisa conversar, algum probleminha que está passando

Então e a forma que a gente tem de manter um relacionamento. Graças a Deus é

tranquilo, nós temos 12 professores, dessas 12 só duas estão com um pouco,

como posso dizer, não muito na linha, dentro do que a gente deseja, mas de 12 a

gente falar de duas, que não é nem questão de tirar o professor, mas de aceitar

realmente como funciona a Casa, quais são as regras, e do fazer pedagógico.

Aceitar as mudanças que sejam necessárias.

Entrevistador: E com os alunos, como é o relacionamento pedagógico com o

alunado da Creche Escola?

Entrevistada: É o melhor que tem. Eu sou apaixonada, na verdade, pelos meus

alunos, isso como professora. Na verdade, eu nunca quis ser professora, mas o

destino, existem coisas que a gente não consegue explicar, então eu acabei caindo

na pedagogia e a minha primeira experiência foi com o fundamental 2 e dava aula

de história e geografia, antes mesmo de fazer pedagogia. Mas quando eu finalizei

pedagogia eu fiz um estágio na Escola Varela Santiago, na educação infantil peguei

um berçário. Primeira semana eu não sabia quem chorava mais se era eu ou as

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crianças, mas foi tão bom, tão rica essa experiência que eu me apaixonei, tanto é

que eu já emendei com a educação infantil, sou especialista em educação infantil e

agora estou finalizando outra especialização na área de gestão de pessoas. Então

foi um despertar, a pedagogia despertou em mim ali, naquele berçário e a paixão

pela criança. Para eles e sou bem rígida e séria, mas se u passo no corredor todos

vem me abraçar, falo mas explico o que está acontecendo, não sou aquele rígido

que não abraça. Abraço todo mundo aqui. Se perguntar, eles vão dizer que sou

brava, mas eu tenho um carinho especial por todos e sinto deles esse carinho

também. E o abraço é uma terapia tanto para quem abraça quanto para quem é

abraçado.

Entrevistador: Com relação aos pais dos alunos, eles frequentam a Escola, eles

comparecem para tratar das dificuldades de seus filhos de seus tutelados ou só

quando convocados?

Entrevistada: Só quando convocados. É uma raridade aparecer um pai assim, que

tenha interesse espontâneo no desenvolvimento do filho. Recentemente nos

fizemos uma reunião para a entrega dos boletins das notas do segundo bimestre,

por ser uma tradição da Casa, as reuniões acontecem no domingo por ter sido

escolha dos próprios pais há alguns anos atrás e de 170 famílias se eu não estiver

enganada agora, nós tivemos a presença de 20 pais, é muito pouco, porque são

170 famílias e nessas famílias tem pai, mãe, tio, tia, avó, irmão mais velho, e não

ter um pra representar a criança, fez com que eu tomasse uma medida assim de

última hora, pois na segunda fera que todos os alunos vieram eu mandei um

comunicado pelo alunos para os pais dizendo que na terça feira as crianças só

iriam entrar se os pais viessem porque teve reunião e não vieram, Então na terça

feira só entraram as crianças que os pais tinham vindo e os pais que apareceram

foram entrando, Então na terça-feira fiz uma reunião com 70 pais.

Entrevistador: Então tem de agir de forma coercitiva?

Entrevistada: Infelizmente. Então assim, foi bom de certa forma, porque querendo

ou não eu consegui fazer a reunião, passei para todos os pais. Na quarta-feira,

novamente outra reunião com os pais que apareceram, até a quinta feira, foram três

dias de reuniões consecutivas, porque na terça feira vieram 70, na quarta uns 30,

isso manhã e tarde e na quinta feira foi mais pouquinho, só não vieram cerca de 10

pais, que não compareceram mesmo. Os meninos ficaram uma semana sem entrar,

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posto que na semana seguinte não se poderia continuar com a medida para não

prejudicar as crianças pela atitude dos pais. E dessa forma consegui passar a

mensagem que eu queria passar para os pais. A questão do cuidado de vir à

escola, isso é importante, de olhar a agenda que eles não olham. A criança vai com

uma atividade para casa, volta com a atividade sem ser realizada, então tudo isso,

fora outras coisas, que já não é tanto pedagógico e sim comportamental que

influencia, então a gente falou isso. Então transformou o negativo em positivo. Eu

acredito que a próxima reunião nós teremos uma participação maior.

Entrevistador: Com relação ao PPP. Na minha última reunião com os professores

e a Coordenadora Pedagógica anterior, já faz algum tempo, esse PPP estava em

construção na escola anexadora da Creche Escola e nos nossos estudos nas

nossas conversas com os professores informamos que não existe a necessidade

de dependência na elaboração do projeto. Cada escola é autônoma para criar o

seu projeto político pedagógico. Como está o Projeto Político Pedagógico da

Creche Escola Dr. Adolfo Bezerra de Menezes?

Entrevistada: No momento nós não temos um Projeto Político Pedagógico. Como

disse, no meio do ano passado estava em construção na Escola Maria Rufino,

porém, essa construção que ainda continua, nós teríamos que construir apenas o

regimento, não PPP e nesse regimento está colocada uma cláusula no PPP da

escola Maria Rufino, de que somos uma escola anexa de lá, porém seguimos um

regimento diferente, e no início deste ano em reunião com a secretaria foi nos

passado que nós poderíamos ter o nosso PPP individual que não teria nada haver

entre ser anexadora e anexada. Então a gente teria de construir o nosso PPP,

porém para fazer a construção desse PPP, nós precisamos da participação da

comunidade escolar e também da autorização da Direção. Eu acredito que Dra.

Mércia tenha um certo receio em transforma e escola em uma escola (autônoma),

porque temos todas as condições de ser escola (Autônoma), até pela prefeitura,

pois é uma parceria com a prefeitura. Mas ela está um pouco relutante com relação

a isso. Até a própria secretária (de educação do município) em reunião conosco,

falou que nós poderíamos escrever a escola para que ela se torne independente.

Que era simples e que iria ter a questão de ajuda dos programas federais. Nós

recebemos um repasse da outra escola, mas esse repasse não condiz com a

quantidade de alunos que nós temos e por termos creche (Educação Infantil) as

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verbas para esse segmento são melhores, e para a Maria Rufino não vem posto

que lá não funciona (a Educação Infantil). Então somos praticamente

independentes, porém não temos PPP, eu só fiz a proposta, eu tenho uma proposta

de PPP que eu apresentei no início do ano, mas até o momento não recebi

autorização para colocar em prática a construção dele.

Entrevistador: Com relação aos demais programas, como por exemplo: o livro

escolar, uniformes, merenda. Qual a participação da Coordenação Pedagógica na

utilização desses programas quer no nível municipal, estadual e federal?

Entrevistada: Desses programas nós não recebemos praticamente nada, apesar

de sermos anexos. Com relação aos livros, no início do ano e feita uma relação de

livros dentre os que foram repassados pela secretaria de educação para serem

solicitados junto a coordenação da Escola Maria Rufino, como somos anexos não

tem como a gente pedir diretamente esse material, livro escolar ou qualquer outro

material a nível pedagógico que nós necessitamos. Fiz a solicitação dos livros para

a escola Maria Rufino, e eles não tinham. Os livros que vieram não davam para ser

dividido e o que ela mandou era 60 livros dos quais 30 de artes de primeiro ao

terceiro ano do EF. Como temos três turmas, uma de 1, uma de 2 e uma de 3,

coloquei 10 livros em cada sala de aula para serem trabalhados de forma coletiva,

só os de artes. 20 livros de artes do quarto e quinto ano, também para serem

trabalhados de forma coletiva e 10 livros de matemática do quinto ano, ou seja, não

veio os livros principalmente para o primeiro o segundo e o terceiro, que estão no

ciclo de alfabetização, não tem o auxílio de livro nenhum. Como é o nosso

trabalho? Eu desenvolvi uma grade curricular desde a educação infantil até o quinto

ano de forma que o aluno tenha um avanço, realmente então peguei alguns

referenciais nacionais, os PCN e os RCNEI, e organizei essa grade curricular para

que os professores tivessem uma orientação para que eles não fossem no primeiro

ano e chegassem no terceiro ano estivessem repetindo a mesma coisa. O aluno

precisa avançar realmente, de forma gradual. Fiz essa organização curricular para

os professores e nós temos alguns livros de algumas editoras que servem como

base, então elas, o conteúdo para seres vivos eu tenho alguns exemplares de

primeiro, segundo e terceiro, alguns exemplares recebidos como doação, até de

educação infantil, então a gente vai utilizando esses livros. Necessita de xerox, a

gente tira cópia a quantidade necessária para aquela aula, os professores têm uma

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quantidade (fotocópias) que é pouca, mas é melhor que ficar só no quadro, são

quatro cópias (de atividades) por semana, se a atividade for de meia página então

dá para reproduzir 08 atividades, que a professora tem em mãos como auxílio, já

que não tem o livro. Então foi uma forma que eu encontrei para colaborar. Quanto a

parte de verbas da secretaria no que diz respeito a livros nós não temos nada.

Então quer dizer que as crianças não têm livros didáticos? Isso não tem livros. Não

foram conseguidos esses livros? Não, não. Foi só essa quantidade mesmo, esses

60 livros, o ano passado chegaram alguns livros sobre a economia do RN, eram 40

livros para o quarto e quinto ano, então esses livros ficam na sala e eles trabalham

de forma coletiva. Quer dizer que livros de Português, Matemática, Ciências,

História e Geografia, não tem? Não temos. Nós não temos nem exemplares do

professor, para o senhor ter uma ideia. Os livros que são usados na rede municipal,

nós não tivemos acesso. Com relação a merenda nós recebemos um repasse, até

porque foi uma determinação do Ministério Público, por ser ano político (eleições)

então eles (promotores) fizeram alguns questionamentos e nós falamos o que

estava acontecendo. Então foi determinado que fosse feito o repasse da merenda.

Então toda semana nós recebemos o repasse referente à quantidade de alunos, a

mais ou menos uns três meses que estamos recebendo. Mas antes não

recebíamos esse repasse.

Aqui, ainda é porque esse repasse (R$0,33/d por aluno do EF e R$ 0,57/d por

aluno da EI), não dá para suprir a necessidade da Casa. Então tudo o que nós

utilizamos aqui vem de doação. Por ser filantrópica, então, a alimentação das

crianças, a maioria vem de doação, das parcerias que nós temos. Leila pode ser

mais específica com o senhor em relação a essa parte. Mas para ter o café da

manhã, o almoço o lanche da tarde e a janta, é uma demanda de alimento muito

alta. Mesmo que viesse o recurso federal que vem para as escolas não seria

suficiente para manter essa rotina. Tem criança aqui que a gente sabe que só se

alimentam na escola. E as que passam o tempo integral, que são as que

necessitam de reforço. Infelizmente já não estamos mais com as oficinas que

tínhamos (Capoeira, Bale, Percussão, Violão, Origami) para estudantes (corte-

costura e artesanato) para mães, e decorrência da queda nas verbas nos

programas federais, principalmente o PETI.

Entrevistador: Professora, agradeço a sua colaboração com o nosso trabalho e

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desejamos sucesso na sua ação como coordenadora pedagógica e prometo estar

mais próximo como membro da diretoria da Casa de Caridade para verificar essa

questão de livros escolares entre outros.

Entrevistada: Eu e quem agradeço, obrigado, foi um prazer.