Crimes de maio

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RENATO SANTANA

DA REDAÇÃO

A criança estava para nascer. Contava nove meses. Ia se chamarBianca. No útero, o bebê tinha a mão esquerda perto do joelhoesquerdo. Normalmente se sabe desses detalhes pela esperadaultrassonografia. Momento de felicidade para qualquer família.Era maio de 2006 e se soube disso por uma necropsia. Mão ejoelholesionados.

Na esquina das ruas Campos Sales e Braz Cubas, Vila Mathias,em Santos, a mãe, Ana Paula Gonzaga dos Santos, conversavacom Eddie Joey Oliveira num fim de noite do dia 15 de maio de2006, três dias depois dos atentados do Primeiro Comando daCapital (PCC). Tinham 24 anos. Por volta das 23 horas, um carroescuro precipitou-se na esquina. Quatro pessoas saíram. Encapu-zadas. Armadas. Eddie levou oito tiros. Dois nas costas. Outrosdois nas mãos. Três no peito e um na cabeça, por trás. Ana Paulalevou cinco. Um na lateral da cabeça. Um na parte posterior dacoxa. Outro no braço esquerdo e mais um no abdômen. A mortedo bebê foi notificada como “inviabilidade materna”. Eddie tinhapassagemporfurto, semcondenação.

O vigia de um posto de gasolina próximo assistiu ao crime. Foimorto na noite seguinte, depois de dizer para a mãe de uma dasvítimas o que viu. O inquérito durou seis meses e seis dias antes deser arquivado. A alegação é que os autores não foram identifica-dos. Estão impunes. Controvérsias e novas revelações, no entanto,rondamesse e muitos outros crimesde autorias não tão desconhe-cidas nos bastidores de uma guerra particular que teve seu ápiceemmaiode2006, comorepresáliaaosataquesdoPCC.

BUSCA POR JUSTIÇAA Defensoria Pública de Santos e São Vicente, detentora de seisinquéritos com nove vítimas, incluindo Ana Paula e Eddie, querque todos esses casos sejam investigados pela Polícia Federal ejulgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Também, atra-vés de ações de indenização em nome dos familiares, que o Estadose responsabilize pelas mortes. As medidas serão tomadas entreestemêsemaio.

Nos dias seguintes aos atentados do PCC, grupos de extermínio,assim denominados pela Ouvidoria da Polícia do Estado de SãoPaulo, Defensoria Pública e grupos de direitos humanos, encapu-zados ou não, executaram sumariamente 142 pessoas. Nos bole-tins de ocorrências, as mortes são descritas como homicídio. NoEstado, os registros são de 505 civis mortos e 97 feridos entre osdias12e21demaio.

Aqui tomamos como base os dados de um estudo feito peloLaboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual doRio de Janeiro (UERJ). Encomendado pelo Conectas DireitosHumanos, o estudo parte da análise de laudos cadavéricos eboletins de ocorrências do período da primeira onda de ataquesdo PCC. A semana sangrenta registrou 564 mortes, entre civis eagentespúblicos.

Na Baixada Santista, segundo dados da Polícia Civil, entre 12 e20 de maio de 2006, foram 40 assassinatos por autoria desconhe-cida, além de 38 tentativas de homicídio e duas mortes emconfronto policial – a chamada resistência seguida de morte.Guarujá foi o terceiro no Estado em números gerais de óbitos: 29,ante 163 na Capital e 54 em Guarulhos. Há registros de ataquesem Cubatão, Praia Grande e São Vicente. Passados quase quatroanos, nenhum desses homicídios foi julgado. A falta de provas é aprincipalalegaçãodaPolíciaCiviledoMinistérioPúblico.

A Promotoria de Justiça recomendou o arquivamento dosprocessos, sem precisar quantos, mesmo depois de reconhecer aexistência da ação de grupos de extermínio ou parapoliciais. OPoder Judiciário acompanhou as decisões e bateu o martelo peloarquivamento.

Caso o pedido de investigação federal seja negado, os inquéritosserão encaminhados para a Corte Interamericana de DireitosHumanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA).Oórgãoconvoca oEstadobrasileiro aobancodos réus.

O defensor público responsável pelos processos é o advogadoAntônio Maffezoli. Há mais de um ano no caso, milita na área dosdireitos humanos. Aponta que a polícia local, o Ministério Públicoe o Poder Judiciário, que acatou o arquivamento dos processos,não agiram direito. “Há falhas nos inquéritos. Analisamos todos,descrevemoscadacasoeapontamosasfalhas.Sãováriascontradi-çõeseomissões”,diz.

Maffezoli justifica com três teses a ação judicial em nome dasfamílias: responsabilidade direta do Estado pelas mortes, devidoaos indícios de participação de policiais nos grupos de extermínio;omissãodo governo em garantir a segurança dapopulação naque-les dias de ataques do PCC. Ao contrário, as autoridades políticasdisseram que estava tudo sob controle e não coibiram as represá-lias atribuídas a seus policiais: “Várias autoridades reconhecem,inclusive o promotor de Santos”, afirma o defensor. Por fim, que o

Estado não fez a devida investigação dos crimes e punição dosculpados,violandoodireitodos familiaresàverdadeeà justiça.

SEMELHANÇAS ENTRE OS CRIMESA ação dos grupos de extermínio é homogênea. Foram praticadospor pessoas encapuzadas, seja na região ou em outros municípiosdo Estado. Carros escuros, com vidros filmados, acompanhadosde motos. “Na maioria dos inquéritos, uma viatura da PM passouminutos antes no local dos ataques”, frisa Maffezoli. Nos anos 70,osesquadrõesdamorteoperavamdamesmaforma.

Em baixa velocidade, os policiais olhavam quem estava no barounumaesquina.Derepente,surgemosencapuzados,emmotoci-cletas, os chamados ninjas. Tiros, execuções e recolhimento decápsulas.Nasequência,oretornodaviatura.

“Se a pessoa estiver morta, os policiais não podem mexer.Portanto, sempre alegam que a pessoa está viva porque aí elestiram do local e alteram a cena, recolhem cartuchos. Estamosfalando dos crimes de Santos, mas pelo que sei é assim emqualquer lugar”,afirmaodefensorpúblico.

A Defensoria e diversas entidades de direitos humanos presu-mem que policiais estejam envolvidos nos crimes. “Ainda não hánenhumaprova cabal. Num dos inquéritos, uma das testemunhasidentifica a calça cinza, que muitos encapuzados trajavam, alémdocoturnodaPM”,relata.

Houve uma situação em que o encapuzado levantou a touca euma testemunha reconheceu o policial. Falou para a mãe de umadas vítimas. Na delegacia não se sentiu bem para depor. ParaMaffezoli, não se sabe se a testemunha não falou porque odelegadonão perguntououse foimedomesmo.

ANTECEDENTES CRIMINAISO RG de Edson Rogério Silva dos Santos, morto com cinco tirosno dia 15 de maio, às 23h20, no Morro da Nova Cintra, foiconsultado20 vezesentre23h55,minutos depoisdeserassassina-do, e 17h22 do dia 16. Nenhum dos policiais que trabalhavam nacentral naquela noite lembrou-se das pesquisas quando chamadopara depor. As informações foram levantadas pela DefensoriaPública.

Os policiais que pesquisaram o RG do jovem de 29 anos mortoacharam uma condenação por roubo em 1997. Nove anos depoisdo delito, Edson trabalhava como gari. “Me pergunto como podeum criminoso, traficante ou ladrão, trabalhar embaixo de sol echuva e ganhar pouco, catando lixo”, questiona o defensor. Talcaracterísticapodeser vistanapágina doisdetodosos inquéritos.

Quando a polícia conversava com familiares, seja no local docrime ou no pronto-socorro, a primeira pergunta era sempre essa:tem antecedentes? Maffezoli defende que é o tipo de informaçãoirrelevante: “A polícia não tratou as pessoas como vítimas, mascomo suspeitas. Se uma pessoa branca e de classe média cair noGonzaga, bairro nobre de Santos, é tratada como vítima. Pardo,jovem e da periferia era desde o começo relacionado a dívida dedrogas, acerto de contas. Teve inquérito arquivado por isso”,afirmaodefensorpúblico.

OPINIÃO JUSTICEIRAPara Maffezoli, a Polícia no Brasil sempre existiu, principalmentedepois da abolição da escravidão, como forma de conter a camadamais pobre da sociedade. Para ele, justificativa para a extrematolerânciacomoscrimesdecolarinhobranco.

“Fala-se muito em impunidade. É verdade. Ela existe paracrimes fiscais, tributários, desvios de recursos públicos. A cadeiaestá cheia. De 1995 a 2010, dobrou o número de presos. Sabequem são? 60% de furto, roubo e pequeno tráfico de drogas. Osgrandestraficantes fazem acertos”,defineodefensor público.

Para ele, os setores que precisam conter a violência dependemdessa opinião justiceira da sociedade. A velha tese de que bandidobom é bandido morto, criada em gestões públicas atreladas aoperíododaditaduramilitar.

Maffezoli frisa que identificar os autores dos Crimes de Maio epuni-los é uma tarefa reconhecidamente difícil. Sabe-se de apeli-dos de policiais, envolvidos nos grupos, tais como Bubu e Cama-rão, mas a PM geralmente isola o indivíduo para proteger acorporação. A intenção da Defensoriaé a universalidade dos crimese que o Estado pague pe-loque fez.

Crimes de maio 1ª parte

“A responsabilidadedas mortes é doEstado. Ele deveinvestigar quem sãoos agentes que estãoatrás dasmáscaras”.Débora Maria da Silva, líder da Associaçãode Mães e Familiares Vítimas da Violência.

>>Em 12 de maio de 2006, uma sexta-feira,começavaa maior ondadeataques promovi-dapor umafacção criminosa.O Primeiro Co-mandodaCapital (PCC), emoito dias, articu-lou373 atentados contrabases da Polícia Mili-tar,agênciasbancárias, delegacias, viaturaseônibus. Outrasduas sériesde ataquesvolta-ramaacontecer em julho e agosto.

>>Os atentados foram uma resposta doPCC a uma tentativa da polícia de isolar seuslíderes em presídios de segurança máxima.No total, 765 presos foram removidos. Em otodo Estado, 24 unidades de detenção sofre-

ram rebeliões. A população, em pânico, esva-ziou as ruas e o comércio fechou as portas.

>>O ano registrou também a famosa frasedo então governador Cláudio Lembo, ao co-mentar prováveis razões da crise: “A elitebranca precisa tirar a mão do bolso”.Outra marca do período foram as inúmerastentativas do secretário da Segurança Públi-ca do Estado de São Paulo, Saulo de CastroAbreu Filho, de abafar as ações de retalia-ção da polícia. A mando do secretário, lau-dos necroscópicos de vítimas chegaram aser retidos.

Quando a vida encontra sentido na luta

“Não consigo mais viver sem o meu neto”

Dona Maria foi atingida pelas perdas logo no primeiro casamento. Omarido morreu cedo. Quando se casou novamente, gerando o pai deRicardo, vendia na Praça dos Andradas as bananas que cultivava nomorro e os porcos de seu pequeno chiqueiro. Depois da morte de seusegundo marido, seguiu na batalha até perder as forças. Ricardo foiquem a socorreu.

“Ele fazia tudo para mim. A morte dele foi a pior coisa que me aconteceuna vida. Senti mais que a perda do pai dele”, lamenta dona Maria. Adependência era total. O rapaz fazia feira, cuidava dela quando ficavadoente, comprava os remédios. Era ele que administrava suaaposentadoria de um salário mínimo. Não gastava um tostão sem antesconsultar a avó.Ricardoestudavaejogavafutebol.Duasatividadesquedesempenhavacomlouvor.Professoresaconselhavamojovemaestudarlínguas,dadaavontadedeRicardoemfazerSenaiparamexercommaquináriosestrangeirosemobrasestatais. Issoseosonhodeserjogadornãovingasse.

Namanhãseguintedamortedoneto,donaMariarecebeuumaligaçãodoSantosFutebolClubeinformandoqueojovempassaranumapeneira.“Meu menino não fumava, não bebia ou usava drogas. Era desses negrosque gostam de se arrumar, ficar cheiroso e namorar”, brinca. Há poucotempo, o irmão mais novo de Ricardo, fruto do segundo casamento deseu pai, veio morar com dona Maria junto com a esposa grávida. Omenino é menor de idade. Até então, vivia sozinha.Deixou de gastar a aposentadoria inteira com remédios graças a umamédica que lhe arrumou um atestado para pegar os medicamentos degraça. Uma enfermeira recebe sua aposentadoria e compra aquilo quefor necessário. Dona Maria se alimenta mal, pois não é tudo que seuestômago aceita.“Eu queria ter ido no lugar dele. Lembro de uma vez que fiz uma cirurgiae ele disse que não sabia o que faria sem mim. Eu é que não sei agora”,afirma. Na casa, Ricardo gostava de subir no alto de um morro do terrenopara ver os navios e lamentava não poder jogar bola ali. “Se eu fossemais nova, ia atrás de quem fez isso com meu neto”, desabafa.

A DefensoriaPública

tentará, juntocom a JustiçaGlobal, que oscrimes sejamjulgados na

esfera federal.Mesmo assim,

entrará com açãona Justiçaregional.

Cronologia

Desespero

60%foram

na cabeça

“Na maioria dosinquéritos, umaviatura da PolíciaMilitar passouminutos antes nolocal dos ataques”.

3000disparos dados em 505 vítimas

no mês demaio de 2006

142é o númerode execuçõescometidas porautoresdesconhecidos emtodo Estado.

��� “O sangue do meu filhoborbulha nos meus olhos24 horas por dia”. O san-gue é de Edson RogérioSilva dos Santos e os olhossão de Débora Maria daSilva, líder da Associaçãode Mães e Familiares Víti-mas da Violência. Elaaprendeu o significado dapalavra impunidade semabrir o dicionário.

Segundo entidades de di-reitos humanos e Defenso-ria Pública, depois da dita-dura militar, os Crimes deMaio representam um dosmomentos de maior violên-cia praticada pelo Estadona história recente doPaís.

RESULTADOS DA LUTAEntretanto, a situação estáclareando na opinião dasMães de Maio. Os debates ea militância na área dos di-reitos humanostêm dado vi-sibilidade aos Crimes deMaio. Tanto que elas contri-buíram na elaboração do 3ªPrograma Nacional de Di-reitos Humanos(PNDH).

“Estamosembuscadamo-ral, da ética, da verdade, dademocracia. Não podemoscontinuar sofrendo com aimpunidade. Estamos gri-

tando, aclamando por justi-ça”, diz Débora. A participa-ção das Mães de Maio naelaboração do PNDH ocor-reu em todas as instânciasda Conferência Nacionaldos Direitos Humanos.

“A responsabilidade pelasmortes é do Estado. Ele de-ve investigar quem são osagentes que estão atrás dasmáscaras”, pontua Débora.Ela teme pela própria vida,apesar da coragem em se-guirna luta pelo desarquiva-mento dos processos. Asameaças que recebe não afazem parar.

CRIMES CONTINUAMAs mortes causadas por gru-posencapuzadosaindaocor-rem nas periferias da re-gião,segundoDébora.Rogé-rio Monteiro Ferreira, de 31anos, é uma dessas vítimas.No dia 17 de março de 2007,num bar da Avenida Jovinode Mello, Zona Noroeste,em Santos, foi morto comquatro tiros. Todos de tráspara frente, sendo um nacabeça. Execução. Rogériofoi morto acuado entre má-quinas de caça-níquel. Nãopôde correr, como os ami-gos, porque o primeiro tirofoi na perna.

“Ele era trabalhador, nãotinha vícios. Estava toman-do cerveja com os amigos.Mais nada”, lamenta a mãede Rogério, Rita de CássiaNogueira. Apenas duas se-manas depois foi chamadapara depor no 5º DP, distri-toondeohomicídiofoiregis-trado.

A tragédia desta mãe ain-da teve outros desdobra-mentos. No dia 5 de maio domesmo ano, seu outro filho,Alexandro Monteiro Ferrei-ra, estava num bar e presen-ciou a ação de três homensencapuzados. Três mortes.

No dia 25 de setembro,Alexandro foi abordado poruma viatura da PM enquan-to ia comprar pão. Levadopara o Morro da Nova Cin-tra, foi espancado por seispoliciais. Um deles disseque ia matá-lo como fizeracomo irmão.

Alexandro foi preso na se-quência do espancamentoportando umtijolo de maco-nha. Os indícios analisadospela Defensoria apontampara o porte forjado da dro-ga. Condenado, cumpre pe-na. Rita luta para provar ainocência de um filho e queo Estado pague pela mortedo outro.

29mortesforam registradas emGuarujá de 12 a 21 demaio de 2006. A cidadefoi a terceira do Estadonesse tipo deocorrência no período.

“Pardo, jovem e daperiferia era desde ocomeço relacionado adívida de drogas,acerto de contas”.

Antônio Maffezoli, defensor público.

40mortes de

homicídio dolosocom autoria desconhecidaocorreram na região entre

12 e 20 de maio de 2006.

ALBE

RTO

MAR

QU

ES

O PCC adotou como principal tática atingir bens públicos. Centenas de ônibus foram queimados

564é a quantidadede pessoas mortas, entrecivis e agentes públicos,nos conflitos e açõesencapuzadas de maio de2006.

IRANDY RIBAS

20é a quantidadede consultas feitas noCopom, na noite doassassinato, ao RG deuma das vítimasdos grupos deextermínio .

Quem pagará por isto?Depois dos ataques da facção criminosa que se autointitula Primeiro Comando da Capital (PCC), em 12 de maio de 2006, grupos de extermínio, comfortes suspeitas de serem compostos por policiais, levaram o terror à periferia. Quase quatro anos depois, nenhuma morte foi esclarecida

Garoto de ouro

Num antigo caminho cons-truído por escravos, calça-do por pedras rústicas edisformes, no Morro SantaMaria, o canal portuárioda Alemoa, na Zona No-roeste, periferia de Santos,parece seguir seu incansá-vel vaivém de embarca-ções. Do alto, tudo aparen-ta normalidade na parte dacidade onde as mortes cau-sadas por grupos de exter-mínio deixaram rastros demedo e dor.

O caminho usado pelosescravos para chegar aoQuilombo do Jabaquara,no século 19, é o mesmo queRicardo Porto Noronha, de

17 anos, fazia para chegarem casa. Deixou de fazê-lona noite do dia 17 de maiode 2006 quando foi assassi-nado, com sete tiros, um natêmpora, por encapuzados.Não tinha passagem pelapolícia.

O rapaz era negro, tal co-mo sua avó, Maria da Pure-za de Araújo Noronha, quedepois da morte do neto seviu sozinha no alto do SantaMaria, numa casa simples erepleta de recordações desuas perdas. Entre elas, afoto de Ricardo. Uma vidadestroçada e mergulhadanaimpunidade.

Dona Maria tem 88 anos.

Sua história começa em Ser-gipe e termina com a mortedo neto. Há cerca de 40anos vive no Santa Maria.Naquela trágica noite, a avóatendeu ao pedido de Ricar-do e cozinhou batatas comlinguiça. O jovem se prepa-rava para ir à escola, o Sesi.Estudava lá desde pequenopor conta de Dona Maria.Da casa dá para ver o colé-gio, na Avenida Nossa Se-nhora de Fátima.

“Quando era pequeno euo levava para o Sesi às 7horas. O acordava às 6 ho-ras, dava banho, arrumava.Quando era liberada maiscedo das roupas (as lavava

para terceiros) ia buscar às17 horas”, conta Dona Ma-ria. Ricardo passou a sercriado pela avó aos 3 anos,quando a mãe do menino oabandonou. O pai consti-tuiu outra família e sumiudo morro. Ambos morre-ram antes do assassinatode Ricardo.

A avó virara mãe. O neto,filho.Eassimambossetrata-vam. As batatas com lingüi-ça foram o último mimo damãe/avó. Duas horas de-pois um amigo de Ricardosubiu correndo o caminhodos escravos para avisar Do-na Maria sobre a morte doneto/filho.

“Se eu fosse mais nova iaatrás de quem fez isso commeu neto”.Dona Maria, avó de Ricardo Porto Noronha.

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