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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Kelsen Nascimento de Oliveira O HABEAS CORPUS NA HISTÓRIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Kelsen Nascimento de Oliveira

O HABEAS CORPUS NA HISTÓRIA DO

DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

CURITIBA

2011

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O HABEAS CORPUS NA HISTÓRIA DO

DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

CURITIBA

2011

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Kelsen Nascimento de Oliveira

O HABEAS CORPUS NA HISTÓRIA DO

DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Dra. Cibele Dias Fernandes Knoerr

CURITIBA

2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

Kelsen Nascimento de Oliveira

O HABEAS CORPUS NA HISTÓRIA DO

DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no curso de Direito da

Universidade Tuiuti do Paraná

Curitiba, 14 de março de 2011.

CURSO DE DIREITO UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ.

Orientadora Profª. Dra. Cibele Dias Fernandes Knoerr. Universidade Tuiuti do Paraná. Professor _________________________ Instituição e Departamento Professor __________________________ Instituição e Departamento

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À Deus pela oportunidade de permitir-me viver

intensamente.

Ao meu filho Lukas, minha mãe Maria, a

memória do meu pai, o estudioso, Bel.

Gumercindo, as minhas irmãs e amigos, por

todo incentivo diante das dificuldades

enfrentadas pelo caminho

Aos professores, pois, indiscutivelmente, foram

os responsáveis pela construção de mais um

operador do direito.

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“Há de se observar, que a liberdade física do indivíduo, equacionada em quase toda sua inteireza no direito de ir, vir e ficar, advém com maior acentuação da igualdade de todos perante a lei, princípio universal, que torna todo homem, indistintamente, sujeito da tutela estatal. Indubitavelmente, a liberdade física do cidadão, que, efetivamente nasceu livre diante da natureza que o acolheu, somente pode ser respeitada quando há regra jurídica a ampará-la. Isso ocorre porque vivendo o homem dentro de um corpo societário, deve, indeclinavelmente, haver regras de conduta a serem observadas para que haja o ideal equilíbrio societário. Ora, se por um lado a liberdade física do ser humano é inquestionável, e a lei deve garanti-la com fundamento na igualdade precedentemente enfocava; por outro deve haver uma limitação àquela liberdade, quando mostrar-se danosa à comunidade em que vive o homem. Portanto, cumpre à lei estabelecer esse equilíbrio de convivência de interesse precipuamente social”.

Heráclito Antônio Mossin

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RESUMO O presente trabalho divide-se em seis capítulos, e tem por objeto a evolução do instituto do habeas corpus no cenário constitucional brasileiro. A pesquisa foi realizada através do processo lógico dedutivo. O habeas corpus tem origem nos interditos proibitórios do direito romano, embora parte da doutrina sustente o ano de 1215, durante a vigência do governo do Rei João Sem terra, em ambos os casos, tem por objetivo a garantia da liberdade individual. Posteriormente o referido writ difundiu-se. No Brasil, o habeas corpus tem origem nas ordenações do reino, como norma jurídica, no Código Criminal do Império, de 1830 e Código Processual Penal, de 1832. O referido writ erige constitucionalmente na Constituição de 1891. Durante a República Velha o instituto serviu como instrumento de proteção da liberdade individual latu sensu até o surgimento do mandado de segurança no ordenamento brasileiro, em meados de 1946. Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, passou a integrar o artigo 5°, petrificou-se nas normas de direitos e garantias fundamentais, tornando-se imutável pelo poder constituinte originário ou derivado. A doutrina prevalente defende que o habeas corpus é uma ação, e seu processo é de natureza constitucional, tendo por objetivo e fundamento a proteção da liberdade de locomoção humana. PALAVRAS CHAVE: Ação; Habeas Corpus; Liberdade Individual; Liberdade de Locomoção; Natureza Constitucional.

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ABSTRACT

This paper is divided into six chapters, and has for its object the development of the Institute of habeas corpus in the Brazilian constitutional scenario. The survey was conducted through logical deductive process. Habeas corpus has its origins in the interdiction of Roman law, although part of the doctrine supports the year 1215, during the term of the government of King John Landless, in both cases, is meant to guarantee individual freedom. Thereafter the said writ spread. In Brazil, habeas corpus has its origins in the ordinances of the kingdom, and rule of law, the Criminal Code of the Empire, and the 1830 Code of Criminal Procedure, 1832. The said writ constitutionally upends the Constitution of 1891. During the Old Republic institute served as an instrument of protection of individual liberty broad sense until the emergence of a writ of mandamus in the Brazilian in mid-1946. With the advent of the Constitution of the Federative Republic of Brazil, from October 5, 1988, became part of Article 5, petrified on the standards of fundamental rights and guarantees, making it immutable by the constituent power of originating or derived. The prevalent doctrine holds that habeas corpus is an action, and its process is constitutional, with the objective and fundamental to protecting the freedom of human locomotion. KEYWORDS: Action, Habeas Corpus, Individual Freedom, Freedom of Movement; Constitutional Nature.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS ............................................................................ 12

2.1 EVOLUÇÃO DO ESTADO ................................................................................... 16

2.2 OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ................................................ 18

2.3 CONSTITUCIONALISMO .................................................................................... 19

2.3.1 Direito à Liberdade ........................................................................................... 25

3 DESCOBRIMENTO DO BRASIL E A MONARQUIA BRASILEIRA ...................... 30

3.1 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO/1824 .......................... 34

3.2 CÓDIGO CRIMINAL DE 1830 E O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DE 1832 .. 40

3.3 O HABBEAS CORPUS NA LEI N° 2.033 DE 1871 ............................................... 42

4 PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA ....................................................................... 44

4.1 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1891 .......................................... 45

4.2 REFORMA CONSTITUCIONAL DE 1926 ............................................................ 49

4.3 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1934 .......................................... 51

4.4 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1937 .......................................... 53

4.5 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1946 .......................................... 55

4.6 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1967 E EMENDA

CONSTITUCIONAL DE 1969 .................................................................................... 56

5 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ........................................... 59

5.1 A LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO, OBJETO DO HABEAS CORPUS ................. 59

5.2 NATUREZA JURÍDICA ........................................................................................ 61

5.3 CONDIÇÕES DA AÇÃO DE HABEAS CORPUS ................................................. 63

6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 66

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 71

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo apresentar o estudo do habeas corpus sob a

ótica histórica do seu surgimento na doutrina e no ordenamento jurídico pátrio, está

dividido em seis capítulos, e suas respectivas subdivisões. A realização do presente

trabalho científico preconizou a pesquisa bibliográfica através de obras pertencentes

ao campo do direito e outras, pertencentes aos demais ramos do conhecimento

erudito. A escolha e seleção das obras adotaram o princípio da fundamentação

filosófico-jurídica, necessária para a conclusão dos objetivos predeterminados por

ocasião do projeto da pesquisa científica. O processo de pesquisa utilizado foi o

lógico-dedutivo, partindo-se de conceitos históricos determinantes, objetivando

demonstrar a evolução histórica do instituto do habeas corpus no direito brasileiro.

O primeiro capítulo tem por objetivo observar a organização jurídica dos

povos antigos, a formação dos Estados de Direito, com ênfase no direito romano. A

realização da pesquisa demonstrou a necessidade de aprofundar as raízes dos

direitos e garantias individuais, principalmente em decorrência dos movimentos

revolucionários Francês e Inglês do século XVII. Acentua-se a importância dos

movimentos constitucionalistas, fortemente alicerçados nos princípios da dignidade

da pessoa humana e da liberdade individual. Observa-se que muitos autores

defendem o surgimento do habeas corpus com o advento da Carta Magna de 1215,

embora existam precedentes históricos intrínsecos nas culturas ocidentais anteriores

à este período.

A perspectiva do segundo capítulo aborda o descobrimento do Brasil e a

forte influência da cultura Portuguesa, a qual estabeleceu o seu regime jurídico no

Brasil Colônia, fato que permaneceu até meados da proclamação da independência,

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às margens do Ipiranga. O habeas corpus surge no direito brasileiro com o advento

do Código Criminal de 1830 e Código de Processo Penal de 1832, contudo, suas

raízes encontram-se nos interditos proibitórios, oriundos do direito romano.

Doutrinariamente creditam-se o surgimento do writ nas legislações do império,

antecedentes aos diplomas legais supramencionados, as quais regularam o devido

processo legal e os direitos e garantias da pessoa humana, isto posto, decorrente da

influência dos movimentos revolucionários na Europa, trazidos tardiamente no Brasil.

Assim, enquanto uma diversidade de países já gozava de direitos e garantias

individuais, trazidas por ocasião do liberalismo, o Brasil imperial encontrava-se ainda

em estado letárgico, iniciando os primeiros passos em direção aos meios de

proteção dos os direitos e garantias individuais.

O terceiro capítulo observa a sintonia do direito brasileiro em relação à

doutrina do habeas corpus com a evolução do instituto nos demais países, por

ocasião da Proclamação da República, e com o advento da primeira Constituição,

datada de 1891, constitucionaliza-se o referido instituto. Observa-se que a doutrina

pátria em relação ao writ depende de evolução doutrinária, ora o instituto confunde-

se com o mandado de segurança servindo como instrumento para tal disposição

jurídica.

Somente com o advento da Constituição de 1946 é que o habeas corpus

resgata os seus reais objetivos clássicos, ratificando a sua natureza constitucional

de garantia da liberdade de locomoção, assim, após ter sido constitucionalizado o

mandado de segurança, para assegurar os demais direitos de liberdade individual, o

habeas corpus torna-se o elemento específico para a garantia da liberdade de

locomoção. Embora a República tenha observado diversos processos de mudança

política, ultrapassado períodos de desordem social, ditadura militar, o instituto do

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habeas corpus atinge o status de norma constitucional pétrea contida no artigo 5° da

Constituição da República Federativa do Brasil, datada de 5 de outubro de 1988.

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2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS

Osvaldo Rodrigues de Souza (1972, p. 6-8) explica que, observando-se os

aspectos gerais da civilização, admite-se que: “A História é um suceder contínuo em

que os acontecimentos estão relacionados entre si”. Para o autor, a sociedade atual

é o resultado de diversos acontecimentos, dentre todos estes acontecimentos o

autor destaca o nascimento de Cristo e o início da era Cristã, contudo,

acontecimentos precedentes ao surgimento do cristianismo influenciaram fortemente

a cultura da sociedade atual, como as civilizações hebréias, gregas, egípcias, e

outras civilizações pertencentes ao ocidente e orientais.

Seguindo esse mesmo entendimento Antônio José Borges Hermida (1973,

p. 5), explica que: “Nos tempos antigos, quando o poderoso povo romano dominou

toda a Europa, havia a Península Ibérica, atualmente formada por Portugal e

Espanha, uma região chamada Lusitânia”.

Em virtude de o Império Romano ter se instalado por toda a Europa, a

sociedade ocidental sofreu forte influência dos hábitos e da cultura romana, e de

outros povos que dominaram a Europa, essencialmente, na organização social e

política, a qual se assemelha às origens das Cidades-Estado Gregas, contudo, o

estudo do direito baseia-se fundamentalmente nas vertentes do Direito Romano, o

qual sofreu forte influência do cristianismo na Europa.

Santo Agostinho (2006) ratifica a importância da inspiração divina na

hermenêutica jurídica:

Criaste o corpo do artista, a alma que governa seus membros, a matéria que ele plasma, a inspiração que concebe e vê interiormente o que executará exteriormente. Deste-lhe os órgãos dos sentidos, intérpretes pelos quais materializa as intenções de sua alma; informam o espírito do que fizeram, para que este consulte a verdade, o juiz interior, para saber se

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é obra boa. Tudo isto te louva como criador de todas as coisas. (AGOSTINHO, 2006, p. 261)

Segundo o autor, as decisões devem observar a inspiração advinda do

criador, situação corrente também no Direito Romano.

João Carrozzo (1977, p. 11) explica que, embora no Direito Romano

existisse o jus divinum e o jus humanum – direito divino e direito romano: “sabido é

que em seus primórdios a aplicação do direito cabia aos Pontífices, supremos

ministros da religião”.

A evolução do Direito Romano acompanhou a evolução da sociedade,

principalmente em relação às Cidades-Estado. De acordo com o autor, a influência

religiosa no Direito Romano foi sensível, mas, de fundamental participação para a

evolução do cenário jurídico no Império Romano. Inicialmente a aplicação do direito

era de responsabilidade dos sacerdotes, os quais mantinham secretos os princípios

jurídicos aplicáveis à época, esta ação privilegiou a casta religiosa até meados do

século IV a. C, quando foram levados a público, por Gnêo Flávio – Secretário do

Pontífice Ápio Cláudio – os princípios e o estudo do direito.

Nehemias Domingos de Melo (2007, p. 4) defende que a busca pela

igualdade social entre as classes da sociedade romana representou um grande

avanço no ordenamento romano: “a lei das XII Tábuas foi editada como resultado da

luta por igualdade levada a cabo pelos plebeus em Roma”.

Nesse mesmo diapasão João Carrozzo (1977, p. 17) ensina:

Entre os Romanos como entre os Gregos, nas origens nacionais, o direito não se apresentava escrito. Pouco divulgadas eram as letras, poucos eram os letrados. Consequentemente o direito transmitido pelo uso, era oral (como oralmente eram transmitidas todas as leis e princípios que dominaram sempre os povos selvagens e bárbaros). Destarte o direito escrito se fixa em Roma com as Leis das Doze Tábuas e à medida que o tempo avança passa o direito a ser constituído pelas leis, plebiscito, senatus consultos, editos dos magistrados (prudentes). (CARROZZO, 1977, p. 17)

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Segundo o autor, o direito não escrito era conservado pelos costumes,

contudo, um dos principais aspectos situa-se na existência de uma divisão entre

direito público e privado: “A presença de uma organização política – o Estado – e

uma massa humana – o povo – forçosamente deveriam derivar em direitos, ou seja,

normas de conduta específica. Daí o jus publicum e o jus privatum” (CARROZZO,

1977, p. 18). Embora existisse uma divisão entre os dois ramos do direito – público e

privado – havia uma invasão progressiva do direito público no direito privado.

Embora existisse uma liberdade individual, esta sofria limitações de ordem jurídica

visando à harmonia social, assim:

Destarte, torna-se o homem livre de poder praticar os atos que lhe interessam desde que não perturbe igual poder de seus semelhantes na sociedade. Eis que, o lícito e correto no meio social é a imperturbável harmonia que deve reinar na sociedade, harmonia que naturalmente delimita as esferas iguais de liberdade de todas as demais pessoas componentes do meio social (CARROZZO, 1977, p. 20).

Embora João Carrozzo admita existir no Direito Romano uma Constituição

baseada nos valores e princípios da sociedade romana, um dos principais aspectos

da proteção de direitos situa-se na seguinte definição proposta pelo autor: “Para o

romano, pois, “pessoa” e “homem” são conceitos diferentes. “Pessoa” é o ser

humano acompanhado de atributos positivos que nele revelam qualidades jurídicas,

que o tornam sujeito de direito” e finaliza “pessoa é noção puramente jurídica, a não

confundir com homem” (grifo meu). Segundo o autor, somente os cidadãos romanos

possuíam personalidade jurídica, assim, os escravos – e sujeitos em condições

similares – não possuíam a condição de pessoa, contudo, eram titulares de

determinados direitos e garantias, previstos no Direito Romano (CARROZZO, 1977,

p. 65).

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O estudo do Direito Romano é de importante conteúdo para o estudo do

Direito, neste sentido Nello Andreotti Neto:

Estudar Direito Romano é conhecer treze séculos de evolução dentro do Império Romano, desde a fundação de Roma até Justiniano, além de quase quinze séculos após o Dominato. Séculos e séculos de história do Direito, de evolução, de grandiosidade e de valor. (ANDREOTTI NETO, 1971, p. 10)

Outro aspecto apontado pelo autor situa-se no campo das origens do direito

positivo: “O Direito natural gerou o Direito positivo, entretanto, embora o direito

natural seja universal, diferencia-se do Direito Positivo na sua aplicabilidade, que

varia de Estado para Estado, e de época para época” (ANDREOTTI NETO, 1971, p.

45).

Montesquieu explica que:

Antes de todas essas leis, há leis de natureza, assim designadas porque decorrem unicamente da constituição de nosso ser. Para conhecê-las bem, é necessário considerar o homem antes do estabelecimento das sociedades. As leis da natureza serão as que ele receberia em um estado assim. (MONTESQUIEU, 2002, p.19)

No Direito Romano Nello Andreotti Neto(1971, p. 45) Neto defende ter

existido a proteção dos direitos naturais absolutos – vida, liberdade, locomoção –

contudo, limitados aos cidadãos romanos e às pessoas livres. A grande contribuição

do Direito Romano, na esfera de proteção dos direitos naturais absolutos, foi o

reconhecimento da natureza humana: “A manifestação jurídica é uma consequência

da convivência humana”. Com base neste fundamento Nello Andreotti Neto (1971, p.

45) explica que o Direito Natural é “um direito que deve existir independente de

qualquer regra imposta às pessoas pelo constrangimento pessoal organizado. O

Direito Natural, destarte, existiu a partir do momento em que apareceu o homem”.

Assim, de acordo com o autor, além da construção de importantes princípios do jus

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civille, o Direito Romano contribuiu fortemente na construção de princípios

relacionados à proteção de direitos e garantias individuais do homem.

2.1 EVOLUÇÃO DO ESTADO

Aristóteles (2002, p. 15) defende que: “o Estado está na ordem da natureza

e antecede ao indivíduo [...] a justiça é a base da sociedade”. Segundo explica o

autor, o Estado antecede ao homem na ordem natural, visto que o homem não é

suficiente em si mesmo, sendo natural que os homens se associem em virtude de

suas necessidades fundamentais. O fato de o Estado anteceder ao homem na

ordem natural não significa a supressão de direitos e garantias individuais, pois a

função primordial do Estado é a de prover as necessidades do ser humano e tem

por fundamento a proteção daqueles direitos: “o que, especificamente, diferencia o

homem é que ele sabe distinguir o bem do mal, o justo do que não o é, e assim os

sentimentos dessa ordem cuja comunicação forma exatamente a família do Estado”.

Assim, o direito de uns não pode prevalecer sobre o de outros, contudo, os

interesses do Estado, podem suprimir os direitos individuais quando a prevalência

de interesses coletivos seja necessária para o resguardo da ordem pública: “Na

ordem natural, o Estado antepõe à família e a cada indivíduo, visto que o todo deve,

obrigatoriamente, ser posto antes da parte” (ARISTÓTELES, 2002, p. 14).

Com o avanço do comércio e a evolução das sociedades, ocorre uma

ruptura do sistema político adotado à época do Feudalismo, neste sentido Faria

(FARIA, 1989, p. 19): “A crise do feudalismo ocorre a partir das revoltas camponesas

geradas pela superexploração e se agrava devido à ação destruidora do

crescimento da atividade comercial”. O principal aspecto da ruptura do sistema

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feudal dá-se em virtude do domínio da nobreza, a qual permanece até os séculos

XV e XVI,em virtude do acúmulo de riquezas:

É imprescindível não perder de vista que o emergente Estado moderno, que toma a forma de Monarquia Nacional, representa a exigência de uma regulamentação jurídica para os conflitos sociais que se desenvolviam. Esse Estado, cuja evolução culmina no Estado Absolutista, continua sendo a expressão da hegemonia da nobreza que, através da reorganização estatal, reforça sua dominação sobre a massa camponesa (FARIA, 1989, 19).

Segundo o autor, foi a exploração, dos camponeses pela burguesia, o fator

determinante das mudanças ocorridas entre os séculos XV e XVII – período que

corresponde à ruptura do sistema feudal, o movimento renascentista, o surgimento

do mercantilismo e a revolução industrial. Os ideais de liberdade, igualdade e

fraternidade, surtos neste mesmo período, corroboraram no surgimento do

movimento constitucionalista, cujo contemplava a garantia dos direitos e garantias

individuais do homem, os quais foram gradativamente reconhecidos e ampliados

pelas sociedades conseguintes.

O professor Dalmo Dallari (2005, p. 78) explica que com o advento da

Revolução Francesa ocorre a redução dos poderes do soberano – monarquia

absolutista – devendo este realizar exigências iguais a todos os seus súditos,

contudo, no combate à monarquia absoluta destaca-se a participação da burguesia:

O poder soberano, completamente absoluto, sagrado e inviolável, não ultrapassa nem pode transgredir os limites das convenções gerais. A regra básica da limitação é que o soberano não pode sobrecarregar os cidadãos de coisas inúteis à comunidade e tampouco pode exigi-las, devendo, finalmente, fazer exigências iguais a todos os súditos. No combate à burguesia contra a monarquia absoluta, que teve seu ponto alto na Revolução Francesa, a ideia da soberania popular iria exercer grande influência, caminhando no sentido de soberania nacional, concebendo-se à nação como o próprio povo numa ordem. (DALLARI, 2005, p. 78)

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Esses movimentos ascenderam em diversas regiões, e impulsionaram o

surgimento do Estado de Direito, regulado pelo ordenamento jurídico constitucional,

o qual impõe limites à atuação do Estado. O Estado de Direito, segundo o autor,

pauta-se na proteção e garantia dos direitos individuais e no respeito à dignidade da

pessoa humana, e essencialmente organiza os poderes do Estado de modo a definir

os limites de sua atuação na esfera do interesse e do patrimônio públicos.

2.2 OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Analisando o entendimento de Paulo Bonavides citado Paulo Márcio Cruz

(2002), observa-se que:

Do século XVIII ao século XX, o mundo atravessou duas grandes revoluções – a da liberdade e, a da igualdade – seguida de mais duas, que se desenrolaram debaixo de nossas vistas e que estalaram durante as últimas décadas. Uma é a revolução da fraternidade, tendo por objeto o homem concreto, a ambiência planetária, o sistema ecológico, a pátria universo. A outra é a revolução do Estado social em sua fase mais recente de concretização constitucional, tanto da liberdade como da igualdade. (BONAVIDES, citado por CRUZ, 2002, p. 19)

O autor Paulo Marcos Cruz, utilizando os fundamentos de Paulo Bonavides,

explica que a evolução dos direitos e garantias individuais assevera a observância

das conquistas obtidas pela sociedade em virtude da supressão de seus direitos

pelos abusos cometidos pelas autoridades detentoras do poder do Estado.

Os direitos e garantias são fundamentais asseveram a observância da

evolução da sociedade, Vicente Paulo e Alexandrino (2009, p. 37-38), dividem os

direitos fundamentais em três gerações: a primeira corresponde ao princípio da

liberdade, e correspondem aos direitos civis e políticos; a segunda geração

representa os direitos econômicos, sociais e políticos; a terceira corresponde aos

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direitos ambientais, de consumo, à autodeterminação dos povos, ao progresso e

desenvolvimento e o patrimônio comum da humanidade, e explicam que: “É

interessante constatar que o núcleo da esfera de proteção dos direitos fundamentais

de primeira, segunda e terceira gerações correspondem ao lema da Revolução

Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade” (PAULO e ALEXANDRINO, 2009, p.

38). Na atualidade, parte da doutrina considera o patrimônio genético e a bioética,

uma nova geração de direitos fundamentais.

2.3 CONSTITUCIONALISMO

Segundo Paulo Vicente e Alexandrino:

Denomina-se constitucionalismo o movimento político que concebeu e aperfeiçoou a idéia de estruturação racional do Estado e de limitação do exercício de seu poder, concretizadas pela elaboração de um documento escrito, destinado a representar sua lei fundamental e suprema. (PAULO e ALEXANDRINO, 2009, p.1)

Para os autores, o constitucionalismo identifica-se com o surgimento da

Constituição dos Estados Unidos de 1787 e da Constituição Francesa de 1791, as

quais foram inspiradas nos ideais iluministas do século XVIII, marcadas pelas idéias

centrais do Liberalismo – político, econômico e jurídico – dos séculos XVIII, XIX e

XX. Inicialmente o movimento constitucionalista preocupava-se com a organização e

a imposição de limites aos poderes do Estado e posteriormente torna-se o

instrumento de proteção dos direitos humanos.

Cruz, nesse mesmo sentido, explica que:

O Direito Constitucional aparece num momento histórico determinado e com uma finalidade muito clara. Confrontando com o que ocorrem com outros ramos do Direito, alguns deles com muita tradição na Sociedade ocidental,

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como o Direito Civil, o conjunto de normas jurídicas que caracteriza o Direito Constitucional é relativamente recente, com seu início podendo ser fixado nos documentos da Revolução Inglesa (Bil off Rigths, 1689). Com maior relevância quanto à criação de modelos seguidos por outros países, são também relevantes a Revolução Norte-Americana e a Revolução Francesa. (CRUZ, 2002, p. 27)

O principal objetivo do movimento constitucionalista surgiu em virtude de

circunstâncias históricas específicas, tendo como principal finalidade, a de “limitar os

poderes do Rei e acabar com a Monarquia Absoluta”, explica Cruz (2002, p. 27).

Contudo, admite-se que determinados instrumentos jurídicos mais remotos possuam

semelhança com o movimento constitucionalista – Constitucionalismo Antigo,

Constituição Romana ou Medieval – entretanto, defende o autor que, em se tratando

de normas constitucionais admite-se: “são um setor do Direito, objeto de estudo em

separado, sendo também as que; dão lugar à dualidade típica do Direito

Constitucional, enquanto este pretenda assegurar simultaneamente, liberdade e

ordem ou igualdade” (CRUZ, 2002, p. 29).

Embora alguns autores entendam que o surgimento do constitucionalismo

ostenta valores da sociedade hebraica e da grega, e outros, com a queda do Império

Romano, Dallari (2005, p. 198), aponta que a máxima expressão do Estado

Constitucional corresponde à ruptura do sistema político do período medieval: “o

constitucionalismo, assim como a moderna democracia, tem suas raízes no

desmoronamento do sistema político medieval, passando por uma fase de evolução

que iria culminar no século XVIII, quando surgem os documentos legislativos a que

se deu o nome de Constituição” (grifo do autor).

Durante o período feudal, havia forte influência religiosa nas questões do

Estado, neste sentido Antônio Mossin:

Ao longo da história da humanidade, inconcussamente, foi o cristianismo quem mais valorizou a pessoa humana, por concebê-la como criação de

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Deus, porém, não conseguiu fazer com que legalmente direitos individuais fossem respeitados. Pelo contrário, no curso da Idade Média, a Igreja foi a grande violadora dos chamados direitos humanos. (MOSSIN, 1999, p.16)

Observando este estudo, acima apontado, verifica-se que o cristianismo

contribuiu para o fortalecimento dos direitos e garantias individuais, contudo, a

ingerência da igreja nos interesses do Estado, culminou na contaminação da religião

com os interesses políticos do Estado. Os interesses não eram antagônicos, mas

convergentes, e, embora controversos, o Poder da Igreja fundia-se com o Poder do

Estado, muito embora diferissem em essência, e tinham in tese, propósitos

similares, dentre eles: o acúmulo de riquezas e o domínio de terras. A Igreja

fortalecida pelo Estado, e este fortemente influenciado pelos sacerdotes, imputavam

aos cidadãos uma redução ainda mais drástica dos direitos e garantias individuais,

com fundamento na fé e a soberania do Estado.

Antônio Macedo Campos argumenta que:

As Constituições já eram conhecidas desde a antiguidade grega e, muito embora sem o rigor técnico de hoje, em Creta, Atenas e Esparta, através de seus legisladores, Minos, Sólon e Licurgo, já se tinha uma exata noção das possibilidades da existência de uma ordem jurídica, calcada em princípios estabelecidos através de leis, pela vontade do povo. Seriam, em última análise, os primeiros passos do Direito Constitucional traçando normas para as Constituições, ainda incipientes. (CAMPOS, 1987, p. 29)

Segundo o autor, durante a idade média pouco se depreende dos estudos,

sendo considerado por muitos doutrinadores um período obscuro para o Direito

Constitucional, cita o Floral de Leão, elaborado em 1188, entre D. Afonso IX e os

nobres, como um dos poucos documentos que continham alguns princípios,

contudo, o documento possuía a forma de contrato. Para o autor, a primeira

Constituição surgiu em 1215, na Inglaterra:

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A verdadeira história do Direito Constitucional tem origem na Inglaterra quando o rei Ricardo, cognominado Coração de Leão, em 1215 retorna das cruzadas e destrona, com auxílio do povo, seu irmão João Sem Terra, que durante a ausência lhe havia usurpado o trono. Reúne o chamado Conselho dos Barões, surgindo então a primeira Constituição, na qual, aquilo que hoje chamamos de direitos e garantias individuais, teve lugar preponderante (MACEDO, 1987, p. 29).

Macedo relata ainda que, no ano de 1222, os Húngaros também elaboraram

uma Constituição, a qual recebeu o título de Bula de Ouro. Após este período o

Direito Constitucional permaneceu inerte até meados do século XIII, onde, por

influência do desenvolvimento cultural, passa a ser escrito com a técnica até hoje

conhecida. Sustenta ainda o autor, que se destacam dois fatores históricos – a

Guerra da Independência Norte Americana e a Revolução Francesa – que

impulsionaram o Direito Constitucional Positivo e que coadunou o surgimento das

Constituições Norte Americana e Francesa.

E prossegue denotando: “Bastará apenas que se saiba que a temática não é

nova e que há três mil anos, legisladores, filósofos e até estadistas menos

conhecidos já se preocupavam com a forma de dirigir o Estado sem ferir os direitos

do homem”. (CAMPOS, 1987, p.30)

Para Dalmo Dallari (2005, p. 199), o constitucionalismo surgiu em 1215,

período em que o Rei João Sem Terra, por consequência de seus abusos de poder,

sofreu a imposição de limitações de ordem legal. O movimento foi impulsionado

pelos barões ingleses que, clamavam pelo respeito aos direitos individuais como

fundamento do exercício do poder, um Parlamento independente responsável pela

criação de leis e pela supremacia das decisões do Poder Judiciário, devendo o Rei,

submetendo-se às leis e ao Poder Jurisdicional, proteger os direitos naturais

inalienáveis: “Aí estão os três grandes objetivos, que, conjugados, iriam resultar no

constitucionalismo: a afirmação da supremacia do indivíduo, a necessidade de

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limitação do poder dos governantes e a crença quase religiosa nas virtudes da

razão, apoiando a busca da racionalização do poder” (grifo do autor).

O autor explica que: “embora a primeira Constituição escrita tenha sido a do

Estado de Virgínia, de 1776, e a primeira posta em prática tenha sido a dos Estados

Unidos da América, de 1787, foi a Constituição francesa, de 1789/1791, que teve

maior repercussão” (DALLARI, 2005, p. 199). Assim, observa-se que, a Constituição

americana fundou-se nos mesmos objetivos arraigados pelo movimento

constitucionalista europeu, contudo, argumenta que a constituição norte-americana

sofreu forte influência francesa, embora nesta, admite o autor, verifica-se maior

influência do racionalismo, e por este motivo, considera-se a Constituição francesa

de 1789/1791 sob o prisma da universalidade.

Dante Busana (2009, p. 7), a respeito do constitucionalismo, argumenta que:

A evolução constitucional que conduz à democracia desenvolve-se por etapas e obedece às peculiaridades de cada época e de cada povo. Na Inglaterra, a primeira etapa caracterizou-se pelas lutas entre o rei João Sem Terra e os grandes do reino (barões feudais e o clero) e culminou na Magna Carta, documento que os séculos futuros fariam transcender ao conflito que lhe deu origem e erigiriam em símbolo da liberdade individual.

Segundo explica o autor, João Sem Terra tornou-se rei em 1199, embora

questionado a respeito de sua legitimidade pela corte, em virtude de ter sido

considerado suspeito pela morte de outros sucessores do trono. Dante Busana

explica que, as terras inglesas da época encontravam-se sob o domínio francês e os

seus reis estavam submissos ao império de Felipe Augusto, rei da França. Em

virtude dos fatos que envolvem a sucessão do trono inglês, após ter sido citado por

Felipe Augusto, João Sem Terra recusou-se a comparecer diante do rei da frança

em virtude da negação de salvo-conduto, que lhe assegurasse o retorno à Inglaterra.

O Rei Francês, por sua vez, declarou João Sem Terra culpado das acusações,

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tendo considerado o Rei da Inglaterra culpado por traição à coroa francesa. Em

virtude destes fatos Felipe Augusto declarou guerra contra João Sem Terra: “A

derrota abalou o prestígio de João” (Dante Busana, 2009, p. 7). Durante o período

de guerra João Sem Terra exigia tributos excessivos de seus súditos, que, diante da

negação das exigências da corte sofriam sanções, que admitiam desde a privação

do direito de liberdade à pena capital:

Os barões, toda via, não se intimidaram, apesar de bula papal apoiando João, e grande parte da igreja da Inglaterra ficou ao seu lado. Ao expirar a trégua, reuniram suas forças (cerca de 1.000 homens) e marcharam em direção ao Tamisa. Em 5 de maio de 1215, retiraram formalmente a lealdade ao rei e, no dia 17, Londres lhes abriu as portas (Dante Busana, 2009, p. 9).

Diante da revolta, João obrigou-se a ceder às exigências dos barões e os

termos do acordo, o qual foi firmado através de compromisso selado, recebendo o

título de Magna Carta, que, após dois meses de vigência, foi declarada nula, pelo

clero, por ter sido fruto de coação: “Pequena foi sua eficácia como garantia de

liberdades populares na idade média, pois, pacto entre o rei, os barões e o clero,

apenas prometia alguma proteção aos “homens livres”, isto é, àqueles cuja condição

fosse superior a de vilão” (Dante Busana, 2009, p. 9), assim:

Menos exato, finalmente, que nela esteja a origem do habeas corpus. Na Carta Magna, não há qualquer referência ao writ, que na primeira parte do século XIII não passava de simples ordenança processual civil, não destinada à tutela da liberdade de locomoção (Dante Busana, 2009, p. 9).

Diante dos argumentos do autor, convém observar que, muito embora a

Carta Magna não tenha feito qualquer referência ao Habeas Corpus, dela extraem-

se diversos elementos de proteção aos direitos e garantias individuais, dentre eles, o

autor cita o devido processo legal, assim, a privação da liberdade submete-se à

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existência de causas jurídicas suficientemente permitidas pelo direito

consuetudinário. Muito embora os direitos expressos na Carta Magna tivessem

aplicabilidade somente aos homens livres, com o passar dos tempos os direitos

foram estendidos a todos os membros da sociedade inglesa (Dante Busana, 2009,

p. 10).

Heráclito Antônio Mossin (1999, p. 11) explica que os gregos não possuíam

direitos individuais contra o Estado, o qual era soberano, devendo os indivíduos

subordinar-se a ele. No Direito Romano, verifica-se a maior evolução do Direito,

contudo, os indivíduos subordinavam-se aos interesses do Estado, não se

verificando direitos individuais frente aos interesses deste. Para o autor, na

Inglaterra, com a Magna Carta Libertatum, de 15 junho de 1215, foram insculpidos

os primeiros princípios relacionados aos direitos individuais.

2.3.1 Direito à Liberdade

Para Cruz (2002, p. 29), à primeira vista, “a defesa da liberdade individual,

numa comunidade politicamente organizada, aparece como objeto definidor das

normas de Direito Constitucional”. Este entendimento doutrinário admite que o

núcleo do Estudo do Direito Constitucional não se polariza somente na esfera da

liberdade individual, nem tem seu objeto esgotado no campo dos direitos e garantias

fundamentais. O Direito Constitucional assevera o estudo da organização do Estado

e das limitações impostas em decorrência de sua atuação na esfera das funções

públicas. Todavia, tanto o direito à vida como o direito à liberdade – e todos os

demais direitos fundamentais – possuem importância axiológica idêntica.

Paulo Vicente e Alexandrino fundamentam que:

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Os primeiros direitos fundamentais têm o seu surgimento ligado à necessidade de se impor limites e controles aos atos praticados pelo Estado e suas autoridades constituídas. Nasceram, pois, como uma proteção à liberdade do indivíduo frente à ingerência abusiva do Estado. (PAULO e ALEXANDRINO, 2009, p.35)

Seguindo esta mesma linha de raciocínio os autores explicam que:

“Compreende não só a liberdade física, de locomoção, mas também a liberdade de

crença, de convicções, de expressão de pensamento, de reunião, de associação,

etc.” (Vicente Paulo e Alexandrino, 2009, p. 47).

Seguindo esta concepção de liberdade, convém mencionar o Habeas

Corpus, considerado como o principal instrumento de proteção ao direito de

liberdade em sentido estrito – cujo instituto representa o objeto desta pesquisa

científica, tendo por máxima a observância de sua evolução no Direito Constitucional

Pátrio desde as primeiras constituições até a Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988. Convém mencionar que Paulo Vicente e Alexandrino (2009, p. 83)

apresentam a seguinte definição em relação ao instituto do habeas corpus: “O

habeas corpus é o remédio a ser utilizado contra ilegalidade ou abuso de poder no

tocante ao direito de locomoção, que alberga o direito de ir, vir e permanecer do

indivíduo”. A aplicação do Habeas Corpus em outros segmentos do direito pátrio –

fora da órbita do direito penal – apresenta-se remota, porém, sua eficácia e

admissibilidade têm sido objetos de grandes discussões doutrinárias, as quais serão

apresentadas oportunamente nos capítulos subsequentes desta pesquisa científica.

Dante Busana (2009, p. 10) explica que ao final do período feudal, “após

quatro séculos de Carta Magna”, era o povo quem lutava para submeter o poder do

rei à lei. Severas imposições tributárias foram impostas, em virtude da manutenção

do poder sobre o território e, devido existirem oposições às contribuições, foram

determinadas diversas prisões arbitrárias não tendo sido conhecidos os pedidos de

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habeas corpus: “Nenhuma causa foi declarada, senão que estavam encarcerados

por mandado especial de Sua Majestade, expedido pelos Senhores de seu

Conselho Privado” (Busana, 2009, p. 11). Embora existente o pedido de habeas

corpus, não havia conhecimento da causa em virtude do poder absoluto do rei, o

qual se encontrava acima do Poder Jurisdicional. Em 1628, após deliberação do

Parlamento Inglês e o entendimento dos juristas da época, conclui-se que: “podia

ser reparada pelo habeas corpus a violação de liberdade individual qualquer que

fosse a autoridade coatora” (Busana, 2009, idem). De acordo com o autor, o final da

fase intermediária do direito constitucional observa a Declaração de Direitos – Bill of

Rights de 1689 – a qual tornou explícitas as liberdades individuais, surtas na

Inglaterra, e os princípios fundamentais do direito constitucional. A Declaração de

Direitos surgiu após a lei do habeas corpus, contudo, não exerceu influência na

evolução do citado writ (Busana, 2009, idem).

Segundo Dante Busana (2009, p. 16), o habeas corpus emergiu no cenário

jurídico por interesse do Parlamento Inglês, com o advento do Habeas Corpus

Amendment Act, de 26 de maio de 1679, com o intuito de limitar os abusos

cometidos pelos membros da Corte, explica o autor que o citado instituto existia

como instrumento de proteção na esfera criminal, não sendo cabível em causas de

outra natureza: “Desde 1758, a lacuna preocupava o Parlamento, que cogitava de

estender o habeas corpus a essas hipóteses, o que só veio a ocorrer com o Habeas

Corpus Act, de 1º de junho de 1816”. Para o autor (apud in Bernardt Delingnièrs), o

writ adquiriu a natureza, forma e amplitude, vigentes até a presente data, tendo

apenas sofrido alterações de procedibilidade em decorrência do Administration of

Justice Act, de 1960, não sofrendo modificações em sua essência (Dante Busana, p.

16-17).

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Heráclito Antônio Mossin (1999, p. 11) explica que, a defesa do ius libertatis

individual, foi insculpido no Direito Inglês em 1816, fortalecido pelo idealismo,

contudo, o writ of habeas corpus constitucional advém do princípio: “No person shall

be deprived of life, liberty or property, without due process Law” – Nenhuma pessoa

será condenada à morte, nem privada de sua liberdade ou propriedade, sem o

devido processo legal – insculpido na Constituição Norte Americana, de 1791.

Para Mauro Cunha e Roberto Geraldo Coelho Silva (1985, p. 27-28), o

estudo do habeas corpus aponta sua origem na Carta Magna, assinada por João

Sem Terra, datada de 1215, admitindo-se precedentes históricos como a velha Carta

de Henrique I, datada de 1180 além de outros documentos como o interditos do

direito romano dentre eles o de homine libera exhibendo. Muito embora a Carta

Magna de 1215 tenha sido um dos títulos de grande importância, esta foi anulada

através da bula papal de Inocêncio III a 24 de agosto de 1215, tendo sido

restabelecida por intermédio do monarca Henrique III, sofrendo modificações em seu

texto datadas de 1217 e outras alterações sucessivas até o ano de 1225, o citado

título vigorou efetivamente somente em 1298, quando Eduardo I exarou ato

confirmatório que culminou na vigência e eficácia da Magna Carta. Outro título

também mencionado por diversos doutrinadores aponta Carlos I, que em 1628,

determinou a prisão de Strafford e outros nobres, os quais viram-se obrigados a

elaborar a petition of rights a qual obteve êxito somente em 1679, quando da edição,

pelo Parlamento do Habeas Corpus Act, admitida por muitos, como a segunda Carta

Magna.

Segundo os autores, a verdadeira história da origem do habeas corpus

admite imprecisões “ficando ao alvedrio de cada escritor realçar este ou aquele

aspecto do instituto a sua origem”, contudo ratifica o entendimento de que: “fossem

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quais fossem os remédios jurídicos protetores da liberdade do indivíduo que teriam

precedido os writs da velha Inglaterra, foi neles que se cristalizaram e se

aperfeiçoaram os elementos configurativos da proteção dos direitos da pessoa”

(CUNHA E SILVA, 1985, p. 29-30).

De acordo com Pontes de Miranda (1951, p. 23) “habeas corpus eram as

palavras iniciais da fórmula no mandado que o Tribunal concedia, endereçado a

quantos tivessem em seu poder, ou guarda, o corpo do detido”. O objetivo do writ

era o de obstar a violência ao acusado e a coação ilegal, deste modo, a autoridade

solicitava que o acusado fosse apresentado ao juízo para que fosse providenciada a

análise do pedido e as circunstâncias da prisão, respeitado o devido processo legal.

Segundo o autor, o habeas corpus tem seu surgimento na Inglaterra, não podendo

ser afirmado com precisão o período de seu surgimento, contudo, academicamente,

têm-se como baliza o período do surgimento da Carta Magna de 1215, na época do

Rei João Sem Terra, admitindo-se títulos jurídicos anteriores, não menos eficazes,

datando desde o império romano, e dos territórios por este dominado.

Com muito propósito Pontes de Miranda, sustentando a importância da

influência Inglesa na evolução doutrinária do habeas corpus, explica que:

Os Ingleses (e com razão) sempre foram ciosos da liberdade. Pensam mesmo que os atentados à vida e à propriedade são menos perigosos e prejudiciais ao bem geral do que a menor violência ou coação à liberdade física do indivíduo. (MIRANDA, 1951, p. 28)

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3 DESCOBRIMENTO DO BRASIL E A MONARQUIA BRASILEIRA

Antônio José Borges Hermida (1973), em seu estudo de história do Brasil,

explica que a expedição de Pedro Álvares Cabral avistou as terras brasileiras em 21

de abril de 1500, a expedição tinha por objetivo chegar à Ásia em virtude de realizar

atos de comércio com as Índias, contudo, em virtude de ter a esquadra de Cabral se

distanciado da rota marítima, por ocasião do mau tempo, acabou atingindo a costa

da América do Sul, na região do local onde se localiza a Bahia:

Além da tribulação de 1200 homens, a esquadra era formada por 13 navios, levava vários frades franciscanos, chefiados por frei Henrique Soares, da cidade de Coimbra, e degredados, isto é, condenados que o rei enviava para as terras distantes. (HERMIDA, 1973, p. 19)

Segundo o autor, parte dos historiadores acredita que Cabral descobriu o

Brasil por casualidade, contudo, a maior parte destes defende a tese da

intencionalidade. Também existem historiadores que defendem a tese de que antes

de Cabral estiveram no Brasil o espanhol Vicente Pinzón 1, Diogo de Lepe2 e Duarte

Pacheco Pereira 3.

Após o descobrimento, D. Manoel, Rei de Portugal, determinou a exploração

e a povoação do Brasil, neste sentido Hermida:

No tempo em que o Brasil foi descoberto era muito comum aplicar aos condenados a pena de degredo, isto é, a de viverem em terras distantes, pois o rei tinha todo o interesse de povoá-las. Como o Brasil recebeu muitos

1HERMIDA, Antônio José Borges. Compêndio de História do Brasil. Estudos Sociais. 58 ed. São Paulo: Nacional, 1973, p. 22: “Está provado que em janeiro de 1500 o espanhol Vicente Pinzón percorreu a costa norte do Brasil, descobriu a foz do Amazonas, que chamou de Mar Dulce, e chegou a do Oiapoque, durante muito tempo chamado de Vicente Pinzón”. 2 Id. p. 22: “Pouco depois de Pinzón, mas ainda antes de Cabral, outro espanhol, Diogo de Lepe, esteve também na costa norte do Brasil”. 3Ibid. p. 22: Além da prioridade espanhola, há a prioridade portuguesa: portugueses teriam estado no Brasil antes de Cabral. Um deles seria Duarte Pacheco Pereira, cuja viagem foi feita em 1498. Muitos pensam, porém, que Pacheco Pereira esteve apenas no litoral da América do norte.

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degredados, houve quem afirmasse ter ele sido povoado pelos piores criminosos de Portugal; entretanto muitos dos que tinham sofrido a pena de degredo haviam cometido faltas sem grande importância. (HERMIDA 1973, p. 25)

Segundo o autor, em 1548, o sucessor de D. Manoel, Rei D. João III de

Portugal determinou que no Brasil fosse implantada a justiça de acordo com as leis

portuguesas e que fosse implantado um governo para a administração do Estado do

Brasil, obsta mencionar a seguinte carta, encaminhada à Diogo Álvares 4:

Diogo Álvares, Eu, el-rei, vos envio muito saudar. Eu ora mando Tomé de Souza, fidalgo de minha casa, a essa Bahia de Todos os Santos, como capitão e governador, para, na dita capitania e mais outras desse Estado do Brasil, prover a justiça e do mais que ao meu serviço cumprir; e mando que na dita Bahia faça uma povoação e assento grande e outras coisas do meu serviço, e porque sou informado, pela muita prática e experiência que tendes dessas terras e da gente e costumes delas, vos mando que tanto o dito Tomé de Souza lá chegar vos vades para ele, e o ajudeis no que lhe deveis cumprir, porque fareis muito nesse serviço (HERMIDA, 1973, p. 57).

Explica Hermida que, durante o período do Brasil colonial, os donatários das

terras brasileiras possuíam amplos poderes, dentre eles o de administrar a justiça:

Para que os donatários viessem para o Brasil e administrassem com entusiasmo suas capitanias, teve o rei que lhes conceder grandes poderes: podiam doar terras, fundar vilas e nomear funcionários; podiam também condenar à morte escravos e pessoas comuns; aos nobres essa pena só era aplicada quando cometiam um crime de traição ao rei ou contra a religião. (HERMIDA, 1973, p. 58)

De acordo com o autor, os donatários, quando acusados, possuíam

determinadas prerrogativas, dentre elas, o direito de apresentar suas justificativas na

presença ou diante do rei. Outro aspecto apontado pelo autor situa-se na captura de

criminosos nas terras pertencentes aos donatários: “nenhum funcionário, nem

4 HERMIDA, Antônio José Borges. Compêndio de História do Brasil. Estudos Sociais. 58 ed. São Paulo: Nacional, 1973, p. 38: “O próprio rei D. João III considerava Diogo Álvares um bom auxiliar da colonização e, por isso, escreveu-lhe uma carta pedindo sua ajuda para Tomé de Souza no estabelecimento do governo-geral”.

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mesmo real, podia entrar numa capitania para perseguir qualquer criminoso sem

licença do donatário” (HERMIDA, 1973, p. 57).

O habeas corpus no Brasil surge como o elemento de proteção e garantia do

direito de liberdade. Segundo CUNHA E SILVA Silva (1985, p. 33), em relação à

evolução doutrinária do writ no Brasil, assevera a observância das seguintes datas,

ligadas a fatos ou documentos:

I – 1821 – Decreto do Príncipe Regente. II – 1824 – A Carta outorgada por Pedro I. III – 1830 – O Código Criminal, arts. 183 a 188. IV – 1832 – O Código do Processo Criminal, arts. 340 a 355. V – 1841 – A Lei n° 261. VI – 1842 – O Regulamento n° 120. VII – 1865 – O Aviso n° 375. VIII – 1871 – A Lei n° 2033. IX – 1890 – A 1ª Constituição Republicana. X – 1926 – A reforma constitucional. (CUNHA E SILVA, 1985, p. 33)

De acordo com os autores, mesmo anteriormente a 1821 não se pode

afirmar a inexistência de instrumentos garantidores da liberdade individual, pois

pairavam no cenário jurídico os interditos do direito romano, vistos também nas

Ordenações do Império, assim como o reinvidicatio, além das cartas de seguro

oriundas de autoridades nomeadas pelo rei e assinadas por magistrados ou

alcaides.

Contudo, foi em 1821 que D. Pedro assinou o documento que ficou

conhecido como “nossa Carta Magna”, o qual é admitido por grande parte da

doutrina, como o primeiro grande marco da história do habeas corpus no Brasil.

Cunha e Silva (1985, p. 35) explicam que, embora sejam admitidos precedentes

históricos antecessores, foi a Constituição do Império, datada de 1824, a

responsável por insculpir os primeiros princípios do habeas corpus no ordenamento

constitucional brasileiro.

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Para Cunha e Silva, o Código Criminal foi o primeiro documento a

contemplar expressamente o habeas corpus no cenário do direito pátrio, seguido

pelo Código de Processo Criminal, o qual estabeleceu a expedição de sua

concessão e ampliou o referido instituto de modo a torná-lo mais efetivo: “sem

ufanismo se pode afirmar que a primeira lei processual no País não somente soube

adaptar o habeas corpus às peculiaridades locais como, de certa forma, ainda

ampliou a extensão de seus benefícios” (CUNHA e SILVA, 1985, p. 35).

Embora o citado Código de Processo contemplasse e ampliasse a eficácia

do writ, sua decisão, que denega ou admite o pedido, seja de ofício ou impetrado em

favor do indivíduo coagido, era irrecorrível e definitiva, tendo esta característica sido

modificada com o advento da Lei n° 261, de 3 de dezembro de 1841, a qual

reformou o Código, introduzindo o recurso de ofício interposto pelo próprio juiz

responsável pela decisão concessiva da ordem impetrada.

Segundo explicam os autores supramencionados, o Regulamento n° 120,

datado de 31 de janeiro de 1842, editado logo após a Lei n° 261, admite a

necessidade do recurso, em virtude de observar coerência em relação à

organização do poder judiciário, pelo fato de vislumbrar a possibilidade de um maior

acatamento e austeridade nas decisões.

Seguindo o estudo de Cunha e Silva (1985, p. 36), o Aviso n° 375, do

Ministério da Justiça, o qual foi transcrito por Nabuco de Araújo em 30 de agosto de

1965, em síntese, declara que a proteção e garantia da liberdade individual

necessita de maior amplitude em relação ao que foi previsto no Código de Processo

Penal de 1832, e por consequência, aplicável a qualquer constrangimento ilegal

oriundo de autoridade administrativa ou judiciária, exceto a prisão militar, devido às

peculiaridades da vida Castrense. Fundado nestes anseios, a Lei 2033, datada de

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20 de setembro de 1871 traz consigo o instituto do habeas corpus preventivo e a

possibilidade de renovação do pedido ante autoridade superior, quando denegada a

ordem inferior, através desta lei, passa-se a admitir o cabimento do habeas corpus

de estrangeiro a seu favor ou de outrem.

Embora a Constituição de 1891 tenha capitulado o habeas corpus, este

asseverou característica ampla e abrangente, segundo o entendimento de Rui

Barbosa, responsável pelo projeto e autor do texto constitucional de 1891. Devido a

abrangência do texto constitucional em relação ao habeas corpus, além de outros

fatores, tornou-se necessária a reforma constitucional de 1926, pois o writ

necessitava da adoção de outra fórmula, mais eficaz e específica, que permitisse

seguramente a proteção das liberdades individuais, neste caso, com base

exclusivamente no constrangimento à liberdade física do indivíduo – direito de

locomoção.

3.1 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO/1824

Em virtude das ofensivas de Napoleão Bonaparte contra Portugal, em 1808

a família real portuguesa transferiu-se para o Brasil, assim, o Rio de Janeiro tornou-

se a sede da monarquia. Em 1821 D. João VI retorna a Portugal, tendo permanecido

D. Pedro com a responsabilidade de governar o Brasil, segundo Hermida (1973, p.

166-181), estes fatos impulsionaram a independência do Brasil.

Embora Portugal mantivesse o interesse sob o domínio do Brasil, em 7 de

setembro de 1822, D. Pedro proclama, sob as margens do Rio Ipiranga, a

Independência do Brasil 5. Com o advento do 1° Reinado, e após disputas entre

5 HERMIDA, Antônio José Borges. Compêndio de História do Brasil. Estudos Sociais. 58 ed. São Paulo: Nacional, 1973, p. 167: Grito do Ipiranga: “Laços fora, soldados! As cortes querem mesmo

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adversários políticos, reuniu-se em 3 de maio de 1823 a Assembleia Constituinte, a

qual tinha por responsabilidade a elaboração da 1ª Constituição Brasileira, embora

D. Pedro I exigisse determinados critérios para a sua vigência e eficácia, fato que

ocasionou certo descontentamento entre os deputados da Assembleia 6, em virtude

deste descontentamento a assembleia foi dissolvida por ordem de D. Pedro, o qual

nomeou uma Comissão composta por dez membros com a responsabilidade de

elaborar a Constituição do Império.

Em 25 de março de 1824 foi outorgada a 1ª Constituição, que teve sua

vigência até 1889, com o advento da proclamação da República:

Além dos três poderes, o Executivo, exercido pelo imperador e seus ministros, o Legislativo pelo Senado e a Câmara dos Deputados, e o Judiciário pelos Juízes e tribunais, a Constituição de 1824 estabelecia o Poder Moderador, privativo do soberano: ele agia, em certas ocasiões, como a dissolução da Câmara dos Deputados, sem precisar de aprovação do ministério (HERMIDA, 1973, p. 183).

A Constituição do Império sofreu algumas alterações em 1834, durante o

período regencial, por meio de Ato Adicional, dentre elas destaca-se a criação do

Município Neutro ou Distrito Federal, atualmente localizado no Rio de Janeiro.

De acordo com Dante Busana, o movimento constitucionalista e o

liberalismo já inspiravam o povo brasileiro antes mesmo de proclamada a

independência pelo príncipe regente D. Pedro, muito embora não existisse

Constituição vigente no Brasil, o imperador antecipou os benefícios da Carta Magna

portuguesa, a qual encontrava em elaboração. Para parte da doutrina, o decreto

escravizar o Brasil. Cumpre, portanto, declarar já a nossa independência. Desde este momento, estamos definitivamente separados de Portugal: Independência ou Morte seja a nossa divisa”. 6 HERMIDA, Antônio José Borges. Compêndio de História do Brasil. Estudos Sociais. 58 ed. São Paulo: Nacional, 1973, p. 180-181: “A 3 de maio de 1823, D. Pedro I inaugurou solenemente a Assembleia Constituinte com a presença da esposa, a imperatriz D. Leopoldina. Mas, já nesse dia, ao proferir o seu discurso ou Fala do Trono, ele provocou certa desconfiança entre os deputados, quando declarou manter a Constituição que ia ser elaborada pela assembleia se ela fosse digna do Brasil e dele”.

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promulgado pelo príncipe regente constitui o principal marco da história do

Constitucionalismo no Brasil, pois tornou efetiva a proteção das liberdades

individuais no Brasil 7.

Um dos aspectos do decreto aponta a exigência do devido processo penal e

a liberdade como regra. Também se verifica no decreto a exigência de celeridade

processual, o qual exige o cumprimento dos prazos para a proteção dos direitos do

acusado, nas hipóteses de aplicabilidade de pena de morte, as regras processuais

eram ainda mais rígidas, exigindo o cabal cumprimento do princípio da ampla defesa

e do contraditório.

Dentre os termos do decreto, a garantia da incolumidade física do indivíduo

era um dos aspectos que revolucionaram o direito criminal no período do Império,

obstando que um acusado ou condenado fosse flagelado ou aprisionado em

ambientes infectantes, ou acorrentado, devendo garantir-se aos acusados e

condenados, a sua reabilitação obstando o sofrimento físico.

Aos responsáveis pelas prisões ilegais ou pelo encarceramento em

desacordo com as regras impostas pelo decreto, poderiam ser impostas punições

que importariam na perda do emprego e inabilitação perpétua para qualquer outro

em que se exija o exercício na esfera jurisdicional (BUSANA, 2009, p. 21-22).

Embora existisse a proteção dos direitos e garantias, inexistia no decreto

qualquer instrumento, remédio jurídico ou ferramentas para a proteção dos direitos,

como explica o autor:

7 BUSANA, Dante. O Habeas Corpus no Brasil. São Paulo: Atlas, 2009, p. 21, explica que o importante diploma dispôs que: “por este Decreto ordeno, que desde sua data em diante nenhuma pessoa livre no Brasil possa jamais ser presa sem ordem por escrito do Juiz, ou Magistrado Criminal do território, exceto somente o caso de flagrante delito, em que qualquer do Povo deve prender o delinquente [...]”.

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A ampla afirmação da liberdade pessoal dessas esclarecidas disposições não vinha, porém, acompanhada de nenhuma garantia processual nova, e para a autotutela dos direitos nelas consagrados continuava sendo mister recorrer aos velhos interditos proibitórios herdados do direito romano (BUSANA, 2009, p. 22).

Dante Busana (2009), a respeito da Assembléia Constituinte de 1823,

explica que as disposições previam a proteção dos direitos individuais, contudo,

contudo, os instrumentos de garantia não foram implantados no citado documento.

Explica o autor, que o decreto que dissolveu a Constituinte e deliberou a respeito da

criação de uma Comissão Constituinte apresenta princípios ainda mais liberais do

que o proposto pela Assembléia Constituinte.

A Constituição do Império sofreu influências da Assembléia dissolvida, pois

embora fosse criada uma Comissão, sete dos dez membros haviam sido membros

da Constituinte, também importa mencionar que foi o Projeto Constituinte de Antônio

Carlos, fortemente influenciado pelas “Constituições de Cádis-Espanha (1812),

Portugal (1822) e França (1791, 1793, 1799 e 1814-1815)” que deu origem à

Constituição do Império, que embora acolhesse a proteção da liberdade pessoal,

deixou de implantar remédios processuais eficazes na sua proteção. A respeito da

ausência do habeas corpus na Constituição do Império, Dante Busana faz a

seguinte observação:

Quando se medita sobre o porquê do não-aparecimento do writ no Decreto de 1821, no Projeto Antônio Carlos e na Carta de 1824, três motivos principais ocorrem à mente: o instituto era estranho à tradição do direito lusitano no qual haviam sido educados nossos homens públicos; o remédio não figurava as Constituições tomadas por modelo; a técnica do direito constitucional do continente europeu da época preocupava mais a solene declaração dos direitos individuais do que seus instrumentos garantidores (BUSANA, 2009, p. 23).

Observa-se que o direito constitucional, por tradição lusitana da época,

possuía determinadas características, dentre elas a caracterização dos direitos

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individuais, contudo, não preponderava no direito constitucional vigente, na época do

império, a caracterização de instrumentos garantidores dos direitos individuais,

contudo, a evolução da legislação possibilitou a garantia dos direitos individuais

através de institutos estabelecidos no Código Criminal de 1830 e, no Código de

Processo Criminal de 1832, deste modo, introduzindo o instituto do habeas corpus

na legislação brasileira.

Heráclito Antônio Mossin assevera que o Direito Português somente

recepcionou o instituto do Habeas Corpus com o advento da Constituição

portuguesa de 1911, cujo instituto foi influenciado pela Declaração de Direitos do

Congresso da Filadélfia, de 1774, e da Declaração de Direitos Francesa de 1789, o

instituto surgiu com o objetivo de obstar os abusos à liberdade individual dos

indivíduos. Posteriormente, observa-se que o citado instituto tornou-se tradição,

tendo sido positivado também na Constituição Portuguesa de 1933.

De acordo com o autor, enquanto a legislação do reino encontrava-se

vigente no Brasil, não se verificava a existência do citado writ, havendo, contudo, as

Cartas de Seguro, que, embora precárias, serviam-se como o instrumento de

proteção da liberdade individual.

Explica o autor, que mesmo as ordenações Afonsinas, Manuelinas e

Filipinas, posteriores ao ano de 1215, haviam insculpido o instituto do habeas corpus

em seu texto. E prossegue (MOSSIN, 1999, 27-28), que o habeas corpus figurou no

cenário jurídico pátrio com o advento das mobilizações em prol da independência,

contudo, foi o Decreto de 23 de maio de 1821, o principal instrumento a mobilizar

juristas e magistrados da época em admitir o habeas corpus como instrumento de

proteção de direitos e garantias individuais contra os abusos cometidos pelas

autoridades, assim:

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Portanto, verte do Decreto o primeiro passo dado no Brasil no sentido da tutela da liberdade individual, que era sempre transgredida e desrespeitada pelo abuso e pelo arbítrio. O despotismo e a tirania do homem que enverga certos poderes que não sabe exercê-lo sem democracia sempre foram os responsáveis diretos do surgimento de qualquer que seja o writ; isso se deu como visto, na Inglaterra e na América do Norte, além de outros países. Assim é que, a sociedade, no correr da progressão social, sempre se vê obrigada a armar-se de certos institutos aptos e capazes de tutelar as liberdades em sentido amplo (MOSSIN, 1999, p. 29).

Dante Busana (2009, p. 23) explica que, o writ não fora observado na Carta

de 1824, em virtude da tradição do direito lusitano, principalmente pelo fato de que a

técnica do direito constitucional preocupava-se com os elementos solenes

asseverados pela declaração dos direitos individuais obstando-se de enaltecer os

seus instrumentos garantidores.

Cunha e Silva ensinam que:

Poder-se-á, pois, dizer com propriedade que, conquanto a Constituição monárquica não se referisse expressamente ao instituto do habeas corpus, procurou proteger de modo tão enfático a liberdade individual que, de certo modo, preparou caminho para as normas de direito material contidas no Código Criminal de 1830 e para os preceitos de natureza instrumental que o Código do Processo consagrou, ambos os Códigos já mencionando nominalmente o instituto do habeas corpus: o primeiro ao impor sanções nos casos do descumprimento da ordem e o segundo ao estabelecer o procedimento para o julgamento da impetração (CUNHA e SILVA, 1985, p. 42).

Para os autores, a Constituição do Império possuía características liberais

idôneas, as quais inspiraram a primeira Constituição da República, assim, defendem

que os movimentos constitucionais brasileiros prendem-se mais às tradições liberais

pátrias do que a modelos alienígenas, para alguns doutrinadores, explicam os

autores, o próprio habeas corpus não surge com o advento do Código Criminal ou

Código de Processo Criminal do Império, mas com o advento da Constituição de

1824, ao assegurar a independência dos Poderes, dando ao Judiciário, o direito

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exclusivo “de conhecer de tudo quanto entende com a inviolabilidade penal”

(CUNHA e SILVA, 1985, p. 41).

3.2 CÓDIGO CRIMINAL DE 1830 E O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DE 1832

Sancionado o Código Criminal do Império, em 16 de dezembro de

1830, em virtude das proposições da Carta de Lei de 7 de janeiro de 1831, o qual

teve como matriz o projeto elaborado por Bernardo Pereira de Vasconcelos, e foi

submetido a diversas emendas, modificações e transformações, pelas comissões a

que foi submetido, observa-se que o habeas corpus, em termos de concessão ou

execução, não era contemplado pelo direito positivo em vigor.

Segundo Dante Busana (2009), muito embora a doutrina sustente que os

documentos históricos existentes não permitem determinar a responsabilidade pela

inclusão do habeas corpus no direito pátrio, em razão das comissões responsáveis

pela revisão e modificação do projeto de Vasconcelos, inspiradas no direito inglês,

admite-se que o writ foi insculpido no direito pátrio extemporaneamente, valendo-se

inclusive da tutela penal.

Explica o autor, que tanto o Código Criminal como o Código de Processo

penal entraram em pauta na Assembléia Geral através da sessão extraordinária,

datada de 4 de setembro de 1830, havendo previsão do citado writ apenas no

Projeto do Código de Processo Criminal. De acordo com o autor, a votação do

Código de Processo Criminal não foi possível, tendo a Assembléia incluído o writ no

Código Criminal.

Em razão deste motivo, Dante Busana (2009) defende que a origem do

habeas corpus, no direito pátrio, pressupõe a figura de Manuel Alves Branco,

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responsável pelo Projeto do Código de Processo Criminal, embora a legislação

pátria tenha recepcionado o writ no Código Criminal de 1930 8.

Dante Busana finaliza seu estudo a respeito do habeas corpus na doutrina

do Império tecendo o seguinte ensinamento:

Predominou na doutrina do Império a opinião de que o habeas corpus era recurso propriamente dito, de rito peculiar, o que permitia caracterizá-lo como extraordinário. A principal conseqüência do entendimento foi subordiná-lo às regras que regem os recursos em geral e, tratando-se de “recurso extraordinário”, não admitir seu cabimento quando previsto outro recurso para a hipótese (BUSANA, 2009, p. 30).

O Código Criminal do Império de 1930 – artigos 183 e 184 – em relação ao

habeas corpus, utilizava as seguintes expressões: “Todo cidadão, que entender que

ele ou outrem sofre prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade, tem o direito

de pedir ordem de habeas corpus em seu favor” (MIRANDA, 1951, p. 21).

Para Pontes de Miranda, o Código Criminal de 1830 identifica-se com a

pretensão, e o Código Processual de 1832, representa a ação e o remédio, assim:

“A forma processual é que dá ao direito a importância que ele possa ter como

garantia. O direito material estatui, o direito formal realiza aplica” (MIRANDA, 1951,

p. 127). O autor expressamente classifica a importância do writ utilizando-se dos

seguintes termos:

Onde não há remédio do rito do habeas corpus, não há, não pode haver garantia segura da liberdade física. Errar é humano, coagir é vulgar; abusar do poder é universal e irremediável [...] só recurso pronto, fácil, suspensivo, como o habeas corpus, pode acudir a liberdade dos indivíduos (MIRANDA, 1951, p. 127).

8 BUSANA, Dante. O Habeas Corpus no Brasil. São Paulo: Atlas, 2009, p. 21: “A verdadeira origem

do habeas corpus brasileiro não está, pois, no Código Criminal de 1830, primeiro diploma legal a mencioná-lo, mas no projeto do Código de Processo Criminal, cuja aprovação foi retardada pela impossibilidade de se votarem, no curto período de três meses, todas as matérias da pauta da sessão extraordinária convocada para o mês de setembro de 1830”.

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3.3 O HABBEAS CORPUS NA LEI N° 2.033 DE 1871

De acordo com os ensinamentos de Heráclito Antônio Mossin (1999, p. 35) o

habeas corpus não surgiu no ordenamento pátrio com o advento do Código de

Processo Penal de 1832, e sim com o advento da Constituição do Império, a qual

consagra a proteção da liberdade individual, obstando a privação desta sem que

presentes os motivos criminais determinados pelo Código Criminal.

Segundo o autor, a constituição utilizava o writ sob a denominação de ad

argumentandaum, contudo, o citado instrumento era direito exclusivo dos cidadãos

pátrios, obstando a sua utilização em favor de estrangeiros. Com o advento do

Código de Processo Criminal de 1832, considerado por muitos doutrinadores como o

diploma legal precursor do habeas corpus no Brasil, o writ manteve o seu cabimento

exclusivo aos cidadãos brasileiros.

Com a evolução da doutrina pátria do habeas corpus, Heráclito Mossin, com

base na Lei 2033, de 1871, assevera que:

Verifica-se pela predita lei que o instituto do habeas corpus passou a ser integralmente liberal, como aliás deve-se sê-lo sempre, posto ser o mesmo tutelador da liberdade corporal do indivíduo, já que o mesmo poderia ser usado quer pelo nacional, quer pelo estrangeiro, como uma ordem-remédio destinada a salvaguardar o constrangimento ilegal ou sua ameaça, ou seja, quando não houvesse justa causa para a constrição do direito de ir, vir e ficar do cidadão (Heráclito Mossin, 1999, p. 35.).

Observando os ensinamentos do autor, o citado diploma legal admite o

cabimento de habeas corpus decorrente de vícios formais – autoridade

incompetente – assim como o habeas corpus preventivo – o qual antecede a coação

ilícita da autoridade competente9.

9 ANTÔNIO MOSSIN, Heráclito. Habeas Corpus. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 36: “Ainda dentro de um contexto histórico, convém deixar alinhado, que na República, anteriormente à Constituição

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Pontes de Miranda explica que até meados de 1871 o habeas corpus era

privilégio de brasileiros, embora admitisse, em determinadas circunstâncias aos

estrangeiros. Segundo o autor, a Lei n° 2033, de 20 de dezembro de 1871, em seu

artigo 18, § 8, ampliou o instituto: “Não é vedado ao estrangeiro requerer para si

ordem de habeas corpus, nos casos em que esta tem lugar”. Contudo, não era

permitido ao estrangeiro interpor o pedido a favor de outrem.

Para o autor supramencionado, embora o habeas corpus tenha observado

ampliações em sua aplicabilidade, adotou, no período da Constituição do Império, o

posicionamento clássico, admitindo-se o pedido, somente nas circunstâncias em que

o indivíduo tivesse sofrido ou na iminência de sofrer coação física que resultasse na

privação de sua liberdade: “O habeas corpus limitava-se no Império, a garantir a

liberdade física. Não obstante, questões interessantes eram levantadas, assim no

direito criminal, como no direito civil”.

Segundo o autor, a história prenunciava a criação de novos elementos de

proteção a outros direitos, não protegidos pelo habeas corpus, sendo que no direito

pátrio, surge o mandado de segurança, com este propósito, apenas no período

republicano.

Republicana [...] dois decretos do Governo Provisório, os quais ostentavam força de lei, previram o habeas corpus, o de n° 510, de 22 de junho, e o de n° 914-A, de 23 de outubro de 1890”.

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4 PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Com base nos ensinamentos de Heráclito Mossin, o qual menciona o artigo

72, § 22 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891: “Dar-

se-á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo

de sofrer violência ou coação, por ilegalidade, ou abuso de poder” (MOSSIN, 1999,

p. 36).

Admite-se que, com o advento da Constituição da República, de 1891,

ocorre a ruptura do sistema imperial brasileiro e a instauração de um governo

provisório, contudo, verifica-se que a evolução do habeas corpus, no direito

brasileiro, tem maior intensidade na doutrina, assim, embora os elementos histórico-

originários e pragmáticos solidificados no habeas corpus tenham sido diluídos, ao

tempo do direito imperial, nos institutos de direito processual penal e direito penal

embora frutos intrínsecos da Constituição do Império, com o advento da primeira

Constituição da República, o writ torna-se um instrumento de garantia dos direitos

individuais, sob a égide do direito constitucional brasileiro, assim: “Após o

surgimento constitucional do habeas corpus o passo seguinte foi o da exegese

daquele texto, sua inteligência, seu significado e sua abrangência, sob a influência

da doutrina e jurisprudência” (MOSSIN, 1999, p. 39).

Para Dante Busana:

A doutrina sobre a natureza jurídica do habeas corpus experimentou notável progresso na “República Velha”, ou “Primeira República”, quando se logrou explicitar suas principais características. A inserção do remédio na “Declaração dos Direitos” da Carta Magna de 1891 conferiu-lhe dignidade que não escapou aos doutrinadores (BUSANA, 2009, p. 30).

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Embora insculpido intrinsecamente na Constituição do Império, o surgimento

do Habeas Corpus, na seara do direito Constitucional, é caracterizado com o

advento da Constituição de 1891, a Primeira Constituição da República, fomentado

pelo Projeto do Código de Processo Penal, Código Criminal de 1830, e Código de

Processo Penal de 1832.

4.1 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1891

Antônio Mossin (1999), a respeito das características do habeas corpus sob

a égide constitucional de 1891, em sede de sua aplicabilidade genérica, porém

dogmática, considera instável a doutrina pátria daquele momento Republicano,

principalmente em relação às Cortes Superiores – Supremo Tribunal Federal – em

determinado momento de seu estudo o autor menciona a figura de Rui Barbosa, o

qual em 22 de janeiro de 1915 sustenta através de discurso de que o habeas corpus

tem como condição sine qua non “o constrangimento corporal”, contudo, “fala-se

indeterminadamente, absolutamente, em coação e violência, de modo que, onde

quer que surja, onde quer que se manifeste a violência ou coação, por um desses

meios, aí está estabelecido o caso constitucional do habeas corpus” (MOSSIN,

1999, p. 40-41).

Segundo o autor, Rui Barbosa defendia a aplicação estendida do habeas

corpus, devido ao fato de que o citado instrumento foi estabelecido

constitucionalmente, assim, rege-se por circunstâncias genéricas, devendo sua

interpretação jurídica ser ampliada.

E de acordo com o estudo de Antônio Mossin, com base no voto de Pedro

Lessa Ministro do Supremo Tribunal Federal, no habeas corpus n° 3.567, de 1° de

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julho de 1914: “quando a liberdade de pensamento, a de consciência e a de cultos,

ou religiosa, são tolhidas por outro meio, que não a coação à liberdade de

locomoção, absurdo fora conceder habeas corpus para garantir qualquer desses

direitos fundamentais” (MOSSIN, 1999, p. 42).

Observa-se que a aplicabilidade do instituto do habeas corpus deve ser

estrita, embora o instituto tenha sido inscrito na Constituição de 1891, sua

aplicabilidade genérica não assevera o seu cabimento, quando a coação não esteja

na órbita do direito a liberdade física do indivíduo. Segundo o autor, Pontes de

Miranda assume este mesmo posicionamento doutrinário, embora mais incisivo

quanto às restrições, sustentando que o habeas corpus abrange “exclusivamente

situações de abuso ou constrangimento ilegal que envolve a liberdade física do

indivíduo, ou seja, seu direito de ir, vir e ficar” (MOSSIN, 1999, p. 43) 10.

Segundo explica Heráclito Antônio Mossin (1999, p. 44-45), a ampliação da

interpretação doutrinária do habeas corpus deu-se em função de que o ordenamento

constitucional pátrio não ter contemplado o instituto do mandado de segurança, o

qual teve seu surgimento com o advento da Constituição de 1934, embora transcrito

no Código de Processo civil, neste sentido, sustenta o autor: “Por essa razão

justificava-se, dar-se maior amplitude ao campo de abrangência do writ por primeiro

mencionado, porém, não como lhe emprestara o Supremo Tribunal Federal, nos

exemplos e condições anteriormente enfocados”.

A ausência de instrumentos de proteção à coação diferente da física

influenciou a reforma de 1926, sugerida pelo então Presidente Arthur Bernardes 11.

10 ANTÔNIO MOSSIN, Heráclito. Habeas Corpus. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 36: “Aquela regra constitucional, sob a ótica da Excelsa Corte, teve uma interpretação bastante ampliativa e liberal, em que assegurou a posse de Nilo Peçanha no Governo do Estado do Rio de Janeiro”. 11 ANTÔNIO MOSSIN, Heráclito. Habeas Corpus. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 36: “Há que se ter em linha de consideração que na época republicana, em que o habeas corpus foi incluso naquela Carta Magna, era ele o único instrumento utilizado para a defesa da liberdade individual, já

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Antônio Macedo de Campos (1987, p. 35), ensina que a primeira

Constituição da República, datada de 24 de fevereiro de 1891, continha 91 artigos, e

foi influenciada por Rui Barbosa, baseada nos enunciados de Monstesquieu,

fundados nos dogmas democráticos, estabelecendo-se os Poderes Legislativo,

Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si, assinada por Prudente

José de Moraes Barros, então Presidente do Congresso e Senador paulista.

O diploma constitucional sofreu emendas em 7 de setembro de 1926, as

quais foram aprovadas pelo Congresso Nacional, dentre elas o acervo histórico

relativo ao habeas corpus, que versava a respeito do impedimento dos Juízes e

Tribunais dos Estados, em relação ao termo dos processos, salvo em relação ao

habeas corpus.

Segundo o autor supracitado, o writ não preconizava a exclusividade do

citado instrumento aos cidadãos brasileiros, embora alguns juristas adotassem este

entendimento. Assim, de acordo com a interpretação literal, qualquer indivíduo que

estivesse frente ou na iminência de sofrer violência ou coação por ilegalidade

poderia utilizar-se do habeas corpus, como vê-se a redação do § 22 do artigo n° 72

da Constituição de 1891, e de sua nova redação dada pela emenda de 1926

[...] § 22. Dar-se-á o habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminência de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder. [...] § 22. Dar-se-á o habeas corpus, sempre que alguém sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção (redação dada pela emenda de 1926) (Campos, 1987, p. 37-38).

Segundo o autor, o termo “alguém”, amplia o termo “indivíduo”, antes

utilizado, e aperfeiçoa o texto constitucional, principalmente sob seu aspecto

que ainda não havia sido criada a figura do mandado de segurança, que surgiu com o advento da Constituição Federal de 1934 (art. 113, inciso 33)”.

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garantidor dos direitos humanos, contudo, a nova redação tem por objetivo limitar a

utilização do writ aos casos específicos da liberdade física individual.

Utilizando-se os ensinamentos de Dante Busana (2009), conquanto a

evolução da doutrina do habeas corpus no Brasil, o autor credita à Rui Barbosa a

responsabilidade por traduzir a natureza jurídica constitucional do instituto, restando

aos demais autores o esclarecimento da natureza processual – meio, remédio, ação

e processo: “Rui Barbosa classificou como garantia constitucional, distinguindo

garantias e direitos constitucionais”, assim, direitos são manifestações subjetivas da

personalidade humana, e garantias, em sentido estrito, correspondem à tutela de

alguns destes direitos frente aos abusos de poder.

De acordo com Cunha e Silva (1985), com o advento da edição da

Constituição de 1891, a primeira da República, o instituto do habeas corpus já se

encontrava enclausurado no ordenamento jurídico pátrio, coube à Carta Republicana

apenas o papel de incorporá-lo à nível de norma constitucional, tornando-o imune a

sua “derrogação por via de lei ordinária”.

Devido à evolução doutrinária do citado writ, este significava o instrumento

de proteção que englobava a garantia de todos os direitos e garantias “a ponto de

substituir a ação” (CUNHA e SILVA, 1985, p. 42), sendo este posicionamento

doutrinário amplamente defendido por Rui Barbosa, pois a norma constitucional não

contemplava apenas a prisão e o constrangimento corporal, mas todo e qualquer

tipo de violência ou coação que represente ofensa aos direitos e garantias

individuais.

Ante a indefinição da vigência e aplicabilidade do writ na Constituição de

1891, o Presidente Arthur Bernades propôs ao Congresso a adoção do sistema

norte-americano, o qual restringia a aplicabilidade do instituto apenas em relação às

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garantias de liberdade, sugerindo a criação de novos remédios constitucionais

alternativos, de proteção aos direitos de natureza diversa da liberdade individual,

embora direitos líquidos e certos, necessitavam de instrumento para que fossem

exigidos.

Com o advento da revolução de 1930, o Governo Provisório sustou o

ordenamento constitucional tendo o País sido regulado por decretos emanados do

poder revolucionário, assim, o Governo manteve o instituto, contudo, limitou sua

aplicabilidade, tendo estes limites, sido os norteadores das novas linhas evolutivas

do direito constitucional em sede de habeas corpus, inclusive em respeito às

transgressões disciplinares militares. Estes fatores, suplantados pela necessidade

da criação de novos remédios jurídicos em favor dos direitos individuais alheios à

liberdade de locomoção, coadunaram no surgimento do mandado de segurança.

Pontes de Miranda (1951, p. 39), considera errôneo dar ao habeas corpus a

extensão proposta por Rui Barbosa, deste modo o autor sustenta que: “Só os

sofismas desabusados, a trica e o subjetivismo impenitente podem ver nas

expressões “liberdade pessoal”, protegida pelo habeas corpus, outro significado

mais amplo que o de liberdade física”.

4.2 REFORMA CONSTITUCIONAL DE 1926

Segundo Pontes de Miranda (1951), a reforma constitucional de 1926 foi

impulsionada por ideologias liberais, dentre elas, a fixação dos termos de

aplicabilidade do habeas corpus. Rui Barbosa e outros, em determinado momento

político, asseguravam que o writ deveria ser utilizado como meio de proteção de

quaisquer das liberdades individuais:

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Devido à corrente interpretativa que Rui Barbosa e outros juristas pretendiam fazer vitoriosa, com os habeas corpus políticos, travou-se a luta entre os que abstraiam de qualquer fim que se ligasse ao direito de ir, ficar e vir, acentuando que qualquer exame de direito-fim, excluiria o habeas corpus, e os que entendiam que a Justiça não podia deixar de examinar o caso que se lhe submetesse. (MIRANDA, 1951, p. 234)

Explica Pontes de Miranda, que, durante o período compreendido entre

1925, 1930 e 1934, o habeas corpus sofreu limitações em sua aplicabilidade, devido

a fatores impulsionados decorrentes do final da primeira guerra mundial, e a crise

política instalada, principalmente com o advento do Estado Novo, a situação

perdurou até meados de 1946, onde, por ocasião de necessidade de assegurar

outras liberdades individuais, diferentes do direito de locomoção, o habeas corpus

adotou sua forma clássica definitivamente, tendo surgido no direito constitucional

pátrio o instituto do mandado de segurança, com o objetivo de assegurar o direito

líquido e certo, não protegido pela via de habeas corpus (MIRANDA, 1951, p. 236-

237).

Para Heráclito Antônio Mossin, a reforma proposta pelo Presidente Arthur

Bernardes teve como baluarte a observância dos preceitos clássicos do habeas

corpus, os quais sustentam que o instrumento pauta-se na proteção da liberdade

física do indivíduo, contudo, devido à reforma não ter incluído no texto constitucional

o mandado de segurança de forma clara, específica e independente – como

qualquer writ – prevaleceu, na época, o entendimento de que o habeas corpus

deveria ter sua aplicabilidade estendida, em virtude de não existirem instrumentos

de proteção dos direitos individuais – direito líquido certo e exigível – o que

impulsionou a constituinte de 1934 (MOSSIN, 1999, p. 49-50).

Antônio Macedo de Campos sustenta que a reforma constitucional de 1926 é

símbolo pátrio de dos ideais humanísticos, contudo, sofre críticas, erigidas por

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ocasião do final da primeira guerra mundial, principalmente em relação às questões

sociais, deflagradas em diversas regiões do mundo.

4.3 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1934

Segundo Antônio Macedo de Campos (1987, p. 40-41), em 1933 foi

instalada a Assembléia Constituinte, a qual foi responsável pela elaboração do

Projeto da Constituição de 34, promulgada em 16 de julho de 1934. A principal

característica desta constituição assevera a transição da liberal democracia para a

democracia social, tendo a Constituição de 1934 sido elaborada contendo 213

artigos, dentre eles, 26 disposições transitórias.

A adoção de princípios democráticos sociais deu-se em decorrência da

importância dada às questões sociais pós-Primeira Guerra Mundial, fortalecida pelos

ideais revolucionários do Movimento Constitucionalista de 9 de julho de 1932: “São

Paulo, com todos os seus elementos civis e militares, levanta-se contra a ditadura

infiel que arrasta o País à anarquia”.

Segundo o autor, em relação ao habeas corpus, a Constituição de 1934

mantém a evolução doutrinária do citado writ, sempre no sentido de especialização

da norma, artigo 113, inciso 23: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer

ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por

ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não cabe o habeas

corpus” (CAMPOS, 1987, p. 42).

Embora tenha sido esculpido o mandado de segurança em sede de

ordenamento constitucional, no item 33, o writ off mandamus observava o mesmo

processo do habeas corpus.

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Heráclito Antônio Mossin (1999, p. 51) assevera que, a Constituição de 1934

restringiu a aplicabilidade do habeas corpus, asseverando que o citado instrumento

é celeuma de proteção dos direitos de liberdade física do indivíduo, obstando a sua

aplicabilidade em relação aos demais direitos e garantias fundamentais diversos do

direito de locomoção.

Embora a nova redação constitucional tenha influenciado a interpretação

restritiva de aplicabilidade do habeas corpus, a Constituição de 1934 não exemplifica

o writ off mandamus – mandado de segurança – de modo específico e peculiar,

tendo a proteção dos direitos certos e incontestáveis – direito líquido, certo e exigível

– orbitado o campo doutrinário do habeas corpus:

Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser ouvida a pessoa de direito público interessada (art. 113, n° 33).

Cunha e Silva admitem que a Carta de 1934 “tornou quase literalmente à

redação da Constituição de 1891”, consagrando então a tendência do direito

constitucional liberal, posteriormente a Lei 191, de 16 de janeiro de 1936, estabelece

e regula o instituto do mandado de segurança, assim, assegura-se que direito líquido

e certo, tenha a possibilidade de ser exigido através de procedimento específico e

peculiar, embora a via de acesso tenha permanecido nos moldes do instituto do

habeas corpus.

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4.4 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1937

De acordo com Campos, Getúlio Vargas, então Presidente da República, vê-

se obrigado a estabelecer uma nova ordem constitucional através da nomeação de

uma Comissão, responsável pela elaboração de uma nova Constituição, datada de

10 de novembro de 1937. Segundo o autor, Getúlio Vargas, fora motivado pela

insurgência de revoltas políticas e de movimentos demagógicos, muitos destes

influenciados por ideais comunistas (1987, p. 44-45): “foi o período áureo das leis

Constitucionais e dos Decretos-leis e a situação perdurou até 29 de outubro de

1945”.

A Constituição de 1937 era composta de 187 artigos, concedia a brasileiros

e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, propriedade, segurança

individual, baseando-se essencialmente nos direitos e garantias individuais do

homem, em relação ao habeas corpus, a Constituição de 1937, em seu artigo 122,

item 16 estabelece que: “dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se

achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir,

salvo nos casos de punição disciplinar” 12.

Em decorrência da nova ordem constitucional, diversos funcionários, civis ou

militares, foram reformados, e cujo afastamento deu-se por juízo e conveniência,

exclusivas do Governo e por conveniência do regime.

Cunha e Silva ensinam que com o advento da Constituição do Estado Novo,

1937, a instabilidade política brasileira e a necessidade de uma reforma

constitucional, com adequada redação, que permitisse albergar todas as questões

sociais emergentes no país, a elaboração do texto constitucional não se apresentou 12 CAMPOS, Antônio Macedo de. Habeas Corpus. Doutrina – Legislação – Prática. 3 ed. São Paulo: Jalovi, 1987, p. 122: “Apesar do caráter democrático da Constituição de 1937, na realidade o regime foi marcadamente ditatorial”.

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54

suficiente, assim, em novembro de 1937, o Presidente Getúlio Vargas instituía o

Estado Novo e outorgava a Constituição, estando no artigo 122, n° 16,

expressamente, o direito de liberdade, correspondendo o direito de ir, vir. Logo após

este período, na tentativa de resgatar os princípios hegemônicos da liberdade de

locomoção, erige no direito pátrio uma nova ordem Processual Penal, entretanto,

repetindo “integralmente a mesma forma” do texto constitucional, segundo explicam

os autores: “a matéria não era pacífica – houve aí a grande restrição consistente em

abandonar-se a idéia de proteção à liberdade pura para garantir apenas a liberdade

de locomoção”.

Cunha e Silva, a respeito das circunstâncias modificadoras do habeas

corpus, por ocasião da Constituição de 1937, ratificam o seguinte posicionamento

doutrinário: “Forçoso é reconhecer que o instituto do habeas corpus, com as

limitações hoje impostas à sua aplicabilidade, não mais conserva a fisionomia dos

seus tempos de fulgor. Com o acaso do liberalismo acentuou-se também o seu

declínio” (MELLO citado por CUNHA e SILVA, 1985, p. 46).

Adjetivando as justificativas apresentadas pelos autores supramencionados,

com base nos fundamentos apresentados, admite-se que o teor do habeas corpus,

contido na Constituição de 1937, realça a evolução doutrinária do instituto. Observa-

se a doutrina emergente do writ off mandamus – mandado de segurança – o qual

tem por objetivo assegurar o direito líquido e certo, não protegido pelo habeas

corpus.

Por ocasião da Constituição de 1937, o habeas corpus preconiza a sua real

função, a garantia da liberdade de locomoção, fundamento principal que lhe deu o

título de remédio heróico, obstando a privação da liberdade individual sem justo

motivo e fundamento.

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4.5 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1946

Antônio Macedo de Campos (1987, p. 47-49) assevera que, o final da

Segunda Guerra Mundial exigiu o surgimento de uma nova ordem constitucional, a

qual foi estabelecida através de uma Assembléia Constituinte, em 2 de novembro de

1945, com a eleição dos Deputados e, Presidente da República, Marechal Eurico

Gaspar Dutra: “A Constituição de 1946 seguiu a trilha das Constituições norte-

americana de 1787, da francesa de 1848 e de Weimar (alemã) de 1919

apresentando o conteúdo social democrático já observado na Carta Magna de

1934”.

A Constituição de 1946 era composta de 218 artigos e 36 disposições

Constitucionais Transitórias, tendo sido assinada pelo presidente da Assembléia

Constituinte, Fernando Mello Viana. A Constituição de 1946, em relação às garantias

individuais, estabelece a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança

individual e à propriedade e à liberdade de ir e vir.

O novo diploma constitucional de 1946 admite que a liberdade individual de

brasileiros e estrangeiros esteja em consonância com os limites do artigo 141 §§ 20,

21, 22, 23, 27, 29 e 32, respectivamente: prisão, nas hipóteses de flagrante delito ou

ordem da autoridade competente; à fiança, quando cabível; comunicação ao juízo,

relaxamento em caso de ilegalidade; devido processo legal; individualização da pena

e irretroatividade da lei penal; proibição da prisão civil por dívida, salvo a do

depositário infiel e do inadimplemento de obrigação alimentar; o habeas corpus;

dentre outros.

Obsta mencionar a redação Constitucional do instituto do habeas corpus, por

ocasião da Constituição de 1946, artigo 141, § 23: “Dar-se-á o habeas corpus

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sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em

sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares,

não cabe o habeas corpus” (CAMPOS, 1987, p. 48).

O mandado de segurança era recomendado no § 24 do artigo 141, quando

verificasse violação de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus.

Segundo Cunha e Silva (1985, p. 46-47), a Constituição de 1946 adentra no

cenário jurídico brasileiro em momento de estabilidade política, “normalidade

democrática”, tendo sido editada em 18 de setembro de 1946. O instituto do habeas

corpus estava contido no artigo 141, § 23 da Carta Magna de 1946 e possuía a

seguinte redação: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar

ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por

ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não cabe o habeas

corpus”.

Muito embora o texto não tenha sido modificado em sua essência, o

entendimento de juristas e juízes da época era que “outros direitos não alcançados

pela proteção do mandado, desde que tivessem como pressuposto a liberdade de

locomoção, poderiam ser invocados em pedido de habeas corpus”.

4.6 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1967 E EMENDA

CONSTITUCIONAL DE 1969

Antônio Macedo de Campos (1987, p. 51) explica que à partir de 1963 o

Brasil passava por um período de crise, a subversão da ordem social e hierárquica,

inclusive no âmbito das forças armadas, a desordem atingia níveis insustentáveis e

devido à estes fatos insurge o Movimento Revolucionário de 31 de março de 1964,

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tendo o Congresso Nacional eleito como Presidente da República o Marechal

Humberto de Alencar Castelo Branco.

A Revolução acreditou ser prudente modificar determinados institutos

constitucionais, o que foi realizado através de Decretos-leis, Atos Institucionais e

Complementares, até o surgimento da Constituição de 1967, promulgada em 24 de

janeiro de 1967 a qual entrou em vigor a 15 de março daquele mesmo ano.

De acordo com Campos, questiona-se a respeito das Constituições de 1967,

em virtude das diversas modificações inseridas no texto constitucional, e

principalmente pelas alterações decorrentes da Emenda Constitucional n° 1 de 17

de outubro de 1969, assim:

Discute-se doutrinariamente, se ainda existe a Constituição de 1967 com as modificações trazidas pela Emenda Constitucional n°. 1 de 17 de outubro de 1969 ou, se na realidade cuida-se de outro diploma completamente novo. Não importa. O fato é que para efeito de exame dos Direitos e Garantias Individuais, e particularmente o habeas corpus, pode ser feito um estudo só (CAMPOS, 1987, p. 52).

Segundo o autor, os Atos institucionais não suspenderam a eficácia do

citado writ, contudo, o Ato Institucional n° 5, em seu artigo 90, determina a

suspensão da garantia do habeas corpus quando evidenciados crimes políticos

contra a Segurança Nacional, a Ordem Econômica e Social e a Economia Popular.

Com o advento do projeto de reforma constitucional enviado ao Poder Legislativo

Federal em 26 de junho de 1978, propôs-se o fim da vigência dos Atos Institucionais.

Cunha e Silva (1985, p. 47-48) explicam que a definição do habeas corpus

contida na Constituição de 46 possui correspondência idêntica à contida na

Constituição de 1967, e na Emenda de 1969 – ipsis literis – apenas tendo sido

alterado a localização nos artigos constitucionais – habeas corpus: Constituição de

1946, artigo 141, § 23; Constituição de 1967, artigo 150, § 20; Emenda de 1969,

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artigo 153, § 20. Contudo, em virtude da tradição no direito brasileiro, a Emenda de

1969, declina as regulamentações contidas no Ato Institucional n° 6, as quais

haviam excluído da competência da Suprema Corte a análise e o julgamento do

habeas corpus em virtude de perigo manifesto de violência. Somente com o advento

da Emenda de 1969, o pedido de habeas corpus pôde ser impetrado diretamente ao

Supremo Tribunal, justificado o pedido em virtude de perigo manifesto de

consumação da violência, em consonância com a tradição do direito brasileiro.

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5 O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

De acordo com Vicente Paulo e Alexandrino (2009, p. 83): “O habeas corpus

é o remédio a ser utilizado contra ilegalidade ou abuso de poder no tocante ao

direito de locomoção, que alberga o direito de ir, vir e permanecer do indivíduo”.

Sustentam os autores, que admitem-se hipóteses de impetrar o writ, quando

houver quebra de sigilo bancário que possa “implicar em ofensa indireta ou reflexa

ao direito de locomoção”, tese também sustentada pelo Supremo Tribunal Federal

(PAULO e ALEXANDRINO, 2009, p. 84).

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5°, inciso

LXVIII apresenta a seguinte redação: “Conceder-se-á habeas corpus sempre que

alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua

liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (PAULO e

ALEXANDRINO, 2009, p. 83).

5.1 A LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO, OBJETO DO HABEAS CORPUS

José Afonso da Silva (2006, p. 230-231) ensina que: “Uns negavam a

existência da liberdade humana, afirmando uma necessidade, um determinismo

absoluto; outros ao contrário, afirmavam o livre-arbítrio, liberdade absoluta, negando

a necessidade”.

Segundo o autor, estas questões pertencem à filosofia, e a resolução do

dilema destas argumentações soluciona-se ao observar que o homem integra um

processo de evolução natural, assim: “o homem se torna cada vez mais livre na

medida em que amplia seu domínio sobre a natureza e sobre as relações sociais”, o

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autor resume liberdade como: “conquista constante” (SILVA, 2006, p. 232), assim, a

liberdade não opõe-se ao conceito de autoridade, mas, da do exercício da

autoridade ilegítima, “autoridade e liberdade são situações que se complementam”.

A conclusão deste impasse filosófico, proposta por José Afonso da Silva

(2006, p. 232) assevera que: “toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal,

moral e legítima, no sentido de que seja consentida por aqueles cuja liberdade

restringe”, neste sentido, a liberdade é um fim em si mesmo, tem o propósito de

satisfação da pessoa, da busca da felicidade e da realização pessoal, e finaliza

(SILVA, 2006, p. 234): “quanto mais o processo de democratização avança, mais o

homem se vai libertando dos obstáculos que o constrangem, mais liberdade

conquista”.

Para o autor, a liberdade possui diversas formas de exteriorização, assim,

liberdade individual corresponde à coletividade destas formas de exteriorização,

dentre elas a liberdade da pessoa física, o que para o autor: “constitui a primeira

forma de liberdade que o homem teve que conquistar”, sendo a liberdade de

locomoção é uma das expressões especiais de liberdade da pessoa física, e quando

em risco ou efetivamente cerceada, por meio de coação ilegítima de autoridade,

admite-se o pedido de habeas corpus (SILVA, 2006, p. 239-240).

Cunha e Silva (1985, p. 56) ensinam que: “Não há liberdade total e absoluta,

devendo ser restringida, não podendo, porém, esta restrição ultrapassar o mínimo

necessário para que o indivíduo possa viver com dignidade”.

Explicam os autores, que o mau uso da liberdade resulta em

responsabilização do indivíduo pelo poder público, outrossim, quando violada a

liberdade do indivíduo sem justo motivo e respeito ao devido processo legal, são

cabíveis os remédios constitucionais, assim: “Para a liberdade de ir e vir existe o

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habeas corpus e para o constrangimento a outras liberdades há o mandado de

segurança”. (CUNHA e SILVA, 1985, p. 56)

Segundo o autor, o mandado de segurança possui maior amplitude do que o

habeas corpus, visto que tem a possibilidade de servir-se de instrumento para a

proteção de “qualquer direito líquido e certo que tenha sido desprezado ou

postergado, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade” (CUNHA e

SILVA 1985, p. 57).

Observa-se que o posicionamento doutrinário dos autores

supramencionados, obsta o posicionamento liberal do habeas corpus, proposto por

Rui Barbosa. Este posicionamento não encontra mais fundamento, nem eficácia no

cenário jurídico pátrio, vez que, o habeas corpus, de acordo com o texto

constitucional, é o instrumento de garantia da liberdade de locomoção, tendo

adotado o posicionamento doutrinário clássico, presente no Imperialismo pátrio,

decorrentes dos princípios originários surtos na Inglaterra. Observa-se ainda que,

com a evolução do direito brasileiro, decorrente de diversas circunstâncias –

políticas e sociais – surge o mandado de segurança como o instrumento alternativo

e eficaz, com o objetivo de garantir os demais direitos, não protegidos por habeas

corpus.

5.2 NATUREZA JURÍDICA

Segundo explica Dante Busana (2009, p. 32), a Constituição de 88 admite o

habeas corpus como um instrumento reparador e acautelatório, deste modo, admite-

se como meio para obstar futura coação ou para fazer cessar coação contrária à lei.

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O referido instrumento encontra-se protegido petreamente, deste modo, insuscetível

de emenda pelo poder constituinte originário ou derivado.

Os procedimentos concernentes ao habeas corpus são encontrados nas

regras procedimentais (BUSANA, 2009, p. 32), por ocasião da tradição trazida desde

o Império, vistas no Código de Processo Penal e posteriormente no Código de

Processo Penal Militar, neste último, na esfera dos Processos Especiais, o que

pouco esclarece sua natureza jurídica, naquele, o writ sustenta-se no campo dos

Recursos em Geral, decadente, pois, de acordo com o a doutrina, a temática do

habeas corpus como processo, possui sistemática superada, devido sugerir a este o

título de recurso, propriamente dito, ao invés de ação (BUSANA,2009, p. 32), como

visto no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu

inciso LXVII: “são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data e, na forma

da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania”. (BUSANA, 2009, p. 33) (grifo

meu)

Explica o autor supracitado, que recurso é o instrumento utilizado para se

obter a reforma de decisão desfavorável exarada por autoridade, partindo-se deste

ponto, observa-se que o habeas corpus, é o instrumento hábil que independe de

decisão anterior, tendo seu cabimento inclusive frente à particular. Não está sujeito a

prazos para interposição.

Quando revestido de função recursal, não resulta em alteração de sua

natureza, assim, não se transforma em recurso. O habeas corpus pode resultar em

rescisão de coisa julgada, sendo processo autônomo. Quando posterior ao processo

cível ou criminal, diferentes são os sujeitos processuais e suas prestações

resultantes. Difere do recurso judicial, pois este tem por objetivo a revisão criminal,

enquanto o habeas corpus tem a possibilidade de rescindir a coisa julgada.

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Sustenta Dante Busana (2009, p. 53-54) que o habeas corpus é ação

processual constitucional de conhecimento, pois não se esgotam as suas

possibilidades na esfera do direito penal, e tem a possibilidade de conhecer

definitivamente sobre a ilegalidade da restrição de locomoção, e quando em caráter

preventivo não ostenta o mesmo aspecto das ações cautelares, pois tem caráter

declaratório ou constitutivo e em determinadas circunstâncias, definitivo.

É ação gratuita por força de dispositivo constitucional, não havendo valor da

causa nem existindo possibilidade de condenar a autoridade coatora ao reembolso,

visto ser gratuito o pedido, não existem custas processuais: “Gratuita a ação de

habeas corpus, para ela não há mais previsão de custas e, consequentemente, não

é mais possível estabelecer o valor da sanção que se tornou inaplicável”.

Vicente Paulo e Alexandrino posicionam-se no sentido de que:

O habeas corpus é ação de natureza penal, de procedimento especial, com objeto específico constitucionalmente delineado – liberdade de locomoção – não podendo ser utilizado para a correção de qualquer ilegalidade que não implique em coação ou iminência de coação, direta ou indireta, à liberdade de ir, vir e permanecer. (PAULO e ALEXANDRINO, 2009, p. 84)

Assim, vê-se que o posicionamento doutrinário a respeito da natureza

jurídica do writ, segundo os autores supramencionados, apresenta-se diferente do

posicionamento adotado por Dante Busana (2009), embora se verifique a

convergência doutrinária nos outros aspectos.

5.3 CONDIÇÕES DA AÇÃO DE HABEAS CORPUS

Na atualidade, segundo explica Dante Busana (2009, p. 55), o habeas

corpus só pode ser afastado da análise do poder judiciário, mediante expressa

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previsão constitucional. Na atualidade, a impossibilidade de impetrar o pedido ocorre

somente nas hipóteses de punições disciplinares militares 13, contudo, alguns

julgamentos, do Supremo Tribunal Federal, têm admitido hipóteses de cabimento do

pedido de habeas corpus em transgressão disciplinar militar, quando evidenciados

vícios de forma, como incompetência da autoridade ou ausência de previsão legal

da pena, obstando a realização da análise do mérito administrativo.

O interesse de agir, segundo Dante Busana (2009), deverá ser demonstrado

através da caracterização da ilegalidade da coação sofrida, devendo estar adequado

o pedido à pretensão da liberdade de locomoção devendo estar demonstrada a

necessidade da prestação jurisdicional, assim:

Frise-se que o habeas corpus não socorre o passado, de tal sorte que se o perigo para a liberdade já não existe quando do ajuizamento do pedido, quem o formula será carecedor da ação, o que também ocorrerá se a coação cessar no curso do processo, pois o interesse de agir deve ser sempre atual (BUSANA, 2009, p. 61).

O autor explica que, vez que justificado o interesse de agir, observa-se a

legitimidade passiva e ativa, assim, a legitimidade passiva é a autoridade coatora

(delegado de polícia, juiz ou Tribunal, o órgão do Ministério Público, Comissão

Parlamentar de Inquérito ou Comissão Especial de Inquérito e nas hipóteses de

transgressões militares o Comandante, admitindo-se ainda o particular), por sua vez,

tem legitimidade ativa qualquer pessoa, contudo, desde que demonstrada a

convergência de interesses, o livramento da pessoa cerceada do direito de

locomoção.

Segundo Vicente Paulo e Alexandrino, a legitimidade ativa do habeas corpus

é universal, assim, qualquer pessoa, nacional ou estrangeiro, poderá ingressar com 13 BUSANA, Dante. O Habeas Corpus no Brasil. São Paulo: Atlas, 2009, p. 57: “A exclusão do writ nas punições disciplinares militares deita raízes na história do habeas corpus no Brasil e seu fundamento é a preservação da hierarquia e da disciplina”.

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o pedido em benefício próprio ou alheia, por sua vez, a legitimidade passiva pode

ser qualquer autoridade pública ou particular (2009, p. 84).

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6 CONCLUSÃO

O habeas corpus, é um instrumento de garantia de liberdade de locomoção,

encontra-se positivado no ordenamento jurídico pátrio no artigo 5°, inciso LXVII da

Constituição da República Federativa do Brasil, tem por finalidade obstar a privação

da liberdade individual mediante coação ilegal ou o perigo de coação ilegal,

cometido por autoridade pública ou particular.

Embora sejam observadas divergências doutrinárias a respeito da natureza

jurídica do instituto do habeas corpus, o posicionamento majoritário sustenta que o

writ situa-se no campo do processo constitucional, sendo uma ação declaratória ou

constitutiva, de caráter especial, tendo por objeto a garantia da liberdade de

locomoção. Podendo figurar como sujeito ativo qualquer pessoa, brasileira ou

estrangeira, e como sujeito passivo a autoridade pública ou particular autora da

coação ilegal.

Os precedentes históricos do habeas corpus indicam os interditos

proibitórios do direito romano, contudo, foi no direito Inglês, no período do Rei João

Sem Terra, no ano de 1215, que o referido sustentáculo da liberdade individual teve

sua máxima expressão histórica, e desde então difundindo e ampliando seus

conceitos jurídicos até meados da revolução francesa e inglesa, pilares históricos da

valorização dos direitos e garantias individuais do homem.

No direito pátrio, durante o período do Império, por volta do ano de 1824,

após a criação de uma nova ordem constitucional, impulsionada pela proclamação

da Independência, erigem os primeiros movimentos em prol das garantias

individuais, dentre elas, o devido processo legal, o que se admite, precedentes do

instituto do habeas corpus no Brasil. Durante o período Imperial, nos anos de 1830 e

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1832, devido à evolução da ciência jurídica brasileira, propõe-se a adoção de

instrumentos de proteção da liberdade individual, adotando-se o modelo clássico do

habeas corpus, o qual tem por objeto a liberdade de locomoção, obstando através

da via do habeas corpus a garantia dos outros demais direitos decorrentes do

exercício da liberdade individual.

A maior expressividade do habeas corpus no ordenamento do Império

corresponde à elaboração do Código de Processo Criminal de 1832, embora tenha

sido insculpida a previsão do writ no Código Criminal de 1830, este não instituiu

mecanismos eficazes para a sua propositura judicial, a qual foi regulamentada por

ocasião do Código de Processo Criminal de 1832.

Em decorrência da proclamação da República, e a instauração de um

governo provisório de transição, propôs-se a elaboração de uma nova Constituição,

a de 1891, tendo sido esta a primeira Constituição da República, e que influenciou

todas as posteriores, principalmente em virtude da forte característica liberal e

democrática existente.

O responsável pela elaboração e redação da Constituição de 1891 foi o

então Senador Rui Barbosa, o qual defendia a ampliação da utilização do habeas

corpus em relação às demais liberdades individuais. Rui Barbosa foi eminentemente

forçado por questões sociais e políticas, contudo, este posicionamento jurídico

justifica-se, em virtude de inexistir, no direito pátrio da época, qualquer remédio

jurídico-constitucional hábil, que permitisse a proteção dos demais direitos

relacionados à liberdade individual, os quais até meados de 1946 ainda não haviam

sido protegidos pelo mandado de segurança.

Arthur Bernardes, então Presidente da República, propõe a reforma

constitucional de 1926, impulsionado por fatores deterministas, pós-primeira guerra

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mundial, e diante dos impasses políticos, sociais e ideológicos, resolve atribuir ao

habeas corpus o status de remédio constitucional exclusivo para a proteção da

liberdade de locomoção frente à coação ilegal ou iminente risco de coação ilegal. A

reforma constitucional de 1926 não atingiu os objetivos esperados, e estabeleceu-se

na República até meados de 1934 um estado de anarquia, onde figuraram diversas

revoluções idealísticas que resultaram na proposição de um novo texto

constitucional, o qual resultou em um tratamento estrito em relação à impetração do

habeas corpus.

Durante o Governo do Presidente Getúlio Vargas, ocorre a valorização dos

ideais liberais e sob a ingerência de influências comunistas, diversas mobilizações

políticas emergem na sociedade, dentre elas os movimentos em prol dos direitos

sociais, Getúlio Vargas, por estes motivos, nomeia uma comissão para a elaboração

de uma nova constituição, a qual foi outorgada em 1937, tendo assegurado, dentre

outros, o direito dos trabalhadores. Em relação ao habeas corpus, ressalta-se a sua

fragilidade doutrinária permaneceu após a Constituição de 1937, contudo,

substabeleceu-se definitivamente a doutrina, embora tenham sido impostas diversas

restrições ao seu uso.

Em 1946, durante o Governo do Presidente Marechal Eurico Gaspar Dutra,

erige, no ordenamento pátrio, uma nova ordem Constitucional, envolvida pelos

fatores pós-segunda guerra mundial. O período antecedente à Constituição de 1946

observou o mandado de segurança, contudo em sede de lei ordinária. A partir da

Constituição de 1946 o mandado de segurança integrou o texto constitucional, e

deste modo, encarregou-se da titularidade de proteger as liberdades individuais não

protegidas pelo instituto do habeas corpus.

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Na década de 60, durante o regime militar no Brasil, o habeas corpus sofreu

limitações de sua aplicabilidade, principalmente em relação aos crimes políticos e

contra a ordem econômica. Embora a Constituição de 1967 tenha sido elaborada

com o objetivo de restabelecer a ordem social e política brasileira, havia uma ruptura

da ordem pública e inclusive na hierarquia interna das corporações militares.

Durante a década de 60, o Brasil viu-se regido por Atos Institucionais e Decretos-

leis. Embora existisse um ordenamento constitucional, o mesmo não se

substabelecia em virtude da hegemonia dos poderes públicos decorrentes da

ditadura militar imposta durante este período, o qual foi reconhecido como o período

negro do Governo Brasileiro, da censura e da restrição de liberdades individuais,

principalmente a política e de pensamento.

No final dos anos 70, a ditadura militar brasileira perde a hegemonia de seu

Poder, principalmente em decorrência das pressões sociais, assim, atos do governo

e do congresso nacional determinam o fim da vigência dos Atos Institucionais, inicia-

se uma nova proposição de ordem Constitucional, a qual se acentuou nos anos 80,

e resultou na Assembléia Constituinte de 1988, assim, a Constituição da República

Federativa do Brasil foi promulgada em 5 de outubro de 1988, embora com diversas

emendas, encontra-se vigente até a presente data.

Obsta centralizar o objetivo deste trabalho, o qual se situa no campo de

estudo da evolução do instituto do habeas corpus constitucional brasileiro. A

doutrina admite que o habeas corpus, stricto sensu, não sofreu alterações em seu

objetivo fundamental, a liberdade de locomoção, contudo, fora utilizado como

instrumento garantidor de outras liberdades individuais, principalmente devido à

ausência, no ordenamento jurídico brasileiro, do writ off mandamus.

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A doutrina brasileira atual divide-se quanto à sua natureza processual penal

ou processual constitucional, principalmente devido ao fato do writ ter erigido no

Direito Penal do Império e posteriormente no Direito Processual Criminal do Império.

Contudo, a liberdade de locomoção é um dos principais atributos da vida, se não o

bem mais precioso, o de que deles se vale o indivíduo para atingir os seus ideais,

por este motivo, ocorre a verossimilhança com o direito penal e processual penal,

direito que resguarda os bens mais importantes do homem, dentre eles a vida e a

própria liberdade.

Nesta seara de entendimento, justifica-se o posicionamento doutrinário de

muitos autores ao defender natureza jurídica da ação de habeas corpus no campo

do direito penal e processual penal, este entendimento seria razoável até o advento

da primeira Constituição da República, datada de 1891.

Contudo, na atualidade e desde a Constituição de 1891, mais conveniente

seria o posicionamento de Dante Busana e Pontes de Miranda, os quais submetem

o status da ação de habeas corpus em nível constitucional, mais específico ainda

Dante Busana, ao atribuir sustentar que a ação de habeas corpus possui natureza

processual constitucional e tem por objetivo garantir a liberdade de locomoção do

indivíduo, pois situa-se no campo dos direitos e garantias individuais ostentadas

petreamente no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil,

datada de 5 de outubro de 1988.

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