A Curadoria e o Lugar Da Crítica de Arte Na Contemporaneidade

10
19º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas “Entre Territórios” 20 a 25/09/2010 Cachoeira Bahia Brasil 2849 A CURADORIA E O LUGAR DA CRÍTICA DE ARTE NA CONTEMPORANEIDADE Professor Doutor Isaac Antonio Camargo* Departamento de Arte Visual Programa de Pós-graduação em Arte Universidade Federal de Uberlândia – MG RESUMO O presente artigo quer, a partir de um olhar panorâmico sobre o percurso da curadoria no contexto nacional, discutir a influência exercida por ela no contexto da crítica de arte. Palavras-chave: Arte, Curadoria, Crítica ABSTRACT The present paper tries, from a panoramic look over de course of curatorship in the national context, discuss the influence exercised by it in the context of art criticism. Key words: Art, Curator, Critcism. As vivências obtidas da docência e da curadoria de arte visual no ambiente universitário, no período em atuei no ensino, no Departamento de Arte Visual da Universidade Estadual de Londrina e também na curadoria de arte, durante o período que exerci a coordenação da Divisão de Artes Plásticas, da Casa de Cultura na mesma instituição, foram experiências enriquecedoras, para mim e para os estudantes que participaram daqueles eventos. Possibilitando, inclusive, a publicação de um pequeno manual: “Produção de Eventos em Arte Visual”, editado pela Eduel, Londrina, em 1995. Entretanto, tais experiências, embora positivas enquanto projetos de ensino, pesquisa e extensão, mostraram que é muito difícil enfrentar a pressão que a arte atual sofre no contexto da mídia de informação em nossa época. Tal pressão se dá pela força com que sua presença constante oblitera o olhar do espectador comum e faz predominar suas versões, por sinal, mais hegemônicas, resultantes daquilo que Adorno e Horkeheimer chamaram de Indústria Cultural, referindo-se ao modo como o sistema capitalista transforma a cultura em mercadoria. Esta presença, pela sua densidade, tende a abafar a discussão em torno de proposições culturais que fujam da hegemonia da mídia e que possam contribuir para uma análise mais consistente e profunda em torno das questões da arte produzida na atualidade, limitando a

description

arte

Transcript of A Curadoria e o Lugar Da Crítica de Arte Na Contemporaneidade

  • 19 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasEntre Territrios 20 a 25/09/2010 Cachoeira Bahia Brasil

    2849

    A CURADORIA E O LUGAR DA CRTICA DE ARTE NA CONTEMPORANEIDADE

    Professor Doutor Isaac Antonio Camargo*

    Departamento de Arte Visual Programa de Ps-graduao em Arte

    Universidade Federal de Uberlndia MG

    RESUMO

    O presente artigo quer, a partir de um olhar panormico sobre o percurso da curadoria no contexto nacional, discutir a influncia exercida por ela no contexto da crtica de arte. Palavras-chave: Arte, Curadoria, Crtica

    ABSTRACT

    The present paper tries, from a panoramic look over de course of curatorship in the national context, discuss the influence exercised by it in the context of art criticism.

    Key words: Art, Curator, Critcism.

    As vivncias obtidas da docncia e da curadoria de arte visual no ambiente

    universitrio, no perodo em atuei no ensino, no Departamento de Arte Visual da

    Universidade Estadual de Londrina e tambm na curadoria de arte, durante o perodo

    que exerci a coordenao da Diviso de Artes Plsticas, da Casa de Cultura na

    mesma instituio, foram experincias enriquecedoras, para mim e para os

    estudantes que participaram daqueles eventos. Possibilitando, inclusive, a publicao

    de um pequeno manual: Produo de Eventos em Arte Visual, editado pela Eduel,

    Londrina, em 1995. Entretanto, tais experincias, embora positivas enquanto projetos

    de ensino, pesquisa e extenso, mostraram que muito difcil enfrentar a presso que

    a arte atual sofre no contexto da mdia de informao em nossa poca. Tal presso se

    d pela fora com que sua presena constante oblitera o olhar do espectador comum

    e faz predominar suas verses, por sinal, mais hegemnicas, resultantes daquilo que

    Adorno e Horkeheimer chamaram de Indstria Cultural, referindo-se ao modo como o

    sistema capitalista transforma a cultura em mercadoria. Esta presena, pela sua

    densidade, tende a abafar a discusso em torno de proposies culturais que fujam

    da hegemonia da mdia e que possam contribuir para uma anlise mais consistente e

    profunda em torno das questes da arte produzida na atualidade, limitando a

  • 19 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasEntre Territrios 20 a 25/09/2010 Cachoeira Bahia Brasil

    2850

    instaurao de uma crtica mais constante em relao s manifestaes artsticas

    mais comuns. bvio que a presena massiva da mdia interfere e, por vezes, orienta

    os percursos artsticos, entretanto, este tambm nos parece um fenmeno

    contemporneo com o qual temos que viver e conviver, dialogar, enfrentar, confrontar,

    aceitar ou afastar, mas no podemos, de modo algum, ignorar.

    Tomando por estmulo a temtica Entre Territrios deste 19. Encontro da ANPAP,

    a proposta estimular um dilogo entre dois territrios: o da curadoria e o da crtica.

    Olhando para trs, importante destacar as mudanas que ocorreram nas mostras de

    arte visual por volta da dcada de 1980 no pas. Naquele perodo, capitaneados,

    talvez, pelas mudanas nas diretrizes das Bienais de S. Paulo, que deixavam de ser

    um certame classificatrio para ser um evento propositivo, tanto os espaos para as

    mostras de obras de arte quanto os gestores destes espaos, assumiram maiores

    responsabilidades com o resultado destas mostras e, desta maneira, um maior

    compromisso com o pblico. As Edies da Bienal Internacional de S. Paulo, de

    nmeros 16 e 17, realizadas sob a curadoria do professor Walter Zanini, em 1981 e

    1983, assumem a responsabilidade de, por um lado, reerguer a mostra e, por outro,

    instaurar uma nova maneira de olhar para a arte contempornea. Naquela ocasio, a

    organizao por ncleos temticos traz a possibilidade de diversificar a mostra sem

    que ela perdesse sua unidade conceitual. Nos anos seguintes, 1985 e 1987, sob a

    curadoria de Sheila Leiner, h mudanas na disposio espacial e na valorao do

    espao expositivo, destacando tambm as poticas, principalmente a pictrica com A

    grande Tela, a mostra de pinturas em grandes corredores ocupados por telas

    imensas, discutindo a questo da pintura naquele momento histrico.

    Anteriormente, a realizao em boa quantidade de mostras assinadas e organizadas

    com diferentes temticas como, por exemplo, os Panoramas do MAM Museu de

    Arte de S. Paulo que, embora tivessem surgido no final da dcada de 60 do sculo

    passado, assumiram uma postura mais explcita ao refletir sobre determinados

    segmentos da arte brasileira, cuja continuidade tem sido mantida at hoje. Sua

    ltima edio a de nmero 31., realizada em 2009, teve como temtica:

    Mamyguara op mam pup em tupi-guarani que traduzido quer dizer:

    Estrangeiros em Todo Lugar, curada por Adriano Pedrosa, sob os auspcios da Lei

    Rouanet, recorre a artistas estrangeiros que tm influncia da arte brasileira. Os

  • 19 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasEntre Territrios 20 a 25/09/2010 Cachoeira Bahia Brasil

    2851

    Panoramas da Arte Brasileira, originariamente voltados para diferentes tcnicas

    expressivas, aos poucos passam a valorar as questes curatoriais e tornar-se um

    importante referencial para a arte na atualidade. Quer fosse para revelar ou

    evidenciar uma nova tendncia na arte, discutir uma dada postura ou refletir em

    torno de idias ou conceitos que mobilizassem o interesse dos organizadores. Fosse

    como fosse: atuava como um meio de afirmar habilidades, conhecimentos ou

    mesmo a perspiccia de seu organizador. Estes modos de organizar as mostras

    passaram, de um modo ou de outro, a cumprir uma funo discursiva e orientadora

    que pertencia, originariamente, crtica de arte.

    A crtica, naquele momento, mais alijada da mdia cotidiana, deslocou-se para o

    ambiente acadmico, tornando-se cada vez mais dedicada aos seus fins e menos ao

    pblico. Incorporada aos projetos acadmicos nas universidades, conquistou um

    novo espao e com ele, uma nova rea de visibilidade. Se antes o exerccio mais

    aberto da crtica na mdia impressa que era, por tradio, o lugar preferencial de

    difuso at meados da dcada de 80 do sculo passado, com a reduo deste lugar,

    a dcada de noventa viu ampliar a presena da crtica acadmica. Esta mudana

    tambm foi fruto das reflexes e pesquisas realizadas nos ambientes de ensino

    superior como parte dos compromissos pedaggicos dos professores universitrios

    nas suas instituies A Universidade de S. Paulo, por exemplo, instaura o seu

    mestrado em Arte na ECA Escola de Comunicao e Arte, em 1972 e o doutorado

    na mesma rea em 1980, promovendo a investigao e a discusso em torno da

    arte no Brasil. A FUNARTE Fundao Nacional de Arte, foi criada em 1975 e tinha

    entre suas funes, atuar como um organismo orientador e promotor das Artes

    Plsticas. Se, por um lado, esta nova tendncia acadmica e institucional contribuiu

    para o surgimento de uma crtica mais especializada, produtiva, consistente e

    reflexiva, por outro, retirou do pblico a possibilidade de, algum dia, recuperar o

    acesso ao conhecimento perdido.

    Curadoria e crtica

    Pode-se dizer que, com a intensificao das mostras orientadas, a curadoria passou a

    ser realizada por diferentes sujeitos com diferentes perfis, formao, interesses e

    finalidades. Gestores institucionais, professores, crticos, artistas, produtores culturais,

    programadores visuais, enfim, muitos interessados se dedicam ao exerccio da

  • 19 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasEntre Territrios 20 a 25/09/2010 Cachoeira Bahia Brasil

    2852

    curadoria, por vontade prpria ou de outrem. O importante constatar que, tanto no

    Brasil quanto no mundo, a partir de um dado perodo o contexto das ocupaes em

    arte passou a contar com uma nova categoria de atividade, a do curador. Se antes

    tnhamos a relao que se iniciava com o artista, passava pelo crtico e terminava com

    o pblico, agora temos uma relao que se inicia com o artista, passa ou se inicia

    tambm pelo curador e ao pblico e, mais tarde, ao crtico. Na equao anterior a

    crtica era a moderadora do processo de anlise e leitura, na fase atual, esta

    moderao instaurada, antecipadamente, pelo curador na prpria mostra.

    Ao olhar para trs percebe-se que, num primeiro momento, esta funo

    crtico/curatorial era exercida por gestores institucionais como as pessoas que

    dirigiam museus, institutos de arte e galerias, quer fossem de organizaes pblicas

    ou no. Aos poucos este espao comea a ser ocupado tambm por produtores,

    ativistas ou animadores culturais que viam, nessa nova tendncia, uma possibilidade

    de crescimento profissional.

    Em paralelo a isto, comea tambm a surtir efeito a regulamentao das leis de

    incentivo cultura, na dcada de oitenta do sculo passado, como o Fundo de

    Promoo Cultural, nos termos do artigo 1, 6, da Lei n 7.505, de 2 de julho de

    1986, mais tarde regulamentada pela chamada Lei Rouanet, Lei 8.313, de

    23/12/1.991, fatores que tambm contriburam para o crescimento e mesmo para a

    consolidao desta rea. As leis de incentivo, ao funcionar como um estmulo aos

    produtores de eventos culturais provocou tambm o deslocamento de gestores

    institucionais, empresariais ou pblicos e de profissionais da teoria e da crtica para

    a rea de produo de eventos culturais.

    Na dcada de noventa, o prestgio da rea de curadoria de arte e de eventos em

    arte deu mostras desta consolidao. Vale lembrar a realizao de grandes eventos

    como a exposio Brasil 500 anos em 2000, a mostra do Redescobrimento, no

    ano que se comemorava os 500 anos de descobrimento do Brasil, no parque

    Ibirapuera em So Paulo, incluindo o pavilho das bienais e demais espaos

    disponveis, focando a arte e a cultura como principais temticas, com mais de

    15.000 peas. Uma de suas principais virtudes foi a de reoperar o conceito de

    mostras de arte, trazendo para este debate a questo do espetculo, do

    entretenimento, em paralelo com a cultura. As bienais internacionais de S. Paulo das

  • 19 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasEntre Territrios 20 a 25/09/2010 Cachoeira Bahia Brasil

    2853

    dcadas de 90 e dos anos 2000, seguindo a tradio formativa, assumida desde seu

    surgimento na dcada de 50, mantiveram o debate da atualizao informativa em

    contraponto com a arte internacional. Neste sentido, a Bienal do Mercosul, realizada

    em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, cuja primeira edio ocorreu em 1997,

    assumiu a responsabilidade de olhar para a arte da Amrica do Sul, em especial a

    arte Latino-Americana, instaurando um novo eixo de discusso que alterna, em

    parte, a relao com a arte europia.

    Em sntese, a curadoria como rea de atuao que acabou se tornando

    essencialmente formadora implica na capacidade de integrar os conhecimentos

    tanto do campo da arte, suas caractersticas formais, tericas, histricas e estticas,

    quanto dos demais conhecimentos de gerncia e administrao institucional,

    museolgica, de negcios, mercado e de polticas pblicas, tal a complexidade de

    interdependncia exigidos e mobilizados pela produo das mostras de arte,

    principalmente aquelas de carter internacional. fcil comprovar a emergncia, os

    atributos e a importncia desta rea ao verificar que diversas instituies de ensino

    nacionais, por exemplo, a especializao em Curadoria promovida pela Pontifcia

    Universidade Catlica de So Paulo e internacionais como o curso de Mestrado em

    Curadoria promovido pela Universidade de Estocolmo, na Sucia, como tambm na

    Inglaterra no Royal College of Art em Londres, se propem a desenvolver currculos

    e cursos destinados formao de curadores, um sintoma claro da necessidade

    destes profissionais para o atendimento da demanda desta rea nos dias de hoje.

    O fazer curatorial implica em direcionamentos tanto conceituais quanto ideolgicos.

    No h como distanciar o pensamento do curador da coisa curada ou do resultado

    obtido na organizao da mostra tomando por referncia as possibilidades dadas,

    segundo combinatrias possveis de arranjos a partir de um acervo ou de uma coleta

    de autores. Mesmo quando se constituem equipes curatoriais, comisses curadoras

    ficam evidentes as marcas que a curadoria imprime mostra, como ficavam

    evidentes as marcas que os jris imprimiam aos eventos que julgavam.

    Considerando as caractersticas desta funo, sabe-se que no pode ser de outro

    modo, pois a curadoria justamente a possibilidade de organizar o contexto em prol

    de uma leitura, um percurso, um resultado possvel atendendo a uma proposio

    autoral ou coletiva, mas um projeto delineado de antemo.

  • 19 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasEntre Territrios 20 a 25/09/2010 Cachoeira Bahia Brasil

    2854

    Neste sentido e ao longo do tempo, temos tido a preocupao de inquirir

    informalmente alguns membros da comunidade acadmica, de verificar os currculos

    dos cursos destinados formao nesta rea, de observar os catlogos e folhetos de

    mostras e de investigar na literatura artstica algumas caractersticas que a idia de

    curadoria foi assumindo ao longo dos anos. Com base nestas observaes,

    verificamos a existncia de alguns perfis diferenciados. Entretanto, preciso ponderar

    que estas constataes no significam um esgotamento das possveis interpretaes

    do que seja a curadoria, tampouco que as descries aqui usadas impliquem numa

    reduo a modelos concisos ou que resultem numa clareza absoluta, ao contrrio, na

    maioria das vezes estes aspectos esto imbricados uns nos outros de tal modo que

    destac-los apenas uma tentativa de compreender melhor o contexto da curadoria.

    tambm importante destacar que nem todos vem a questo da curadoria como

    algo natural ou positiva, h crticas cidas e contrrias ao percurso que a curadoria

    tem tomado no mundo contemporneo, bem como em relao arte da atualidade,

    no entanto, no inteno deste artigo discutir prs e contras, mas sim destacar

    aquilo que pode ser considerado compatvel com as circunstncias atuais no campo

    da arte. Portanto, o que se apresenta so apenas algumas alternativas possveis, no

    intuito de vislumbrar as caractersticas fundadoras da idia de curadoria que nos

    propiciem o clareamento do que pode ser entendido por curadoria e, em especial, o

    que se pode chamar aqui de curadoria crtica. Feitas estas ponderaes, possvel

    dizer que as reflexes desenvolvidas at ento constataram a ocorrncia de, pelo

    menos, trs tendncias curatoriais distintas. Originariamente pode-se dizer que a

    curadoria surgiu espontaneamente, aos poucos se tornou especializada e, na maioria

    das circunstncias, ocupa um lugar institucional.

    Curadoria espontnea

    A primeira tendncia que observamos era o resultado da iniciativa de algum, que

    poderia ser tanto um gestor de museu ou galeria, um artista, um crtico, um terico ou

    animador cultural, que se dispusesse a assumir a responsabilidade de organizar uma

    mostra, por decorrncia da funo ou interesse pessoal e o fazia dentro destas

    circunstncias. No papel de curador, se dispunha a selecionar as obras e combin-las

    no percurso do espao expositivo segundo seu prprio interesse ou gosto,

    disponibilizando-as para apreciao do pblico. Embora fosse, na maioria das vezes, a

    nica pessoa que tinha conhecimento da proposta ou das intenes que orientavam a

  • 19 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasEntre Territrios 20 a 25/09/2010 Cachoeira Bahia Brasil

    2855

    mostra, nem sempre este curador tinha o completo domnio ou a conscincia plena das

    possibilidades que suas aes continham, por isso chamamos a esta fase de

    espontnea. Merece ser lembrado o trabalho precursor e pioneiro de Lourival Gomes

    Machado, frente do Museu de Arte Moderna de S. Paulo, como seu primeiro diretor,

    desde a fundao do museu em 1948, coadjuvado eventualmente pelo crtico belga

    Leon Degand. Lourival Gomes foi, sem dvida, o responsvel pelo sucesso da primeira

    Bienal Internacional de S. Paulo. Com o apoio do empresrio paulista Francisco

    Matarazzo Sobrinho, que investiu na criao destas duas instituies e, ao mesmo

    tempo, estimulou outros empresrios a contriburem para a realizao destes eventos.

    A atividade de Lourival Gomes Machado, Leo Degard e depois Srgio Milliet que

    assume a direo do MAM e organiza tambm a 2. Bienal Internacional de S. Paulo.

    Podemos dizer que as atividades exercidas por eles, encampavam o que, mais tarde

    viemos a chamar de curadoria. Lembrana igual merece tambm Pietro Maria Bardi,

    embora mais afeto s funes de um marchand, posteriormente, diretor do Museu de

    Arte de S. Paulo, vai, sob os auspcios de Assis Chateaubriand, dono dos Dirios

    Associados, garimpar e trazer para So Paulo a maioria das obras que vo constituir o

    acervo do Museu de Arte de So Paulo - MASP, criado, em 1947. Outro exemplo

    interessante de dedicao ao projeto curatorial pode ser dado por Emanoel Arajo pela

    saga que realizou para implantar e implementar o Museu Afro Brasil, mediante sua

    pesquisa e esforo pessoal, marca indelvel de todos estes profissionais que atuaram

    intensa e apaixonadamente por seus projetos artsticos, quer fosse um museu ou uma

    mostra apenas. Podemos dizer que todos eles atuaram espontaneamente no contexto

    da produo de eventos, por que no dizer, da curadoria de arte e so um exemplo que

    marca o percurso da consolidao e difuso da arte no Brasil at nos dias de hoje.

    Curadoria Especializada

    Na medida em que estes curadores espontneos surgiram, com o passar do tempo

    foram ampliando sua capacidade de conceber e organizar mostras, aprofundando e

    especializando este fazer. Com a freqncia com que realizavam este trabalho,

    tornaram-se experts neste trabalho e conseguiram amealhar a credibilidade das

    instituies de arte e dos financiadores dos eventos na rea. Foi a partir deste tipo

    de conduta que a curadoria se instaurou definitivamente. Dai em diante a leitura das

    obras de arte no dependia apenas das qualidades ou temticas de cada uma delas,

    mas tambm das relaes estabelecidas entre elas e delas com o todo, promovendo

  • 19 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasEntre Territrios 20 a 25/09/2010 Cachoeira Bahia Brasil

    2856

    a compreenso da mostra. Esta, por sua vez, depende tambm da proposio,

    seleo e organizao, em funo dos critrios adotados pelo curador, fossem eles

    temticos ou conceituais. As pesquisas, leituras, ensaios, debates e discusses

    empreendidas pelos curadores em busca de seu intento, so um campo de estudo

    parte. Constituem um novo universo de documentos sobre arte e merecem tambm

    serem analisados com mais profundidade. De modo geral, as intenes do curador

    so explcitas no catlogo da mostra, nas publicaes e reportagens realizadas por

    ocasio do evento. Neste sentido, uma mostra passa a ser uma edio

    interdiscursiva, alm de bem cuidada, direcionada, inteligvel e assinada.

    O envolvimento de crticos, estudiosos e gestores de arte passam a ocupar este

    cenrio e trazer contribuies importantes para este universo. Um dos nomes que

    tem sido uma constante neste contexto o de Paulo Herkenhoff, cuja trajetria

    marcada pela sua curadoria da XXIV Bienal Internacional de S. Paulo, em 1997, a

    Bienal da Antropofagia. Lisette Lagnado, curadora da bienal do Viver junto, 2007,

    vrios nomes como estes trouxeram um novo olhar para o contexto curatorial

    imprimindo aos seus projeto uma base conceitual consistente e atualizada com as

    caractersticas das grandes mostras internacionais.

    Curadoria institucional

    Decorrente da necessidade de cumprir as funes institucionais, diretores de museus,

    galerias, institutos, casas de cultura e demais espaos culturais que tinham sob a sua

    responsabilidade a promoo de exposies de arte, passaram a organizar as mostras

    de modo mais criterioso. Anteriormente as montagens levavam em conta certas

    circunstncias operacionais que no se constituam necessariamente como critrios.

    Por exemplo, um aspecto prtico como a relao entre o nmero de obras e espao

    disponvel era uma coisa da qual se incumbia o organizador de uma mostra. Outro

    aspecto poderia ser a quantidade de peas tridimensionais em relao ao nmero de

    peas bidimensionais. Outros ainda poderiam ser os limites impostos para a aceitao

    de instalaes nos eventos, como tambm restrio em relao a que tipo de material

    poderia ser aceito para ser exposto. Em suma, as questes que mobilizavam os

    organizadores de mostras eram mais de ordem prtica, funcionais e administrativas do

    que conceituais. Aos poucos, a viso gerencial foi sendo substituda pela viso

    curatorial, os gestores passaram a se preocupar mais com os resultados educacionais

  • 19 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasEntre Territrios 20 a 25/09/2010 Cachoeira Bahia Brasil

    2857

    ou culturais das mostras do que simplesmente se elas promoveriam a visibilidade

    positiva da instituio no contexto no qual ela estava inserida. Hoje em dia, muitas

    instituies de arte contam com o apoio de curadores em seu prprios quadros e,

    quando isso no possvel, buscam a colaborao de instituies similares ou

    contratam assessoria profissional para resolver questes estticas, deixando para a

    administrao destas instituies apenas o gerenciamento da mostra.

    Instituies tradicionais como a Bienal de S. Paulo, museus de arte, como o MAM o

    MAC, o MASP que atuam com corpo curatorial prprio ou em colaborao com

    instituies de ensino, de pesquisa ou com profissionais especializados, conforme j

    pudemos destacar no percurso deste texto.

    Em paralelo, necessrio notar a presena de instituies que embora no sejam

    pblicas, atuam no contexto da realizao de eventos artstico e culturais com vigor

    e competncia. Um destes casos o do Instituto Ita Cultural, fundado por Olavo

    Setbal em 1987. Apoiado e subvencionada pelo Banco Ita, tem como referncia a

    cultura em geral com foco na Arte Brasileira e como projeto a contemporaneidade.

    Entretanto, como foi dito anteriormente, o que nos chamou a ateno e nos levou a

    desenvolver este artigo foi a constatao de que a curadoria tem atuado, eventual

    ou intencionalmente, em paralelo com a crtica de arte. Arriscamos dizer que, neste

    caso, a curadoria a crtica colocada em prtica. Enquanto o crtico teoriza,

    explicita, fala ao pblico, a curadoria seleciona, organiza e mostra, induzindo o

    pblico a refletir a respeito das proposies sendo, portanto, a verso pragmtica da

    crtica. Para o pblico tal conduta no deixa de facilitar o acesso informao. Ao

    invs de ler um texto produzido pelo crtico o pblico vivencia um percurso ou uma

    proposio segundo um olhar previamente elaborado por um autor, no o autor da

    obra, mas o autor da mostra. Ao mesmo tempo, nada impede que cada leitor use de

    suas prprias habilidades para desvelar as obras com as quais depara, no entanto, a

    ajuda ou a orientao da curadoria amplifica, intensifica ou diferencia este olhar

    ampliando o dilogo com a obra de arte. Obviamente, as proposies curatoriais

    dependem tambm de informao, de conhecimento, se o pblico no possuir um

    repertrio mnimo ou o acesso a informaes elementares sobre a mostra, o que

    pode ser feito por meio de um catlogo, ele tambm no usufruir daquilo que se

    prope como leitura.

  • 19 Encontro da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasEntre Territrios 20 a 25/09/2010 Cachoeira Bahia Brasil

    2858

    Constatar que a curadoria tende a atuar em paralelo crtica, no traz nada de

    novo, j que este um fato consumado, o que mais importa discutirmos as

    estratgias de como a curadoria, ao atuar como uma vertente possvel da crtica,

    pode ser exercida e contribuir para a difuso e consolidao do pensamento artstico

    na contemporaneidade. Esta a principal questo, ou o problema a ser enfrentado.

    Os exemplos citados ao longo do texto demonstram a importncia que tem a curadoria

    tem exercido na consolidao do pensamento crtico na atualidade. Um dos pontos que

    refora esta importncia, embora parea contraditrio, a participao da mdia

    comercial, a mesma que antes havia retirado o espao de divulgao da produo

    crtica de suas publicaes, hoje recorre s manifestaes artsticas, especialmente os

    grandes eventos coletivos, como forma de atrair a ateno de seu pblico consumidor.

    As manifestaes artsticas de grande porte ou aquelas que ocupam o meio ambiente e

    usam tambm como estratgia discursiva o espao miditico. Como exemplos deste

    tipo de estratgia discursiva podemos citar Christo Javachef e Jeanne Claude, Spencer

    Tunick, cujas obras so resultado de projetos elaborados detalhadamente e que

    dependem de um sistema de logstica e mdia sofisticados. Embora suas obras sejam

    delimitadas por um perodo de tempo, marcam presena e se mantm no contexto

    social por meio da documentao realizada por eles ou por visitantes, apreciadores e,

    bvio, a prpria mdia. Neste caso, eles s sobrevivem por meio da documentao e da

    difuso. Pode-se dizer que as grandes mostras de arte da atualidade, tambm se

    utilizam desta estratgia meditica, pois dependem dela para dar visibilidade aos seus

    projetos, bem como, dar respostas aos patrocinadores que querem, por meio da

    vinculao de seus nomes ao evento, fazer valer o investimento que fizeram na mostra.

    Neste sentido que as curadorias das grandes mostras ocupam tambm o espao

    miditico e, sem ele, dificilmente sobreviveria. justamente a mdia que, ao dar apoio,

    consolida o evento e o projeta no futuro e assim o mantm enquanto ocorrncia e como

    memria, cujo beneficirio o leitor ao evento, mesmo que virtualizado.

    Isaac Antonio Camargo Professor do Departamento de Arte da Universidade Federal de Uberlndia MG e da Universidade Estadual de Londrina. Possui formao em Arte e ps-graduao em Educao, Comunicao e Semitica. Graduado na Licenciatura de Desenho e Plstica pela Faculdade de Artes Plsticas da Universidade de Ribeiro Preto, SP. Especialista em Arte-Educao pela mesma instituio. Mestre em Educao pela Universidade Estadual de Londrina e Doutor em Comunicao e Semitica pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Contato: www.artevisualensino.com.br