A Cumulação de Execuções no Arrendamento

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Coimbra Editora ® JULGAR - N.º 14 - 2011 A CUMULAÇÃO DAS EXECUÇÕES PARA ENTREGA DO ARRENDADO E PARA PAGAMENTO DAS RENDAS EM DÍVIDA NA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO URBANO COM FUNDAMENTO NA FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA MANUEL EDUARDO BIANCHI SAMPAIO O autor propõe uma interpretação, simultaneamente, actualista e restritiva do art. 53.º, n.º 1, al. b), do Cód. de Proc. Civil, permitindo-se que, na situação específica de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento da renda, o senhorio intente apenas uma execução em que cumule os pedidos de entrega do arrendado e de pagamento da quantia correspondente às rendas em dívida. Esta solução justifica-se pelos objectivos do novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, e tem uma profunda relevância prática, uma vez que possibilita uma diminuição do número e da duração dos proces- sos relacionados com o arrendamento. I O novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, introduziu uma maior flexibilidade quanto à cessação do contrato de arrendamento. Esta maior flexibilidade incidiu na resolução do contrato pelo senhorio com fundamento na falta de pagamento da renda. Nesta situação, desde que a mora do arrendatário seja superior a três meses, o senhorio passou a poder resolver o contrato pela via extrajudicial, através de notificação judicial avulsa ou contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução (arts. 1083.º, n.º 3, e 1084.º, n.º 1, do Cód. Civil e art. 9.º, n.º 7, do Novo Reg. do Arrendamento Urbano). Esta possibilidade é meramente facultativa. A este propósito, foi discutida a questão de saber se o senhorio teria deixado de poder resolver o contrato pela via judicial, intentando a respectiva acção de despejo (art. 14.º, n.º 1, do Novo Reg. do Arrendamento Urbano). Esta questão pode considerar-se pacificada, tendo-se formado o entendimento que não foi esta a solução que

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Manuel Sampaio

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  • Coimbra Editora JULGAR - N. 14 - 2011

    A CUMULAO DAS EXECUES PARA ENTREGA DO ARRENDADO E PARA PAGAMENTO

    DAS RENDAS EM DVIDA NA RESOLUO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO URBANO

    COM FUNDAMENTO NA FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA

    MANUEL EDUARDO BIANCHI SAMPAIO

    O autor prope uma interpretao, simultaneamente, actualista e restritiva do art. 53., n. 1, al. b), do Cd. de Proc. Civil, permitindo-se que, na situao especfica de resoluo do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento da renda, o senhorio intente apenas uma execuo em que cumule os pedidos de entrega do arrendado e de pagamento da quantia correspondente s rendas em dvida. Esta soluo justifica-se pelos objectivos do novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n. 6/2006, de 27 de Fevereiro, e tem uma profunda relevncia prtica, uma vez que possibilita uma diminuio do nmero e da durao dos proces-sos relacionados com o arrendamento.

    I

    O novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n. 6/2006 de 27 de Fevereiro, introduziu uma maior flexibilidade quanto cessao do contrato de arrendamento.

    Esta maior flexibilidade incidiu na resoluo do contrato pelo senhorio com fundamento na falta de pagamento da renda. Nesta situao, desde que a mora do arrendatrio seja superior a trs meses, o senhorio passou a poder resolver o contrato pela via extrajudicial, atravs de notificao judicial avulsa ou contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execuo (arts. 1083., n. 3, e 1084., n. 1, do Cd. Civil e art. 9., n. 7, do Novo Reg. do Arrendamento Urbano).

    Esta possibilidade meramente facultativa. A este propsito, foi discutida a questo de saber se o senhorio teria deixado de poder resolver o contrato pela via judicial, intentando a respectiva aco de despejo (art. 14., n. 1, do Novo Reg. do Arrendamento Urbano). Esta questo pode considerar-se pacificada, tendo-se formado o entendimento que no foi esta a soluo que

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    o legislador consagrou, pelo que o senhorio pode optar pela via extrajudicial ou pela via judicial para resolver o contrato1.

    Na fase executiva da cessao do contrato de arrendamento tambm foram introduzidas alteraes. A comunicao do senhorio para a resoluo do contrato pela via extrajudicial, acompanhada do contrato de arrendamento, passou a constituir ttulo executivo para a execuo destinada a obter a entrega do arrendado e o pagamento das rendas em dvida (art. 15., n. 1, al. e), e 2 do Novo Reg. do Arrendamento Urbano)2. Ao contrrio do que se passava no regime anterior, passou a admitir-se a formao de um ttulo executivo extrajudicial, o que, naturalmente, teve em vista introduzir uma maior celeridade na cessao do contrato.

    II

    Na doutrina tem sido entendido que, sempre que o contrato de arrenda-mento resolvido com fundamento na falta de pagamento da renda, o senho-rio est obrigado a intentar duas execues, sendo uma para entrega de coisa certa, destinada obter a entrega do arrendado, e outra para pagamento de quantia certa, destinada a obter o pagamento da quantia correspondente s rendas em dvida.

    Neste sentido pode ver-se LAURINDA GEMAS para quem no possvel cumular uma execuo para pagamento de quantia certa (que pode res-

    peitar a rendas, encargos ou despesas ou ainda a indemnizao) com uma

    execuo para entrega da coisa imvel arrendada3. No mesmo sentido

    1 No sentido que o recurso aco de despejo continua a ser possvel pode ver-se o apro-fundado estudo de FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, in Aco de Despejo por Falta de Pagamento da Renda Cadernos de Direito Privado n. 22, pg. 59. Este autor reconhece que no art. 1084., n. 1, do Cd. Civil manifesta-se uma tendncia ou uma preferncia pela utiliza-o do mecanismo da resoluo extrajudicial, mas logo acrescenta que no seria razovel que o legislador tivesse pretendido tornar mais difcil ao senhorio a resoluo do contrato, limitando de forma to gravosa o seu direito de aco, constitucionalmente consagrado. Na jurisprudncia pode ver-se, entre muitos outros, o Ac. da Relao do Porto de 2 de Maro de 2010, in www.dgsi.pt, de acordo com o qual 'no obstante o novo Regime do Arrendamento Urbano prever a possibilidade de o senhorio proceder resoluo extrajudicial do contrato de arrendamento com fundamento em mora superior a trs meses no pagamento da renda, continua a ser-lhe permitido lanar mo da aco declarativa de despejo para obter esse desiderato'. Em sentido contrrio pode ver-se FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, in A Resoluo do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano (Almedina 1. Edio), pg. 129, para quem nas situaes previstas no art. 1083., n. 3, do Cd. Civil 'no pode o senhorio usar da aco de despejo, antes se impondo a resoluo extrajudicial' porque no se vislumbra interesse relevante justifique a opo pela via judicial e 'foi inteno do legisla-dor impor o senhorio o recurso a este meio de resoluo do contrato, sem possibilidade de outra opo'.

    2 O ttulo executivo a que se refere o art. 15., n. 1, al. e), e 2 do Novo Reg. do Arrenda-mento Urbano no se limita s rendas em dvida e abarca tambm os encargos ou outras despesas e a indemnizao pelo atraso na restituio do arrendado, prevista no art. 1045. do Cd. Civil.

    3 LAURINDA GEMAS, ALBERTINA PEDROSO e JOO CALDEIRA JORGE, in Arrendamento Urbano Novo Regime Anotado (Quid Juris, 3. Edio), pg. 70.

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    pronuncia-se LUS MENEZES LEITO para quem as rendas em dvida no podem ser reclamadas na execuo para entrega de imvel arrendado,

    tendo o senhorio que intentar uma execuo para pagamento de quantia

    certa4.Este entendimento radica no disposto no art. 53., n. 1, al. b), do Cd.

    de Proc. Civil, que impede a cumulao de execues que tenham fins diferentes.

    Sempre ressalvado o devido respeito, consideramos que se justifica a soluo inversa, permitindo-se que, na situao especfica de resoluo do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento da renda, o senhorio intente apenas uma execuo em que cumule os pedidos de entrega do arrendado e de pagamento da quantia correspondente s rendas em dvida.

    Esta questo plenamente actual. Tendo decorrido cerca de quatro anos desde a entrada em vigor do novo Regime do Arrendamento Urbano, constata-se que, na prtica, pouco ou nada se alterou quanto cessao do contrato. O nmero e a durao dos processos relacionados com o arren-damento no diminuram, de tal forma que voltou a ser discutida a possibili-dade de alteraes tendo em vista uma maior celeridade na resoluo do contrato com fundamento na falta de pagamento da renda5.

    III

    A proibio do senhorio cumular na mesma execuo os pedidos de entrega do arrendado e de pagamento da quantia correspondente s rendas em dvida tem como nico obstculo o disposto no art. 53., n. 1, al. b), do Cd. de Proc. Civil, o que, pese embora a sua relevncia, no deixa de ser um impedimento meramente formal.

    Alm disso, esta soluo profundamente negativa. Por um lado, gera uma pluralidade de processos que artificial, uma vez que aquilo que o senhorio pretende apenas a concretizao da cessao do contrato de arrendamento. Por outro lado, fora o tribunal e as partes a um dispndio de meios totalmente injustificado. O arrendatrio pode deduzir oposio em ambas as execues, o que d origem a dois julgamentos e a duas sen-tenas. Como se no bastasse, a execuo para entrega de coisa certa deve ser intentada no tribunal do local onde se situa o arrendado e a exe-

    4 In Arrendamento Urbano (Almedina, 2. Edio), pg. 156.5 Neste sentido pode ver-se a notcia publicada no Dirio Econmico de 10 de Dezembro de

    2010, in www.diarioeconomico.sapo.pt, com o ttulo Governo quer acelerar o despejo de inquilinos que no paguem a renda. Nesta notcia afirma-se que o Governo est a analisar um estudo da Confederao da Indstria Portuguesa sobre a reabilitao urbana para dina-mizar o arrendamento e que a agilizao do processo de despejo dos inquilinos que no paguem as rendas aos senhorios uma velha pretenso dos proprietrios que criticam a morosidade destas aces. O estudo em causa denomina-se Fazer Acontecer a Renovao Urbana e est disponvel em www.cip.org.pt

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    cuo para pagamento de quantia certa deve ser intentada no tribunal do domiclio do arrendatrio, sendo certo que estes locais nem sempre coinci-dem (art. 94., n.os 1 e 2, do Cd. de Proc. Civil). Finalmente, esta soluo permite a existncia de decises contraditrias. Frequentemente, o execu-tado deduz oposio em ambas as execues com argumentos comuns, por exemplo, questionando a regularidade da comunicao de resoluo do contrato de arrendamento. Tratando-se de dois processos distintos que, inclusivamente, podem correr em diferentes tribunais, pode suceder que as sentenas que venham ser proferidas sejam em sentidos opostos, o que difcil de aceitar.

    Estes aspectos negativos so reconhecidos pela doutrina. A este pro-psito, LAURINDA GEMAS afirma que pode () acontecer que os mesmos factos, atinentes falta de pagamento da renda, venham a ser discutidos em

    diferentes processos de oposio execuo, com resultados no coinciden-

    tes, o que uma consequncia nefasta da alterao do modelo que antes existia6.

    Para contornar estes inconvenientes a autora sugere que quando o juiz seja o nico titular de processos nestas circunstncias, diligencie para que a

    sua tramitao seja o mais aproximada possvel, determinando, por exemplo,

    que os processos sejam juntos por linha7.Esta sugesto pertinente, mas a verdade que no permite ultrapas-

    sar todas as consequncias negativas da proibio da cumulao de exe-cues. Existem inmeras situaes em que o juiz no o titular das duas execues, uma vez que estas podem correr em diferentes tribunais ou em diferentes juzos do mesmo tribunal. Acresce que, mesmo com a juno por linha e a tramitao o mais aproximada possvel de ambas as execues, continuam a estar em causa dois processos autnomos em que possvel que venham a ser proferidas sentenas em sentidos opostos.

    IV

    A obrigatoriedade de o senhorio intentar duas execues contraria os objectivos do legislador com o novo Regime do Arrendamento Urbano, pelo que, seguramente, no corresponde soluo que foi pretendida.

    Na exposio de motivos da proposta de lei que foi apresentada na Assembleia da Repblica o legislador afirmou que pretendia introduzir uma maior agilizao processual, atendendo ao elevado nmero de aces de despejo e de execues que estavam pendentes e considerando que quanto s aces de despejo, no ano de 2003, a durao mdia das aces decla-

    rativas foi de dezassete meses e das aces executivas foi de vinte e quatro

    6 Ob. cit., pg. 70.7 Ob. cit., pg. 71 nota 1.

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    meses8. O legislador pretendeu, assumidamente, reduzir o nmero de pro-cessos relacionados com a cessao do contrato de arrendamento e diminuir a sua durao.

    No regime anterior o senhorio apenas podia resolver o contrato pela via judicial, atravs da aco despejo (arts. 55., n. 1, e 63., n. 2, do Anterior Reg. do Arrendamento Urbano). Todavia, a efectivao da cessao do contrato era mais simples, uma vez que existia a figura do mandado de despejo (art. 59., n. 1, do Anterior Reg. do Arrendamento Urbano). Esta figura tradu-zia-se num processo executivo especial9 que era um mero incidente da aco de despejo10 e que se caracterizava por um adequado equilbrio dos diversos interesses em presena. O senhorio dispunha de um meio que lhe permitia obter rapidamente a entrega do arrendado. Basta atentar que o arrendatrio no podia deduzir oposio por embargos, nem mesmo com os fundamentos limitados previstos no art. 813. do Cd. de Proc. Civil, e apenas podia inter-por recurso de agravo do despacho que determinou a passagem do mandado de despejo, exclusivamente para discutir questes de direito ou matria de facto a provar por documento11. Por seu lado, a posio do arrendatrio estava acautelada com as situaes de sustao do mandado de despejo previstas nos arts. 60. e 61. do anterior Regime do Arrendamento Urbano.

    Neste contexto, o senhorio acabava, verdadeiramente, por intentar ape-nas uma execuo para obter o pagamento da quantia correspondente s rendas em dvida.

    No regime actual o legislador, tendo em vista reduzir o nmero de aces de despejo, permitiu a resoluo do contrato de arrendamento pela via extra-judicial (art. 1047. do Cd. Civil). A possibilidade de o contrato ser resolvido por esta via implicou o desaparecimento da figura do mandado de despejo. No regime anterior os direitos de defesa do arrendatrio estavam garantidos porque o mandado de despejo pressuponha a sua citao para a aco de despejo. Na resoluo do contrato pela via extrajudicial, o arrendatrio no ouvido previamente. Assim, a entrega do arrendado passou a ser possvel

    8 Proposta de Lei n. 34/X enviada Assembleia da Repblica e aprovada, na especialidade, no dia 21 de Dezembro de 2005.

    9 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in A Aco de Despejo (Edies Lex, 1. Edio), pg. 73.10 Neste sentido pode ver-se o Ac. da Relao de Lisboa de 6 de Fevereiro de 2007, in www.

    dgsi.pt, de acordo com o qual o requerimento de mandado de despejo 'deve () ser formalizado mediante um simples requerimento deduzido nos prprios autos de aco declarativa de des-pejo, constituindo um mero incidente desta'. A este propsito, JAIME CARDONA FERREIRA, in Alguns Aspectos da Aco de Despejo Urbano Estudos em Homenagem do Professor Doutor Inocncio Galvo Telles (Almedina, 1. Edio), vol. III, pg. 601, considera que o mandado de despejo desencadeia 'uma segunda fase da mesma aco'.

    11 Neste sentido pode ver-se JORGE ALBERTO ARAGO SEIA, in Regime do Arrendamento Urbano Anotado (Almedina, 3. Edio), pg. 301, para quem 'no processo de execuo de des-pejo () no admissvel a deduo de oposio execuo por embargos, sendo, no entanto, possvel recorrer de agravo do despacho que ordene a passagem do mandado de despejo'. Contudo, 'este expediente tem como consequncia s poder ser discutida matria de direito ou matria de facto a provar por documento'.

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    apenas no mbito de uma execuo que se inicia precisamente com a sua citao (art. 928. do Cd. de Proc. Civil).

    O desaparecimento da figura do mandado de despejo mais difcil de justificar nas situaes em que o contrato resolvido pela via judicial. A exe-cuo para entrega de coisa certa no prescinde da citao do arrendatrio mesmo que o ttulo executivo seja uma sentena. Tendo o senhorio optado pela resoluo do contrato atravs da aco de despejo, o arrendatrio acaba por ser citado duas vezes, sendo uma para esta aco e outra para a exe-cuo. Como bem salienta LAURINDA GEMAS, esta opo legislativa tem suscitado alguma perplexidade, pois trata-se de um evidente entrave pre-

    tendida celeridade processual12. O legislador ter considerado que no se justificava uma duplicidade de mecanismos para a entrega do arrendado e que a citao prvia do arrendatrio tinha utilidade por razes sistemticas, designadamente pela necessidade de compatibilizao com outros preceitos legais, em particular o art. 930.-C, n. 1, do Cd. de Proc. Civil, pois o prazo

    para oposio execuo e para requerer o diferimento da desocupao

    conta-se precisamente a partir da citao13 e 14. Seja como for, inegvel que a dispensa da citao prvia do arrendatrio nas situaes de resoluo pela via judicial era inteiramente compreensvel e que a sua manuteno vai ao arrepio do esprito subjacente ao actual regime.

    Temos, assim, que no actual regime a entrega do arrendado apenas pode ocorrer no mbito de uma execuo15.

    No entanto, interpretar este regime no sentido que o senhorio passou a ter que intentar uma execuo para entrega de coisa certa e uma execuo para pagamento de quantia certa e ficou sujeito a duas oposies deduzidas pelo arrendatrio , inegavelmente, contrariar todo o pensamento do legislador. Se assim fosse, o regime actual ter-se-ia traduzido num profundo retrocesso relativamente ao regime anterior, uma vez que teria agravado sobremaneira a complexidade processual da cessao do arrendamento e no teria impli-cado uma qualquer reduo do nmero de processos. Ter-se-ia passado

    12 Ob. cit., pg. 583.13 LAURINDA GEMAS, ob. cit., pg. 583 nota 2.14 Na doutrina tem sido entendido que, quando o senhorio tenha optado pela via judicial para

    a resoluo do contrato, a execuo para entrega do arrendado dispensa o despacho liminar do juiz, devendo o solicitador de execuo proceder, de imediato, citao do arrendatrio para os efeitos do art. 928. do Cd. de Proc. Civil. Neste sentido pode ver-se MARIA OLINDA GARCIA, in A Aco Executiva para Entrega de Imvel Arrendado (Coimbra Editora, 1. Edio), pg. 71, e LUS MENEZES LEITO, ob. cit., pg. 157, para quem 'apresentado o requerimento executivo, ser exigido despacho liminar, a menos que a execuo se baseie em deciso judicial proferida em aco de despejo ou em aco em que se tenha apreciado a validade ou subsistncia do contrato de arrendamento (art. 812.-A, n. 1, al. a), do Cd. de Proc. Civil)'. Nesta situao, 'o despacho liminar s ser proferido se o funcionrio suscitar a interveno do juiz'.

    15 Para LUS MENEZES LEITO, ob. cit., pg. 155, a execuo para entrega do arrendado consiste numa 'modalidade especial da execuo para entrega de coisa certa, que se caracteriza por admitir mais facilmente a suspenso da execuo, bem como o diferimento da deso-cupao'.

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    da figura do mandado de despejo, que era um mero incidente da aco de despejo, e da execuo destinada a obter o pagamento das rendas em dvida para duas execues autnomas, com a possibilidade de duas opo-sies, dois julgamentos e duas sentenas. Na melhor das hipteses, estaramos perante uma alterao cujo saldo quantitativo era igual a zero porque o nmero de processos tinha permanecido exactamente o mesmo. No foi esta, seguramente, a inteno do legislador.

    V

    A recusa da cumulao de execues torna-se ainda mais difcil de compreender se atentarmos que no novo Regime do Arrendamento Urbano o legislador alargou a possibilidade de cumulao de pedidos na aco de despejo, passando a ser aplicvel a regra geral do art. 470., n. 1, do Cd. de Proc. Civil16.

    Este alargamento vem na sequncia das alteraes que foram introdu-zidas pela reforma do processo civil que foi operada pelo DL n. 329-A/95, de 12 de Dezembro. Esta reforma ampliou substancialmente a cumulao de pedidos na aco declarativa. No que agora nos interessa, deixou de ser impeditiva da cumulao a circunstncia de aos diferentes pedidos correspon-derem formas de processo distintas. Nesta situao, a cumulao de pedidos passou a ser admissvel sempre que as formas de processo no sigam uma tramitao manifestamente incompatvel e haja um interesse relevante na sua apreciao conjunta ou a cumulao seja indispensvel para a justa compo-sio do litgio, incumbindo ao juiz adaptar o processado aos diversos pedidos formulados pelo autor (art. 470., n. 1, e 31., n.os 2 e 3, do Cd. de Proc. Civil). A cumulao passou a ser admissvel mesmo que aos pedidos cor-respondam formas de processo que, embora diversas, no sigam uma trami-

    tao absolutamente incompatvel, com o que se pretendeu obviar a que regras rgidas de natureza estritamente procedimental possam impedir a efectivao em juzo dos direitos e a plena discusso acerca da matria

    relevante para propiciar a justa composio do litgio17.Esta soluo a que melhor corresponde ao princpio da economia

    processual, de acordo com o qual, como afirma ANTNIO GERALDES, cada processo deve resolver o mximo possvel de litgios18.

    Este regime da cumulao de pedidos aplicvel ao processo executivo. Nos termos do art. 53., n. 1, al. c), do Cd. de Proc. Civil, o exequente pode cumular diferentes pedidos na mesma execuo, ainda que fundados em ttulos executivos distintos, mesmo que a cada um dos pedidos correspondam diferentes processos especiais de execuo, desde que no se verifiquem os

    16 Neste sentido pode ver-se LUS MENEZES LEITO, ob. cit., pg. 153.17 Relatrio do DL n. 329-A/95, de 12 de Dezembro.18 In Temas da Reforma do Processo Civil (Almedina, 1. Edio), vol. I, pg. 86.

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    impedimentos previstos no art. 31., n.os 2 e 3, do mesmo diploma. Nos dizeres de CARLOS LOPES DO REGO, este preceito permite a cumulao de pedidos sempre que no sejam manifestamente incompatveis as tramitaes prprias dos processos executivos em causa19.

    VI

    Ponderando todos estes elementos, em especial as consequncias nega-tivas da proibio da cumulao que so reconhecidas pela doutrina e a agilizao processual que o legislador pretendeu com o novo Regime do Arrendamento Urbano, entendemos que inteiramente justificada uma inter-pretao, simultaneamente, actualista e restritiva do art. 53., n. 1, al. b), do Cd. de Proc. Civil, no sentido de que este preceito no se aplica resoluo do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento da renda.

    A interpretao restritiva aplicvel sempre que o legislador adoptou um texto que atraioa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que

    aquilo que se pretendia dizer20. Cremos que nos deparamos precisamente com esta situao. No que respeita resoluo do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento da renda, o art. 53., n. 1, al. b), do Cd. de Proc. Civil vai alm do que era pretendido e, o que mais importante, atraioa totalmente o pensamento do legislador. Estamos convencidos que, se o legislador tivesse ponderado esta questo, teria consagrado expressa-mente a possibilidade de o senhorio cumular na mesma execuo os pedidos de entrega do arrendado e de pagamento da quantia correspondente s rendas em dvida, o que corresponde integralmente ao seu pensamento e aos objectivos do novo Regime do Arrendamento Urbano.

    Por outro lado, no vislumbramos qualquer razo para no aplicar resoluo do contrato de arrendamento com fundamento na falta do paga-mento da renda o disposto no art. 53., n. 1, al. c), do Cd. de Proc. Civil, permitindo a cumulao de pedidos formulados pelo senhorio na mesma execuo. Com efeito, a execuo para entrega do arrendado uma verda-deira execuo especial21 e no existe qualquer incompatibilidade ou diferena substancial na tramitao da execuo para entrega de coisa certa e da execuo para pagamento de quantia certa que justifique o impedimento da sua cumulao. Bem pelo contrrio, as vantagens de o senhorio cumular na mesma execuo os pedidos de entrega do arrendado e de pagamento da quantia correspondente s rendas em dvida so inegavelmente superiores. Esta soluo evita um excessivo dispndio de meios para o tribunal e para

    19 In Comentrio ao Cdigo de Processo Civil, vol. I, pg. 90.20 BAPTISTA MACHADO, in Introduo do Direito e ao Discurso Legitimador (Almedina, 4. Reim-

    presso), pg. 186.21 MARIA OLINDA GARCIA, ob. cit., pg. 63.

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    as partes, permitindo que o litgio entre o senhorio e o arrendatrio seja apreciado num nico processo, e afasta a possibilidade de sentenas em sentidos opostos, o que indesejvel para o senhorio, para o arrendatrio e para a segurana jurdica.

    Entendemos tambm que a possibilidade de cumulao na mesma exe-cuo dos pedidos de entrega do arrendado e de pagamento da quantia correspondente s rendas em dvida deve ser consagrada expressamente, se o novo Regime do Arrendamento Urbano vier a ser alterado.

    VII

    Nas situaes em que o senhorio optou pela resoluo extrajudicial e em que a execuo se inicia com a citao do arrendatrio, este deve ser citado para proceder entrega do arrendado e pagar a quantia reclamada pelo senhorio ou para, querendo, deduzir oposio execuo (arts. 812.-D, al. d), e 928. do Cd. de Proc. Civil). Nas situaes em que o senhorio optou pela resoluo judicial, intentando a respectiva aco de despejo, o solicitador de execuo deve proceder s diligncias prvias penhora, previstas no art. 832. do Cd. de Proc. Civil, e deve penhorar os bens que sejam encontrados. Aps, com a maior brevidade, deve citar o arrendatrio para proceder entrega do arrendado ou, querendo, deduzir oposio (art. 813., n. 1, do Cd. de Proc. Civil).