A Escala 50 Milesimal - Jorge E O Storace

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A ESCALA CINQUENTA MILESIMAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, FARMACOTÉCNICOS E CLÍNICOS (orig. 1998; rev. 2004, 2009) Jorge E. O. Storace 11. DEFINIÇÕES 1.1 Escalas Métodos de preparação dos medicamentos homeopáticos. Designações baseadas na proporção da diluição, e/ou nome do criador, ou método. - decimal (Hering) - centesimal hahnemanniana (até C30 no passado, até CM atualmente) - centesimal korsakowiana ( > que C30 no passado) - fluxo contínuo ( > que CM) -50 milesimal 1.2 Potências - resultantes medicamentosas do procedimento homeopático constituído de diluição e sucussão das substâncias-mães; - notação da proporção matemática da diluição medicamentosa; -indica de forma aproximada e empírica a força medicamentosa. Médico homeopata CRMSP 57021, pós-graduado EMHA 1988, especialização em Homeopatia CFM- AMHB 1990, mestrado em Homeopatia FACIS 2002, [email protected]

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Original 1998 lecture, revised 2004, 2009, about historical, pharmacotecnical and clinical aspects of the Q potencies usage in Homeopathy.Aula original de 1998, revisada 2004, 2009, sobre os aspectos históricos, fasmacotécnicos e clínicos sobre o uso da escala 50 milesimal em Homeopatia.

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A ESCALA CINQUENTA MILESIMAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, FARMACOTÉCNICOS E CLÍNICOS

(orig. 1998; rev. 2004, 2009)

Jorge E. O. Storace1†

1. DEFINIÇÕES 1.1 Escalas Métodos de preparação dos medicamentos homeopáticos. Designações baseadas na proporção da diluição, e/ou nome do criador, ou método. - decimal (Hering) - centesimal hahnemanniana (até C30 no passado, até CM atualmente) - centesimal korsakowiana ( > que C30 no passado) - fluxo contínuo ( > que CM) -50 milesimal 1.2 Potências - resultantes medicamentosas do procedimento homeopático constituído de diluição e sucussão das substâncias-mães; - notação da proporção matemática da diluição medicamentosa; -indica de forma aproximada e empírica a força medicamentosa. † Médico homeopata CRMSP 57021, pós-graduado EMHA 1988, especialização em Homeopatia CFM-AMHB 1990, mestrado em Homeopatia FACIS 2002, [email protected]

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2. HISTÓRIA 2.1 Princípios Nos 2 primeiros parágrafos do Organon, Hahnemann estabelece a meta ou horizonte ideal que qualquer arte e ciência médicas devem ter, em especial, é claro, a homeopatia: o restabelecimento da saúde da maneira mais rápida, suave e duradoura possível. E para isso, enuncia no 3° parágrafo as 4 pedras fundamentais homeopáticas que determinam como isso se deve dar: - percepção clara do que deve ser curado em cada caso individual das doenças (individualização); - conhecimento do que é curativo em cada medicamento em particular (patogenesia); - saber adaptar o que é curativo nos medicamentos ao que há para ser curado nos pacientes de acordo com princípios bem definidos de modo a curar (lei dos semelhantes); - saber adaptar os medicamentos aos pacientes quanto a sua conveniência, modo de ação, preparação, quantidade e período apropriado de repetição (medicamento único, dinamização, doses).

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2.2 Evolução Portanto, a questão do surgimento da escala 50 milesimal está embutida neste último item, e até ser preconizado seu uso na 6° edição do Organon §270 (de 1841, mas só publicado em 1921) foi precedida por um longo percurso de pesquisas, experimentos, reflexões e observações que podem ser observadas ao longo das sucessivas edições da suas obras : Medicina da Experiência 1805- Organon 1° ed. 1810- preconiza o aumento sucessivo das potências para que se administre doses (ponderáveis) cada vez menores, no intuito de diminuir as ações nocivas, agravações e reações Organon 2° ed. 1819- indica que talvez sejam necessários medicamentos intermediários, pois ainda observava reações intensas Organon 3° ed. 1824- não administra mais gotas inteiras, e para dividi-las e obter uma menor parte delas passa a utilizar glóbulos (1 gota umedecia cerca de 100 glóbulos=63mg aprox.) Doenças Crônicas 1928- Organon 4° ed. 1829- passa a embeber mais glóbulos com 1 gota (200 a 300) Doenças Crônicas 1935- Organon 5° ed. 1833 (em diante)- experimenta uso de potências decrescentes e crescentes, preconiza a sucussão a cada dose, passa a utilizar 10 ou 100 sucussões nas dinamizações (ao invés de 2), utiliza potências baixas e altas (60, 150 e 200), ministra medicamentos intermediários.

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Hahnemann tinha 86 anos quando terminou a 6° e última edição do Organon, e morreu 2 anos depois, em 1843, sem vê-la publicada. Vários homeopatas tentaram sua publicação em vão, devido a obstruções de ordem cultural e monetária por parte da viúva de Hahnemann, Melanie: Bonninghausen, discípulo e casado com a filha adotiva de Hahnemann, em 1856; Dr. Hahnemann, neto, em 1865; Dr. Dunham, nova-iorquino, e Dr. Bayer, londrino, antes de 1875. Melanie Hahnemann morre em 1878. Finalmente em 1920, Dr Hering, de São Francisco, consegue de Sofia Bonninghausen, a filha adotiva de Hahnemann, a autorização da publicação, que se dá em 1921, mas não há repercussão.

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3. 50 MILESIMAL 3.1 Preparação Na 6° edição do Organon Hahnemann deixa claro, após defender sucessivamente o uso da menor dose possível do medicamento dinamizado homeopaticamente adequado a um caso, que se faça uso da escala 50 milesimal, dando as instruções detalhadas de seu preparo: - parte-se sempre da trituração, em 3 estágios de 1 hora cada; - 1 grão (0,63 g) do pó obtido é dissolvido em 500 gotas de uma solução hidroalcoólica (400 gotas de água, 100 gotas de álcool – “solução-mãe”) e misturado; - 1 gota dessa solução é diluída em 99 de álcool (96%) e a mistura é sucussionada 100 vezes, e daí obtém-se a solução para a 1 LM; - ela é assim estocada, ou por meio da embebição de microglóbulos (100 = 1 grão = 0,63 g; 1 gota embebe 500 microglóbulos); toma-se 1 deles e este é dissolvido em água e diluído em solução hidroalcoólica (a 30% - 20 ml em frasco de 30 ml) para uso; - para a preparação da potência seguinte, toma-se 1 microglóbulo que é dissolvido em 1 gota d’água e então diluído em 99 de álcool e sucussionado 100 vezes, e daí obtém-se a solução para a 2 LM, e assim sucessivamente (deve-se sempre recomendar agitar de 8 a 10 vezes antes de cada tomada).

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3.2 Aspectos Clínicos 3.2.1 Posologia Hahnemanniana Descreve-se que Hahnemann diluia 1 microglóbulo em 6 a 7 ou 15 colheres de sopa de água, e prescrevia, para doenças crônicas, 1 a 3 colheres de chá ao dia ou a cada 2 dias por 7 a 8 ou 14 a 15 dias, sucussionado o frasco 10 vezes antes de cada tomada, e começando da 1LM seguia subindo as potências de 1 um 1. 3.2.2 Impressões Para o farmacêutico Arturo Mendez, professor da EMHA, os argumentos de Hahnemann em favor das LM eram que se usa menor dose do medicamento, que as curas eram mais rápidas, com menos agravações, e que se podia dar um medicamento pelo tempo que se julgasse necessário, sejam 3, 4, 5 ou 6 meses. Comenta que do seu ponto de vista o uso das LM evita o uso placebo. Refere ainda que Vijnovsky discordava de Hahnemann quanto à rapidez da cura. Comenta que são muito utilizadas na Índia, sendo seu maior divulgador Dr. Patel, autor de uma obra relativa às LM e que afirma ter tratado cerca de 20 mil casos com essa escala. A Dra. Alissia Massimilia, professora da EMHA, comenta que na sua experiência clínica o uso da LM bem como da centesimais diluídas, pelo efeito da diluição e repetição das doses, geram os seguintes resultados:

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- encurtamento do tempo de cura das doenças crônicas; - evitam a reaparição dos sintomas motivos da consulta; - uma melhora cada vez maior e mais duradoura; - em curto tempo se põe em andamento as Leis de Cura; - diminui a agravação que se apresenta no início do tratamento. Para o Dr. Francisco Xavier Eizayga, professor da AMHA, nas centesimais há maior “energia vibratória” porque há mais sucussões e maior troca do veículo, gerando uma energia curativa mais intensa, muito superior às LM, além de maior precisão nos resultados comparativos terapêuticos. Refere ainda que a técnica é pouco precisa e sua vantagem é puramente subjetiva. Na obra de doutrina do GEHSP Benoit Mure, é citado que a introdução das LM no Brasil se deu por intermédio do Dr. George W. Galvão Nogueira em 1980, tendo sido distribuídas em algumas farmácias homeopáticas potências por ele trazidas do México. Nela é referido que por haver uma relação muito maior do medicamento e o meio de diluição, as sucussões devem determinar um “desenvolvimento muito maior da força medicamentosa”.

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4. Caso Clínico M. B. O., 31 anos, separada, secretária. 24/01/97 Depressão, tratando-se com terapia. Preocupações nos últimos anos, filho pequeno, separação, busca de emprego; e sempre fico mais sozinha, acabo perdendo o sentido de viver. tenho pensado em dormir e não acordar mais, tomar remédios para isso; durmo mal, muitos pesadelos; muita cefaléia em agulhadas, < ao esforço, + à D, latejante; < com tensão; tive 2x após relação sexual, muitas náuseas, intestino mais solto. Sou muito ansiosa, se o que espero não acontece já fico lá embaixo; não tenho flexibilidade para o imprevisto, para uma negativa. Nessa fase me apeguei muito ao meu filho, só ele me faz viver. Não vejo motivo em mudar, depois as coisa vão piorar mesmo. Estou sempre infeliz e fingindo estar bem, sempre tenho muita dificuldade para começar algo. Só tenho mãe e irmão, e não me dou bem com minha mãe. Me afastei dos amigos. Fico pensando no passado, no que errei. Pesadelos com perseguição; às vezes sonho com a casa da infância, falo dormindo, grito. + calorenta, muito suor. Gosto mais de salgados, um pouco mais de sal. Tomo muito café, que > a dor de cabeça. Pouca sede. A menstruação anda atrasada; < no pré-menstrual.

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Conduta: Aurum metallicum 6LM 2 gotas 2x/dia / Passiflora inc. φ 10 gotas à noite / Iris versicolor CH6 2 gotas 2/2 hs s/n 03/02/97 por telefone: Ignatia amara CH30 plus 4x/dia / Valeriana off. φ 10 gotas 1-3x/dia 05/02/97 Estive bem uma semana aí tive uma separação amorosa que um deixou muito mal, com vontade de morrer, ando até me mutilando (queimou seus braços com ferro de passar). Tive pesadelos de perseguição, logo no início e agora de novo. Tenho fase de euforia e depressão, chorando muito. Há sempre um questionamento: que droga que eu sou que ninguém me quer?, é difícil ouvir o não. E sou muito responsável, me culpo muito. E fico muito dependente emocionalmente com quem me afeiçôo, e me magôo facilmente. Tremo muito. Prescrito Prozac 1 cp/dia e Buspar 2 cps/dia por psiquiatra. Conduta: Natrum muriaticum 12 LM 2 gotas 4-8x/dia s/n / Avena sativa φ 10 gotas 1x/dia / Valeriana off. φ 10 gotas 1x/noite 21/02/97 Não sentiu > na 1° semana s/ o fundo; 1 dia após entrar c/ 12LM sentiu-se muito bem por 3 dias, quando voltou a < e passou p/ 18 LM e Coffea cruda CH6 (por telefone), passando a dormir + horas seguidas; não tomou Buspar. Teve cefaléias 2x que > com Iris, taquicardias e formigamentos. Má digestão e náuseas nos últimos dias. Conduta: Nat-m 20 LM 2 gotas 4-8x/ia / Coffea CH12 5 gotas à noite / Nux vomica CH6 2 gotas 4/4hs s/n

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07/03/97 Não se sente bem se não toma o Nat-m, e nota que o bem-estar dura por volta de 1 semana; tomando 24 LM (por telefone) há aprox. 8 dias. Conduta: Nat-m 26 LM 2 gotas 4-8x/dia 05/04/97 Tomou a 26, 28 e 30 LM (por telefone) 4x/dia, aprox. 7-10 dias cada potência. As cefaléias >, mas persistiam, ao passar p/ Sanguinaria CH6 praticamente desapareceram. Tem tido dores musculares cervicais, s/ > c/ Rhus tox. CH6. Náuseas e má digestão s/ > c/ Nux-v e Ipeca. Esteve bem no geral, mas ficou 1 semana sem tomar a 30 LM, tendo uma < geral, s/ ânimo, deprimida novamente, com sensação de baixa auto-estima agravada por não ter conseguido um novo emprego. Conduta: Nat-m 34 e 36 LM 2 gotas 4-8x/dia 7-10 dias cada / Arnica mont. CH6 2 gotas 4-6x/dia HCL 50% 2 gotas 2x/dia. Suspender Prozac no período. 14/05/97 Há 1 mês s/ Prozac. Está tomando a 36 LM há 20 dias e se sente ótima, muito bem, apenas um pouco irritada nos últimos dias. Refere que nos primeiros dias teve muitos sonhos relacionados à infância, agora diminuiram. As cefaléias > bem. Sentindo-se mais segura, reagindo bem às dificuldades, refere que a terapeuta está contente com seus progressos, que os resultados tem sido muito positivos. Alguns dias sentiu-se mais cansada, tomou Medicago sativa e >. > da má digestão completamente c/ o HCL. Conduta: Nat-m 37 LM 2-3x/dia 30 dias / Med. sat. φ 10 gotas 1x/dia s/n

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20/06/97 Tomou a 37 LM por aprox. 30 dias, e agora está com a 39 LM. No início sentiu uma depressão leve, com sensação de que várias coisas estavam sendo mexidas a nível emocional, aproveitando muito a terapia. No geral se diz bem, sem grandes alterações. Às vezes faz uso por 1-2x de Valeriana, Medicago ou HCL quando agitada, cansada ou com alguma alteração gástrica respectivamente, sempre com >. Cefaléias só no pré-menstrual, mas não tem tido. Refere que não percebe mais como antes a necessidade do remédio, às vezes esquece de tomar. Tem tido sonhos com passado, sem angústia. Tem sentido emoções + agradáveis, de conforto, afinidade com as pessoas, reconhecimento. Reconhece também um vazio no lado afetivo, mas prefere ainda ficar só, pois está vendo o quanto há de uma menina mimada, que bate o pé, que não quer estar só a qualquer custo, e o quanto vem amadurecendo em relação à tudo isso. Não tem tido apetite. Conduta: continuar com 39 LM, passar à 42 LM s/n / Levedura de cerveja 500 mg 1 cp./dia 08/08/97 Permaneceu com a 39 LM por aprox. 50 dias. Refere que várias coisas mudaram p/ >, mudou de trabalho e de casa. Ainda se sente que é muito influenciada pelos fatos externos, às vezes eufórica e outras deprimida, mas que não se desequilibra tanto, Nos primeiros dias após mudar a potência sentiu-se agitada e com cefaléias, > com Valer. e Sang. respectivamente. tem tido prisão de ventre. Conduta: manter a 42 LM por 45-60 dias, passar à 45 LM s/n / Trifibra 1 envelope/dia.

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08/09/97 Com aprox. 20 dias da 42 LM vinha sentindo retornar cefaléias, agitação e brancos de memória, e passou p/ a 45 LM c/ >, sentindo-se bem no geral. Conduta: manter 45 LM por 30-45 dias, passar à 48 LM s/n.

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5. Conclusões 5.1 Vantagens - maior flexibilidade posológica → ação mais contínua e menos - maior cobertura posológica → sujeita à flutuações - menor tendência à agravações → ação mais suave - menor tendência à patogenesias → - diminuição no uso de placebos 5.2 Desvantagens - início de ação mais lenta - menor nitidez na caracterização da ação - menor praticidade - maior dificuldade de procura nas farmácias - sem formulação em glóbulos 5.3 Indicações - pacientes hipersensíveis - pacientes lesionais moderados e graves - pacientes hipocondríacos

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6. Bibliografia 6.1 Organon da Arte de Curar, S. Hahnemann, Ed. Laemmert, R. de Janeiro, 1962 6.2 Tratado de Medicina Homeopática, F. X. Eizayaga, Ed. Marecel, B. Aires, 1981 6.3 Doutrina Médica Homeopática, GEHSP Benoit Mure, Ed. JAG, S. Paulo, 1986 6.4 “O Legado de Hahnemann: as potências Q (LM)”, P. Barthel, in Revista de Homeopatia vol. 51 n° 1, APH, S. Paulo, 1993 6.5 “De la Centesimal a la LM”, A. Massimilia, in Atas do 2° Congreso Unificado de Escuelas Homeopaticas Argentinas, B. Aires, 1990 6.6 “Farmacopeas, las Dinamizaciones y las Escalas Decimal, Centesimal y Cicuentamilesimal, Formas Farmaceuticas”, A. Mendez, apostila do Curso de Pós-Graduação em Homeopatia da EMHA, B. Aires, 1988