1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em...

207
1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A “AMBIENTALIZAÇÃO” DO DISCURSO EMPRESARIAL NO EXTREMO SUL DA BAHIA Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Henri Acselrad Doutor em Planejamento, Econ. Pública e Organização do território. Universidade de Paris Partheon-Sorbone Rio de Janeiro 2006

Transcript of 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em...

Page 1: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

1

MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO

A “AMBIENTALIZAÇÃO” DO DISCURSO EMPRESARIAL NO EXTR EMO SUL DA

BAHIA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Henri Acselrad Doutor em Planejamento, Econ. Pública e Organização do território. Universidade de Paris Partheon-Sorbone

Rio de Janeiro 2006

Page 2: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

2

Carvalho, Márcia Maria Andrade de

C331 A “ambientalização” do discurso empresarial no Extremo Sul da Bahia / Márcia Maria Andrade de Carvalho. – Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Planejamento Urbano e Regional, 2006.

f. : il.

Orientador: Professor Dr. Henri Acselrad Dissertação (doutorado) - Universidade Federal do Rio de

Janeirol. Instituto de Planejamento Urbano e Regional, 2006 .

1. Sustentabilidade. 2. Monocultura. 3. Papel e celulose . 4. Discurso. 5. Extremo Sul da Bahia I. Acselrad, Henri. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Planejamento Urbano e Regional. III. Título.

CDD – 363.7

Page 4: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

3

MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO

DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE E SUSTENTABILIDADE DO DISCURSO:

A “ambientalização” do discurso empresarial no extr emo sul da Bahia

Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

Aprovado em:

__________________________________ Prof. Dr. Henri Acselrad – Orientador Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ __________________________________ Prof. Dr. Jorge Luiz Alves Natal Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ __________________________________ Prof. Dr. Rainer Randolph Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ __________________________________ Profa. Pós-Dra. Ester Limonad Centro de Estudos Gerais, Instituto de Geociências - Universidade Federal Fluminense __________________________________ Profa. Dra. Cristina Maria Macêdo de Alencar Universidade Católica de Salvador

Page 5: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

4

Para Antonio Carlos, Lucas, Marcel e Eurídice.

Page 6: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

5

AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas contribuíram para a elaboração dessa tese. Pessoas do

meu convívio familiar, pessoas do meu convívio profissional, pessoas do meu convívio acadêmico. Pessoas que eu tive o prazer de conhecer durante o percurso e em função da pesquisa e elaboração do trabalho, muitas vezes em momentos difíceis e de forma imprevista, também deram sua contribuição. As contribuições vieram das mais diversas formas: críticas, sugestões, indicação de bibliografia, ajuda no acesso à bibliografia, apoio financeiro, palavras de incentivo, sorrisos, olhares e palavras de apoio ou mesmo de reprovação, estímulos que me levaram a elaborar melhor minhas concepções. A todas essas pessoas, minha gratidão.

Page 7: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

6

[...] A vida brota de duas lavras: a da enxada e a das artes, bens materiais e simbólicos. A primeira dá sustento; a segunda, sentido. Frei Beto.

Page 8: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

7

RESUMO

CARVALHO, Márcia Maria Andrade de. A “Ambientalização” do discurso empresarial no Extremo Sul da Bahia. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional), Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006.

A partir da Conferência da ONU para o Desenvolvimento e o Meio Ambiente em 1992, intensificou-se um discurso empresarial que evoca a preocupação com o meio ambiente e a sociedade. O discurso fala da disposição para alcançar o chamado “desenvolvimento sustentável”, a busca da ultrapassagem do patamar da preocupação apenas com a poluição, a procura de abordagens mais sistêmicas dos processos produtivos e o interesse em resolver problemas usualmente tratados por governos e ambientalistas. Esse discurso seria justificativa para as escolhas produtivas, técnicas e de localização das empresas. Discursos correntes que consideram as empresas como agentes capazes de promover uma mudança no mundo social seja por intermédio de parcerias público-privado, assistencialismo social, modernização ecológica, etc. Esta Tese demonstra como um discurso produz efeitos simbólicos e ideológicos e procura mostrar que efeitos sociais foram observados. Focaliza o discurso dos representantes dos empreendimentos da monocultura do eucalipto em interação com os demais agentes portadores de interesses diversos. Para tanto foram selecionadas e analisadas amostras da prática discursiva (linguagem falada e escrita), na forma de relatórios anuais, boletins, reportagens, entrevistas e documentos, da empresa e dos demais participantes do campo social estudado, bem como dos registros obtidos a partir da participação em seminários, encontros e fóruns de iniciativa tanto da empresa quanto dos demais atores envolvidos nos processos sociais. Partiu-se da teoria social do discurso segundo a qual o discurso é capaz de agir sobre o mundo. Conclui-se que o discurso empresarial ambientalizado não implica necessariamente em melhoria nas formas de vida locais. Por intermédio da legitimidade que a idéia de sustentabilidade atribui, o discurso ambiental tem complementado a posição privilegiada ocupada pelo agronegócio da celulose em relação aos demais agentes com projetos para o território. Esta dominação desdobra-se em vantagens obtidas junto a instituições estatais, financeiras e de certificação. Observa-se assim, segundo movimentos sociais organizados na região, uma redução dos espaços sociais da pequena produção; desestruturação das alternativas locais tradicionais; enfraquecimento dos saberes tradicionais; centralização do poder e fortalecimento do processo de acumulação dos setores modernos da agroindústria em detrimento de outros projetos sócio-territoriais para a região. Palavras-Chaves: Sustentabilidade, Monocultura, Papel e Celulose, Discurso, Extremo Sul da Bahia.

Page 9: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

8

ABSTRACT

CARVALHO, Márcia Maria Andrade de. A “Ambientalização” do discurso empresarial no Extremo Sul da Bahia. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional), Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006.

Since the UN Conference on Environment and Development in 1992, a business discourse was intensified evoking concern with the environment and the society. This discourse mentions the will to reach the so-called “sustainable development’, the search to overcome concerns with pollution alone, but also with implications of the whole productive process and with the ends given to products and its packings. Business intended to show interest in dealing with problems usually treated by governments and environmentalists. This Thesis search to analyse the “environmentalisation” of the business discourse as part of the ecological modernization process, pretending companies are agents capable to promote social change through public-private partnerships, social assistance and ecological care. This Thesis considered how discourse produces symbolic and pratical effects, focusing companies producing bleached eucalyptus pulp, together with eucalyptus plantations. Samples of the companies discourse had been used, kept in annual reports, bulletins, news articles, interviews and registers got through the participation in seminars, meetings and forums. The discourse is here understood as capable to act on the world, as states the social theory of discourse. The research suggests that corporate discourse on the sustainability of its practices act as symbolic capital giving legitimacy the company dominant position regarding to other social agents and local organizations. This domination favour its access to territory resources as well as to benefits from State, finance and certification institutions. Key-Words: sustainability, eucalyptus plantations, discourse, south of Bahia.

Page 10: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

9

LISTA DE TABELAS

Tabela Denominação Pg.

Tabela 1

Expansão da área com lavoura na região Extremo Sul do Estado da Bahia 1950 – 1993...................................................................... 80

Tabela 2 Número de hectares necessários para gerar um emprego direto.... 169

Tabela 3 Custo por emprego criado na produção de celulose em comparação com outros setores 169

Page 11: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACSP - A Associação Comercial de São Paulo ADENE - Agência de Desenvolvimento do Nordeste AMASA - Associação de Moradores de Santo André. APPA - Associação Pradense de Proteção Ambiental ANFPC - Associação Nacional dos Fabricantes de Papel e Celulose BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BSI - British Standarts Institutions BCSD - Business Council of Sustainable Development CAF - Companhia Agrícola e Florestal

CAR – BA - COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL – BA

CFP - Centro dos Fabricantes de Papel CDDH - Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Extremo Sul da Bahia CEBDS – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica CEI – BA - CENTRO DE ESTATISTICA E INFORMAÇÕES - BA

CEPEDES – Centro de Estudos e Pesquisas do Desenvolvimento para o Extremo Sul CEPRAM – Conselho Estadual do Meio Ambiente CFP - Centro dos Fabricantes de Papel CHESF - Companhia Hidro Elétrica do São Francisco COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CREA – BA - Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia da Bahia CST - Companhia Siderúrgica de Tubarão CUT – Central Única dos Trabalhadores

Page 12: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

11

DERBA - Departamento de infra-estrutura de transportes da Bahia DESENBAHIA - Agência de Fomento do Estado da Bahia S.A DNER - Departamento Nacional de Estradas de Rodagem ECO-92. Segunda Conferência Mundial para o Meio Ambiente EFC – Elemental Chlorine Free - Livre de cloro elementar EMAS – Eco Management and Audit Scheme FASE – Federação de órgãos para Assistência Social e Educacional FETAES - Federação dos Trabalhadores Agricultura do Espírito Santo FIDENE - Fundo de Investimentos para o Desenvolvimento Econômico e Social do Nordeste FISET - Fundos de Investimentos Setoriais FLONIBRA - Empreendimentos Florestais AS IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS - Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IEF - Instituto Estadual de Florestas IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano ISO14000 – International Organization for Standadizatin ISS – I mposto sobre serviços de qualquer natureza MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores MST - Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra OCDE - Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos ONU – Organizações das Nações Unidas PIA - População em idade ativa

Page 13: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

12

PIS - Programas de Integração Social PDRS - Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável – PDRS: Sul da Bahia PIM - Programa de Incentivos Municipais POLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste RPPN - Reserva Particular do Patrimônio Natural SAGE – Grupo Estratégico Consultivo sobre o meio ambiente SEI - SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS ECONOMICOS E SOCIAIS DA BAHIA SEMARH - Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos SINAP – Sindicato Nacional dos Papeleiros, SINDICELPA – Sindicato dos trabalhadores nas indústrias do papel, celulose, pasta de madeira para papel, papelão, cortiça, artefatos de papel, madeira e assimilados do Estado da Bahia. SUDENE – Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste, TJLP - Taxa de Juros de Longo Prazo UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense UNCED 92 - Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente UNEB – Universidade do Estado da Bahia WRM - Movimento Mundial Pelas Florestas Tropicais WWF – World Wildlife Fund

Page 14: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

13

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 15

2 DISCURSOS DO DESENVOLVIMENTO E DA SUSTENTABILIDADE COMO PRÁTICA

26

2.1 CONDIÇÕES DE CONSTITUIÇÃO DO DISCURSO

26

2.2 DISCURSO E CAPITAL SIMBÓLICO

35

2.3 DISCURSO E IDEOLOGIA

38

2.4 DISCURSO NA SOCIOLOGIA AMBIENTAL

51

2.5 DESENVOLVIMENTO, SUSTENTABILIDADE: INTERTEXTUALIDADE

53

2.6 DISCURSO DO ENCLAVE ECOLOGICAMENTE COMPROMETIDO

60

3 DISCURSO E TERRITÓRIO: A EXPERIÊNCIA DO EXTREMO SUL DA BAHIA

66

3.1 DISCURSO E PRODUÇÃO DE CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS

67

3.1.1 As formas de apropriação anteriores à expansão do e ucalipto

68

3.1.2 Processo de ocupação do espaço pela monocultura de eucalipto

73

3.1.3 Produção de configurações espaciais

84

3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO EMPRESARIAL

91

3.2.1 Modernização ecológica

96

3.2.2 Discurso da sustentabilidade no Extremo Sul da Bahi a

102

3.3 DEBATE PÚBLICO E POSIÇÕES DOS AGENTES

109

3.3.1 Mídia e governo 109

3.3.2 Posições contrárias aos discursos e práticas empres ariais do setor na região

112

3.3.3 Movimentos, denúncias e proposições em luta contra as atividades do agronegócio de papel e celulose

124

Page 15: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

14

4 IMPLICAÇÕES SOCIAIS DO DISCURSO EMPRESARIAL DA SUSTENTABILIDADE

135

4.1 A “SUSTENTABILIDADE” DO DISCURSO 135

4.1.1 Construção de imagem de segurança e certeza num mun do incerto e inseguro

136

4.1.2 Mundo social: significação e construção

140

4.1.3 Criação e manutenção de capital simbólico

144

4.1.5 Legitimação de práticas

148

4.2 DISCURSO E MUNDO SOCIAL

155

4.2.1 Redução do espaço dos direitos

155

4.2.2 Redução dos espaços de integração econômica

158

CONCLUSÃO

178

REFERÊNCIAS

182

ANEXOS 190

Page 16: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

15

1. INTRODUÇÃO

A disseminação do debate público sobre a questão ambiental a partir do

final dos anos 1960 gerou crescentes preocupações por parte dos atores sociais

associados a dinâmicas tidas por predatórias e ambientalmente danosas. Após

envolverem-se no debate, notadamente através da recusa quanto a qualquer

responsabilização direta pelos processos em causa, muitos dos atores apontados

como protagonistas de práticas atentatórias ao meio ambiente mostraram, a partir de

meados dos anos 1990, considerar mais profícua a adoção de outros tipos de

estratégias, como a de oferecer respostas não defensivas, mas, sim, afirmativas de

seus compromissos com a preservação do meio ambiente. Tais respostas e

estratégias foram associadas, na literatura sociológica recente, à noção de

“modernização ecológica”1, tendo por base o processo que tem sido chamado de

“ambientalização” do discurso empresarial. Nos termos de Lopes (2004), o termo

“ambientalização” é um neologismo que denota um processo histórico de construção

de novos fenômenos, um processo de interiorização pelas pessoas, por diferentes

grupos sociais e por discursos institucionais, das diferentes facetas da questão

pública do meio ambiente. Chamamos aqui, analogamente, de “ambientalização” do

discurso empresarial o processo pelo qual porta-vozes do empresariado incorporam

“o meio ambiente” como justificativa para suas escolhas produtivas, técnicas e

locacionais. A preocupação com o meio ambiente passou a ser, assim, evocada -

notadamente após a realização da Conferência da ONU – Organização das Nações

Unidas, para o Desenvolvimento e o Meio Ambiente em 1992 - por representantes

empresariais, com freqüência considerável, como parte das disposições destinadas

a alcançar o chamado "desenvolvimento sustentável". Para tanto, as empresas

passaram, por exemplo, a pretender mostrar ter ultrapassado o patamar das

preocupações relativas ao combate da poluição ao final dos processos produtivos,

optando por usar tecnologias mais limpas e mais eficientes ao longo de todo o ciclo

1 A noção de “modernização ecológica” designa o processo pelo qual as instituições políticas internalizam preocupações ecológicas no propósito de conciliar o crescimento econômico com a resolução dos problemas ambientais, dando-se ênfase à adaptação tecnológica, à celebração da economia de mercado, à crença na colaboração e no consenso cf. A. Blowers, “Environmental Policy: Ecological Modernization or the Risk Society”, in Urban Studies, vol. 34, n.5-6, p.845-871, 1997 – p.853-34.

Page 17: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

16

da produção. Nesse discurso, as questões ambientais seriam consideradas como

atribuições de toda empresa e o meio ambiente seria também a razão pela qual

representantes empresariais dizem ter adotado abordagens “mais sistêmicas” do

processo produtivo. Certos empresários passaram a divulgar práticas evidenciando o

interesse em resolver problemas usualmente tratados por governos e ambientalistas,

buscando denotar sensibilidade às mudanças observadas na agenda pública.

Pretendem mostrar que estão a oferecer resposta a pressões decorrentes de

regulamentações pelo Estado, de denúncias de movimentos sociais ou de restrições

por parte de consumidores, relativas aos impactos ambientais indesejáveis

denunciados como estando associados a práticas empresariais correntes.

Constitui objetivo da presente Tese apresentar uma interpretação de

como o discurso empresarial ambientalizado, evocado por porta-vozes do

empresariado, implica na construção e constituição de processos sociais, em

circunstâncias e territórios específicos. Para além da remissão genérica a um

“compromisso ambiental” do setor empresarial, pretendemos observar num território

delimitado, como certas empresas põem em ação o discurso da “proteção do meio

ambiente” e da “sustentabilidade” e identificar os processos sociais que mostram-se

vinculados a tal discurso.

A sociologia é uma disciplina generalizante, escreveu Giddens (2001,

p.11), e “muitas vezes se enquadra em todas as acusações a ela dirigidas – difusa,

desprovida de um tema coerente e coalhada de jargões”. Enfoca as questões que

dizem respeito à vida cotidiana, as relações sociais. No entanto as relações sociais

não se apresentam de forma imediata à observação, pois os fenômenos sociais são

complexos e as pré-noções obstaculizam o conhecimento sociológico. Nos termos

de Touraine: “A relação é recoberta pela regra, pelo discurso e pela ideologia”

(TOURAINE, 1974, p.18). Assim é que a emergência do discurso ambiental resultou

em formas variadas de sua apropriação discursiva, configurando-se uma luta

simbólica em torno ao que se entenderá por “sustentabilidade” ou

“insustentabilidade” das práticas, por dinâmicas tidas por predatórias ou benignas

dos pontos de vista ambiental e social.

Isto posto, o objeto da presente Tese é a ação do discurso empresarial da

sustentabilidade e o objetivo é compreender os efeitos dessa ação na vida social tal

como observados em um espaço e tempo determinados. Pretendemos contribuir,

desta forma, para o entendimento da dinâmica deste discurso, do modo como opera

Page 18: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

17

e produz efeitos, bem como identificar a natureza destes últimos, ou seja,

compreender os processos desencadeados ou alterados pelo discurso. Considerou-

se necessário construir para tanto uma representação apropriada dos partícipes

destes processos - os seus “atores” ou “agentes”, “sujeitos” ou “grupos” – bem como

da dinâmica interativa verificada entre eles.

Para os fins de nossa observação empírica escolhemos o caso do

discurso ambientalizado das empresas plantadoras de eucalipto para a produção de

papel e celulose implantadas no extremo sul da Bahia, no que tange às relações

estabelecidas com movimentos organizados, entidades não-governamentais,

pequenos produtores rurais, populações indígenas e remanescentes de quilombos

que interagem com a empresa defendendo múltiplos interesses e projetos para o

território. As empresas escolhidas são reconhecidas portadoras de um discurso da

sustentabilidade, que é considerado, nessa pesquisa, elemento fundamental na

reconfiguração das relações sociais que pretendemos estudar.

A Veracel Celulose S.A. desenvolve um grande empreendimento

conjugando a atividade monocultora de eucalipto e a produção de celulose

branqueada de eucalipto ECF (livre de cloro elementar), orçada em US$ 1,25 bilhão.

No ano de 2005, ano do início de suas atividades, a fábrica produziu a metade de

sua capacidade total que é de 900 toneladas/ano A sede localiza-se no município de

Eunápolis, no Extremo Sul do Estado da Bahia e apresenta-se como um projeto

agro-industrial integrado2, controlado pela Aracruz Celulose S.A3 e o conglomerado

sueco-finlandês Stora Enso4, em função disso, nessa Tese considera-se ambas

envolvidas nos processos estudados.

O empreendimento instalou-se da forma como Carneiro (1994, p.65)

define um “enclave”, ou seja, instalação de um complexo industrial numa região

economicamente “atrasada”, que não comporta um centro dinâmico capaz de gerar

e transmitir inovações que estimulem a emergência de novas indústrias e de novas

seqüências de interdependência. Neste tipo de empreendimento, sustenta-se que a

2 Este projeto agro-industrial integrado abrange todas as fases da produção de celulose, desde o plantio do eucalipto até a entrega do produto final ao cliente. O projeto é composto por: viveiros de mudas, plantações de eucalipto, rede viárias e infra-estrutura necessária às suas operações, terminal marítimo de barcaças e a fábrica de celulose. 3 A Aracruz Celulose S.A é a líder mundial na produção de celulose braqueada de eucalipto. A Companhia responde por cerca de 30% da oferta global do produto, destinado à fabricação de papéis de imprimir e escrever, papéis sanitários e papéis especiais. 4 A Stora Enso é um conglomerado sueco-finlandês com capacidade para produzir 15,7 milhões de toneladas de papel por ano 7,4 milhões de metros cúbicos de produtos de madeira.

Page 19: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

18

simples importação dos modos de produção de países desenvolvidos resulta em

desdobramentos inteiramente diversos dos que teriam sido observados nas

economias originárias. Nesses casos, as formas preexistentes de subsistência das

populações, - exceto por pequenos núcleos – não seriam, via de regra, beneficiadas

pelos aportes do “progresso”.

A Veracel está localizada no Extremo Sul do Estado da Bahia, região que

abrange os municípios de Eunápolis, Canavieiras, Belmonte, Guaratinga, Itabela,

Itagimirim, Itapebi, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália. A fábrica de celulose situa-

se no município de Eunápolis, mais especificamente, nos limites entre Eunápolis e

Belmonte, às margens da BR-101, rodovia federal que corta o país de Norte a Sul -

uma região que, o fim do século XIX “um tipo de paraíso dos diversos povos

indígenas que viviam nas extensas florestas”, diz Ferreira (apud Koopmans,

1999:39), conforme Koopmans, as tribos localizadas no vale do rio Mucuri, eram

principalmente grupos indígenas, descendentes dos povos Tupiniquim e Pataxós,

Machacalis, Nak Nanuks, Giporoks, Mucunés, Aranás, Urucus, Pojichás, Criciúmas,

Potes, Botocudo, Puri, Kamakã, assim como grupos hoje designados de

“quilombolas”, com formas de vida e de reprodução próprias, conciliando atividades

produtivas com preservação da diversidade da base material da região.

Os conflitos entre índios e outros interessados nas terras do extremo sul

da Bahia fez com que as autoridades da província da Bahia determinasse a

transferência e a concentração compulsória de toda a população indígena para uma

única aldeia, desconsiderando sua diversidade cultural. (KOOPMANS, 1999, 39).

O Extremo Sul do Estado da Bahia passou por diversos ciclos produtivos

até alcançar a fase que abre-se no início dos anos 1990, quando porta-vozes de

uma determinada coalizão discursiva passam a afirmar ter a região uma “vocação

produtiva para a monocultura de eucalipto”.

Desde 1989, quando o governo do estado, por intermédio do CEPRAM –

Conselho Estadual do Meio Ambiente, aprovou o licenciamento para o início das

obras da fábrica de celulose e papel da empresa Bahia Sul Celulose, o CDDH -

Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Extremo Sul da Bahia e o Sindicado dos

Trabalhadores Rurais iniciaram pesquisas junto a entidades do Espírito Santo, como

os sindicatos dos trabalhadores do setor da extração de madeira e a FASE –

Federação de órgãos para Assistência Social e Educacional, visando entender as

implicações do processo de expansão da monocultura. A partir de 1991, o

Page 20: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

19

CEPEDES – Centro de Estudos e Pesquisas do Desenvolvimento para o Extremo

Sul, uma organização não governamental com sede em Eunápolis, juntamente com

ambientalistas da Bahia e Minas Gerais formaram um grupo de análise crítica do

processo. Neste contexto, toda a dinâmica de apropriação do território do Extremo

Sul do Estado da Bahia por monoculturas de eucalipto ficou registrada no trabalho

de Koopmans (1999)5. No início dos anos 2000, as organizações não-

governamentais, os trabalhadores terceirizados, os pequenos produtores, as

populações indígenas, os remanescentes de quilombos e representantes locais do

Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre outros sujeitos,

apresentaram denúncias relativas às práticas da empresa, tais como a ocupação de

grandes extensões de terra com monocultura de eucalipto, a secagem e poluição

dos rios e mangues, bem como a redução das alternativas próprias aos modos de

produção e condições de vida das populações que viviam anteriormente no lugar.

Os grupos críticos das atividades da empresa propõem a disseminação de práticas

da “agroecologia”, a permanência das famílias no campo e a realização da reforma

agrária (como forma de garantir sua viabilidade econômica, social e cultural),

políticas agrícolas voltadas para a agricultura agroecológica (custeio e investimento),

defesa do campesinato (não só lutar para fazer o homem permanecer no campo,

mas para garantir a cultura da biodiversidade), fortalecimento, integração e

solidariedade entre as famílias nas comunidades camponesas. Tais críticas são

respondidas pelos representantes empresariais que alegam a benignidade ambiental

de suas práticas e os propósitos sociais do empreendimento – criação de empregos,

atendimento das demandas sociais da população, etc.

A competitividade internacional do complexo florestal (“reflorestamento” e

produção de celulose e papel) é reconhecida em âmbitos empresariais, acadêmicos

e governamentais. A atividade de monocultura de eucalipto e produção de celulose e

papel no Brasil apresentou-se na década de noventa (na qual a competitividade da

indústria brasileira esteve provocando sérias preocupações) como uma exceção. O

complexo destacou-se desde então como exemplo de dinamismo econômico.

As estratégias do Complexo Florestal brasileiro na busca pela

competitividade têm sido analisadas em várias perspectivas. Na pesquisa realizada

por Zaeyen (1986) faz-se uma abordagem a partir de teorias da organização

5 O Pe. José Koopmans publicou tres livros onde registra as transformações por que passou a região do extremo sul da Bahia.

Page 21: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

20

industrial e explica-se a dinâmica da indústria como resultado de processos de

“oligopólio homogêneo”. Conclui que o setor não aplica estratégias de concorrência

extrapreço e que “a indústria brasileira de papel e celulose é moderna, eficiente e de

elevada competitividade internacional”. A pesquisa de Gonçalves (1990) buscou

entender o desempenho estatal na regulação e promoção do desenvolvimento,

enfocando o IEF-Instituto Estadual de Florestas, agência encarregada da política

florestal em Minas Gerais. Aponta a ineficiência do instituto relativa à sua

“capacidade de equacionar os problemas mais urgentes do desmatamento e do

reflorestamento”, no decorrer dos anos 1960 e 1970. Menciona que após 1974 os

mecanismos de incentivos fiscais ao reflorestamento teriam causado “uma

vertiginosa expansão do reflorestamento e que o instituto teria desempenhado um

papel estratégico para a continuidade da expansão das indústrias de celulose.” A

Tese de Soto (1992) é uma abordagem do relacionamento entre as organizações de

interesses privados e o Estado. Procura evidenciar que os aspectos econômicos não

são os únicos a influenciar a dinâmica econômica, revelando que no caso do

Complexo Florestal do Brasil a dimensão política foi fundamental. Demonstra que o

Complexo não é regulado por mecanismos de mercado e sim por uma grande

variedade de mecanismos de “concertação” ou arranjos entre interesses privados e

o Estado. O autor explica porque o Complexo possui um “grande poder de

barganha” junto aos poderes Executivo e Legislativo e como suas empresas e

organizações são importantes para o poder público. O consenso em âmbitos

empresariais, governamentais e até acadêmicos, conforme o autor, sobre a

competitividade, o dinamismo econômico, harmonia nas relações trabalhistas e

ótimas relações com os governos que detêm as empresas de reflorestamento e

produção de celulose e papel, “é o resultado da atuação de uma beligerante

organização de representação dos interesses empresariais, que através de seu

relacionamento com o Estado conseguiu que o Complexo fosse amplamente

beneficiado por políticas públicas”. A competitividade internacional desse segmento

teria sido grandemente obtida em função dos recursos públicos, preços

administrados no mercado interno e câmbio favorável no mercado externo.

Conforme Soto, o grau de competitividade internacional apresentado pelo Complexo

Florestal, particularmente na produção de celulose de mercado, “refletia os

benefícios recebidos das políticas públicas”. “Os principais fatores de

competitividade do complexo foram o baixo custo da madeira e o custo subsidiado

Page 22: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

21

dos investimentos industriais, derivados diretamente dos incentivos

f icais ao ref lorestamento e do f inanciamento subsidiado do BNDES –

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, situação

combinada com um comportamento estável e alt ista dos preços

internacionais, particularmente após 1985”. A partir da década de 90

quase todas essas condições deixaram de existir em função da falência

das f inanças públicas, o que “eliminou as possibil idades das polít icas

públicas repetirem as maciças transferências de recursos para o âmbito

privado, características de décadas anteriores”. Por essa razão, o autor

sinaliza que a partir da década de 90 a competit ividade internacional

alcançada pelo complexo precisa ser qualif icada. Indica, para tanto,

que se observe o processo de reestruturação da indústria do papel a

nível internacional, a tendência de o Brasil ampliar a capacidade de

produção de “commodities” e a tendência a um maior grau de

concentração dos mercados.

A Tese de Andrade (2000) parte da inf luência da dimensão

polít ico-institucional da problemática sócio-ambiental no processo de

formação das estratégias técnico-concorrenciais corporativas, a partir

da década de 90. Analisa as relações da Aracruz Celulose S.A e os

denominados stakeholders, em situações sócio-ambientais específ icas,

através de uma grade de leitura resultante da integração entre as

abordagens da teoria dos jogos, stakeholders e lógicas de ação.

Defende o argumento de que esta dimensão pode ser compreendida

como uma tradução de soluções negociadas.

Todas as pesquisas consultadas deixam um espaço vazio

relativo às dinâmicas extra-econômicas de legit imação das atividades

do setor de celulose e papel no país, em particular à dimensão

comunicativa das dinâmicas sociais em torno a ele desencadeadas. No

entanto, a teoria social em décadas recentes tem atribuído à linguagem

um lugar central na vida social. Embora a interpretação de Andrade

(2000) faça referência aos “jogos de comunicação” entre Aracruz

Celulose S.A e outros atores “que exigem informações”, nos quais um

dos objetivo da empresa é “conquistar credibil idade ambiental”, o autor

não aborda em profundidade o papel da linguagem nesse processo.

Page 23: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

22

A Tese de Carvalho (2004), por exemplo, analisa os sentidos

da “agricultura sustentável” em relação às especif icidades sócio-

técnicas das práticas agrícolas, em Rondônia. Tem o objetivo de

localizar diferenças na dinâmica das relações entre sentidos e

tecnologias que legit imam a “agricultura sustentável” frente ao sentido

“valor econômico mercado” e “tecnologia convencional”. Explora

contradições de signif icado do termo “sustentável” entre os enunciados

e os efeitos pretendidos pelos projetos sociais e ecológicos, com uma

análise de discurso que se baseia nas contribuições da arqueologia do

conhecimento de Michel Foucault, da escola de análise de discurso de

vertente francesa e da dialética relacional apresentada por David

Harvey.

A teoria social do discurso que nos orienta, considera os

efeitos da prática discursiva sobre as dinâmicas sociais. Em nossa

abordagem, adotaremos uma visão do discurso como ativamente

construindo a sociedade. O discurso constitui objetos de conhecimento,

os sujeitos e as formas sociais do “eu”, as relações sociais e as

estruturas conceituais. Para Foucault o sujeito é um efeito das

formações discursivas, o que exclui a agência social ativa de qualquer

sentido signif icativo. Fairclough (2001), na teoria social do discurso,

defende que os sujeitos sociais são moldados pelas práticas

discursivas, mas também são capazes de remodelar e reestruturar

essas práticas. “Qualquer evento discursivo (qualquer exemplo de

discurso) é considerado como simultaneamente um texto, um exemplo

de prática discursiva e um exemplo de prática social” (FAIRCLOUGH,

2001, p.22). Nessa concepção, os sujeitos sociais são moldados pelas

práticas discursivas, mas também são capazes de remodelar e

reestruturar essas práticas. “Um evento discursivo pode ser uma

contribuição para preservar e reproduzir as relações e as hegemonias

tradicionais ou para transformar essas relações mediante a luta

hegemônica”. (FAIRCLOUGH, 2001, p.128).

A busca de interpretação de como age o discurso - quando os

atores empresariais adotam uma retórica ambiental - e como as

práticas sociais são afetadas pelo mesmo é empreendida, nesta Tese,

Page 24: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

23

tendo a teoria social do discurso como um suporte teórico que fornece

elementos para entender o discurso como “uma prática não apenas de

representação do mundo, mas de signif icação do mundo, constituindo e

construindo o mundo em signif icado”, conforme sugere Fairclough

(2001:276). No entanto, para entender como isso acontece acessamos

teorias sobre a contemporaneidade, sobre o simbólico e sobre a

configuração do espaço, ou seja, outras teorias que servem como

forma de explicar como o discurso age no mundo social. Em resumo,

procuramos verif icar como o discurso empresarial “ambientalizado”

inf luencia as relações sociais. Buscamos entender os processos sociais

que acontecem num ambiente onde uma grande empresa atua

recorrendo ao discurso da sustentabil idade, em outros termos, como as

práticas sociais são afetadas quando os atores empresariais adotam

uma retórica ambiental, na região estudada.

Uma primeira consideração é a de que o empreendimento

industrial Veracel Celulose S.A. se mostra na região através de “pré-

noções” construídas sobre si mesma e sobre os grupos sociais locais.

A empresa e seus aliados af irmam que a chegada da grande indústria

irá trazer “desenvolvimento sustentável” para a região, por um lado.

Por outro lado, entendem a região (habitantes, modos de produção e de

viver, etc) como necessitada de uma mudança no aspecto produtivo

que a transforme em região “desenvolvida”. O que caracteriza tal pré-

noção é o seu não reconhecimento enquanto tal: ela é apresentada

como algo totalmente evidente, óbvio, indiscutível. A pré-noção não é

formulada explicitamente, mas pressuposta, implícita. Assim é que a

empresa teria sido considerada um agente de desenvolvimento

econômico e social, pela relação de uma complementaridade entre os

setores público e privado, como sugere, por exemplo, Valéria da Vinha

(1999, p.18).

Uma segunda consideração é que a posição da empresa é

resultado da composição de diversos tipos de capital. O capital

econômico, por certo, mas também seu capital social - sua capacidade

de inf luência sobre os atores que estão em posição de tomada de

decisão - estes são os mais reconhecíveis. Mas, no caso, um

Page 25: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

24

importante tipo de capital que a empresa tem usado na luta pela

posição de dominação no território é aquele associado ao discurso da

“sustentabil idade”, revestido como ele é pelo valor simbólico que na

atualidade a sociedade em geral tende a lhe conferir.

Uma terceira consideração diz respeito à especificidade das formas

assumidas pelas relações que pretendemos estudar: em que medida os efeitos do

discurso empresarial ambientalizado na região contêm/desencadeiam elementos dos

processos sociais mais comumente reconhecidos na Sociologia tais como conflito,

cooperação, dominação etc? Haveria que considerar que tais processos, embora

possam apresentar alguns aspectos dos modelos mais reconhecidos de relações

sociais como os acima citados, podem não configurar nenhum dos mesmos

completamente. Tratar-se-iam de relações nas quais uma das partes, de formas

diversas, esforça-se para angariar a confiança ou a simpatia? De que maneira os

grupos sociais locais se inserem nessas relações sociais?

Para tanto foram selecionadas e analisadas amostras da prática

discursiva, que de acordo com a teoria social do discurso, manifesta-se

lingüisticamente na forma de texto (linguagem falada e escrita), a partir do material

empírico selecionado. A seleção de textos incidiu sobre os relatórios anuais,

boletins, reportagens, entrevistas e documentos da empresa e demais participantes

do campo social estudado, bem como sobre registros obtidos a partir da participação

em seminários, encontros e fóruns de iniciativa tanto da empresa quanto dos demais

atores envolvidos nos processos sociais.

A presente Tese é composta de três partes, sendo a primeira uma

apresentação dos principais referenciais teóricos que possibilitam a interpretação,

que constituem nosso “olhar” sobre o caso e que são considerados adequados à

compreensão do discurso empresarial da “sustentabilidade” como constituinte de

implicações sociais, desencadeando lutas hegemônicas, construindo identidades e

relações sociais, bem como construindo configurações espaciais. A segunda parte

procurou demonstrar a historicidade dos processos de transformação material do

território e como tais processos estão relacionados a práticas discursivas e sistemas

simbólicos. A terceira parte constitui-se da análise do material empírico; nela propõe-

se uma interpretação do modo de ação do discurso empresarial da sustentabilidade

e suas implicações, no campo estudado. Parte-se da contribuição da teoria social do

discurso para interpretar o discurso como portador de potencialidades para a

Page 26: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

25

produção de efeitos nos universos sociais e constrói-se uma interpretação de como

isso acontece em duas perspectivas: na perspectiva da construção do mundo em

significado e na perspectiva da construção material do mundo.

Page 27: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

26

2 DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO E DA SUSTENTABILIDADE COMO

PRÁTICA

2.1 CONDIÇÕES DE CONSTITUIÇÃO DO DISCURSO

A realidade não é singular e homogênea, apresentando tantos esquemas

e padrões diferentes quanto há organismos diferentes; seria ingênuo presumir que

existe uma realidade absoluta de coisas que seja a mesma para todos os seres

vivos, diz o fenomenalismo empírico do biólogo Uexküll (apud Cassirer,1994). Ele se

refere, no caso, às formas orgânicas que são diversificadas, sem que possam ser

classificadas como inferiores e superiores. Para ele, cada organismo, mesmo o mais

simples, não está apenas “adaptado” como também inteiramente inserido, de modo

próprio, em seu ambiente – “no mundo de uma mosca encontramos apenas coisas

de mosca; no mundo de um ouriço-do-mar encontramos apenas coisas de ouriços-

do-mar”. Cassirer (1994, p.47) pensa no mundo humano como um mundo

que “não é nenhuma exceção às regras biológicas que regem a vida de

todos os demais organismos”, mas diz que o homem “descobriu um

novo método para adaptar-se ao ambiente” que passa pelo sistema

simbólico. Diz que se “comparado aos outros animais, o homem não

vive apenas em uma realidade mais ampla: vive, pode-se dizer, em uma

nova dimensão de realidade”. Dessa maneira o homem responde de

duas diferentes maneiras aos estímulos externos: com reação orgânica

e com resposta propriamente humana. A primeira é direta e imediata; a

segunda é diferida, “é interrompida e retardada por um lento e

complicado processo de pensamento”. À primeira vista tal atraso

poderia parecer uma inescapável “deterioração da natureza humana”.

Mas, lembra Cassirer, o homem “não está mais num universo

meramente f ísico; o homem vive em um universo simbólico” e não pode

mais “ver” a realidade de forma imediata. O “emaranhado da

experiência humana” é tecido por “f ios” como a linguagem, o mito, a

arte e a religião. Os sujeitos estão envolvidos de tal modo em formas

lingüísticas, imagens artísticas, símbolos míticos ou ritos religiosos,

não conseguem ver ou conhecer coisa alguma a não ser pela

interposição desse meio artif icial (CASSIRER; 1994, p.48). Mesmo na

esfera prática da vida, o homem está envolvido com emoções

Page 28: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

27

imaginárias, esperanças e temores, i lusões e desilusões, com suas

fantasias e sonhos. “O que perturba e assusta o homem não são as

coisas, mas suas opiniões e fantasias sobre as coisas”, diz Epíteto

(CASSIRER; 1994, p. 49). Conforme Cassirer, (1994, p. 50):

[...] “a razão é um termo muito inadequado com o qual compreender as formas da vida cultural do homem em toda a sua riqueza e variedade. Mas todas essas formas são simbólicas. Logo, em vez de definir o homem como animal rationale, deveríamos defini-lo como animal symbolicum6. (CASSIRER, 1994, p.50).

O pensamento simbólico e as práticas simbólicas estão entre

os traços mais característicos da vida humana. Os humanos passaram

da linguagem subjetiva à objetiva, da afetiva à proposicional. Os

humanos desenvolveram universos de discurso simbólicos. O símbolo é

parte do mundo humano do signif icado. Enquanto os sinais são

“operadores”, os símbolos são “designadores”. Os sinais “têm uma

espécie de ser f ísico ou substancial; os símbolos têm apenas um valor

funcional” (CASSIRER, 1994, p.58). Enquanto um sinal ou signo está

relacionado à coisa à qual se refere de um modo f ixo e singular, um

símbolo é variável. “Um símbolo humano genuíno não é caracterizado

por sua uniformidade, mas por sua versatil idade. Não é rígido e

inf lexível, e sim móvel.” (CASSIRER, 1994, p. 65).

O pensamento relacional depende do pensamento simbólico.

“Sem um complexo sistema de símbolos o pensamento relacional

simplesmente não pode nascer, nem muito menos desenvolver-se

plenamente”. O processo mais simples de percepção, tanto no mundo

humano como no mundo animal, implica em elementos estruturais

fundamentais como padrões ou configurações. Mas o pensamento

relacional do homem desenvolveu-se “uma capacidade de isolar

relações – de considerá-las em seu signif icado abstrato”. Assim, o

homem “não mais depende dos dados concretos dos sentidos, dos

dados visuais, auditivos, tácteis e cinestésicos”. Conclui Cassirer que:

[...] Sem o simbolismo, a vida do homem seria como a dos prisioneiros na caverna do famoso símile de Platão. A vida do homem ficaria confinada aos limites de suas necessidades biológicas e seus interesses práticos; não teria acesso ao “mundo ideal” que lhe é aberto em diferentes aspectos pela religião, pela arte, pela filosofia e pela ciência. (CASSIRER, 1994, p. 72).

6 Grifos do autor.

Page 29: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

28

As coisas reais são concebidas sob as condições do espaço e

do tempo, conforme Cassirer (1994,p. 73), mas a aparência do espaço

e do tempo não é a mesma para todos os seres orgânicos, pois está

relacionada com a cultura. Há tipos diferentes de experiência espacial

e temporal. A experiência da camada mais baixa – da maioria dos

animais - pode ser descrita como espaço e tempo orgânicos – o espaço

da ação . Entre os animais ditos “superiores” a forma de espaço

encontrada é o espaço perceptual que é a composição da experiência

dos sentidos – óptica, táti l, acústica e cinestésica. No entanto, é o

espaço simbólico que interessa, conforme Cassirer (1994, p. 75). No

espaço de ação o homem parece inferior aos animais em muitos

aspectos. Uma criança tem de aprender muitos talentos com os quais o

animal já nasce. No espaço primitivo não há “vestígios da idéia de um

espaço abstrato” (CASSIRER, 1994, p. 76). Trata-se do espaço da ação

e a ação revolve em torno a necessidades e interesses práticos

imediatos. “No espaço abstrato não estamos lidando com a verdade das

coisas, e sim com a verdade de proposições e juízos”, escreveu

Cassirer (1994, p. 77).

O pensamento primitivo está perfeitamente familiarizado com seu espaço,

mas essa familiaridade está longe do que podemos chamar de conhecimento, em

um sentido abstrato, teórico. A familiaridade significa apenas apresentação já o

conhecimento inclui e pressupõe a representação. Para representar uma coisa, não

basta sermos capazes de manipulá-la da maneira correta e para usos práticos é

necessário ter uma concepção geral do objeto e considerá-lo de diversos ângulos

para poder encontrar suas relações com outros objetos. Deve-se ser capaz de situá-

lo e de determinar sua posição em um sistema geral, ou seja, sua posição no

espaço, (CASSIRER,1994, p.80). Um conceito teórico ou científico do espaço, ou

seja, a interpretação do espaço vem do conhecimento do espaço e das relações

espaciais, por intermédio da geometria analítica – uma linguagem matemática – do

pensamento simbólico. No espaço simbólico, deixa-se de ter um espaço visual, táctil,

acústico ou olfativo; abstrai-se toda a variedade imposta pelos nossos sentidos.

No humano, uma lembrança não é simplesmente uma associação de

idéias, - como se diz nas teorias mecânicas da memória - uma repetição, mas antes

um renascimento do passado; implica um processo criativo e construtivo.

Page 30: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

29

[...] A memória simbólica é o processo pelo qual o homem não só repete sua experiência passada, mas também reconstrói essa experiência. A imaginação torna-se um elemento necessário da verdadeira lembrança. (CASSIRER,1994,p.88).

Esses são aspectos relacionados ao presente e ao passado. Quanto ao

futuro, há que se acrescentar que o mesmo é indispensável na consciência do

tempo. As idéias não aparecem tanto como memórias do passado, mas sim como

expectativas de futuro, mesmo que um futuro próximo. Vivemos muito mais na

expectativa do futuro do que das lembranças do passado ou de nossas experiências

do futuro. O humano tem a característica, estranha aos demais animais, de ter

incerteza na vida. “Pensar o futuro e viver no futuro é uma parte necessária de sua

natureza” (CASSIRER,1994,p.92). Nos demais animais o instinto é interpretado

como “impulsos dirigidos para o futuro”, mesmo que isso não signifique uma

concepção ou consciência de futuro. Nos seres humanos a consciência do futuro

“não é apenas uma imagem, torna-se um ideal” (CASSIRER,1994,p.93). Esse ideal

– futuro avistado pelo homem – é visto como prudência significa a capacidade de

prever eventos futuros e preparar-se para as necessidades futuras. Mas a idéia

teórica do futuro vai além dos limites da sua vida empírica, é o futuro simbólico que

está em harmonia com o seu passado simbólico.O futuro simbólico não se limita a

prever e se prevenir sobre ele. Trata-se de uma profecia, uma promessa – que não é

apenas uma previsão – um futuro ideal. (CASSIRER,1994,p.94)

Os homens vivem, portanto, num mundo diferente do dos animais: um

mundo de símbolos. A cultura é o fundamento da existência humana e é ela que

instaura e constrói “as necessidades”. Com essas premissas gerais, Sahlins (2003)

discute o que explica como as sociedades se organizam e como a organização se

relaciona com “a natureza”. Ele apresenta uma crítica antropológica da idéia de que

as culturas humanas são formuladas a partir da atividade prática e a partir do

interesse utilitário. Ele propõe uma outra espécie de razão: a simbólica ou

significativa, que toma como qualidade distintiva do homem não o fato de que ele

deve viver num mundo material, circunstância que compartilha com todos os

organismos, mas o fato de fazê-lo de acordo com um esquema significativo criado

por si próprio.

Page 31: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

30

O homem vive num mundo material de acordo com um

esquema signif icativo criado por ele mesmo. O momento exato da

transformação do hominídeo, pitecantropo erectus, em uma espécie

mais evoluída aconteceu quando ele, f inalmente, emitiu o primeiro som,

tentando imitá-lo da natureza e o relacionou com um evento específ ico,

inventando a primeira palavra e signif icando a mesma, ou seja,

relacionando a mesma àquele som inventado por imitação. “A palavra

não foi criada pelo córtex cerebral. A ânsia de criar as palavras, a

ânsia pela expressão é que criou o córtex cerebral”. (Fernandes, 2005).

Os valores são criados na relação social humana e na sua prática

significativa. Com isso são criados os valores próprios a cada cultura. Cada imagem,

cada aspecto do nosso universo, está associada a olhares específicos. Não existe

evento em que somos apenas observadores imparciais. Em todos eles, somos parte

integrante e os influenciamos. Nós colorimos as nossas imagens com os nossos

sentimentos e emoções. A imagem que representa um aspecto do nosso universo

exterior essencialmente representa um aspecto um estado emocional e um

sentimento gravado em nosso cérebro. Conforme Andreeta (2004,p.128), a luz

incide em nossos olhos sensibilizando os sensores óticos que a transforma em

sinais eletrônicos, os quais são levados ao cérebro, dando origem à imagem que

percebemos, portanto o mecanismo de funcionamento da nossa visão, revela que “o

que vemos não é o objeto que está fora, mas a imagem subjetiva que criamos

internamente. A forma e as cores dessa imagem dependem da interpretação

individual de cada um de nós”.

Através das práticas culturais de apropriação, o mundo material é objeto

de atividades de atribuição de significados. “Pois os fatos culturais não restringem-se

a simples epifenômenos das estruturas produtivas da sociedade, mas mostram-se,

ao contrário, como parte integrante do processo de construção do mundo, dando-lhe

sentidos e ordenamentos, comandando atos e práticas diversas a partir de

categorias mentais, esquemas de percepção e representações coletivas

diferenciadas” (Acselrad, 2003).

Assim é que algumas noções que orientam as práticas humanas,

conforme diz Andreeta (2004,p.33) “apesar de serem artificialmente criadas, nós

invariavelmente, acreditamos na sua realidade e nos submetemos a elas, deixando

que imponham restrições, encarcerando-nos em suas prisões artificiais”. Mas,

Page 32: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

31

conforme o citado autor, a ciência estaria começando a reconhecer que tudo o que

sabemos acerca de nossa realidade não provém de forma pronta das coisas

externas, mas da manipulação de imagens que criamos internamente em nossa

mente. “Neste contexto, externamente, só existiriam os estímulos que nos motivam a

criar as imagens mentais”. O que vemos, diz Andreeta (2004,p.128) não é o objeto

que está fora, mas a imagem subjetiva que criamos internamente. “Tudo depende da

interpretação que cada um faz”. Não existe evento, quando analisado em

profundidade, em que não sejamos parte integrante a influenciá-lo.

O pensamento sobre o mundo atual descreve, em sua maioria, a

percepção de uma mudança nos comportamentos em relação ao período que se

costumou chamar de moderno. Os autores que discutem as mudanças buscam

caracterizar o momento atual evidenciando suas diferenças e semelhanças com o

momento anterior. O que nos interessa nesse debate é muito mais aquilo que

descreve o momento atual, o que define a nossa situação, os sentimentos

experimentados na atualidade, as incertezas, as inovações, etc. que possam ser

consideradas como condições para a ação do discurso empresarial ambientalizado.

Nesse debate a mudança algumas vezes é descrita como crise. “O que define nossa

situação hoje é a ausência de um sentido para o termo civilização”, “é a ausência de

futuro”, afirma Novaes (2004,p.8). Para ele tornou-se impossível imaginar o futuro, a

vida tornou-se “volátil” e “efêmera”. “Assim, sem passado e sem futuro, a crise

presente deixar de ser apenas um “acontecimento” que poderia ser mediado pela

razão, como aconteceu com as crises anteriores, para traduzir-se em advento de

algo inteiramente estranho às antigas formas de organização do pensamento e da

própria história”.

Na percepção de Giddens (2005,p.9) os sentimentos experimentados por

muitos de nós “vivendo numa época de rápida mudança” expressam-se

adequadamente na expressão “mundo em descontrole”. Para ele, as rápidas

mudanças que estão ocorrendo estendem-se por todo o globo. O iluminismo

pretendia compreender racionalmente o mundo e os homens a fim de controlar o

futuro. Entretanto, o mundo de hoje não se parece com o que foi previsto por

pensadores iluministas, diz Giddens (2005,p.14). “Em vez de estar cada vez mais

sob nosso comando, parece um mundo em descontrole”. Para ele, muitos dos novos

riscos e incertezas – o aquecimento global é citado como um deles – estão

inextricavelmente ligados à globalização, “este pacote de mudanças” que está

Page 33: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

32

“reestruturando o modo como vivemos, e de uma maneira muito profunda”, tanto em

escala global como na vida cotidiana. (GIDDENS,2005).

Para Jameson (2004, p.13) a teoria do pós-modernismo é uma tentativa

de medir uma época “sem os instrumentos e em uma situação em que nem mesmo

estamos certos de que ainda exista algo com a coerência de uma “época”, ou

“sistema”, ou “situação corrente”. Mas o autor aponta que o modernismo se

preocupava em captar a emergência do Novo. “Os modernos se preocupavam com

o que poderia acontecer depois de tais mudanças e nas suas tendências gerais:

pensavam no objeto em si mesmo”. No modernismo “ainda subsistem algumas

zonas residuais da natureza, ou do ‘ser’, do velho, do mais velho, do arcaico: a

cultura ainda pode fazer alguma coisa com a natureza e trabalhar para reformar

esse referente”. Já o pós-moderno busca rupturas, busca eventos em vez de novos

mundos, busca um “quando-tudo-mudou”. No pós-modernismo o processo de

modernização está completo e a natureza se foi para sempre, trata-se de um mundo

mais completamente humano, onde a cultura (a esfera da mercadoria) se tornou

uma verdadeira segunda natureza. No entanto, o autor tenta demonstrar que decidir

se o que estamos vivendo significa uma ruptura ou uma continuidade em outra

embalagem não pode ser justificado empiricamente. “Essa decisão é em si mesma,

um ato narrativo inaugural que embasa a percepção e a interpretação dos eventos a

serem narrados”.

Araújo (2003,p.339) denomina de “modernidade radicalizada” os eixos de

mudanças no âmbito das práticas sociais contemporâneas, num contexto de

velocidade crescentemente acelerada das mudanças. Quanto ao poder, aponta o

autor o fim da utopia socialista (em experiência, na prática) associada à quebra da

bipolaridade do pós-guerra, o enfraquecimento do papel dos organismos estatais e

emergência e crescimento do significado de entidades político-econômicas

multinacionais, bem como alargamento dos objetivos e do poder de empresas

multinacionais. Na sociedade civil, afirma o autor, o enfraquecimento de estruturas

tradicionais como a família, a escola, o partido, o sindicato. A emergência de

entidades não vinculadas à relação capital e trabalho e da comunicação de massa

como modos informativos e normativos. A possibilidade de transformação dos

indivíduos em seres além-fronteira pela eclosão de meios informáticos de

comunicação. Os modelos organizacionais flexíveis transformam o tempo das

máquinas clássicas no tempo do computador, no qual o trabalhador lida com o

Page 34: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

33

imaterial, com a internet, com a instantaneidade ilusoriamente criada

(ARAÚJO,2003, p.336). O ethos global reitera a desqualificação territorial do poder

as afirmações soberanas são especificadas de “fora”. O poder situa-se em todo e

nenhum lugar. A distância não mais representando constrangimento para a

globalização capitalista. O passado é substituído por padrões globais

“permanentemente recriados de forma descomprometida” com os padrões vigentes.

Eterniza-se o momento atual “negando qualquer novidade essencial posterior” e, ao

mesmo tempo, “açambarca o tempo vindouro através de uma utopia tornada atual,

em cada instante, por intermédio da intenção concernente ao apregoado

compromisso de ‘sustentabilidade’ com as gerações que virão”. Mudanças em

âmbitos como os acima mencionados implicam problemas nos modos de saber

sobre os homens, diz Araújo (2003,p.338). Por exemplo, “o saber sobre os homens

parte do princípio da impossibilidade da constituição de elementos de juízo que

permitam qualquer afirmação sobre o sentido absoluto de verdade das

apresentações narrativas” (2003,p.339); A pretensão de conhecimento exato e

verdadeiro é abandonada; O conhecimento refere-se a um contexto e um tópico

específico e possui um valor relacionado à sua funcionalidade. Conclui Araújo

(2003,p.359) que o modo de olhar, na “modernidade radicalizada”, por deixar aflorar

a subjetividade de cada sujeito, em cada contexto epistemológico particular, “permite

que o saber decorrente, essencialmente dinâmico, opere um verdadeiro

(re)encantamento do mundo dos homens”. Trata-se de uma epistemologia

“constitutivamente mais rica e nuançada que a epistemologia de quantidades,

segmentada, regida por lógicas causais lineares, expressa no saber das grandes

narrativas modernas”.

Harvey (1992,p.293) explica o pós-modernismo como “uma condição

histórico-geográfica” com o “triunfo da estética sobre a ética”, ao referir-se sobre a

política econômica dos anos Reagan (1980). Segundo Harvey, a “modernidade

fordista” relaciona-se com “uma fixidez e uma permanência relativas – capital fixo na

produção em massa, mercados estáveis, padronizados e homogêneos, uma

configuração fixa de influência e poder político-econômicos, uma autoridade e

metateorias facilmente identificáveis, um sólido alicerce na materialidade e na

racionalidade técnico-científica e outras coisas dessa espécie”. A pós-modernidade é

dominada pela ficção, pela fantasia, pelo imaterial (particularmente do dinheiro), pelo

capital fictício, pelas imagens, pela efemeridade, pelo acaso e pela flexibilidade em

Page 35: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

34

técnicas de produção, mercados de trabalho e nichos de consumo. Por outro lado a

pós-modernidade tanto valoriza o efêmero quanto “revela um anseio por um

presente estável, imaculado e não corrompido” (HABERMAS, apud HARVEY,

1992,p.305).

Bauman (1998) explica que na época atual há uma necessidade de

criação de uma noção de certeza, de segurança, de beleza quando discorre sobre a

transição de uma época de excesso de ordem e escassez de liberdade – a

modernidade - para uma outra na qual impera a desregulamentação – a pós-

modernidade. Conforme este autor, Freud teria explicado que na modernidade

quando se ganha alguma coisa, perde-se em troca alguma outra coisa. Em sua

concepção, a beleza, a limpeza (ou pureza) e a ordem são ganhos, na modernidade,

“que não devem ser desprezados”, uma vez que “nada predispõe naturalmente” os

seres humanos a buscá-los. Os seres humanos precisam ser ensinados ou

obrigados a aceitá-los. “Os seres humanos devem ser preparados para agir contra

seus próprios impulsos”. Para ele os mal-estares que marcaram a modernidade

eram: compulsão, regulação, supressão ou renúncia forçada. Tudo isso resultou do

excesso de ordem e a escassez de liberdade. Assim, na modernidade ou civilização

o homem sacrificaria a liberdade, ou melhor os impulsos, para alcançar a civilização

e com isso produziria seu próprio mal-estar. Conforme Bauman (1998), assim como

“cultura” ou “civilização”, modernidade é beleza, limpeza e ordem. A beleza é “essa

coisa útil que esperamos ser valorizada pela civilização” e “a sujeira de qualquer

espécie parece-nos incompatível com a civilização”. Quanto à ordem, “é uma

espécie de compulsão à repetição que, quando um regulamento foi definitivamente

estabelecido, decide quando, onde e como uma coisa deve ser feita, de modo que

em toda circunstância semelhante não haja hesitação ou indecisão”. A ordem

significaria o orgulho da modernidade e a possibilidade de outras realizações. Na

pós-modernidade, ainda conforme Bauman, vive-se a desregulamentação e o

princípio do prazer está presidindo o principio de realidade. “A liberdade individual

reina soberana”. A antiga norma que dizia que “se ganha alguma coisa mas perde-

se alguma coisa em troca”, mantém-se. O que muda é que “o homem pós-moderno

trocou um quinhão de sua segurança por um quinhão de felicidade”. Assim, na

modernidade os mal-estares provinham da segurança, que tolerava uma liberdade

pequena demais na busca da felicidade. Na pós-modernidade, os mal-estares

provêm da liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual

Page 36: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

35

pequena demais. A liberdade é sacrificada pela segurança ou a segurança é

sacrificada pela liberdade. Em ambos os casos, afirma ele, perde-se a felicidade. A

liberdade sem segurança ou a segurança sem liberdade7.

A perspectiva de que as práticas sociais sofrem interferência do universo

simbólico, da forma como associamos as idéias, criamos conceitos e valores é

importante na nossa análise na medida em que pretendemos discutir a influência de

um determinado discurso na vida social contemporânea, em particular aqueles

referidos à idéia de desenvolvimento e sustentabilidade no território estudado, que

tendem a inspirar ou buscam inspirar concepções de futuro e expectativas de

mudanças.

2.2 DISCURSO E CAPITAL SIMBÓLICO

A prática discursiva que analisamos integra uma disputa por critérios

hegemônicos do que seja “eficiência” e “competitividade”, “sustentabilidade”,

“produtividade”, categorias freqüentemente utilizadas no discurso ambiental dos

agentes empresariais. Embora não sejam ancorados em construção científica

aparecem nas discussões como se fossem substitutos legítimos para as coisas.

Entretanto, tais formações discursivas não são conceitos estáveis. Conforme diz

Bourdieu (1999), referindo-se a outras categorias como democracia, socialismo,

comunismo, “são espécies de fantasmas que consideramos como sendo as próprias

coisas”.

Segundo Foucault (apud FAIRCLOUGH, 2001), por outro lado, uma

formação discursiva não define um conjunto unitário de conceitos estáveis com

relações bem definidas entre si. “Ao contrário, o quadro é de configurações mutáveis

de conceitos em transformação”. Essas “configurações mutáveis de conceitos em

transformação” estão em constante disputa no espaço social. No que diz respeito

aos modos de apropriação da base material da sociedade, poderíamos discriminar

dois espaços onde definem-se as relações de poder. O primeiro é o espaço da

distribuição do poder sobre os elementos materiais e o segundo é o espaço em que

se confrontam as representações, valores, esquemas de percepção e idéias que

7 Conforme Bauman, Freud explicou que a felicidade “... vem da (preferivelmente repentina) satisfação de necessidades represadas até um alto grau e, por sua natureza, só é possível como fenômeno episódico”. (BAUMAN,1998,p.10)

Page 37: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

36

organizam as visões de mundo e legitimam os modos de distribuição de poder

verificados no primeiro espaço. É nesse segundo espaço (espaço das

representações) onde se desenvolve uma luta simbólica para impor as categorias

que legitimam ou deslegitimam a distribuição de poder sobre o território e seus

“recursos”. Nesse espaço acontecem as disputas entre as distintas formas sociais de

apropriação do território, mediadas pela afirmação de seus respectivos caracteres

“competitivo”, “sustentável”, “compatível com a vocação do meio”, “ambientalmente

benigno” etc. Como exemplo de legitimação de processos sociais por intermédio de

formações discursivas, no espaço social que contextualiza essa Tese, estão em

disputa os critérios hegemônicos do que seja, “desenvolvimento”, “sustentabilidade”,

“ação social”, “produtividade”, “competitividade” que tendem a legitimar as práticas

empresariais que se dizem responsáveis pela vantagem comparativa do Brasil,

referindo-se à atividade de plantação de eucaliptos para a exportação de celulose.

Como tais categorias estão valorizadas na lógica econômica dominante, a produção

do eucalipto e a expansão da sua área para exportação são apresentadas como

legítimas.

O conceito de sustentabil idade é “chave” na discussão que se

faz nessa Tese, uma vez que é essencialmente aquilo que a

representação de determinado conjunto de empresas inclui como

novidade na retórica que adota no debate ambiental. Dessa maneira,

esses agentes revestem de nova qualidade o tradicional conceito de

desenvolvimento, que vem sendo crit icado como responsável por

problemas sociais e ambientais por diversas vertentes dos movimentos

sociais. Frente a esta resignif icação do “desenvolvimento”, somos

levados a questionar sobre os efeitos desta produção discursiva. O que

nos interessa nesse ponto é o modo de operação deste discurso na luta

social; nessas circunstâncias, a teoria dos sistemas simbólicos de

Bourdieu é o caminho que seguimos em nossa problematização.

Quanto ao poder da linguagem na perspectiva de Bourdieu

(2000), o que faz com que as palavras possam agir e ter uma ef icácia,

produzir efeitos são as disposições e as crenças. Para dar conta da

ação, da ef icácia da linguagem que se dá à distância, sem contato

f ísico, é preciso reconstruir todo o espaço social em que são geradas

as disposições e as crenças que tornam possível a ef icácia “mágica”. O

Page 38: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

37

discurso, seja qual for, é uma competência técnica e social (ao mesmo

tempo a capacidade de falar e a capacidade de falar de certa maneira,

socialmente marcada). As relações de comunicação são também

relações de poder. Segundo Bourdieu (2000, p.61), “ou falamos da

linguagem como se ela só tivesse a função de comunicar, ou tratamos

de procurar nas palavras o princípio do poder que se exerce através

delas”. As palavras fazem ver, fazem crer, fazem agir. Mas dependem

das condições sociais que tornam possível a sua ef icácia. O poder das

palavras só se exerce sobre aqueles que estão dispostos a ouvi-las e a

escutá-las, em suma, a crer nelas. É assim que as palavras ajudam a

fazer o mundo social. Segundo o autor citado, usar uma palavra no

lugar de outra é mudar a visão do mundo social e, com isso, contribuir

para transformá-lo. As trocas lingüísticas são relações de força entre o

emissor e o receptor.

[...] Onde só se vê uma mera relação de comunicação mediada por um código, parece-me que há também uma relação de poder, na qual o emissor dotado de uma autoridade social mais ou menos reconhecida dirige-se a um receptor que reconhece mais ou menos essa autoridade. (BOURDIEU, 2000, p.23)

Nessa concepção, uma parte bastante considerável do que se passa na

comunicação lingüística, o conteúdo mesmo da mensagem, permanece ininteligível

enquanto não levamos em conta essa estrutura de poder. No mundo social,

conforme o autor, cada um persegue não apenas a imposição de uma

representação vantajosa de si, mas disputa o poder de impor como legítimos os

princípios de construção da realidade social mais favoráveis ao seu ser social e à

acumulação de um capital simbólico de reconhecimento (Bourdieu, 2001, p.228).

O capital simbólico, conforme Bourdieu (1996:149), é qualquer tipo de

capital (econômico, cultural, escolar ou social) percebido de acordo com as

categorias de percepção, princípios de visão e de divisão, esquemas classificatórios

e cognitivos que são, em parte, produto da incorporação das estruturas objetivas do

campo considerado, isto é, da estrutura de distribuição do capital no campo

considerado. Todo tipo de capital (econômico, cultural, social) tende (em graus

diferentes) a funcionar como capital simbólico (de modo que talvez valesse a pena

falar, a rigor, em contrapartidas simbólicas do capital). Em outros termos, o capital

Page 39: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

38

simbólico (por exemplo, a honra masculina das sociedades

mediterrâneas, a honorabil idade do notável ou do mandarim chinês, o

prestígio do escritor renomado etc.) não constitui uma espécie

particular de capital, mas justamente aquilo em que se transforma

qualquer espécie de capital quando é reconhecida enquanto capital, ou

seja, enquanto força, poder ou capacidade de exploração (atual ou

potencial), portanto reconhecida como legítima. (Bourdieu, 2001,

p.295). Trata-se de uma propriedade qualquer – força f ísica, riqueza,

valor guerreiro – que, percebida pelos agentes sociais dotados das

categorias de percepção e de avaliação que lhes permitem percebê-la,

conhecê-la e reconhecê-la, torna-se simbolicamente ef iciente, como

uma verdadeira força mágica: uma propriedade que, por responder às

“expectativas coletivas”, socialmente construídas, em relação às

crenças, exerce uma espécie de ação à distância, sem contato f ísico.

Ao tratar da forma particular da ef icácia do poder simbólico do

Estado nas relações sociais como relações de força, de sentido e de

comunicação, Bourdieu (1996, p.114) sugere que “as relações de força

mais brutais são, ao mesmo tempo, relações simbólicas...” E

complementa af irmando que a violência simbólica é aquela capaz de

extorquir submissões que sequer são percebidas como tais, apoiando-se

em expectativas coletivas, em crenças socialmente inculcadas.

2.3 DISCURSO E IDEOLOGIA

Como já foi dito acima, no espaço das representações, onde se desenvolve

a luta simbólica, acontecem as disputas de legitimidade entre as distintas formas

sociais de apropriação do território pela afirmação de seus respectivos caracteres

tidos por desejáveis - “competitivo”, “sustentável”, “compatível com a vocação do

meio”, “ambientalmente benigno” etc., - construídos por meio da linguagem. Na

perspectiva da linguagem como ação capaz de produzir implicações no mundo

social analisamos o discurso ambiental empresarial por intermédio de elementos da

teoria social do discurso de Fairclough (2001), na qual toma-se o termo discurso

num sentido mais estreito, como “uso de linguagem”, parole (fala) ou desempenho e

não no sentido dado pelos lingüistas da tradição saussureana, que considera que

Page 40: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

39

qualquer estudo da língua deve ser um estudo do próprio sistema e não de seu uso.

Essa posição é contestada pelos sociolingüístas que afirmam ser o uso da

linguagem moldado socialmente, sendo a variação no uso da linguagem sistemática

e acessível ao estudo científico. Isto é, a língua varia de acordo com a natureza da

relação entre os participantes em interações, o tipo de evento social e os propósitos

sociais das pessoas na interação. Assim, os agentes usam a linguagem de forma

adequada à situação vivenciada. Quando estão num grupo de amigos íntimos usam

a linguagem apropriada que pode ser diferente da linguagem usada numa reunião

de trabalho. Para a teoria social do discurso, mesmo sendo um avanço em relação à

teoria saussureana, a perspectiva dos sociolingüístas tem também suas limitações,

pois enfatiza que a língua varia segundo fatores sociais, unilateralmente, excluindo a

possibilidade de o uso de linguagem contribuir para a constituição, reprodução e

mudança sociais.

A teoria social do discurso, ao usar o termo “discurso”, propõe

considerar o uso de linguagem como forma de prática social e não

como atividade puramente individual ou como ref lexo de variáveis

situacionais, como nas teorias mencionadas acima. Isso tem várias

implicações: primeiro, implica que o discurso é um modo de ação, uma

forma pela qual as pessoas podem agir sobre o mundo e sobre os

outros, assim como é um modo de representação. Segundo, implica

uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social. A estrutura

social é condição e efeito da prática social. Por um lado, o discurso é

moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em

todos os níveis: pela classe social e por outras relações em um nível

societário, pelas relações específ icas em instituições particulares,

como o direito ou a educação, por sistemas de classif icação, por várias

normas e convenções, tanto de natureza discursiva como não-

discursiva. Por outro lado, o discurso é socialmente constitutivo. Ele

contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social

que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias

normas e convenções; relações; identidades; instituições que lhes são

subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação

do mundo, mas de signif icação do mundo, constituindo e construindo o

mundo em signif icado. Podemos, a este propósito, distinguir três

Page 41: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

40

aspectos dos efeitos construtivos do discurso. Primeiro, o discurso

contribui para a construção de identidades sociais, posições de sujeito,

sujeitos e t ipos de eu, conforme sustenta Foucault (1972), na sua

explicação sobre a formação discursiva de objetos, sujeitos e

conceitos. Segundo, o discurso contribui para construir as relações sociais.

Terceiro, o discurso contribui para a construção de sistemas de conhecimento e

crença. Esses três efeitos correspondem a três funções da linguagem e a dimensões

de sentido que coexistem e interagem em todo discurso: são as funções identitária -

os modos pelos quais as identidades são estabelecidas no discurso -, relacional -

como as relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e

negociadas - e ideacional. - os modos pelos quais os textos significam o mundo e

seus processos, entidades e relações. A prática discursiva contribui, assim, tanto

para reproduzir a sociedade (para reproduzir identidades sociais, relações sociais,

sistemas de conhecimento e crença) como para transformá-la.

O trabalho de Foucault representa uma importante contribuição para uma

teoria social do discurso em áreas como a relação entre discurso e poder, a

construção discursiva de sujeitos sociais e do conhecimento e o funcionamento do

discurso na mudança social. Foucault preocupou-se de fato com as práticas

discursivas como constitutivas do conhecimento e com as condições de

transformação do conhecimento em uma ciência, associadas a uma formação

discursiva. Em algumas fases de seu trabalho ele estava preocupado com o discurso

das ciências humanas, como a medicina, a psiquiatria, a economia e a gramática.

Em seus últimos estudos chamados “genealógicos”, a ênfase de Foucault mudou

para as relações entre conhecimento e poder. E no trabalho dos últimos anos, a

preocupação foi com a ética ou “como o indivíduo deve constituir-se ele próprio

como um sujeito moral de suas próprias ações”. Em resumo, as principais

contribuições teóricas de Foucault para a teoria social do discurso são: uma visão

constitutiva do discurso, que envolve sua dimensão ativa, constituindo a sociedade

em várias dimensões - o discurso constitui os objetos de conhecimento, os sujeitos e

as formas sociais do ‘eu’, as relações sociais e as estruturas conceituais; uma

ênfase na interdependência das práticas discursivas de uma sociedade ou

instituição - os textos sempre recorrem a outros textos contemporâneos ou

historicamente anteriores e os transformam, assim como qualquer tipo de prática

Page 42: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

41

discursiva é gerada a partir de outras e é definida pelas suas relações com outras

práticas discursivas.

Os aspectos que distanciam a análise de discurso de Fairclough (2001)

da obra de Foucault é que a teoria do primeiro está preocupada com qualquer tipo

de discurso – conversação, discurso de sala de aula, discurso da mídia, e assim por

diante, sendo a linguagem falada ou escrita a parte central da análise – que não o é

na de Foucault. Outro aspecto divergente apontado por Fairclough (2001) é que

“nem a tradição crítica na análise de discurso orientada lingüisticamente nem

Foucault lidam satisfatoriamente com o modo como o discurso contribui tanto para a

reprodução como para a transformação das sociedades”.

Segundo a teoria social do discurso, as análises da relação

entre discurso e estrutura social devem partir de uma perspectiva

dialética, considerando a prática e o evento contraditórios e em luta,

para evitar erros comuns tais como considerar que o discurso é mero

ref lexo de uma realidade social, ao se dar ênfase indevida à

determinação do discurso pelas estruturas discursivas (códigos,

convenções, normas) e não-discursivas, ou ainda representar

idealizadamente o discurso como fonte do social - o erro mais perigoso,

conforme Fairclough (2001). A constituição discursiva da sociedade não

emana de um livre jogo de idéias nas cabeças das pessoas, mas de

uma prática social que está f irmemente enraizada em estruturas

sociais, materiais, concretas, orientando-se para elas. Ou seja, a

prática social tem várias orientações – econômica, polít ica, cultural,

ideológica – e o discurso pode estar implicado em todas elas. Por

exemplo, há várias maneiras em que se pode dizer que o discurso é um

modo de prática econômica: o discurso f igura em proporções variáveis

como um constituinte da prática econômica de natureza basicamente

não-discursiva, como a construção de pontes ou a produção de

máquinas de lavar roupa, ou então f igura como prática econômica de

natureza basicamente discursiva, como na bolsa de valores, no

jornalismo ou na produção de novelas.

O discurso é assim entendido como modalidade de prática política e

ideológica. O discurso como prática política estabelece, mantém e transforma as

relações de poder e as entidades coletivas (classes, blocos, comunidades, grupos)

Page 43: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

42

entre as quais existem relações de poder. O discurso como prática ideológica

constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo em posições

diversas nas relações de poder. A prática política e a ideológica não são

independentes uma da outra, pois a ideologia são os significados gerados em

relações de poder como dimensão do exercício do poder e da luta pelo poder.

Assim, a prática política é considerada a categoria superior. Além disso, o discurso

como prática política é não apenas um local de luta de poder, mas também um

marco delimitador na luta de poder: a prática discursiva recorre a convenções que

naturalizam relações de poder e ideologias particulares assim como as próprias

convenções - os modos em que se articulam são um foco de luta.

A teoria social do discurso utiliza o conceito de hegemonia de Gramsci

para a conceituação e a investigação das dimensões políticas e ideológicas da

prática discursiva. Em lugar de dizer que tipos de discurso particulares têm valores

políticos e ideológicos inerentes, diz-se que diferentes tipos de discurso, em

diferentes domínios ou ambientes institucionais podem vir a ser “investidos” política

e ideologicamente de formas particulares. Na concepção estruturalista, há conjuntos

ou códigos (convenções e normas) bem definidos que são simplesmente

concretizados nos eventos discursivos, delineando-se variação sistemática em

comunidades de fala segundo conjuntos de variáveis sociais, incluindo o ambiente

(sala de aula, parque), tipos de atividades, propósito social (ensino, trabalho, teste) e

falante (professor/aluno). Os analistas de discurso franceses sugerem que o

interdiscurso, a complexa configuração interdependente de formações discursivas,

tem primazia sobre as partes; as propriedades que não são previsíveis das partes é

que constituem a entidade estrutural que subjaz aos eventos discursivos. Na teoria

social do discurso, usa-se o termo foucaultiano “ordem de discurso” em que cada

elemento é parte de uma ordem. Os elementos podem não manter apenas relações

de complementaridade - supõe-se que a relação pode ser ou tornar-se contraditória.

Os limites entre os elementos podem ser linhas de tensão. Toma-se, por exemplo,

as diversas posições de sujeito de um indivíduo nos diferentes ambientes. Os

elementos referidos parecem corresponder a uma compreensão convencional de um

código ou registro inteiramente desenvolvido; a um bloco de variantes em níveis

diferentes com padrões fonológicos distintos, vocabulário, padrões gramaticais,

regras de tomada de turno, e assim por diante. As descrições de Foucault ressaltam

a imbricação mútua do discursivo e do não-discursivo nas condições estruturais da

Page 44: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

43

prática discursiva. As ordens de discurso podem ser consideradas como facetas das

ordens sociais, cuja articulação e rearticulação interna têm a mesma natureza.

A teoria social do discurso coloca o foco no que torna o discurso

semelhante a outras formas de prática social, mas também no que torna a prática

discursiva especificamente tal (discursiva). A prática discursiva manifesta-se na

forma lingüística, texto (linguagem falada e escrita) e na forma de prática social

(política, ideológica, etc.) que é uma dimensão do evento discursivo, da mesma

forma que o texto. Essas duas dimensões são mediadas por uma terceira: o discurso

como prática discursiva (processos de produção, distribuição e consumo textual). A

prática discursiva é uma forma particular da prática social. Em alguns casos a prática

social pode ser inteiramente constituída pela prática discursiva, enquanto em outros

pode envolver uma mescla de prática discursiva e não-discursiva. A análise de um

discurso particular como exemplo de prática discursiva deve focalizar os processos

de produção, distribuição e consumo textual. Todos esses processos são sociais e

exigem referência aos ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares

nos quais o discurso é gerado.

A referida teoria tenta compreender como os membros das comunidades

sociais produzem seus mundos ordenados ou explicáveis; entretanto enfatiza que,

ao produzirem seu mundo, as práticas dos membros são moldadas por estruturas

sociais, relações de poder e pela natureza da prática social em que estão

envolvidos. Outro aspecto enfatizado é que a prática dos membros tem resultados e

efeitos sobre as estruturas sociais, as relações sociais e as lutas sociais. Enfatiza

também que os próprios procedimentos são heterogêneos e contraditórios e

contestados em lutas de natureza parcialmente discursiva. Na teoria social do

discurso, a parte que trata da análise textual é chamada “descrição” e a parte que

trata da análise da prática discursiva e da análise da prática social da qual o discurso

faz, parte pode ser chamada interpretação. Assim a teoria social do discurso é

composta de três partes: Texto, prática discursiva (produção, distribuição e

consumo) e prática social. O discurso como prática social, nessa perspectiva discute

o conceito de discurso em relação à ideologia e ao poder e situa o discurso em uma

concepção de poder como hegemonia e aborda uma concepção da evolução das

relações de poder como luta hegemônica. Recorre-se aqui às contribuições

clássicas de Althusser e Gramsci, que oferecem uma teoria rica para investigação do

Page 45: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

44

discurso como forma de prática social, embora guardando importantes reservas,

especialmente no caso de Althusser.

Em relação à ideologia, as bases teóricas para a teoria social do discurso,

conforme Fairclough (2001) são três importantes asserções: a) A asserção de que

ela tem existência material nas práticas das instituições, que abre o caminho para

investigar as práticas discursivas como formas materiais de ideologia; b) A asserção

de que a ideologia “interpela os sujeitos”, que conduz à concepção de que um dos

mais significativos “efeitos ideológicos” que os lingüistas ignoram no discurso é a

constituição dos sujeitos; c) A asserção de que os “aparelhos ideológicos de estado”

(instituições tais como a educação ou a mídia) são ambos locais e marcos

delimitadores na luta de classe, que apontam para a luta no discurso e subjacente a

ele como foco para uma análise de discurso orientada ideologicamente. Esse autor

aponta as seguintes limitações da teoria de Althusser: contém uma contradição não

resolvida entre uma visão de dominação que é imposição unilateral e reprodução de

uma ideologia dominante, em que a ideologia figura como um cimento social

universal e considera os aparelhos como local e marco delimitador de uma constante

luta de classe cujo resultado está sempre em equilíbrio. Para Fairclough (2001) as

ideologias são significações/construções da realidade em várias dimensões das

formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a

reprodução ou a transformação das relações de dominação. “Determinados usos da

linguagem e de outras “formas simbólicas” são ideológicos, isto é, os que servem,

em circunstâncias específicas, para estabelecer ou manter relações de dominação.

As ideologias embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes quando se

tornam naturalizadas e atingem o status de “senso comum” (FAIRCLOUGH, 2001,

p.117).

A teoria social do discurso aponta para a luta ideológica como dimensão

da prática discursiva, uma luta para remoldar as práticas discursivas e as ideologias

nelas construídas no contexto de reestruturação ou da transformação das relações

de dominação. A ideologia é tanto uma propriedade de estruturas como uma

propriedade dos eventos. O problema-chave é encontrar uma explicação satisfatória

da dialética de estruturas e eventos. Uma explicação mostra que os eventos são

restringidos por convenções sociais ou que os eventos são meras reprodução das

estruturas (e não possibilidade de transformações). Outra, explica que a ideologia

está localizada no evento discursivo, como processo, transformação, fluidez, mas

Page 46: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

45

isso pode conduzir a uma ilusão de que o discurso corresponde a processos livres

de formação. Outra explicação diz que as ideologias estão nos textos. Mas, não é

possível “ler” as ideologias nos textos por que os sentidos são produzidos por meio

de interpretações dos textos e os textos estão abertos a diversas interpretações que

podem diferir em sua importância ideológica. A teoria social do discurso prefere a

concepção de que a ideologia está localizada tanto nas estruturas (isto é, nas

ordens de discurso) como nos próprios eventos. Tanto nas estruturas, isto é, ordens

de discurso que constituem o resultado de eventos passados, como nas condições

para os eventos atuais. É uma orientação acumulada e naturalizada que é

construída nas normas e nas convenções, como também num trabalho de

naturalização e desnaturalização de tais orientações nos eventos discursivos.

Outra questão importante sobre a ideologia diz respeito aos aspectos ou

níveis do texto e do discurso que podem ser investidos ideologicamente. Uma

alegação comum é que são os sentidos, especialmente os sentidos das palavras,

que são ideológicos. Mas também o são outros aspectos semânticos, tais como as

pressuposições, as metáforas e a coerência. Por exemplo, as convenções de

polidez que operam entre secretária e patrão implicam pressupostos ideológicos

sobre as identidades sociais e as relações sociais.

A teoria social do discurso faz uma crítica à teoria althusseriana quando

esta subestima a capacidade dos sujeitos agirem individual ou coletivamente como

agentes até mesmo no compromisso com a crítica e na oposição às práticas

ideológicas. Adotando a posição dialética na teoria social do discurso os sujeitos são

posicionados ideologicamente, mas são também capazes de agir criativamente no

sentido de realizar suas próprias conexões entre as diversas práticas e ideologias a

que são expostos e de reestruturar as práticas e as estruturas posicionadoras. O

equilíbrio entre o sujeito “efeito” ideológico e o sujeito agente ativo é uma variável

que depende das condições sociais, tal como a estabilidade relativa das relações de

dominação. Para a teoria social do discurso nem todo discurso é irremediavelmente

ideológico. As práticas discursivas são investidas ideologicamente à medida que

incorporam significações que contribuem para manter ou reestruturar as relações de

poder. Assim não é aceita a concepção de “ideologia em geral” como forma de

cimento social que é inseparável da própria sociedade.

O conceito de hegemonia gramsciano harmoniza-se com a concepção de

discurso defendida na teoria social do discurso e fornece um modo de teorização da

Page 47: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

46

mudança em relação à evolução das relações de poder que permite um foco

particular sobre a mudança discursiva, mas ao mesmo tempo um modo de

considerá-la em termos de sua contribuição aos processos mais amplos de mudança

e de seu amoldamento por tais processos. Hegemonia é liderança, tanto quanto

dominação nos campos econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade.

Hegemonia é o poder nunca atingido de uma das classes sobre a sociedade como

um todo. Hegemonia é a construção de alianças e a integração muito mais do que

simplesmente a dominação de classes subalternas, mediante concessões ou meios

ideológicos para ganhar seu consentimento. Hegemonia é um foco de constante luta

sobre pontos de maior instabilidade entre classes e blocos para construir, manter ou

romper alianças e relações de dominação/subordinação, que assume formas

econômicas, políticas e ideológicas. Há em Gramsci uma concepção de sujeitos

estruturados por diversas ideologias implícitas em sua prática que lhes atribui um

caráter estranhamente composto e uma visão de senso comum tanto como

repositório dos diversos efeitos de lutas ideológicas passadas, como alvo constante

para a reestruturação nas lutas atuais. Além disso, Gramsci concebia “o campo das

ideologias em termos de correntes ou formações conflitantes, sobrepostas ou

cruzadas” a que se referiu como um complexo ideológico. Isso sugere um foco sobre

os processos por meio dos quais os complexos ideológicos são estruturados e

reestruturados, articulados e rearticulados. A concepção de luta hegemônica

gramsciana em termos de articulação, desarticulação e rearticulação de elementos

está em harmonia com a concepção dialética da relação entre as estruturas e

eventos discursivos da teoria social do discurso. Adotando-se uma concepção de

texto que se centra sobre sua intertextualidade, pode-se considerar uma ordem de

discurso como a faceta discursiva do equilíbrio contraditório e instável que constitui

uma hegemonia, e a articulação e a rearticulação de ordens de discurso são um

marco delimitador na luta hegemônica.

A prática discursiva, a produção, a distribuição e o consumo (como

também a interpretação) de textos são uma faceta da luta hegemônica que contribui

em graus variados para a reprodução ou a transformação não apenas da ordem de

discurso existente, mas também das relações sociais e assimétricas existentes. O

discurso político de Thatcher configurou uma rearticulação da ordem discursiva

política existente que reuniu os discursos conservador tradicional, neoliberal e

populista em uma nova mescla e também constituiu um discurso de poder político

Page 48: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

47

sem precedentes para uma mulher, exemplifica Fairclough (2001). Por outro lado a

rearticulação das ordens de discurso é obtida não apenas na prática discursiva

produtiva, mas também na interpretação quando a compreensão de sentidos nos

textos do agente requer intérpretes que sejam capazes de estabelecer conexões

coerentes entre seus elementos heterogêneos, e parte do projeto hegemônico é a

constituição de sujeitos intérpretes para quem tais conexões são naturais e

automáticas.

A maior parte do discurso se sustenta na luta hegemônica em instituições

particulares como a família, escolas, tribunais de justiça, etc. Os protagonistas não

são classes ou forças políticas ligadas de forma relativamente direta a classes ou a

blocos, mas professores e alunos, a polícia e o público ou mulheres e homens. Em

tais casos, a hegemonia também fornece tanto um modelo como uma matriz. Na

educação os grupos dominantes parecem exercer poder mediante a constituição de

alianças, integrando e não simplesmente dominando os grupos subalternos,

ganhando seu consentimento, obtendo um equilíbrio precário que pode ser

enfraquecido por outros grupos; e fazem isso, em parte, por meio de discurso e

mediante a constituição de ordens discursivas locais, fornecendo, desse modo, o

modelo. A obtenção de hegemonia em um nível societário requer um grau de

integração de instituições locais e semi-autônomas e de relações de poder, de tal

modo que as últimas sejam parcialmente moldadas por relações hegemônicas e

lutas locais possam ser interpretadas como lutas hegemônicas.

Embora a hegemonia pareça ser a forma organizacional de poder

predominante na sociedade contemporânea, não é a única, diz Fairclough (2001,

p.125). A dominação em sua forma anterior era mais evidente pela imposição

inflexível de regras, normas e convenções, entendida como um modelo “código” de

discurso que considera o discurso em termos da concretização de códigos com

molduras e classificações fortes e uma prática normativa altamente arregimentada.

Tal modelo contrasta com o modelo de “articulação” de discurso descrito

anteriormente, que corresponde à forma organizacional hegemônica. Por outro lado,

autores do pós-modernismo sugerem uma forma organizacional emergente de poder

que é bastante difícil de apontar, mas que representa uma outra mudança na

orientação institucional associada a uma descentralização de poder explicitada,

parecendo ligar-se a um modelo do tipo “mosaico” de discurso que caracteriza a

prática discursiva como uma constante rearticulação de elementos minimamente

Page 49: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

48

restringidos. A prática discursiva que parece adequar-se a este modelo é

denominada pós-moderna e o exemplo mais claro é a publicidade (FAIRCLOUGH,

2001,p.126).

Em resumo, o conceito de hegemonia contribui para a teoria

social do discurso fornecendo tanto uma matriz como um modelo. Como

matriz, tem-se uma forma de analisar a prática social à qual pertence o

discurso em termos de relações de poder, isto é, se essas relações de

poder reproduzem, reestruturam ou desafiam as hegemonias

existentes. Como um modelo, tem-se uma forma de analisar a própria

prática discursiva como um modo de luta hegemônica, que reproduz,

reestrutura ou desafia as ordens de discurso existentes. Uma vez que

as hegemonias têm dimensões ideológicas, tem-se também uma forma

de avaliar o investimento ideológico das práticas discursivas.

A teoria social do discurso busca focar a mudança discursiva

em relação à mudança social e cultural, tendo como justif icativa teórica

o funcionamento do discurso na vida social contemporânea. Por um

lado, af irma que é necessário entender os processos de mudança como

ocorrem nos eventos discursivos. Por outro lado, af irma que é

necessária uma orientação relativa à maneira como os processos de

rearticulação afetam as ordens de discurso. As origens e as motivações

imediatas da mudança no evento discursivo repousam na

problematizarão das convenções para os produtores ou intérpretes que

pode ocorrer de várias formas. Por exemplo, entre homens e mulheres

a problematização tem suas bases nas contradições entre as posições

de sujeitos tradicionais e as novas relações de gênero. No plano do

discurso polít ico, a problematização surge nas circunstâncias em que

se tornam aparentes as contradições entre as práticas discursivas

tradicionais e um mundo em mudança. Nessas circunstâncias os

agentes tentam enfrentar o dilema sendo inovadores ou criativos,

buscando adaptar as convenções existentes de novas maneiras e assim

contribuir para a mudança discursiva. A intertextualidade e, portanto, a

historicidade inerente à produção e à interpretação textual constituem a

criatividade como opção. A mudança envolve formas de transgressão, o

cruzamento de fronteiras, tais como a reunião de convenções

Page 50: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

49

existentes em novas combinações, ou a sua exploração em situações

que geralmente as proíbem. À medida que uma tendência particular de

mudança discursiva se estabelece e se torna solidif icada em uma nova

convenção emergente, o que é percebido pelos intérpretes num

primeiro momento como textos estil ist icamente contraditórios, perde o

efeito de “colcha de retalhos”, passando a ser considerado “inteiro”. Tal

processo de naturalização é essencial para estabelecer novas

hegemonias na esfera do discurso.

A teoria social do discurso estuda também a mudança em

progresso nas ordens de discurso, tentando identificar tendências abrangentes de

mudança discursiva que afetam a ordem societária de discurso relacionando-as às

direções mais gerais de mudança social e cultural. Para tanto discute três tendências

principais “democratização”, “comodificação” e “tecnologização” do discurso. Por

democratização do discurso entende-se a retirada de desigualdades e assimetrias

dos direitos, das obrigações e do prestígio discursivo e lingüístico dos grupos de

pessoas. Há cinco áreas de democratização discursiva: relações entre línguas e

dialetos sociais; acesso a tipos de discurso de prestígio; eliminação de marcadores

explícitos de poder em tipos de discurso institucionais com relações desiguais de

poder; tendência à informalidade das línguas; mudanças nas práticas referentes ao

gênero na linguagem.

Por “comodif icação” entende-se o processo pelo qual os

domínios e as instituições sociais são organizados e definidos em

termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias, mesmo

naqueles domínios e instituições cujos propósitos não sejam a

produção de mercadorias. É assim que as pessoas são vistas como

mercadorias e no discurso educacional, os programas e cursos acabam

sendo tratados como produtos que devem ser comercializados aos

clientes. A tecnologização é uma tendência ao controle sobre partes

cada vez maiores da vida das pessoas. Trata-se da “colonização do

mundo da vida pelos sistemas do Estado e da economia”, conforme

Habermas (apud Fairclough, 2001, p. 264). Para Foucault (apud

Fairclough, 2001,p. 264) seriam as tecnologias e as técnicas que estão

a serviço do “biopoder” moderno.

Page 51: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

50

A fragmentação relativa de normas e convenções discursivas

afeta uma série de instituições e domínios. A fragmentação é um certo

colapso, uma perda de ef icácia, de ordens de discurso mais locais que

as fazem permeáveis às tendências gerais. A fragmentação das ordens

de discurso locais tenderia a ser uma condição para a tecnologização

crescente do discurso, no sentido de que a permeabilidade maior das

ordens de discurso locais inclui a abertura a processos de

tecnologização de “fora”. O paradoxo é que a fragmentação parece ser

um relaxamento do regulamento da prática discursiva, enquanto a

tecnologização parece ser uma intensif icação disso.

O efeito das tendências freqüentemente vem por meio da

colonização pelas principais tecnologias discursivas – a publicidade, a

entrevista e o aconselhamento – e por meio do treinamento dessas

tecnologias como habilidades descontextualizadas. A prática

discursiva pode tender para a “colonização unil inear”, a “luta

hegemônica” ou a “fragmentação”. A colonização unilinear implica um

modelo de código da prática discursiva que pressupõe uma ordem de

discurso local estável e convenções naturalizadas que são

normativamente exemplif icadas na prática: a prática é simplesmente

seguir as normas. A luta hegemônica implica uma visão da prática

discursiva como articulação: a desarticulação de configurações

existentes de tipos e elementos de discurso e a rearticulação de novas

configurações, dando proeminência à interdiscursividade e à

intertextualidade. A fragmentação é a tendência da prática discursiva

para um modelo “mosaico” ou talvez “negociado”. A imagem de

“mosaico” enfatiza o espaço resultado do jogo criativo ao combinar os

elementos do discurso de novas formas. A imagem de “negociação”

enfatiza que onde as convenções não podem mais ser consideradas

como dadas, há uma necessidade de os agentes negociarem (quase

sempre implicitamente) a quais elementos do discurso deve-se

recorrer.

Page 52: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

51

2.4 DISCURSO NA SOCIOLOGIA AMBIENTAL

Conforme Vinha (2003, p.182), no Brasil a confiança do público em geral

na auto-regulação empresarial é baixa, como comprovou uma pesquisa patrocinada

pelo Instituto Ethos. Conforme tal pesquisa, o Estado ainda é visto como o principal

regulador. Diante desse resultado, o empresariado, diz a autora, não poderia ficar

“paralisado diante da burocracia ou do poder de pressão dos movimentos sociais e

ambientalistas raivosos”. Assim, o projeto empresarial teria mudado para “vencer

pela força dos argumentos, mais do que pela virulência dos métodos”.

Essas afirmações nos relembram a importância, no momento atual, do

discurso empresarial ambientalizado como estratégia empresarial e como objeto de

pesquisa em busca de compreender os efeitos do mesmo no mundo social.

Os processos de comunicação, processamento discursivo, orientação

normativa, empreendimento moral, são os instrumentos através dos quais os

antagonismos do debate ambiental são formados e transformados. A retórica e a

linguagem simbólica têm sido defendidas por Hannigan (1995) como importantes

nos espaços onde acontecem as reivindicações ambientais. Segundo esse autor, a

Sociologia Ambiental tenta compreender a forma como as reivindicações ambientais

são formuladas, legitimadas e contestadas. Ele discute o processo de criação de

“exigências” no âmbito de uma estrutura mais ampla de formulação - que requer

análise da estrutura e da interação simbólica – e propõe um “regresso” às “questões

sociológicas clássicas” da percepção e do poder.

Esta concepção representa uma mudança em relação à abordagem

corrente dos problemas sociais. Na abordagem funcionalista, toma-se por certa a

existência de problemas sociais (crime, divórcio, doenças mentais), os quais são

produtos diretos das condições objetivas prontamente identificáveis, distintas e

visíveis. Essa abordagem teria dominado a sociologia dos problemas sociais até a

publicação de um artigo que argumenta que os problemas sociais não seriam

condições estáticas, mas “seqüências de acontecimentos” que se desenvolvem com

base nas definições coletivas. Nessa teoria, seus autores definiram os problemas

sociais como “as atividades de grupos que fazem asserções de agravos e

reivindicações às organizações, agências e instituições sobre algumas condições

aceitáveis.”(Spector e Kitsuse, apud HANNIGAN, 1995,p.48). Os analistas dos

problemas sociais, nessa concepção devem centrar-se na forma como este

Page 53: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

52

problema é “gerado e sustentado pelas atividades de grupos de reclamação e

respostas institucionais a elas”. Spector e Kitsuse (apud HANNIGAN, 1995, p.48).

Conforme Hannigan,desde 1973 a Sociologia Ambiental tem se orientado para o

“âmago da teorização dos problemas sociais”. A preocupação dessa análise

denominada de construcionista é com a forma como as pessoas determinam o

significado do seu mundo. Nessa sentido, citam-se diversas perspectivas de análise

da questão. Freudenburg e Pastor (apud HANNIGAN,1995,p.56) buscam realçar as

lutas políticas e discursivas inseridas nos riscos tecnológicos. Buttel e Taylor (apud

HANNIGAN,1995,p.56) conferem mais atenção à construção social do conhecimento

ambiental, uma vez que a “construção global das questões ambientais é uma

questão de construção social e políticas de conhecimento da produção”. Capek

(apud HANNIGAN,1995,p.56) explica a emergência de uma estrutura de “justiça

ambiental” e o seu poder mobilizador nas lutas comunitárias. Yearley (apud

HANNIGAN,1995,p.56) examinou o aumento da “consciência ambiental” e a sua

ação ao longo dos dois últimos decênios.

A conceituação do conhecimento e dos riscos ambientais e o relativo êxito

destas construções, nessa abordagem, são impelidas e canalizadas para as

estruturas existentes do poder econômico e político. A forma como isso acontece

depende de fatores que se relacionam com a cultura e o conhecimento. A

preocupação se condensa na questão formulada por Benton e Redclift (apud

HANNIGAN,1995,p.57): “Quais são os processos de comunicação, processamento

discursivo, orientação normativa, empreendimento moral, através dos quais os

antagonismos do debate ambiental são formados e transformados?”. As críticas que

se fizeram a essa perspectiva recaem sobre o risco dessa abordagem negar a

existência danosa de problemas graves da vida real.

Em resumo, a abordagem da Sociologia Ambiental construcionista de

Hannigan fundamenta-se na compreensão de como as alegações são reunidas,

apresentadas e contestadas. O papel do sociólogo ambiental “não deverá situar-se

na procura de um novo modelo ardiloso que liga, numa relação de causalidade, a

quebra do ecossistema com as variáveis sociais, mas num regresso às questões

sociológicas clássicas da percepção e do poder”. Assim, a investigação do meio

ambiente, do ponto de vista de uma perspectiva social construcionista, deverá

realçar mais explicitamente as relações de poder, a retórica e a linguagem simbólica,

uma vez que os instrumentos e estratégias retóricas são importantes na ligação dos

Page 54: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

53

mecanismos entre as diferentes arenas através das quais as reivindicações

ambientais circulam.

2.5 DESENVOLVIMENTO, SUSTENTABILIDADE: A INTERTEXTUALIDADE

A intertextualidade é a propriedade que têm os textos (ou enunciados) de

conterem fragmentos de outros textos, que podem ser delimitados explicitamente ou

mesclados e que o texto em questão pode assimilar, contradizer, ecoar

ironicamente, e assim por diante. Os textos são moldados por enunciados anteriores

aos quais eles estão respondendo e por textos subseqüentes que eles antecipam.

Cada enunciado, tanto na forma oral quanto na escrita, é um elo na cadeia da

comunicação. A intertextualidade implica a inserção da história em um texto;

significa que o texto absorve e é construído por textos do passado – artefatos que

constituem a história; significa ainda que cada texto responde, reacentua e

retrabalha textos passados que concorrem para fazer a história. Na abordagem de

Fairclough (2001, p.134), na teoria social do discurso, os textos (ou enunciados)

desempenham papéis centrais na sociedade em função da historicidade inerente

aos mesmos, ou seja, à maneira como eles sempre constituem acréscimos às

cadeias de comunicação verbal existentes.

O conceito de intertextualidade é relevante para a teoria social do

discurso em relação a seu foco sobre o discurso na mudança social. Conforme

Foucault (1972, p.88) “não pode haver enunciados que de uma maneira ou de outra

não reatualizem outros”. Segundo Fairclough (2001), o termo intertextualidade teria

sido cunhado por Kristeva, no contexto de seu trabalho de apresentação do

pensamento de Bakhtin, que tinha como tema central o desenvolvimento de uma

abordagem intertextual para a análise de textos. Bakhtin apontou a omissão da

lingüística quanto às funções comunicativas da linguagem e quanto ao modo como

os textos e os enunciados são moldados por textos anteriores aos quais eles estão

“respondendo” e por textos subseqüentes que eles antecipam8. “Cada enunciado é

um elo na cadeia da comunicação” (Bakhtin, apud FAIRCLOUGH, 2001). Assim, os

8 Conforme Fairclough (2001) para Bakhtin todos os enunciados são demarcados por uma mudança de falante e são orientados retrospectivamente para enunciados de falantes anteriores e prospectivamente para enunciados antecipados de falantes seguintes (BAKHTIN, 1986, p. 89, apud FAIRCLOUGH, 2001).

Page 55: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

54

enunciados – “textos” – para a teoria social do discurso são inerentemente

intertextuais constituídos por elementos de outros textos.

A intertextualidade aponta para a produtividade dos textos,

para como os textos podem transformar textos anteriores e reestruturar

as convenções existentes (gêneros, discursos) para gerar novos textos.

Entretanto, essa possibil idade é socialmente limitada e restringida

conforme as relações de poder. A teoria da hegemonia combinada com

a intertextualidade pode possibil itar, por exemplo, o mapeamento das

possibil idades e limitações dos processos intertextuais dentro de

hegemonias particulares e estados de luta hegemônica. A

intertextualidade pode ser vista nas relações entre um texto e aqueles

que o precedem e com aqueles que o seguem na cadeia de textos.

Pode ser vista também entre textos ligados historicamente em várias

escalas temporais e também entre os que são contemporâneos. Além

dessas relações de textos com outros textos, tem-se as relações de

textos com as convenções (gêneros, discursos, esti los, t ipos de

atividades). Outros textos podem estar manifestamente presentes no

texto sob análise, algumas vezes marcados ou sugeridos por traços na

superfície do mesmo, ou com as aspas, na denominada

“intertextualidade manifesta”. Na “intertextualidade constitutiva” tem-se

a configuração de convenções discursivas entrando na produção do

texto. Na teoria social do discurso, usa-se o termo interdiscursividade

para distinguir a intertextualidade constitutiva, quando é necessário

enfatizar que o foco está nas convenções discursivas e não em outros

textos.

Uma outra dimensão de análise importante é a que estabelece

relação entre intertextualidade e hegemonia. A produtividade dos textos, ou o modo

como os textos podem transformar textos anteriores e reestruturar as convenções

existentes para gerar novos textos é socialmente limitada conforme as relações de

poder prevalecentes. Em combinação com uma teoria de poder, a teoria da

intertextualidade pode ser útil para mapear as possibilidades e as limitações para os

processos intertextuais dentro de hegemonias particulares. Pode também conceituar

processos intertextuais de contestação e reestruturação de ordens de discurso como

luta hegemônica na esfera do discurso. Os textos são produzidos de formas

Page 56: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

55

particulares em contextos sociais específicos, podendo conferir poder e hegemonia

aos agentes e suas práticas; dessa forma, alguns textos conduzem, modificam as

atitudes, as crenças ou as práticas das pessoas. Vale a propósito lembrar que nas

análises de discurso de Foucault, conforme Fairclough (2001,p.132), todo

enunciado, de uma maneira ou de outra reatualiza outros.

Seguindo essa linha de interpretação e considerando a perspectiva da

produção textual, que dá ênfase à historicidade dos textos, entendemos que o texto

“desenvolvimento sustentável” dialoga com a textualidade do “desenvolvimento”,

consistindo num acréscimo, que visa explicar como, sem alterações no modelo, as

nações e regiões poderiam alcançar um fim apresentado como desejável. Destacar

a relação de intertextualidade entre o desenvolvimento e a sustentabilidade é

importante porque evidencia, corroborando o pensamento de Carneiro (2003,p.19),

que a noção de desenvolvimento sustentável é uma inovação discursiva inscrita na

ideologia do desenvolvimento, que considera a existência de uma escala evolutiva

na qual os países capitalistas centrais estariam no topo. Apesar de não terem

realizado seu projeto em todas as partes do globo, sua ideologia permanece

orientando o discurso dos agentes. Nos termos de Carneiro (2003,p.19), “a ideologia

do desenvolvimento é a doxa9 por excelência do sistema produtor de mercadorias”.

A noção de “desenvolvimento sustentável”, formulada por ambientalistas, teria sido

reformulada e assumida pelo Relatório Brundtland, no qual se “considera necessário

e possível compatibilizar o desenvolvimento econômico indefinido com a diminuição

contínua das desigualdades sociais e a preservação dos recursose equilíbrios

naturais”. No entanto, os nexos entre as práticas sociais de apropriação das

condições naturais e os fundamentos da sociedade capitalista são pontos de partida

para a crítica do autor da noção de “desenvolvimento sustentável” como ideologia de

legitimação do status quo.

Em suma, a interetextualidade aqui destacada permite evidenciar como a

noção “desenvolvimento sustentável” é uma expressão que re-elabora e re-habilita a

ideologia do desenvolvimento. Evidenciar a intertextualidade desse termo é uma

forma de explicar como a noção de desenvolvimento sustentável trata da re-

habilitação da ideologia do desenvolvimento como algo inexorável, a partir de então

9 A doxa é a universalização do ponto de vista de determinados agentes e seus respectivos interesses e concepções, em resumo é uma ortodoxia que se universalizou, conforme Bourdieu (1996:120) “Consenso tácito e inconsciente sobre um silêncio”, conforme Carneiro (2003).

Page 57: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

56

poderia perdurar desde que incorporando a categoria “sustentabilidade”. Como já

afirmou Carneiro (2003,p.23), “parece de todo impossível é realizar, na prática, a

abstrata contradição nos termos expressa na fórmula de um desenvolvimento

capitalista ecologicamente sustentável.”. Tratou-se, pois, de reunir os fragmentos de

uma noção de desenvolvimento cujo “texto” encontrava-se num movimento de perda

de legitimidade, reafirmando, na textualidade do Relatório Brundtland, a necessidade

do crescimento econômico - em nome, desta feita, dos imperativos do combate à

pobreza, e as virtualidades do progresso técnico – meio pelo qual o industrialismo

sustenta poder prometer os ganhos de eficiência no uso dos recursos em matéria e

energia.

Assim é que a partir do momento em que o modelo dominante do

desenvolvimento passou a ser objeto de crítica, a proposta do desenvolvimento

sustentável surgiu como uma das respostas. Como sugerimos a partir da teoria

social do discurso, esse processo pode ser analisado no quadro da intertextualidade,

como uma interdependência verificada entre práticas discursivas. Nos termos de

Fairclough (2001), qualquer tipo de prática discursiva é gerada a partir de outras e é

definida por suas relações com outras práticas discursivas. Isso implica que o

discurso tem uma relação ativa com a realidade – inclusive com outros discursos -,

que a linguagem significa a realidade no sentido da construção de significados para

ela, em vez de o discurso ter uma relação passiva com a realidade, com a linguagem

meramente se referindo aos objetos e desconsiderando outros discursos. Dessa

maneira a crescente perda de legitimidade da noção desenvolvimento é proposta

nesta Tese como uma realidade que se pretende interromper por intermédio da

emergência do discurso do desenvolvimento sustentável. Veremos a seguir como a

composição entre os dois termos que nos interessam foi vista no debate acadêmico.

Guimarães (2001,p.51) assinala que uma mudança no estilo

de desenvolvimento supõe reconhecer que as conseqüências

ecológicas do modo como a população util iza os recursos do território

estão associadas ao padrão de relação estabelecido entre os próprios

seres humanos. Os problemas do meio ambiente estão, para esse

autor, vinculados aos problemas do desenvolvimento, já que os

primeiros são a simples expressão das falências de um determinado

estilo de desenvolvimento. Acselrad (2001,p.76) aponta dois processos

que caracterizaram a dimensão territorial do capitalismo brasileiro: a

Page 58: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

57

concentração do poder de controle sobre os recursos do território nas

mãos de poucos agentes e a privatização do uso dos espaços

comunais. Os dois processos acarretaram lutas sociais e deram lugar a

crít icas ao modo pelo qual se deu o desenvolvimento capitalista. Assim

é que alguns atores sociais10 apontam no modelo de desenvolvimento

dominante a causa das incertezas do desemprego, da desproteção

social, da precarização do trabalho, e também da exposição a riscos

ambientais a que está sujeita a maioria da população brasileira, seja

nos locais de trabalho, de moradia ou no ambiente em que circula.

Dado padrão de distribuição prevalecente no modelo, os trabalhadores

estariam particularmente expostos aos riscos associados a usos

produtivos de substâncias perigosas, à falta de saneamento básico, a

moradias em encostas perigosas e em beiras de cursos d'água sujeitos

a enchentes, à proximidade de depósitos de lixo tóxico, vivendo sobre

gasodutos ou sob linhas de transmissão de eletricidade. Os grupos

sociais de menor renda, segundo este discurso, seriam os que têm

menor acesso ao ar puro, à água potável, ao saneamento básico e à

segurança fundiária. As dinâmicas polít icas e econômicas seriam

responsáveis por um processo de exclusão territorial e social, que nas

cidades levaria à periferização de grande massa de trabalhadores e no

campo, por falta de expectativa em obter melhores condições de vida,

ao êxodo para os grandes centros urbanos. As populações tradicionais

de extrativistas e pequenos produtores, que vivem nas regiões da

fronteira de expansão das atividades capitalistas, sofreriam as

pressões do deslocamento compulsório de suas áreas de moradia e

trabalho, perdendo o acesso à terra, às matas e aos rios, sendo

expulsas por grandes projetos hidrelétricos, viários ou de exploração

mineral, madeireira e agropecuária. Ou então têm as suas atividades

de subsistência ameaçadas pela definição pouco democrática dos

limites e das condições de uso de unidades de conservação. Todas

estas situações ref letiriam um mesmo processo: a concentração de

poder na apropriação dos recursos ambientais que caracteriza a

10 Por exemplo veja a Declaração de lançamento da Rede de Justiça Ambiental, Niterói, 2001. http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/pagina.php?id=229. Acesso em 20-07-2006.

Page 59: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

58

história do país. Uma concentração de poder que tem se revelado a

principal responsável pelo que os movimentos sociais vêm chamando

de injustiça ambiental. Entendemos por injustiça ambiental o

mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista

econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do

desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais

discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às

populações marginalizadas e vulneráveis. Segundo as organizações da

Rede, em resumo, uma “injustiça ambiental” resultaria da lógica

perversa de um sistema de produção, de ocupação do solo, de

apropriação de ecossistemas, de alocação espacial de processos

poluentes, que penaliza as condições de saúde da população

trabalhadora, moradora de bairros pobres e excluída pelos grandes

projetos de desenvolvimento. Uma lógica que manteria grandes

parcelas da população às margens da cidadania, sem água potável,

coleta adequada de lixo e tratamento de esgoto. Uma lógica que

permitiria que grandes empresas lucrem com a imposição de riscos

ambientais e sanitários aos grupos que, embora majoritários, por serem

pobres, têm menos poder de se fazer ouvir na sociedade e, sobretudo,

nas esferas do poder.

Considerada a amplitude de crít icas como a que acima

relatamos, que se acumulavam desde meados dos anos 1960, a

atribuição de sustentabil idade ao desenvolvimento veio oferecer

respostas ao que foi chamado por seus promotores, como veremos a

seguir, as diferentes dimensões do desenvolvimento, a saber,

econômica, social e ambiental, procurando legit imar, em nome do

combate à pobreza, o crescimento econômico, e em nome da proteção

do meio ambiente, o progresso técnico.

A proposição originária – e mais conhecida - da noção de

sustentabil idade é a da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (Comissão Brundtland, 1987). O desenvolvimento

sustentável é aquele que satisfaz as necessidades das gerações atuais

sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer

suas próprias necessidades.

Page 60: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

59

A sustentabil idade do desenvolvimento é definida por

Guimarães como o “fazer com que as atividades produtivas contribuam

efetivamente para o aperfeiçoamento das condições de vida da

população e protejam o patrimônio biogenético a ser transmitido ás

gerações futuras” (GUIMARÃES,2001,p.49). Para Guimarães, embora

todos os atores concordem que o estilo atual está esgotado e é

“insustentável, não apenas econômica e ambientalmente, mas

principalmente em termos de justiça social”, a noção de

sustentabil idade introduz uma “restrição ambiental” no processo de

acumulação, “sem com isso enfrentar os processos polít ico-

institucionais que regulam a propriedade, o acesso e o uso dos

recursos naturais e dos serviços ambientais. “O que temos observado

até agora são apenas transformações cosméticas que tendem a

esverdear o estilo atual, sem de fato viabil izar as mudanças com as

quais os governos representados na Eco-9211 se comprometera”

(GUIMARÃES, 2001,p.62). No plano discursivo porém, verif icaremos,

que a cada formulação textual em que o projeto desenvolvimentista

ocidental foi questionado, a noção de desenvolvimento sustentável,

resultante de um investimento inter-governamental potente,

cuidadosamente construído ao longo de alguns anos de trabalho da

Comissão Brudtland, procurou oferecer respostas dialógicas,

prometendo que o novo projeto seria socialmente justo, ecologicamente

equilibrado e economicamente ef iciente. Ou, nos termos de Wolfgang

Sachs, fazendo da sustentabil idade um atributo capaz de sustentar a

própria ideologia do desenvolvimento (SACHS, 1991). O

desenvolvimento seria objeto, assim, de uma luta cultural, no seio da

qual, se teria procurado introduzir nos países periféricos do

capitalismo, determinada cultura técnica e de consumo, associada à

difusão de relações de mercado, e que encontaria nas formas sociais

não-capitalistas de ocupação do território e uti l ização de seus recursos

alguns dos limites a superar.

11 A ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, foi a segunda Conferência Mundial da ONU para o Meio Ambiente.

Page 61: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

60

2.6 DISCURSO DO ENCLAVE ECOLOGICAMENTE COMPROMETIDO

O relacionamento entre o setor público e o setor privado vem sendo abordado

por atores da academia, particularmente, na Economia, como um “poderoso

instrumento de política econômica” e como “espaço e ambiente institucional da

constituição de políticas públicas”. (VINHA, 1999, p.14). Para esses analistas, o caso

da Aracruz Celulose representa a “vanguarda” e o discurso adotado é o do “enclave

ecologicamente comprometido”.

Nesse campo, o enclave das indústrias de papel e celulose caracteriza-se

por ser uma atividade que distingue-se de tudo o que existe ao seu redor, sendo

atividades tidas por poluidoras e destrutivas do meio ambiente. Como estratégia, diz

Vinha (1999, p.16) introduz-se “características semi-públicas”, ou seja, busca-se

mostrar presença social nas regiões afetadas.

Tal interpretação vê o Estado como controlador dos instrumentos

regulatórios, mas, incapaz de atingir todos os espaços, pelo fato do país ser grande,

e incapaz também de dar conta da complexidade social e peculiaridades regionais.

Por essas razões são delegadas atribuições públicas para as empresas. Diz a autora

que a Aracruz Celulose compensou os prejuízos causados aos pequenos produtores

e à floresta nativa desenvolvendo programas sociais destinados aos seus

trabalhadores e à população carente alojada no entorno de sua área de influência.

São concepções que entendem as empresas como agentes do

desenvolvimento social, que defendem “o assistencialismo social e as ações

preservacionistas do ‘meio ambiente’ como sendo o resultado da “introdução de

características semi-públicas em empresas privadas” através da “internalização da

sustentabilidade ambiental como estratégia de negócios” (VINHA, 1999,p.18).

Assim é que Vinha sustenta que a implantação das empresas de

celulose e papel no sul da Bahia corresponderia a um novo padrão de

relacionamento entre o setor público e o setor privado, no qual a empresa foi

priorizada como agente de desenvolvimento econômico. Em resumo, tratar-se-ia, por

um lado, de um enclave, caracterizado por: a) apresentarem uma autonomia e lógica

próprias conferidas pela produção e exportação; b) suas plantas industriais serem de

grande porte e sua forma de exploração dos recursos naturais degradadora do meio

ambiente e potencialmente poluidora, dada a escala exigida pela produção; c) seus

Page 62: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

61

impactos apresentarem maior visibilidade, sendo alvos privilegiados do movimento

ambientalista e das normas de regulação do comércio internacional

(VINHA,1999,p.19). E por ser um enclave, a implantação de um tal projeto industrial

em uma região não-industrializada resultaria conseqüentemente na introdução de

uma outra ordem social e econômica que alteraria profundamente as estruturas da

ordem tradicional, transformando-a em zona caótica (VINHA,1999, p.19). No

entanto, entende Vinha que, por outro lado, tratar-se-ía mais especificamente de um

“enclave ecologicamente comprometido” que hoje, ainda conforme a autora, poderia

representar “a vanguarda do setor empresarial na internalização da sustentabilidade

ambiental enquanto estratégia de negócios”. Por outro lado, por responder a dois

fatores: “a) a dinâmica concorrencial do mercado está envolta em aspectos não-

tipicamente mercadológicos, tornando essas empresas potencialmente capazes de

contribuir para o aperfeiçoamento do diálogo Estado/sociedade/setor produtivo; b)

por estarem neocorporativamente organizadas, estabelecendo relações estáveis, de

confiança e de cumplicidade com o Estado, podendo esta proximidade ser mais bem

explorada pelo movimento ambientalista e social para fazer avançar políticas sócio-

ambientais” (VINHA,1999, p.18). Este “neocorporativismo ecológico” resultaria, por

sua vez, na “introdução de características semi-públicas em empresas privadas.

Desse modo, o Estado é tido como necessitado da parceria das empresas para

cumprir o seu papel na sociedade. Conforme a autora as empresas:

[...] complementariam o Estado enfraquecido em sua capacidade e grau de capilaridade para atingir todo o espaço da nossa imensa geografia, e dar conta da pluralidade e complexidade dos tipos de arranjos sociais fortemente marcados por peculiaridades regionais” (VINHA:1999:16).

Tal função se estaria expandindo, inclusive, “através da criação, por parte

do empresariado, de organizações não-governamentais e de institutos ou fundações

voltadas para a pesquisa, o assistencialismo social e ações para preservação do

meio ambiente. Evidência – segundo a autora - de que o empresariado passou a

adotar modelos de organização que vinham sendo historicamente usados pelos

seus opositores” (VINHA,1999,p.19).

Tais observações levam Vinha a levantar como hipótese que

“estando desacreditadas – ou pelo menos muito dificultadas - as reformas de maior

envergadura de natureza estrutural, o caminho que se apresenta mais viável,

mesmo não sendo o mais desejável para a formulação de políticas públicas de

Page 63: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

62

sustentabilidade ambiental regionalmente aderentes, é o do neocorporativismo na

sua dimensão setorial, isto é, o meso-corporativismo” (VINHA,1999,p.18). Tais

observações são, de certo modo, convergentes com o próprio discurso empresarial

segundo o qual “a preocupação com as questões sociais sempre esteve entre as

prioridades da empresa, que promove e participa de programas diversos voltados ao

bem-estar dos empregados, parceiros e das comunidades situadas nas regiões onde

atua” (Aracruz Celulose e BNDES, 1999, p.7, apud BORGES, 2001).

Ou seja, conforme será mostrado ao longo desta Tese, o discurso

“ambientalizado” de auto-representação da empresa pretende, sim, mostrá-la como

portadora de uma vasta gama de qualidades morais e de respeito à alteridade, de

atenção a populações em situação de risco social, de propósitos de produção de

conhecimento e de construção paisagística, de cultivo de diversidade biológica e

reconstituição de florestas nativas, de recomposição de áreas que foram degradadas

por agentes ambientalmente irresponsáveis e promoção econômica e social das

populações locais, sustentando, ademais, ser a presença local da monocultura um

poderoso agente do desenvolvimento regional, capaz de fazer dos “solos

extremamente pobres” a “melhor área do mundo para o plantio comercial do

eucalipto”.

Isto posto, entretanto, três restrições fazemos às hipótese de

Vinha: 1) a excessiva confiança na pertinência explicativa do próprio

discurso das empresas, sem problematizá-lo suf icientemente, caminho

que se af igura necessário para se escapar crit icamente das armadilhas

de uma sociologia das motivações, apoiada na crença imediata nas

próprias intenções declaradas dos sujeitos; 2) uma incapacidade de

distinguir as práticas empresariais e as práticas estatais em sua

incomensurabil idade, mesmo quando ambas dediquem-se

eventualmente a fornecer bens coletivos como educação e saúde12. O

caráter público de tais bens só poderia ser assegurado quando

fornecido pelos poderes públicos, devidamente f inanciados pelos

impostos pagos pela sociedade, enquanto a oferta direta de unidades

12 A este propósito, afirma o próprio diretor da Aracruz, “a pobreza, as dificuldades e as grandes carências acabam conduzindo a demandas indevidas sobre as empresas, por vezes atribuindo-se a elas papéis que cabem ao Estado ou a outras organizações (...) em nenhuma hipótese as empresas podem substituir o papel do Estado, sob pena de comprometimento de ambas as partes” (Kaufmann, 1997, apud ANDRADE, 2000,p.224)

Page 64: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

63

destes bens por grandes empresas, mesmo que apresentada como

dimensão de sua “responsabilidade social”, não implica em nenhuma

desconexão lógica entre tal prática e os objetivos nucleares das

empresas – a lucratividade, mesmo quando apoiada em iniciativas

socialmente benignas, associadas, por suposto, aos desígnios de sua

própria legit imação; 3) a pretensão expressa das empresas

contribuírem para o bem público f ica mais problemática quando dizem

elas pretender “proteger o meio ambiente”, propósitos em si objeto de

disputa e contestação, ao sabermos que práticas ditas de

“ref lorestamento”, por exemplo, apresentadas como forma de

“preservação ambiental” são, ao contrário, representadas do ponto de

vista de outros atores, como atentatórias a seus respectivos ambientes.

É por esta razão que Borges, por sua vez, procura escapar da

sociologia das motivações, reconhecendo que através dos programas

sociais da empresa “a hegemonia do processo é da Aracruz, que detém

tanto o poder econômico quanto o polít ico na região, sendo também ela

quem exerce inf luência, ou mesmo define quais os projetos que serão

desenvolvidos. Nesse sentido a empresa vai continuamente alargando

a sua territorialidade, econômica, social e polít ica, decorrente da

diversidade dos públicos, das áreas de execução e dos programas

propriamente ditos” (BORGES, 2001). Ou seja, através destes

programas, assim como da adesão a conceitos de sustentabil idade

“construídos em consonância com seus interesses econômicos-sociais,

a empresa se aproxima dos princípios de um capitalismo esverdeado,

que considera que a resolução dos problemas sócio-ambientais passa

principalmente pelas soluções técnicas”, enquanto “no que diz respeito

às comunidades, o conceito é genérico e, portanto, não esclarece o que

a empresa pensa sobre o que é de fato “respeito às comunidades”

(BORGES,2001).

As hipóteses de Borges, de algum modo, convergem com as

conclusões da Tese de Andrade (2000) segundo a qual “a Aracruz

parece ter apreendido, através da gestão de controvérsias sócio-

ambientais (...) que tanto o espaço técnico-econômico quanto o espaço

polít ico-institucional são lócus de vantagem competit iva para a

Page 65: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

64

empresa” (ANDRADE,2000,p.323). Pois seguindo os preceitos do

CEBDS – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável,

segundo o qual “investir em responsabilidade social corporativa é

também investir na imagem da empresa, podendo signif icar um ‘seguro´

contra o impacto de acusações de injustiça social e ambiental “

(CEBDS apud ANDADE,2000,p.222), um alto dirigente da Aracruz

af irmava que “a participação das empresas em movimentos que trarão

mudanças sociais só poderá ser ef icaz e duradoura se esses

movimentos estiverem alinhados aos objetivos da corporação”

(KAUFMANN, 1997 apud ANDRADE, 2000, p.224). Ou, nos termos de

outros altos dirigentes da empresa, “as ações que visam manter os

clientes no exterior constantemente informados sobre as atividades da

empresa e suas práticas ambientais são parte integrante da estratégia

de construção e consolidação de uma boa imagem internacional”

(ROXO e PADILHA, 1996 apud ANDRADE, 2000, p.227-228). Conclui

Andrade, assim, que:

[...] A Aracruz organizou e liderou um sistema de representação de interesses através da provocação de discussões sobre os principais vetores da demandas sócio-ambientais e do estabelecimento de posições coletivas – para desenvolver estratégias corporativas que visassem conquistar legitimidade no espaço político-institucional e assegurar vantagens competitivas duradouras no espaço técnico-econômico. (ANDRADE, 2000, p.322).

É preciso reconhecer, porém, como o faz Borges, que “embora possa

ocorrer cooptação e subjugação das populações que são alvo dos projetos sociais

da Aracruz, pode haver também um certo consentimento da população a essas

iniciativas, porque de alguma forma resultam em algum benefício para ela. Nesse

caso a população pode, apesar de consciente do papel da empresa na região,

estabelecer com ela parcerias, obtendo assim benefícios” (BORGES, 2001). A

percepção por parte da população local de que parte dos programas sociais

empresariais lhes trazem benefícios diretos não seria mais do que a indicação de

que encontram-se ausentes ou insuficientemente assegurados nestas regiões os

serviços que são da obrigação dos poderes públicos como educação e saúde.

Admitir que, ante a ausência do Estado a prover direitos, o reconhecimento da

população pode chegar inclusive ao próprio consentimento com relação a práticas

Page 66: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

65

empresariais de ordem técnica, locacional ou ambiental que, em outras

circunstâncias, poderiam ser consideradas danosas e prejudiciais para as próprias

populações locais, não quer dizer que a adoção de tais programas sociais fazem da

empresas entes “semi-públicos”. Ou que o fato do empresariado “passar a adotar

modelos de organização que vinham sendo historicamente usados pelos seus

opositores” seja um sinal de que tenha se instalado o consenso em torno à

benignidade social de todas as práticas empresariais.

Ao contrário, como se procurará demonstrar nesta Tese, tratam-se de

várias facetas dos esforços de neutralização da crítica. A crítica, afirmam Boltanski-

Chiapello (1999), denuncia um diferencial entre um estado de coisas real e um

estado de coisas desejável. Ela contribui, paradoxalmente, para a criação de um

“espírito do capitalismo” em cada época. O capitalismo, dizem estes autores, precisa

incorporar parte das críticas para reforçar seu “domínio”, ou seja, para garantir o

engajamento social no processo de acumulação. Em contrapartida, como afirmam os

próprios representantes do movimento de “ambientalização do discurso

empresarial”, através da neutralização da crítica, constitui-se um “seguro”

economicamente rentável contra o impacto das acusações de injustiça social e

ambiental (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999).

Page 67: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

66

3. DISCURSO E TERRITÓRIO: A EXPERIÊNCIA DO EXTREM O SUL DA BAHIA

Nesta parte, resumidamente apresentaremos um histórico das mudanças

ocorridas no território, de modo a contextualizar a introdução de práticas discursivas

inovadoras que vieram interferir nas dinâmicas locais. Quanto a estas práticas, será

focalizada em particular a emergência de um discurso empresarial ambientalizado

enunciado por porta-vozes de empreendimentos agroindustriais. Na observação

empírica, será dado destaque à empresa Veracel Celulose cujas atividades

concentram-se no Extremo Sul da Bahia, sendo as mesmas apresentadas por seus

representantes como compatíveis com a “preservação do meio ambiente” e com a

satisfação das demandas da população local. Serão analisados discursos referentes

a alguns projetos e programas de cunho “ambiental” e “social” desenvolvidos pela

empresa na região no período em que se deu a progressiva implantação de áreas

plantadas com eucalipto por iniciativa da empresa em questão

Também são apresentados discursos de alguns representantes de

grupos-alvo (“beneficiários”) e da sociedade civil local que travaram conhecimento

com tais programas, mesmo não estando diretamente envolvidos nos mesmos.

Conforme mencionado na introdução dessa Tese, o material empírico selecionado

constituiu-se de relatórios anuais, boletins, reportagens, documentos, originados na

prática discursiva da empresa portadora do discurso estudado e na prática

discursiva dos demais participantes do campo social estudado, bem como sobre

registros obtidos a partir da participação em seminários, encontros e fóruns de

iniciativa tanto da empresa quanto dos demais atores envolvidos nos processos

sociais.

Page 68: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

67

3.1 DISCURSO E PRODUÇÃO DE CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS

O território é formado, conforme Santos (2002), pelo conjunto

indissociável do substrato físico, natural ou artificial, e mais o seu uso. Ele não

deveria ser considerado, pois, apenas como um conjunto de formas naturais e

artificiais, juntamente com as pessoas, as instituições e as empresas que abriga. O

território deve ser considerado também em relação a suas divisões jurídico-políticas,

suas heranças históricas e seu atual conteúdo econômico, financeiro, fiscal e

normativo. É deste modo que ele constitui, pelos lugares, aquele quadro da vida

social onde tudo é interdependente, levando, também, à fusão entre o local, o global

e o nacional. Assim podemos sugerir que o território é a instância de espacialização

dos conflitos sociais.

Na interface entre o mundo social e o material podemos distinguir-se três

tipos de práticas: práticas de apropriação técnica do mundo, práticas de apropriação

social do mundo e práticas de apropriação cultural do mundo. Através das práticas

de apropriação técnica configuram modos de uso, transformação biofísica, extração,

inserção e deslocamento de materiais. Através das práticas de apropriação social

configuram-se os processos de diferenciação social dos indivíduos, a partir das

estruturas desiguais de distribuição, acesso, posse e controle de território ou de

fontes, fluxos e estoques de recursos materiais. Finalmente, através das práticas de

apropriação cultural o mundo material é objeto de inúmeras atividades de atribuição

de significados (ACSELRAD, 2004, p.14).

As práticas de apropriação tanto material como simbólica são dotadas de

historicidade, sendo corporificadas de forma cumulativa no território. A historicidade

da ocupação do espaço é narrada na história das disputas dos agentes pela

afirmação de distintos projetos territoriais. Para Touraine (1976, p.63), “a

historicidade de uma sociedade não consiste em um conjunto de representações e

em um “ideal”, mas em um trabalho da sociedade sobre si mesma”. É a sua

capacidade de produzir suas próprias orientações sociais e culturais a partir de sua

atividade e de dar um sentido às suas práticas. A historicidade do território exprime o

processo de transformação nele realizado pelas sociedades. Os grupos que

alcançaram a hegemonia neste processo “gerem” a historicidade, identificando-a

também com os seus interesses particulares, enquanto os demais grupos procuram

se proteger contra essa dominação, invocando também a historicidade, contestando

Page 69: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

68

sua apropriação pelo grupo dirigente. Conforme Touraine, não se pode falar de

transformações de um tipo de sociedade mas da passagem de uma coletividade de

um campo de historicidade para outro. Nessa linha de entendimento, o projeto do

“desenvolvimento” configuraria a pretensão da passagem de uma sociedade de um

campo de historicidade para outro.

Procuraremos aqui analisar os discursos e práticas que se articularam na

transformação recente da região, considerando o modo como as dinâmicas sociais

de apropriação do espaço se constituíram historicamente dando base à

diferenciação social, ou seja, à desigual distribuição de poder sobre os recursos do

território.

Com o objetivo de construir um entendimento sobre a dinâmica histórica

do território da chamada região Extremo Sul do Estado da Bahia, reunimos aqui

alguns elementos básicos do processo de mudança. Consideramos que o contexto

atual, no qual empresas adotam um discurso ambiental inscreve-se na disputa entre

formas de apropriação e uso do território configuradas ao longo do tempo.

Consideramos, portanto, que o processo histórico não aconteceu sem conflito que

por diversas formas e em diversas ocasiões, conforme certas fontes consultadas,

não foi apenas discursivo ou simbólico, mas propriamente conflito violento e, em

certos casos, armado.

3.1.1 As formas de apropriação anteriores à expansã o do eucalipto

No século XVIII, a exploração extrativista expandiu seu raio de ação para

as imediações das vilas de Prado, Alcobaça e Mucuri, no Extremo Sul da Bahia e

iniciou-se a policultura de gêneros alimentícios, principalmente da farinha de

mandioca e de feijão, que passou a ser a principal atividade econômica da Região,

caracterizando-a, a partir de então, como fornecedora de alimentos para o

Recôncavo Baiano e para o Nordeste do País. O cacau, introduzido em Ilhéus no

século XVIII, expandiu-se inicialmente na atual Região Cacaueira, alcançando o

Extremo sul no início do século, onde hoje se situa o município de Belmonte. A

cultura do cacau e do café exerceram um papel positivo no crescimento

demográfico, na expansão do povoamento e na dinamização interna da economia

regional. O fim da escaravatura deu lugar ao surgimento de uma sociedade baseada

na pequena propriedade familiar. As relações sociais que se estabeleceram após a

Page 70: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

69

derrocada da economia colonial fundamentaram-na existência de terras abundantes

e de homens livres. Os pequenos produtores, posseiros e pescadores organizaram-

se em uma sociedade homogênea com base na produção semi-mercantil, onde as

unidades familiares independentes integraram-se em comunidades de ajuda mútua.

As relações de troca de produtos entre os membros das comunidades e as relações

regulares que se estabeleceram com o comércio regional, onde os produtores, em

conjunto, vendiam principalmente cacau e café, não visavam a acumulação

mercantil, mas apenas a reprodução da economia camponesa. Este padrão de

ocupação foi dominante até meados do século XX, quando a expansão da economia

de mercado no País exigiu a incorporação de áreas até então mantidas em situação

“marginal”. (COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL – CAR-

BA, 1994: 16).

Os registros do Pe. Koopmans (1999) indicam que até a década de 1950

a região foi habitada por índios, descendentes dos povos Tupinikim, Pataxó,

Maxacali, Botocudo, Puri, Kamakã, quilombolas, etc., “que tinham formas de vida e

de reprodução muito próprias, conciliando atividades econômicas produtivas com

preservação da diversidade da base material da região, recoberta por Mata

Atlântica”. O autor assinala que no início do século XX, famílias de camponeses de

origem mineira, migraram para o Extremo Sul da Bahia: "O Extremo Sul se tornara

um lugar no qual existiam homens livres em terras livres, oferecendo condições para

ter uma vida decente. Uma sociedade de pequenos produtores e de pescadores". A

maior parte dessa população fixou-se na zona rural, cultivando em suas roças,

principalmente, produtos alimentícios. Não estavam, contudo, excluídos do mercado,

pois, na maioria das vezes, cultivavam produtos para o mercado. Produziam cacau,

café e criavam porcos. Importavam sal e querosene. Segundo Koopmans, “as regras

comerciais eram baseadas em confiança e sinceridade".

De 1945 a 1960 a região – originalmente de Mata Atlântica – sofreu a sua

primeira transformação provocada pela extração das madeiras de lei. Grandes

madeireiros de Minas Gerais e do Espírito Santo teriam aberto as primeiras estradas

para extrair a madeira nobre, muitas vezes convidados pelo poder público,

interessado na abertura das estradas. A extração da madeira teria contribuído muito

para a atividade pecuária que já encontrava as "terras limpas" para a formação das

pastagens. A mata era queimada após a extração da madeira nobre (jacarandá,

Page 71: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

70

peroba, jequit ibá, cedro, sucupira, pau-brasil, maçaranduba, cerejeira

etc.) para servir de pastagens.

A região onde as relações sociais e os processos que são

considerados nessa pesquisa estão territorializados está localizada no

Extremo Sul do Estado da Bahia, mais especif icamente na área que

abrange os municípios de Eunápolis, Canavieiras, Belmonte,

Guaratinga, Itabela, Itagimirim, Itapebi, Porto Seguro e Santa Cruz

Cabrália.

A cidade de Eunápolis dista 669 Km da capital Salvador,

situando-se ao Sul da Bahia, sub-região do Extremo sul da Bahia,

integrando o que se denomina “Costa do Descobrimento”; l imita-se ao

norte com Belmonte e Itapebi; ao sul com Itabela; a leste com Porto

Seguro e Santa Cruz Cabrália; e a oeste com Guaratinga, e por ser o

centro de toda micro-região, abriga a 8ª Região Administrativa que

abrange os municípios de Itapebi, Itagimirim, Belmonte, Santa Cruz

Cabrália, Porto Seguro, Itabela e Guaratinga, o que garante sediar

diversos órgãos administrativos do Estado.

Em um território que abrange uma área de l. l93 Km2, consta

de 3 aglomerações urbanas: Gabiara, Mundo Novo, e Colônia, além de

localidades como Projeto Maravilha, Projeto Produzir, Roça do Povo,

Santa Luzia, Ponto Bahia, Ponto Maneca, Bom Jesus, Caminho Feliz,

Mãe de Deus, e o Mundo da Criança. Na sede do Município, a principal

povoação, reside cerca de 85% da população, é formado por 22

bairros: Alta Vista, Antares, Centauro, Dinah Borges, Edgar Trancoso,

Estela Reis, Gusmão, Itapoã, Ivan Moura, Juca Rosa, Minas Gerais,

Moises Reis, Motor (o nome é devido ao fato de que, quando não havia

energia elétrica, esta era gerada por um motor que foi instalado no

referido logradouro, onde ainda hoje está instalada a central de

distribuição da CHESF- Companhia Hidro Elétrica do São Francisco ,

para toda cidade), Pequi, bairro mais populoso de Eunápolis, onde

moram mais de 30 mil habitantes e tem todo tipo de comércio, Rosa

Neto, Santa Isabel, Santa Lúcia, Sapucaieira, Thiago de Melo (Alecrim I

e II), Urbis I, II e III, e alguns outros loteamentos ainda não

reconhecidos of icialmente.

Page 72: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

71

Primeiramente, Eunápolis, f icou conhecida como “a porta de

entrada de Porto Seguro”, pois durante muito tempo oriundos de

qualquer parte do mundo, para se chegar a Porto Seguro, em meios de

transportes terrestres, todos tinham de passar por Eunápolis. Hoje,

Porto Seguro conta com um aeroporto. Os povoados de Mundo Novo e

Gabiarra t iveram origem antes mesmo da cidade existir, sendo que

Gabiarra, é mais antiga e tem como data do seu aparecimento o século XIX,

enquanto Mundo Novo está situado às margens da BR 101, dista 12 quilômetros da

cidade de Eunápolis e sua criação data dos anos 40. Já o Distrito da Colônia data de

1954 e foi criado a partir de um núcleo agrícola, que possuía um gabinete médico,

um gabinete dentário, um clube de futebol, - o Milionário Futebol Clube -, com campo

e sede e um cinema, inexistentes nos dias de hoje.

Em dezembro de 1991, implanta-se na região a Vera Cruz Florestal

prevendo a implantação, conforme Guerra (2006) de:

[...] um plantio grandioso de 2 milhões de mudas de pés de Eucalipto, numa área inicial de 2.060 hectares, chegando no futuro a 65 mil hectares, e se tornando hoje no projeto Veracel Celulose, que dentro em breve poderá estar produzindo 900 mil toneladas ano de celulose para a fabricação de papel. O referido projeto teve sua iniciação com a compra de 47 mil hectares de terras das florestas da Rio Doce, então subsidiária da Vale do Rio Doce, espalhadas por 5 micro-regiões do município; será em breve também o maior produtor de celulose do mundo. (GUERRA:2006)13.

Com a chegada da Veracel Celulose e o plantio de eucalipto, Eunápolis

perdeu o que era até então a condição de ser um dos maiores produtores de frutas

do mundo, “acabando com mais ou menos 20 mil empregos

diretos” (GUERRA:2006). Nas palavras de Theoney Guerra: “esta é a Cidade de

Eunápolis, que era com Teixeira de Freitas-Bahia o maior produtor de mamão

papaya do mundo e que já foi a grande maior produtora de frutas do Brasil, mas hoje

perdeu esta denominação, devido à plantação de eucalipto na região” (GUERRA,

2006).

Concomitante com o processo de redução do espaço produtivo verifica-se

o esvaziamento populacional na região. Esse processo pode ser provado por 13 http://www.guiadeporto.com.br/guiaeunapolis/default.asp Acesso em 01-04-2006. Informações retiradas do “Anuário de Eunápolis” de autoria do historiador e jornalista Theoney Guerra, estudos, resumo e redação do radialista-redator e repórter Paulo Barbosa.

Page 73: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

72

intermédio de um trabalho da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais

da Bahia (1999), que propõe a regionalização dos espaços do estado baiano.

Visando conhecer dinâmicas intraestaduais, procurou-se mostrar como estavam

distribuídas a população em idade ativa (PIA) e as pessoas ocupadas na

agropecuária no estado da Bahia, utilizando-se os Censos Demográficos de 1980 e

1991, a contagem da população de 1996 e os censos agropecuários de 1985 e

1996, todos elaborados pelo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Para tanto, dividiu-se o estado em três grandes regiões: a moderna, a

litorânea tradicional e a interiorana tradicional. A divisão buscava refletir as

diferentes tendências de ocupação e o dinamismo entre as regiões do estado da

Bahia. A região mais dinâmica, denominada “moderna” e constituindo “ilhas de

prosperidade” é a região conhecida como a região Extremo Sul do Estado da Bahia.

Conforme o estudo “nessa região passou-se recentemente a desenvolver a

agricultura nos moldes produtivistas, para a produção de grãos, fruticultura e

silvicultura. Na região “moderna” verifica-se uma redução na população em idade

ativa (população rural com 10 anos ou mais). Ou seja, há uma queda na ocupação

da mão-de-obra agropecuária, na região moderna. Esta região é considerada como

“novo mundo rural desenvolvido”. Ao mesmo tempo o estudo indica um aumento

dessa população nas regiões consideradas “atrasadas”. Quanto a essas últimas, no

estudo afirma-se que “provavelmente, vêm se intensificando as estratégias de

sobrevivência, através de uma combinação maior de trabalhos, que leva à formação

do “novo mundo rural atrasado” (SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS

ECONOMICOS E SOCIAIS DA BAHIA:1999).

Page 74: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

73

3.1.2 Processo de ocupação do espaço pela monocultura de eucalipto

Parte das transformações ocorridas na região na segunda

metade do século XX teve origem no processo de formação da

estrutura produtiva de celulose e papel no Brasil. A Tese de Soto B.

(1992), conforme já foi mencionado brevemente na introdução, explica

como o complexo f lorestal brasileiro se formou desde 1891. Na primeira

fase, de 1891 a 1961, vinculada ao circuito econômico cafeeiro, foram

instaladas em São Paulo três das principais fábricas de papel. Em

1915, iniciam-se as primeiras ações coordenadas dos fabricantes de

papel e em 1917 origina-se o embrião da primeira organização dos

interesses empresariais da indústria. Em 1919, fundou-se o Centro dos

Fabricantes de Papel (CFP), organização que originou Associação

Nacional dos Fabricantes de Papel e Celulose (ANFPC). O CFP foi uma

das primeiras associações privadas especializadas criadas no Brasil.

Isso revela, segundo o autor, “a precocidade na organização dos

interesses” haja vista a acirrada disputa com os importadores de papéis

no país. A disputa acontecia por intermédio da luta por inf luenciar o

Estado na criação ou eliminação de tarifas alfandegárias e de proteção

do mercado interno. Essa organização de interesses fortaleceu-se com

a crise econômica dos anos 1920. As reivindicações da associação até

o início da década de 1930 eram encaminhadas ao Estado por

intermédio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP)14. Em 1928 a

ACSP se dividiu e um grupo de empresários paulistas fundou o Centro

das Indústrias do Estado de São Paulo. Entre 1933 e 1939 houve a

superação da crise e a produção de papel teve grande expansão,

chegando a triplicar. Entre 1937 e 1956 a produção nacional de papel

aumentou 3,5 vezes. Além das polít icas protecionistas havia as

polít icas específ icas de estímulo à produção de celulose. No entanto,

Soto postula que “o Estado através das polít icas públicas contribuiu de

forma decisiva na configuração estrutural dos mercados e nas suas

14 A Associação Comercial de São Paulo (ACSP) foi fundada em 1894 por comerciantes e manufatureiros.

Page 75: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

74

formas de concorrência, consolidando determinados grupos

empresariais líderes. Estes últ imos, monopolizando a representação e

exercendo uma verdadeira “orquestração” dos interesses empresariais,

não só inf luenciaram na gestão das polít icas públicas, como também

condicionaram a autonomia de decisão dos agentes econômicos nos

distintos segmentos e mercados que compõem o complexo.” (SOTO B.,1992).

O Plano Diretor da SUDENE – Superintendência para o Desenvolvimento

do Nordeste, para o ano de 1961, Lei 3.995/61, destinava recursos para o

desenvolvimento da agricultura e da pecuária especialmente para a assistência

direta ao produtor de gêneros de subsistência, bem como para captação d’água do

subsolo, construção de barragens submersas, perenização dos rios, e, ainda, para a

instalação de centrais meteorológicas, estudos e experiências relativas à provocação

de chuvas artificiais. Nessa época, surgiram o Banco do Nordeste, a

Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste e o Departamento Nacional de

Estradas e Rodovias – DNER, e DERBA. Contudo, os investimentos foram dirigidos

para interesses particulares. Isso teria sido o início da formação da estrutura que até

hoje caracteriza a região, pautada na concentração do dinheiro, da terra, do gado e

do poder político, nas mesmas mãos.

A atividade de criação de gado caracterizou-se pela ocupação de grandes

extensões de terra que pertenciam a negociantes que moravam na cidade. Esses

negociantes permitiam a moradia de pessoas nas suas terras que trabalhavam como

vigias do gado ou em serviços de manutenção da fazenda. Entre os anos 1950 e 60,

a área destinada a pasto mais que duplicou na região.

Como um segundo momento do processo de transformação do espaço

social, tem-se a inauguração da BR-101, em 1975, e o início da atividade industrial

do setor de celulose e papel, embora as plantações de eucalipto tivessem se

iniciado em 1970, estimuladas pelos incentivos fiscais sobre os quais trataremos em

detalhe mais adiante. Na inauguração da BR-101, o Governador do Estado de então

falou no “redescobrimento” do Extremo Sul, que até então estava "esquecido", e que

teria a partir de então o "progresso" e o "desenvolvimento". A nova estrada valorizou

as terras que eram posses das famílias de agricultores locais. A classe política

constituída pelos fazendeiros da região implantou a nova ordem na região. Os

posseiros, que até então tinham seus direitos respeitados foram expulsos das terras

pelo emprego da violência ou pelo "aparecimento" de títulos de propriedade e de

Page 76: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

75

supostos proprietários. Sobre isso Pe. Koopmans (1999) alerta para a possível

implicação de cartórios e funcionários públicos nesse processo. Mas isso é pouco se

considerada a outra forma de expulsão que fora largamente utilizada na qual muitas

famílias, segundo o mesmo autor, foram "convencidas" a sair, Os corretores

argumentavam aos pequenos agricultores que "aquelas terras eram improdutivas",

"difíceis de serem cultivadas", que "eles poderiam aplicar o dinheiro na poupança" e

que "seus filhos poderão freqüentar escola" etc., e influenciavam os pequenos

proprietários, pessoas com pouca formação escolar, a sair de suas terras. Assim,

resumidamente, configuraram-se as estratégias de expulsão dos pequenos

agricultores e de apropriação das terras pelos novos agentes, conforme Pe.

Koopmans (1999:82).

A construção da BR-101 foi decisiva no processo de inserção da região

na economia nacional e, por isso mesmo, central na reestruturação das

comunidades em novas bases. “A partir desse momento, entram em cena os

investimentos estatais, a emigração de um grande contingente populacional,

principalmente de grupos atraídos pelas facilidades de transporte e pela existência

de terras de baixo valor, os madeireiros, os pecuaristas, os agricultores de origem

japonesa e os industriais do setor de celulose e papel”. “O ciclo da celulose é

decorrente das políticas públicas de incentivo fiscal para o reflorestamento”.

COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL – CAR (BA) (1994:

17).

Conforme Gonçalves (apud COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E

AÇÃO REGIONAL – CAR –BA, 1994,p. 79) a produção de celulose e papel “...por

sua própria constituição, implica uma estratégia de ocupação intensiva do espaço.

De fato, a produção papeleira, em escala industrial, começa na formação de

extensas florestas homogêneas e encerra-se na grande unidade fabril, dependente

de boa faixa de terra e de cursos d’água de porte. Exatamente por isso contribui

para a desestruturação de formas social, cultural e economicamente vigentes de

produção, organização e uso da natureza”.

Os estudos da COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO

REGIONAL – CAR (BA) evidenciam o contexto atual da região. Conforme a CAR

(BA), o quadro econômico-social da região Sul da Bahia, se expressa por um

acentuado processo de urbanização, sobretudo nas cidades que têm apresentado

potencialidades para o desenvolvimento do setor terciário, a exemplo de Porto

Page 77: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

76

Seguro, Eunápolis e Teixeira de Freitas. Conforme os estudos da CAR, o principal

efeito desse processo é o agravamento da qualidade de vida da população dos

centros urbanos, pela falta de emprego e atendimento insatisfatório nas áreas de

abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, saúde pública,

educação e habitação popular. Evidencia-se o “expressivo contingente de mão-de-

obra desempregada e subempregada existente na região” COMPANHIA DE

DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL – CAR (BA) (1997,p.19).

[...] O baixo poder aquisitivo dessa população, associado à elevada concentração da riqueza regional, são os principais fatores que têm prejudicado a formação de um amplo mercado regional com vistas a provocar, por sua vez, o surgimento de uma complexa estrutura econômica. COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL – CAR (BA) (1997,p.19).

Na literatura de origem governamental, assim como na empresarial, consultada é

freqüente a referência ao fato do Extremo Sul da Bahia oferecer as melhores

condições para o plantio do eucalipto. O Programa de Desenvolvimento Regional

Sustentável – PDRS: Sul da Bahia, 1997 revelou que no Extremo Sul a pecuária

bovina ocupa um lugar de destaque, seguida de uma policultura baseada nos

cultivos de mamão, cacau, café, coco, abacaxi, melancia, mandioca e, mais

recentemente, o eucalipto, que se expandiu rapidamente nos últimos anos em

função das condições edafoclimáticas favoráveis, terras contínuas, facilidades no

escoamento da produção, e disponibilidade de mão-de-obra. Estima-se que a área

ocupada por sistemas florestais baseados em espécies de eucaliptos, em 1993, era

superior a 200 mil hectares.

Para o CENTRO DE ESTATISTICA E INFORMAÇÕES (BA) os fatores

que contribuíram para a expansão da monocultura de eucalipto na região foram as

condições edafoclimáticas favoráveis, terras contínuas e preços baixos

possibilitando ampliações de cultivo, facilidade de escoamento da produção devido a

proximidade de grandes centros consumidores como os Estados do Espírito Santo e

Minas Gerais, além da disponibilidade de mão-de-obra. O processo de

desmatamento acelerado da Floresta Atlântica, após a abertura da BR-101, também

contribuiu para a expansão do eucalipto, conforme o CENTRO DE ESTATISTICA E

INFORMAÇÕES - BA (1994, p. 23).

Page 78: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

77

Conforme a SECRETARIA DA INDÚSTRIA COMÉRCIO E MINERAÇÃO

(1998, p.14) “o desenvolvimento da indústria de papel e celulose é visto como

estratégico pelo Governo do Estado”. Por outro lado também nesse órgão estatal

encontra-se referências sobre a “vocação” regional para a produção de celulose e

papel. Afirma-se que:

[...] O Brasil desponta como a mais nova fronteira econômica do segmento de papel e celulose, graças a um potencial florestal que é simplesmente o maior do planeta”. “A Bahia oferece condições excepcionais de desenvolvimento nesse setor, devido a fatores como amplitude territorial, clima e a existência de maciços florestais de grande extensão, notadamente nas regiões do Litoral Norte, Oeste e Extremo Sul. SECRETARIA DA INDÚSTRIA COMÉRCIO E MINERAÇÃO (1998,p.14).

Nesse documento também é afirmado que a Bahia incorporou, nas duas

últimas décadas, novas regiões de expansão da fronteira agrícola, que vêm

crescendo significativamente de acordo com suas vocações específicas. “É o caso

do Extremo Sul, que rapidamente se especializou em fruticultura e olericultura para

exportação, e madeira para produção de papel e celulose”. SECRETARIA DA

INDÚSTRIA COMÉRCIO E MINERAÇÃO (1998, p.7). “Vários segmentos da

agricultura baiana oferecem diversificadas oportunidades de investimento”. “A

produção florestal e indústria de base florestal é um exemplo”. Conforme esta

literatura:

[...] O Estado da Bahia possui, em suas diversas regiões, excelentes condições edafoclimáticas e locacionais para a formação de florestas, destacadamente com espécies destinadas à fabricação de celulose de fibra curta”. No litoral estão disponíveis mais de 2 milhões de hectares de terras com elevada qualidade para implantação de maciços florestais. Nas regiões interioranas também é possível ocupar com florestas de elevada qualidade, mais de 1 milhão de hectares. SECRETARIA DA INDÚSTRIA COMÉRCIO E MINERAÇÃO (1998, p.19).

A produtividade da atividade faz parte dos argumentos usados. “A

celulose branqueada de fibra foi o terceiro maior produto da pauta de exportações

da Bahia, em 1996”. A alta produtividade florestal alcançada com incrementos

médios anuais da ordem de 45esteres/ha/ano, aliada à existência de infra-estrutura

energética, portuária e rodoviária, notadamente nas regiões de maior potencial

florestal, tornam esses produtos altamente competitivos nos mercados nacional e

internacional. SECRETARIA DA INDÚSTRIA COMÉRCIO E MINERAÇÃO (1998, p.

Page 79: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

78

20). O Brasil se destaca em relação a outros países produtores de celulose em

função das vantagens de custo que apresenta. A vantagem fundamental que

apresenta é o menor tempo de produção da madeira de eucalipto. O ciclo de corte é

de 7 anos, em alguns países, ciclos de 20, 30 e até menos, a exemplo da Suécia, 70

anos, conforme a FUNDAÇÃO CENTRO DE PROJETOS E ESTUDOS (BA) (1994,

p.26).

[...] O Estado da Bahia tem uma das melhores condições ambientais do mundo para o desenvolvimento do eucalipto; nas regiões de alta precipitação , próximas à costa, são comuns produtividades de eucalipto acima de 50m³ /ha por ano. SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS ECONOMICOS E SOCIAIS DA BAHIA (1997, p.118)

As condições do clima, da topografia e do preço das terras seriam,

entretanto, fatores interessantes para o desenvolvimento de quaisquer atividades

agrícolas. A região era considerada como propícia para a agricultura sem irrigação

de fruticultura, culturas alimentares, cana-de-açúcar e pastagens cultivadas, no

entanto o que se verifica é uma especialização forçada plantação de eucalipto para

produção de celulose e papel.

A verificação do processo de expansão da monocultura na região, não

prescinde de um retorno no tempo. Para facilitar o entendimento, retornemos ao

Plano Diretor da SUDENE, para o ano de 1961, Lei 3.995/61. A partir de então,

passa a ser dada preferência à agroindústria, em detrimento de outras atividades,

quando se tratava de desenvolvimento do Nordeste, conforme podemos verificar no

Art. 28 § 2º onde consta que é vedado ao Banco do Nordeste do Brasil S.A.

conceder empréstimos ou financiamentos para atividades comerciais de quaisquer

pessoas físicas ou jurídicas em prejuízo da agro-indústria nordestina. Em 1963, o

Decreto 4.239 aprova a segunda etapa do Plano Diretor do Desenvolvimento do

Nordeste para os anos de 1963, 1964 e 1965, e dá outras providências. É criado o

Fundo de Investimentos para o Desenvolvimento Econômico e Social do Nordeste

(FIDENE) para garantir a exeqüibilidade financeira dos projetos e obras que a

SUDENE considerar prioritárias, relevantes ou de interesse para a economia do

Nordeste. Consta, no art 13, que os empreendimentos industriais e agrícolas que se

instalarem na área de atuação da SUDENE, até o exercício de 1968, inclusive,

ficarão isentos de imposto de renda e adicionais não restituíveis, pelo prazo de 10

anos, a contar da entrada em operação de cada empreendimento. O prazo de que

Page 80: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

79

trata este artigo poderá ser ampliado até 15 anos, de acordo com a localização e

rentabilidade desvantajosas do empreendimento beneficiado, mediante parecer da

Secretaria Executiva da SUDENE aprovado pelo seu Conselho Deliberativo.

A lei 4.771-65 institui o novo Código Florestal, mas deixou um tanto

confusa a noção de “floresta”, pois o termo é usado tanto para mencionar uma

plantação de árvores e para indicar uma floresta propriamente dita, como

agrupamento de espécies variadas. Isto pode ser percebido através da leitura de

alguns dos seus artigos. Usam-se expressões como: "áreas florestadas de

preservação permanente", "florestas necessárias ao abastecimento local ou nacional

de madeiras e outros produtos florestais", (artigo 8) e também "florestas plantadas,

não consideradas de preservação permanente" (livre para extração de lenha e

demais produtos florestais ou a fabricação de carvão) (artigo 12). Entende-se que

estes termos teriam mais relação com plantação de árvores do que propriamente

floresta. Isto pode ter permitido uma série de confusões e pode indicar tanto falta de

conhecimento quanto o descaso para com o tema. Para designar a floresta

propriamente dita encontra-se no artigo 16 o termo "florestas de preservação

permanente". Esta lei também determinou que os estabelecimentos oficiais de

crédito concederiam prioridades aos projetos de florestamento, reflorestamento ou

aquisição de equipamentos mecânicos necessários aos serviços, obedecidas as

escalas anteriormente fixadas em lei. Ao Conselho Monetário Nacional, órgão

disciplinador do crédito e das operações creditícias em todas suas modalidades e

formas, coube estabelecer as normas para os financiamentos florestais, com juros e

prazos compatíveis, relacionados com os planos de “florestamento” e

“reflorestamento” aprovados pelo Conselho Florestal Federal.

Em 1988, foi publicado o Decreto nº 96.233, de 28 de junho que dispõe

sobre a aplicação dos incentivos fiscais para o desenvolvimento florestal do País. No

seu primeiro artigo determina que os empreendimentos florestais que possam servir

de base à exploração econômica e contribuir para o desenvolvimento e conservação

da natureza, mediante “florestamento’ ou “reflorestamento’, poderão ter aporte de

recursos dos incentivos fiscais de que trata o Decreto-lei Nº 1.376, de 12 de

dezembro de 1974, já mencionado acima, modificado pelo Decreto-lei Nº 2.304, de

21 de novembro de 1986, observado o disposto neste Regulamento e no Decreto Nº

93.607, de 21 de novembro de 1986, modificado pelo Decreto Nº 94.766, de 11 de

agosto de 1987. A limitação para o uso do recurso está no art. 2º que determina que

Page 81: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

80

os empreendimentos florestais serão realizados exclusivamente por pessoas

jurídicas, organizadas sob a forma de sociedade anônima, em terras de que tenham

justa posse, a título de proprietárias, arrendatárias, comodatárias ou usuárias.

A nível local também surgiram incentivos para a expansão da indústria.

Programa de Incentivos Municipais (PIM), Lei Nº 180/93 de 22 de dezembro de 1993

da prefeitura de Eunápolis e sob responsabilidade da Secretaria de

Desenvolvimento, Indústria e Comércio, com os seguintes objetivos: a) promover a

instalação de indústrias no município, b) estimular a transformação, no próprio

município, de seus recursos naturais; c) incentivar o aumento da qualidade e

produtividade dos bens industriais do município, visando maior competitividade. No

Artigo 2º o programa concede isenção total de ISS – Imposto Sobre Serviços e

IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, pelo prazo de dez anos às micro,

pequenas e médias indústrias já instaladas que se instalarem no município de

Eunápolis a partir da promulgação da Lei. 63. (FUNDAÇÃO CENTRO DE

PROJETOS E ESTUDOS (BA) (1994,p.63).

Embora as políticas públicas estivessem incentivando a expansão da

monocultura de eucalipto na região, técnicos do Estado elaboraram projetos de

desenvolvimento nos quais as atividades que já existiam seriam incentivadas por

serem consideradas viáveis, desde que algumas dificuldades apontadas no estudo

fossem vencidas. O objetivo dos projetos era exatamente detectar as dificuldades

para que se pudesse saná-las.

Os estudos realizados no âmbito do Programa de Desenvolvimento de

Áreas Integradas do Nordeste – POLONORDESTE – em 1976, revelaram as

características físicas, as possibilidades produtivas, as diversidade de culturas

existentes, os diversos problemas que impediam o desenvolvimento das culturas e

as propostas de solução dos problemas para o desenvolvimento da agricultura na

região. As condições climáticas da região, segundo o programa, permitiriam a prática

das principais atividades agrícolas regionais sem maiores restrições. Conforme o

estudo, a rede hidrográfica é constituída principalmente das bacias dos rios: Pardo,

Jequitinhonha, Buranhém, Jucuruçu, Itanhém e Mucuri, além de outros menores,

que drenam as águas de escoamento para o mar e entalham a superfície dos

tabuleiros. Embora não se tenha levantamento sobre as águas subterrâneas, o

estudo indica que de acordo com o conhecimento sobre a formação geológica, é

provável a existência de águas subterrâneas. Os solos são predominantemente

Page 82: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

81

planos. A área é considerada favorecida do ponto de vista das potencialidades em

solos, sobretudo levando-se em conta a pluviometria relativamente elevada. Apenas

8% da área é considerada como composta de solos inaptos. Diante de tais

constatações, podemos supor que as dificuldades das pequenas fazendas para a

produção agrícola não residiam nas condições edafoclimáticas, ou seja, solo e clima.

O estágio rudimentar dos sistemas de produção, comparados com

aqueles considerados “racionais e de grande produtividade”, é apontado como fator

que teria limitado as atividades produtivas na região, nessa época, conforme os

estudos do POLONORDESTE, sendo esta defasagem o principal fator restritivo ao

desenvolvimento rural da região, face aos condicionantes negativos que aí se

incluem. O Estudo reconheceu e apontou os diversos “pontos de estrangulamento”

nos vários estágios de produção, condicionados por fatores como tradicionalismo,

empirismo, primitivismo e extrativismo. Assim nos termos do estudo, lê-se que:

[...] na cultura do cacau o problema é o tradicionalismo; A cultura da mandioca é realizada em minifúndios de forma empírica, como cultura de subsistência, com o apoio exclusivo de mão-de-obra familiar, dedicada ao fabrico de farinha e, em escala reduzida não satisfazendo à demanda do mercado consumidor regional; O feijão também é cultivado em minifúndios; O azeite de dendê e a piaçava são provenientes de atividades extrativistas, em extensas áreas litorâneas que suportariam uma variedade de outras culturas. (SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS ECONOMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 1976,p.17).

A pecuária é apontada no estudo como uma atividade que ocupa grandes

extensões de áreas recém-desmatadas, “as mais férteis, sobretudo nos vales,

expulsando as lavouras locais e provocando a expulsão de agricultores”. Considera-

se que as terras são utilizadas de forma inadequada. A sua progressiva depredação

em função da exploração intensa de madeiras e com a prática da queimada logo

após a retirada das madeiras de maior valor no mercado regional é um exemplo de

uso inadequado. Entende-se que os solos não suportam a exposição aos raios

solares e à chuva, “perdendo em pouco tempo toda a sua vitalidade e tornando-se

praticamente inúteis”. (SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS ECONOMICOS E

SOCIAIS DA BAHIA ,1976,p.36)

Conforme o Programa acima mencionado, a desorganização regional

seria devida à falta de mecanismos institucionais de orientação da economia

regional capazes de estabelecer diretrizes seguras e um zoneamento da região,

visando a que as atividades econômicas aí desenvolvidas não fossem conflitantes

Page 83: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

82

entre si e não se constituíssem em “forças de degradação e deterioração do seu

potencial econômico”. Quanto ao crédito rural, por exemplo, afirma-se que “atende a

uma faixa muito limitada de agricultores, obrigatoriamente proprietários de terras

legalizadas”. Também menciona-se no Programa que orientações quanto ao

cooperativismo, associativismo e educação profissionalizante não teriam sido

realizadas, embora fossem necessárias. (SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS

ECONOMICOS E SOCIAIS DA BAHIA 1976,p.21).

No entanto o que aconteceu com o Extremo Sul do Estado da Bahia não

foi o desenvolvimento das culturas locais, mas o desenvolvimento de uma cultura

exógena, de um modo produtivo que requer expansão de áreas plantadas

crescentes e que não teriam atendido, conforme denúncias de atores sociais críticos,

às demandas das populações locais. O Extremo Sul não foi contemplado com um

projeto de desenvolvimento, que incorporasse infra-estrutura (energia elétrica,

estradas, bancos, etc.) de que os produtores necessitavam para desenvolverem

suas atividades produtivas.

Essas informações são importantes para a presente discussão na medida

em que demonstram, primeiro, que a região foi correntemente considerada propícia

para diversas culturas, o que nos remete a questionar o porquê de ter sido

transformada em área com “vocação” para plantação de eucalipto. Segundo, a

região, na década de 1970, quando as plantações de eucalipto foram iniciadas, já

tinha diversas culturas sendo desenvolvidas, embora de forma precária. O projeto

POLONORDESTE, tinha como objetivo solucionar os entraves da agricultura local e

fomentar o desenvolvimento das formas locais de produção Uma vez que a região

havia despertado a atenção dos técnicos planejadores posicionados no Estado a

ponto de os levar à elaboração de um projeto de desenvolvimento regional, como o

POLONORDESTE, não fica claro o porquê da escolha, pelos poderes públicos, do

fomento à expansão do eucalipto na região. Portanto é válido questionar porquê não

foram trabalhados os pontos de estrangulamento visando melhorar as condições de

produção local?

Apesar disso, a partir de 1950, verificou-se a expansão das lavouras de

cacau, mandioca, coco, milho, feijão, arroz, café, banana, cana, abacaxi, laranja,

mamão, limão, maracujá, melancia, melão, etc. numa área que chegou a 258.075

hectares de terras em 1985, conforme pode ser observado na tabela abaixo. A

agropecuária também progrediu criando um emprego fixo e permanente, em média,

Page 84: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

83

para cada 26,1 hectare ocupados, conforme Pe. Koopmans (1999,p.65). Com o

declínio da produção de cacau, muitos proprietários de fazendas do Sul da Bahia,

ficaram com dívidas e isto os levou a vender as árvores nativas para serrarias.

Tabela 1 - Expansão da área com lavoura na região Extremo Sul do Estado da Bahia 1950 – 1993.

ANO ÁREA COM LAVOURA

1950 67.000 hectares

1960 108.000 hectares

1970 139.810 hectares

1980 185.314 hectares

1985 258.075 hectares

1990 193.217 hectares

1993 116.927 hectares

Fonte:Koopmans (1999, p.65)

Page 85: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

84

3.1.3 Produção de configurações espaciais

As bases históricas dos processos acima mencionados têm o objetivo de

servir como parâmetro para o que na atualidade se expressa como configurações

espaciais novas. Mais recentemente aconteceu a implantação da Veracel Celulose

que iniciou atividades em 1991, denominada Veracruz Florestal Ltda, uma

subsidiária da Odebrecht S/A. Iniciou as primeiras aquisições de terras no sul da

Bahia, entre elas a Estação Veracruz em 1992 iniciando o plantio de eucaliptos em

1992. Em 1996 a então Veracruz obteve licença ambiental para o projeto da fábrica

de celulose. A associação entre a Odebrecht e Stora Kopparbergs (Suécia)

aconteceu em 1997. A partir de 1998 aconteceram a mudança da razão social para

Veracel Celulose S/A, o início do estudo de viabilidade da fábrica e a transformação

da Estação Veracruz em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Em

1999 aconteceu a fusão entre a Stora Kopparbergs e a Enso Oyj (Finlândia),

formando a Stora Enso. No ano de 2000 a Aracruz ingressou no empreendimento

por meio da compra de ações pertencentes à Odebrecht. Em 2003 a Odebrecht

vendeu o restante de sua participação na empresa. Também nesse ano iniciaram-se

as obras da fábrica Veracel.

A análise das contradições internas mais gerais do capitalismo tal como

desenvolvida por David Harvey fornece uma gama de possibilidades para o estudo

das mudanças promovidas e seus efeitos sociais na região Extremo Sul do Estado

da Bahia. Harvey (1990, p. 376) menciona as transformações que muitos povos

teriam sofrido, inclusive com perda de sua identidade. Diz que as relações

monetárias estariam alcançando todos os lugares e todas as formas de relações

sociais e o trabalho estaria se convertendo, por esta via, na mercadoria força de

trabalho. Conforme este autor, as transformações das relações sociais têm sido

acompanhadas de transformações físicas (surgimento de sistemas de transportes e

de comunicações), que tem permitido que a informação e as idéias, assim como os

bens materiais e a força de trabalho se movam mais facilmente. Porém, tais

transformações não ocorrem de forma uniforme em todos os lugares do planeta. Há

concentrações de atividade em um lugar e, em outros, têm-se zonas vazias. Ele

chama a esses processos de “desenvolvimento geográfico pouco uniforme” do

capitalismo. (HARVEY; 1990, p. 418-419).

Page 86: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

85

Quanto à situação dos processos de produção, o autor sugere que

necessariamente tais processos acontecem em um lugar. As máquinas,

normalmente estão localizadas e não são removíveis tão facilmente. Os produtores

ficam presos aos lugares, por um determinado tempo e precisam competir pelas

vantagens de determinada situação tais como: condições de transporte de suas

mercadorias, preço da terra, disponibilidade dos recursos naturais, valor da força de

trabalho e também condições sociais, políticas e econômicas. Podem os capitalistas

também obter mais-valia adotando novas tecnologias ou buscando situações mais

vantajosas, contudo em ambos os casos esse ganho é temporário. Dura até que os

demais concorrentes consigam a mesma situação ou tecnologia. Uma vez que

mudanças nas configurações espaciais são mais custosas eles, mais

freqüentemente, optam por avanços tecnológicos. Contudo, Harvey afirma que a

busca de mais-valia através das mudanças tecnológicas não ocorre

independentemente das mudanças de lugar. Para ele, à medida que o ganho por

meio da situação fica mais escasso, o capital cria nova tecnologia. Essa nova

tecnologia cria nova oportunidade para aquisição de mais-valia extraordinária

através da mudança na configuração espacial. Esta suposição só se altera se a

oferta da força de trabalho não estiver fixa e num espaço limitado. O capitalismo não

de desenvolve de forma linear uma vez que as matérias-primas, força de trabalho e

meios de transporte não estão distribuídas de forma homogênea no espaço. A mais-

valia tem que se realizar numa área onde os meios de produção estejam

combinados (HARVEY,1990,p.419). A tecnologia de produção, as estruturas de

distribuição, os modos e formas de consumo, o valor, as quantidades e qualidades

da força de trabalho assim como as infra-estruturas físicas e sociais necessárias

devem concordar entre si nesta área.

As asserções de Harvey nos orientam a pensar que, no caso da monocultura/indústria de celulose e papel na região, as empresas se beneficiam das condições particulares do próprio território – sejam elas relativas às condições de ensolação, à disponibilidade de terras apropriáveis, apropriadas e propícias, assim como a presença de pequena produção agrícola e populações indígenas pouco representadas na esfera política. Este território favorece a produtividade da atividade. Como vimos, as condições edafoclimáticas são propícias para a agricultura em geral e, portanto para a monocultura de eucalipto. No caso da plantação de eucalipto essa vantagem se realiza numa produção mais rentável, visto

Page 87: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

86

que as árvores são cortadas em menor tempo em relação aos países concorrentes. A vantagem relativa da situação – que inclui as condições socio-políticas da ocupação deste espaço - se traduz na venda ao preço social médio daquilo que se produz a custos sociais mais baixos do que a média social. Nos termos de Harvey (1990,p.392):

[...] “la ventaja relativa de la situación se traduce en una ganancia extraordinaria. Este tipo de ganancia, como la que acumulan los capitalistas que usan tecnologías superiores, se puede considerar como una forma de plusvalía relativa. La obtienen los capitalistas individuales que venden al precio social medio pero producen a costos locales más bajos que el promedio social (HARVEY, 1990,p.392).15

Como o território vem sendo apropriado, cada vez mais, pela empresa com sua monocultura, aparentemente nada parece ameaçar a obtenção desta fonte de mais-valia. A expansão da monocultura/indústria de celulose e papel tem sido constante, apesar de estar sendo também constantemente discutida e rejeitada por diversos agentes portadores de outros projetos para a região,

Aplica-se ao caso do chamado “fomento florestal” adotado na região

estudada, a observação (Harvey,1990,p.398) de que é vantajoso para os

empresários capitalistas, que terceiros sejam donos do capital fundiário, se eles

puderem usá-los sem maior imobilização de recursos. Assim, o seu capital fica livre

para mover-se e aproveitar plenamente sua capacidade de se rentabilizar. Pode fugir

rapidamente, caso sinta sinais de perigo, deixando a outra porção do capital, que

está presa ao solo, ao sabor de incertezas.

Nos termos de Bauman (2001,p.18) essa é uma das estratégias

empresariais que configuram uma nova “técnica de poder”. O que o leva a falar de

uma mudança é o fato de que o longo esforço para acelerar a velocidade do

movimento – do capital no caso - havia chegado a seu limite. “O poder pode se

mover com a velocidade do sinal eletrônico”. As principais técnicas de poder são

agora a fuga, a astúcia, o desvio e a evitação, a efetiva rejeição de qualquer

confinamento territorial, com os complicados corolários de construção e manutenção

da ordem, e com a responsabilidade pelas conseqüências de tudo, bem como com a

necessidade de arcar com os custos.

Nesse ponto Harvey e Bauman fornecem pistas para compreender a

prática do fomento florestal, implementada pelas empresas na região. O programa

15 A mais valia relativa é aquela que se pode obter de vantagens tecnológicas ou locacionais (ou de situação nos termos de Harvey) (1990,p.392).

Page 88: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

87

Produtor Florestal da Aracruz Celulose S.A, por exemplo, é apresentado ao público

como “um bom negócio para todos”. Através desse programa, a empresa estabelece

parcerias com produtores rurais independentes para o plantio de eucaliptos em suas

terras (ditas) inativas. “Trata-se de uma parceria com vantagens para todos”, afirma

a empresa16. Criado em 1990, o Programa Produtor Florestal da Aracruz atualmente

abrange cerca de 3 mil contratos e alcança 131 municípios, sendo 67 do Espírito

Santo, 40 de Minas Gerais, 14 da Bahia e 10 do Rio Grande do Sul. Conta com

cerca de 71 mil hectares contratados, dos quais 62 mil hectares já plantados com

eucalipto, com a área média por contrato de 23,5 hectares. Em 1999, o Programa

Produtor Florestal foi estendido a diversas comunidades indígenas (membros das

nações Tupiniquim e Guarani), localizadas próximas à fábrica da Aracruz17. Na

Bahia, a Veracel implementou um programa de aproximadamente 23.000 hectares

de fomento florestal. Consta no Relatório do ano de 2003 que 5.673 hectares teriam

sido obtidos com este programa, neste ano. (Relatório Anual da Veracel, 2003, p.9).

Dessa maneira a empresa tem expandido as áreas plantadas com eucalipto na

Bahia sem imobilizar capital em terras, adotando estratégias semelhantes a de

outros segmentos da agroindústria como o tabaco e a avicultura, de modo a acelerar

a velocidade de rotação do capital investido.

Segundo Harvey (1990,p.425), as empresas multinacionais têm procurado

ajustar-se às circunstâncias locais, utilizando, por exemplo, a força de trabalho local

por sub-contratação. Isto significa compromisso com a localidade e ao mesmo tempo

significa capacidade de exercer poder local por meio de pressões diretas ou

indiretas. A decisão de integrar-se em uma localidade é tão difícil quanto a decisão

de mudar para buscar a mais-valia onde sua produção seja viável. Por sua vez, o

sistema político, o Estado-Nação, ainda ocupa uma posição chave nesta hierarquia.

O conflito que existe e precisa ser enfrentado pela forças políticas da localidade

consiste em arbitrar se deve ceder às promessas globais ou proteger-se e seguir

políticas internas. As várias escalas hierárquicas dispõem-se entre o local, o

regional, o nacional e o internacional.

No caso da monocultura e da indústria de papel e celulose na região

estudada, pode-se afirmar que a empresa em questão não parece ter conseguido da

16 http://www.fomentoflorestal.com.br/home.htm acesso agosto de 2004 e http://www.produtorflorestal.com.br/. Acesso em 06/04/05 17 http://www.produtorflorestal.com.br/. Acesso em 06/04/05

Page 89: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

88

forma idealizada integrar-se com as circunstâncias locais, posto que tais

circunstâncias incluem também projetos culturais territorializados defendidos por

movimentos sociais organizados que não se limitam a aceitar a implantação do

projeto proposto. É de se constatar que a empresa tenha, por intermédio de suas

relações com poderes no âmbito do Estado e também nas esferas multilaterais como

o Banco Mundial, conseguido implantar seu projeto nos municípios.

Um outro aspecto que inviabiliza esta “integração” é que a produção de

papel e celulose não constitui um complexo econômico articulado com as demais

atividades da área. Conforme sugestão de Carneiro (1994), citada na introdução,

trata-se de um enclave: instalação de um complexo industrial sem criar seqüências

de interdependência e estimular a emergência de outras indústrias, formando um

centro dinâmico capaz de gerar e transmitir inovações, beneficiando os demais

agentes territorializados.18

O caso da sub-região de Teixeira de Freitas é ilustrativo dos efeitos deste

processo de implantação de um grande projeto agroindustrial que não formou um

centro dinâmico e não parece ter beneficiado de forma significativa os demais

agentes. Nessa sub-região um estudo da Secretaria do Planejamento, Ciência e

Tecnologia do Governo da Bahia, apontou a influência da indústria de papel e

celulose. Ali, os maciços florestais foram introduzidos pela CAF Florestal e pela

Aracruz Celulose e em 1992 iniciou-se a produção de papel e celulose com a

implantação da fábrica da Bahia Sul Celulose. O projeto teve um total de

investimentos de cerca de US$ 1,1 bilhão. US$ 65 milhões seriam investidos no

Projeto Social, no qual 83% destinava-se à construção de casas para os

funcionários da empresa e implantação de infra-estrutura urbana em três núcleos

residenciais. Em telefonia seriam investidos 2% em Teixeira de Freitas, Mucuri e

Itabatã. Nas áreas de saúde e educação, os 13% investidos destinar-se-íam à

construção de hospital, ambulatório e escolas. Ainda conforme este estudo a

implantação da empresa induziu a “diversificação e modernização do setor terciário”

em Teixeira de Freitas, mas fez aparecer também áreas de favelas e invasões. 18 Um pólo de desenvolvimento seria constituído por um grupo importante de indústrias fortemente relacionadas através de suas ligações de input-output a partir de uma indústria principal e geograficamente agrupada. Indústria-chave se caracteriza pela utilização, para sua produção final, de uma alta taxa de insumos intermediários provenientes de outras indústrias. A indústria-motriz, caracteriza-se pela produção dos bens intermediários indispensáveis ao produto final de outras indústrias a jusante. Somente há criação efetiva de um pólo quando a indústria-chave é simultaneamente uma indústria-motriz. FUNDAÇÃO CENTRO DE PROJETOS E ESTUDOS (BA) 1994.

Page 90: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

89

Segundo o estudo, a prefeitura de Teixeira de Freitas af irmava que

após a implantação da agroindústria surgiram cinco novos bairros,

sendo que as receitas municipais são insuficientes para promover o

atendimento da infra-estrutura básica. O estudo indica ainda como

efeito do setor de papel e celulose nesse sub-espaço a sobrecarga do

suporte infra-estrutural sem uma contrapartida em termos da geração

de impostos municipais. (SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS

ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA,1995).

Segundo Gonçalves, a produção de celulose e papel “...por

sua própria constituição, implica uma estratégia de ocupação intensiva

do espaço. De fato, a produção papeleira, em escala industrial, começa

na formação de extensas f lorestas homogêneas e encerra-se na grande

unidade fabril, dependente de boa faixa de terra e de cursos d’água de

porte. Exatamente por isso contribui para a desestruturação de formas

social, cultural e economicamente vigentes de produção, organização e

uso da natureza” (GONÇALVES, 1992, p.2, apud COMPANHIA DE

DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL – CAR (BA), 1994).

No início dos anos 2000, a cidade de Teixeira de Freitas virou

notícia na grande mídia porque seus habitantes, residentes na BR-101,

usavam placas para avisar aos motoristas que eles necessitavam de

comida. A reportagem mostrou imagens de pessoas muito necessitadas

e de uma região bastante empobrecida. Em 2006, uma outra

reportagem retrata no mesmo espaço da região de Teixeira de Freitas,

às margens da BR 101, a situação das pessoas implorando por comida

aos motoristas que passam pela estrada. A reportagem focalizava o

caso de pessoas que recebiam recursos de programas sociais do

Governo Federal supostamente sem necessitá-los, enquanto a situação

daqueles moradores das margens da rodovia continuava a mesma –

vivendo à margem numa área apresentada como atravessada pela

modernização e o progresso.

Page 91: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

90

3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO EMPRESARIAL

O termo “ambientalização” é um neologismo que denota um processo

histórico de construção de novos fenômenos, um processo de interiorização pelas

pessoas, por diferentes grupos sociais e por discursos institucionais das diferentes

facetas da questão pública do meio ambiente (LOPES, 2004). A ambientalização

empresarial é o processo social de adoção de práticas e discursos ditos interessados

em resolver problemas sociais e ambientais. Tais problemas, tradicionalmente

tratados pos governos e ambientalistas, entretanto, no debate público recente, têm

sido apresentados por representantes de setores empresariais como problemas da

esfera dos interesses das próprias empresas. No meio empresarial, os problemas ambientais, que

motivaram a preocupação e a busca de uma posição no debate

ambiental global, foram descritos por Schmidheiny ( 1992), porta-voz

internacional de dinâmicas de ambientalização das e mpresas, como

“uma grave ameaça”. Nos termos desse empresário, a ameaça

provém de “um planeta já superlotado” que “provavel mente terá

que suportar o dobro de pessoas no próximo século”; Outro

problema é que “não se está dando tempo para que os recursos

renováveis se renovem”. “O uso excessivo ou mau uso dos

recursos naturais leva à perigosa poluição do ar, d as águas e dos

solos. Isso poderia ocasionar mudanças no clima e n os sistemas de

circulação atmosférica.”

A retórica empresarial, de matriz explicitamente ne o-

malthusiana, que fez-se ouvir com força no período em torno à

realização da Conferência da ONU sobre Meio Ambient e e

Desenvolvimento de 1992, primeiramente buscou justi ficar os

problemas ambientais como sendo criados por dinâmic as distantes

dos processos produtivos, pelo aumento populacional ou pelo

comportamento humano em geral tido como “produtor d e

escassez”. Assim, diz-se que os problemas são decor rentes da

Page 92: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

91

“extrema rapidez” pela qual se dá o aumento da popu lação. Afirma-

se que “as calamidades ambientais ocorrem por motiv os variados,

mas todas elas se agravam pela pressão das aglomera ções

humanas”. Nesse discurso, o consumo acelerado dos “ recursos

naturais” é causado pela “espécie humana”, que esta ria “tirando

partido mais do estoque de capital do planeta do qu e dos seus

rendimentos”. Acusa-se a população global como resp onsável pela

“questão energética” definida pela queima de combus tíveis fósseis:

gás, petróleo e carvão. “Em meados dos anos 80, o m undo estava

queimando o equivalente a 10 bilhões de toneladas d e carvão por

ano...”. “...por volta de 2025 a população global e stimada em mais

de 8 bilhões estará consumindo o equivalente a 14 b ilhões de

toneladas de carvão.” Os países mais pobres são acu sados pelo

aumento da população. “Mais de 90% do aumento popul acional

ocorrem no mundo em desenvolvimento – isto é, nos p aíses mais

pobres”. Nesse discurso a “humanidade” é responsabi lizada pela

insustentabilidade e pelos problemas ambientais. (S CHMIDHEINY,

1992, p. 2)

[...] A pobreza, o rápido aumento populacional e a deterioração dos recursos naturais muitas vezes ocorrem nas mesmas r egiões, criando um enorme desequilíbrio entre a quarta parte do pan eta que vive nos prósperos países industrializados e os três quartos restantes que residem nos países em desenvolvimento. (SCHMIDHEINY , 1992, p.5)

Afirma Schmidheiny (1992, p. 5) que muito do que a

humanidade faz em nome do progresso é insustentável . Este autor,

empresário suíço, um dos porta-vozes da ambientaliz ação

empresarial de perspectiva neo-malthusiana, sustent a que a

combinação dos dois problemas acima mencionados (au mento

populacional e desperdício dos recursos) concorreri a para acelerar

Page 93: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

92

a degradação do meio ambiente e seria a razão da tr ansformação de

áreas agriculturalmente férteis em desertos; de flo restas em pastos

de baixo valor; de terras úmidas de água doce em so los salgados e

estéreis; e de ricos recifes de coral em faixas de terra sem vida, nos

oceanos. O uso excessivo e o desperdício dos recurs os seriam

acompanhados por um processo de aceleração da polui ção da

atmosfera, das águas e dos solos com uma variedade maior de

substâncias persistentes no tempo.

Assim, o discurso empresarial ambientalizado propõe que

os problemas ambientais são causados pela humanidad e, em

especial a parcela que menos se apropriou das rique zas existentes

na natureza ou geradas no sistema capitalista, até a atualidade.

É na década de 1990 que surgem as normas internacio nais

de gerenciamento ambiental e desenvolvimento susten tável, tais

como a BSI 7750 (britânica) 19, a EMAS - Eco Management and Audit

Scheme (da Comunidade Européia) e a série ISO14000 –

International Organization for Standardization, que constitui o SAGE

– Grupo Estratégico Consultivo sobre o meio ambient e20.

Num segundo momento, o discurso ambiental empresarial apresenta uma

mudança de estratégia de modo a sugerir a “ambientalização” do próprio modo como

dizem desenvolver-se as práticas de negócios. As mudanças, tal como listadas por

Holliday (2002,p.35) seriam: deixar de ver apenas custos e dificuldades no conceito

de desenvolvimento sustentável, para também considerar economias e

oportunidades; evoluir da adoção apenas de abordagens de fim de processo no

combate à poluição para o uso de tecnologias mais limpas e mais eficientes ao longo

de todo o sistema de produção e, num estágio seguinte, para o esforço de

integração dos princípios do desenvolvimento sustentável como parte componente 19 A BS 7750 – British Standarts Institutions (BSI) é uma norma britânica com versão definitiva publicada em fevereiro de 1994. Baseou-se nos 16 princípios da Carta empresarial da Câmara de Comércio Internacional – ICC. 20 Como primeira resposta à pressão dessas instituiçõ es, a primeira exportadora de celulose do país a obter certificação foi a Bahia Sul Celulose, em 1995.

Page 94: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

93

do próprio desenvolvimento da empresa; substituir abordagens de processamento

linear por abordagens de sistemas fechados; passar a encarar as questões

ambientais e sociais como atribuições de toda empresa, em vez de incumbências

apenas de certos especialistas e departamentos; adotar premissas de abertura e

transparência, no lugar da confidencialidade; fomentar discussões mais amplas com

os stakeholders, em substituição aos lobbies a portas fechadas.

A mudança de discurso implicava apresentar o

desenvolvimento sustentável como “oportunidade” e “fonte de

vantagem competitiva”, em vez de encargo. Ou seja, ao

“capitalizar” esses ativos, a empresa criaria condi ções para alguns

ganhos como sucesso perante os clientes, fortalecim ento da marca,

obtenção da vantagem do pioneirismo, aumento da ren tabilidade,

conquista da confiança do mercado – que, nesta retó rica, julgaria

favoravelmente o “quão bem a empresa explora as opo rtunidades

emergentes”.

Nesse contexto, o discurso de representantes do setor empresarial

incorpora o meio ambiente como justificativa para suas escolhas técnicas,

comerciais, administrativas e comunicativas. Afirma-se que em função do meio

ambiente, as empresas teriam ultrapassado o patamar das preocupações relativas

ao combate da poluição ao final do processo e teriam chegado ao nível de usar

tecnologias mais limpas e mais eficientes ao longo de todo o processo de produção.

Nesse discurso, as questões ambientais e sociais seriam consideradas como

atribuições de toda empresa. O meio ambiente seria também a razão pela qual as

empresas teriam adotado abordagens “mais sistêmicas” do processo produtivo. Por

outro lado, o discurso também incorpora o meio ambiente como ”oportunidade de

negócios”.

O processo de “ambientalização” do discurso empresarial teve início a

partir da década de 1990. Conforme Schmidheiny (1992) em meados dessa década,

Maurice Strong, secretário geral da Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento de 1992, teria lhe pedido que apresentasse uma

perspectiva empresarial global sobre desenvolvimento sustentável, visando estimular

o interesse e o envolvimento da comunidade empresarial internacional. Cinqüenta

Page 95: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

94

líderes empresariais foram convidados a participar do processo de preparação da

Conferência das Nações Unidas, como membros do Business Council of Sustainable

Development (BCSD) e iniciaram o trabalho de criação de uma agenda, sobre o

desenvolvimento sustentável, na perspectiva empresarial global, para ser

apresentada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento de 1992. Para a elaboração dessa agenda, foi fundado o Business

Council for Sustainable Development (BCSD), com a participação de 50 líderes

empresariais como membros e foram organizados mais de 50 conferências,

simpósios e workshops, em mais de 20 países. Conforme Schmidheiny (1992),

foram criados grupos que assumiram o encargo de participar ativamente do

processo de preparação da Conferência. Os grupos se reuniam para estudar e

documentar as questões, consideradas importantes. O produto desse trabalho foi

editado no livro “Mudando o Rumo”, onde são apresentados pontos de vista e

experiências dos membros do conselho. Trata-se das medidas a serem tomadas no

estabelecimento de parâmetros para a indústria, "a fim de assegurar que os seres

humanos e as outras espécies continuem a ocupar um planeta seguro e generoso"

(SCHMIDHEINY,1992, p. 4).

Para estimular as companhias a assumirem o compromisso de melhorar

seu desempenho em termos de meio ambiente, procurou-se traduzir a restrição

ambiental, tradicionalmente vista como obstáculo à acumulação, nos termos de

ganhos competitivos e vantagens econômicas, afirmando-se que consumir energia

de maneira mais eficiente e reduzir a poluição global e local diminui os custos e

aumenta a competitividade. O desafio, nessa concepção, seria alcançar um

crescimento econômico considerado "limpo e eqüitativo". Para tanto seriam também

necessários, em convergência com os requisitos da liberalização hegemônica, que a

adesão à causa ambiental não viesse justificar a criação de novas regulações e

políticas, e pudesse garantir mercados abertos e competitivos, considerados

intrinsecamente na perspectiva do liberalismo econômico capazes de criar igualdade

de oportunidades entre as nações e indivíduos.

Dez anos depois da Rio-92, precedendo a Conferência Rio + 10 realizada

em Johanesburgo em 2002, uma nova publicação do Conselho Empresarial21 foi

21 O Conselho passa a chama-se World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) a partir da publicação do The Business Case Sustainable Development: Making a Difference Toward

Page 96: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

95

divulgada com a finalidade de atualizar os pontos de vista apresentados na época da

Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (UNCED-92). São aí

apresentados estudos de casos nos quais pretende-se demonstrar que as iniciativas

nas áreas ambientais e sociais teriam possibilitado ampla variedade de frutos

repercutidos nos resultados financeiros – e também “beneficiando o planeta”.

Insistindo neste amálgama entre ganhos empresariais presentes e proteção da

humanidade futura, os representantes daquele conselho empresarial afirmavam que

é preciso mudar os modos de ser para garantir que o progresso seja sustentável, e

que ele atenda "às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as

futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades". (SCHMIDHEINY,1992,

p. 329). Assim, veremos também na retórica do setor de celulose e papel em

operação no Brasil assertivas similares segundo as quais pretendem mostrar-se

convencidos de que o interesse da sociedade pelo desempenho das empresas no

tocante à sua responsabilidade social e ambiental é natural, porque "dessa

performance depende, em boa medida, a qualidade de vida de milhões de pessoas,

nesta e nas próximas gerações" (RELATÓRIO ARACRUZ, 2002).

Em resumo, tal processo de atualização discursiva inscreve-se num

movimento inicialmente defensivo, quando se tenta mostrar que a degradação

ambiental não se associa à operação dos mecanismos de mercado, mas sim ao

excesso de população e a práticas desenvolvidas por populações pobres, para em

seguida, avançar para uma perspectiva afirmativa, segundo a qual a extensão dos

mecanismos de mercado seria a solução para a crise ambiental, que teria na própria

auto-regulação das empresas o caminho para compatibilizar a rentabilização dos

capitais com a proteção da integridade da base material do desenvolvimento. A

conservação do meio ambiente e o desenvolvimento empresarial bem-sucedidos,

alcançados por meio da modernização dos processos produtivos, passaram assim a

ser apresentados como dois aspectos indissociáveis do "progresso da civilização

humana".

the Johannesburg Summit 2002 and Beyond realizada para a Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável de 2002.

Page 97: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

96

3.2.1 Modernização ecológica

O debate atual em sociologia ambiental, segundo Buttel,

esteve dando ênfase à explicação das possibil idades de promoção de

melhoria ambiental em lugar de concentrar-se em explicar as causas da

degradação ambiental. Buttel (2001) relaciona o que ele qualif ica como

sendo quatro mecanismos-chave que os sociólogos ambientais

tenderam a identif icar como estratégias ou rotas para a melhoria

ambiental: (1) movimentos ambientalistas; (2) sustentação ou aumento

da capacidade reguladora ambiental de governos, (3) "modernização

ecológica", noção de que sociedades industriais modernas podem

resolver problemas ambientais por meio de desenvolvimento

intensif icado de tecnologia industrial inovadora, por ef iciência

ecológica na produção e consumo, e por marketing verde, bem como

por meio de novas práticas administrativas estratégicas, e (4) por meio

do "internacionalismo ambiental", a noção de que devido à dimensão

global dos problemas ambientais e à importância de "globalizar" as

instituições socioeconômicas, a rota mais ef icaz para a proteção

ambiental seria por meio de acordos e “regimes” ambientais

internacionais, assim como de organizações internacionais de

“governança”.

Os quatro processos são considerados importantes para

Buttel, e as escolhas entre eles não precisariam ser feitas, uma vez

que, sustenta ele, "há conexões signif icativas entre as quatro

imagens". Mas, a idéia da modernização ecológica tornou-se a resposta

dominante das sociedades contemporâneas para o chamado desafio

ambiental. Esta estratégia emergiu como uma tentativa de resposta aos

efeitos colaterais t idos por indesejáveis, próprios da sociedade

industrial.

Neste contexto, a introdução da noção da sustentabil idade no

discurso empresarial representa o esforço de apresentar ao público

uma preocupação com a duração da base material do planeta no tempo

e com a estabil idade do sistema ambiental. Como solução,

acrescentam-se à retórica empresarial os princípios da “modernização

Page 98: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

97

ecológica”, através da qual pretende-se sustentar que os problemas

serão resolvidos por meio da contínua melhoria de padrões técnicos,

sendo que as ações de enfrentamento destes mesmos problemas

poderiam ser transformadas em oportunidades, sem referência,

portanto aos mecanismos de poder que distribuiriam desigualmente as

condições de acesso e o controle sobre os recursos ambientais.

A noção de modernização ecológica propugna a idéia da

possibil idade da concil iação entre o crescimento econômico e a

resolução de problemas ecológicos, sem discutir a necessidade de

mudanças nas relações de produção ou alterações nos mecanismos

regulatórios das dinâmicas técnicas e locacionais da produção

capitalista. Nessa perspectiva, o princípio do crescimento insustentável

é substituído pelo princípio da auto-restrição, considerando que os

cuidados de internalização do meio ambiente e as conquistas na área

da comunicação venham a iniciar novos círculos de busca por inovação

tecnológica, possibil itando um crescimento econômico qualif icado,

configurando o que se procurou chamar de "desenvolvimento

sustentável".

Modernização ecológica é assim a noção que pretende

justif icar o entendimento segundo o qual sociedades industriais podem

resolver problemas ambientais por meio de desenvolvimento

intensif icado de tecnologia industrial inovadora, por ef iciência

ecológica em produção e consumo, e por marketing verde bem como

por meio de novas práticas administrativas estratégicas (HUMPHREY,

LEVIS, BUTTEL, 2001). Nesta concepção, a emergência dos problemas

ambientais é apresentada como causada por falhas que podem ser

resolvidas por meio de melhorias em termos de processos gerenciais e

tecnológicos. É depositado um alto grau de confiança nos peritos e nas

elites polít icas, bem como é renovada a convicção na possibil idade de

domínio e controle das dinâmicas empresariais de artif icialização dos

ecossistemas. Compara-se, para os f ins de convencimento do próprio

empresariado, ao mesmo tempo justif icando a necessária operação dos

mecanismos de mercado, a "sustentação do planeta" à sustentação de

uma corporação. "Ambas requerem equilíbrio entre gestão em longo

Page 99: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

98

prazo e gestão em curto prazo", sugere-se num esforço de atribuição

de responsabilidades ambientais “planetárias” aos executivos das

corporações empenhados na obtenção primeira da lucratividade

empresarial.

Esta retórica empresarial sustenta assim que o crescimento

econômico em todas as regiões do mundo é essencial para melhorar os

meios de vida dos pobres, para sustentar a população crescente e,

eventualmente, estabil izá-la em nível adequado, af irmando que as

novas tecnologias serão necessárias para possibil itar o crescimento,

aliadas ao uso mais ef iciente da energia e dos demais recursos, assim

como à geração de menos poluição (SCHMIDHEINY, 1992).

Entre as análises crít icas feitas sobre as dinâmicas da

modernização ecológica, Hajer (1995) aponta que esta estratégia aceita

a existência do problema ambiental, mas estrutura-o exclusivamente

em termos monetários ou no âmbito das mudanças de estado físico ou

químico dos recursos. Se por um lado isto facil ita sua incorporação por

meio de processos de tomada de decisão polít ica e econômica, por

outro lado, evita apontar as contradições sociais básicas, dedicando

pouca atenção para aspectos da democracia ou da desigualdade,

conexos à pretendida “reforma ambiental”. Esse autor também aponta

no aparecimento da noção de modernização ecológica um programa

sócio-polít ico de reforma, tendo por f im enfraquecer a convicção na

incompatibil idade entre o capitalismo de alta tecnologia, por um lado, e

a sustentabil idade ecológica, por outro. A adesão às estratégias

embutidas em tal noção facil itaria a continuação das práticas sócio-

econômicas estabelecidas (com adaptações), enquanto, ao mesmo

tempo, confirmaria a crença de que a sociedade está empreendendo

uma “revolução ecológica”. Além do mais, haveria a possibil idade de

que a estratégia da modernização ecológica não venha a produzir os

resultados esperados se a expansão capitalista continuar no mesmo

ritmo (HAJER, 1995, p. 212)

Bluhdorn (2000, p. 211), por sua vez, crit ica o fato de tal

estratégia discursiva não tratar das questões mais importantes. Sugere

que a distribuição de – e participação em – oportunidades de vida são,

Page 100: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

99

antes de tudo, questões com as quais uma adequada teoria

contemporânea eco-polít ica deve negociar. No entanto, numa redução

economicista, "os proponentes da modernização ecológica sugerem que

suas estratégias irão restaurar o balanço entre a natureza e a

sociedade moderna".

Para Blowers (1997), a modernização ecológica, seria uma

teoria da técnica, um discurso polít ico e, apenas para alguns, um bom

sistema de convicção. Seus protagonistas contextualizam a mudança

ambiental não como resultado de uma crise, mas como uma

oportunidade, considerando que o processo de inovação industrial,

encorajado pela economia de mercado e facil itado pelo Estado, teria

capacidade de assegurar a conservação ambiental. O constrangimento

ambiental poderia, assim, ser acomodado na mudança do processo

produtivo e na adaptação institucional.

Na interpretação de Carneiro (2005, p. 22), a partir dos anos

1990, em correspondência a pretensões economicistas como a de

“modernização ecológica”, as próprias ciências sociais teriam

renunciado ao esforço de apreensão de conjunto das determinações

estruturais da ordem social existente, restringindo os debates à

“análise e discussão das diferentes formas por meio das quais as

diversas nações e regiões do globo poderiam avançar rumo à forma de

máximo desenvolvimento social, a saber, a democracia capitalista dos

países industrializados”. As ciências sociais estariam imersas na “onda

geral de aconceitualidade” tendo a noção de “desenvolvimento

sustentável” como “seu instrumento perfeito”. Assim, o autor se coloca

ao lado de outros que têm como eixo “a ref lexão crít ica sobre os nexos

entre as práticas sociais de apropriação das condições naturais e os

fundamentos da sociedade capitalista em seu atual estágio de

desenvolvimento histórico” (CARNEIRO, 2005, p. 22).

Carneiro desenvolve, assim, uma crít ica da noção de

desenvolvimento sustentável como ideologia de legitimação do status

quo . O sistema, além da contradição primária entre forças produtivas e

relações de produção, teria uma contradição entre o conjunto das

forças produtivas e relações de produção de um lado e do outro as

Page 101: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

100

condições de produção capitalistas. “Grande parte das condições

gerais ou pressupostos sociais da produção – uti l ização do espaço

urbano como locus do consumo e da circulação de automóveis; o uso

dos gases da atmosfera para a combustão de energias fósseis e para

descarga dos dejetos dessa combustão; a uti l ização de águas f luviais

para a geração de energia, para a irrigação, para processos industriais,

para o escoamento dos detritos industriais, para consumo humano etc.”

Tais condições são em geral, tomadas pela produção de mercadorias

como dadas, no entanto, seu provimento (regular e contínuo) não pode

ser assegurado apenas pelo funcionamento “espontâneo” do jogo da

rentabil idade praticado no mercado. Assim, o sistema conduz à

degradação dessas condições. A concorrência precipita os capitais pela

externalização dos custos de produção e de provimento das condições

de produção. Por outro lado, crescem continuamente os custos das

tarefas de provimento das condições naturais de produção, tarefas que

devem ser operadas pelo Estado e custeada pela tributação de

parcelas crescentes do valor excedente produzido. O resultado seria

uma crise de subprodução devido à compressão da massa de lucro

privado e ao encarecimento das condições gerais de produção, o que

torna mais problemático o f inanciamento das ações estatais

necessárias à mitigação dos efeitos das duas contradições do

capitalismo. Essas duas contradições se articulariam produzindo crises

de realização da mais-valia, conduzindo a dif iculdades por parte das

ações estatais para mitigar “efeitos provocados pela operação de

mecanismos cegos por meio dos quais se desenvolvem as duas

contradições estruturais do capitalismo”. O uso capitalista das

condições naturais como condições do processo de acumulação de

riqueza abstrata choca-se com outras formas de apropriação social das

condições naturais, seja para f ins de produção de valores de uso em

moldes não capitalistas, seja para f ins científ icos ou lúdicos, seja como

fundamento da vida orgânica ou da identidade territorial de

determinadas populações e comunidades.

O autor sugere, assim, que um “desenvolvimento sustentável”

entendido como compatibil ização entre a continuação indefinida da

Page 102: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

101

acumulação capitalista e a reposição, também indefinida, de suas

condições naturais de possibil idade, está l imitado por força de uma

contradição existente na ação do Estado. Ele sustenta que “o próprio

desenvolvimento auto-contraditório do capitalismo tende a produzir o

estrangulamento cada vez mais incisivo das possibilidades de

f inanciamento das ações estatais destinadas ao provimento e gestão

polít ica das condições naturais, atividades imprescindíveis à

continuidade da acumulação de riqueza abstrata. E a própria ação

estatal de provimento das condições gerais de produção é condição

sine qua non do desenvolvimento do processo de acumulação

capitalista, processo que leva a crises de realização de valor, as quais,

por sua vez, estiolam as possibil idades de f inanciamento daquela ação

estatal” Para este autor, a questão situa-se no fato que o sistema

produz ele próprio problemas de f inanciamento da reposição das

condições naturais como condição da produção de mercadorias e de

outros usos sociais.

Ainda conforme Carneiro, citando Foladori (2001, p.102), nos

trabalhos fundados no discurso do desenvolvimento sustentável, onde a

humanidade ameaça os limites da biosfera e assim constitui-se a “crise

ambiental”, obscurece-se o fato de que “os problemas ambientais da

sociedade humana surgem como resultado da sua organização

econômica e social e [...] qualquer problema aparentemente externo se

apresenta, primeiro, como um conflito no interior da sociedade

humana”. Nessas concepções, ou seja, os problemas ambientais

apresentados nesses trabalhos são: depleção de camada de ozônio,

efeito estufa, contaminação dos mares e rios, a perda da

biodiversidade, a devastação f lorestal etc. que colocam em risco a

existência da vida na Terra.

A fragilidade desses trabalhos estaria na falta de uma análise de

conteúdo das relações de produção vigentes e de como a lógica da produção por

elas gerada enquadra os conflitos sociais em torno da apropriação das condições

naturais. São trabalhos que assumem os pressupostos da ideologia do

desenvolvimento sustentável, ficando “inexoravelmente” incapacitados precisamente

Page 103: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

102

para discutir o que se desenvolve e, portanto, se isto que se desenvolve pode fazê-

lo sem destruir as condições naturais.

[...] E é por estarem impedidos de empreender uma discussão desse tipo que tais trabalhos supõem ser possível e desejável reorientar politicamente o “desenvolvimento” (capitalista) de forma a torná-lo ecologicamente sustentável e socialmente igualitário”. (CARNEIRO, 2005, p. 22)

Afirma o autor que assim, existe uma recusa tácita da ideologia do

desenvolvimento sustentável em revelar seus vínculos com os interesses objetivos

do capital e em discutir os nexos entre as relações capitalistas de produção e seus

impactos sobre as condições naturais.

[...] Esse silêncio conceitual, essa censura primordial ubíqua, não explicitamente enunciada, permite tomar como natural e incontornável a forma especificamente capitalista de apropriação das condições naturais”. (CARNEIRO, 2005, p. 22)

O sistema capitalista é orientado para a acumulação de riqueza abstrata,

como explica Marx e o interesse na acumulação de riqueza abstrata é um fim em si

mesmo. Desse modo há uma contradição estrutural inarredável entre, de um lado, a

reprodução social orientada para o aumento indefinido do volume de mercadorias e

de riqueza abstrata, expresso em quantidades de moeda, e, de outro lado, a

consideração das qualidades específicas dos elementos, seres, condições e

processos naturais da biosfera que se prestam a outros usos sociais e à própria

reprodução dessas condições e processos. A ideologia do desenvolvimento

sustentável “avaliza” a possibilidade de domesticação política dessa lógica

essencialmente destrutiva da economia de mercado. Dessa maneira, sustenta

Carneiro, não haverá mais a possibilidade de qualquer desenvolvimento e ainda

menos de um que possa ser politicamente direcionado para qualquer alvo

conscientemente prefigurado – menos ainda se esse alvo for a sustentabilidade

ecológica.

3.2.2 Discurso da sustentabilidade no Extremo Sul da Bahia

É perceptível a adesão das empresas de celulose e papel, presentes no

Extremo sul da Bahia, aos princípios básicos do que se tem chamado de

Page 104: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

103

“modernização ecológica”. Como exemplos de práticas apresentadas como

ambientalmente sustentáveis e orientadas por tal tipo de modernização,

desenvolvidas na região da pesquisa e consideradas como resultado dos esforços

de inovação justificados pela vontade de resolver os problemas ambientais da região

e alcançar um desenvolvimento sustentável, são citados pelas empresas nos

relatórios anuais de 2003 e 2004 da Aracruz Celulose S. A., uma das controladoras

da Veracel22:

a) O desenvolvimento de um método, a partir de técnicas de clonagem,

que possibilitou o cultivo de madeira uniforme, simplificando o processo de sua

transformação em celulose. Este clone leva apenas sete anos para crescer e atingir

a maturidade, tempo considerado muito reduzido, se comparado a outras espécies.

Essas práticas incluem a seleção de áreas mais adequadas para o plantio de

eucalipto; manejo de resíduos da colheita; preparo do terreno para novos plantios;

adubações para atender às demandas nutricionais das plantas e melhorar as

propriedades do solo; dimensionamento adequado de equipamentos e planejamento

de operações visando ao controle de processos erosivos e de compactação do solo;

manutenção da água das chuvas na área de plantio, evitando perdas superficiais ou

a contaminação dos cursos d'água; e favorecimento da ciclagem de nutrientes e

matéria orgânica.

b) A adaptação de máquinas e equipamentos agrícolas para que o

processo de corte das árvores de eucalipto não provoque compactação do solo;

c) A fabricação, nas suas próprias instalações, de todos os produtos

necessários à produção da celulose (clorato de sódio, cloro e soda cáustica);

d) criação de tecnologia para evitar o uso do mercúrio no processo

produtivo;

e) Investimento em melhoras no processo de lavagem da polpa, para

substituir o cloro elementar;

f) Tratamento dos efluentes líquidos antes de serem lançados no mar

através de um emissário submarino a 1.700 metros de distância da costa;

22 Conforme relatório de 2003 da Veracel “a Veracel é fruto da junção do conhecimento tecnológico de duas líderes do setor de papel e celulose. A Aracruz, maior produtora de celulose de fibra curta de mercado do mundo, e a Stora Enso, maior produtora mundial de papel e cartão”. Consideraremos que as técnicas que são utilizadas na Aracruz Celulose podem ser vistas como análogas às práticas da Veracel.

Page 105: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

104

g) Utilização dos resíduos industriais e cascas de árvores, a biomassa

para suprir mais a necessidade de energia da fábrica;

h) Monitoração contínua da fertilidade do solo.

Ao referir-se ao desempenho da empresa junto às comunidades locais,

menciona-se o montante de recursos econômicos gerados; o montante de receitas

de exportação acumuladas no período; a posição da empresa entre as cinco

maiores geradoras de divisas líquidas no setor industrial brasileiro; o montante do

valor reinvestido no próprio empreendimento, como indicador da sua disposição para

proporcionar novas oportunidades de desenvolvimento; o volume de recursos

financeiros que foram gastos com aquisições de materiais, produtos e serviços, nas

próprias regiões, a geração de empregos indiretos.

A lógica do mercado também aparece nas ações dirigidas à solução de

problemas sociais. Entre as práticas citadas pela empresa estão, separadas por

áreas: geração de emprego e renda: criação de oportunidades de emprego e renda

para comunidades carentes do extremo-sul da Bahia pela implantação de viveiros

comunitários para a produção e comercialização de mudas nativas;

A empresa informa ações na área de saúde: atendimento a 400 pessoas

de comunidades vizinhas, dentro do projeto Cidadão Saúde: em parceria com o

BNDES, esse projeto visa promover “ações educativas de saúde, com foco na

prevenção”. Informa também a empresa que “ofereceu assistência odontológica,

dentro do projeto Parceiro 2000”.

Na área educacional informa a empresa o atendimento a 600 pessoas

carentes provendo cursos de informática e o apoio ao Programa de Educação

Ambiental (PEA) para professores do 1º ciclo do Ensino Fundamental de municípios

do extremo-sul da Bahia, bem como a promoção do Programa de Educação

Ambiental para 400 produtores rurais participantes do Programa de Fomento

Florestal.

Diz a empresa também que presta apoio ao contingente da

Polícia Militar alocado “em área de inf luência” e que fez doação de 5

mil toneladas de lama de cal a produtores rurais.

Quanto ao relacionamento da empresa com populações

indígenas, menciona-se: o aumento dos recursos destinados a projetos

de geração de renda para as comunidades; o comprometimento de

Page 106: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

105

custear até 41 bolsas de estudo por ano para alunos indígenas que

cursarem a faculdade; o apoio a um programa visando aumentar a

empregabilidade dos membros das comunidades indígenas; a

realização de estudos e obras de recuperação de rios situados nas

aldeias; o fornecimento de mudas nativas e apoio técnico para projeto

de ref lorestamento; doação de uma escola que atende a mais de 100

crianças indígenas em idade escolar, com uma infra-estrutura única.

Com área construída de 600 m2, a escola dispõe de três salas de aula,

biblioteca, refeitório, sanitários, salas administrativas, pátio interno e

quadra poliesportiva.

Analisamos a seguir o discurso empresarial ambientalizado,

enfocando o caso específ ico do discurso da Veracel Celulose S.A., tal

como expresso nos Relatórios Anuais da empresa, disponíveis na

internet no mês de agosto de 2005. Para entender como a empresa

está construindo a sua noção de sustentabil idade, bem como a crença

na mesma, foram coletados alguns enunciados divulgados nos sites

institucionais da empresa.

A primeira menção à noção de “sustentabil idade” observada

relaciona-se com a caracterização do perf i l da empresa em termos de

um conjunto de atributos morais como respeito, responsabilidade,

credibil idade na relação com o que é externo à empresa:

[...] Sustentabilidade é uma “palavra (que) sintetiza um conjunto de normas e atitudes hoje amplamente utilizadas pelas empresas social e ambientalmente responsáveis. Diz respeito à qualidade, transparência e credibilidade no relacionamento da empresa com seus diversos públicos. Todas essas relações devem ser pautadas pela ética, o respeito, a responsabilidade social, o crescimento econômico ambientalmente sustentado, a busca do bem-estar das atuais e futuras gerações. (VERACEL, 2005)

[...] A Veracel hoje lidera um importante ciclo de desenvolvimento econômico na região: a empresa gera impostos, empregos e renda, compra serviços e produtos de fornecedores locais, investe em projetos sociais e ambientais e de infra-estrutura urbana e rural·23. (VERACEL, 2005)

O discurso é enfático quanto à “sustentabil idade” dos plantios .

Reiteradamente af irma-se que “a partir de 2005, se estará produzindo

23 http://www.veracel.com.br/pt/perfil_hoje.htm - acesso em 08/08/2005.

Page 107: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

106

900 mil toneladas por ano de celulose branqueada de eucalipto ECF,

exclusivamente a partir de plantios sustentáveis” 24. (VERACEL, 2005)

Uma segunda componente do discurso é a renovação,

preservação, recuperação da base de recursos, com uma menção

conexa à “valorização de quem vive próximo à empresa”, sugerindo a

admissão de que a ameaça à base de recursos signif icaria ameaça às

populações locais, dado o estabelecimento de uma correlação entre

“´preservar recursos “ e “valorizar as populações locais”.

[ . . . ] Sustentabi l idade. Produzir celulose de forma sustentada a part ir de plantações renováveis. Atuar localmente com visão de mercado global. Qual i f icar e valor izar quem vive próximo à empresa. Preservar e recuperar os recursos naturais. Fazer da at ividade econômica fonte geradora de r iqueza e bem estar para todos. Is to é sustentabi l idade. Esta é a Veracel. (VERACEL, 2005)

Quanto à relação com o território onde o empreendimento veio

se instalar, a retórica sublinha um empenho supostamente

conservacionista, de composição paisagística, fomento da

biodiversidade e ânimo científ ico por parte da ação empresarial, em

contraste com o caráter reconhecidamente monocultural da atividade

de plantio.

[ . . . ] Conservação e recuperação da Mata At lânt ica, fomentando o conhecimento sobre a biodivers idade local através de parcer ias com inst i tuições c ientí f icas e desenvolvendo ações de educação ambiental, tendo como pr incipais agentes a Estação Veracruz e o Programa Mata At lânt ica Veracel” . “Planejamento de plant ios ut i l izando o conceito de paisagem mosaico, pr ior izando a aquis ição e manejo de áreas já alteradas pelo homem. (VERACEL, 2005)

O apreço empresarial ao ecossistema original não se limita,

nesse discurso, à “preservação dos remanescentes”, mas também à

sua recriação onde “áreas não util izadas” pelo monocultivo da empresa

são “recobertas por reservas de Mata Atlântica”:

[ . . . ] Quase a total idade das áreas que não são ut i l izadas no programa de manejo f lorestal está sendo recoberta por reservas de Mata At lânt ica, num programa ambiental que visa

24 http://www.veracel.com.br/pt/sustentabilidade.htm, acesso em 30/08/2005 às 00:49h.

Page 108: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

107

recuperar e preservar os remanescentes deste que é um dos mais importantes ecossistemas f lorestais do Brasi l” . “O programa Mata At lânt ica tem por objet ivo conservar, manejar e proteger mais de 70 mil hectares de áreas cobertas por remanescentes deste r ico ecossistema, em diferentes estágios de conservação. (VERACEL, 2005)

A empresa estaria, por outro lado, na base da reconstituição

de uma herança cognitiva que, ao que sugere o discurso empresarial, a

imprevidência dos que a precederam na área haveria desfeito,

enfatizando a benevolência dos programas desenvolvidos pela empresa

para a reconstituição da Mata Atlântica:

[ . . . ] O programa propic iou a consol idação e disseminação de uma sér ie de informações e conhecimentos a respeito da manutenção e recuperação da biodivers idade or iginal. (VERACEL, 2005) [ . . . ] A tecnologia de recuperação ambiental desenvolvida pela Veracel hoje está à disposição de ent idades e dos propr ietár ios rurais da região, visando ao desenvolvimento de trabalhos de parcer ia para recomposição completa e harmoniosa da mata.” (VERACEL, 2005) [ . . . ] O nosso Sistema Integrado de Gestão contempla os pr incípios: de conservação e recuperação da Mata Atlânt ica, fomentando o conhecimento sobre a biodivers idade local através de parcer ias com inst i tuições c ientí f icas e desenvolvimento ações de educação ambiental, tendo como pr incipais agentes a Estação Veracruz e o Programa Mata At lânt ica Veracel. (VERACEL, 2005)

Há também referência, por parte da empresa, à sua atuação

como agente de desenvolvimento regional.

[ . . . ] A Veracel hoje l idera um importante c ic lo de desenvolvimento econômico na região: a empresa gera impostos, empregos e renda, compra serviços e produtos de fornecedores locais, investe em projetos sociais e ambientais e de inf ra-estrutura urbana e rural. (VERACEL, 2005) [ . . . ] A Veracel t rouxe um novo c ic lo de desenvolvimento econômico e social para uma extensa região do Extremo Sul da Bahia, histor icamente marcada pela pobreza e pela estagnação econômica. Além de importante fator para a dinamização da região, a empresa assume ainda seu papel como agente socialmente responsável, desenvolvendo projetos de inclusão social junto às comunidades dos municípios onde atua. (VERACEL, 2005)

Page 109: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

108

[ . . . ] A Veracel é o centro de uma cadeia econômica, movimentada a part ir das at ividades que desenvolve e dos serviços que adquire. Além disso, a Veracel mantém diversos programas específ icos de art iculação com os produtores e empreendedores da região. (VERACEL, 2005) [ . . . ] O fomento f lorestal é uma at ividade vantajosa para todos: para a Veracel, garante o supr imento de madeira para a produção de celulose; para os propr ietár ios rurais, é uma fonte de renda adic ional. (VERACEL, 2005)

Por f im, a monocultura de eucalipto é apresentada como

solução para a “baixa ferti l idade dos solos”:

[ . . . ] Os solos são pouco fér teis, l im itando a divers idade de cult ivos agrícolas ( . . . ) . Por serem profundos e de topograf ia plana, estes solos se adequam ao plant io de f lorestas comerciais. Estas característ icas fazem do Extremo Sul da Bahia uma das melhores regiões do mundo para o cult ivo do eucal ipto, que cresce em r i tmo de até 10 vezes mais rápido do que em alguns países europeus. (VERACEL, 2005)

Em síntese, o discurso “ambientalizado” acima descrito

condensa, ao f im e ao cabo, na auto-representação da empresa uma

vasta gama de qualidades morais e de respeito à alteridade, de

propósitos cognitivos e de construção paisagística, de cult ivo de

diversidade biológica e reconstituição de f lorestas nativas, de

recomposição de áreas que foram degradadas por agentes

ambientalmente irresponsáveis e promoção econômica e social das

populações locais, sustentando ser a presença local da monocultura um

poderoso agente do desenvolvimento regional, capaz de fazer dos

“solos extremamente pobres” a “melhor área do mundo para o plantio

comercial do eucalipto”.

Page 110: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

109

3.3 O DEBATE PÚBLICO E AS POSIÇÕES DOS AGENTES

Observa-se na região um permanente debate público aberto a partir da

aprovação, em 1989, do licenciamento da primeira fábrica de celulose da região, a

Bahia Sul Celulose, debate intensificado em fase mais recente, concomitantemente

com a emergência do discurso empresarial ambientalizado do desenvolvimento

sustentável e com a implantação da unidade Veracel, do complexo empresarial no

extremo sul da Bahia.

Nesse capítulo buscaremos evidenciar as posições dos agentes

envolvidos neste debate quanto ao modo pelo qual se implantaram e expandiram as

atividades de plantio monocultural de eucalipto na região. Foram registradas

amostras discursivas, recolhidas junto a uma diversidade de atores sociais locais em

diferentes seminários, encontros e fóruns promovidos por instituições públicas como

a representação do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis/regional, ONGs como o CEPEDES – Centro de Estudos e

Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul/Ba e movimentos sociais

integrantes da Rede Alerta Contra o Deserto Verde.

3.3.1 Mídia e governo

O discurso prevalecente em órgãos da mídia nacional inclui a

monocultura de eucalipto no rol de empreendimentos do agronegócio

que assegurariam a apropriada inserção competit iva da economia

brasileira no mercado internacional. Por ocasião da ocupação de uma

área plantada com eucalipto, pertencente à Veracel, em 2004 foi

incisiva a defesa da presença da empresa na região pela grande

imprensa, para quem as invasões de “terras produtivas" teriam

começado a provocar danos no “Brasil que dá certo" – o agronegócio.

Nesta perspectiva, o agronegócio é apresentado como um dos setores

que mais gera postos de trabalho e mais contribui para o crescimento

do PIB brasileiro. O MST, segundo a grande imprensa, ao ocupar as

terras plantadas com eucalipto, teria agredido uma das atividades

econômicas mais produtivas do Estado da Bahia (Lima, 2004, p.44),

colocado obstáculos à vinda de investimentos para o país, prejudicando

Page 111: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

110

os próprios trabalhadores, “que precisam de empregos e que poderão

f icar sem os mesmos, caso os investidores estrangeiros venham a

desistir dos projetos de implantação de novas fábricas no Brasil”. Ressaltou-

se que a Veracel, proprietária das áreas invadidas, iria construir uma fábrica que

deveria gerar 10.000 empregos diretos e indiretos, na região. Tal argumento

apoiava-se, por outro lado, numa desqualificação da agricultura familiar, que “não

produz resultados econômicos expressivos”.

Em contraposição ao questionamento da “produtividade” das terras

plantadas com monocultura de eucalipto, sentido que estava expresso na referida

ação do MST, a “exaltação do agronegócio” é parte de um esforço nacional de

legitimação. É o que sugerem as freqüentes manchetes da grande imprensa: “A

força do campo: A produção da agricultura cresce 4,3% no primeiro trimestre e salva

o PIB, enquanto o resto da economia não decola”. (VEJA, 2002). “O motor que faz o

Brasil andar: o capital intensivo e a alta tecnologia fizeram do campo brasileiro uma

ilha de primeiro mundo que cresceu 8% no primeiro trimestre” (VEJA, 2002);

“Agricultura, o motor do Brasil: o ritmo de crescimento da economia do campo já é

seis vezes maior que a média de toda a economia nacional. E aí vem nova safra

recorde” (VEJA, 2003). “O MST ataca o Brasil que dá certo”. (VEJA, 2004). Tal

estratégia não se manifestou de forma unânime junto à mídia local. Uma parte da

imprensa sugere Barbosa (2004), não defendia “os desmandos realizados por

empresas terceirizadas pela Veracel”.

No âmbito governamental, a representação do estado da Bahia no

Senado Federal pediu providências ao governo federal para impedir "as agressões

do MST – Movimento dos trabalhadores Sem-Terra contra o agronegócio". Afirmava

então que "essas agressões são prejudiciais à sociedade porque afetam o setor

mais dinâmico da economia do país, responsável pelos resultados positivos da

balança comercial do Brasil". Desse ponto de vista, era tida por inaceitável a invasão

de propriedade produtiva como a da Veracel pelo MST, pois colocava em risco o

investimento feito por investidores suecos, finlandeses e brasileiros, que “podem ir

ficando desconfiados e podem retirar recursos da ordem de US$1,25 bilhão”

(CORREIO DA BAHIA, 2004, p.3). No dia do lançamento da pedra fundamental da

fábrica de celulose da Veracel, em outubro de 2003, o ex-Governador da Bahia,

Senador Paulo Souto, reafirmou a “vocação natural” da região, afirmando que

“somente no sul da Bahia e em nenhum outro lugar tão abençoado por Deus, com

Page 112: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

111

sol e chuva abundante, a luminosidade e umidade naturais conseguem 20% a

menos do tempo necessário de crescimento, corte e rebrota dos eucaliptos”

(JBECOLOGICO, 2003, p.15).

Num sentido diametralmente oposto, no plano municipal, o prefeito de

Porto Seguro, em agosto de 2005, que já fora prefeito de Belmonte, cidade vizinha

de Eunápolis, Jânio Natal, disse que:

[...] a Veracel não trouxe nenhum retorno de progresso para o município”. Por esta razão afirmava estar enviando para a Câmara um projeto de lei que proíbe qualquer plantação de eucalipto no município de Porto Seguro. “Esta lei será enviada à Câmara, para a proibição de novos plantios de eucalipto, para que a gente possa ter maior riqueza a nível de produção rural, evitando-se assim que os pequenos trabalhadores venham a ser colocados para fora de suas terras, produzindo com isso imensos prejuízos para o nosso município. Vou fazer uma reunião com os nobres colegas vereadores para que eles possam entender essa decisão e assim possamos pensar em algum retorno para o nosso município. Porto Seguro é o município que está sendo mais atingido com o êxodo rural e, diante dessa posição, vamos tomar juntos essa decisão para o bem comum do município.Outro problema grave é a questão do mau cheiro produzido pela fábrica, que está incomodando a população e tenho recebido muitas queixas através de cidadãos e entidades ambientalistas. Vamos nos reunir e de alguma forma demonstrar a nossa insatisfação. (JORNAL PORQUÊ?, 2005)

Esta posição crítica expressa no plano político local, repercute uma

dinâmica mais geral de estruturação progressiva de um pólo de resistência por parte de um conjunto de organizações da sociedade civil, como veremos a seguir.

Page 113: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

112

3.3.2 Posições contrárias aos discursos e práticas empresariais do setor na

região

Os trabalhadores Terceirizados

Uma parte dos trabalhadores da empresa é terceirizada e organizações

sindicais questionam a capacidade de geração de empregos anunciada pelos

representantes empresariais e a grande imprensa, manifestando seu

descontentamento com o rodízio de empregos: “as empresas que prestam serviços

terceirizados não dão ao empregado o mínimo de segurança”, “fazem contrato de

experiência, por um período máximo de três meses e ao final deste tempo, demitem

e não pagam os seus verdadeiros direitos e ainda burlam as leis federais com o

FGTS, INSS, 13º, férias e assim por diante”. “... e a Veracel, distante do problema,

apenas administra a situação”, afirma Barbosa (2004).

O Instituto Observatório Social25 (2005) publicou que o SINDICELPA – Sindicato dos

trabalhadores nas indústrias de papel, papelão e cortiça do Estado da Bahia e o

SINAP – Sindicato Nacional dos Papeleiros, denunciaram que há um contraste

“brutal” nas relações sindicais. Conforme esses atores, diante de todo o

desenvolvimento do setor industrial brasileiro, apesar de toda a evolução dos lucros

das empresas de papel e celulose “elas oferecem aumentos salariais muito baixos,

pouco mais de 1% de aumento real, para seus trabalhadores”.

Outros aspectos são apontados relativos a essas relações trabalhistas,

conforme o sindicato. Por exemplo, denuncia o sindicato que sempre que há

movimentação dos trabalhadores as indústrias, na região, colocam um contingente

policial dentro da fábrica, “privatizando um serviço público pago por toda a

população como se fossem seus seguranças particulares”.

A busca da desmobilização e enfraquecimento dos movimentos são

também ações dessas empresas, acusa o SINDICELPA.

[...] Outro exemplo primitivo e medieval é a coação aos trabalhadores para não participarem das assembléias e as listas que circulam no seu interior, capitaneada por chefes, para que os trabalhadores assinem, por livre e espontânea pressão, se dizendo favoráveis às propostas da empresa,

25 http://www.observatoriosocial.org.br/portal/. Acesso em Agosto 2006.

Page 114: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

113

mesmo após rejeição em assembléia democrática e com voto secreto26. (SINAP – SINDICATO NACIONAL DOS PAPELEIROS, 2005)

O Conforme o Observatório Social, Martins, presidente do SINEP, diz

que a luta dos movimentos dos trabalhadores da indústria de papel é por um país

produtivo, mas com distribuição dos benefícios da produção.

[...] Queremos um Brasil produtivo, exportador e entre os maiores produtores mundiais de celulose e papel, mas com justiça social e sem 30 milhões de brasileiros passando fome. Achamos possível conviver fábricas de celulose com arroz e feijão, desde que não haja um falso discurso de responsabilidade social. [...] O Brasil possui oito milhões e quinhentos mil metros quadrados de extensão territorial é possível o plantio de eucalipto com respeito ao meio ambiente e terra para quem necessita da mesma para sua sobrevivência, queremos responsabilidade social e não pequenas ações sociais para pessoas ricas ficarem com a consciência um pouco menos pesada e com uma imagem melhor dos seus produtos, este é o motivo de pararmos a BR-101 e fizermos a importante aliança com os companheiros Sem Terra que continuam em sua luta, enquanto perdurar a intransigência.

Em novembro do ano de 2005 os trabalhadores paralisaram as obras da

fábrica da Veracel. Os trabalhadores de todas as empreiteiras que atuavam na

construção da fábrica de celulose da Veracel, fizeram um grande arrastão no interior

da empresa, retirando todos os trabalhadores do canteiro de obras e depois de uma

assembléia bastante concorrida determinaram uma paralisação que durou 4 dias.

Conforme o OBSERVATÓRIO SOCIAL (2005), o SINDICELPA/BA denunciava que

“são ínúmeras irregularidades que vêm ocorrendo desde o início em vários setores

da indústria”. Os trabalhadores reivindicaram melhores condições de trabalho;

segurança e acordo coletivo de trabalho 2005.

Outra grande preocupação dos trabalhadores é a falta de liberdade no

trabalho em função da presença da polícia no interior da indústria. Conforme o

sindicato preocupa “a presença de polícia reprimindo em todos os setores,

principalmente na paralisação onde infiltraram centenas de policiais à paisana para

tentar desgastar o movimento.” (OBSERVATORIO SOCIAL, 2005)27.

26 Idigues Ferreira Martins foi, em 2005, durante as negociações do acordo coletivo de trabalho da Cia Suzano, o Presidente do Sindicato Nacional dos Papeleiros – SINAP. 27 http://www.observatoriosocial.org.br/portal/

Page 115: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

114

O Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

No Extremo Sul da Bahia, na periferia das cidades como Itamaraju,

Mucuri, Prado e Porto Seguro há mais de 3.500 famílias de trabalhadores rurais

sem-terra. Em abril de 2004, quase dois mil trabalhadores rurais ligados ao MST

(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no município de Porto Seguro, a

810 km de Salvador, colocaram abaixo, em um pouco mais que uma hora, quatro

hectares de eucaliptos pertences à multinacional de celulose Veracel, que possui 65

mil hectares de áreas de plantio entre os municípios de Porto Seguro, Eunápolis e

Belmonte. A área da referida fazenda da Veracel perfaz cerca de três mil hectares

de plantação, mas é apenas uma das 28 propriedades que a empresa possui no

município de Porto Seguro.

A derrubada dos eucaliptos envolveu centenas de famílias de diversos

acampamentos do MST nas regiões do baixo sul, sul e extremo sul. "Cansamos de

esperar por soluções. Chegou o momento de agir", disse Valmir Assunção,

coordenador do MST na Bahia, momentos antes de reunir o pessoal no

acampamento "Lulão". Saíram do Acampamento Sebastião Salgado, a pouco mais

de três quilômetros na saída de Eunápolis. O acampamento, que possui 200

famílias, está localizado na extremidade de uma das propriedades da Veracel, na

beira da BR-101, próximo de um assentamento do próprio MST na região, o Projeto

Maravilha.

O representante estadual do MST afirmou que a maioria das terras que

poderiam ser disponibilizadas para a reforma agrária está nas mãos da Veracel, o

que impede quaisquer ações mais efetivas do Incra (Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária). Ele afirma que a invasão da Veracel mostra uma

nova fase da luta pela reforma agrária na Bahia. "Passamos um ano na beira da

estrada", disse, referindo-se ao acampamento "Lulão", o maior do MST no Estado,

"e não vamos mais esperar". Segundo ele, os quatro hectares de eucaliptos, que

foram derrubados ontem, serão apenas os primeiros de uma série. "Vamos colocar

os eucaliptos abaixo para plantar feijão e milho, que alimentam o povo, pois ninguém

come eucalipto", disse.

No dia 9 de abril de 2004, - cinco dias após o início da ocupação - as três

mil famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra deixaram a

fazenda da empresa Veracel. Em reunião realizada no final da manhã, que se

Page 116: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

115

estendeu até o inicio da tarde, na sede da Secretaria da Agricultura do Estado, em

Salvador, os lideres do MST chegaram a um acordo com o secretário executivo do

Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Segundo o acordo, o

Incra se comprometia a desapropriar ainda naquele ano, 30 hectares de terra no Sul

do Estado, para o assentamento das famílias. Mediante essa promessa os

integrantes do movimento decidiram voltar atrás e deixar o local, retornando aos

seus antigos acampamentos.

A existência de uma ação judicial de reintegração de posse e de policiais

prontos para fazê-la cumprir não dissuadiu os trabalhadores que mostraram-se

dispostos a resistir. Após cinco dias de conflito, foram deslocados para a área 200

homens do Batalhão de Choque de Salvador para fazer cumprir a ação judicial. As

famílias retiraram-se após a realização de um acordo entre as lideranças do MST, o

Incra e o Governo do Estado. Foi acordado então que o Incra desapropriaria até o

final daquele ano, dezoito propriedades na região para fins de reforma agrária (A

Tarde: 2004:6).

Na fala dos representantes do MST, nos últimos meses de 2004, havia

ocorrido uma mudança na natureza da luta pela Reforma Agrária: o inimigo principal

do povo brasileiro, o latifúndio improdutivo, havia feito alianças com o agronegócio e

o capital internacional que expandiam as fronteiras para a acumulação de capital.

Por essa razão, tentava-se mostrar a reforma agrária como sinônimo de atraso e

modelo de agricultura baseada no agronegócio e na exportação de grãos como

“moderno”. A empresa Aracruz Celulose, detentora do capital da Veracel e

protagonista da “ilusão modernizadora” na região era então apresentada como

inimiga do movimento. Segundo órgãos de divulgação do MST, a Aracruz

concentrou no norte do Espírito Santo mais de 60 mil hectares, comprando a rica

região da Mata Atlântica, de pequenos e médios produtores, para instalar uma

floresta homogênea de eucalipto, que agora os cientistas chamam de deserto verde,

pois não se reproduz mais nenhum tipo de vida, além do eucalipto. “Além dos 60 mil

hectares acumulados, a empresa roubou nada menos do que dez mil hectares da

ultima reserva dos Guaranis, que vivem na miséria, confinados num pequeno

espaço. Em anos recentes os Guaranis reocuparam sua área, embora esteja cheia

de eucalipto, e a Justiça federal determinou então que a empresa pagasse uma

indenização anual para a tribo, pelo uso ilegal de suas terras. As terras ainda não

foram devolvidas”.

Page 117: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

116

Diante deste quadro, a contrastante exaltação do agronegócio visaria

encobrir a existência de mais de 200 milhões de hectares de terras devolutas

apropriadas ilegalmente no país e de mais de 120 milhões de hectares de terras

improdutivas existentes nas grandes propriedades, que deveriam ser destinadas

para a reforma agrária. “A exaltação é, pois, uma ação contra a reforma agrária”,

denuncia Oliveira, representante do MST, em entrevista ao Conselho Regional de

Engenharia e Arquitetura da Bahia. (Revista CREA-Ba, 2004).

As comunidades tradicionais

Nos encontros, seminários e “marchas” organizadas pelas organizações

indígenas e das comunidades de remanescentes de quilombos na região os

argumentos e exigências se relacionam com a garantia da permanência das famílias

no campo, a realização da reforma agrária, a recuperação de terras perdidas, o

fortalecimento, integração e manutenção da solidariedade entre as famílias.

Conforme representantes dos remanescentes de quilombos existiram, no

passado recente, aproximadamente dez mil famílias habitando a região. Segundo

eles, “a empresa, usando todo tipo de agressão, invadiu a terra” e “as famílias que

conseguiram resistir estão ilhadas”.

O jornalista Ubervalter Coimbra e o fotógrafo Apoena do Século Diário

(2004) documentaram a manifestação que parou carretas da Aracruz Celulose na

BR-101. “Um protesto parou as carretas da Aracruz Celulose na BR-101, na tarde de

segunda-feira dia 08/03/2004, em São Mateus. A paralisação foi realizada na sede

do município e mobilizou cerca de 700 pessoas, a maioria mulheres, que

participaram de uma série de eventos marcando o Dia Internacional da Mulher. Na

BR-101 passam 39 carretas por hora transportando eucalipto.

Afirmaram os manifestantes que “os veículos colocam em risco a

segurança do trânsito e têm provocado um grande número de acidentes, muitos com

mortes. Foram paradas carretas a serviço da Aracruz Celulose e das empreiteiras

Plantar28 e Emflora – Empreendimentos Florestais Ltda.29.” Um dos coordenadores

28 A empresa florestal Plantar, sediada no estado de Minas Gerais, é acusada de possuir grandes plantações de eucalipto na região, estabelecidas à custa da expulsão da população local. Também foram instaladas a expensas da vegetação típica da região (o cerrado), cujas árvores viraram carvão para a indústria siderúrgica, substituindo-as por eucalipto plantado com o mesmo objetivo. Os impactos sociais, ambientais, econômicos e culturais provocados pela empresa foram amplamente documentados em pesquisa recentemente realizada pelo WRM ("Certificando o não-certificável: certificação pelo FSC de plantações de árvores na Tailândia e no Brasil"), em que são documentados

Page 118: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

117

estaduais do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Valmir Noventa, relatou

que o protesto foi realizado contra a política da Aracruz Celulose que detém cerca de

220 mil hectares plantados com eucalipto no Espírito Santo, principalmente no norte

do Estado. Disseram os manifestantes:

[...] Os plantios de eucalipto são feitos com o emprego de grandes quantidades de agrotóxicos, que destroem a biodiversidade, e contaminam a água e o solo”. “Denúncias dos crimes ambientais da empresa foram feitas ao governo federal no ano passado, mas nenhuma providência concreta foi adotada para coibir o abuso. Os venenos contaminam ainda os quilombolas ilhados pelos eucaliptos. A Aracruz Celulose tomou grande parte das terras que usa dos quilombolas e dos índios. As terras foram tomadas à força, ou compradas a preços vis. Os quilombolas já anunciaram que vão lutar para retomar suas terras”).30 (SÉCULO DIÁRIO, 2004).

Segundo o Século Diário (2004), a manifestação teve como objetivo

protestar contra a omissão do governo em relação às agressões praticadas pela

Aracruz Celulose, além de buscar o apoio da comunidade para a luta pela terra. Os

remanescentes quilombolas afirmam que as áreas que restaram são insuficientes

para a continuidade dos seus modos de vida e de cultura tradicionais, baseados na

agricultura de subsistência, atividade de caça e pesca e extrativismo de frutas, mel e

de materiais para a fabricação de utensílios e casas, conforme a rede.

impactos como a apropriação de terras e a expulsão dos moradores, esgotamento e contaminação das águas e solos, desmatamento, destruição da biodiversidade, perda líquida de empregos, condições de trabalho precárias, perda de fontes de vida e riscos para a saúde, entre outros. Acesso em 20-07-06. http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2004/setembro/01/noticiario/meio_ambiente/01_09_07.asp 29 A EMFLORA EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA, terceirizada da Aracruz Celulose, está sendo processada pelos trabalhadores contaminados por agrotóxicos em São Gabriel da Palha, no norte do Estado. Os trabalhadores reivindicam tratamento médico e uma indenização da empresa no período em que foram afastados. Uma ação neste sentido está sendo preparada para ser encaminhada à Justiça de Trabalho de Nova Venécia, nas próximas semanas. Acesso em 20-07-06. http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2004/setembro/01/noticiario/meio_ambiente/01_09_07.asp 30 SéculoDiário.com. Manifestação pára carretas da Aracruz Celulose na BR-101 Acesso em 08/03/2004.

Page 119: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

118

Organizações não governamentais que defendem primor dialmente a Mata

Atlântica

Alguns movimentos sociais organizados atuam na região. Uns se

organizam no sentido restrito da defesa da Mata Atlântica e outros na defesa das

populações e seus modos de reprodução. Entre os agentes que defendem

exclusivamente a Mata Atlântica citamos a Rede de ONGs da Mata Atlântica. Esses

agentes que lutam pela preservação da Mata Atlântica acusam a indústria de

celulose de ter derrubado milhares de hectares de floresta nativa na Bahia e no

Espírito Santo, substituindo com plantações de eucalipto.

Em parceria com o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata

Atlântica, Instituto Socioambiental e WWF - Brasil, desenvolveram o projeto “Mata

Atlântica: avaliação do esforço de conservação, recuperação e uso sustentável dos

recursos naturais com o objetivo de buscar formas de superar diversos problemas

relativos à preservação da mata. Conforme o discurso dessa rede, partiu-se da

percepção de que muitas entidades estavam trabalhando para a conservação,

recuperação e uso sustentável da Mata Atlântica, mas que não se tinha uma

avaliação global destas atividades. Também não se tinha informações precisas de

quantas seriam, quais os projetos que desenvolviam, onde atuavam e quais as

principais dificuldades que estas instituições estariam enfrentado para obter sucesso

em suas iniciativas. Conforme a rede, esta lacuna de conhecimento dificultava o

intercâmbio e a troca de experiências entre as organizações e impedia um melhor

planejamento das ações. Por esta razão buscou-se realizar um levantamento dos

esforços de conservação, recuperação e uso sustentável da Mata Atlântica. Este

estudo permitiria mapear as ações, identificar áreas e temas com carência de

investimentos, fomentar o intercâmbio de experiências e subsidiar a definição de

prioridades de ação. Esse trabalho ficou conhecido como “Quem faz o que pela

Mata Atlântica”, este projeto teve como objetivo reunir e cadastrar as experiências

realizadas nos últimos dez anos por órgãos públicos, ONGs, empresas públicas e

privadas, universidades, escolas, instituições de pesquisa pública e privada,

movimentos sociais, sindicatos, associações profissionais, cooperativas e demais

organizações atuantes no Bioma.

A Associação de Moradores de Santo André, (AMASA) tem como

bandeira a necessidade de uma fonte comunitária de água potável. Já possui o

Page 120: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

119

projeto de fonte de água, que foi aprovado por unanimidade em várias reuniões da

comunidade. “Essa fonte será sempre pública e dos moradores de Santo André até

as futuras gerações, mesmo se um dia o serviço de água for privatizado”. A AMASA

já levantou orçamentos de material, que deverá anexar a documentação exigida pelo

Ministério Público para liberar os recursos que o resort Costa Brasilis deverá dar em

contrapartida da construção dos piers particulares na nossa praia ribeirinha. O

projeto, realizado voluntariamente pela arquiteta Maninha, consiste em um poço

próximo a propriedade dos senhores Hans e Gunter e a lagoa denominada "fonte da

Bica", construída pelo coronel Macedo, antigo morador do povoado e da Ponta de

Santo André. A água será bombeada para uma caixa de 10 mil litros e será jogada

por gravidade a um chafariz nos fundos da Escola Municipal (no terreno da AMASA)

para fins de uso exclusivo de água potável. No entanto, preocupa-se com o futuro

das nascentes, lençóis freáticos e córregos, “pois o desmatamento e, as cada vez

maiores plantações e eucaliptos (fabrica Veracel), estão pondo em perigo nosso

Planeta Água”.

O Boletim Nº 40 do World Rainforest Movement (órgão de divulgação de

uma rede internacional de resistência à expansão das monoculturas de eucalipto),

de novembro de 2000 denuncia que a Aracruz Celulose, embora tivesse negado os

impactos negativos de suas operações e afirmado que não fazia desmatamento da

floresta, tinha cortado árvores nativas em uma área adquirida no município de

Caravelas.

[...] Durante casi una década, Aracruz Celulose ha estado gastando mucho tiempo y dinero para mostrarse como un ejemplo de empresa social y ambientalmente responsable. Ha negado consistentemente los impactos negativos de sus operaciones en los estados brasileños de Espírito Santo y Bahía y ha llegado hasta a afirmar que jamás ha llevado a cabo operaciones de deforestación. Información reciente muestra lo contrario. (WORLD RAINFOREST MOVEMENT, 2000)

No Boletim de 20 de outubro de 2000, também denunciou-se o

desmatamento e durante uma audiência pública organizada pelo Centro de

Recursos Ambientais (CRA) para discutir a expansão das plantações de eucaliptos

da Aracruz Celulose no Extremo Sul do Estado da Bahia, as organizações da

sociedade civil local demonstraram que em uma propriedade recentemente adquirida

pela empresa no município de Caravelas estavam cortando árvores nativas. Este

crime ambiental foi filmado pelas organizações e apresentado nessa audiência

Page 121: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

120

pública, ocorrida em Posto da Mata, Nova Viçosa, com a presença de vários

executivos da Aracruz inclusive o seu gerente ambiental.

Conforme o boletim citado acima, Melquíades Spínola coordenador do

CEPEDES – Centro de Pesquisa e desenvolvimento do Extremo Sul, uma ONG

local, disse que o episódio mostra que o discurso ambiental da companhia é muito

diferente de sua prática ambiental. “Aracruz subestima as organizações da

sociedade civil e as agências estatais”. “Em meio ao processo para obter a licença

de expansão de suas plantações as suas atividades se fazem de maneira

depredadora”.

Os agentes que defendem participação popular

As organizações não governamentais como o CEPEDES- Centro de

Estudos e Pesquisa para o Desenvolvimento do Extremo Sul, FASE/ES/BA, Rede

Alerta Contra o Deserto Verde e CDDH- Centro de Defesa de Direitos Humanos têm

como objetivo permitir que a sociedade como um todo tenha acesso ao debate e a

informações e que possam exercer cidadania31. Para tanto realizam encontros,

plenárias e seminários nos quais os diversos representantes dos grupos sociais têm

participação.

Dentre as preocupações mais constantes nos debates ocorridos nos

seminários e encontros da sociedade organizada em relação ao meio ambiente,

consta, sem dúvida, o poder que detêm as organizações empresariais, de se

apropriar da terra e demais elementos da base natural do território e de tomar

decisões que afetam a sociedade em geral, sem consultá-la. Em função disso esses

grupos se organizam na luta para ter o direito ou o poder de opinar. Segundo

representantes do CEPEDES a luta expressa o desejo de opinar e agir no processo

de construção de uma sociedade que seja ao mesmo tempo respeitosa em relação

às diferenças e igualitária, na possibilidade da satisfação de necessidades e

vontades. Melquíades, coordenador do CEPEDES, afirma que há uma desigualdade

de poder na região entre o agronegócio – monocultura de eucalipto e indústria de

31 O historiador José Murilo de Carvalho lembra que a cidadania é construída sobre três pilares: liberdade, igualdade e participação, afirmando que “se nas últimas décadas avançamos no que diz respeito à liberdade, buscando conquistar cada vez mais espaços de participação, a igualdade permanece como um sonho distante”. (CARVALHO, 1996).

Page 122: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

121

papel e celulose e as outras atividades. “É necessária a criação de leis que definam

limites para o tamanho do empreendimento em relação ao número de empregos

permanentes gerados, bem como limites para a devastação da floresta nativa. É

necessário um maior respeito às culturas locais”. Como exemplo do desrespeito

Melquíades cita o fato de que o “zoneamento econômico-ecológico, mesmo não

tendo sido aprovado foi utilizado para licenciar os novos plantios da Aracruz”.

Em defesa de outro modelo agrícola e fundiário, os representantes dos

movimentos sociais argumentam, por exemplo, que:

[...] Enquanto a Aracruz Celulose (uma das empresas instaladas na região) emprega diretamente somente 1.689 funcionários e é dona das maiores propriedades do estado, a agricultura familiar chega a reunir 70 mil famílias e a grande maioria dos proprietários desse setor possuem apenas até algumas dezenas de hectares de terra (CEPEDES - CENTRO DE PESQUISAS E DESENVOLVIMENTO DO EXTREMO SUL:2004).

No fórum realizado Porto Seguro discutiu-se o quadro socioambiental,

considerado pelos movimentos como uma conseqüência do modelo atual de

desenvolvimento financiado pelo governo federal e por organismos internacionais,

que têm como objetivo, exclusivamente, o retorno econômico dos financiamentos em

detrimento do modo de vida das populações.

Conforme texto do documento elaborado na ocasião, denominado Carta

de Porto Seguro os movimentos organizados defendem o direito, de todos os

agentes do sistema social, de discutir as formas de uso do ambiente do lugar.

Segundo essas entidades, a vocação regional para cultivo de eucalipto foi

estabelecida por agentes externos que não levaram em conta os processos e

pessoas que já existiam na região, por exemplo. “No momento, está sendo projetada

a expansão desse cultivo pelas empresas, entretanto, há um esforço de movimentos

sociais no sentido de participar dessa decisão”. (Informação verbal).32

Assinam esse documento, que seria enviado ao Presidente, 78 entidades

e personalidades capixabas e baianas entre elas: FASE, Federação dos

Trabalhadores na Agricultura (Fetaes), MST, CDDH – Centro de Defesa de Direitos

Humanos de Teixeira de Freitas (Ba), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA),

Terra Viva, CUT/Eunápolis (Ba), Flora Brasil, Frente de Resistência Pataxó,

32 Depoimento de participante gravado em Plenária, no Fórum que resultou na Carta de Porto Seguro, na Bahia, em 29-06-2003).

Page 123: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

122

CEPEDES, repudiam, por exemplo, a compra de terras para expansão da

monocultura de eucalipto, pelas indústrias de papel e celulose na Bahia.

O Centro de Defesa dos Direitos Humanos que acompanha as

transformações sociais que estão ocorrendo na periferia das monoculturas, denuncia

os efeitos dos impactos ambientais e sociais da implantação do projeto de cultura do

eucalipto na Região. Denuncia a transformação da floresta tropical em plantações de

eucalipto que resulta na destruição da base material necessária a sobrevivência das

demais pessoas da região.

Uma outra organização atuante na região é a Rede Alerta Contra o

Deserto Verde. A Rede constituiu-se em 1999, embora desde a Conferência da ONU

ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, já se realizassem discussões em diversas

ONGs, sindicatos, entidades populares, movimentos de direitos humanos, Igrejas e

entidades ambientalistas. A Rede Alerta Contra o Deserto Verde faz denúncias de

diversos fatos, como os citados abaixo, nos encontros, seminários e "cartas ao

Presidente" como problemas decorrentes ou articulados às escolhas feitas no âmbito

das empresas. Em seu Boletim Informativo consta que:

[...] O objetivo da Rede é denunciar a forma “violenta” como os grandes projetos Aracruz Celulose, Bahia e Sul e Veracel se instalaram no ES e Sul da Bahia; divulgar os diversos impactos negativos da sociedade e no meio ambiente, gerados pelas grandes plantações de eucalipto; denunciar o modelo de desenvolvimento “excludente, imposto pelas grandes empresas reflorestadoras do eucalipto à sociedade capixaba e baiana”; pressionar o poder público para garantir os interesses da maioria e não ser instrumento de fortalecimento do grande projeto celulósico; propor condicionantes para a tentativa de aquisição do selo verde (FSC) pela Aracruz Celulose; Repudiar a compra e arrendamento de terras para a ampliação da monocultura de eucalipto no ES e Sul da Bahia; questionar a conduta dos órgãos licenciadores; propor alternativas à eucaliptocultura. (BOLETIM INFORMATIVO DO MOVIMENTO ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE DO ES E SUL DA BAHIA: 2001)

A luta, conforme o Boletim Informativo, é por um desenvolvimento

socialmente justo, ambientalmente adequado e economicamente viável.

[...] O desastre sócio-ambiental causado nos últimos 35 anos pela monocultura de eucalipto e pinus, integrado aos complexos siderúrgico e de celulose, atingindo diversos ecossistemas e populações de nosso território, empobrecendo nossa diversidade biológica, social e cultural, causando expropriação, desemprego, êxodo rural e fome; a necessidade de outro modelo de geração e divisão de riquezas e de ocupação de nosso território, que respeite e coloque como protagonista as populações rurais e

Page 124: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

123

tradicionais e o interesse da sociedade brasileira e não do capital global. (MANIFESTO BH - III Encontro Nacional da Rede Deserto Verde: 200433)

Na Carta de Vitória34, escrita em Vitória no dia 21 de agosto de 2001,

várias entidades que compõem a Rede Alerta contra o Deserto Verde, tais como o

Fórum de Agricultura Familiar, o Fórum de Lutas do Campo e da Cidade e outras

que participaram do Seminário Internacional sobre Eucalipto e seus impactos,

registraram uma pauta de reivindicações, conforme se pode verificar no anexo desta

tese. Através dela, reivindica-se uma regulamentação do plantio do eucalipto, a

legalidade no processo de aquisição de terras, a ética profissional de pessoas

empregadas na eucaliptocultura como engenheiros agrônomos e florestais, o

pagamento das dívidas fundiárias com os índios e remanescentes de quilombos e

outras comunidades rurais, reconhecimento do desmatamento praticado e a

aceitação das reivindicações dos trabalhadores.

33 FASE. MANIFESTO BH - III Encontro Nacional da Rede Deserto Verde. Seg, 17 Mai 2004 34 A Carta de Vitória consta como anexo 3 nesta tese.

Page 125: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

124

3.3.3 Movimentos, denúncias e proposições em luta c ontra o agronegócio de

papel e celulose

As proposições que estão em disputa no campo social constituído pelo

conflito ambiental na região, são apresentadas pelos agentes, representantes das

diversas lógicas de apropriação do território, em reuniões onde, muitas vezes, são

elaborados documentos que servem de instrumento de legitimação das propostas.

Nessas reuniões as propostas são colocadas em conjunto, contra a proposta da

expansão da monocultura e da indústria de celulose e papel.

Em Vitória, Espírito Santo, no ano de 2001 foi realizada uma “marcha

contra o deserto verde”, promovida pelo MST - Movimento de Trabalhadores Rurais

Sem Terra, FETAES - Federação dos Trabalhadores Agricultura do Espírito Santo,

MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores, Fórum de Agricultura Familiar e

Movimento Alerta Contra o Deserto Verde. A marcha teve como objetivo protestar

contra a expansão indiscriminada de plantios de eucalipto. O Boletim Informativo do

Movimento Alerta Contra o Deserto Verde do Espírito Santo e Sul da Bahia35

registrou que mais de 2000 pessoas participaram da marcha entre agricultores,

trabalhadores sem terra, índios, pescadores, quilombolas, carvoeiros, sindicalistas e

demais militantes socioambientais do Espírito Santo e da Bahia.

Em Porto Seguro, entre os dias 28 e 29 de junho de 2003,

representantes da sociedade civil estiveram reunidos no II Encontro Nacional da

Rede Alerta Contra o Deserto Verde, para discutir os problemas que recaem sobre

as populações que ainda permanecem vizinhas, bem como daquelas que foram

expulsas, por diversos meios, das suas terras, para que fosse possível o

desenvolvimento da atividade empresarial de plantação de eucalipto, no Espírito

Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia.

Deste encontro resultou a denominada “Carta de Porto Seguro”, que pode

ser consultada no anexo 4, desta Tese. A questão central do debate foi que o

modelo de desenvolvimento imposto para essas regiões, que destina grandes

extensões de terras para monoculturas de eucalipto, não atende às necessidades

específicas das populações regionais e nem mesmo aos anseios das pessoas em

geral de uma sociedade mais justa e igualitária. Embora os problemas estejam

35 Ver o Boletim Informativo do Movimento Alerta Contra o Deserto Verde do ES e Sul da Bahia. Nº 1, 2001.

Page 126: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

125

sendo, constantemente, expostos pelos movimentos sociais, ainda é grande a

dificuldade de transformar esta situação.

Na ocasião foram ouvidas as entidades participantes do encontro por

meio dos seus representantes, que expressaram as principais dificuldades que

enfrentam para defender a manutenção de suas formas de vida diante do avanço

dessa atividade. Todos os participantes tiveram oportunidade de dispor da palavra

para se apresentar e expor os problemas que os impulsiona a organizar-se e

manifestar-se contra a atividade. Representantes de populações indígenas, por

exemplo, reclamam das condições de vida de miséria a que são submetidos, "os

donos da terra", conforme os mesmos. Isso permite observar que os problemas se

repetem em todos os Estados participantes e onde a atividade de monocultura de

eucalipto se desenvolve.

É impossível não observar nesses eventos a participação de entidades de

base. As pessoas que ofereciam as reclamações e denúncias refletiam a falência do

projeto de desenvolvimento regional do Estado e o tipo de necessidades que diziam

não estar sendo atendidas pelo modelo de desenvolvimento implantado na região

com o apoio dos poderes públicos. Os participantes em várias oportunidades

tomaram a palavra para expressar suas denúncias e preocupações com relação às

empresas e ao governo. “Os problemas dos rios é que são contaminados ou

exterminados na região. No Espírito Santo, região onde existem 47% das rochas do

Brasil, as nascentes estão desaparecendo.”

Na Bahia, o CEPEDES – Centro de Estudos e Pesquisas para o

Desenvolvimento do Extremo Sul/Ba, realizou um trabalho de pesquisas no qual

foram feitas fotografias de várias nascentes que secaram na região.

Lideranças de grupos que continuam vivendo nas proximidades das

plantações de eucalipto trouxeram a informação de que as empresas estavam

formando “milícias” que atuam aterrorizando “para que não haja nenhum tipo de

reação da população contra o avanço da atividade na Região”.

O Estado foi acusado de se relacionar privilegiadamente com a empresa

em detrimento da sociedade.

[...] A empresa tem a facilidade de elaborar os projetos e mandar para a Prefeitura, anexando recursos financeiros necessários para dar andamento junto aos deputados”. “A empresa também tem a facilidade de forjar laudos médicos para esconder as mortes por envenenamento por produtos químicos utilizados”. “O Estado aceita que a empresa indique secretários e

Page 127: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

126

membros do governo e que desarticule as ações de enfrentamento da expansão da atividade, feitas pelos os movimentos sociais”. “As grandes empresas são acusadas de participar da rede do crime organizado, uma vez que a corrupção é considerada uma vertente desse tipo de crime”. “No Governo Federal a empresa tem a possibilidade de agendar ou de invadir reuniões com o Presidente, enquanto outras parcelas da sociedade não conseguem. (Informação verbal)36

[...] As empresas causadoras dos mais graves problemas na Região conseguem ficar isentas das acusações e das ações judiciais porque se utilizam de outras empresas (terceirizadas) para executar as atividades. (Informação verbal).37

Informaram os participantes do encontro que as indicações de que o

reflorestamento irá para o Ministério da Agricultura, seria a comprovação de duplo

favorecimento para esta atividade, no caso de existir financiamento para a

agricultura e para reflorestamento. Por outro lado, a atividade ficará submetida a um

menor controle do Ministério do Meio Ambiente.

Foi lembrado que não se trata de escassez de legislação que possa servir

de controle das ações empresariais, mas de falta de fiscalização no cumprimento

das leis. Alguns manifestantes afirmaram acreditar que as leis teriam a finalidade

apenas de “encher o bolso dos políticos de dinheiro”.

Quanto ao problema das terras disseram que não há um controle das

apropriações de terras. O Estado não controla a quantidade de terras utilizadas

pelas empresas para esta atividade. Isto dificulta conhecer o real tamanho das áreas

destinadas. Terras são compradas por meios ilegais, por exemplo, no Espírito Santo.

Portanto, seria necessário fazer um histórico das aquisições para que seja possível

recuperar as terras ocupadas ilegalmente pelas empresas.

[...] As terras devem ter destinação social e para produção de alimentos. Ficou claro que a atividade de plantação de eucalipto polui as terras e contamina as pessoas com os produtos químicos usados, uma vez que o veneno pode se espalhar com a chuva e o vento e atingir pessoas que não estão usando equipamentos”. “Está havendo uma redução na produção mundial de alimentos, concomitante com a redução das florestas nativas. (Informação verbal)38

36 Depoimento, em plenária, de participante do Fórum que resultou na Carta de Porto Seguro, em 29-03-2006. 37 Ibid. 38 Ibid.

Page 128: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

127

No caso do sumidouro de carbono, fala-se da inércia do Estado e

autoridades locais, que fica esperando que as empresas e o Banco Mundial

estabeleçam as regras que afetarão a vida da sociedade.

[...] ele não atua, não promove debate, não contrata cientistas”. “O governo não participa da negociação da Plantar com o Banco Mundial sobre a expansão de plantações de eucalipto como sumidouro de carbono, deixa a empresa agir como um planejador autônomo tomando decisões que afetam decisivamente a vida da sociedade”. (Informação verbal). 39

O problema da degradação das terras, também mencionado pelas

empresas quando afirmam que já compraram terras degradadas, é afirmado em

outro sentido pelos participantes do evento. Para os participantes do evento as

empresas estão degradando as terras.

[...] A terra, após o uso para plantação de eucalipto, torna-se imprópria para outras plantações. É necessário que se dê um tratamento que é muito caro para que a terra volte a produzir. As famílias de pequenos agricultores têm muita dificuldade para fazer plantios de alimentos por que lhes falta recursos para recuperar a terra. (Informação verbal).40 [...] O discurso empresarial do plantio é sempre que as terras já estavam degradadas e que será feito um reflorestamento. Isto faz com que pessoas inescrupulosas passem a degradar florestas para usar recursos de reflorestamento. (Informação verbal). 41

As dificuldades das populações em relação ao trabalho também foram

discutidas como reflexo da expansão do agronegócio na região.

[...] Os trabalhadores de são aliciados pelas empresas e acabam envolvidos em trabalho insalubre”. “Quanto aos empregos é conhecido que no Espírito Santo os 270.000 hectares de áreas plantadas com eucalipto gerou apenas 6.000 empregos. Já o café, gera, na mesma área cerca de 500.000 empregos”. (Informação verbal).42 [...] As famílias quilombolas, em busca de uma atividade de sobrevivência acabam por envolver-se com a atividade de produção de carvão que é poluente do meio ambiente e prejudicial à saúde. (Informação verbal).43

As populações de afro-brasileiros remanescentes de quilombos

lembraram a destruição de sua cultura de diversas formas e mais objetivamente,

39 Ibid. 40 Ibid. 41 Ibid. 42 Ibid. 43 Ibid.

Page 129: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

128

pela “dificuldade de manter a plantação de mandioca que é o produto fundamental

na sua alimentação.”

Os remanescentes de populações indígenas por sua vez reclamam:

“foram destruídas 40 aldeias indígenas”.

Quanto à violência e crescimento das favelas na periferia das cidades

maiores da região como Porto Seguro e Eunápolis são categóricos em afirmar:

[...] A fome na região, por falta de produção de alimentos, promove a migração de pessoas para as cidades vizinhas. Isto está provocando o aumento de pessoas vivendo nas periferias, em favelas, bem como da violência. (Informação verbal).44

Essas afirmações se coadunam com o que se pode observar, por

exemplo, na sub-região de Teixeira de Freitas, situação citada na segunda parte

desta Tese. Lá verifica-se que a atividades da indústria de papel e celulose resultou

no o aparecimento de favelas e invasões, conforme estudo da Superintendência de

Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (1995:75) e retratadas em reportagens da

TV.

Outras preocupações relacionadas com a monocultura também foram

discutidas. Os representantes de ONG’s afirmaram a preocupação com os planos do

poderes públicos relativos ao problema do aquecimento global.

[...] Embora empresas e governos afirmem que não há problema há evidencias de que o planeta está aquecendo em função do excesso de emissões de gases CO2 pela queima de combustíveis fósseis (gasolina e carvão mineral), num ritmo acelerado. Não se conhece a totalidade do que pode acontecer ao planeta mas é certo que o nível do mar aumenta além de outras conseqüências. (Informação verbal).45

Na convenção do Rio construiu-se a idéia de que é preciso reduzir as

emissões. Não ficou estabelecida nenhuma medida obrigatória. Após várias outras

conferências e com o protocolo de Kyoto ficou acertado que seria preciso reduzir a

emissão de gases até 2012. Entretanto um dos países que mais emitem gases, os

EUA, não assinou o protocolo. Defende o seu direito de continuar emitindo, acusa de

não haver cálculos mais apurados sobre o problema. Os países europeus

reconhecem que têm mais responsabilidade nesse problema. Percebem a

44 Ibid. 45 Ibid.

Page 130: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

129

necessidade de compensar a queima. O mecanismo de desenvolvimento limpo –

MDL – significa, para esses agentes, uma forma de compensar as emissões de

CO2, sem ter que reduzi-las.

As ONG’s também estão atentas para a questão da proposta de se tentar

resolver o problema do aquecimento global com o denominado “seqüestro de

carbono”. A idéia seria plantar arvores que, segundo a empresa Plantar, fixam o

carbono (o processo se baseia na fotossíntese), em países com baixas emissões.

Esses países ficariam, então, com crédito (saldo positivo) em termos de emissões.

Estes países estariam compensando o carbono emitido nos países emissores, e isto

ficou conhecido como "seqüestro de carbono". Este "saldo positivo" poderia ser

vendido para os países emissores. O país que conseguir plantar árvores de forma

mais barata, conseguirá vender mais facilmente, obtendo os benefícios dos recursos

financeiros. Isto ficou conhecido como "mercado de carbono". Afirmam os

participantes do encontro:

[...] O sistema tem problemas por que o Carbono estocado no petróleo e no carvão mineral é extraído muito rapidamente. Uma floresta nativa ou não, não é estoque de carbono, as árvores obedecem a um ciclo natural de vida, portanto, irá morrer, naturalmente. É preciso considerar o intercâmbio de tempo”.Um exemplo desse mecanismo seria o caso da Holanda que precisa reduzir 2 toneladas de CO2 de suas emissões, então, ela compra as emissões que não foram feitas na Argentina, se a Argentina está gerando energia por meio de moinhos de vento. Os problemas do sistema é que há a continuação das emissões. (Informação verbal). 46 [...] No caso da Plantar o plano é utilizar plantações de eucalipto, o Carbono fica na árvore e o Oxigênio vai para a atmosfera. Com isso a Plantar quer obter recursos financeiros do Banco Mundial, cerca de U$ 5 milhões.” O projeto da Plantar é plantar eucalipto para geração de energia, como carvão vegetal, justificando que esse tipo de energia libera menos carbono na atmosfera do que o carvão mineral. Calcula quanto de CO2 ela não está emitindo com o uso do carvão vegetal. E ameaça o Banco Mundial avisando que se não conseguir recursos, vai usar o carvão mineral. O carvão mineral hoje é mais caro, mas na época era mais barato importar carvão mineral. Eles irão ganhar crédito de carbono para substituição energética. Eles justificam que quando queimam uma arvore já estão plantando outra. O único critério utilizado como fundamento para o projeto é este. Não é considerado nenhum tipo de critério social ou ambiental. O avaliador do projeto Plantar diz que não visitou as comunidades porque não precisava. O governo brasileiro é que vai decidir. Não há espaço para a sociedade discutir esse assunto. Nesse debate todos estão excluídos, pois o Banco e a empresa, argumentam o movimento social não tem conhecimento científico, então não pode debater.” “Dentro dos critérios do Banco Mundial,

46 Ibid.

Page 131: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

130

basta que se tenha a certificação. O Banco Mundial não faz trabalho de campo, não averigua, acredita apenas na certificação. Não leva em conta o que necessitam os grupos sociais e o meio ambiente. (Informação verbal). 47

[...] É necessário chamar a atenção para as condições das entidades certificadoras, seus critérios e métodos. Questionar se estão capacitados para certificar ou não”. É preciso denunciar o FSC. Os atingidos devem fazer as denúncias. A denúncia deve ser feita pela Federação dos Trabalhadores, que têm mais força, para não por mais em risco a vida dos trabalhadores rurais. Denunciar para a sociedade de que eles, do Banco Mundial, não aceitam críticas ao modelo definido para a Região. É preciso tentar parar esse projeto. “Pressionar o Banco Mundial para que sejam criadas comissões para fazer revisão da política de monocultura, incluindo os atingidos, empresas, universidades e governo”.“Fazer divulgação para a sociedade sobre o "seqüestro de carbono”. “É preciso justificar com o argumento de que as plantações se ampliam criando cercas, concentrando a terra, fragilizando culturas, aprisionando fontes, expulsando populações. Como as empresas mesmo assim recebem selo verde?”“Discutir a legalidade e a ética das certificações, EIA RIMA, consultas populares, projetos.” “O rumo do desenvolvimento está levando o planeta terra está levando a autodestruição o que estamos discutindo dentro deste rumo algumas formas para mudar uma ou outra coisa. Nos devemos nos preparar para apresentar alternativas. (Informação verbal).48 [...] O Estado deve ser provocado quanto aos interesses públicos que não estão sendo atendidos. As fraudes facilitam o acesso à terra o Estado pode ser provocado. As empresas estão programando 1,5 milhão de hectares de eucalipto para alimentar 6 fábricas de celulose. Isso está sendo implementado. Não há concorrência, não há disputa no setor. Está sendo feito um loteamento do mercado. As empresas superfaturam os projetos para que seja bancado totalmente com recursos do BNDES. A Veracel 1.200 mil dólares. Nasceu para produzir 700 mil toneladas e agora vai produzir 2 milhões de toneladas. (Informação verbal).49 [...] Em Eunápolis estão passando 5 projetos por semana de fomento florestal. Defendemos que o fomento deve estar dentro dos 15%. 7% do Extremo Sul já está plantado de eucalipto. Isto representa uma coisa imensa. As outras áreas não são boas para o plantio além dos parques e áreas de preservação e áreas indígenas. Não sobra área pára reforma agrária. A reforma agrária não deve ser feita nas áreas de preservação. (Informação verbal). 50 [...] Os projetos de fomento tinham que passar mas o CRA repassou atribuições para os municípios e eles não têm estrutura para fazer nada. É preciso lutar pelo zoneamento. Oportunidades, instrumentos que podem ser utilizados: zoneamento ambiental – IBAMA; Ordenamento territorial Ministério da Integração Regional (Ciro Gomes); zoneamento ecológico e econômico da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente; Decreto do Governador determina o ordenamento físico ambiental do Sul da Ba; zoneamento das APA's. (Informação verbal).51

47 Ibid. 48 Ibid. 49 Ibid. 50 Ibid. 51 Ibid.

Page 132: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

131

O Banco Mundial aprovou as plantações da Plantar como o primeiro

projeto de sumidouro de carbono dentro da carteira do Fundo Protótipo de Carbono

(PCF, em inglês), posteriormente validado pela consultora SCS, supostamente com

base nas normas do Forest Stewardship Council (FSC).

No entanto, em 9 de dezembro último, no marco da IX Conferência das

Partes da Convenção sobre Mudança Climática, realizada em Milão, a Coalizão

Mundial pelas Florestas anunciou que a empresa tinha ganho o Prêmio Treetanic

20035253, conferido todo ano ao “pior projeto de sumidouro de carbono”. Na

fundamentação, falou-se que:

[...] apesar dos méritos do Banco Mundial, do Fundo Protótipo de Carbono e do governo do estado de Minas Gerais, a Coalizão Mundial pelas Florestas está convencida de que os antecedentes, passados e presentes, da Plantar em termos de destruição social e ambiental são suficientemente importantes como para declará-la ganhadora indiscutível do Prêmio Treetanic 2003. . (Informação verbal).54

Voltando ao evento que se realizou em Porto Seguro, podemos afirmar

que também debateu-se a avaliação de impactos da expansão da monocultura que

com a prática do fomento se expande sem que se conheça sua real extensão.

Quanto a esse aspectos os participantes afirmaram:

[...] Mas a pulverização tem sido uma estratégia do empresariado, perde-se o controle de tudo. As análises de impacto, são separadas, não há estudo que reúna os impactos num somatório, que indique os impactos como um todo. (Informação verbal).55

Concluiu-se que é preciso levar em conta a questão do modelo de

zoneamento:

[...] A mudança do modelo não se faz da noite para o dia. É preciso montar uma estratégia de longo prazo. No momento parece viável o seguir a linha do zoneamento criar limitações à expansão. Tentar colocar o fomento sob controle. Elaborar uma agenda específica com 4 ou 5 pontos, tentar fazer um mapeamento de entidades e pessoas interessadas e pedir audiência conjunta ao Presidente. Informar aos pequenos produtores sobre os problemas provenientes do fomento. Um novo EIA RIMA é problemático pois é necessário enfrentar muita burocracia e muita negociação com o

52 http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=10374, acesso 20-07-2006 53 http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2003/dezembro/24/noticiario/meio_ambiente/Brasil.doc Acesso em 20-07-2006. 54 Depoimento, em plenária, de participante do Fórum que resultou na Carta de Porto Seguro, em 29-03-2006. 55 Depoimento, em plenária, de participante do Fórum que resultou na Carta de Porto Seguro, em 29-03-2006.

Page 133: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

132

CRA. É importante ouvir o povo e não apenas seguir um modelo ou outro de EIA RIMA. (Informação verbal).56

Outro encontro de entidades interessadas no tema aconteceu em

setembro de 2003, quando mais de 600 pessoas participaram da sétima edição do

Fórum de Avaliação da Proteção Ambiental no Extremo Sul da Bahia, realizado na

cidade de Prado (BA), nos dias 19 e 20 de setembro. O público presente, na maioria

estudantes e professores da região, teve a oportunidade de assistir a debates sobre

importante temas da agenda ambiental, como a expansão da monocultura do

eucalipto e a atual situação da proteção da grande biodiversidade do Sul da Bahia.

O Fórum também abordou a conservação dos manguezais, o turismo sustentável e a

Conferência Nacional do Meio Ambiente.O Encontro foi organizado pela Associação

Pradense de Proteção Ambiental (APPA), com o apoio do IBAMA. No final do

evento, os participantes aprovaram por consenso a Carta de Intenções do VII fórum

de Proteção Ambiental do Extremo Sul da Bahia, anexo 5, que traz 30 ações

prioritárias a serem desenvolvidas nos próximos dois anos para a conservação do

meio ambiente na região.

Um outro evento no qual se debateram os problemas sociais e ambientais

da região foi a Plenária Regional do Meio Ambiente do Extremo Sul da Bahia que foi

realizada no CEFET de Eunápolis, no dia 04 de outubro de 2003. A plenária contou

com a participação de 374 pessoas, dos mais diversos segmentos da sociedade do

extremo sul da Bahia.

Para a organização da plenária foi realizada uma reunião, no CEFET de

Eunápolis, com a participação de secretarias municipais de meio ambiente, ongs,

IBAMA, sindicatos, etc. A reunião foi realizada no dia 15 de agosto e seu principal

objetivo foi a criação de uma comissão organizadora, formada por diversas

instituições locais como o IBAMA/Eunápolis/BA, Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Eunápolis, o CEFET/ Eunápolis, a Secretaria de Meio Ambiente de Eunápolis, a

Secretaria Municipal de Educação de Itamarajú, o Instituto Baleia Jubarte, a UNEB

campus X, a SEMARH - Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, e a

Veracel Celulose.

A partir desta data, a comissão organizadora reuniu-se em Itamarajú, nos

dias 22 de agosto; 03 e 17 de setembro; e 01 e 03 de outubro. A comissão se

56 Ibid.

Page 134: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

133

encarregou de arrumar espaço físico para a plenária, bem como organizou toda a

logística necessária para a realização do evento, incluindo metodologia de trabalho,

credenciamento, divulgação, alimentação, camisetas, etc. A comissão também

resolveu inserir dois temas importantíssimos a nível regional: a cultura do eucalipto e

meio ambiente marinho.

Para a realização da Plenária foi fundamental o apoio dos diversos

segmentos que colaboraram contribuindo com recursos financeiros, materiais e

serviços, destacando: a Prefeitura Municipal de Eunápolis, Prefeitura Municipal de

Nova Viçosa, Prefeitura Municipal de Alcobaça, Prefeitura Municipal de Porto

Seguro, a Fazenda Lembrança, A Indústria de Refrigerantes Tayná, o CEFET de

Eunápolis, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Eunápolis, a Prefeitura Municipal

de Caravelas, a Prefeitura Municipal de Mascote, o Instituto Baleia Jubarte, o Banco

do Nordeste/Agência de Eunápolis, o Programa Produzir, Associação Núcleo

Colonial, Acampamento Provisão, Associação Roça do Povo, Acampamento Aristeu

Lisboa, Assentamento Embaúba e Associação Jequitibá de Belmonte.

Na metodologia de trabalho na plenária, proposta e executada, o evento

iniciou-se com o credenciamento dos participantes seguido da abertura do evento. A

partir deste momento, formaram-se grupos de trabalho para discutir cada tema

especificamente. Para cada tema houve um facilitador. Os temas trabalhados foram:

Água; Biodiversidade, Fauna e Flora Nativas e Unidades de Conservação Meio

Ambiente Urbano; Infra Estrutura: Transporte e Energia; Mudanças Climáticas;

Agricultura e Pecuária; Meio Ambiente Marinho e Pesca; A Cultura do Eucalipto. O

relatório final foi denominado “Carta de Intenções do VII Fórum de Avaliação da

Proteção Ambiental no Extremo Sul da Bahia” e é transcrito nesta Tese no anexo 4.

No dia 23 de agosto de 2005, no Centro Cultural em Porto Seguro, Bahia,

tentou-se realizar uma outra audiência pública intitulada “A Monocultura do eucalipto

e as conseqüências para as comunidades e para a Mata Atlântica no Sul e Extremo

Sul do Estado da Bahia”. Várias ONGs locais participaram do evento como o

(CEPEDES) e a FASE nacional. A Veracel Celulose S.A. foi convidada a apresentar

sua posição sobre o tema da plenária. O evento não pode realizar-se porque o

espaço destinado, um auditório com capacidade para 500 pessoas, como informou

José Tosato, do IBAMA/Regional Eunápolis, não teve capacidade de acomodar

todas as pessoas interessadas. Alguns representantes dos movimentos sociais

interessados em participar e que não tiveram acesso ao auditório, afirmavam que a

Page 135: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

134

Veracel tinha mobilizado “todos os seus empregados e mais outras pessoas, para

encher o auditório e dificultar a participação dos movimentos populares que se

opõem às atividades da empresa na região”. O pessoal do MST, na sua maioria

jovens e crianças que estão vivendo na beira da estrada, entre Porto Seguro e

Eunápolis, num acampamento conhecido como “Lulão”, gritavam palavras de ordem

exigindo entrar no auditório e participar. De fato os representantes do MST entraram

cantando paródias com o nome da empresa. Os representantes da empresa

disseram que os representantes do MST “queriam mais tumultuar do que participar”

e se retiraram aos poucos do auditório. A audiência foi remarcada para 45 dias

depois, no Centro de Convenções da cidade que poderia acomodar melhor todas as

pessoas interessadas na questão.

A situação acima descrita evidencia o clima de tensão que observava-se

na região. Outros documentos tais como a Carta endereçada ao Presidente Lula e a

Carta Aberta à população são peças que aparecem como anexos 6 e 7, nesta Tese,

por sua importância como documento expressivo da luta empreendida na região

contra a expansão do agronegócio, atividade oferecida no discurso do

desenvolvimento sustentável, como proposta de reforma social.

Page 136: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

135

4 IMPLICAÇÕES SOCIAIS DO DISCURSO EMPRESARIAL DASUSTENTABILIDADE

4.1 A “SUSTENTABILIDADE” DO DISCURSO

Conforme visto na primeira parte desta Tese, para a teoria social do

discurso na abordagem de Fairclough (2001), o discurso é analisado em três

dimensões: como texto, prática discursiva e prática social. Para os objetivos dessa

Tese consideramos a dimensão da prática social como principal dimensão de

análise. A prática social, explica Fairclough (2001), tem várias orientações que

implicam o discurso, mas que não se reduzem ao discurso – econômica, política,

cultural, ideológica.

Os principais aspectos da teoria social do discurso que foram tomados

como orientação na nossa análise estão relacionados com a prática social. Portanto,

o discurso não é tomado como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis

situacionais, nem apenas como comunicação. O discurso é um modo de ação, uma

forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e sobre os outros, como

também modo de representação.

Mais objetivamente, essa Tese focaliza os três aspectos dos efeitos

constitutivos do discurso, explicitados na teoria social do discurso. O discurso

contribui para a “construção de identidades sociais” e “posições de sujeito”. Contribui

também para construir as relações sociais, e em terceiro lugar, contribui para

construção dos sistemas de conhecimento e crença. Esses três aspectos

correspondem respectivamente a três funções da linguagem e a dimensões de

sentido que coexistem e interagem em todo discurso: “identitária”, “relacional” e

“ideacional”. Vale explicitar melhor esses três aspectos, visto que são centrais na

nossa interpretação. A função identitária relaciona-se aos modos pelos quais as

identidades sociais são estabelecidas no discurso. A função relacional, a como as

relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e negociadas

e a função ideacional aos modos pelos quais os textos significam o mundo e seus

processos, entidades e relações. Assim, na prática discursiva dos agentes

empresariais do estudo realizado para efeitos dessa Tese ressalta-se a imbricação

mútua do discursivo e do não-discursivo nos seguintes termos: a monocultura de

eucalipto e a produção de papel e celulose são consideradas como uma prática

Page 137: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

136

social não discursiva enquanto que a auto-apresentação da empresa como

sustentável é considerada como uma prática discursiva.

Esta parte, portanto, apresenta a nossa interpretação de como o discurso

empresarial ambientalizado, pautado numa noção de “sustentabilidade”, provoca

efeitos que tensionam as circunstâncias locais enquanto se fortalece e se mantém

perante a sociedade como um discurso hegemônico; por isso denominamos esta

parte do trabalho de “a sustentabilidade do discurso”.

4.1.1 Construção de imagem de segurança e certeza n um mundo incerto e inseguro

Tendo, a partir da teoria social do discurso, como princípio que o

discurso tem implicação na construção do mundo, que “o discurso é um modo de

ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente

sobre os outros, como também um modo de representação”, a partir da observação

do caso, passamos a problematizar como o discurso desenvolve sua ação.

Se nos colocamos do ponto de vista construído por Bauman (1998) na sua análise

do mundo contemporâneo, observamos que o discurso da sustentabilidade tende a

construir uma noção de “certeza”, de “segurança”, de “beleza”, a ser atribuída ao

modelo de desenvolvimento. Através do discurso, procura-se reconstruir a noção

“desenvolvimento” como sendo uma proposta renovada, sem que se tenha de

justificar em que medida as contradições do modelo, que estão sendo apontadas

como causadoras dos problemas sociais – e “ambientais” - da atualidade poderão

ser superadas. O termo “desenvolvimento sustentável” introduz uma perspectiva de

mudança no sistema social, sem que fiquem claros os aspectos que serão mudados

e se a mudança desses aspectos representaria, de fato, algum benefício para as

camadas menos favorecidas pelo modelo de desenvolvimento vigente. A introdução

dessa perspectiva por intermédio do discurso tem implicações no mundo social, de

diversas formas, como será discutido a seguir. As características próprias da

sociedade capitalista na contemporaneidade apontadas por Bauman fornece pistas

para entender como o discurso empresarial ambientalizado vem agindo no mundo e

influenciando os sujeitos. Interrogamos, a partir de então em que medida o discurso

empresarial ambientalizado, pautado no desenvolvimento sustentável, opera como

uma estratégia empresarial para o enfrentamento das incertezas e inseguranças

Page 138: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

137

próprias da época atual, próprias ao liberalismo econômico vigente, que em

particular afetam, as populações pela insegurança organizada. Em outras palavras,

o discurso do desenvolvimento sustentável aparece como um padrão construído

para transmitir a idéia de segurança, de “sustentabilidade” do sistema que tem sido

questionado na região por diversos agentes organizados, conforme visto na parte II

dessa Tese. Neste esforço, busca-se imprimir um caráter de certeza às práticas

empresariais em contraposição a todas as incertezas características da “época”. É

uma tentativa de criar uma imagem de segurança – permanência, estabilidade -

visando neutralizar as críticas às práticas capitalistas, uma vez que no período dos

anos 1990 muitas denúncias foram feitas relativas à insustentabilidade do

desenvolvimento tradicionalmente defendido nos meios empresariais e das agências

multilaterais do desenvolvimento. Buscamos analisar em que o discurso do

desenvolvimento sustentável da empresa pode ser entendido como parte desse

processo. Nesta medida, podem ser entendidas as constantes referências a

preocupações empresariais com o “risco social” – apresentado pela empresa como

atestação de seu compromisso com os impactos sociais de seus emprendimentos –

no entanto, nos momentos em que uma crise eclode – como no caso das ocupações

de eucaliptais e de manifestações públicas de oposição à monocultura – os “estudos

de risco social” são revelados enquanto esforços de antecipação da resistência,

neutralização da oposição e pré-construção da ordem. Afirma um informativo da

Veracel em 2003: “A questão da responsabilidade social manifesta-se na relação da

Veracel com as comunidades e o meio ambiente. A empresa está investindo R$ 3

milhões em projetos voltados especialmente à saúde e educação infanto-juvenil.

Estes projetos beneficiam, no momento, aproximadamente 1.500 crianças com

idades entre 4 e 15 anos e em situação de risco social”57. Após evento em que

opositores à monocultura de eucalipto no Rio Grande do Sul destruíram um

laboratório da Araruz, a idéia de “risco social “ aparecerá com conotação distinta. Eis

a menção que a ela se faz na imprensa local, como consta em um relatório “de risco

social” previamente encomendado pela empresa: “Preocupado, o secretário de

Desenvolvimento, Luis Roberto Ponte, convocou a sociedade para mostrar que a

manifestação não representa a comunidade gaúcha: – A sociedade tem de repudiar

esse ato, porque, caso contrário, isso seria mortal para as negociações com os

57 Veracel lança pedra fundamental de sua fábrica de celulose na Bahia – in Veracel, 06.10.03

Page 139: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

138

investidores do setor”. “A empresa fez estudo para verificar o risco social”. Ponte se

refere a dois quesitos importantes nesse tipo de investimento, envolto em polêmica

sobre impacto ambiental: a observância da lei e um ambiente de boas relações com

a comunidade. O tema é tão importante que, um ano antes, a Aracruz – que amarga

um histórico de invasões de suas terras nos Estados onde tem unidades (BA, ES,

MG e RS) – já havia contratado uma empresa para analisar o risco social para a

instituição em caso de implantação de uma nova unidade no entorno de Porto

Alegre. Em comparação às concorrentes, a Região Metropolitana se saíra bem,

graças ao grau de politização da sociedade” (CRUZ, 2006). O risco que a sociedade

apresenta para o empreendimento aparece, assim, por trás da menção freqüente às

preocupações empresariais com populações vivendo elas próprias em situação de

risco social.

Da mesma maneira como a idéia da pureza não é inocente, conforme Bauman

(1998:13), pois ao ser colocada em prática é preciso a violência, o padrão de

“desenvolvimento sustentável” também não o é. Se uma das questões apontadas

por Bauman, foi a das “pessoas que poluem”, “pessoas que não se ajustavam”, que

“estavam fora de lugar”, que “estragavam o quadro”, “ofendiam o senso

esteticamente agradável e moralmente tranqüilizador da harmonia”, nos estudos de

Foucault, também os loucos eram “uma obscura desordem, um caos movediço” a

serem jogados ao mar. A questão é que os modos de produção e de vida que estão

em disputa com a empresa no território e que põem em risco o investimento,

aparecem na ordem estabelecida pelo discurso do desenvolvimento sustentável

empresarial como “os que não são produtivos”, “os que não dão retorno”, “os

atrasados”, “os estagnados”, representando “risco social” para a empresa. Esta

consideração também pode ser analisada, do ponto de vista de Bourdieu, como um

processo de “violência simbólica”.

Retomando o ponto de vista de Bauman, podemos supor a noção de

“sustentabilidade” como um exemplo de intervenção humana (de uma determinada

parcela dos humanos, privilegiada por algum tipo de poder de intervir) a criar uma

certa noção de limpeza (“produção limpa”, “avançada tecnologicamente”, “viável”) e

de sujeira (tudo o que não se enquadra com a proposta de sustentabilidade, nos

moldes da produtividade agroindustrial). A noção de desenvolvimento sustentável

integra a criação simbólica de um modelo de produção que traz em si um padrão de

beleza (pois tornou-se valorizado), de pureza (pois tornou-se o único modelo

Page 140: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

139

considerado superior, sendo as outras alternativas consideradas incompatíveis com

a pureza de desígnios ambientais e sociais) e ordem (pois se trata de um modelo

que orientará a sociedade “para a construção de um mundo melhor”). Como

constitutivo de uma ordem, o desenvolvimento sustentável é apresentado pelas

forças hegemônicas como um regulamento que determina os lugares certos para

homens e coisas e a forma apropriada como as coisas devem ser feitas. Trata-se de

um esforço para criar uma idéia de que é possível limitar a hesitação e a indecisão,

as incertezas e insegurança do capitalismo globalizado. O conteúdo dessa “ordem”,

que o “risco social” parece ameaçar, remete à forma como as coisas devem ser

feitas para que as forças hegemônicas permaneçam onde e como estão. A

percepção desse fenômeno não escapou da percepção de Araújo (2003, p. 337) na

sua análise da globalização, “que exacerba o presente”, que “procura livrar-se das

amarras do passado, por meio da imposição de padrões globais” e que ao mesmo

tempo incorpora o futuro “por intermédio da intenção concernente ao apregoado

compromisso de ‘sustentabilidade’ com as gerações que virão”.

Conforme Bauman, vivemos uma “atmosfera do medo ambiente”,

(dimensões da incerteza pós-moderna) por causa de fatores como: primeiro,

vivemos num mundo desorganizado, sem estrutura visível, sem lógica, sem

coerência.; segundo, é dada prioridade à competição de mercado; liberdade ao

capital às custas de todas as outras liberdades; repúdio a todas as razões que não

as econômicas. Tudo isso aprofunda o sofrimento dos “novos pobres”. Assombra o

espectro da ruína, pois não há segurança, nenhuma posição segura. A versão

presente dos direitos humanos não inclui a aquisição do direito a um emprego.

Terceiro, outras redes de segurança, como a família ou a vizinhança, se não se

desintegraram, estão enfraquecidas. Elas eram uma “linha de trincheira” onde uma

pessoa podia se sentir segura. Quarto, a indústria da imagem oferece incerteza.

Nada pode ser conhecido com segurança e qualquer coisa que seja conhecida pode

ser conhecida de um modo diferente. Há pouca coisa no mundo que se possa

considerar sólida e digna de confiança, nada que lembre uma vigorosa tela em que

se pudesse tecer o itinerário da vida de uma pessoa.

Neste contexto, o discurso empresarial ambientalizado mostra-se útil à

composição de uma imagem de segurança, capaz de encobrir a incerteza e a

incoerência da “atmosfera do medo ambiente”. No caso do campo social estudado, a

imagem de sustentabilidade que se busca criar para a monocultura/indústria de

Page 141: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

140

celulose e papel tende a desestabilizar, por outro lado, as bases de segurança que

os processos produtivos locais transmitem aos produtores do lugar por estarem

sendo operados há muito mais tempo, como muitos atores o testemunham, como

capazes de assegurar, pela pequena produção, maiores de níveis de ocupação das

pessoas em atividades produtivas.

4.1.2 Mundo social: significação e construção

A consideração da construção do mundo pelo discurso a partir da

introdução da imagem de certeza e segurança, também nos direciona no sentido de

interpretar o discurso da sustentabilidade como critério de diferenciação no espaço

social. Segundo Bauman, há coisas para as quais o “lugar certo” não foi reservado

em qualquer fragmento da ordem preparada pelo homem. Elas ficam fora do lugar

em qualquer parte. “Mas, é difícil livrar-se delas de uma vez por todas, pois elas

cruzarão as fronteiras”, diz o Bauman. O “sujo”, o “imundo”, os “agentes poluidores”

são coisas “fora do lugar”.

Porém, não são as características intrínsecas da coisa que as

transformam em sujas. Nesse sentido, as formas de produção alternativas, que

estão em conflito na região estudada, não seriam “coisas fora de lugar”

intrinsecamente, visto que diversos estudos elaborados em lógicas e perspectivas

diferentes comprovam a sua pertinência. No entanto, estão “fora de lugar” nessa

ordem capitalista, que é reafirmada por intermédio do discurso do desenvolvimento

sustentável. O que nos leva a pensar que as mesmas coisas que estavam “fora de

lugar” no modelo de desenvolvimento anterior ao discurso empresarial

ambientalizado, permanecem assim mesmo a partir da “inovação” que pretende

inserir o discurso do desenvolvimento sustentável, porque de fato se trata apenas de

uma nova denominação para um sistema que não se problematizou para além dos

exercícios de relegitimação das práticas empresariais. Assim, tanto no espaço

material quanto no simbólico, continuam, aos olhos da crítica, “coisas fora de lugar”.

O MST, os pequenos produtores etc. seriam as “coisas fora de lugar” ou que “não

têm lugar” nessa ordem idealizada que não constitui uma ordem integradora do

universo social. Se evocarmos Bourdieu58, diante da desigualdade da distribuição

58Conforme Bourdieu, o capital simbólico (a honra masculina das sociedades mediterrâneas, a honorabilidade do notável ou do mandarim chinês, o prestígio do escritor renomado etc.) não constitui

Page 142: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

141

dos capitais, os que não possuem o capital simbólico da “sustentabilidade” estão em

posição distinta e inferior no espaço social.

Ao apresentar a etnograf ia de uma aula de educação

ambiental no extremo sul da Bahia, Mello assinala como as crianças

caravelenses, além de estarem sendo educadas para amar as baleias,

a sentirem-se responsáveis pelo l ixo na praia, a desconfiar de homens

parecidos com seus pais e a temer a prisão por crimes ambientais,

também estão aprendendo a gostar do eucalipto. No carnaval de 2002,

a empresa Aracruz celulose patrocinou as duas únicas escolas de

samba da cidade, não se sabe se diretamente ou se por intermédio da

Prefeitura de Caravelas. Não por acaso, o enredo das duas escolas foi

o eucalipto. E, nas duas escolas, havia alas inteiras com crianças

vestidas de eucalipto, com uma faixa na testa escrito “eucalipto”. Todas

cantavam animadamente os sambas, cujo título não deixa dúvidas

quanto à intenção das escolas: “Da Proteção Ambiental à Sedução do

Carnaval o `Eucalipto´ mostra do seu valor”. Contrapostos ao valor

superior do mercado e de seus emblemas, os personagens associados

à população local são tidos por redundantes, quando não “ameaças ao

meio ambiente” – verdadeiros “objetos fora de lugar”59.

A noção que o discurso do “desenvolvimento sustentável”

pretende apresentar é uma ordem que venha dar um sentido único às

incertezas próprias do modo de produção capitalista e também

contrapor todas as outras formas produtivas como formas que não

possam servir de orientação para os f ins que são considerados

adequados.

O termo “sustentabil idade” tem também a função de conferir

essa conotação de algo sob controle. O “desenvolvimento sustentável”

estaria sendo defendido como um modelo de pureza para essa época.

uma espécie particular de capital, mas justamente aquilo em que se transforma qualquer espécie de capital quando é reconhecida enquanto capital, ou seja, enquanto força, poder ou capacidade de exploração (atual ou potencial), portanto reconhecida como legítima. Ver Meditações Pascalianas, 2001. pg. 295-296.

59 “Um professor de Alcobaça relatou em detalhes a estratégia de propaganda da empresa, que com isso consegue angariar o apoio da população”. Cf. C. Mello, Notas etnográficas sobre as apropriações do meio ambiente natural no Extremo Sul baiano, II Encontro da ANPPAS, Indaiatuba, SP, 2004.

Page 143: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

142

[...] Ordem significa um meio regular e estável para os nossos atos; um mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita – de modo que certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos prováveis, alguns virtualmente impossíveis. Só um meio como esse nós realmente entendemos. Só nessas circunstâncias podemos realmente saber como prosseguir. Só aí podemos selecionar apropriadamente os nossos atos – isto é, com uma razoável esperança de que os resultados que temos em mente serão de fato atingidos. (BAUMAN, 1998, p. 15)

Conforme Bauman (1998, p.18), que “o combate ao estranho compara-se

à rotinas higiênicas e isso foi feito por `pessoas do lugar´ em toda a parte em todos

os tempos. Quando o trabalho de purificação e `colocação em ordem´ se tornou

consciente e intencional a preocupação com estranhos assumiu um papel

particularmente importante. Quando o objetivo de limpar em vez de manter intacta a

maneira como as coisas existiam, tornou-se mudar a maneira como as coisas ontem

costumavam ser, criar uma nova ordem que desafiasse a presente” (BAUMAN,

1998, p. 19-20). Isso teria acontecido “com o advento da era moderna, em que a

colocação em ordem depende do desmantelamento da ordem ´tradicional`, herdada

e recebida”.

No Extremo Sul do Estado da Bahia, o conflito social acontece

como uma luta entre o “desenvolvimento sustentável” - incorporado no

agronegócio, defendido pela monocultura/indústria - que se impõe

como uma “ordem” e a “desordem” das demais formas.

Paradoxalmente, os “estranhos” (ao sistema) não são os que chegam

com suas “ordens” inovadoras, mas aqueles que estavam anteriormente

com suas formas tradicionais, herdadas, desenvolvidas localmente. A

nova ordem vem criar as “desordens”, as “sujeiras” “que devem ser

varridas”, como af irma Bauman, pois “cada ordem tem suas próprias

desordens”. Na nova ordem idealizada da produção (o agronegócio), a

pequena produção parece um estranho. A nova ordem transformou o

pequeno produtor num “estranho”. As próprias pessoas e suas práticas

tornadas “estranhas” f icam com o medo de serem mesmo estranhas,

dif icultando a defesa dos seus interesses. Como diz Bauman “o medo

do estranho impregna a totalidade da vida diária num mundo

constantemente em movimento, a angústia se condensou no medo do

estranho”. As práticas tradicionais são formas comunitárias de

Page 144: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

143

produção que não se ajustam ao novo esquema de “pureza”, qual seja,

o da produção em grande escala para o mercado internacional de

celulose e papel, no qual a competição é o cerne, dado o estado de

permanente pressão para que a sociedade se despoje de toda

interferência coletiva no destino individual.

Conforme Bauman, os estranhos são apontados como os que

causam a incerteza, que dão origem ao mal-estar.

[...] Eles não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo; a sua presença deixa turvo o que parece ser transparente, confuso o que deve ser uma coerente receita para a ação e impedem a satisfação de ser totalmente satisfatória; eles poluem a alegria com a angústia, eles obscurecem e tornam tênues as linhas de fronteira que devem ser claramente vistas. “Os estranhos exalam incerteza onde a certeza e a clareza deviam ter imperado. (BAUMAN, 1998, p.28)

O conflito social no espaço pesquisado é um conflito

decorrente da tentativa de imposição da nova “pureza” defendida no

discurso empresarial ambientalizado - o “desenvolvimento sustentável”

– que tem como oposição uma outra pureza – os modos de produção

tradicionais, defendidos pelos pequenos produtores, bem como por

pesquisadores que procuram atestar o menor impacto ambiental dessas

práticas produtivas.

É dessa maneira que a presença do MST e de outros grupos

organizados no Extremo Sul do Estado da Bahia defendendo interesses

divergentes da grande produção monocultural/ industrial de celulose e

papel, bem como a presença de um contingente muito grande de

pessoas consideradas “pobres” nos estudos de organismos

governamentais deixa “turvo” o funcionamento da “mão invisível” do

mercado na região, uma vez que nesse mesmo espaço territorial, a

maior empresa do mundo na atividade de produção de celulose e papel,

tem instaladas as condições de sua operação e lucratividade. No

entanto, onde se produz muita riqueza, também se vê o locus da

produção de miséria e de conflito.

Page 145: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

144

4.1.3 Criação e manutenção de capital simbólico

O discurso ambiental empresarial da sustentabilidade pode ser entendido

como uma forma de exercício de poder, expressão de poder ou “capital”; sua melhor

performance é como instrumento usado na dominação exercida pelo projeto cultural

hegemônico. O sistema de relações que está sendo analisado nesse trabalho revela,

entre outras, uma luta discursiva para a construção e reconstrução social do

território. A mídia e o Governo do Estado entendem aquele território como uma

região "produtiva" e "dinâmica" enquanto o movimento social argumenta que ali há

uma terra improdutiva, "onde não há nada", que “deve ser preparada para o plantio

de alimentos” e que “deve ser desapropriada para fins de reforma agrária”.

Pode-se observar a construção do espaço pelas diferentes culturas e em

dois sentidos. Em um sentido, a resignificação e em outro a reconstrução. A

ideologia dominante do desenvolvimento dissemina monoculturas pelo território,

sustentando que esta é a solução para os problemas de todos os lugares,

“vocacionados” para a competição internacional. A Região Extremo Sul da Bahia,

bem como outras regiões no Brasil, vem sendo construída no discurso empresarial,

e na mídia nacional, como uma região "desenvolvida", "moderna" e "produtiva".

Enquanto em outro sentido, o espaço é construído fisicamente pela implantação dos

maciços arbóreos de eucalipto – plantio industrial de árvores -, onde antes havia

remanescentes da Mata Atlântica ou pequenas propriedades rurais.

De parte da grande mídia nacional, verifica-se o esforço de construir o

entendimento das monoculturas de eucalipto como "áreas de reflorestamento"

(omitindo o fato de que após o corte, nessas áreas, não sobra nada sobre a terra,

portanto, não se tratando de floresta, mas de plantação). Na construção da

plantação como se fosse floresta esses atores usam o termo "extração de celulose"

como se estivesse tratando de uma floresta onde se faz a extração de seus produtos

florestais. No caso da celulose, o que acontece é a transformação das toras de

madeira em madeira picada para ser cozida, em fornos próprios.

Para os representantes do movimento dos trabalhadores locais, aquele

espaço, construído pela cultura dominante como desenvolvido, moderno, produtivo,

significa espaço "onde não há nada". O movimento constrói assim um território que

não tem o status de "produtivo", "dinâmico" mas sim é visto como "terra onde não há

nada", que deve ser preparada para o plantio de milho e feijão. Aqui também se

Page 146: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

145

verifica, nos episódios de ocupação de áreas monoculturais pelos movimentos

sociais, a reconstrução física do espaço. A área onde havia uma plantação com

espécie homogênea de eucalipto foi, em poucas horas, transformada com a extração

dessas árvores, em terra preparada para o plantio.

Em alguns estudos, o conflito ambiental em questão é entendido como

um conflito por terras, um jogo entre concorrentes, no qual as comunidades são

interpretadas como stakeholders da empresa (ANDRADE, 2003). A noção

“stakeholder” pretende designar grupos de cujo suporte a organização não pode

prescindir, pois correria o risco de cessar de existir, indicando que haveria uma

interdependência mútua. Tal análise crê na equivalência de poder (econômico e/ou

simbólico) entre os grupos em conflito, que a lógica econômica é a razão que

fundamenta a luta de ambos os grupos e que os bens em disputa têm o mesmo tipo

de valor para todos os envolvidos. Esta forma de pensar impede a percepção de que

se trata de trama mais complexa. Por um lado, impede a percepção de que o que

está em disputa é a legitimidade da forma de apropriação e de relação com o

espaço-tempo – também social- por modos diferentes de viver no mundo. Por outro

lado, ao construir a idéia de que as comunidades são “stakeholders”, esconde-se a

relação de dominação existente, uma vez que as empresas não dependem das

comunidades para coisa alguma, pois supõem-se capazes de explorá-las direta (é o

caso das comunidades indígenas) ou indiretamente (como no caso dos pequenos

produtores “subcontratáveis”) com foros de legitimidade. Estão numa posição

privilegiada em termos das condições de acesso e uso do território

Numa outra perspectiva, a empresa dispõe de capital monetário, que

possibilita aquisição de outros capitais como informação, o que por seu turno

possibilita a aquisição de terras de forma quase ilimitada. Se o limite para aquisição

de terras for a quantidade de capital financeiro acumulado pode-se entender que a

posição da empresa é de dominação. A posição de dominação também pode ser

demonstrada pelo fato de que a existência, bem como a resistência, dessas

comunidades não representou empecilho para que as empresas alcançassem todas

as terras que desejaram para a realização de seus objetivos, ao menos até o

momento da presente pesquisa.

A realidade social é uma realidade material, mas, é também simbolizada

pelos atores e uma explicação adequada dos fatos sociais deveria trabalhar com

essas duas dimensões. Não existe uma e depois a outra. O espaço social é definido

Page 147: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

146

pela exclusão mútua, ou pela distinção das posições que o constituem. A distribuição

do volume de “capital” existente nas diferentes posições no espaço social é desigual.

Isto equivale a dizer que há uma distribuição desigual da capacidade de dominação.

Assim, o mundo social pode ser visto como um campo de forças, campo de lutas

onde os agentes se enfrentam com meios e fins diferenciados, conforme sua posição

na estrutura do campo, contribuindo assim para a conservação ou a transformação

de sua estrutura. É campo de poder, espaço do jogo no interior do qual os detentores

de capitais lutam e espaço de relações de força entre os diferentes tipos de capital

(BOURDIEU, 1996, p.50). Bourdieu (1996, p.10) explica a organização do campo

social por meio de uma filosofia relacional, que “atribui primazia às relações” e numa

filosofia da ação, disposicional, "que atualiza as potencialidades inscritas nos corpos

dos agentes e na estrutura das situações nas quais eles atuam ou, mais

precisamente, em sua relação”.

As lutas no campo acontecem pela apropriação de capitais. O capital

simbólico não constitui uma espécie particular de capital, mas justamente aquilo em

que se transforma qualquer espécie de capital quando é reconhecido enquanto

capital, ou seja, enquanto força, poder ou capacidade de exploração (atual ou

potencial), reconhecida; portanto, uma verdadeira "força mágica" que exerce uma

espécie de ação à distância, mesmo que sem contato físico (BOURDIEU, 1996). A

imposição da lógica econômica sobre as demais lógicas que fundamentam as outras

formas de viver de comunidades, acontece por que as empresas plantadoras de

eucalipto e/ou produtoras de celulose acumularam capital econômico e capital

simbólico, como por exemplo, aquela fundada na noção de “eficiência” e de

“competitividade” relacionadas aos grandes projetos agroindustriais. As estratégias

dos agentes e das instituições que estão envolvidos nas lutas sócio-territoriais

dependem da posição que ocupem na estrutura do campo, isto é, no padrão de

distribuição dos capitais. As estratégias empresariais estão assim fundadas tanto no

capital econômico quanto no capital simbólico.

A posição da empresa no espaço social tem permitido que a mesma

trabalhe com estratégias de ação, diante do conflito, diferentes das estratégias dos

grupos sociais de índios e quilombolas. No caso, o discurso ambiental empresarial -

da sustentabilidade - interfere como constitutivo de um capital; como expressão

maior do seu poder, as empresas podem impor sua lógica econômica sobre todas as

outras lógicas. O discurso empresarial ambientalizado permite que se exerça

influência sobre as autoridades governamentais estaduais ou federais, bem como do

setor econômico-financeiro no sentido de convencer a todos que as terras cogitadas

pelos índios não possam ser, ou ter sido, tradicionalmente indígenas, por exemplo.

Por seu turno, as comunidades indígenas organizam a sua estratégia de ação

Page 148: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

147

fundada no seu capital simbólico: tentam mobilizar a opinião pública e – aí sim - os

“stakeholders” das empresas (clientes, acionistas, e órgãos governamentais) a seu

favor. Entretanto, este capital simbólico é de tipo diferente do das grandes empresas;

neste caso, o capital simbólico – da pequena produção e das comunidades - não é

tão valorizado na sociedade de mercado. O fato de que algumas comunidades

aceitem participar da lógica econômica proposta pela empresa e objetivada no

Projeto de Fomento Florestal ou de aceitarem qualquer tipo de benefício social, pode

não significar que essas comunidades tenham sido convencidas de que a lógica

econômica é a mais adequada. Mas pode expressar, mais uma vez, a falta de poder

dessas comunidades, em criar alternativas autônomas, após o contato com o

sistema econômico vigente. Nesse sentido, seria necessário investigar a

possibilidade de existência ou não de espaço para escolhas, para ter uma noção

mais próxima da realidade. As bases do poder que detêm as empresas atualmente são construídas

pelas categorias historicamente influenciadas pelo projeto cultural hegemônico

capitalista. Tal projeto hegemônico exerceu influência no passado no processo de

distribuição das terras brasileiras no processo de colonização e, mais recentemente,

por intermédio da noção de desenvolvimento e crescimento econômico que dá

legitimidade à lógica de acumulação de riquezas. O modelo de desenvolvimento

econômico centrado na exportação de produtos primários, considerado causa de

atraso do país desde os anos 193060, foi escolhido e imposto pelas empresas, com o

aval do governo, para toda a população local. A questão que está subjacente à

maior parte das queixas das populações locais é exatamente que o modelo de

desenvolvimento imposto para essas regiões, que destina grandes extensões de

terras para as monoculturas de eucalipto e não atende às necessidades específicas

das populações locais. Um modelo adequado para o espaço-tempo do capital, mas

não considerado pelas comunidades locais como adequado aos seus interesses e

modos de vida.

60 Ver, de Celso Furtado: Formação econômica do Brasil (1920), Capitalismo Global (2000) e Há riscos de uma ingovernabilidade crescente (1998).

Page 149: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

148

4.1.4 Legitimação de práticas

Através das práticas de apropriação cultural, o mundo material

é objeto de inúmeras atividades de atribuição de signif icados. No

espaço do conflito das representações se confrontam valores,

esquemas de percepção e idéias que organizam as visões de mundo e

legit imam os modos de distribuição de poder sobre o espaço material.

É aí onde se desenvolve uma luta simbólica para impor as categorias

que legit imam ou deslegit imam a distribuição de poder sobre os

distintos tipos de capital.

Como vimos, conforme Lopes (2004), “ambientalização” é um

neologismo que denota um processo histórico de construção de novos

fenômenos, um processo de interiorização da questão do meio

ambiente. O que entendemos como discurso empresarial

ambientalizado é toda a forma de expressão, por parte de atores do

meio empresarial, que incorpora aspectos e conceitos produzidos no

debate da temática ambiental e alguma das várias matrizes discursivas

da noção de “sustentabil idade” de modo a legit imar práticas de

apropriação do território e seus recursos. Pois a sustentabil idade “é

uma noção a que se pode recorrer para tornar objetivas diferentes

representações e idéias” (ACSELRAD, 2001). O discurso empresarial

ambientalizado é, assim, construído adotando conceitos e noções

produzidas no debate ambiental e disputando seus sentidos. Na

retórica das empresas, af irma-se ter-se introduzido nas práticas de

gestão preocupações relativas aos “problemas ambientais e sociais”.

No debate ambiental, a noção de sustentabil idade, conforme

assinalamos no ítem relativo à intertextualidade das expressões

“desenvolvimento” e “sustentabil idade” na primeira parte desse

trabalho, observam-se diversas “matrizes discursivas” (ACSELRAD:

2001); dentre estas destaca-se a matriz da “ef iciência”, que propõe o

combate ao desperdício da base material, de modo a dar continuidade

ao processo do desenvolvimento, da “escala” que propõe um limite

quantitativo ao crescimento econômico e à pressão que ele exerce

sobre os “recursos ambientais”; da “eqüidade”, que articula

Page 150: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

149

analit icamente princípios de justiça e ecologia; da “auto-suf iciência”,

que prega a desvinculação de economias nacionais e sociedades

tradicionais dos f luxos do mercado mundial como estratégia apropriada

a assegurar a capacidade de auto-regulação comunitária das condições

de reprodução da base material do desenvolvimento; da “ética” que

inscreve a apropriação social do mundo material em um debate sobre

os valores de bem e de mal, evidenciando as interações da base

material do desenvolvimento com as condições de continuidade da vida

no planeta. Dessa maneira, distintas representações e valores vêm

sendo associados à noção de sustentabil idade em disputa pelo sentido

do que se pretende o mais legítimo.

O sistema ideológico que comanda a economia "não caiu do

céu", conforme sustenta Santos (1998:96). Segundo este autor,

verif icou-se, por exemplo, uma preparação para a chamada

globalização, de modo a difundir a crença na necessidade de

desregulamentação das economias junto aos meios de comunicação,

envolvendo também a formação de economistas nos centros de

formuladores de idéias, bem como a articulação com intelectuais de

países periféricos incluídos no processo. Na concepção de Bourdieu

(2000), tais idéias são construídas a partir de contextos próprios

situados em determinadas sociedades e em determinados momentos

históricos. Segundo ele, inúmeros tópicos provenientes de confrontos

intelectuais l igados a particularidades e particularismos se impuseram,

aparentemente fora de contextos históricos, ao conjunto do planeta.

"São noções ou teses que servem de argumento, porém sobre as quais

não se argumenta; devem o essencial de sua força de convicção ao

prestígio do seu ponto de partida e ao fato de que, ao circularem

continuamente de Berlim a Buenos Aires e de Londres a Lisboa, estão

presentes simultaneamente em toda parte e são potentemente

transmitidos por instâncias supostamente neutras do pensamento

neutro que são os grandes organismos internacionais. Instâncias como

o Banco Mundial, a Comissão Européia, a Organização de Cooperação

e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE), enf im, os "bancos de

idéias" do pensamento conservador (o Manhattan Institute, em Nova

Page 151: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

150

York, o Adam Smith Institute, em Londres, a ex-Fondation Saint-Simon,

em Paris, a Deutsche Bank Fundation, em Frankfurt), as fundações de

f i lantropia, as escolas do poder (Science-Polit ique, na França, a

London School of Economics, na Inglaterra, a Harvard Kennedy School

of Government, nos Estados Unidos etc) e os grandes meios de

comunicação, divulgadores infatigáveis dessa língua geral, sem

fronteiras, perfeita para dar a i lusão de ultramodernismo aos

editorialistas apressados e especialistas ciosos da importação-

exportação cultural”.

Para Acselrad e Leroy (1999), as noções de sustentabil idade

são construções sociais elaboradas num embate social que tenderá a

privilegiar uma ou outra concepção, conforme a força relativa destes ou

daqueles atores. O discurso ambiental empresarial, que se apóia na

noção de práticas produtivas sustentáveis, interfere na vida social,

alterando as condições da disputa em torno ao sentido legítimo da

“sustentabil idade” e buscando atribuir legit imidade a práticas

empresariais apresentadas como ambientalmente benignas. Conforme

Michel Foucault, os discursos são manifestados nos modos particulares

de uso da linguagem e de outras formas simbólicas, tais como imagens

visuais. Os discursos não apenas ref letem ou representam entidades e

relações sociais, eles as constroem ou as constituem. Trata-se de uma

noção de discurso como ativamente constituindo ou construindo a

sociedade em várias dimensões. O discurso ambiental empresarial

pode assim ser entendido como uma forma de exercício de constituição

do “ambiente” compatível com os propósitos da acumulação. A

imposição da lógica do mercado sobre as lógicas que organizam as

outras formas de ocupação do território é favorecida pelo fato das

empresas plantadoras de eucalipto e/ou produtoras de celulose terem

acumulado capital econômico e capital simbólico, como por exemplo,

na af irmação hegemônica das noções de “ef iciência” e de

“competit ividade” associadas aos grandes projetos agroindustriais. As

estratégias dos agentes e das instituições que estão envolvidos nas

lutas sociais podem ser interpretadas a partir da posição que ocupem

na estrutura do campo, isto é, no padrão de distribuição dos capitais

Page 152: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

151

que vigore na arena da disputa. Tais estratégias empresariais estariam,

portanto, fundadas tanto no capital econômico quanto no capital

simbólico.

Do ponto de vista da teoria do poder simbólico, o discurso

empresarial ambientalizado, que no caso se expressa na retórica da

sustentabil idade, funciona como um elemento de acumulação de

capital, isto é, fornece prestígio, força, poder e, conseqüentemente,

melhores condições de acesso aos recursos do território. Conforme

Bourdieu (2001), como vimos, todo tipo de capital (econômico, cultural,

social) tende (em graus diferentes) a funcionar como capital simbólico

(de modo que talvez valesse a pena falar, a rigor, em efeitos simbólicos

do capital). O capital simbólico é uma propriedade percebida pelos

agentes sociais, constituindo, portanto, um capital com base cognitiva,

“apoiado sobre o conhecimento e o reconhecimento”. (BOURDIEU,

1996, p. 107-150). “Dessa maneira, torna-se simbolicamente ef iciente,

como uma verdadeira força mágica que exerce uma espécie de ação à

distância, sem contato f ísico”. (1996, p.170).

O discurso da sustentabil idade se transformou em parte do

capital simbólico por ser reconhecido enquanto possibil idade, poder e

capacidade de introdução de mudanças no “desenvolvimento”, processo

amplamente desejado num mundo incerto e desigual. Essa perspectiva

de mudança confere a todas as práticas ditas “sustentáveis” uma

legit imidade ancorada nas expectativas de todos.

A posse de capitais ou de bens confere autoridade ou poder

às “elites” na visão de Guy Rocher (apud Lakatos.1979, p.270). Esse

autor estabelece relações entre as formas de poder e as formas de

apropriação da base material. Assim, em sua interpretação, são “elites

de propriedade” o grupo dos grandes proprietários de terras,

industriais, f inancistas etc., em virtude dos capitais possuídos poderem

ser acionados para exercer pressões sobre as elites tecnocráticas ou

tradicionais, inf luenciando a vida econômica, polít ica e social de uma

comunidade. Aqueles grupos que concebem uma ideologia, que a

difundem ou representam, são denominados pelo autor de “elites

ideológicas”. As “elites simbólicas”, por sua vez, seriam as que

Page 153: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

152

representam uma causa, valores, idéias, modos de viver, qualidades ou

virtudes: “quase todas as elites possuem um caráter simbólico”. Visto

por esse prisma, o discurso empresarial ambientalizado confere poder

e acomoda a elite empresarial junto aos três tipos de elites.

Na teoria weberiana, poder signif ica toda probabilidade de

impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra

resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade. O

conceito de poder é sociologicamente amorfo, pois todas as qualidades

imagináveis de uma pessoa e todas as espécies de constelações

possíveis podem por alguém em condições de impor sua vontade, numa

situação dada. Já dominação é a probabilidade de encontrar obediência

a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas

indicáveis, diferentemente da disciplina que refere-se a uma

conseqüência de atividades treinadas, onde não se admite crít ica ou

resistência. Dominação é a probabilidade de encontrar obediência

dentro de um grupo determinado para mandatos específ icos (ou para

toda sorte de mandatos). Dessa maneira, observa-se que a dominação

weberiana impõe a presença efetiva de alguém mandando ef icazmente

em outros. Signif ica o domínio num quadro administrativo ou numa

associação. (WEBER, 2000, p.33)

Quando o exercício da dominação é feito apenas com o apoio

de uma ordem legal, na qual uma autoridade está dotada de poder e é

i legítima (sem o apoio da “opinião pública”), é necessário constranger

para ver cumpridas as ordens. Tem-se também que manter vigilância

constante. Este tipo de legit imidade é denominado legit imidade formal

– ou jurídica. A legit imidade de fato – decorre somente da

compatibil idade da organização do poder e de quem o exerce com as

crenças da maioria.

Em relação à legit imação (WEBER, 2000, p.33) todas as

formas de dominação61 procuram despertar a crença em sua

61 Assim a dominação se legitima por dominação carismática – que se funda na crença de possuírem certos líderes ou chefes, qualidades extraordinárias e sobrenaturais, por dominação tradicional – decorre da fé nas tradições, costumes e valores tradicionais que investem de autoridade os chefes e por dominação racional – decorre da crença na legitimidade da ordem legal estabelecida, bem como de quem a exerce, (Weber: 2000:33).

Page 154: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

153

legit imidade. A ação social pode ser determinada entre outras “pela

crença consciente no valor - ético, estético, religioso ou qualquer que

seja sua interpretação – absoluto e inerente a determinado

comportamento como tal...” (WEBER, 2000, p.15). Isto posto, a

dominação que se exerce nas formas de linguagem oral e escrita busca

formar uma opinião pública que lhe seja favorável por meio de grupos

de pressão, da comunicação de massa e da propaganda. Isto porque,

como sugere Bourdieu (2002, p.7), a dominação é exercida em nome de

um princípio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo dominante

quanto pelo dominado, de uma língua (ou uma maneira de falar), de um

estilo de vida (ou uma maneira de pensar, de falar ou de agir) e, mais

geralmente, de uma propriedade distintiva, emblema ou estigma. A

dominação se exerce, assim, não na lógica pura das consciências

cognoscentes, mas através dos esquemas de percepção, de avaliação

e de ação.

O discurso do desenvolvimento sustentável da empresa

estudada pode assim ser entendido como parte de uma estratégia para

formar uma opinião pública favorável às práticas da empresa na região.

A noção de sustentabil idade esconde metaforicamente a proposta de

continuidade do “desenvolvimento”, oferece um “desenvolvimento

sustentável” – basicamente sua promessa de um futuro de emprego,

renda e modernização - amplamente desejados pela sociedade em

geral e mais especif icamente por aqueles que estão “fora de lugar” na

ordem capitalista; nesse processo constrói e legit ima sua dominação.

Nesse sentido, a legit imidade do discurso empresarial

ambientalizado tem rebatimentos no espaço da distribuição do poder

sobre os diferentes tipos de capital em disputa na arena territorial. A

legit imidade que o discurso do desenvolvimento sustentável tende a

conferir à empresa explica em parte o seu diferencial de poder de

inf luência perante os demais sujeitos. No caso da disputa por terras

indígenas, por exemplo, o discurso empresarial ambientalizado permite

que se exerça inf luência sobre as autoridades governamentais

estaduais ou federais, bem como do setor econômico-f inanceiro, no

Page 155: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

154

sentido de convencer a todos que as terras cogitadas pelos índios

possam ser, ou ter sido, tradicionalmente indígenas. Uma análise na

perspectiva de Bourdieu (2002, p.7) nos levaria a interpretar esta

prática como uma violência simbólica, ou seja, “violência suave,

insensível, invisível a suas próprias vít imas, que se exerce

essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do

conhecimento, ou mais precisamente, do desconhecimento, do

reconhecimento ou, em últ ima instância, do sentimento”.

Page 156: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

155

4.2 DISCURSO E MUNDO SOCIAL

Nesse capítulo, apresentamos a nossa interpretação de como o discurso

empresarial ambientalizado implica em limitações nas condições materiais de

reprodução de determinados grupos socioculturais locais. Mais especificamente,

buscamos discutir as limitações impostas pelo sistema monocultural/industrial de

eucalipto para fabricação de papel e celulose, legitimadas pelo discurso

ambientalizado empresarial, à manutenção das condições materiais de vida social

defendidas pelos grupos sociais locais no território estudado.

4.2.1 Redução do espaço dos direitos

Como está sendo enfatizado ao longo dessa Tese, o discurso empresarial

da sustentabilidade, no caso estudado, defende a expansão do agronegócio, da

atividade de plantação de eucalitpto e a indústria de papel e celulose. Tal modo

produtivo tem implicações nas condições de reprodução dos modos de vida das

populações que vivem nas proximidades dessas atividades nas regiões em pauta,

de diversas formas. As denúncias contra tais atividades dizem respeito, entre outras,

à redução de postos de trabalho por força da ocupação de grandes extensões de

terra para produção de apenas uma espécie e que não requer a utilização de muitos

trabalhadores para o seu desenvolvimento.

De fato, as análises da sociedade brasileira atual mostram que, ao lado

de uma economia moderna, persistem milhões de pessoas excluídas de seus

benefícios, assim como dos serviços proporcionados pelo governo para seus

cidadãos62. Tratam-se de processos de “inclusão limitada”, pelos quais o acesso a

emprego, renda e benefícios do desenvolvimento econômico ficam restritos a

determinados segmentos da sociedade. O Brasil se desenvolveu através de um

processo que foi denominado de “modernização conservadora”, cuja característica

principal é, precisamente, a não incorporação de grandes segmentos da população

aos setores modernos da economia, da sociedade e do sistema político63. Conforme

62 Veja, sobre esse assunto, por exemplo Simon Schwartzman. "Brasil, The Social Agenda." Daedalus (Proceedings of the American Academy of Arts and Sciences) 129, no. 2 (2000): 29-53. 63 Reis, Elisa Pereira; Schwartzman Simon. Pobreza e Exclusão Social: Aspectos Sócio Políticos. Trabalho preparado por solicitação do Banco Mundial, como contribuição para um estudo em andamento sobre a exclusão social no Brasil. Pessoas interessadas neste projeto mais amplo devem entrar em contato com Estanislao Gacitúa-Marió, [email protected] 2004.

Page 157: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

156

Reis (2004) o conceito de "exclusão social" traz implícita a problemática da

desigualdade, já que os excluídos só o são pelo fato de estarem privados de algo

que outros (os incluídos) usufruem. O conceito alude à não efetivação da cidadania,

ao fato de que, apesar da legislação social e do esforço das políticas sociais, uma

grande massa de indivíduos não logra pertencer efetivamente a uma comunidade

política e social. Indivíduos que vivem no espaço de uma sociedade nacional

aportam contribuições a essa sociedade, mas não têm acesso ao consumo dos bens

e serviços de cidadania. Embora a lei lhes garanta direitos civis, políticos e sociais,

tal garantia legal não se traduz em usufruto efetivo de tais direitos.

O conceito de exclusão é, portanto inseparável do de cidadania, que se

refere aos direitos que as pessoas têm de participar da sociedade e usufruir certos

benefícios considerados essenciais. A literatura costuma distinguir três tipos de

direito – os direitos civis, políticos e sociais. Os direitos civis são, sobretudo, direitos

“negativos”, que protegem o cidadão contra as arbitrariedades do Estado e de outras

pessoas – o direito de ir e vir, a inviolabilidade do domicílio, a liberdade de

expressão. Os direitos políticos são os que facultam e delimitam o papel do cidadão

na organização política da sua comunidade – os direitos de votar, ser eleito,

organizar e participar de partidos políticos, etc. Os direitos sociais, finalmente, são

direitos ao acesso a um conjunto de bens e serviços considerados indispensáveis

para a vida digna e para a convivência social – o direito à educação, à saúde, ao

trabalho, a um salário decente, à proteção em situações de doença e velhice, e

assim por diante.

Conforme Reis (2004) existem (I) canais “clássicos”, de acesso à

cidadania, e (II) novos canais e mecanismos introduzidos com o propósito de conferir

poder àqueles que são privados de fato de acesso ao consumo de bens de

cidadania (REIS, 2004). Dentre os canais clássicos distingue-se (I-A) os que

tipicamente pertencem à esfera do Estado e (I-B) aqueles típicos da sociedade. Os

primeiros incluem os sistemas públicos de educação e saúde; o aparato da justiça; o

sistema de seguridade social; e a regulamentação do acesso ao mercado de

trabalho. Entre os segundos podemos mencionar a representação político partidária

os sindicatos, as igrejas, e as associações culturais e recreativas. Finalmente, entre

as (II) novas formas de acesso ou inclusão, aquelas pensadas com o propósito de

preencher as lacunas e corrigir os vícios das formas clássicas de acesso, temos em

mente mecanismos de participação e controle tais como sejam (a) o orçamento

Page 158: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

157

participativo e os (b) conselhos municipais na esfera da autoridade; na área da

sociedade civil incluem-se (c) os diversos programas implementados por ONGs e

organizações filantrópicas e (d) os movimentos sociais.

Na verdade, afirma Reis (2004), “sob o rótulo de instrumentos de

empowerment encontramos toda uma série de formas mais ou menos experimentais

de acesso que estão a merecer análise e discussão cuidadosa”. Direitos políticos

vistos como aqueles direitos que facultam e delimitam o papel do cidadão na

organização política da sua comunidade – os direitos de votar, ser eleito, organizar e

participar de partidos políticos, etc. este limita-se ao direito de votar, uma vez que lhe

é dificultada a eleição (as campanhas são caríssimas) e de fiscalização dos que

participam, por dificuldade de acesso à informação.

Os problemas na região estudada se estabelecem principalmente por

deficiências no campo dos direitos sociais. Nos momentos de denúncia - fóruns,

seminários, encontros - quando as populações podem se manifestar apontam a falta

da possibilidade de usufruir certos benefícios considerados essenciais como uma

das principais questões a serem resolvidas, mas é a redução do espaço de

participação na tomada de decisão quanto à sua própria vida, um problema que

preocupa principalmente aqueles que tem a percepção da gênese da questão: os

representantes das organizações da sociedade civil na região, uma vez que um dos

traços mais fundamentais da convivência social é a politicidade, como capacidade

“biológico-cultural” de fazer história própria, individual e coletiva.

[...] Como ser político, o ser humano e, em menor escala, também os animais conseguem interferir em seu destino pela via da aprendizagem e do conhecimento, convivência mais ou menos igualitária e polarizada, montagem de processos institucionais que alargam as condições de vida, atitude reconstrutiva perante a realidade. (DEMO, 2002, p.14).

A imposição da monocultura de eucalitpto e da indústria de papel e

celulose na região, apesar da contestação dos grupos organizados implica na

destruição de outras formas de reprodução social e é situação que reflete o espaço

de politicidade reduzido ao mesmo tempo em que reflete o reduzido espaço dos

direitos políticos.

Page 159: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

158

4.2.2 Redução dos espaços de integração econômica

O estudo observou que a monocultura de eucalipto e a produção de celulose

e papel não tende a uma integração com as demais atividades produtivas da área

estudada. Um processo de desenvolvimento permanente e continuado não pode ser

esperado da simples instalação de um complexo industrial numa região

economicamente atrasada. Um complexo só funcionará como verdadeiro pólo de

desenvolvimento se encerrar um centro dinâmico capaz de gerar e transmitir

inovações que estimulem a emergência de novas indústrias e de novas seqüências

de interdependência. Para uma região “subdesenvolvida” o mais importante é a

integração regional, ou seja, a ampliação do número de relações econômicas em

termos de fatores de produção, informações, estradas, hidrovias, etc., levando essas

áreas a serem reciprocamente dependentes. A produção de celulose não é uma

indústria tipicamente voltada para o consumo, e, portanto, não é capaz de

transformar as cidades de seu entorno em centros de beneficiamento, transformação

e exportação de produtos regionais, diz Carneiro. Além da integração regional, a

integração intersetorial que pode ser vertical (compras) ou horizontal (vendas)

também é fraca nesse setor.

[...] A possibilidade de desdobramento da indústria de papel e celulose no Extremo Sul é muito limitada, em função das características estruturais da própria indústria, que não pode ser classificada como indústria chave ou motriz, a exemplo da indústria automobilística. (FUNDAÇÃO CENTRO DE PROJETOS E ESTUDOS-BA 1994, p.64)

A indústria de papel e celulose no extremo sul da Bahia exporta

atualmente 100% do que produz64 através do porto privado distante cerca de 1,5km

da fábrica do Espírito Santo65. A produção segue para a América do Norte, Europa e

Ásia. Portanto, não há integração horizontal já que as vendas são realizadas para

fora da região. A integração vertical (compras), embora ocorra, não é significativa,

pois os insumos também são comprados fora da região, exceto o maciço arbóreo

situado na região, que é de propriedade da própria empresa. Conforme a Gazeta

64 A Veracel iniciou suas atividades em outubro de 2005. Em 6 de novembro, a indústria atingiu a produção média diária prevista em projeto, 2.548 toneladas/dia. Em 2005, o acumulado foi de 467.227 toneladas. Toda a produção da fábrica, que tem capacidade para produzir 900 mil toneladas por ano de celulose, destina-se à exportação. Relatório anual da Veracel, 2005. http://www.veracel.com.br/pt/index.html Acesso em abril/2005. 65Informações mais detalhadas podem ser obtidas no site da aracruz.com.br. Acesso em 08/08/2004.

Page 160: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

159

Mercantil (2003, A, p.11), a energia será gerada pela própria empresa, através da

queima da biomassa (parte da energia será vendida para a empresa da Suécia Eca

Química, a mesma que vai fornecer os insumos químicos para a Veracel.

A redução das alternativas

A destruição das condições de existência alternativas é um dos

fenômenos resultantes da eliminação dos sistemas locais de saber pela expansão

de monoculturas em diversas partes do mundo, aponta Shiva (2003). O

desaparecimento do saber local acontece em muitos planos. A ideologia do

desenvolvimento, por exemplo, que parece ser universal e inerentemente superior às

outras ideologias locais, acaba por desqualificar o conhecimento das populações

regionais.

A destruição dos saberes das populações do local é realizada num

processo em que tais conhecimentos não são considerados saberes. A cultura

dominante faz com que desapareçam, pois lhes nega o status de um saber

sistemático, atribuindo-lhes os adjetivos de "primitivo" e "anticientífico". A

invisibilidade é a primeira razão pela qual os sistemas locais entram em colapso.

Desse modo o saber dominante destrói as próprias condições para a existência de

alternativas. (Shiva, 2003, p.21).

Conforme já foi mencionado na segunda parte deste trabalho, antes da

chegada do chamado "desenvolvimento" a Região Extremo Sul da Bahia foi habitada

por grupos humanos principalmente com formas de vida e de reprodução muito

próprias conciliando atividades econômicas produtivas, muitas vezes coletivamente,

com preservação da diversidade da base material da região. Conforme Koopmans

(1999, p. 39) o que mais caracterizava este espaço e este tempo era a cultura da

população. O somatório de aspectos como: a forma de viver, as condições precárias

de vida, a religiosidade simples, a convivência com a mata que os cercava, a beleza

da fauna e da flora encontrada todos os dias, a abundância de terras, tudo isso

resultara na cultura daqueles habitantes. "Tais circunstâncias teriam criado no povo

um sentimento de solidariedade, de co-responsabilidade, de união, de confiança e

de altruísmo". "As regras comerciais eram baseadas em confiança e sinceridade".

Entretanto, para a cultura ocidental tal ambiente é considerado "atrasado",

"improdutivo", "sem progresso", devendo, portanto, a região "ser explorada",

Page 161: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

160

conforme Pe. Koopmans, (1999, p. 82). Sabe-se que na região praticava-se

extrativismo vegetal, cultivo do coqueiro, criação de gado, lavoura de cacau, pesca,

cultivo e industrialização da mandioca, cultivo da banana, milho, feijão, arroz, café,

cana, abacaxi, laranja, mamão, limão, maracujá, melancia, melão, etc.

(Koopmans,1999, p.66). Em 1985, a área ocupada com lavouras na região era de

258.075 hectares mas oito anos depois essa área já estava reduzida à metade. A

agricultura na região criava um emprego fixo permanente, em média, em cada 26,1

hectares ocupados.

Conforme Godofredo Ferreira (apud Koopmans, 1999, p. 39), em meados

do século XIX a situação dos índios na região era de submissão aos invasores,

tendo alguns poucos grupos refugiados nas matas ao longo da costa entre Santa

Cruz de Cabrália e Porto Alegre (atual Mucuri). Os conflitos entre índios e posseiros

pela posse das terras fez com que as autoridades da época determinasse a

transferência e a concentração compulsória de todos os diversos grupos “numa

única aldeia a ser estabelecida no ponto médio daquela costa”. Dessa maneira as

diversas culturas, linguagens e costumes foram desconsiderados e seus saberes

destruídos. Portanto, todos os “modos de viver”, esses “saberes” foram

desestabilizados com a chegada de novas propostas baseadas na ideologia do

desenvolvimento.

Uma nova desestruturação do sistema social regional foi mencionada

também pela COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL – CAR –

BA (1994, p.16). Registrou-se que o cacau, introduzido em Ilhéus no século XVIII,

expandiu-se inicialmente na atual Região Cacaueira, alcançando o Extremo sul no

início do século, onde hoje se situa o município de Belmonte. As culturas do cacau e

do café exerceram um papel positivo no crescimento demográfico, na expansão do

povoamento e na dinamização interna da economia regional. A libertação dos

escravos possibilitou o surgimento de uma sociedade baseada na pequena

propriedade familiar. As relações sociais que se estabeleceram após a derrocada da

economia colonial fundamentaram-na existência de terras abundantes e de homens

livres. Os pequenos produtores, posseiros e pescadores organizaram-se em uma

sociedade homogênea com base na produção semimercantil, onde as unidades

familiares independentes integraram-se em comunidades de ajuda mútua. As

relações de troca de produtos entre os membros das comunidades e as relações

regulares que se estabeleceram com o comércio regional, onde os produtores, em

Page 162: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

161

conjunto, vendiam principalmente cacau e café, não visavam a acumulação

mercantil, mas apenas a reprodução da economia camponesa.

Este padrão de ocupação foi dominante até meados do século XX,

quando a expansão da economia de mercado no País exigiu a incorporação de

áreas até então mantidas em situação “marginal”. A construção da BR-101 foi

decisiva no processo de inserção da Região na economia nacional e, por isso

mesmo, central na reestruturação das comunidades em novas bases. O processo de

destruição do conhecimento local, na Região Extremo Sul da Bahia, inicia-se na

mesma época em que o interesse pelas terras para a monocultura de eucalipto

inicia. Na inauguração da BR-101, em 1975, o Governador do Estado falou que teria

redescoberto do Extremo Sul, que até então estava "esquecido", e que teria a partir

de então o "progresso" e o "desenvolvimento”, diz Pe. koopmans, (1999, p. 82).

O desaparecimento do saber local por meio de sua interação com o

saber dominante acontece em muitos planos, por meio de muitos processos. Fazem

o saber local desaparecer simplesmente não o vendo, negando sua existência, não

o considerando como um saber. Com o desaparecimento do saber local, as

alternativas desaparecerem uma vez que são apagados ou destruídos os espaços

das alternativas locais. O saber dominante destrói as próprias condições para

existência de alternativas (Shiva, 2003, p.23-25).

A desqualificação do conhecimento também é uma maneira de

destruição. Na atualidade, o discurso empresarial afirma que as comunidades

indígenas “não têm projetos de longo prazo que venham a possibilitar sua

sobrevivência e aprimorar suas condições de vida de maneira sustentável”.

Desconsideram que o modo de vida daqueles povos é um outro modo de vida com

possibilidades de sobrevivência, desde que mantidas as condições favoráveis, que

no caso centra-se na floresta.

A desconsideração dos saberes desses povos é tanta que a empresa

destina, como demonstração de sua “benevolência”, recursos financeiros para

projetos de geração de renda para essas comunidades; o financiamento de bolsas

de estudo para alunos indígenas que cursarem a faculdade; o apoio a programas

visando aumentar a empregabilidade dos membros das comunidades indígenas;

doação de escola com área construída de 600 m2, dispondo salas de aula,

biblioteca, refeitório, sanitários, salas administrativas, pátio interno e quadra

poliesportiva. Tais práticas tendem a destruir a cultura indígena e transformando

Page 163: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

162

indígenas em simples consumidores. Outra demonstração da falta de respeito pelo

conhecimento dos povos da floresta aparece nos projetos da empresa de educação

ambiental que pretendem “ensinar” aos povos indígenas a lidar com a floresta.

Desconsideram o fato de que desde muito tempo antes da chegada do europeu na

Região Extremo Sul da Bahia, mais de 3 milhões de índios conviveram com a

floresta, sem destruí-la.

A preservação da diversidade de saberes e de culturas corresponde,

sobretudo à produção e manutenção de alternativas. Significa manter vivas formas

alternativas de vida das populações e de produção, que possam ser viabilizadas por

pequenos produtores em pequenos pedaços de terra e poucos recursos

tecnológicos e financeiros.

Os esforços para homogeneização das formas produtivas no espaço se

expressam de diversas formas, inclusive por intermédio de políticas públicas. A lei

4.771-65 que instituiu o Código Florestal também determinou que O Conselho

Monetário Nacional concederia prioridade aos projetos de florestamento,

reflorestamento ou aquisição de equipamentos mecânicos necessários aos serviços.

No governo de Ernesto Geisel é publicado o Decreto Lei – 1.376/74 que dispõe

sobre a criação de Fundos de Investimentos Setoriais (FISET) para os setores de

turismo, pesca e reflorestamento.

É interessante mencionar que os recursos financeiros eram liberados por

hectare. Mais hectare, mais dinheiro nas mãos das empresas. Tal fato nos instiga a

questionar se a lógica das aquisições das terras, ainda baratas, não teria sido

apenas para ter acesso aos recursos financeiros. Isso não fica claro no âmbito desse

trabalho. Grandes extensões de terras foram compradas pela Flonibra, Bahia Sul

Celulose, Aracruz e Veracruz Florestal. Dessa forma, foi decidido que o Extremo Sul

da Bahia teria a "vocação" para plantação de eucalipto para produção de celulose e

papel.

Na atualidade o processo de acumulação de terras pelas empresas é

possibilitado pela oferta de valores cada vez mais altos pela terra. Os pequenos

produtores não dispõem de muitos recursos para adquirir mais terras ou para mantê-

las, assim, as empresas vão acumulando cada vez maiores pedaços do território. O processo de concentração de terras nas mãos de empresários do agronegócio de papel e celulose,

legitima-se no extremo sul da Bahia, também por outros meios. Por exemplo, podemos citar o processo de aquisição

Page 164: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

163

do que se denomina hoje a Estação Veracruz66

. Tendo como fonte a própria Veracel, sabe-se que em 1961, as

áreas denominadas Tucundupi, São Miguel e Imbiruçu de Dentro, no Extremo sul da

Bahia, foram adquiridas por Iva Lee Hartman, dando origem à Fazenda Americana,

com 12.000ha. Em 1964, A Fazenda Americana é invadida por “posseiros”. A partir

de 1973, com o asfaltamento da BR 101 e da BR 367, intensifica-se o

desmatamento na região. Em 1977, a área é adquirida pela Flonibra, que em 1978

faz inventário florestal da área adquirida e efetua corte seletivo de aproximadamente

1.000 ha de florestas próximas à estrada. Em 1984, as áreas de Imbiruçu de Dentro

e São Miguel são invadidas e destruídas por posseiros. Iva Hartman perde parte das

terras. Em 1989 a Flonibra é incorporada à Cenibra. A Cenibra em 1990, as terras

para a Floresta Rio Doce – FRD que, por sua vez, vende em 1992 a Fazenda

Americana para a Veracruz Florestal, hoje Veracel Celulose. Em 1994 a Veracel cria

a Estação Veracruz e inicia a implantação de infra-estrutura para visitação. Nesta

área são realizadas, a partir de 1994 até 1997, pesquisas sobre a fauna e a flora da

região por especialistas. Em 1997 tem início o Programa de Ecoturismo. O IBAMA

em 1998 reconhece a Estação Veracruz como RPPN. A UNESCO, em 1999

reconhece a Estação Veracruz como Sítio do Patrimônio Mundial Natural (sPMn).

Nesse processo, a Mata Atlântica, um ecossistema que realiza múltiplas

funções (de fornecer água e conservar o solo, de prover as diversas comunidades

com espécies que servem de alimento, de abrigo, como fertilizantes, como

combustíveis, proporcionando ampla diversidade de meios de sobrevivência) e as

pequenas lavouras foram transformando-se, cada vez mais, em espaços cercados,

reservados para a monocultura de eucalipto ou como área de preservação ambiental

particular das empresas.

O acúmulo de grandes extensões de terras nas mãos de poucos

proprietários, tanto limita a possibilidade de variados usos e apropriações do

território, quanto reafirma o mecanismo de acumulação de riquezas, destruindo as

possibilidades alternativas.

66 http://www.veracel.com.br/veracruz/pt/estacao_historia.htm. Acesso em 20-07-2006

Page 165: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

164

A centralização do poder

A introdução da monocultura ao acabar com a diversidade de alternativa

de sobrevivência para as populações locais produz, ao mesmo tempo, o controle

centralizado da produção agrícola e a conseqüente perda do poder da sociedade, na

tomada de decisões. Preservar a diversidade de alternativas significa preservar a

independência para as sociedades.

No caso das monoculturas de eucalipto, no Brasil, tornou-se comum a

prática do fomento florestal que tem como resultado reduzir, cada vez mais as

alternativas de sobrevivência das populações locais. O fomento florestal é uma

prática caracterizada pela utilização de terras de pequenos produtores rurais para

plantação de eucalipto. Iniciou-se no Espírito Santo, onde as empresas foram

proibidas de adquirir mais terras.

Tal prática tornou-se comum, também, nos Estado da Bahia e Minas

Gerais, onde as empresas oferecem mudas de eucalipto para que os pequenos

proprietários plantem em suas propriedades. Os pequenos produtores rurais são

impelidos a aderir ao programa por falta de alternativas. Plantam o eucalipto, e

cuidam por sete anos, sem nenhuma garantia trabalhista. Suas terras acabam

cercadas por eucalipto e contaminadas por defensivos agrícolas que escorrem para

os córregos que atravessam os eucaliptais. Mesmo aqueles que desejam produzir

alguma espécie alimentícia sua a sua subsistência, terá dificuldade em produzir na

proximidade do eucalipto por causa da seca e da poluição.

Entretanto, o maior prejuízo para o pequeno proprietário de terra que

ingressa no programa de fomento florestal é a perda da soberania sobre sua

atividade. O produtor passa a depender de um único produto, de um mercado que

desconhece (o mercado internacional) e de um único comprador para sua produção.

Aqueles que desejam produzir alguma espécie alimentícia para sua subsistência,

terão dificuldade em produzir na proximidade do eucalipto, pois estudos já

comprovaram a perda da qualidade do solo, a redução da umidade e a poluição por

defensivos e fertilizantes.

Diversidade e sociedade

Page 166: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

165

Na cultura dominante, quanto mais a diversidade é substituída pela

uniformidade das monoculturas, as safras e a produtividade parecem aumentar.

Entretanto, do ponto de vista da diversidade as monoculturas são fontes de

escassez e pobreza, são sistemas empobrecidos. "A monocultura é a destruição da

diversidade legitimada pela ideologia do desenvolvimento" (Shiva, 2003, p.19).

A monocultura é pobre do ponto de vista da biodiversidade. As

monoculturas de eucalipto são blocos homogêneos de uma única espécie de árvore

da mesma idade. Pela escassez de água e alimentos, poucos animais conseguem

sobreviver no eucaliptal. O sub-bosque é eliminado com herbicidas, plantio com

espaçamento regular (que não deixa passar a luz solar) e corte em intervalos de

tempo curtos (não permitindo o crescimento do sub-bosque).

Uma tese da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), sobre a

diversidade microbiana de cinco tipos de amostras de terra do solo do parque

Estadual do Desengano em Santa Maria Madalena, mostra que a área onde há uma

grande plantação de eucalipto apresenta cerca de 25% de redução de micróbios

necessários a adubação da terra e desenvolvimento do solo (bem inferior aos outros

tipos analisados), (O Diário:2003).

“As plantações não são florestas”, afirma o Movimento Mundial Pelas

Florestas Tropicais (WRM, 2003, p.199). Segundo o movimento, a confusão que se

faz entre a floresta e a plantação acaba favorecendo o agronegócio pois a atividade

de plantar florestas, na percepção geral, é uma coisa positiva. Outras asserivas são

questionadas pelo Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, a saber: as

plantações não melhoram o meio ambiente – isso seria verdadeiro no caso das

florestas, mas não no das plantações; as plantações não servem para aliviar a

pressão sobre as florestas, pois muitas vezes a floresta é eliminada para dar lugar à

plantação; as plantações não permitem aproveitar e melhorar as terras degradadas,

pois as plantações não são instaladas em terras degradadas, uma vez que nesse

tipo de terra as árvores não crescem bem; as plantações não servem para conter o

efeito estufa, pois serão árvores colhidas; as plantações não são mais produtivas do

que as florestas, pois as florestas produzem uma grande variedade de bens e

serviços; as plantações não geram emprego, depois do plantio o emprego cai e a

colheita é crescentemente mecanizada; os impactos negativos não podem ser

evitados ou mitigados com um bom gerenciamento, em função das próprias

Page 167: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

166

características da monocultura: grande escala, espécie exótica, rapidez no

crescimento (com utilização de produtos químicos como garantia e com maior

consumo de água), corte em intervalos curtos de tempo (pressupõe grande saída de

nutrientes do sistema, processos de erosão, destruição do hábitat das poucas

espécies sobreviventes).

Para que uma plantação integrasse um sistema “floresta” teria que: ser

pequena ou média escala; estar constituída por uma multiplicidade de espécies,

sendo todas, ou algumas nativas; dar abrigo, alimentação e possibilidades de

reprodução à fauna nativa; permitir o desenvolvimento das espécies da flora nativa;

conservar ou melhorar os solos; regular o funcionamento hidrológico da região;

contar com a aprovação da população local; oferecer produtos e serviços de

utilidade para as comunidades locais. MOVIMENTO MUNDIAL PELAS FLORESTAS

TROPICAIS (2003).

O empobrecimento da região é sentido pelas populações que

tradicionalmente extraíram alimentos da Mata Atlântica e das pequenas

propriedades rurais que ali havia e que estão, pouco a pouco, sendo ocupadas por

maciços arbóreos de eucalipto.

A Gerência Regional de Eunápolis do Ibama - Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, autuou em dezembro de 2005 a

Multinacional Veracel Celulose em R$ 320 mil, por dificultar a regeneração natural

de florestas de Mata Atlântica em 1.200 hectares. Uma das maiores companhias do

ramo no País, a empresa, situada em Eunápolis, sul da Bahia, foi enquadrada na Lei

de Crimes Ambientais, de 1998. A irregularidade foi constatada com base,

sobretudo, em análises de imagens de satélite e informações georeferenciadas

sobre as áreas pertencentes às empresas de celulose que atuam na região,

fornecidas pelo Ministério Público. Segundo o gerente do Ibama no Sul da Bahia,

José Augusto Tosato, a Veracel comprometia a Mata Atlântica com a plantação do

eucalipto. A devastação preocupava o Ibama, entre outros motivos, porque a Mata

Atlântica é um dos biomas mais ameaçados do planeta. No Brasil, restam apenas

7% da sua configuração original. “Diante desse fato, impedir sua regeneração em

área de 1.200 hectares é delito gravíssimo”, afirmou Tosato, completando: “enquanto

fazemos de tudo para conectar os fragmentos florestais que resistem, via Projeto

Page 168: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

167

Corredores Ecológicos, é inaceitável que empresas trabalhem na contramão dessa

estratégia vital para a salvação da Mata Atlântica". (AMBIENTE BRASIL, 2005)67

O estreitamento das oportunidades de trabalho

As tentativas de aumentar f luxos de mercadoria numa direção

geram por vezes escassez em produtos af ins (Shiva, 2003, p.174). As

necessidades não são as mesmas para ricos e pobres, ou para países

ricos e países pobres, e a ef iciência também não. Nos países ricos há

escassez de mão-de-obra, o que justif ica os gastos em pesquisa para

desenvolver métodos de produção, máquinas e equipamentos que

substituam esse insumo no processo produtivo. Nos países mais pobres

há escassez de capital e, em certos casos, terra.

Na região em estudo, onde o insumo mão-de-obra tornou-se

abundante após a destruição de formas alternativas de subsistência, o

modelo que tem como f im a lucratividade não prescinde da redução de

custos e isto não pode ser desconsiderado, por exemplo, no caso do

modelo agrícola implantado na região. Dessa forma, o agronegócio

tende a rarefazer meios de subsistência de pequenos produtores. A

busca pelo aumento da produtividade da monocultura ou da indústria

leva à redução da necessidade de mão-de-obra. Enquanto o aumento

da produtividade é festejado, a redução das possibil idades de

subsistência das pessoas passa despercebida, exceto por aqueles que

passam privações.

Portanto, não se trata evocar a qestão do emprego de forma

simplista como faz a mídia e o Governo do Estado ao af irmar que “a

nova fábrica vai gerar 10.000 empregos diretos e indiretos”. Quanto a

isso a questão que não pode ser deixada de lado é: qual a extensão

territorial que será ocupada para gerar esses empregos?. É preciso não

deixar fora da análise o custo social e ambiental desses empregos.

Cabe verif icar quanto de biodiversidade será consumido na geração

desses empregos, quanto de matas e riachos, que signif icavam

67 Fonte: AMBIENTE BRASIL. Ibama multa multinacional por crime ambiental na Bahia. 23 de Dezembro, 2005. http://www.abdl.org.br/article/view/2636/1/179. Acesso em 20-07-06.

Page 169: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

168

reprodução social, foram transformados em monocultura. Quanto de

desemprego será gerado para produzir esses empregos, ou seja,

quantos pequenos produtores e trabalhadores f icam sem terras (por

processos diversos), quantas famílias serão desestruturadas na busca

de sobrevivência, para que a indústria produza os seus empregos.

Conforme informações da empresa Aracruz68, em 2004, as

operações alcançavam os Estados do Espírito Santo, Bahia, Minas

Gerais e Rio Grande do Sul, com aproximadamente 247 mil hectares de

plantios de eucalipto. Para essa extensão territorial ocupada, a Aracruz

encerrou o ano de 2003 com 9.827 empregados diretos, 136 no porto,

Portocel69 e 7.546 terceiros permanentes. Na Bahia, a empresa informa

possuir 70.000 hectares totalmente plantados com eucalipto,

entremeados com uma área equivalente de reservas nativas. Ali,

divulga-se que foram gerados 147 empregos. Tem-se, portanto,

140.000 hectares ocupados pela empresa gerando 147 empregos, o

que resulta em 804.6 hectares para gerar 1 emprego. Segundo cálculos

do Movimento dos Pequenos Agricultores do Espírito Santo (MPA), um

hectare de café pode gerar até 15 empregos diretos, enquanto são

necessários de 30 a 40 hectares de eucalipto para empregar apenas

um trabalhador. Além das áreas plantadas a Aracruz Celulose vem

acumulando terras com o pretexto de que está contribuindo para o

aumento das áreas de ecossistemas naturais protegidos. Com esse

discurso instituiu a prática de possuir "mais de 1 hectare de reservas

nativas para cada 2 ha de plantio de eucalipto". Atualmente a empresa

divulga já possui aproximadamente 128 mil hectares para esse f im. Por

outro lado, é precisar verif icar se esse número de empregos será

mantido ou será gerado apenas na fase de construção da fábrica.

Já a Veracel Celulose S.A. divulga, em seu site institucional e

relatório anual, em 200570, que dispunha de uma área de 172.982 (2004

68 Informações mais detalhadas podem ser obtidas no site: http://www.aracruz.com.br/ra2003/rsa.htm, acesso em 08/08/2004. 69 O Portocel é um Terminal Especializado no embarque de celulose. Está preparado para receber navios continuamente, com capacidade de embarque anual de 4.500.000 toneladas de celulose. O porto é de propriedade conjunta da Acrcruz (51%) e da (49%), duas das maiores empresas produtoras de celulose no Brasil. 70 http://www.veracel.com.br/shared/rsdf2005_v2.pdf

Page 170: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

169

- 164.575) hectares de terras, sendo 10.998 (2004- 9.631) hectares

arrendados de terceiros, mediante contratos de arrendamento de longo

prazo. A área de f lorestas plantadas totaliza 74.440 hectares em 31 de

dezembro de 2005 (2004 - 70.635 hectares). Em consonância com as

necessidades de sua operação f lorestal, a Companhia deu continuidade

à implementação de seu programa de fomento para a formação de

novas f lorestas, com uma área total, em 31 de dezembro de 2005, de

aproximadamente 11.331 (2004 - 10.006) hectares plantados, que inclui

o repasse de tecnologia e a prestação de serviços de apoio técnico e

operacional a seus parceiros neste programa. Quanto aos empregos a

empresa, no citado relatório, divulga que no encerramento de 2005,

ano da conclusão da sua implantação, os empregados próprios

somavam 739 pessoas e os contratados de terceiros, 3.15071.

A pesquisa de NADAI, OVERBEEK e SOARES (2004, p.19),

que analisa dados sobre o emprego e o trabalho nas plantações de

eucaliptos e na produção de celulose da empresa Aracruz Celulose,

concluiu que a empresa, proprietária de um total de 375.000 hectares

de terras no Brasil é aquela que ocupa a maior quantidade de terras no

Espírito Santo, com 154.500 hectares. Considerando que a plantação

de eucaliptos e a produção de celulose são atividades interligadas, se

pretende avaliar o número de empregos que a Aracruz gera na indústria

e no campo, em comparação com a quantidade de terras que

concentra. Com 375.000 hectares de terras 2.031 empregados diretos,

a Aracruz gera um emprego direto por cada 185 hectares de terras.

Ainda que se considerem somente as áreas de plantação de eucalipto –

247.000 hectares, a geração de emprego não passa de um emprego

direto por cada 122 hectares de eucaliptos. Contudo se considerarmos

o cálculo mais favorável para a Aracruz que inclui também o número

of icial de 6.776 trabalhadores terceirizados, dos quais uma parte atua

nas áreas das plantações, chegamos a um número de emprego direto e

indireto por cada 28 hectares de eucalipto. Nesse caso a Veracel,

segundo um documento da empresa fechado em 16 de dezembro de

71 http://www.aracruz.com.br/web/pt/aracruz/aracruz_perfil.htm. Acesso em 10-04-2006 e Relatório 2005 e Relatório Veracel, 2005.

Page 171: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

170

2003, a mesma possui 73.000 hectares e 400 empregados diretos, o

que gera um emprego direto por cada 183 hectares. Com a fábrica

funcionando atuarão cerca de 2.000 empregados diretos e indiretos no

campo e na fábrica. Nesse caso se estima um emprego direto por cada

37 hectares de eucalipto. Observando o caso da monocultura mais

signif icativa do Espírito Santo, o café, é fácil concluir que o cult ivo de

eucaliptos gera poucos empregos. Segundos dados do Movimento de

Pequenos Agricultores (MPA), uma área de café bem cuidada é capaz

de criar um emprego direto para uma ou duas pessoas. Ou seja, este

cult ivo pode criar um emprego direto por cada hectare de café. Com

base nesses dados os autores elaboraram a tabela abaixo. (NADAI,

OVERBEEK,SOARES, 2004:19).

Tabela 2 - Número de hectares necessários para gera r um emprego direto

Monocultivo Número de hectares de

terrra para gerar 1

emprego direto

Número de hectares de

terá para gerar 1 emprego

direto e indireto

Eucalipto (Aracruz

Celulose)

122 28

Eucalipto (Veracel

Celulose)

183 37

Café 1 < 1

Fonte: NADAI, OVERBEEK,SOARES, 2004, p.19

O estudo também demonstra que o emprego em uma fábrica de

celulose é extremamente caro, inclusive que o custo deste emprego

tem aumentado nos últ imos anos. Para se ter uma melhor noção destes

valores os autores elaboraram a tabela abaixo. (NADAI,

OVERBEEK,SOARES, 2004, p.18).

Page 172: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

171

Tabela 3 - Custo por emprego criado na produção de celulose em comparação com outros setores SETOR Custo por emprego gerado (em US$)

Assentamentos rurais 2.900

Industria (programa Pró-Trabalho) 8.400

Servicios (programa Pró-Trabalho) 12.700

Comercio (programa Pró-Trabalho) 32.100

Industria de celulosa (Bahía Sul . 1992) 619.808

Industria de celulosa (Aracruz . 2002) 3.323699

Industria de celulosa (Veracel . 2005) 3.750.000

Fonte: NADAI; OVERBEEK;SOARES, 2004, p.18

A implantação da fábrica representa uma transformação

radical do território em diversos sentidos. A transformação física do

espaço, de mata para fábrica esconde toda uma complexidade de

transformações sociais e ambientais. O que se vê na região é a

transformação do extremo sul da Bahia de área de trabalho dos

pequenos produtores rurais e de sobrevivência de populações

indígenas e quilombolas - espaço de possibil idades alternativas de

vivência (moradia, habitação, sobrevivência, identidade,

biodiversidade, etc.), em espaço de relações de trabalho alienado. O

trabalho alienado aqui aludido é aquele no qual o produtor não pode

reconhecer-se no produto do seu trabalho, porque as condições desse

trabalho, suas f inalidades reais e seu valor não dependem do próprio

trabalhador, mas do proprietário das condições do trabalho. A

alienação faz com que o produtor não se reconheça no seu próprio

produto, não o veja como resultado do seu trabalho, e faz como que o

produto surja como um poder separado do produtor e como um poder

que o domina e ameaça. (CHAUÍ, 1984).

Page 173: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

172

A exportação do território

A exportação tem sido sugerida a todos os países como uma

espécie de “solução salvadora”, conforme Santos (2002, p.87). Uma

vez que “cada época tem suas verdades e cria seus mitos” esse autor

questiona se o imperativo da exportação não seria um mito da época

atual, pois a confiança na mesma não é explicada. Diz Santos que “A

doutrina é tão forte que, embora isso não seja sempre reconhecido,

chega-se ao paroxismo de agir como se o próprio território devesse

também ser exportado” e conclui af irmando que “está havendo uma

entrega acelerada do território72” uma vez que o a regulação dos

projetos – que podem ser inteiramente estranhos ou adversos ao

interesse nacional - não está no domínio do país.

As empresas adquiriram grandes extensões de terras no

Extremo Sul do Estado da Bahia e ampliaram suas exportações. Bright

e Matton (2000) denunciaram que em 1993, a indústria de celulose

derrubou milhares de hectares de f loresta nativa na Bahia e no Estado

do Espírito Santo, substituindo-os por plantações de eucalipto.

Como af irma Santos (2002, p.88) os lugares têm a capacidade

de oferecer às empresas uma produtividade maior ou menor. Esta

análise também é feita por Harvey como vimos na primeira parte dessa

Tese. Diz Santos que:

[ . . . ] É como se o chão, por meio das técnicas e das decisões polí t icas que incorpora, const i tuísse um verdadeiro depósito de f luxos de mais-val ia, t ransfer indo valor às f i rmas nele sediadas. A produt ividade e a competi t iv idade deixam de ser def inidas apenas à estrutura interna de cada corporação e passam, também, a ser um atr ibuto dos lugares. (SANTOS, 2002, p.88).

O Extremo Sul do Estado da Bahia é um território que oferece

essa “produtividade” para as indústrias de celulose e papel. No caso,

tanto as polít icas públicas, ou a falta das mesmas, quanto as condições

edafoclimáticas favoráveis, citadas no segundo item, também desse 72 Conforme Santos (2002, p.100) reconhece-se a inseparabilidade estrutural, funcional e processual entre sociedade e espaço geográfico, no presente como no passado e no futuro. O Território é visto como um palco, mas também como um figurante, sociedade e território sendo simultaneamente ator e objeto da ação.

Page 174: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

173

capítulo, bem como as condições atuais de vida das populações,

acabaram por transferir valor às f irmas, baseadas na monocultura de

eucalipto para produção de papel e celulose, nele sediadas.

O discurso da “sustentabil idade”, juntamente com o da

“improdutividade do território, para as demais atividades”, tais como a

pequena produção agrícola de alimentos, bem como o “da vocação

regional para a produção de celulose e papel” contribuíram criando um

ambiente propício para a expansão da atividade no território e para o

que consideramos a sua exportação.

O processo de exportação do território inclui também a criação

de legislação pelo poder público, como parte do esforço para introduzir

a agroindústria na região. Essa "polít ica de apoio" signif icou recursos

f inanceiros destinados a grandes empreendimentos no setor de

celulose e papel. Atualmente a Veracel, conforme Relatório Anual de

200573 se beneficia dos seguintes incentivos f iscais:

a) Federais: em função da localização da empresa em área da extinta

SUDENE, hoje Agência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE), em

que a legislação tributária concede benefícios f iscais de redução, no

caso da Veracel de 75% a título de incentivos f iscais de renda sobre o

lucro das operações.

b) Estaduais: o estado concedeu o benefício do diferimento e o

diferencial de alíquota do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços – ICMS. O diferimento abrange a importação de insumos e

embalagens extensivas às atividades f lorestais, as operações internas

de fornecimento de energia elétrica a e a importação e aquisição no

mercado interno de bens do ativo imobilizado. O diferencial de alíquota

aplica-se às aquisições em outros estados de máquinas, equipamentos,

ferramentas, moldes, modelos, instrumentos e aparelhos industriais e

de controle de qualidade e seus sobressalentes. Além disso, a Veracel

foi habil itada no período de 30 de maio de 2004 e 30 de maio de 2005

ao Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica

do Estado da Bahia – Desenvolve, que proporcionou a uti l ização do

73 http://www.veracel.com.br/shared/rsdf2005_v2.pdf - acesso em 07-05-2006.

Page 175: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

174

benefício f iscal, gerando uma redução de R$ 2,4 milhões no

recolhimento do ICMS. O benefício total uti l izado até o momento é de

R$ 7,6 milhões. O benefício tem validade até maio do ano de 2016.

c) Municipais: Os municípios da área de atuação da empresa

concederam o benefício f iscal de redução de 5% para 2% da alíquota

do Imposto Sobre Serviços (ISS) para a Veracel e para as empresas de

prestação de serviços contratadas e vinculadas ao projeto de

construção da fábrica. No ano de 2005 o benefício foi da ordem de R$

6,8 milhões.

Neste mesmo relatório a empresa explica que “como a Veracel

está localizada na área de abrangência da Agência de Desenvolvimento

do Nordeste - ADENE, e sendo do setor de celulose considerado como

prioritário para o desenvolvimento regional (Decreto 4.213, de 26 de

abril de 2002), a Companhia obteve em 2005 o direito ao benefício de

redução de 75% do imposto de renda e adicionais não restituíveis,

sobre os seus lucros tributáveis decorrentes da instalação de sua

unidade industrial destinada à fabricação de celulose. A concessão do

benefício foi autorizada por meio do Laudo Constitutivo nº 0321/2005

do Ministério da Integração Nacional através da ADENE, restando o

reconhecimento pela Secretaria da Receita Federal”.

A Veracel, neste mesmo Relatório Anual de 2005, revela que

possui contas a receber de órgão público que são relativas aos

investimentos em infra-estrutura na região de localização da fábrica,

que serão integralmente reembolsados pelo Estado da Bahia, conforme

Termo de Reti-ratif icação ao Protocolo de Intenções assinado em 10 de

agosto de 2004. O Contrato de Absorção de Custos Financeiros f irmado

com a Agência de Fomento do Estado da Bahia S.A. - DESENBAHIA,

que suporta o acordo, def ine que os valores serão reembolsados à

Companhia nos mesmos prazos dos pagamentos dos juros do

f inanciamento com o BNDES vinculados à TJLP (Taxa de Juros de

Longo Prazo), durante o período de 2005 a 2014 (Nota 12). O montante

gasto até 31 de dezembro de 2005 foi de R$ 101.067, sendo que R$

13.076 já foram reembolsados pelo Estado da Bahia.

Page 176: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

175

Além disso, a Veracel menciona que vem acumulando créditos de

ICMS sobre suas operações de compra de imobilizado para a construção da planta

industrial, que em 31 de dezembro de 2005 monta a R$ 33.458, registrado no

realizável a longo prazo. Considerando que suas vendas são destinadas para o

mercado externo e, portanto, dentro da atual legislação, não sujeitas à incidência de

ICMS, a Veracel mantém estes créditos baseando-se na previsão legal para

negociá-los no mercado. A administração da empresa está envidando esforços

objetivando a realização destes créditos e já requereu a sua homologação junto à

Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, visando posterior transferência a

terceiros. Registrou provisão para ajuste ao valor de realização destes créditos

fiscais, com base na estimativa de um deságio de 25%. Esta provisão, em 31 de

dezembro de 2005, monta a R$ 8.364 e está contabilizada no realizável a longo

prazo, em contra partida do resultado na rubrica outras despesas (receitas)

operacionais, líquidas. Em relação ao IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados,

afirma a empresa em seu relatório que “com base na legislação fiscal vigente, a

Companhia vêm tomando crédito de IPI sobre produtos intermediários, PIS -

Programas de Integração Social e COFINS - Contribuição para o Financiamento da

Seguridade Social, sobre despesas de transporte, material intermediário,

depreciação de máquinas e equipamentos e outras”.74

Os incentivos fiscais aparecem como Reserva de Capital. Ainda conforme o

relatório de 2005, no exercício de 2004 a Companhia obteve habilitação junto ao

Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica do Estado da

Bahia - DESENVOLVE, que proporcionou a utilização do benefício fiscal, gerando

uma redução do recolhimento do ICMS. Em 31 de dezembro de 2005, o benefício

fiscal acumulado era de R$ 7.672.

Quanto à Aracruz Celulose, controladora da Veracel, os incentivos também

são mencionados em seu Relatório Anual 2005, no qual pode-se verificar a não-

incidência sobre as receitas de exportação da Contribuição Social Sobre o Lucro

Líquido. “Em setembro de 2002, a Sociedade obteve liminar que lhe permitiu, a partir

do ano calendário de 2002, não recolher a contribuição social sobre o lucro líquido

incidente sobre as receitas de exportação, bem como assegurou-lhe o direito à

compensação dos valores indevidamente recolhidos a esse título, corrigidos pela

74 O Relatório Anual da Veracel pode ser lido no site institucional da empresa. Nosso acesso foi em 05-05-2006. http://www.veracel.com.br/shared/rsdf2005_v2.pdf .

Page 177: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

176

taxa SELIC, no montante de R$ 174.261 em 31 de dezembro de 2005, para os quais

vem constituindo provisão contábil no exigível a longo prazo”75. Ou seja, a empresa

está esperando receber do Estado Brasileiro a devolução do que foi pago a título da

Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, devido por todas as empresas que

apuram os tributos federais com base no Lucro Real76.

Nesse ponto, é interessante também mencionar o que denuncia a Rede

Alerta Contra o Deserto Verde - ES/BA/RJ/MG. Segundo a Rede, a empresa investiu

nas campanhas dos candidatos de vários estados, de diferentes matizes políticos,

no processo eleitoral em 2002: nada menos de R$ 4.779.762,63 (fonte:

www.tse.gov.br). Segundo o Jornal Folha de São Paulo (02/02/2003), a Aracruz é o

terceiro contribuinte quando se trata do financiamento a candidaturas a deputado

estadual e federal no Brasil. Comparado com outras grandes empresas, o valor

investido pela Aracruz mostra a importância absoluta que ela dá às eleições de

parlamentares e governantes no Brasil: a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST)

investiu “somente” R$ 580 mil reais e a concorrente do setor, a Bahia Sul Celulose,

gastou R$ 403.372,01. Mencionando o caso do Estado do Espírito Santo, a rede

chama atenção também para as contribuições à campanha do governador Paulo

Hartung no valor de R$ 500 mil reais, “o maior apoio oferecido pela empresa” e à

campanha do Secretário Estadual do Meio ambiente Fernando Schettino – então

candidato a deputado estadual -, no valor de R$ 30 mil reais. Segundo a Rede, a

empresa busca “ter controle total sobre os governos estadual e até federal para

alcançar seus objetivos empresariais, passando por cima da sua dívida econômica,

social, cultural e ambiental incalculável com o Estado do Espirito Santo, bem como a

Bahia”. “Mais do que nunca, a Aracruz parece querer investir em velhas políticas de

cooptação, tão distantes dos seus pronunciamentos sobre responsabilidade

empresarial em fóruns nacionais e, sobretudo internacionais” (grifo do autor). REDE

ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE (2003).

No Boletim de monitoramento do BNDES feito pela ONG IBASE - Instituto

Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas divulgado em dezembro de 2005, revela 75 O Relatório Anual da Aracruz pode ser lido no site da empresa. Nosso acesso foi em 05-05-2006. http://www.aracruz.com.br/ra-2005/shared/if2005_pt.pdf 76 Lucro real é o lucro líquido do período base, apurado na contabilidade, ajustado através das adições, exclusões ou compensações, prescritas ou autorizadas pela legislação tributária. (Decreto Lei 1.598/77, art 6°). A determinação do lucro real será precedida pela apuração do lucro líquido de cada período-base. Conceito de Lucro Líquido: é a soma algébrica do lucro operacional, dos resultados não operacionais, do saldo conta de correção monetária e das participações, e deverá ser determinado com observância dos preceitos da lei comercial.

Page 178: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

177

que o banco aumentou o desembolso de recursos para setores que não geram

tantos postos de trabalho, como o de papel e celulose, em detrimento de

financiamentos para segmentos mais intensivos em mão-de-obra, como o de couro

ou de produtos têxteis. De acordo com o IBASE, os recursos à indústria de celulose

aumentaram 145% de 2003 para 2004, de R$ 430 milhões para R$1,052 bilhão. Em

contrapartida, houve, por exemplo, um decréscimo de 58% no setor de couro e

artefato no mesmo período. Os valores caíram de R$ 390 milhões para R$ 165

milhões. Os números foram retirados de boletins divulgados pelo BNDES. Para

Luciana Badin, pesquisadora do IBASE, além de empregarem mais mão-de-obra,

setores como o têxtil, os de confecções, alimentos, bebidas e outros segmentos de

bens de consumo de massa deveriam ter mais recursos porque "numa eventual

retomada da economia geram mais renda e mais demanda". Ela afirma, porém, que

a priorização desse setores ainda não chegou ao BNDES. O subsídio à indústria da

celulose também é criticado pelo Ibase por ser um segmento onde há "conflitos

socioambientais". (BRAFMAN, 2005).

As facilidades de acesso a recursos financeiros para aquisição de terras

foi decisiva na determinação da dita “vocação” da região para monocultura de

eucalipto e no processo de exportação do território. Ao permitir a concentração de

grandes extensões de terras da região do Extremo Sul da Bahia, nas mãos de

poucas e determinadas empresas que desenvolvem monoculturas de eucalipto,

determinou-se que produto seria hegemônico na região, ou seja, determinou-se

fortemente o que seria apresentado como "vocação". A própria empresa trata de

divulgar essas condições e no relatório anual da Veracel, em 2005, consta que:

[ . . . ] a competi t iv idade da operação é assegurada por condições como cl ima favorável, disponibi l idade de terras, possibi l idade de expansão futura, elevada produt ividade f lorestal, região com vocação e exper iência de sucesso em f lorestas plantadas e fabr icação de celulose, inf ra-estrutura adequada, sol idez e exper iência dos acionistas”77. (VERACEL, 2005)

77 http://www.aracruz.com.br/web/pt/aracruz/aracruz_perfil.htm. Acesso em 10-04-2006 e Relatório 2005 veracel

Page 179: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

178

CONCLUSÃO

Procuramos mostrar nesta Tese como o discurso empresarial

ambientalizado, que se apóia na legitimidade da idéia de desenvolvimento, na sua

atualidade re-legitimada pelo poder simbólico da noção de “sustentabilidade”, tem

implicado em mudanças no território do extremo sul da Bahia. As mudanças

resultantes da ação do discurso empresarial ambientalizado do “desenvolvimento

sustentável” tanto aparecem em termos da expansão da atividade de plantação de

eucalipto e da produção de papel e celulose, como de efeitos diversos sobre as

populações ligadas ao território estudado.

Como vimos, o discurso é “uma prática não apenas de representação do

mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo”

(FAIRCLOUGH, 2001, p.276). Em toda a extensão desta Tese, consideramos assim

a linguagem como prática social e não como atividade individual ou como reflexo de

variáveis situacionais. Isso tem duas implicações relevantes: primeiro, implica que o

discurso é um modo de ação, uma forma pela qual as pessoas podem agir sobre o

mundo e sobre os outros, assim como um modo de representação. Segundo, implica

uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, uma vez que a estrutura

social é condição e efeito da prática social, discursiva ou não. Por sua vez, as

práticas sociais sofrem interferência do universo simbólico, da forma como

associamos as idéias, criamos conceitos e valores.

Alguns atores sociais vêm em noções como “desenvolvimento

sustentável”, “responsabilidade social” e “modernização ecológica”, a possibilidade

de assegurar melhoria da qualidade de vida para todos. No entanto, observamos

que a crença de que essas propostas sejam capazes de disseminar benefícios

sociais, não é universal. Embora o discurso empresarial da sustentabilidade se

apresente e se imponha como ponto de vista universal, como doxa78, nos termos de

Bourdieu (1996, p.120), não se afigura um sentido que se faça hegemônico na

região estudada. A “sustentabilidade” do modelo produtivo defendida pelo discurso

78 Doxa, conforme Bourdieu (1996), são estruturas cognitivas incorporadas que estejam em consonância com as estruturas objetivas. São pontos de vista particulares, dos dominantes, que se impõem como ponto de vista universal.

Page 180: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

179

empresarial ambientalizado não é vista por todos da mesma forma. É o que se

verificou no campo social pesquisado, área de influência do discurso empresarial

ambientalizado das empresas plantadoras de eucalipto para produção de papel e

celulose para exportação, no extremo sul da Bahia.

O discurso empresarial do desenvolvimento sustentável é percebido pelos

agentes sociais organizados no campo social estudado, como uma promessa de

progresso sem, no entanto, constituir-se numa mudança de fato; por isso tais

agentes se colocam em posição de luta, em defesa dos seus próprios projetos,

resultando num conflito social contra as propostas do agronegócio. Os sujeitos que

estão sob a área de influência de tal discurso não estão convencidos da eficiência

dessa “sustentabilidade” em termos de realização do que promete e, portanto,

colocam suas propostas em disputa, como alternativas ao modelo agroindustrial.

O conflito social que permanece na região é resultado da contradição

entre as práticas apresentadas como sustentáveis no discurso empresarial e aquilo

que os agentes locais percebem e vivenciam, bem como quanto àquilo que preferem

para suas vidas. Para estes agentes, tais práticas empresarias, ditas “sustentáveis”,

significam a desestabilização de seus modos de vida, a redução do espaço para as

práticas produtivas tradicionais, a desqualificação de sua cultura, a destruição da

Mata Atlântica e sua biodiversidade pela expansão da monocultura do eucalipto,

sendo vistas, portanto, como insustentáveis.

O discurso do desenvolvimento sustentável aparece como um padrão

construído para transmitir a idéia de segurança, de certeza, de “sustentabilidade”

para um modelo de desenvolvimento que tem sido questionado por diversos agentes

organizados. Tal padrão discursivo designa o que é “sustentável”, assim como os

“que não são produtivos”, “os que não dão retorno”, “atrasados”, “estagnados”, que

podem representar “risco social” para a empresa.

Desse modo, evoca-se uma noção de limpeza (“produção limpa”,

“avançada tecnologicamente”, “viável”) e de impureza (tudo o que não se enquadra

com a proposta de sustentabilidade, nos moldes da produtividade agroindustrial),

num esforço destinado a limitar as incertezas e inseguranças próprias do capitalismo

globalizado, a partir das ações empresariais. No caso estudado, a imagem que se

busca criar para a monocultura não apaga a percepção, por muitos, da tendência à

desestabilização das bases de segurança que os processos produtivos locais

transmitem aos produtores do lugar por estarem sendo operados há muito mais

Page 181: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

180

tempo. Para estes atores, a pequena produção parece assegurar maiores e mais

estáveis níveis de ocupação.

O discurso da sustentabilidade das práticas empresariais na região

estudada também atua como critério de diferenciação no espaço social. Assim,

existem práticas para as quais o “lugar certo” não foi reservado. Na nova ordem

idealizada da produção (a ordem do agronegócio), a pequena produção é estranha e

não tem “lugar”. As lutas dos grupos organizados com projetos alternativos para o

território, são desqualificadas por defenderem práticas tornadas “estranhas”. As

práticas tradicionais que muitas vezes são formas comunitárias de produção, não se

ajustam ao novo esquema da produção em grande escala para o mercado

internacional de celulose e papel, no qual a competição é o cerne.

Percebe-se assim a construção simbólica do território em duas direções

opostas. A mídia e o Governo do Estado entendem o território da monocultura como

"produtivo" e "dinâmico", enquanto o movimento social argumenta que ali há a terra

é improdutiva, "onde não há nada", que “deve ser preparada para o plantio de

alimentos” e que “deve ser desapropriada para fins de reforma agrária”. Conforme

Bourdieu (1996, p.117) o mundo social está repleto de chamados à ordem que só

funcionam como tais para aqueles que estão predispostos a percebê-los.

A eficácia do discurso empresarial da sustentabilidade sobre atores

situados em instituições em níveis estaduais, nacionais e até mundial, porém, produz

efeitos sobre o local por implicar em acesso da empresa a financiamentos,

autorizações, certificações, que são condições necessárias para expansão de suas

atividades e manutenção de sua competitividade. A influência sobre os atores

externos – acionistas, financiadores, fornecedores, clientes, etc. - ocorre exatamente

em função do que o discurso promete: ser uma “nova prática social e

ambientalmente responsável”, novo modo de desenvolvimento e, ao mesmo tempo,

não ser algo diferente em termos de sistema de acumulação e produção capitalista.

As empresas põem-se assim numa posição privilegiada no acesso e uso

do território. A dominação exercida por intermédio da legitimação – trabalho

realizado pelo discurso empresarial ambientalizado - das práticas produtivas do

agronegócio, tende a impor a lógica econômica sobre as demais lógicas que

fundamentam as outras formas de viver de comunidades locais. As empresas

procuraram investir não só na acumulação de capital econômico, mas, também de

capital simbólico, postulando a “sustentabilidade” de suas práticas produtivas.

Page 182: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

181

Assim, o discurso da “sustentabilidade” tende a facilitar o acesso da

monocutura a grandes extensões de terras, limitando a possibilidade de manutenção

de usos variados do território por parte de agentes sociais crescentemente

envolvidos numa situação de violência simbólica. A legitimidade que o discurso do

desenvolvimento sustentável tende a conferir às empresas favorece seu diferencial

de poder de influência perante os demais sujeitos. Para se compreender

adequadamente as dimensões práticas e discursivas das tensões que atravessam o

território do extremo sul da Bahia, é preciso, porém, considerar que encontra-se em

disputa a legitimidade das formas de apropriação do espaço-tempo – também social

- por modos diferentes de ver e viver no mundo. Para que a sociedade elabore

coletiva e criativamente tais tensões, conforme sustenta Escobar (2003, p.23), é

preciso considerar a complexidade do social e, frente à ideologia do

desenvolvimento, estar aberto a “novas narrativas da cultura e da vida”.

Page 183: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

182

REFERÊNCIAS ACSELRAD, Henri. A construção da sustentabilidade – uma perspectiva democrática sobre o debate. Rio de Janeiro: FASE. 1999. 68 p. (Série Cadernos de Debate Brasil Sustentável e Democrático, n. 5) ______. Justiça ambiental e construção social do risco. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 13., 2002, Ouro Preto, MG. Anais... Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2002. ______. Políticas ambientais e construção democrática. In: VIANA, Gilnei. SILVA, Marina. DINIZ, Nilo (Orgs.). O desafio da sustentabilidade. São Paulo. Perseu Abramo, 2001. (Coleção Pensamento Petista). ______. Sentidos da sustentabilidade Urbana. In: ______. (Org.) A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, 240 p. _____ . Sustentabilidade e território nas ciências sociais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 7., 1997, Recife. Anais... Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1997. v. 3. p. ______ ; LEROY, Jean-Pierre. Novas premissas da sustentabilidade democrática. Rio de Janeiro: FASE, 1999 (Série Cadernos de Debate Brasil Sustentável e Democrático, n. 1). ALMEIDA, Luciana T. de : Política ambiental: uma análise econômica. Campinas: Papirus, 1998. AMBIENTE BRASIL. Ibama multa multinacional por crime ambiental na Bahia. 23 de Dezembro de 2005. Disponível em: <http://www.abdl.org.br/article/view/2636/1/179>. Acesso em 20 jul. 2006. ANDRADE, José C. S. Conflito, cooperação e convenções: a dimensão político-institucional das estratégias socio-ambientais da Aracruz Celulose S. A (1990-1999). 2000. 419 f. Tese (Doutorado em Administração) – Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia. 2000. _____ ; DIAS, Camila C. Conflito e cooperação: análise das estratégias sócio-ambientais da Aracruz Celulose S.A. Ilhéus: Editus, 2003. 351 p. ARAÚJO. Frederico Guilherme Bandeira. Saber sobre os homens, saber sobre as coisas: história e tempo, geografia e espaço, ecologia e natureza. Rio de Janeiro. DP&A, 2003. 368 p.

BARBOSA, Paulo. Uma parte do mundo visita Veracel e ouve os prós e contras da multinacional. Jornal Dia a Dia, Eunápolis. 12 abr. 2004.

Page 184: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

183

BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 145 p. Tradução de: Globalization: the human consequences. ______. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução de Mauro Gama e Claudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1998. 272 p. Tradução de: Postmodernity and its discontents. ______. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2001. 258 p. Tradução de: Liquid modernity. BECKER, Howard S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1999. 178 p. BLOWERS, Andrew. Environmental policy: ecological modernisation or the risk society?. Glasgow, v. 34, n. 5-6, p. 845-871. 1997. (Urban Studies)

BLUHDORN, Ingolfur. Ecological modernization and post-ecologist politics. In: SPAARGAREN, G. ; MOL, A. P. ; BUTTEL, F. H. (Org.). Environment and global modernity. London: Sage. 2000.

BOLETIM INFORMATIVO DO MOVIMENTO ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE DO ESPÍRITO SANTO E SUL DA BAHIA. n. 1/ 4, 2001. BOLTANSKI, L.- CHIAPELLO, E. El nuevo espíritu del capitalismo. Madrid: Akal, 1999. BORGES, Cristina Xavier de Almeida. Sustainable development: socio-environmental territoriality and Aracruz Celulose image In: CONGRESSO ANUAL DE CELULOSE E PAPEL, 34., de 2001, São Paulo. Anais... São Paulo: Associação Brasileira Técnica de celulose e Papel, 2001. p. BOURDIEU, Pierre. Dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 160 p. Tradução de: La domination masculine. _____ . A economia das trocas simbólicas. Tradução de Sérgio Miceli et al. 5. ed. São Paulo: Perspectiva. 2001. 361 p. (Coleção Estudos). BOURDIEU, Pierre. Lições da aula inaugural proferida no Collége de France em 23 de abril de 1982. Tradução de Egon de Oliveira Rangel. Campinas, SP: Papirus, 2000. Tradução de: Leçon sur la leçon. ______. Meditações pascalianas. Tradução de Sérgio Miceli. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 324 p. Tradução de: Méditations pascaliennes.

Page 185: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

184

_____ . Razões práticas : sobre a teoria da ação. Tradução de Mariza Corrêa. Campinas: Papirus, 1996. 224 p. Tradução de: Raisons pratiques – sur la théorie de l’action. _____ ; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. A profissão de sociólogo: preliminares epistemológicas. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes, 1999. Tradução de: Le métier de sociologue. _____ ; WACQUANT Loic. A nova bíblia de Tio Sam - Fórum Social Mundial 2001. Maio de 2000. (Biblioteca das Alternativas). BRIGHT, Chris ; MATTON, Ashley: A recuperação de um Hotspot. Revista Bimestral do Worldwatch Institute, Salvador, v. 14, n. 6, p. 8-16, 2000. BRAFMAN, Luciana. Estudo questiona política do BNDES: para ONG, crédito prioriza setores que empregam pouco: banco discorda. Folha Dinheiro, São Paulo. 15 dez. 2005. Fomento. BROWN, Lester. Por uma sociedade viável. Tradução de Mary Cardoso. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1983. 434 p. Tradução de: Building a sustainable society. CARIBÉ, Clovis. A sustentabilidade da região: o novo paradigma do desenvolvimento regional. Cadernos do CEAS, Salvador: n. 192, p. 27-52, mar./abr. 2001. CARNEIRO, Eder Jurandir. Notas para a crítica do desenvolvimento sustentável. 25 p. 2005. Mimeografado. CARNEIRO, Roberto A. F. Impactos da indústria de papel e celulose sobre o extremo sul: principais vetores de crescimento. Salvador, BA: Fundação Centro de Projetos e Estudos, 1994. 80 p. CARRERE, Ricardo (Org.). As plantações não são florestas. Montevideo, Uruguai.: Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, 2003. 211 p. CARVALHO, J. Murilo. Cidadania: tipos e percursos. Estudos históricos, Rio de Janeiro: n 18, 1996. Disponível em: < http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/199.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2006. CASSIRER, Ernst. Ensaios sobre o homem. Introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes. 1994. CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS (Teixeira de Freitas, BA). Eucalipto-celulose: desenvolvimento para quem? Teixeira de Freitas, BA, 1993. CHAUÍ, Marilena de S. O que é ideologia. 15. ed. São Paulo: Editora Brasiliense. 1984. 125 p.

Page 186: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

185

COIMBRA, Ubervalter. Manifestação pára carretas da Aracruz Celulose na BR-101 : Vitória. 08 de março de 2004. Disponível em <www.seculodiario.com.br>. COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL ( Salvador, BA). Programa de desenvolvimento regional sustentável – PDRS: Sul da Bahia. Salvador: 1997. 217 p. CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E ARQUITETURA (3. Região). O avesso do agronegócio. Entrevista, Salvador, v. 2, n. 9, p. 10, out./dez. 2004. CRUZ, Tatiana. Ameaça ao investimento de U$$ 1,2 bilhão. Zero Hora, Porto Alegre: 9 mar. 2006. DEMO, Pedro. Introdução à sociologia: complexidade, interdisciplinaridade e desigualdade social. São Paulo: Atlas, 2002. 382 p. DINIZ, Eli. Globalização, reformas econômicas e elites empresariais: Brasil anos 1990. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2000. 116 p. DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, estado e o futuro do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 219 p. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Tradução de Maria Isaura P. Queiroz. 9. ed. São Paulo: Nacional, 1978. ( Biblioteca Universitária. Série 2, Ciências sociais; 44) ESCOBAR, Arturo. Dinero, desarrollo y ecología. Revista de Ecología Política, Barcelona, n. 9, 1993.

FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Tradução de Izabel Magalhães. Brasília : Universidade de Brasília, 2001.

FERNANDES, Millôr. Váryas. Veja, São Paulo, p. 29, 12 out. 2005.

FIRMINO, Hiram. Veracel, fundamental. Jornal do Brasil, ano 2, n. 21, 10 out. 2003. p. 14-17. JB Ecológico Empresarial.

FOLADORI, Guilhermo. Limites do desenvolvimento sustentável. Tradução de Marise Manoel. Campinas: Unicamp. São Paulo. 2001. 221 p. FONSECA, Adilson. O lado triste dos 500 anos. A Tarde, Salvador, 12 mar. 2003. p.13. Domingo. FURTADO, Celso. O capitalismo global. 4. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra. 2000. 83 p.

FURTADO, Celso. Formação econômica do brasil. 7. ed. São Paulo: Nacional, 1967. ( Biblioteca Universitária. Série 2. Ciências Sociais; 23).

Page 187: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

186

FURTADO, Celso. Há risco de uma ingovernabilidade crescente. In: MINEIRO, Adhemar dos Santos; ELIAS, Luiz Antonio; BENJAMIN, César (Org.). Visões da crise. Rio de Janeiro : Contraponto, 1998. 199 p. GUIMARÃES, Roberto P. A ética da sustentabilidade e a formulação de políticas de desenvolvimento. In: VIANA, Gilney; SILVA, Marina; DINIZ, Nilo (Org.) O desafio da sustentabilidade: um debate socioambiental no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. p. 43-71. (Coleção Pensamento Petista). HAJER, M. A. The politics of environmental discourse. Ecological modernization and the policy process. Oxford: Clarendon. 1995. HANNIGAN, John A. Sociologia ambiental: a formação de uma perspectiva social. Tradução de Clara Fonseca. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. 271 p.

HOLLIDAY Jr.,Charles; SCHMIDHEINY, Stephen; WATTS, Philip. Cumprindo o prometido: casos de sucesso de desenvolvimento sustentável. Tradução de Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Campos, 2002. 405 p. Tradução de: Walking the talk. HUMPHREY, Craig R; LEWIS, Tammy; BUTTEL, Frederick H. Environment, energy and society. 2. ed. Belmont, Calif.: Wadsworth, 2001. JAMESON, Frederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. Tradução de Maria Elisa Cevasco. 2. ed. São Paulo: Editora Ática. 2004. 431 p. Tradução de: Postmodernism, or, the cultural logic of late capitalism. JÂNIO proíbe plantio de eucalipto. PorQuê?. Quatro por Quatro, Porto Seguro, ago., 2005. Jornal. KOOPMANS, Padre José. Além do eucalipto: o papel do Extremo Sul. Salvador: Memorial das Letras, 1999. 195 p. ______. Eucalipto-celulose: desenvolvimento para quem? Teixeira de Freitas: Centro de Defesa dos Direitos Humanos, 1993. 31 p. LAKATOS, Eva Maria. Sociologia geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1979. 311 p. LIMA, João Gabriel de. O MST ataca o Brasil que dá certo. Veja, São Paulo, p. 44-45, 2 jun. 2004. LINA, Maria. MST desocupa fazenda no Sul da Bahia. Agência Nordeste. Brasil: 9 abr. 2004. MACTAR, Sydi. Cuidado com o eucalipto! Tese da UENF mostra que a plantação de eucalipto reduz em até 25% o número de micróbios necessários à adubação. Jornal O Diário, Campos dos Goytacazes: 11 maio 2003. Geral/Mundo Rural.

Page 188: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

187

MAY, Peter H; LUSTOSA, Maria Cecília; VINHA, Valéria da. (Org.). Economia do meio ambiente: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2003. 318 p. MELLO, Cecília Campello do A. Notas etnográficas sobre as apropriações do meio ambiente natural no Extremo Sul baiano. ENCONTRO DA ANPPAS. 2. Indaiatuba: 2004.

MOVIMIENTO MUNDIAL POR LOS BOSQUES TROPICALES. Brasil: Aracruz encontrada in fraganti destruyendo bosques nativos. Secretaria Internacional. n. 40, Montevideo, Uruguay. Novembro de 2000. Boletim. Disponível em: <http://www.wrm.org.uy>. NADAI, Alacir de; OVERBEEK, Winfridus; SOARES, Luiz Alberto. Plantação de eucalipto e produção de celulose: Promesas de empleo y destrucción del trabajo. El caso Aracruz Celulose en Brasil. Montevideo: Movimiento Mundial por los Bosques Tropicales. 2004. OBSERVATÓRIO SOCIAL. Greve na Veracel: terceirizados. 12 de novembro de 2005. Disponível em: <http://www.observatoriosocial.org.br/conex/modules.php?name=News&file=article&sid=326>. Acesso em 11 jul. 2006.

PAIANOTOV, Todor . Mercados verdes : a economia do desenvolvimento alternativo. Rio de Janeiro: Nórdica, 1994. QUIVY, Raymond; CAMPENHOUDT, Luc Van. Manual de investigação em ciências sociais. Tradução de João M. Marques e Amália Mendes Carvalho. 2. ed. Lisboa: Gradiva. 1998. Tradução de: Manuel de recherche sciences sociales. SACHS, W., Essais on the archeology of development. Pennsylvania. University of Pennnsylvania: 1991, mimeografado. SANTILLI, Paulo; FARAGE, Nádia. Triste Roraima. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 jan. 2004. Opinião,Tendências e Debates, SANTOS, Milton. Território e sociedade: entrevista. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. 2000. 127 p. ______. O Pais distorcido: Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo: Publifolha, 2002. 221 p. _____ .; SILVEIRA, M. Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. 473 p. SCHMIDHEINY, Stephan. Mudando o rumo: uma perspectiva empresarial global sobre desenvolvimento e meio ambiente. Tradução de Maria de L. Vigoli. Rio de Janeiro: FGV, 1992. 372 p. Tradução de: Changing Course: a global business perspective on development and the environment.

Page 189: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

188

SECRETARIA DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO E MINERAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA. Bahia terra de bons negócios. Salvador, BA:Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional, 1998, p. 10. SHIVA, Vandana. Monocultura da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Gaia, 2003. 240 p. Tradução de: Monocultures of the mind.

SILVERSTEIN, Michael. A revolução ambiental. Rio de Janeiro: Nórdica, 1993. SOTO B., Fernando A. Da indústria de papel ao complexo florestal no Brasil: o caminho do corporativismo tradicional ao neocorporatismo. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia. Universidade Estadual de Campinas, 1992. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. (Salvador, BA). Os “novos mundos rurais” baianos. Salvador, 1999. p. 16-39. (Série estudos e pesquisas, n. 42). ______. Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste. POLONORDESTE. Projeto de Desenvolvimento Rural Integrado. Salvador, 1976. ______. Celulose e turismo: Extremo Sul da Bahia. Salvador: SEI, 1995. 132 p. (Série estudos e pesquisas, n. 28). TAVARES, Maria da Conceição; ASSIS, J. Carlos. O grande salto para o caos: a economia política e a política econômica do regime autoritário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. VALLE, Cyro Eyer do. Qualidade ambiental. Como ser competitivo protegendo o meio ambiente: como se preparar para as normas ISO 14000. 2. ed. São Paulo: Pioneira. 1995. 137 p. VINHA, Valeria G. da. O Estado e as empresas “ecologicamente comprometidas” sob a ótica do neocorporativismo e do State-society Synergy approach: o caso do setor de papel e celulose. ARCHÉ, v. 8. n. 25. 1999. p. 13-46. ______. Stakeholder approach: novo paradigma operacional? Disponível em: <http://www.latec.uff.br/anais/Artigos/142.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2005. ______. As empresas e o desenvolvimento sustentável: da eco-eficiência à responsabilidade social corporativa. In: May, Peter, H.; LUSTOSA, Maria Cecília; Valéria da Vinha (Org.). : Economia do meio ambiente. Rio de Janeiro: Elsevier. 2003. 318 p. VIOLA, Eduardo J.; LEIS, Hector R. O ambientalismo multissetorial no Brasil para além da Rio-92: o desafio de uma estratégia globalista viável. In: SEMINÁRIO DIRETRIZES DE AÇÃO PARA O MEIO AMBIENTE NO BRASIL. Brasília. 1994. Anais.

Page 190: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

189

WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 3. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. 464 p. Tradução de: Wirtschaft und Gesellschaft: Grundriss der verstehenden Soziologie. WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our Common Future. Oxford. Oxford University. 1987.

Page 191: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

190

ANEXO A Mapa da Bahia

Page 192: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

191

ANEXO B Mapa das Estradas da Bahia

Fonte: Ministério dos Transportes, em 2005.

Page 193: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

192

ANEXO C CARTA DE VITÓRIA

Nós, entidades que compõem o Movimento Alerta Contra o Deserto Verde, o Fórum

de Agricultura Familiar, o Fórum de Lutas do Campo e da Cidade e outros

signatários, nacionais e internacionais, participantes do Seminário Internacional

sobre Eucalipto e seus impactos, preocupados com a expansão da monocultura de

eucalipto para produção de celulose no Espírito Santo e no extremo sul da Bahia,

queremos apresentar as seguintes reivindicações:

• Exigimos da Assembléia Legislativa do Espírito Santo que garanta a aprovação

do Projeto de Lei nº252/2001 de autoria do deputado estadual Nasser Youssef,

derrubando assim o veto desta lei por parte do Governador José Ignácio Ferreira.

Esta lei significa um instrumento importante para regulamentar o plantio de eucalipto

no estado do Espírito Santo, seja diretamente pela Aracruz, seja pelo fomento

florestal, considerando as características do solo, água e clima para a definição do

plantio e condicionando o mesmo à recuperação da Mata Atlântica.

• Exigimos das autoridades governamentais no Espírito Santo e na Bahia que

intervenham imediatamente no processo de compra indiscriminada de terras pela

Aracruz Celulose, quando oferece preços bem acima dos de mercado, concentrando

terra, impondo-se como única alternativa para a crise do café e da pecuária,

crescendo em meio à ausência de políticas agrícolas e reforma agrária. Como

exemplo, a compra da fazenda Barba Negra, em Jaguaré, onde habitam 12 famílias.

A Aracruz Celulose arrancou o café, deu um prazo de 60 dias para as famílias

saírem, causando desespero e indignação em toda a cidade. Propomos que a

intervenção dos governos dos dois estados seja feita através de uma auditoria

conjunta, incluindo todas as terras da empresa, verificando a legalidade do processo

de aquisição e plantio posterior de eucalipto, como também esclarecendo a

quantidade real de ocupação de terras pelas empresas no Espírito Santo e na Bahia.

• Exigimos das entidades que representam as categorias empregadas na

eucaliptocultura, como as de engenheiros agrônomos e florestais, que realizem

debates mais profundos sobre os impactos sociais, ambientais e econômicos da

monocultura de eucalipto, sobretudo envolvendo as comunidades locais que

perderam suas terras, seus córregos, sua pesca e caça. Defendemos a ética

profissional e repudiamos uma visão unilateral, que privilegia eventos patrocinados

Page 194: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

193

pelas empresas plantadoras de monoculturas de eucalipto, como acontecerá no

próximo dia 27 de agosto em Vitória.

• Exigimos da Aracruz Celulose que ela pague suas dívidas fundiárias com os

índios Tupinikim e Guarani, negros remanescentes de quilombos e outras

comunidades rurais, devolvendo de forma definitiva suas terras que ela continua

ocupando. Pedimos à empresa que reconheça o desmatamento que ela praticou e

ajude a recuperar e proteger os recursos hídricos, fauna e flora, ameaçadas de

extinção, e resolva os problemas causados aos pescadores. Deve acatar as

reivindicações dos trabalhadores, muitos com processos trabalhistas sem definição,

assim como assumir a responsabilidade na terceirização de seus serviços nas

carvoarias, provocando a exploração dos trabalhadores e do trabalho infantil.

• Por fim, exigimos da Aracruz Celulose mais coragem, para participar de

seminários como este, quando a sociedade capixaba, com a participação de

especialistas nacionais e internacionais, debate durante três dias sua atividade. E a

empresa não aparece, mesmo tendo direito à fala, ou melhor, o dever da fala. Isto

diz muito sobre a forma autoritária com a qual a Aracruz trata a população capixaba,

a mesma população que cedeu suas terras para ela, que plantou e cortou seus

eucaliptos, que construiu suas fábricas e que produziu e continua produzindo sua

celulose.

Para construímos o futuro, precisamos recuperar o passado, resgatando direitos

econômicos, sociais, culturais e ambientais. Se no passado as populações capixaba

e baiana eram meros alvos de um processo de desenvolvimento ditado de cima para

baixo, hoje exigimos um processo que coloque estas populações em primeiro lugar,

como sujeitos e participantes ativos da construção de uma sociedade mais justa e de

um modelo de desenvolvimento que resulte em uma vida digna para todos.

Vitória, 21 de agosto de 2001

Movimento Alerta Contra o Deserto Verde (ES, e Sul da Bahia), Fórum de Lutas do

Campo e da Cidade/ES, Fórum da Agricultura Familiar/ES

Page 195: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

194

ANEXO D

CARTA DE PORTO SEGURO

Nós, representantes de comunidades quilombolas, Tupinikins, Pataxós, Guaranis,

pescadores e campesinas, e dezenas de entidades, presentes ao II Encontro

Nacional da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, movimento que luta contra a

expansão da monocultura do eucalipto para produção de celulose e carvão vegetal

no Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, vimos denunciar as

profundas violações dos direitos econômicos, culturais e socioambientais provocadas

por este complexo agroindustrial exportador.Ao longo das últimas quatro décadas,

este complexo tem destruído o modo de vida de comunidades locais. As empresas

do setor continuam invadindo suas terras, causando o êxodo rural e a conseqüente

dispersão de muitas comunidades. Os rios nessas regiões foram degradados pela

contaminação por uso intensivo de agrotóxicos e por um processo de secamento

relacionado ao plantio em larga escala, ambos comprometendo a pesca e a

qualidade e quantidade da água potável. A empresa Aracruz Celulose desviou o Rio

Doce para garantir o consumo abusivo de 248.000 metros cúbicos diários, inclusive

gratuitos, das suas três fábricas de celulose.As empresas, com seu discurso

desenvolvimentista, têm estimulado uma migração enorme de trabalhadores em

busca da promessa de emprego. Hoje, o que resta são milhares de ex-trabalhadores,

muitos mutilados pelo trabalho danoso, que foram demitidos como resultado de um

processo violento e nefasto de automatização e terceirização. A perda da dignidade

dessas pessoas é explícita quando constatado a existência de um alto índice de

prostituição infantil nos bairros onde os ex-trabalhadores abandonados residem. E as

pessoas que resistem, no meio da monocultura de eucalipto, estão perdendo sua

identidade e sua riqueza cultural e sofrendo literalmente um processo de isolamento

profundo. Quem resiste contra este projeto desumano está sujeito à tentativas de

cooptação e até ameaças de morte.Lamentavelmente, o Estado tem sido cúmplice

das práticas dessas empresas. Há quatro décadas que fornece altos empréstimos

através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e que

concede licenças ilegais para plantios – não respeitando áreas de preservação

permanente - e fábricas – uma construída em cima de uma antiga aldeia indígena.

Page 196: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

195

Além disso, as empresas exportadoras são devedoras no INSS e são beneficiadas

pela Lei Kandir, causando situações dramáticas como no Espírito Santo, onde o

governo estadual deve mais de R$ 100 milhões de créditos de ICMS à empresa

Aracruz Celulose. Ao mesmo tempo, o Estado não tem apresentado nenhuma

alternativa à população local, ao contrário, mostra-se cada vez mais conivente com

os interesses empresariais em detrimento da sua responsabilidade social e, neste

vazio, as empresas assumem alguns papéis do Estado, desenvolvendo uma relação

perversa de dependência e desestruturação da organização social das comunidades

locais.As entidades abaixo relacionadas entendem que as conseqüências de todos

esses problemas estão ligadas ao modelo atual de desenvolvimento financiado pelo

governo federal e por organismos internacionais que têm como objetivo,

exclusivamente, o retorno econômico dos financiamentos em detrimento do modo de

vida das populações acima relacionadas.As tentativas para reverter os danos das

estratégias empresariais perversas, introduzindo por exemplo o selo verde do FSC

(Conselho de Manejo Florestal) para o manejo sustentável de monoculturas de

árvores, têm se mostrado incapazes de reverter os impactos negativos já citados, e

mais ainda, insuficientes em redirecionar a lógica deste modelo agroindustrial.

Lembramos inclusive um relatório elaborado recentemente por uma equipe de

pesquisadores da Rede Alerta Contra o Deserto Verde que mostra a flagrante

insustentabilidade das plantações de eucalipto das empresas Plantar e V&M

Florestal em Minas Gerais, certificadas pela FSC. A Rede se pronuncia também

contra o uso de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo – MDLs – para plantações

extensivas dessas mesmas empresas mineiras, entendendo que esses mecanismos

continuam favorecendo países do Norte que não terão que reduzir suas emissões de

poluentes que contribuem para o aquecimento global, e ao aumentar as áreas de

plantações, os MDLs vêm agravando o empobrecimento das populações do

Sul.Afirmamos que existem contradições entre os investimentos nesse complexo

agroindustrial e o programa Fome Zero do Governo Federal. De um lado, volumosos

investimentos, como no caso da fábrica projetada da Veracel Celulose na Bahia,

continuam privilegiando uma monocultura que na sua grande maioria é destinada à

produção para exportação aos países ricos, gerando pouquíssimos empregos,

legitimando o latifúndio, impedindo a reforma agrária e aumentando mais ainda o

êxodo rural e o desespero de milhares de famílias que ficarão sem terra e sem

sustento. De outro lado, o governo apresenta um Programa Fome Zero que busca

Page 197: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

196

estimular a produção de alimentos, enquanto as melhores terras agricultáveis

continuam sendo ocupadas por plantações de árvores. As metas da política

macroeconômica não podem ser obtidas com o sacrifício das condições de vida,

saúde, trabalho e modos de vida dos trabalhadores e das comunidades que

necessitam de água, terra, pescado e caça para não serem obrigados a engrossar o

contingente de desempregados nas cidades.Não é suficiente buscar saídas

temporárias dentro do modelo atual de desenvolvimento. É preciso mudar

drasticamente os rumos deste modelo que gira em torno da acumulação financeira e

do consumo ilimitado, e construir uma outra lógica de desenvolvimento onde o ser

humano – homem e mulher - , na sua totalidade, seja questão central e que altere a

forma de utilização dos recursos naturais do planeta. Conscientes da

insustentabilidade do presente modelo, movimentos e comunidades que integram a

Rede Alerta Contra o Deserto Verde discutem e desenvolvem experiências novas no

campo da produção, valorizando a biodiversidade e os conhecimentos locais,

construindo assim uma outra relação com o ambiente.Em função de tão dramático e

insustentável quadro socioambiental acima descrito, envolvendo milhares e milhares

de pessoas diretamente, nós, comunidades e entidades abaixo relacionadas,

entendemos que é inaceitável a proposta do setor de ampliar suas plantações de 5

milhões de hectares para 11 milhões nos próximos 10 anos. E que a PARALIZAÇÃO

DA EXPANSÃO DA MONOCULTURA DE ÁRVORES DE RÁPIDO CRESCIMENTO

NO BRASIL na elaboração do novo PPA e da política industrial do governo é uma

necessidade de caráter extremo e urgentíssimo.

Porto Seguro, 29 de junho de 2003.

FASE-ES Vitória (ES) – SINDIPETRO São Mateus (ES) – MST – MPA – Movimento

Quilombola São Mateus (ES) – Associação Remanescentes Quilombos Conceição

da Barra (ES) – CDDH Teixeira de Freitas (BA) – APEDEMA Rio de Janeiro (RJ) –

STR São Mateus e Jaguaré (ES) – MDPS Porto Seguro (BA) – SINDEC Teixeira de

Freitas (BA) – STR Itanhém (BA) – AGB Vitória (ES) – APESCA São Mateus (ES) –

EFA Montanha (ES) – PT São Mateus (ES) – EFA Bley São Gabriel da Palha (ES) –

FASB Teixeira de Freitas (BA) – CEPEDES Eunápolis (BA) – AGB Rio de Janeiro

(RJ) – Grupo do Jongo São Mateus (ES) – STR Belmonte (BA) – STR Eunápolis

(BA) – CIMI Aracruz (ES) – Projeto Semear Eunápolis (BA) – Terra Viva Itamarajú

Page 198: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

197

(BA) –STR Teixeira de Freitas (BA) – SINTERP Eunápolis (BA) – STR Curvelo (MG)

– CEDEFES Belo Horizonte (MG) – CPT Belo Horizonte (MG) – Gambá Salvador

(BA) – Rede Mata Atlântica – Oásis da Luz Eunápolis (BA) – Deputado Federal

Guillherme Menezes (BA) – Assessoria Deputado Estadual Claudio Vereza (ES) –

Assessoria Deputada Federal Iriny Lopes (ES) – Aldeia Guarani Aracruz (ES) –

Comissão de Meio Ambiente CUT Rio de Janeiro (RJ) – STR Mucuri (BA) – STR

São Gabriel da Palha (ES) – CUT/BA Eunápolis (BA) – Sindicato dos Vigilantes

Eunápolis (BA) – Flora Brasil Porto Seguro (BA) – Frente de Resistência Pataxó

Monte Pascoal (BA) – P. Amigo Tartaruga Porto Seguro (BA) – EFA Boa Esperança

(ES) – CIMI Eunápolis (BA) – Missionárias Comboianas Aracruz (ES) – FASE

Nacional Rio de Janeiro (RJ)

Page 199: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

198

ANEXO E

Carta de Intenções do VII Fórum de Avaliação da Proteção Ambiental no Extremo

Sul da Bahia

Os participantes do VII Fórum de Avaliação da Proteção Ambiental no Extremo Sul

da Bahia, reunidos em Prado (BA) nos dias 19 e 20 de setembro de 2003,

apresentam abaixo propostas dirigidas à sociedade civil e a órgãos públicos com o

objetivo de garantir a efetiva proteção dos ecossistemas marinhos e terrestres do

Extremo Sul da Bahia e o desenvolvimento sustentável na região:

01) Concluir a construção e equipar o Núcleo de Educação Ambiental regional em

Prado.

02) Criar equipe de educação ambiental itinerante para atuar nos entornos de

unidades de conservação e nos municípios.

03) Estimular e implementar os comitês para a gestão ambiental das bacias dos rios

Jequitinhonha, Buranhém, Jucuruçu, Itanhém, Peruípe, Mucuri e microbacias.

04) Reiterar ao Governo do Estado a prioridade para implantar e desenvolver os

planos de manejo das APAs Santo Antônio, Coroa Vermelha, Caraíva/Trancoso,

Ponta das Baleias/Abrolhos e Mucuri, a partir de uma reavaliação do zoneamento;

implantar seus conselhos gestores e garantir a imediata estruturação pessoal e

material.

05) Criar delegacias ambientais no Extremo Sul.

06) Fortalecer as Agendas 21 nos municípios da região.

07) Solicitar à Procuradoria de Justiça a instalação de unidade do Ministério Público

que atenda às questões ambientais no Extremo Sul.

08) Sugerir ao Ministério Público que penas alternativas para crimes ambientais

possam viabilizar a realização das próximas edições do Fórum de Proteção

Ambiental do Extremo Sul, com a doação de recursos financeiros, material de

consumo, entre outras contribuições.

09) Estimular a criação de RPPNs, reservas legais, servidões ecológicas e outros

sistemas de proteção ambiental em áreas privadas, divulgando os mecanismos

legais, na região do Extremo Sul.

10) Apoio institucional da União, estados e municípios para programas de educação

ambiental.

11) Que as políticas públicas para o Sul da Bahia contemplem as diretrizes do

Projeto Corredores Ecológicos (Corredor Central da Mata Atlântica).

Page 200: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

199

12) Que o Prodetur II financie as estruturas municipais do Meio Ambiente visando a

efetiva implantação do Sisnama.

13) Que se garanta à sociedade amplo acesso a informações, projetos e

acompanhamento das ações a serem realizadas no Prodetur II, utilizando

metodologias e prazos compatíveis com cada comunidade.

14) Que os licenciamentos ambientais realizados no Extremo Sul da Bahia pelo

Governo do Estado sejam aprimorados.

15) Solicitar aos bancos públicos e privados o financiamento de sistemas agro-

florestais e agro-ecológicos.

16) Que se implante um novo modelo de política agrícola voltado para a agricultura

familiar, com vistas à criação de arranjos produtivos. E que o pequeno produtor

tenha condições de produzir e ter retorno de seu trabalho.

17) Que todas as áreas sobre proteção especial (ASPES), criadas no final do ano

passado no Extremo Sul do Bahia, sejam transformadas em unidades de

conservação de proteção integral.

18) Que os Parques Nacionais do Pau Brasil e Descobrimento tenham suas áreas

ampliadas de modo a proteger importantes remanescentes florestais em seu

entorno.

19) Implantar unidades de conservação marinhas com especial atenção ao Recife de

Timbebas, área pertencente ao Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, e à Área de

Proteção Ambiental Ponta das Baleias / Abrolhos.

20) Proteger ecossistemas marinhos relevantes ainda não protegidos no Extremo

Sul, como os bancos de áreas calcáreas, a quebra da plataforma e as montanhas

submarinas. Para essas áreas, propomos a criação de novas unidades de

conservação, além da ampliação e definição de zonas de amortecimento das já

existentes.

21) Criar Reserva Extrativista ou de Desenvolvimento Sustentável no Parcel das

Paredes e recifes costeiros próximos localizados nos municípios de Prado, Alcobaça

e Nova Viçosa.

22) Definir estratégia de atuação e estrutura para a fiscalização das áreas costeiras.

23) Análise de impactos estratégicos sobre a monocultura do eucalipto no Sul da

Bahia, gerando o zoneamento ecológico econômico, com monitoramento contínuo.

Page 201: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

200

24) Implantar um fundo de desenvolvimento sustentável regional com recursos

provenientes de compensação sócio-ambiental das empresas de eucalipto e

celulose da região financiados pelo BNDES.

25) Definir limites para a expansão do cultivo do eucalipto.

26) Empresas de celulose devem fornecer matéria-prima para carpintarias,

marcenarias, fabricantes de estacas e outras atividades madeireiras de pequena

escala, oferecendo alternativas à exploração dos remanescentes florestais de mata

atlântica.

27) Incentivar estudos de novas espécies nativas da mata atlântica a serem

exploradas pela silvicultura.

28) Aumentar o controle no fomento de eucalipto;

29) Que se ampliem os programas que visem melhorar a qualidade de vida das

comunidades tradicionais e povos indígenas da região, criando alternativas

sustentáveis de renda e fortalecimento de suas identidades culturais.

30) Incentivar a participação dos diferentes atores sociais, principalmente os setores

excluídos, na Conferência Nacional do Meio Ambiente e nos eventos preparatórios

regionais.

31)Moção: Nós, os participantes do VII Fórum de Avaliação da Proteção Ambiental

no Extremo Sul da Bahia, solicitamos que os compromissos firmados publicamente

quanto à prisão dos criminosos sejam efetivamente cumpridos pela Secretaria de

Segurança Pública do Governo da Bahia. A vítima, Norberto Hess, Secretário de

Meio Ambiente de Maraú, Sul da Bahia foi covardemente agredido a golpes de facão

no dia 25 de agosto deste ano, quando fotografava um caminhão com toras de

madeira extraídas de remanescentes florestais da mata atlântica naquela região.

“Até o momento os responsáveis não foram presos, sendo elementos conhecidos no

município. Certos de que os fatos serão apurados e os culpados condenados, pois

não podemos mais aceitar que atos praticados contra o meio ambiente fiquem

impunes, contamos com que as autoridades responsáveis, no uso de suas funções,

façam cumprir a lei. Haja justiça para Norberto Hess e para todos nós”.

Page 202: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

201

ANEXO F Carta ao Presidente

Brasília, 20 de outubro de 2003

Excelentíssimo Senhor

Luiz Inácio Lula da Silva

Presidente do Brasil

Senhor Presidente,

Queremos expressar, em caráter de absoluta urgência, o inconformismo da

sociedade civil organizada quanto às sucessivas decisões de governo – a expansão

da fronteira agrícola sobre as florestas brasileiras, a inclusão no Plano Plurianual

(PPA) 2004-2007 de inúmeras obras de infra-estrutura com forte potencial para

agravar o desmatamento da Amazônia e a concentração fundiária, a liberação do

plantio de transgênicos, a omissão em relação às mudanças climáticas globais, a

ameaça à integridade das terras indígenas, entre outras - , que contradizem o

programa de governo, fragilizam as políticas socioambientais e inviabilizam a diretriz

de transversalidade proposta pela ministra Marina Silva, comprometendo as

iniciativas positivas adotadas pelo MMA para a implementação destas políticas,

provocando a erosão da imagem e da credibilidade do governo junto à opinião

pública, dentro e fora do país. Cnstatamos que o governo não está avaliando

corretamente a dimensão do desgaste que já afeta V. Excia., e que ainda poderá

agravar-se, em curtíssimo prazo, caso os processos decisórios em curso sigam

desprezando as variáveis socioambientais, podendo até mesmo contaminar as

lúcidas e corajosas diretrizes estabelecidas para a política externa brasileira.

Conclamamos V. Excia. a definir e anunciar à Nação, uma pauta emergencial e

consistente de medidas concretas, que possa reverter decisões de grande impacto à

sustentabilidade ambiental e que têm acarretado sombria expectativa que se

dissemina em nosso campo político, e que inclua: o respeito ao principio da

Page 203: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

202

precaução e o atendimento da legislação ambiental necessária a garantir a

seguridade alimentar e socioambiental; o decidido combate ao desmatamento e às

frentes predatórias em atuação no território nacional; o fomento ao desenvolvimento

efetivamente sustentável; o fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente e do

Sistema Nacional de Meio Ambiente, inclusive no que se refere à política de

biossegurança; e a efetiva participação da sociedade civil nos processos, programas

e decisões de governo que afetem as políticas socioambientais.

Esperando a atenção de vossa excelência para esta urgente manifestação, nos

subscrevemos.

Atenciosamente,

Amigos da Terra - Amazônia Brasileira; Asessoria e Serviços a Projetos em

Agricultura Alternativa (AS-PTA); Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos;

Coalizão Rios Vivos; Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio

Ambiente eDesenvolvimento (FBOMS); ECOA; Fundação Pró-Natureza (Funatura);

Fundação SOS Mata Atlântica; Fundação Vitória Amazônica (FVA); Greenpeace;

Grupo de Trabalho Amazônico (GTA); Instituto Ambiental Instituto Ambiental

Vidágua; Instituto Centro de Vida (ICV); Instituto do Homem e do Meio Ambiente da

Amazônia (Imazon); Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora);

Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia da Amazônia (Ipam); Instituto de

Pesquisas Ecológicas (IPÊ); Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN);

Instituto Socioambiental (ISA); Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA); Rede

Cerrado de ONGs; Rede Pantanal; Vitae Civilis - Instituto para o Desenvolvimento,

Page 204: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

203

ANEXO G

Carta Aberta à população

DIA 21 DE SETEMBRO: DIA NACIONAL DE LUTA CONTRA AS MONOCULTURAS

Nós, moradores(as) de Vila do Riacho, comunidades indígenas Tupiniquim e

Guarani e integrantes da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, vimos denunciar

todas as formas de violência produzidas pela Empresa Aracruz Celulose contra as

populações locais do seu entorno desde a sua instalação há 36 anos.

A Aracruz Celulose destruiu todas as formas de subsistência de nossas populações:

destruiu os rios, destruiu a mata atlântica, invadiu nossas terras produzindo o caos

social e ambiental. Como a Aracruz Celulose que prometeu desenvolvimento,

emprego, melhoria das condições vida, conseguiu, nesses 36 anos, ficar

completamente impune?

As violências são inúmeras: a população de Vila do Riacho tem sido vítima de

abusos constantes das polícias militar, ambiental e da milícia armada da Aracruz

Celulose (VISEL). É-lhes cerceado o direito de ir e vir e de trabalhar; Trabalhadores

têm seus instrumentos de trabalho apreendidos e/ou destruídos; Moradores são

ameaçados; Adolescentes são ameaçados e presos; Famílias têm seus lares

invadidos; cidadãos são acusados de furto sem qualquer prova; Pequenos

proprietários são violados nos seus diretos, tendo a casa destruída e plantios

arrancados. E aí, a população indignada pergunta: o que se deve fazer quando a

polícia, que é sustentada pelo dinheiro público, que tem a função de dar segurança

ao cidadão, se transforma num instrumento de terror, a serviço de interesses

privados da Aracruz Celulose?

Os pescadores não têm mais o que pescar; a água de uso doméstico está

contaminada, adoecendo crianças e adultos, forçando uma população

desempregada a comprar água mineral ou a se deslocar quilômetros de distância

para buscar água potável. Tudo isso porque a Aracruz Celulose, na sua produção,

consome uma quantidade diária de água que corresponde à mesma quantidade que

uma cidade de dois e meio milhões de habitantes gasta por dia, e não paga nada

por isso. E mais, para atender ao seu interesse econômico não respeita qualquer

princípio ético, ambiental e social: represa rios, faz transposição da bacia do Rio

Page 205: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

204

Doce (Canal Caboclo Bernardo), inunda propriedades, inverte cursos de rios (Rio

Gimuna) e contamina as águas com uso intensivo de agrotóxico nas suas

plantações. Assim produz um desastre ambiental incalculável e irreversível. A

população mais uma vez pergunta: por que a Aracruz Celulose, que tem essa prática

perversa, consegue ser premiada como empresa defensora do meio ambiente?

Nossas populações locais que viviam de forma autônoma como pequenos

produtores, lavradores, pescadores e trabalhadores independentes hoje vivem

cercadas pelos plantios de eucalipto, sem qualquer perspectiva de trabalho. Para

muitos de nossos trabalhadores não resta outra alternativa imediata de

sobrevivência senão a produção de carvão. Entretanto, nem isso podem fazer. A

empresa com toda sua truculência tem perseguido os catadores de resíduos e os

trata como se fossem bandidos, buscando cada vez mais inviabilizar a permanência

das comunidades no seu entorno. A população outra vez pergunta: diante de tantos

danos causados por que a empresa recebe financiamento público e privilégios

fiscais? Enquanto, para nós resta o mau cheiro, a poluição, o risco tóxico e o total

descaso por parte do estado e da prefeitura.

A Aracruz Celulose quer negar o seu passado destruidor da cultura e do modo de

vida das populações locais. Só quer olhar para o futuro e gerar desenvolvimento.

Perguntamos: desenvolvimento para quem? Para nós, discutir o passado é vital.

“Perguntem aos mais antigos sobre o estrago que ela, a Aracruz Celulose, fez por

aqui! Aí então vamos lembrá-la do que perdemos e quanto custa a ela reparar as

perdas e danos que ela nos causou”.

POUCOS SABEM QUE NO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2004 A ARA CRUZ

CELULOSE OBTEVE UM LUCRO FINANCEIRO DE 135,5 MILHÕE S DE

DÓLARES.

QUANTO MAIOR O LUCRO DA EMPRESA MAIOR A MISÉRIA DO POVO!

Page 206: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 207: 1 MÁRCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO A …livros01.livrosgratis.com.br/cp022930.pdf · em Planejamento Urbano e Regional da ... PIM - Programa de ... 3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo