71628385 O Filme Como Informacao a Informacao Como Processo Transformador a Transformacao Do Sujeito...

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  • O FILME COMO INFORMAO A INFORMAO COMO PROCESSO TRANSFORMADOR

    A TRANSFORMAO DO SUJEITO-ESPECTADOR

    Valria Cristina L. Wilke* Leila Beatriz Ribeiro**

    Carmen Irene C. de Oliveira*** Grupo Temtico: Informao e Sociedade/Ao Cultural

    Resumo: O texto flmico abordado como documento informacional cuja recepo/leitura, deve ser entendida dentro da corrente dos estudos culturais. A prtica docente conduziu um trabalho de campo que explorou as leituras produzidas por alunos do curso de Pedagogia da Instituio de origem das pesquisadoras. Das anlises foi possvel desenhar um processo, dividido em trs nveis, que vai desde o texto flmico at a produo de novas discursividades. A fundamentao terica pauta-se na articulao dos conceitos de recepo (dentro dos estudos culturais), informao, texto flmico, leitura e indstria cultural para entender as diferentes formas de funcionamento da informao nos nveis delineados. Assim, no primeiro nvel a informao intrnseca ao texto flmico aciona o processo de decodificao em conjuno com o segundo nvel, no qual as informaes, potencialmente latentes no espao exterior ao texto flmico, situam o receptor no mbito da leitura. O terceiro nvel pode ser entendido como o espao de produo das novas discursividades que podem ser tanto materiais (textos) quanto experenciais, espaos de negociao e interlocuo no qual o receptor do incio do processo metamorforseia-se em sujeito crtico.

    Palavras-chave: informao - texto flmico - recepo

    * Mestre em Filosofia (UFRJ)/ Dept de Filosofia e Cincias Sociais (UNIRIO)/[email protected] ** Doutoranda em Cincia da Informao (IBICT/UFRJ)/Dept Processos Tcnico-Documentais (UNIRIO)/[email protected] *** Mestre em Memria Social e Documento (UNIRIO)/Coord. Ed. a Distncia (UNIRIO)/[email protected]

  • INTRODUO

    Com seus pouco mais de cem anos de existncia, a indstria cinematogrfica deu-

    nos, alm de sonhos, um objeto delimitado, discutido e analisado por diferentes correntes

    em diferentes reas e que constitui um elemento marcante nas teorias da modernidade: o

    filme. Especificamente na rea da Cincia da Informao, este objeto tem sido abordado

    considerando as necessidades de recuperao da informao de imagens em movimento.

    A pesquisa institucional Texto flmico: construo de um modelo de leitura e

    anlise informacional1 segue uma outra abordagem cuja base terica assenta-se na

    concepo de filme: a) como produto da indstria cultural; b) como um texto (texto flmico)

    em cuja materialidade inscrevem-se os diferentes cdigos que funcionam na linguagem

    cinematogrfia; c) como documento informacional.

    Desta forma, o texto flmico transformou-se sob essa nova perspectiva e tornou-se

    um objeto que, para alm da representao, funciona na produo de novos discursos ao

    envolver no seu circuito de produo e difuso vrios elementos, dentro os quais o

    leitor/espectador, que de ns merece especial ateno.

    Como uma representao do recorte emprico apresentado em nosso trabalho,

    escolhemos, baseados em Minayo (1992), uma realidade que nos conhecida sob o ponto

    de vista espacial e temporal a relao pedaggica e o uso do texto flmico pelo

    professor como instrumento de leitura (recepo) para fins de compreenso e anlise das

    abordagens de insero (indstria cultural), gerao, disseminao e uso da informao.

    1 Pesquisa institucional desenvolvida pelas autoras; encontra-se em fase de anlise de dados.

  • OS FUNDAMENTOS

    As primeiras anlises realizadas com leituras produzidas em sala de aula

    demonstraram que tais questes deveriam ser tratadas considerando a corrente da recepo

    como entendida nos Estudos Culturais, conforme abordaremos mais adiante.

    Com base nas estratgias de uso da informao e de leitura e utilizando como

    campo uma disciplina para o curso de graduao em Pedagogia, na qual foram trabalhados

    cinco textos flmicos2, os dados coletados e analisados nos permitiram identificar nveis

    informacionais agenciados pelos receptores.

    O primeiro nvel denominado por ns informaes intradiscursivas (WILKE,

    RIBEIRO, OLIVEIRA, 2002) (possibilita o entendimento da construo do texto flmico.

    Ou seja, existem informaes disponibilizadas que somente podero ser acessadas por

    aqueles que dominam os cdigos pertinentes especializados para que a leitura seja

    realizada. Estamos falando, nesse caso, dos chamados cdigos cinematogrficos e no-

    cinematogrficos, que compem qualquer texto flmico. Nosso pressuposto inicial foi o de

    que os nossos leitores detinham um conhecimento mnimo e razovel para acompanhar e

    entender uma trama cinematogrfica. Eles seriam o que alguns tericos denominam leitores

    de olhares alfabetizados. Situamos, ainda, nesse conjunto de cdigos todas as informaes

    pertinentes a construo do prprio filme enquanto pelcula (uso de todos os artefatos da

    indstria cinematogrfica), assim como a elaborao do filme sob o aspecto dramatrgico

    (direo, atuao, construo de roteiro, escolha da trilha sonora, etc). Nesse sentido, de

    acordo com o capital cultural de cada leitor, uns sero mais ou menos capazes do que

    outros de localizarem elementos discursivos pertinentes a um entendimento mais ou menos

  • elaborado acerca das estratgias escolhidas pelos produtores. Temos, nesse nvel, o cerne

    de nosso projeto o texto flmico pensado como deflagrador de novos textos.

    O segundo nvel, as informaes extradiscursivas, dizem respeito s chaves de

    leitura acionadas pelos receptores sobre a realidade transposta pela realidade construda

    cinematograficamente, a partir de mecanismos dados pela sua insero na sociedade. Cabe

    aqui buscarmos quais sero esses mecanismos utilizados sob o ponto de vista

    informacional para que os leitores/receptores possam desvelar o real e construir/entender

    o sujeito. (Ou diramos, o seu papel de agente social). Nesse nvel articulam-se conceitos

    que funcionam como eixos norteadores de nossa reflexo.

    Finalmente, no terceiro nvel temos o espao de ao onde emergem novas

    discursividades do conjunto formado por receptores, contexto e produtores. Representando

    o espao de produo de novos sentidos, este nvel apresenta-se como o locus de

    construo/elaborao onde, considerando a relao pedaggica, professor e

    aluno/espectador/receptor so os agentes mais atuantes.

    2 X-men, Gattaca, Show de Truman, Uma Cidade sem Passado, Ns que aqui estamos por vs esperamos.

  • 2 nvel 1 nvel

    Espao do leitor (processo de identificao)

    Espao de uso (produo de registro e

    de insero)

    InformaoRecepo

    Texto Flmico

    Indstria Cultural Leitura

    3 nvel

    Espao do leitor (processo de significao)

    Espao de uso (contextode produo e insero)

    QUADRO CONCEITUAL

    A interao conceitual e pragmtica entre os produtores, disseminadores e

    receptores do texto flm fluxo informacional d o e constante,

    representado pelos tipos de recursos acionados, pela natureza e valor da informao

    circulada, pelo papel desempenhado pelos ediam essa troca, os quais

    empregam estratgias de comunicao e modos de apropriao do conhecimento,

    produzindo, assim, novas form doras de conhecer e agir sobre alidades.

    Informao - Na filosofia tradicional, ou seja, numa linguagem escolstica e

    neoclssica, a i o de dar ou receber uma forma a uma

    dar a conhecenformao : a ar qualquer coisa a algum. (LALANDE, 1999, p.569). Amatria ou ainda:

    qui a informao as suas reas inovaagentes que mico implica um inmic

  • coloca-se como instrumento capaz de falar de algo que se assemelha e ao ser capaz de

    descrever este algo representado demonstra que a eficcia dos objetos informativa.

    Classificar, relacionar, generalizar, abstrair, traduzir conceitos, entre outros, so

    operaes que, por meio da juno do cdigo lingstico com a conceitualizao, nos

    permitem armazenar (memorizar) e documentar (inscrever) conceitos, com seus respectivos

    signos. (SILVA, 2000, p.26).

    No entanto, os processos sociais de produo e transferncia da informao para a

    organizao e manuteno de estoques de informao so responsveis por novas formas

    de disperso da informao e pela retrao das foras vinculantes dos espaos e aes de

    comunicao. (GONZLEZ DE GOMEZ, 1993, p.217)

    De acordo com Barreto (1994), diremos que a produo da informao

    representada por um conjunto de atividades interligadas juno, seleo, codificao,

    reduo, classificao e armazenamento das informaes, visando eficincia dos estoques

    de informao e a dinamizao da transferncia, que promove, em sua determinada

    proporo, a comunicao necessria obteno de um conhecimento. Nesse sentido,

    admitimos serem os museus as bases de dados, as bibliotecas e os arquivos os depositrios

    que, a partir da comunicao efetivada entre seus estoques e o receptor, demandando e

    fornecendo conhecimentos, sofreram diversas transformaes em seus respectivos sistemas

    de organizao, devido ao crescimento da produo das informaes e aos problemas com

    relao estocagem. Pensar na estocagem, pensar necessariamente no suporte em que

    essa informao veiculada e, conseqentemente, na palavra. A imagem e a palavra

    mas no s elas para exercerem seu potencial representacional esto inseridas em um

    contexto discursivo que se manifesta no documento.

  • O texto flmico como um documento informacional - o texto flmico assume o

    status de documento porque produto da sociedade que o fabricou segundo as relaes de

    foras que a detinham o poder (LE GOFF, 1996, p. 234). A informao ao se colocar

    como um instrumento capaz de falar de algo que se assemelha e ao ser capaz de descrever

    este algo representado demonstra que a eficcia dos objetos informativa. Esta eficcia

    legitimada quando o documento-dispositivo veiculado por uma autoridade. Nesse sentido,

    o texto flmico ao se constituir como documento-informao pressupe, de acordo com as

    circunstncias de produo, transmisso e uso, o carter dado operao que o

    circunscreve e a legitimidade/autoridade dada pelas suas inscries conteudsticas o carter

    de documento-testemunho pode proporcionar a aqueles que o utilizam o sentido de prova,

    ato ou fato. Estas inscries, por outro lado, podem possibilitar ainda a construo de novas

    possibilidades categoriais dadas ao documento-informao, tais como: deficional,

    circunstancial, etc.

    Leitura - Inicialmente, importante estabelecer que o que consideramos leitura

    mais do que uma interao entre um leitor e um texto. Isso porque o texto um meio, a

    regra de um jogo que se estabelece entre o leitor e outro sujeito, que para Wolgang Iser

    (1999) o autor e para Eni Orlandi (1987) pode ser qualquer outro sujeito. O significativo,

    nesse ponto, que a relao no se estabelece com o texto e sim por intermdio dele. O

    texto, com sua estrutura e seus cdigos constituintes, estimula atos que desencadeiam a

    produo de sentidos. Nessa produo, esto em jogo vrios fatores que so da instncia do

    prprio texto, do leitor e da historicidade de ambos. Trata-se, na verdade, de no polarizar

    o entendimento do processo de leitura seja no texto seja no leitor. Como prefigurao

    estruturada (ISER, 1999, p.10), o texto apresenta os caminhos que conduzem a leitura,

  • alimenta o processo por este realizado com os seus elementos constituintes, mas, de forma

    alguma consegue controlar esta dinmica, ou seja, a leitura; isso justamente por que o leitor

    est inscrito em um contexto que determina sua historicidade.

    Leitura e texto so conceitos estreitamente relacionados. E no poderia ser de outra

    maneira, pois quando inventou-se a escrita, outro invento foi necessrio: a leitura. Ao

    cdigo da escrita relaciona-se a sua decodificao. Alm disso, nasceram o escritor/autor e

    o leitor, aquele a quem era destinado o texto. Este leitor pode ser algum especfico, como

    no caso de uma carta pessoal, ou um grupo ou a humanidade. No entanto, como nos diz

    Manguel (1997), toda escrita depende da generosidade do leitor. Ao terminar seu texto e

    pensar para ele um leitor virtual o autor deve retirar-se para que sua obra possa ganhar

    sentido; possa ser lido e produzir os sentidos que fogem ao seu prprio controle. O texto

    somente ganha existncia quando o autor no mais est nele presente e quando o processo

    de leitura o faz viver de diferentes formas e em diferentes pocas. Na leitura, o leitor

    reinscreve o texto em uma outra historicidade que difere daquela de sua produo e

    reinscreve-se em uma outra historicidade que no a sua.

    No sem motivo que Orlandi (1987) nos alerta para o fato de que a leitura pode ser

    um processo muito mais complexo do que pode parecer. Entre as variveis que devem ser

    consideradas, alm das j citadas historicidades do texto e do leitor, temos as relaes que o

    texto estabelece com outros textos e que, dessa forma, acionam a formao dos sentidos

    que nascem da leitura; a compreenso dos cdigos utilizados na construo do texto

    (considerando que no nos referimos somente ao texto escrito, mas tambm a outros tipos

    de textos, como os imagticos); o saber enciclopdico do leitor.

  • Texto flmico - O que se pretende tratar como texto flmico necessita ser entendido

    dentro de um contexto que envolve a produo cinematogrfica e seus cdigos.

    O que denominamos texto flmico um objeto delimitvel, o filme, e constitui o

    produto de um sistema que funciona como uma linguagem especfica a cinematogrfica.

    Esta concepo est alinhada s teorizaes de Christian Metz (1971), que trabalha com

    uma distino elaborada por Gilbert Cohen-Sat em 1946, na qual o filme apenas uma

    pequena parte do cinema. O cinema engloba um conjunto dos fatos que tanto precedem

    (infra-estrutura econmica da produo, estdios, legislaes nacionais, papel da censura),

    quanto sucedem (influncia social, cultural, poltica e ideolgica do filme, estudos sobre

    audincia, etc.) a produo do filme. Alm de abarcar alguns fatos que se desenvolveram

    durante o filme: condies e disponibilidade das salas, ritual da sesso de cinema, etc.

    Assim, a proposta de Metz, e ns a adotamos, a de uma anlise do discurso flmico que

    trata o filme como texto no qual diferentes cdigos esto inscritos, implcitos em um

    trabalho ou processo de significao.

    importante ressaltar que o cinema para constituir-se, desenvolveu um sistema de

    produo de sentidos e significao que funciona como uma linguagem. A importncia

    desta distino reside no fato de entendermos que por intermdio da linguagem que uma

    sociedade produz e reproduz padres culturais e ideolgicos. A linguagem agencia e

    combina elementos na sua tarefa de comunicar; por seu intermdio que construmos a

    nossa realidade, adquirimos os nossos padres culturais e nossas identidades. O cinema

    desenvolveu seu prprio sistema de cdigos que funcionam na construo do texto flmico.

    Assim, como nos diz Turner (1997), para significar o cinema tem, por exemplo:

    a) o close-up que indica forte emoo ou crise;

  • b) o slow fade ao final das cenas de amor, indicando o desvio do olhar do espectador e,

    ao mesmo tempo a continuao da cena;

    c) o sistema shot-reverse shot que uma conveno para representar um dilogo;

    d) o emprego da msica para indicar emoo;

    e) as seqncias em cmera lenta usadas para estetizar a cena, embelezando ou dando

    relevncia ao tema, funcionando para mitologizar determinas cenas. Isso pode ser

    visto em Uma rajada de balas, Meu dio ser sua herana e, mais recentemente em

    Matrix.

    Indstria Cultural - O conceito de indstria cultural foi desenvolvido para

    analisar o novo estatuto dos bens culturais enquanto mercadoria, em torno de 1940, por

    Adorno e Horkheimer, no mbito da Escola de Frankfurt. De acordo com os

    frankfurtianos, este conceito propriamente no diz respeito s indstrias produtoras de bens

    culturais em massa e nem s tcnicas de difuso massiva destes bens, mas ao moderno

    processo histricofilosfico em que se deu a transformao da cultura em bem de

    consumo, ou seja, em mercadoria. Por conseguinte, para a melhor compreenso da

    categoria indstria cultural no se deve prender literalidade do termo indstria e sim ao

    movimento proporcionado pelo desenvolvimento do capitalismo avanado em que as

    relaes mercantis foram estendidas vida social, tornando-se hegemnica.

    Como mercadorias culturais, os bens culturais perdem o carter estrito de criaes

    artsticas na medida em que so absorvidos pelo conjunto da atividade econmica

    capitalista. Dentro desse contexto, h tanto o uso mercantil dos veculos de comunicao e

    das tcnicas promocionais de marketing quanto a tendncia padronizao dos bens

  • artsticos e intelectuais e o mercado de bens culturais, que permite a circulao e a

    distribuio destes para alm do mbito do mecenato e da aristocracia.

    Recepo - Os estudos de recepo datam de meados do sculo XX e desde ento

    tm modificaram muito as concepes acerca dos espectadores dos meios de comunicao.

    Os modelos que, principalmente, nortearam estes estudos, entre 1950 e 1980, foram: o

    positivista, que se alicerava nos fatos e nas experincias, e o marxista, sob influncia da

    Sociologia. Na dcada de 1970, os estudos de recepo estavam mais voltados para os

    efeitos produzidos pelas mensagens veiculadas pelos meios de comunicao (WHITE,

    1998, p. 57). J na dcada de 1980, os estudos se voltaram para a anlise dos significados

    que os receptores faziam dessas mensagens.

    As primeiras pesquisas iniciaram-se em decorrncia de preocupaes que foram

    originalmente formuladas no seio das agncias institucionalizadas, notadamente de natureza

    tcnico-educativa (FAUSTO NETO, 1995, p.190-191), e foram desenvolvidas por

    pesquisadores das Cincias Sociais, principalmente antroplogos e socilogos, sendo

    somente utilizadas mais tarde por pesquisadores da Comunicao.

    Um grande problema para se estudar a recepo, que esta pode ser percebida por

    diferentes maneiras pelos profissionais que se dedicam ao seu estudo, fazendo com que,

    muitas vezes, essas classificaes sejam totalmente distintas e at mesmo incompatveis

    entre si. necessrio buscar outras tcnicas e abordagens que possibilitem conhecer as

    negociaes travadas pela emisso e recepo, uma vez que, nesta ltima, h a existncia

    de uma multiplicidade de receptores/leitores, j que se constitui no interior do prprio

    processo discursivo por meio de mltiplas operaes articuladas pelos processos da prpria

    linguagem (FAUSTO NETO, 1995, p.194).

  • Uma abordagem dos estudos da recepo a teoria crtica, que aborda as relaes

    de poder entre os sujeitos, estes entendidos agora no somente como indivduos, mas

    tambm como pertencentes a um grupo, uma classe, contextualizados historicamente. O

    fator principal que permitiu a mudana para a abordagem crtica foi a identificao do

    texto como fenmeno processual [...] onde este deve ser percebido como algo incompleto e

    dinmico exigindo a atividade de leitura para se completar (PAULA, 1998, p.133).

    Desta maneira, como as leituras so entendidas como resultados da dinmica entre as

    experincias sociais reais e a experincia mediada textual, do fato de os leitores/receptores

    serem sujeitos sociais e estarem imersos em grupos especficos faz com que ao grupo social

    seja dada uma posio importante dentro do estudo da recepo. A

    interpretao/decodificao da mensagem est intrinsecamente relacionada posio social

    do receptor e aliada a uma posio particular de discurso, uma vez que o acesso aos

    diferentes discursos determinado pela posio social. Dentro desta perspectiva terica,

    determinados temas ganham relevncia: resistncia, cultura de resistncia, cultura de

    contraposio, comunicao alternativa, receptor ativo, guerrilha televisiva, hegemonia,

    ideologia e classes, entre outros. Das quatro correntes tericas que foram desenvolvidas a

    partir da teoria crtica, Estudos culturais; Interacionismo simblico; Estudos consensuais

    culturais; Mediaes entre a lgica da produo e do consumo, somente a primeira ser

    abordada neste trabalho.

    Os estudos culturais podem ser considerados um movimento terico-poltico

    surgido na Gr-Bretanha, na dcada de 1960, sob forma organizada, atravs do Centre for

    Contemporary Cultural Studies (CCCS), diante da alterao dos valores tradicionais da

    classe operria da Inglaterra do ps-guerra. Como principais fatores que contriburam para

  • formar um ambiente propcio ao surgimento e desenvolvimento dos Estudos Culturais

    estariam os movimentos no mbito da literatura inglesa, e a ascenso, na dcada de 1960,

    de alguns movimentos sociais de esquerda, que se sustentaram na teoria marxista. No

    entanto, os Estudos Culturais atribuem cultura um papel que no totalmente explicado

    pelas determinaes da esfera econmica (JOHNSON, ESCOSTEGUY & SCHULMAN,

    2000, p. 144). No sendo considerado por seus criadores como uma disciplina, mas uma

    rea onde diferentes disciplinas interagem, os Estudos Culturais surgiram da insatisfao

    com algumas disciplinas e seus prprios limites (JOHNSON, ESCOSTEGUY &

    SCHULMAN, 2000, p.137) para a explicao dos aspectos culturais da sociedade

    contempornea.

    Como principais tericos que contriburam para o surgimento dos Estudos Culturais

    esto Richard Hoggart, Raymond Williams e E. P. Thompson, que tm como principal

    objeto de estudo os materiais culturais da cultura popular e dos mass media, argumentando

    que na cultura popular no existe apenas submisso cultura hegemnica, mas, ao

    contrrio, tambm h resistncia. Desta maneira, a cultura constitui a categoria-chave para

    os Estudos Culturais, entendida a partir de um conceito antropolgico segundo o qual ela

    um processo no qual os significados e definies so socialmente construdos e

    historicamente transformados (JOHNSON, ESCOSTEGUY & SCHULMAN, 2000, p.

    140).

    A temtica da recepo e dos consumos mediticos ganharam importncia para os

    pesquisadores a partir do final dos anos 1960, quando Stuart Hall (...) ao substituir

    Hoggart na direo do Centro, de 1969 a 1979, incentivou o desenvolvimento de estudos

    etnogrficos, as anlises dos meios massivos e a investigao de prticas de resistncia

  • dentro de subculturas (JOHNSON, ESCOSTEGUY & SCHULMAN, 2000, p. 141).

    Assim, influenciado pelas teorias de William, para os demais pesquisadores do Centro, os

    receptores usavam a mdia para representar a interpretao que fazem da sua realidade.

    No final dos anos 1970 e incio dos anos 1980, as influncias dos tericos franceses,

    como Michel de Certeau, Michel Foucault e Pierre Bourdieu, so incorporadas ao campo

    terico dos Estudos Culturais. Nesse momento, os Estudos Culturais deixam de ser

    limitados ao mbito britnico e passam a internacionalizar-se. Os Estudos Culturais

    comearam tambm a abordar os estudos de gnero, envolvendo discusses acerca de raa

    e etnia. Nesta concepo h uma preocupao em no tratar a audincia como uma massa

    de indivduos indiferenciados, mas que deve ser entendida dentro de limites, os quais so

    chamados nveis de gerenciamento, uma vez que existem classes sociais determinadas e os

    indivduos de cada uma destas vivenciam um sistema de significados ou uma estrutura

    ideolgica prpria de cada classe. Uma crtica desta teoria com relao passividade do

    pblico, especfica do modelo funcionalista, que no conseguia atender aos verdadeiros

    objetivos do estudo da recepo. Este modelo elimina as interferncias que a audincia

    tambm capaz de promover nos meios de comunicao.

    CONSIDERAES FINAIS

    O trabalho de anlise das leituras realizadas pelos discentes da turma de Pedagogia

    desencadearam os seguintes questionamentos: quais os contextos de produo e insero do

    texto flmico (a indstria cultural e a academia)? Quais as estratgias de recepo e leitura?

    Quais os usos das informaes relacionados produo de novas discursividades,

    considerando os trs diferentes nveis?

  • Com relao aos diferentes contextos de insero, o texto flmico posiciona-se, por

    um lado, na dinmica da crtica da indstria cultural como foi desenvolvida pelos

    frankfurtianos; por outro lado, a sua insero no espao acadmico possibilita uma

    problematizao que procura ultrapassar tal posicionamento, apontando para as

    potencialidades deste tipo de texto, inclusive, para discutir o seu estatuto de simples bem

    cultural para o entretenimento.

    As estratgias de recepo e leitura comearam a ser entendidas conforme o quadro

    terico da teoria da recepo, enfocando a necessidade de se repensar o conceito de

    receptor, de modo a produzir uma nova explicao do processo comunicativo, como um

    modelo mais apropriado para explicar a produo e a leitura dos fenmenos culturais e

    comunicacionais colocadas a partir de uma nova dinmica social, em decorrncia da

    modernizao (como por exemplo, a utilizao de novas tecnologias e a expanso do

    processo de industrializao). Em sincronia com esta modernizao, modelos antigos

    passaram a ser substitudos por novas abordagens tericas, onde estas ora se

    complementavam ora se contrapunham. Pode-se dizer que modelos antigos colocavam

    obstculos a uma completa observao das audincias, de modo que apenas algumas partes

    do processo de recepo eram percebidas.

    Finalmente, pde ser observado, nos trs nveis que representam o processo que vai

    do texto flmico produo de novas discursividades, que as informaes neles presentes

    funcionam de forma diferenciada. No primeiro nvel, tal informao inscrita nos cdigos

    constituintes do texto flmico, sendo necessrio um entendimento mnimo para que o

    receptor possa ser acionado e colocar-se em uma dinmica de leitura. No segundo nvel,

    outras informaes, desta feita no inscritas no documento informacional texto flmico, mas

  • circulantes e/ou potencialmente latentes nos contextos de insero do receptor, devem ser

    acionadas. O terceiro nvel o espao no qual desembocam os acionamentos anteriores,

    redundando na produo de novas discursividades, que constituem novos textos

    materializados ou novos espaos de negociao e interlocuo. Ou seja, a insero do texto

    flmico em um outro locus que desloca sua significao de objeto de entretenimento

    (cinema a maior diverso) abre o caminho para a sua reflexo crtica por parte do

    receptor e de outros agentes sociais como os docentes. Assim, tal deslocamento promove

    estas novas discursividades, aqui entendidas em sua dimenso no somente material (texto),

    mas tambm experencial, um novo espao privilegiado de atuao do leitor/sujeito crtico.

    REFERNCIAS

    BARRETO, Aldo de Albuquerque. A questo da informao. So Paulo em Perspectiva,

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