A organização de jogo de uma equipa de futebol · (Mourinho, citado por Lourenço & Ilharco,...

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A organização de jogo de uma equipa de futebol Uma abordagem sistémica para a construção de uma forma de jogar Humberto Luís Moura da Silva Porto, 2008

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A organização de jogo de uma equipa de futebol Uma abordagem sistémica para a

construção de uma forma de jogar

Humberto Luís Moura da Silva

Porto, 2008

Porto, 2008

Orientador: Mestre José Guilherme Oliveira

Humberto Luís Moura da Silva

Monografia realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na área de Alto Rendimento – Futebol, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

A organização de jogo de uma equipa de futebol Uma abordagem sistémica para a

construção de uma forma de jogar

Silva, H. (2008). A organização de jogo de uma equipa de futebol. Uma

abordagem sistémica na construção de uma forma de jogar. Dissertação de

Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

PALAVRAS – CHAVE: FUTEBOL, ABORDAGEM SISTÉMICA, ORGANIZAÇÃO,

PRINCÍPIOS DE JOGO.

Agradecimentos

V

AGRADECIMENTOS

Ao Mestre José Guilherme Oliveira, pela sua disponibilidade na orientação

deste trabalho, apesar de ter muitas outras responsabilidades e muitos outros

afazeres. Por me ter ajudado a perceber como contar uma “história”, sem

perder o fio condutor.

Aos meus entrevistados, que apesar de possuirem pouco tempo disponível,

prontificaram-se em colaborar na execução do nosso trabalho, contribuindo

assim para o seu enriquecimento.

Ao meu Avô materno, por ser um exemplo de vida que eu tentarei sempre

seguir. Pela sua simplicidade e boa disposição contagiantes. Aos meus outros

avós que não são menos importantes. Sem eles, certamente não estaria onde

estou.

À minha Mãe, por todo o apoio que sempre me deste e por me ajudares a

tornar-me na pessoa que hoje sou. Obrigado!

À minha Irmã, por tudo o que fizeste por mim e por tudo o que ainda

continuas a fazer... Sem ti não conseguiria atingir esta meta. Obrigado!

À Lu, por seres a luz que me ilumina todos os dias. Por me teres apoiado

em todos os momentos que precisei.

À Tina, por seres a amiga que és e por me “aturares” muitas vezes, de livre

e espontânea vontade.

Aos meus amigos, em especial ao Gabi e ao Moita pela partilha de

conhecimento. Não se esqueçam que sem divergência de opiniões, dificilmente

haverá evolução.

Agradecimentos

VI

À Maltinha, por todos os momentos de enorme alegria que passámos

juntos ao longo destes “custosos” anos de faculdade.

À Tuna Musicatta Contractile, pelos ensinamentos de vida.

Simplesmente, um marco na minha vida académica.

Índice

VII

ÍNDICE

AGRADECIMENTOS…………………………………………………………………………..... V

ÍNDICE…………………………………………………………………………………………….. VII

RESUMO………………………………………………………………………………………….. IX

ABSTRACT……………………………………………………………………….………………. XI

RESUMÉ……………………………………………………………………………..…….……… XIII

1. INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………… 1

2. REVISÃO DA LITERATURA...………………………………………………………………. 7

2.1. A ABORDAGEM SISTÉMICA NO FUTEBOL…………………………………………………. 7

2.1.1 O PORQUÊ DA APLICAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS DE UM SISTEMA AO FUTEBOL.... 10

2.2 MODELO DE JOGO/MODELIZAÇÃO SISTÉMICA COMO PROJECTO DE ACÇÃO DO SISTEMA.. 13

2.2.1. A NECESSIDADE DE CONTEXTUALIZAR..……………………………………………. 15

2.3. TREINAR SEGUNDO O PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE............…………………………… 17

2.3.1 OPERACIONALIZAR O PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE............................................ 19

2.4 O CONHECIMENTO ESPECÍFICO EM FUTEBOL.......………………………………………... 20

2.4.1. DO CONHECIMENTO DECLARATIVO AO PROCESSUAL............................................ 21

2.5 A “CONDIÇÃO” FRACTAL DO EXERCÍCIO DE TREINO...................................................... 22

2.5.1 O TREINO PARA A MELHORIA QUALITATIVA DA TOMADA DE DECISÃO…………....... 26

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...……………………………………………....... 29

3.1. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA..………………………………………………………... 29

3.2. METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO................................................................…........... 29

3.3. RECOLHA DE DADOS...............………………………………………………………….... 30

4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DAS ENTREVISTAS.…………………………….. 31

4.1 A PERTINÊNCIA DE UMA ABORDAGEM SISTÉMICA NO FUTEBOL...................................... 31

4.1.1 A APLICABILIDADE DAS CARACTERÍSTICAS DE UM SISTEMA NO FUTEBOL.....…...... 33

4.2 A PREDOMINÂNCIA DO LADO ESTRATÉGICO-TÁCTICO NO JOGO DE FUTEBOL.................. 36

4.3 A IMPORTÂNCIA DO MODELO DE JOGO/MODELIZAÇÃO SISTÉMICA PARA SE ATINGIR UMA FORMA DE JOGAR.................................................................................................................. 37

Índice

VIII

4.3.1 A ESPECIFICIDADE NO PROCESSO DE TREINO....................................................... 41

4.3.2 A INTERVENÇÃO ESPECÍFICA NO DECORRER DOS EXERCÍCIOS DE TREINO PARA O CUMPRIMENTO DO PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE.............….............................................. 42

4.3.3 A RELEVÂNCIA DAS INFORMAÇÕES PROVENIENTES DOS JOGADORES PARA O PROCESSO DE TREINO............................................................................................................ 44

4.3.4 A OPTIMIZAÇÃO DO CONHECIMENTO DECLARATIVO E DO CONHECIMENTO PROCESSUAL E A PROCURA DE UM “SABER SOBRE O SABER FAZER”........................................ 45

4.4 A FRACTALIDADE NO PROCESSO DE TREINO PARA UMA MELHORIA QUALITATIVA DA TOMADA DE DECISÃO............................................................................................................. 46

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 49

6. SUGESTÕES PARA FUTUROS ESTUDOS.................................................................. 51

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 53

8. ANEXOS I

ANEXO I......................................................................................................................... I

ANEXO II........................................................................................................................ XI

Resumo

IX

RESUMO O futebol assume-se como um fenómeno complexo. Desta forma,

consideramos a pertinência de uma abordagem sistémica ao futebol, visando

uma inteligibilidade da complexidade das interacções dos jogadores nos

diferentes níveis de organização. Tendo isto por base, o treinador de futebol

poderá encontrar indicadores de qualidade que lhe permitam organizar o jogo e

modelar a sua equipa de acordo com a sua ideia de jogo.

O processo de treino apresenta-se como um meio privilegiado para que

os jogadores adquiram determinados conhecimentos e princípios de jogo,

referentes à forma de jogar que o treinador preconiza.

Com o presente estudo pretendemos atingir os seguintes objectivos: i:

verificar a pertinência de uma abordagem sistémica no contexto do futebol; ii:

identificar aspectos relevantes para a organização de jogo de uma equipa de

futebol; iii: indagar e discutir a intervenção específica do treinador no processo

de treino para o atingir de uma determinada forma de jogar.

Para este efeito, para além de efectuarmos revisão da literatura,

entrevistámos dois professores extremamente conceituados da Faculdade de

Desporto da Universidade do Porto: o Professor Doutor Júlio Garganta e o

Professor Vítor Frade.

O cruzamento da informação decorrente da revisão da literatura, com o

conteúdo das entrevistas permitiu chegar às seguintes conclusões: a) a

abordagem sistémica é ajustada à complexidade do fenómeno do futebol; b) a

abordagem sistémica torna a complexidade das interacções dos jogadores, nos

diferentes níveis, inteligível; c) ao ser encarada como um sistema, a equipa de

futebol necessita de um modelo de jogo que contextualize e direccione as

interacções entre os seus elementos e o meio específico onde actua; d) a

objectivação do modelo de jogo e a modelação da organização de jogo da

equipa faz-se no processo de treino; e) a operacionalização dos exercícios de

treino carece de uma intervenção específica por parte do treinador para que

não haja perda de especificidade.

PALAVRAS – CHAVE: FUTEBOL, ABORDAGEM SISTÉMICA,

ORGANIZAÇÃO, PRINCÍPIOS DE JOGO.

X

Abstract

XI

ABSTRACT Football is seen as a complex phenomenon. In an attempt to understand

the complexity of the interactions of the players in the different levels of

organization, we consider a systemic approach to football. Based on this, the

coach might be able to find quality indicators that will allow him to organize the

game and model his team in accordance with his idea of the game.

The coaching process presents itself as a favored medium through which

players can develop a certain knowledge and game principles, in line with the

way of play envisioned by the coach.

The objectives of this study are: i: to assess the pertinence of a systemic

approach in the context of football; ii: to identify features that are relevant to

organize the game of a football team; iii: to discuss the intervention of the coach

in the coaching process in order to attain a certain way of play.

With this purpose, we carried out a systematic review and interviewed

two highly respected professors of the Faculty of Sport, University of Porto:

Professor Júlio Garganta (PhD) and Professor Vítor Frade.

The information gathered in the systematic review was integrated with

the content of the interviews and we could conclude the following: a) the

systemic approach is adjusted to the complexity of the phenomenon of football;

b) the systemic approach renders the complexity of the interactions of players in

the different levels understandable; c) when viewed as a system, the football

team needs a model of game to “guide” the interactions between its elements

and the specific mean where it performs; d) it is in the coaching process that the

game model is made objective and the organization of the game is modeled; e)

in order to prevent the loss of specificity, the coach needs to intervene when the

coaching exercises are made operative.

KEY WORDS: FOOTBALL, SYSTEMIC APPROACH, ORGANIZATION, GAME

PRINCIPLES.

XII

Resumé

XIII

RESUMÉ Le football est un phénomène complexe. En effet, on propose un

abordage systémique du football pour mieux comprendre la complexité des

interactions entre les joueurs dans les différents niveaux de l’organisation.

Ainsi, le coach du football pourrait trouver les indicateurs de qualité qui lui

permettront d’organiser le jeu et de modeler son équipe en accord avec son

idée de jeu.

Le processus d’entrainement se présente comme un moyen privilégié

pour que les joueurs puissent développer certaines connaissances et principes

de jeu relatifs à la manière de jouer idéalisée par le coach.

Avec ce travail, on a proposé les objectifs suivants: i: vérifier la

pertinence d’un abordage systémique dans le contexte du football; ii: identifier

les caractéristiques importantes pour l’organisation d’une équipe de football;

considérer si l’intervention spécifique du coach dans le processus

d’entrainement pour conquérir une certaine façon de jouer est fondamentale.

En vue de ces objectifs, on a déroulé une révision de la littérature et on a

aussi interviewé deux professeurs bien connus de l’École de Sports, Université

de Porto : le Professeur Docteur Júlio Garganta et le Professeur Vítor Frade.

Le croisement de l'information réunie suite à la révision de la littérature

avec le contenu des interviews a permit de tirer les conclusions suivantes : a)

l’abordage systémique est ajusté à la complexité du phénomène du football; b)

l’abordage systémique rend plus intelligible la complexité des interactions des

joueurs dans les différents niveaux; c) quand regardé comme un système,

l’équipe de football a besoin d’un modèle de jeu pour “guider” les interactions

entre ses éléments et le moyen spécifique où elle joue; d) c’est dans le

processus d’entrainement que le modèle de jeu est objectivé et que

l’organisation de jeu est modelée; e) pour qu’il n’y ait pas perte de spécificité, il

est nécessaire d’avoir une intervention spécifique du coach quand les exercices

d’entrainement sont opérationnalisés.

MOTS CLES: FOOTBALL, ABORDAGE SYSTÉMIQUE, ORGANISATION,

PRINCIPES DE JEU.

XIV

Introdução

1

1. Introdução. “...não existe treinador que no seu íntimo não queira ser o “deus de

Laplace” – conseguir prever com uma certeza infinitesimal a evolução

do jogo, controlar esse sistema multivariável. Por isso, talvez ele

preferisse substituir a variabilidade pela estereotipia na expectativa de

que as atitudes dos seus jogadores fossem previstas e articuladas

com a máxima certeza, de que as propriedades topológicas do

movimento que eles manifestam fossem as menos variáveis”.

(Cunha e Silva, 1995 citado por Garganta & Cunha e Silva, 2000, p. 5)

“Pensa-se que ao reduzir a complexidade do jogo no

treino se está a tornar as coisas mais fáceis. Quanto a

mim, está apenas a criar-se condições de sucesso no

treino, não no jogo! No jogo a complexidade continua lá.”

(Mourinho, citado por Lourenço & Ilharco, 2007, p. 45)

Apesar de um recente aumento da investigação sobre a intervenção do

treinador numa equipa de futebol, ainda há muitas lacunas por preencher a

este nível (Bowes & Jones, 2006). Arnold LeUnes (citado por Cushion, 2007, p.

427), refere que “sabemos muito pouco sobre a actividade do treinador e da

sua intervenção no processo de treino”.

Garganta (2006b, p. 10) refere que “para quem assiste a uma partida de

futebol, o jogo afigura-se simples. Contudo, quem joga apercebe-se que está

em presença de um fenómeno complexo, pelo facto de ter que, a um tempo,

referenciar a posição da bola, aferir a situação de colegas e adversários, em

relação aos alvos (as balizas) a atacar e a defender, e agir num ambiente

instável. Se a posição dos alvos é conhecida à partida, já a localização de

colegas e oponentes muda continuamente em função da circulação do móbil de

jogo (a bola), o que faz com que os espaços do campo de jogo devam ser

diferentemente valorizados nos distintos momentos”. Como consequência

disso, a intervenção do treinador no processo de treino deve ser analisada pela

sua complexidade, na tentativa de dar a conhecer todos os constrangimentos

do jogo aos seus jogadores e, para além disso, tornar inteligível a sua ideia de

jogo (Bowes & Jones, 2006; Cushion, 2007). No entanto, as abordagens

Introdução

2

utilizadas nos estudos realizados, não capturam na totalidade a complexidade

do papel desempenhado pelo treinador numa equipa de futebol (Bowes &

Jones, 2006). Isto, deve-se ao facto de a natureza da actividade compreender

um infindável número de dilemas e de tomadas de decisão que requerem um

planeamento constante, observação, avaliação, reajustamentos a todo o

processo e uma intervenção específica (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto,

2006; Carvalhal, 2000; Frade, 2006; Garganta, 2006b; Guilherme Oliveira,

2004; Jones & Wallace, 2005).

No entender de Jones e Wallace (2005), a conceptualização da

actividade do treinador tem sido inadequada. Uma das maiores críticas

apontadas é a da utilização de uma perspectiva racionalista na forma de

encarar o processo de treino (Bowes & Jones, 2006). Assim, um dos conceitos

fundamentais utilizados nas pesquisas efectuadas, prende-se com o

reducionismo, ou seja, com a tentativa de entender o funcionamento de um

todo pela análise das partes separadamente (Bowes & Jones, 2006). Isto é, a

actividade do treinador é dissociada dos restantes elementos que constituem a

equipa e, como consequência disso, o lado interactivo essencial para o

sucesso colectivo é descurado (Cushion, 2007).

Em relação à actividade do treinador propriamente dita, as críticas mais

frequentes vão de encontro ao facilitismo e à excessiva simplificação de um

processo que, como já foi referido, é caracterizado por uma enorme

complexidade. Geralmente, o treinador opta por recorrer a métodos

convencionais para ensinar o jogo, em detrimento de uma operacionalização

baseada na compreensão do fenómeno do futebol e no entendimento da sua

ideia colectiva de jogo (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006; Frade,

2006; Guilherme Oliveira, 2006). Além disso, há uma repetição exagerada de

exercícios analíticos e descontextualizadas, como por exemplo: corrida em

velocidade máxima num percurso de 20m em linha recta. Este exercício terá

um transfer diminuto ou inexistente para o jogo, já que se apresenta à margem

dos requisitos tácticos (Garganta, 2006b). Imaginemos outro exemplo, uma

situação de finalização sem oposição de qualquer defesa (exceptuando o

guarda-redes), 2xG.R., está-se a criar condições para o sucesso para quem

Introdução

3

está a atacar, no entanto a complexidade do jogo não está presente, devido a

um enorme facilitismo.

Na execução deste trabalho, propomos a aplicação de uma abordagem

sistémica ao futebol e ao processo de treino, já que esta nos permitirá observar

a totalidade do fenómeno em questão e, proporcionará uma visão holística

sobre equipa. É, então pertinente realizar uma pequena contextualização

histórica da abordagem sistémica. Esta surge a partir da teoria geral dos

sistemas, que é um corpo de conhecimentos feito de leis que incidem sobre os

sistemas em geral, trata-se da filosofia dos sistemas. Esta teoria geral e

generalista foi fundada pelo biologista austríaco, Ludwig von Bertalanffy em

meados do séc. XX (Bertrand & Guillemet, 1988). No entanto, a abordagem

sistémica diferencia-se da teoria geral dos sistemas por ser mais específica,

mais praxiológica. Assim sendo, apesenta-se como uma metodologia que

permite reunir e organizar conhecimentos, tendo em vista uma maior eficácia

na acção (Bertrand & Guillemet, 1988). Visto isto, segundo o pensamento

sistémico a equipa de futebol é perspectivada como um sistema social

dinâmico e sociocognitivo, isto é, um conjunto de elementos que interagem

entre si, tendo em vista a aquisição de conhecimentos que lhe permita agir de

uma forma mais eficaz no seu meio específico (Garganta & Gréhaine, 1999).

Intimamente ligada ao conhecimento está a noção de modelo (Garganta,

1997). Neste sentido, a abordagem sistémica incide sobre fabricação de

modelos, de forma a organizar conhecimentos para a resolução de problemas

em contextos específicos (Bertrand & Guillemet, 1988). Relativamente ao

fenómeno de futebol é de extrema importância que o treinador possua uma

concepção de jogo, isto é, uma ideia de jogo, tendo em conta toda a conjuntura

envolvente (Frade, 2006; Guilherme Oliveira, 2004). A estruturação de

conhecimentos relativos a essa ideia de jogo irá permitir a criação de um

modelo de jogo que será fulcral na construção de uma organização de jogo, e

orientará e regulará todo o processo de treino (Frade, 2006; Guilherme Oliveira,

2004).. É de realçar, que no decorrer deste trabalho apelamos à necessidade

do treinador de futebol criar um modelo de jogo rico que levará a um conjunto

de soluções individuais e colectivas, de forma a fazer face aos

Introdução

4

constrangimentos típicos do jogo. Estamos em crer que esta forma de

operacionalizar pode ser aplicada não só à alta competição, mas ao futebol em

geral.

Mais à frente, poderemos verificar que a abordagem sistémica é

caracterizada por um elevado grau de especificidade (Bertrand & Guillemet,

1988). Para ficarmos desde já com uma ideia do princípio da especificidade no

futebol, Guilherme Oliveira (2004, p. 152) (de acordo com a ideia de jogo do

treinador) refere que “este entendimento de especificidade, implica a

necessidade de haver um contexto, ou seja, uma organização sistémica que

represente determinado envolvimento, em que os diferentes elementos, ou

variáveis, interagem entre si, sendo representativos desse contexto e

contribuindo para a sua unicidade”. Ainda de acordo com o mesmo autor

(2004), o conceito de especificidade, além de estar relacionado com a

modalidade de futebol, tem que estar ligado ao modelo de jogo da equipa, à

sua forma de jogar, a esse mesmo contexto.

A pertinência deste trabalho prende-se com a escassez de estudos

realizados sobre a actividade do treinador e, também pela necessidade de

perceber a complexidade da intervenção do treinador na construção de uma

forma de jogar, de uma identidade própria para a sua equipa, de uma cultura

de jogo.

Antes de iniciar o processo de treino, o treinador deve respeitar

variadíssimos factores. Na opinião de diversos autores, é da responsabilidade

do treinador criar as condições necessárias para o emergir do jogar que

pretende ver instituído como líder de todo o processo (Carvalhal, 2000; Frade,

2006; Guilherme Oliveira, 2006). Para que tal aconteça, o jogador de futebol

deve possuir um conjunto de conhecimentos, de saberes que lhe permita dar o

seu contributo à equipa de um modo eficiente e eficaz. Este conjunto de

conhecimentos passa pela aquisição de um saber o que fazer (conhecimento

declarativo), de um saber fazer (conhecimento processual) e, acima de tudo, de

um “saber sobre o saber fazer” (Frade, 2006).

A tomada de decisão do jogador de futebol estará condicionada pelo

contexto (Júlio & Araújo, 2005) e as decisões que ele toma durante uma partida

Introdução

5

de futebol têm muito a ver com os exercícios que executa no treino (Garganta,

2006b; Gréhaine, Godbout, & Bouthier, 2001).

Aferimos, então a necessidade de procurar respostas concretas e

opiniões válidas acerca do processo de treino. Este processo encerra em si

uma enorme complexidade, na medida em que suscita inúmeras preocupações

e levanta variadíssimas questões que merecem a nossa atenção.

Visto isto, propomos alcançar os seguintes objectivos na realização

deste trabalho:

- Verificar a pertinência de uma abordagem sistémica no contexto

do futebol;

- Identificar aspectos relevantes para a organização de jogo de uma

equipa de futebol;

- Indagar e discutir a intervenção específica do treinador no

processo de treino para o atingir de uma determinada forma de

jogar.

Para atingir os objectivos a que nos proposemos entrevistamos dois

professores extremamente conceituados da Faculdade de Desporto da

Universidade do Porto: o Professor Doutor Júlio Garganta e o Professor Vítor

Frade.

O presente trabalho foi estruturado em sete pontos. O primeiro ponto é

referente à introdução que nos ajuda a justificar a pertinência do estudo, a

definir os objectivos a alcançar e a apresentar a estrutura do trabalho.

O segundo ponto é relativo a uma revisão da literatura sobre o tema em

questão.

O terceiro ponto prende-se com os procedimentos metodológicos que

foram utilizados para a execução deste estudo.

No quarto ponto realizamos a discussão dos dados obtidos nas

entrevistas que efectuámos, cruzando com informação proveniente da revisão

da literatura.

No quinto ponto apresentamos de uma forma clara e concisa as

considerações finais.

Introdução

6

No sexto ponto são apresentadas as sugestões para futuros estudos.

No sétimo ponto expomos as referências biblográficas que sustentaram

a realização deste trabalho monográfico.

No oitavo e último ponto estão anexas as entrevistas efectuadas.

Revisão da Literatura

7

2. Revisão da Literatura:

2.1 A abordagem sistémica no futebol.

“A complexidade não compreende apenas

quantidades de unidades...; compreende também

incertezas, indeterminações, fenómenos aleatórios”.

(Morin, 2003 citado por Lourenço & Ilharco, 2007, p. 77)

Normalmente, as análises realizadas ao jogo de futebol são na sua

esmagadora maioria quantitativas, indicam o número de cantos conquistados, o

número de remates efectuados, o número de faltas cometidas e, mais

recentemente, o número de metros percorridos por um jogador. Estas acções

observadas não espelham na totalidade o que se passa numa partida de

futebol (Lobo, 2008b). O futebol extravasa o campo da quantificação e

apresenta-se como um fenómeno demasiado complexo (Dooley, 1997;

Garganta & Cunha e Silva, 2000) para ser explicado numa análise estatística

que é habitualmente realizada pelos meios de comunicação social. Assim

sendo, a quantificação só nos dará uma perspectiva parcelar e empobrecida do

que é a qualidade de jogo e o futebol na sua globalidade, já que este se

caracteriza por uma elevada aleatoriedade e imprevisibilidade (Garganta,

2006b; Garganta & Cunha e Silva, 2000). Seguindo a linha de pensamento de

Heidegger (1977, in Lourenço & Ilharco, 2007) , a matematização de um

fenómeno como é o futebol, só permite conhecê-lo em todo o detalhe, excepto

como jogo de futebol. Estas palavras ilustram bem que, num fenómeno que

assume uma tal complexidade, analisar as partes de forma isolada será

insuficiente (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006; Lobo, 2008b).

Actualmente, o aspecto táctico do jogo é cada vez mais estudado, as

acções dos jogadores e os padrões comportamentais que conferem a

organização funcional da equipa são, efectivamente, mais valorizados. Estas

acções irão revelar a verdadeira essência do jogo, já que este se caracteriza

por uma interacção entre os elementos que nele actuam (Castelo, 1996).

Revisão da Literatura

8

Porém, o lado táctico do jogo não pode ser dissociado das outras dimensões

que o constituem, nomeadamente, a física, a psicológica, a técnica, a cognitiva,

etc. (Frade, 2006). Em concordância com Garganta (2006b) e Castelo (1994) o

futebol assume-se, preponderantemente, como um jogo táctico caracterizado

por uma luta pelo domínio dos espaços, que contempla aspectos estratégicos e

em que a coerência de movimentação é de extrema importância (Gréhaine &

Godbout, 1995). Assim sendo, a táctica é a dimensão unificadora que dá

sentido e lógica a todas as outras. Ainda neste sentido, Garganta (2006b)

menciona que o problema principal que se coloca ao jogador de futebol é o

saber o que fazer e a altura certa para o fazer, consoante o projecto de jogo

colectivo, ou seja, qualquer tipo de acção de um jogador, tem sempre

subjacente uma acção táctica (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006).

Gréhaine (1991, p. 12) refere que “esta forma de ver o futebol acarreta consigo

três categorias de problemas:

- Problemas relacionados com o espaço e com o tempo. Na fase

ofensiva o jogador de futebol deve encontrar soluções para os

problemas individuais e colectivos relacionados com a condução

do objecto do jogo, ou seja, a bola, de forma a ultrapassar, usar

ou evitar os adversários. Na fase defensiva deve criar-se

obstáculos, de forma a abrandar ou parar a bola e o adversário,

tendo em vista a recuperação da posse da mesma.

- Problemas relacionados com o fluxo de informação. Os jogadores

devem lidar com situações relacionados com a criação de

incerteza e imprevisibilidade na equipa adversária e situações de

previsibilidade para os seus colegas de equipa. Isto está

dependente da quantidade e da qualidade da informação

existente. A incerteza é gerada pela informação que não

possuímos sobre o estado do sistema (equipa de futebol). A

redução da incerteza para a equipa em posse de bola está

relacionada com a qualidade da informação e dos princípios de

jogo, inerentes ao modelo de jogo, proporcionando tomadas de

Revisão da Literatura

9

decisão apropriadas à situação, entendidas pelos colegas de

equipa num determinado momento do jogo.

- Problemas relacionados com a organização de jogo. Os jogadores

de uma equipa devem entender uma movimentação individual,

num projecto colectivo (entenda-se modelo de jogo). Cada

jogador deve pensar acima de tudo, colectivamente nas suas

acções individuais e dar o seu melhor à equipa”.

Visto isto, para uma melhor compreensão do fenómeno, a equipa de

futebol e as interacções entre os jogadores e o meio/contexto devem ser

abordadas como um sistema complexo (Gréhaine, Bouthier, & David, 1997)

Com efeito, reconhecemos a natureza sistémica do futebol, na medida em que

está centrada nos processos e no conhecimento adquirido para uma acção

conjunta mais eficiente e mais eficaz, tendo sempre em conta a

envolvente/contexto.

Antes de avançarmos mais, é importante definir sistema. Segundo

Ackoff (1985, citado por Bertrand & Guillemet, 1988, p. 47), “um sistema é um

todo que não pode ser decomposto sem que perca as suas características

essenciais. Deve, portanto, ser estudado como um todo. Além disso, antes de

explicar um todo em função das partes, é preciso explicar as partes em função

do todo”. Por consequência, as coisas devem ser vistas como partes de

totalidades maiores e não como entidades que devem estar separadas e

isoladas, isto é, o jogador de futebol é visto como um microsistema de um todo

que é a equipa. Esta linha de pensamento veio romper por completo com a

filosofia cartesiana que vigorou até ao Séc. XX, que se apresentava como

demasiado reducionista (Lourenço & Ilharco, 2007) e que se fosse aplicada ao

futebol, certamente, observaria as acções individuais de uma forma isolada e

sem um sentido colectivo (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006).

Há cerca de cinquenta anos atrás e de forma a “combater” a perspectiva

analítica, descontextualizada e incapaz de analisar os fenómenos que primam

pela sua complexidade, como é o caso do futebol, surge a abordagem

sistémica. Esta, não é apenas uma forma de perspectivar as

organizações/sistemas, é também uma maneira de as conceber e de as gerir,

Revisão da Literatura

10

respeitando a sua globalidade. Bertrand e Guillemet (1988), defendem que a

abordagem sistémica representa a análise, a concepção e a coordenação dos

recursos humanos e físicos, com vista a atingir os objectivos visados pela

organização/sistema, quer seja uma família, um partido político ou uma equipa

de futebol. Segundo estes autores este tipo de abordagem compreende quatro

elementos que caracterizam uma qualquer organização:

- Objectivos e metas a alcançar;

- Uma cultura, que no caso de uma equipa de futebol corresponde

ao modelo de jogo e aos respectivos princípios de jogo, que em

interacção com os jogadores e o meio irão conferir uma

identidade própria e distinta;

- Os recursos humanos, nomeadamente os elementos que

constituem a equipa;

- Os conhecimentos, que neste caso em particular, trata-se de

conhecimento específico em futebol.

Para um bom funcionamento, é necessária uma integração de todos

estes elementos/itens sob a forma de planificação e de gestão, ou seja, na

forma de intervir para modificar a organização/sistema e que será da

responsabilidade do treinador como líder de todo o processo (Cushion, 2007;

Frade, 2006; Guilherme Oliveira, 2006; Lourenço & Ilharco, 2007; Olafson,

1995).

2.1.1 O porquê da aplicação das características de um sistema ao futebol.

Neste ponto abordaremos algumas características próprias de uma

abordagem sistémica, mais propriamente as que consideramos mais

pertinentes para a execução deste trabalho. Visto isto, interessa abordar,

primeiramente, a abertura do sistema. Neste sentido, uma equipa de futebol é

perspectivada como um sistema aberto, já que se encontra em constante

interacção com o meio específico, troca informação com o mesmo de forma a

ajustar-se à realidade e às constantes mudanças, tendo em vista uma acção

Revisão da Literatura

11

mais eficiente e eficaz (Bertrand & Guillemet, 1988; Garganta & Gréhaine,

1999; Gréhaine, Bouthier, & David, 1997; MacPherson, 1993, 1994). Como já

foi referido, o jogo de futebol é caracterizado por uma elevada imprevisibilidade

e aleatoriedade e por uma relação de oposição (Garganta & Cunha e Silva,

2000; Garganta & Gréhaine, 1999; Gréhaine & Godbout, 1995), ou seja, uma

equipa/sistema complexo interage directamente com outra equipa/sistema

complexo e, além disso, ambas têm que obedecer a um conjunto de normas

que formam o regulamento (Garganta & Cunha e Silva, 2000; Lebed, 2006).

Neste âmbito, o meio/contexto tem uma enorme influência no desempenho e

no comportamento da equipa de futebol, devido a todos os seus

constrangimentos (Garganta, 2006b; Lebed, 2006).

A complexidade, na medida em que o futebol é encarado como um

macrosistema complexo, com dois sistemas dinâmicos em interacção. Cada

sistema é composto por subsistemas que se relacionam entre si, a um nível

colectivo, a um nível inter-sectorial, como por exemplo a interacção entre o

sector defensivo e o sector médio, e, também a um nível sectorial, pela a

interacção entre jogadores do mesmo sector (Garganta & Gréhaine, 1999;

Guilherme Oliveira, 2004). O jogador de futebol, nesta perspectiva, é visto

como um subsistema, também ele dinâmico e complexo (Garganta & Gréhaine,

1999; Lebed, 2006). O dinamismo ou a dinâmica do sistema é balizado(a) pela

estrutura correspondente ao modelo de jogo e aos princípios de jogo que o

formam.

A finalidade, pelo objectivo comum que o sistema apresenta. Toda e

qualquer equipa de futebol ambiciona ser bem sucedida, ou seja, ganhar

(Garganta, 2006a; Garganta & Gréhaine, 1999; Gréhaine, Bouthier, & David,

1997; Gréhaine, 1991). Assim, surge-nos a noção de equifinalidade (Bertrand &

Guillemet, 1988) que, no contexto do jogo de futebol prende-se com a

capacidade de uma equipa, a partir de diferentes pontos e da utilização de

diferentes caminhos, consiga alcançar o golo.

A totalidade, já que o sistema é mais do que a soma das suas partes.

Este, apresenta características próprias e distintas das características dos

elementos que o constituem (Bertrand & Guillemet, 1988). Ainda segundo estes

Revisão da Literatura

12

autores, a noção de sinergia está intimamente ligada à característica da

totalidade, pela organização e interacção entre os elementos que resultará num

efeito maior do que a soma dos efeitos dos elementos tomados

individualmente. No que concerne ao futebol, a equipa consegue atingir

objectivos que o jogador por si só não consegue.

O fluxo de informação é outra das características presentes no sistema.

Antes de mais, é pertinente distinguir informação de comunicação. Enquanto

que informação/informar é o acto de divulgar, esclarecer e dar conhecimento

de algo a alguém, a comunicação é um processo, o qual gera mudanças nos

elementos que dele participam num tempo, num espaço e num contexto

(Rodrigues, 1999). Isto é o que se passa numa equipa de futebol, o treinador

transmite a sua ideia de jogo, o seu modelo de jogo e os respectivos princípios

de jogo, o jogador assimila a informação que lhe é dada que, posteriormente

lhe permitirá comunicar com os restantes elementos da equipa, num

determinado momento, num determinado espaço do terreno de jogo, tendo em

conta as directivas do projecto de jogo colectivo. Assim sendo, os canais de

comunicação representam um dado fulcral de qualquer sistema (Bertrand &

Guillemet, 1988) e é através de uma operacionalização coerente que se atinge

melhorias a este nível (MacPherson, 1993, 1994).

Para finalizar este ponto, juntamos as características da regulação e

controlo com a retroacção, já que existe entre elas uma relação de

reciprocidade. Como qualquer sistema, uma equipa de futebol necessita de

uma unidade de controlo que regule o funcionamento da mesma. O treinador

tem a incumbência de tomar decisões, de definir objectivos e metas a alcançar.

Atente-se nas palavras de Bertrand e Guillemet (1988, p. 51) “A regulação e o

controlo supõe que as acções empreendidas estarão em conformidade com o

plano inicial e que os desvios serão corrigidos. Estas correcções supõem a

existência de um mecanismo de retroacção”. A retroacção é muito importante

para o modelo de jogo, porque permitirá ao treinador obter informações sobre o

que se passa no seio da sua equipa e ajustar a sua intervenção.

Revisão da Literatura

13

2.2 Modelo de jogo/modelização sistémica como “projecto de acção” do sistema.

“A equipa é um sistema, uma vez que as acções dos jogadores

são integradas numa determinada estrutura, seguindo um

determinado modelo, de acordo com determinados princípios...”.

(Teodorescu, 1997 citado por Garganta & Gréhaine, 1999, p. 43)

A abordagem sistémica consiste, essencialmente, na produção de

modelos da realidade organizacional, numa modelização sistémica, ou seja,

num modo de intervir para modificar os sistemas. Interessa-se pela resolução

de problemas em contextos específicos (Bertrand & Guillemet, 1988),

observando sempre a totalidade dos fenómenos em questão.

Antes de avançarmos mais, é pertinente definir a estrutura de um

sistema. A estrutura de um sistema como uma equipa de futebol, pela sua

complexidade, está intimamente ligada ao modelo de jogo e aos princípios de

jogo que o constituem, independentemente de apresentar uma estrutura em 1-

4-4-2 ou em 1-4-3-3. É, também definida pelas relações e pela interacção entre

os elementos que formam a equipa, ou seja, pela forma como a equipa se

comporta durante um encontro de futebol, isto é, pela sua estrutura dinâmica

que lhe confere uma organização funcional.

Retomando a modelização sistémica, Le Moigne (1986, citado por

Garganta & Gréhaine, 1999, p. 44), refere que “modelar/modelizar um sistema

complexo (equipa de futebol), passa, obrigatoriamente, por elaborar e conceber

modelos, isto é, construções simbólicas e específicas da realidade em que o

sistema irá actuar, com a ajuda das quais poderemos definir projectos de

acção, avaliar os seus processos e a sua eficácia”. A modelação advém da

necessidade de tornar a complexidade das interacções entre os elementos do

sistema, inteligível. O treinador de futebol deve procurar então, encontrar uma

forma de transmitir a sua ideia de jogo, utilizando uma linguagem acessível a

todos os elementos da equipa e, acima de tudo, adoptar uma

Revisão da Literatura

14

operacionalização coerente, em conformidade com o seu modelo de jogo e

com os princípios de jogo inerentes a esse mesmo modelo (Frade, 2006).

Apoiamo-nos nas palavras de Faria (1999, p. 18), seguindo a linha de

pensamento de Le Moigne, mencionando que a modelização sistémica “obriga

a uma decomposição do fenómeno jogo/complexidade, articulando-o em

acções também elas complexas, acções comportamentais de uma determinada

forma de jogar – Modelo de Jogo/Modelo de Complexidade. Esta articulação

surge em função do que se pretende ver instituído – um conceito de acções

intencionais, uma cultura de jogo”.

Na abordagem sistémica, a noção de modelo é entendida como a

representação de um sistema e dos seus processos (Bertrand & Guillemet,

1988). Assim, Guilherme Oliveira (2006) define modelo de jogo como "uma

ideia / conjectura de jogo constituída por princípios, sub-princípios, sub-

princípios dos sub-princípios..., representativos dos diferentes momentos/fases

do jogo, que se articulam entre si, manifestando uma organização funcional

própria” e que dão vida ao sistema. Os princípios de jogo e os sub-princípios de

jogo..., que dão corpo ao modelo de jogo são os padrões comportamentais que

uma equipa apresenta nos diferentes momentos do jogo (Amieiro, Oliveira,

Resende, & Barreto, 2006; Frade, 2006; Guilherme Oliveira, 2006). Por

exemplo, a forma como uma equipa executa a transição defesa-ataque, após o

pivô defensivo ter recuperado a posse de bola junto da sua área, se a linha

avançada estiver muito próxima da área adversária e a linha defensiva estiver

muito recuada. O padronizado ou a norma pode ser a opção pelo futebol

directo... Nas sessões de treino é possível, recriar estes problemas específicos

de uma partida de futebol através de exercícios, também específicos

(Guilherme Oliveira, 1991). Quanto maior o detalhe dos princípios, sub-

princípios e sub-princípios dos sub-princípios, maior será a qualidade de jogo

de uma equipa. A preocupação do treinador deve passar, obrigatoriamente, por

desenvolver no seio da sua equipa uma determinada cultura que lhe irá conferir

um “jogar”, ou seja, uma identidade que lhe permitirá fazer face aos inúmeros

constrangimentos do jogo (Garganta, 2006b; Gréhaine, Bouthier, & David,

1997).

Revisão da Literatura

15

Estabelecemos um paralelismo com o que foi dito anteriormente, com as

palavras de Guilherme Oliveira (2004), quando refere que a concepção de jogo

do treinador é formada pela organização das respectivas ideias de jogo, as

quais vão permitir criar um modelo de jogo, promover uma operacionalização e

geri-la. Esse modelo irá permitir a definição de projectos de acção e os

respectivos princípios de jogo que serão trabalhos nas sessões de treino, de

forma a atingir a dinâmica da equipa e para que ela opere verdadeiramente

como um todo (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006). Esta noção de

unicidade característica de um sistema promoverá uma acção conjunta mais

eficiente e eficaz.

Um aspecto de extrema importância é o carácter mutável/flexível do

modelo de jogo, visto que, este assume-se sempre como uma conjectura e

está permanentemente aberto aos acrescentos individuais e colectivos, por

isso, em contínua construção, nunca é, nem será, um dado adquirido. Assim

sendo, o modelo final é sempre inatingível, porque está sempre em

reconstrução (Guilherme Oliveira, 2006). O plano inicial necessita de

reajustamentos, já que o futebol é um fenómeno em constante evolução e, por

conseguinte, o processo de treino acompanhará essa evolução e

contextualização (Frade, 2006). Para que isto aconteça, o treinador deve obter

informação sobre o que se passa na sua equipa, sobre os resultados da sua

intervenção e consequências da sua acção (retroacção), de modo a ajustar e

corrigir o seu modo de intervir e decidir sobre o melhor caminho a seguir

(controlo e regulação). O papel do gestor/treinador é, portanto, vital no seu

sistema (Bertrand & Guillemet, 1988).

2.2.1 A necessidade de contextualizar.

Quando se fala em operacionalização surge-nos, inevitavelmente, a

necessidade de contextualizar. A contextualização é um critério central a

respeitar no processo de treino. E o que é contextualizar? É trabalhar de uma

forma específica, de acordo com o que se deseja ver instituído na equipa,

respeitando as características do jogo de futebol e as características dos

Revisão da Literatura

16

jogadores que o treinador tem à sua disposição. Para além disso, é fulcral ter

em conta toda a conjuntura envolvente, o momento e o enquadramento

competitivo (Frade, 2006).

Para tornar a contextualização mais clara, digamos que é possuir uma

visão holística de todo o processo. Tal como no pensamento sistémico, tudo é

contemplado, tudo está interligado, respeitando sempre a especificidade como

princípio metodológico (Guilherme Oliveira, 2006).

Como foi acima referido, o fenómeno do futebol deve ser perspectivado

como um todo e para que tal aconteça, trabalhar de uma forma analítica e

descontextualizada não fará sentido (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto,

2006). Com efeito, os exercícios de treino devem ser específicos e devem

contemplar todas as dimensões como a táctica, a técnica, a física e a

psicológica. Não obstante, é importante referir que todas estas dimensões

estão subjugadas à dimensão táctica, já que, esta irá permitir uma

interacção/comunicação entre os jogadores e conferir a organização

necessária para o emergir do “jogar” (Frade, 2006).

Seguindo esta filosofia, verificamos que a educação táctica dos

futebolistas é o elemento mais importante para uma equipa ter sucesso. “Os

treinadores têm as suas ideias sobre a forma como os jogadores devem evoluir

no terreno, mas é necessário que cada um saiba desempenhar a sua tarefa de

olhos fechados se for caso disso” (Van Gaal, 1998 citado por Carvalhal, 2000,

p. 27).

Atente-se nas palavras de Mourinho (citado por Amieiro, Oliveira,

Resende, & Barreto, 2006, p. 162), “O mais importante numa equipa é ter um

determinado modelo de jogo, um conjunto de princípios de jogo, conhecê-los

bem, interpretá-los bem, independentemente de ser utilizado este ou aquele

jogador”. Visto isto, toda a equipa deve estar identificada com uma determinada

forma de jogar e não apenas aqueles que jogam com maior frequência.

Frade (2006) refere que a contextualização começa com a abordagem

dos quatro momentos do jogo: a organização defensiva; organização ofensiva;

transição defesa-ataque e transição ataque-defesa, no sentido de ir

Revisão da Literatura

17

proporcionando a possibilidade de interligação entre eles e que irá conferir a

tão ambicionada organização funcional.

2.3 Treinar segundo o princípio da especificidade.

“O jogo é o espelho exequível

do treino, então para o jogo ser

JOGO o treino não pode ser

outra coisa se não “JOGO””.

(Guilherme Oliveira, 1991, p. 13)

Como já foi referido, a abordagem sistémica caracteriza-se por elevado

grau de especificidade e pela procura de soluções em contextos específicos

(Bertrand & Guillemet, 1988). Então, no contexto do futebol, a especificidade

deve ser entendida como um conceito aberto ao imprevisível, ao aleatório, ao

acaso, já que, a essência do próprio jogo contém essas características

(Garganta, 2006b; Garganta & Cunha e Silva, 2000; Guilherme Oliveira, 2006).

O treino de futebol deve, então, ir ao encontro da situação de jogo tanto quanto

possível (Guilherme Oliveira, 1991; Júlio & Araújo, 2005).

De acordo com Carvalhal (2000), o princípio da especificidade deve

dirigir o processo de treino, é uma forma de jogar. Ainda segundo este autor, a

especificidade exige da equipa técnica a preocupação de inventar exercícios o

mais ajustado possível a essa pretensão, no sentido de criar nos treinos a

competição que desejam que aconteça. O modo de operacionalizar o modelo

de jogo são os exercícios específicos, estes serão o meio mais eficaz para

adquirir uma forte relação entre informação e acção, ou seja, que leve os

jogadores a interiorizar o conhecimento adquirido e que leve à aquisição de

comportamentos inerentes a uma forma de jogar que se pretende ver instituída.

Guilherme Oliveira (2006), reitera que a especificidade é o fundamento

teórico do processo de treino, e que não tem qualquer sentido que os valores

do tipo de preparação/treino específico não sejam elevadíssimos. Assim, é

através da vivenciação de variadíssimos contextos de exercitação (Garganta,

Revisão da Literatura

18

2006b) que se optimizará o rendimento do sistema no seu meio específico.

Então, o treino deve ser potenciador de soluções para fazer face aos

problemas que se prendem com a gestão do instante, do “aqui e agora”,

característico do jogo de futebol (Frade, 2006; Garganta, 2006b).

Ainda de acordo com Carvalhal (2000, p. 25), “os exercícios em futebol

para a preparação e organização de uma equipa têm que se traduzir no simular

de “momentos” da competição, e esse simular tem que se traduzir em

exercícios que na sua própria essência não desvirtuem aquilo que é (ou vai

ser) a realidade competitiva. O não desvirtuar significa que cada exercício tem

que possuir as “componentes” do jogo na sua totalidade”.

Frade (2006), refere que o processo de treino tem que ter sempre em

conta a especificidade do jogo, acrescentando que não há melhor forma de

trabalhar, se esta for em consonância com o que se passa durante a partida de

futebol. No entanto, há algo mais para além disso.

Segundo Guilherme Oliveira (2004) o treino ou as situações de treino, só

são verdadeiramente específicas quando houver uma permanente e constante

relação entre as componentes táctico-técnicas individuais e colectivas, psico-

cognitivas, físicas e coordenativas, em correlação permanente com o modelo

de jogo e os respectivos princípios que lhe dão corpo. Assim sendo, só existe

especificidade quando as situações de treino são realmente específicas e não

apenas situacionais, ou seja, retira-se do jogo idealizado aquilo que é mais

importante e transporta-se para o treino sendo este constituído por acções

desejadas para o jogo, obedecendo às directivas da matriz de jogo.

Com efeito, a especificidade é uma necessidade metodológica, o

treinador deve criar um conjunto de condições que leve o jogador a ficar

afinado a um acoplamento específico de informação-acção (Júlio & Araújo,

2005). Para que isso aconteça é preciso criar um contexto facilitador, tanto ao

nível da informação, bem como ao nível da operacionalização, utilizando

exercícios específicos que potenciem determinados padrões comportamentais

(Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006; Frade, 2006).

Revisão da Literatura

19

2.3.1 Operacionalizar o princípio da especificidade.

“Para mim, treinar é treinar em especificidade, é criar exercícios que

me permitam exacerbar os meus princípios de jogo”.

(Mourinho, citado por Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006, p. 139)

Qualquer treinador de futebol encontra inúmeras dificuldades na

aplicação do princípio da especificidade no processo de treino, na medida em

que, este depende de vários factores determinantes e é por isso que a maioria

“não se dá ao trabalho” (Frade, 2006).

Guilherme Oliveira (2004, p. 154), refere que “a operacionalização do

conceito de especificidade condiciona o formato do processo de treino, mas

também, obrigatoriamente, a intervenção nesse formato. Isto é, para que o

conceito de Especificidade seja atingido durante o treino, não basta que os

exercícios propostos sejam potencialmente específicos, é necessário uma

intervenção interactiva do treinador com o exercício e com os jogadores para

que ela aconteça”. Essa intervenção deve acontecer em três momentos

distintos (Guilherme Oliveira, 2004, p. 154):

- “No momento antecedente à execução do exercício, o treinador

explica-o no sentido dos jogadores perceberem qual o seu

contexto, quais os seus objectivos, quais os comportamentos

desejados e que implicações esses comportamentos irão ter no

desenvolvimento dos conhecimentos colectivos e individuais e

na qualidade de prestação.

- Durante a execução do exercício, o treinador deve funcionar

como catalisador positivo dos comportamentos desejados..., e

inibir os comportamentos inadequados (retroacção).

- O último momento acontece no final do exercício com o

objectivo de salientar os aspectos positivos e os aspectos

negativos do realizado”.

Visto isto, atinge-se uma determinada forma de jogar através da

operacionalização de exercícios específicos, sempre com uma intervenção

Revisão da Literatura

20

específica e ajustada, em consonância com o modelo de jogo e os respectivos

princípios inerentes ao mesmo (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006;

Frade, 2006; Guilherme Oliveira, 2004; Guilherme Oliveira, 2006; Oliveira,

2005).

2.4 O conhecimento específico em futebol.

“O ideal seria que

todos os jogadores pensassem da mesma

forma num determinado momento do jogo”.

(Frade, 2006)

O conhecimento específico está relacionado com o repertório de saberes

que um jogador de futebol possui, de forma a fazer face aos constrangimentos

que o jogo em si lhe impõe (Guilherme Oliveira, 2004).

Para a execução deste trabalho centramo-nos, principalmente, na

aquisição de conhecimento específico relativo ao modelo de jogo. Assim

sendo, o jogador de futebol deve estar identificado com a matriz de jogo, com

determinados padrões comportamentais (Amieiro, Oliveira, Resende, &

Barreto, 2006; Guilherme Oliveira, 2006), para que a solução encontrada num

determinado momento do jogo seja “entendida” pelos restantes elementos da

equipa (Frade, 2006).

No seguimento do que foi mencionado anteriormente, pretende-se,

acima de tudo, que o jogador de futebol adquira um “saber sobre o saber fazer”

(Frade, 2006), isto é, que possua um conhecimento táctico-técnico abrangente

que lhe permita estar identificado com uma determinada cultura táctica de jogo

e, além disso, um à vontade no conhecimento do projecto de jogo colectivo que

lhe proporcione uma eficiente interacção/comunicação com os restantes

elementos (Guilherme Oliveira, 2004).

No entanto, é de salvaguardar que o conhecimento específico poderá

ser mais alargado, já que o modelo de jogo poderá ser demasiado pobre. O

jogador de futebol pode possuir um conhecimento específico que lhe permita

Revisão da Literatura

21

jogar com qualidade e eficiência em vários modelos de jogo (Guilherme

Oliveira, 2006).

2.4.1 Do conhecimento declarativo ao conhecimento processual.

Como vimos no ponto anterior há uma necessidade de aquisição de um

conhecimento específico relativo ao modelo de jogo, de forma a transformar a

informação, em acções e comportamentos que irão conferir uma determinada

forma de jogar e um “saber sobre o saber fazer” (Frade, 2006).

No futebol, a utilização da expressão “saber o que fazer” tem sido usada

para descrever o conhecimento declarativo, enquanto que expressões como

“saber fazer”, ou simplesmente “fazê-lo” descrevem o conhecimento processual

(Cohen, 1984; Eysenck & Keane, 1994; MacPherson, 1994).

Por conhecimento declarativo entende-se o conhecimento que pode ser

expresso através da verbalização, já o conhecimento processual está

relacionado com o agir, ou seja, com a realização de acções de acordo com

uma situação específica (Cohen, 1984; Eysenck & Keane, 1994). Segundo

Guilherme Oliveira (2004), a interacção entre o conhecimento declarativo e o

processual irá permitir uma melhoria no desempenho. Assim sendo, o treinador

para além de passar a informação aos jogadores sobre os comportamentos

desejados, deve criar exercícios específicos para a criação de hábitos e

padrões comportamentais, de modo a chegar ao “jogar” que pretende (Frade,

2006).

Em concordância com Guilherme Oliveira (2004), a repetição sistemática

de determinadas acções ao longo do processo de treino transforma o

conhecimento declarativo em conhecimento processual.

A optimização do conhecimento declarativo e processual do jogo, passa

incontornavelmente, pelas situações criadas no processo de treino. Estas

devem conter as particularidades do jogo, para que o atleta seja confrontado

com situações/problemas idênticas às do jogo (Garganta, 2006b).

Revisão da Literatura

22

Podemos então afirmar que o conhecimento processual obtido pelo

treino de determinados princípios, sub-princípios... inerentes ao modelo de

jogo, utilizando exercícios específicos, promove a aquisição e retenção do

conhecimento declarativo específico (Helsen & Pauwels, 1993). Por outro lado,

o conhecimento declarativo (princípios, padrões e regras que conferem

organização ao jogo, já que apresentam a problemática e limites de

intervenção dos jogadores para solucionar os problemas) evolui para um

conhecimento processual mais sofisticado, tendo em vista uma acertada

tomada de decisão (Gréhaine, Godbout, & Bouthier, 2001; MacPherson, 1993).

2.5 A “condição” fractal do exercício de treino.

“Os fractais são formas geométricas que são igualmente

complexas nos seus detalhes e na sua forma geral. Isto é, se

um pedaço de fractal for devidamente aumentado para tornar-

se do mesmo tamanho que o todo, deveria parecer-se com o

todo, ainda que tivesse que sofrer pequenas variações”.

(Mandelbrot, 1992 citado por Cunha e Silva, 1996, p. 166)

O conceito de fractal foi criado por Mandelbrot, um matemático polaco

ao serviço da IBM, que ao estudar a flutuação dos preços do algodão no

mercado internacional, verificou que, por detrás do comportamento aberrante

da distribuição habitual desses valores, se encontra uma simetria do ponto de

vista da escala. Assim, apesar das variações momentâneas serem

imprevisíveis, elas apresentavam o mesmo padrão quando comparadas com

variações para grandes lapsos de tempo (Cunha e Silva, 1999). A este

fenómeno, Mandelbrot chamou “invariância de escala”. E ela decorre de dois

princípios organizadores: a cascata e a homotetia interna. A cascata assegura

o desdobramento das escalas, já a homotetia interna impõe a auto-

semelhança. Da fusão dos dois princípios resulta um terceiro: a invariância

(auto-semelhança) de escala (Cunha e Silva, 1999). Desta forma, os fractais

são objectos sem escala que contribuem para o entendimento funcional total de

determinado fenómeno.

Revisão da Literatura

23

O matemático polaco opunha-se à utilização dos fractais para além dos

limites algébrico-matemáticos (Cunha e Silva, 1996), porém, no entender de

Paulo Cunha e Silva (1999), entre outros autores, o conceito de fractal aplica-

se a variadíssimos fenómenos, já que permite explicar a sua natureza e a sua

complexidade. Ele permite-nos “estudar a folha para conhecer a verdade da

árvore” (Condé, 1993 citado por Cunha e Silva, 1999, p. 113). Para uma melhor

compreensão do conceito, é pertinente reflectir sobre a sinédoque: tomar a

parte pelo todo e o todo pela parte (Cunha e Silva, 1999).

No contexto do futebol e segundo a perspectiva de Guilherme Oliveira

(2004), a organização fractal do exercício de treino é uma necessidade

metodológica, para que a fragmentação proporcione uma intervenção mais

eficaz por parte do treinador. As suas palavras ilustram bem a fractalidade no

futebol (2004, p. 146) “relativamente ao jogo, a decomposição acontece ao

nível das diferentes “fases”/momentos, respectivos comportamentos ou

princípios que lhes estão associados e as diferentes escalas que podem

assumir. No que concerne ao processo, a fractalização incide na

operacionalização, tanto na criação como no direccionamento. Desta forma a

organização fractal pretende criar, nos diferentes aspectos que se podem

decompor, uma homotetia interna (de natureza funcional) que permita, em

qualquer escala, identificar as singularidades da equipa, ou seja,

representativas do todo”.

Existe, então uma aplicabilidade da fractalidade no futebol como modelo

interpretativo da realidade com coerência funcional. Neste sentido, o exercício

de treino deverá reger-se pela especificidade do jogo, pela sua dimensão

holística e pelo contexto, isto é, por uma determinada forma de jogar que se

pretende ver instituída (Frade, 2006), apesar de sofrer algumas alterações

devido à fragmentação.

Ainda segundo Guilherme Oliveira (2004), deve ter-se em consideração

quatro fractalidades na criação de um processo de treino com as

características desejadas:

- A primeira fractalidade é referente à decomposição dos

diferentes momentos de jogo: a organização defensiva; a

Revisão da Literatura

24

organização ofensiva; a transição defesa-ataque e a transição

ataque-defesa e relativa aos comportamentos que os jogadores

devem assumir nesses momentos do jogo a uma escala

colectiva; sectorial (por exemplo: sector defensivo); inter-sectorial

e, por fim a uma escala individual. Assim, o exercício de treino

deverá permitir a aquisição de conhecimentos específicos, que

possibilitam ao jogador e à equipa agir nos diferentes momentos

do jogo, perante todos os constrangimentos, em função de uma

ideia colectiva de jogo, o modelo de jogo da equipa.

- A segunda fractalidade é relativa ao modelo de jogo. Neste

âmbito, Guilherme Oliveira (2004, p. 151) refere que “Os

princípios de jogo podem ser considerados como as

características que uma equipa evidencia nos diferentes

momentos de jogo, isto é, são padrões de comportamento

táctico-técnico que podem assumir várias escalas mas são

sempre representativos do Modelo de Jogo, independentemente

da escala de manifestação. Neste entendimento de princípios

estes apresentam uma configuração e organização fractal uma

vez que se manifestam como invariâncias do Modelo e

independentemente da escala representam esse Modelo. Os

princípios de jogo, ou os padrões de comportamento, podem ser

decompostos em sub-princípios e estes, por sua vez, também até

atingirem uma escala mínima. No entanto, nessa decomposição

não pode deixar de haver fractalidade, isto é, os sub-princípios,

ou os sub-princípios dos sub-princípios deverão sempre

representar o todo”. Acrescenta ainda, que só desta forma é que

pode existir um desenvolvimento dos conhecimentos específicos

e uma melhoria no desempenho dos jogadores.

- Na terceira fractalidade encontramos uma perspectiva do

conceito de especificidade da autoria de Guilherme Oliveira que

vai de encontro a um estudo realizado pelo próprio em 1991 e,

também de encontro à Psicologia Ecológica defendida por

Revisão da Literatura

25

Gibson. Neste âmbito, a especificidade para além de estar

relacionada com a modalidade em questão (neste caso, o

futebol), está em permanente intracção com o contexto, isto é,

com o modelo de jogo específico da equipa. Guilherme Oliveira

(2004, p. 156) acrescenta que “Este conceito de especificidade

também deve assumir uma organização fractal.

Independentemente do princípio ou do sub-princípio, do exercício

mais complexo ou menos complexo, da intervenção do treinador

mais global ou mais pormenorizada, isto é, das diferentes

escalas de intervenção, a Especificidade deve estar sempre

presente e deve ser representativa do Modelo de Jogo. A

Especificidade, em todas as escalas possíveis, terá de ser

sempre uma invariante/constante do processo”. Para que isto

aconteça, há a necessidade de uma intervenção específica e

adequada, dentro dos parâmetros do que foi mencionado no

ponto 2.3.1.

- A quarta fractalidade prende-se com a modelação do exercício.

Esta modelação tem por base as três primeiras fractalidades, já

que a operacionalização do processo de treino está intimamente

ligada ao modelo de jogo, à especificidade e aos diferentes

momentos do jogo. Assim sendo, a configuração estrutural e

funcional do exercício deve ser adequada à aquisição de

determinados comportamentos por parte dos jogadores,

representativos da cultura de jogo (modelo de jogo). Além disso,

o treinador deve intervir de uma forma específica, de forma a

exacerbar os comportamentos adequados, inibir os

comportamentos inadequados e para que a homotetia interna da

equipa seja sempre alcançada (Guilherme Oliveira, 2004).

Há, então uma necessidade de fragmentar o jogo no processo de treino,

todavia, deve existir a preocupação de o fazer sem que haja um

empobrecimento do que é a qualidade de jogo de uma equipa, do jogar (Frade,

2006). Neste âmbito, a fractalização permite a construção de uma cultura de

Revisão da Literatura

26

jogo (Frade, 2006). Isto é, que o jogador possua conhecimentos específicos

que lhe possibilitem gerir eficientemente o instante, no sentido de que tome

decisões e aja de acordo com o modelo de jogo e com os respectivos

princípios de jogo, de forma a atingir uma comunicação colectiva eficaz e uma

linguagem comportamental “comum” (Frade, 2006). Assim sendo, a condição

fractal do exercício de treino prende-se com a necessidade da emergência do

global no local, ou seja, através da fragmentação do jogo no exercício,

pretende-se que os jogadores evidenciem tomadas de decisão subjacentes à

matriz de jogo e, consequentemente, comportamentos adequados a essa

pretensão.

2.5.1 O treino para a melhoria qualitativa da tomada de

decisão.

“O pior que pode acontecer a um

jogador em campo é não saber

quais os terrenos que deve pisar a

cada momento do jogo”.

(Lobo, 2008a)

Como já foi referido anteriormente, consideramos que a acção táctica

se assume como a mais preponderante (Shlenberger, 1990) e é esta que irá

permitir a ligação entre os diferentes elementos da equipa. Por tomada de

decisão entende-se a capacidade de tomar decisões rápidas e tacticamente

exactas, constituindo uma das mais importantes capacidades do jogador (Júlio

& Araújo, 2005).

Para uma melhor compreensão torna-se imperativo clarificar os

conceitos de acção e de decisão. Uma acção é uma relação funcional entre o

indivíduo/jogador e o seu envolvimento com um determinado objectivo. A

decisão, mais dependente do que a capacidade do indivíduo, está

condicionada pelo que o contexto permite fazer (Júlio & Araújo, 2005). Daí, a

importância de se treinar sempre em especificidade e de uma forma

Revisão da Literatura

27

contextualizada (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006; Frade, 2006;

Guilherme Oliveira, 2004).

Definindo a acção táctica, esta assume-se como um comportamento

decisional, ou seja, uma sequência de decisões e de acções que devem ser

tomadas em tempo útil, num contexto em mudança e para se atingir

determinado fim (Júlio & Araújo, 2005).

De acordo com Garganta e Pinto (1994), o futebol resulta da interacção

de um conjunto de acções tácticas e, por conseguinte de tomadas de decisão

anteriores à acção relativas a uma determinada forma de jogar (Gréhaine,

Godbout, & Bouthier, 2001).

Visto isto, o exercício deve apresentar-se como facilitador do

aparecimento de tomadas de decisão adequadas, tendo em conta os

princípios, sub-princípios, sub-princípios dos sub-princípios... (Frade, 2006).

Por outras palavras, o treino deve potenciar o emergir de uma solução

favorável que permita ao jogador agir com sucesso, em consonância com o

modelo de jogo e com os respectivos princípios de jogo (Guilherme Oliveira,

2006).

Júlio e Araújo (2005) referem que o jogador deve reconhecer e evocar

os padrões de jogo mais rapidamente, o que possibilitará tomadas de decisão

mais rápidas e mais exactas, usando eficazmente a informação contextual.

Em suma, o processo de treino deve primar pela especificidade e pela

contextualização, ou seja, os exercícios criados devem ser o mais aproximado

possível da competição e, acima de tudo do “jogar” que se pretende ver

instituído (Frade, 2006). Só através de exercícios específicos é que se pode

ambicionar uma melhoria qualitativa ao nível da tomada de decisão,

respeitando o projecto de jogo colectivo.

28

Procedimentos metodológicos

29

3. Procedimentos metodológicos.

3.1 Caracterização da amostra.

A amostra é constituída por dois entrevistados: o Professor Doutor Júlio

Garganta e o Professor Vítor Frade. O Professor Doutor Júlio Garganta já

publicou inúmeros artigos referentes ao tema em questão, o seu ponto de vista

é sempre uma mais-valia a qualquer estudo realizado em futebol pelo seu

vasto conhecimento. O Professor Vítor Frade é reconhecido como sendo o

precursor de alguns dos conceitos utilizados neste trabalho e, também pela sua

larga experiência e currículo na àrea do treino.

Desta forma, a nossa amostra assemelha-se como extremamente

qualificada para nos fornecer informações válidas no enriquecimento deste

trabalho, tanto no domínio teórico, assim como no domínio prático.

3.2 Metodologia de investigação.

Para a concretização dos objectivos definidos para o presente estudo,

foram utilizadas: 1 – Pesquisa bibliográfica e análise documental, tendo-se

seleccionado a informação que melhor pareceu enquadrar-se com o tema em

questão; 2 – Entrevistas de estrutura aberta com base na revisão bibliográfica

efectuada. O carácter aberto das entrevistas teve como propósito permitir que

os entrevistados pudessem expor os seus pontos de vista de uma forma clara,

pessoal e o mais aprofundada possível. Os dados foram recolhidos num

gravador Sony e, posteriomente as entrevistas foram transcritas para papel. A

recolha foi feita com o conhecimento e a respectiva autorização dos

entrevistados.

Procedimentos metodológicos

30

3.3 Recolha de dados.

A recolha de dados foi efectuada entre o dia 23 de Abril e o dia 2 de

Maio. Ambas as entrevistas foram realizadas na Faculdade de Desporto da

Universidade do Porto.

Apresentação e discussão das entrevistas

31

4. Apresentação e discussão das entrevistas.

4.1 A pertinência de uma abordagem sistémica no futebol.

Na revisão da literatura efectuada verificámos que, na opinião de vários

autores, uma abordagem sistémica é ajustada à complexidade do fenómeno do

futebol, na medida em que possibilita conhecê-lo e estudá-lo na sua totalidade

(Lebed, 2006; Garganta & Gréhaine, 1999; Gréhaine, Bouthier, & David, 1997;

Gréhaine, 1991). O pensamento sistémico aplicado ao jogo de futebol permite,

então suprimir variadíssimas lacunas que o pensamento cartesiano, demasiado

reducionista teimava em ignorar. Garganta (Anexo I) refere que “Tal justifica a

pertinência de uma abordagem centrada na interacção, de modo a perceber a

influência do todo nas partes e das partes no todo”.

Seguindo este último raciocínio, Garganta (Anexo I) defende que este

tipo de aproximação é perene “no sentido de um mais adequado entendimento

e de uma mais ajustada abordagem da complexidade do jogo e da actividade

dos jogadores, com base em distintos níveis de organização (macro, meso e

micro), considerando os momentos de jogo e a alternância de tarefas de

cooperação e oposição”. Na nossa revisão utilizámos uma terminologia um

pouco diferente, mas que é em tudo convergente. Apresentámos o jogo de

futebol como um macrosistema complexo, com dois sistemas dinâmicos em

interacção. Assim, cada sistema é composto por subsistemas que se

relacionam entre si, a um nível colectivo, a um nível inter-sectorial, como por

exemplo, a interacção entre o sector defensivo e o sector médio, e, também a

um nível sectorial, pela interacção entre jogadores do mesmo sector (Garganta

& Gréhaine, 1999; Guilherme Oliveira, 2004). O jogador de futebol, nesta

perspectiva, é visto como um subsistema, também ele dinâmico e complexo

(Garganta & Gréhaine, 1999; Lebed, 2006).

De acordo com a nossa análise documental, a abordagem sistémica

consiste, principalmente, (Bertrand & Guillemet, 1988), na procura de um

entendimento dos fenómenos em questão, respeitando sempre a sua

totalidade. Garganta (Anexo I) acrescenta que a abordagem sistémica parece

Apresentação e discussão das entrevistas

32

revelar-se profícua para fazer face a fenómenos complexos, já que assenta em

quatro categorias fundamentais: interacção; globalidade; complexidade e

organização. Assim, o futebol é caracterizado como sendo um processo:

− “De interacção, dado que os jogadores actuam na relação com os

demais;

− Global ou total, podendo o valor das equipas ser maior ou menor

do que a soma dos valores individuais dos jogadores que as

constituem;

− Complexo, porque existe uma profusão de relações entre os

elementos em jogo;

− Organizado, porque a sua estrutura e funcionalidade se

configuram a partir das relações de cooperação e de oposição,

estabelecidas no respeito por princípios e regras e em função de

finalidades e objectivos” (Anexo I).

No entanto, Garganta (Anexo I), alerta para o facto de não se remeter o

jogo para uma noção abstracta de sistema, mas sim de “procurar inteligir

princípios teleológicos que orientem o comportamento e enquadrem a

organização dos sistemas implicados, através da identificação de regras de

gestão do jogo e da actividade dos jogadores e das equipas” (Anexo I).

Com efeito, reconhece-se a natureza sistémica do jogo de futebol, na

medida em que é caracterizado como um confronto de sistemas (as equipas) e,

como um sistema de subsistemas, os jogadores (Anexo I). Assim sendo, e de

acordo com a informação reunida durante a pesquisa bibliográfica, mais

precisamente no ponto 2.1.1, Garganta (Anexo I), fala-nos de uma

complexidade organizacional, que resulta do modo como interagem os

jogadores, num plano individual, grupal e colectivo. Ainda o mesmo autor,

complementa com as seguintes palavras: “As equipas de Futebol operam como

totalidades organizadas para agir (sistemas dinâmicos) que se confrontam

simultaneamente com o previsível e o imprevisível, com o estabelecido e a

inovação. O decorrer do jogo dá-se na interacção, e através da interacção, das

regras constitutivas do jogo, o acaso e a contingência de acontecimentos

Apresentação e discussão das entrevistas

33

específicos com as escolhas específicas e as estratégias dos jogadores para

criarem novos cenários e novas possibilidades” (Anexo I).

Em suma, “o jogo de futebol é um sistema cujas características

emergem do modo como se confrontam outros sistemas que o integram, ou

seja, as equipas. Por sua vez, a actuação das equipas depende do modo como

são geridos outros subsistemas, nomeadamente, os grupos de jogadores, o

jogador enquanto individualidade, … Trata-se, portanto, de distintos níveis de

organização de um fenómeno a que os humanos convencionaram chamar

JOGO” (Anexo I). Esses diferentes níveis de organização e os comportamentos

que um sistema/equipa de futebol apresenta no decorrer de uma partida são,

na nossa opinião, treináveis.

No entendimento de Frade (Anexo II), uma abordagem sistémica

aplicada ao futebol pode ser pertinente na relação das partes com o todo e,

poderá contribuir para uma inteligibilidade do jogo e do processo de treino. No

entanto, refere (Anexo II) que a sua concepção, mais precisamente, a

periodização táctica nada tem a ver com a da abordagem sistémica, já que que

a terminologia utilizada é completamente distinta. Os conceitos que defende

não existem na abordagem sistémica e, para além disso, Frade (Anexo II)

refere que a periodização prende-se com a fabricação, ou a construção de uma

forma de jogar que acontece na periodização, ou seja, no decorrer de todo o

processo. Concordamos com Frade (Anexo II), mas estamos em crer que

determinados aspectos a ter em conta na construção de uma forma de jogar,

também são aflorados pela abordagem sistémica.

4.1.1 A aplicabilidade das características de um sistema no futebol.

Na abordagem sistémica, o meio específico onde actuam os sistemas

tem um enorme peso na explicação do seu comportamento e, também na

organização desses mesmos sistemas (Bertrand & Guillemet, 1988). Seguindo

este raciocínio, Garganta (Anexo I) afirma que uma equipa de futebol

comporta-se como um sistema aberto, que apresenta comportamentos, ainda

Apresentação e discussão das entrevistas

34

que não pré-determináveis, são no campo hipotético, antecipáveis. De acordo

com a nossa pesquisa o jogo de futebol é caracterizado por uma elevada

aleatoriedade e imprevisibilidade (Garganta, 2006b; Garganta & Cunha e Silva,

2000). Neste sentido, Garganta (Anexo I) refere que apesar do conteúdo do

jogo ser incerto e imprevisível, é possível identificar indicadores de qualidade,

no que diz respeito aos comportamentos a expressar pelos jogadores no

decorrer das partidas. Deduzimos então, que é possível observar

comportamentos de qualidade por parte dos jogadores em relação a uma

determinada forma de jogar, que lhes permitirão agir de uma forma eficiente e

optimizar a acção do sistema que integram.

Em relação à complexidade do fenómeno do futebol, Garganta (Anexo I)

menciona que se trata de um princípio transacional que nos obriga a ter em

conta vários níveis de interacção. Concordamos com esta ideia e, pensamos

que só desta forma obteremos uma visão holística do jogo, já que nos permitirá

entender a influência do todo nas partes e das partes no todo. Então, Garganta

(Anexo I) diz-nos que “O jogador faz o jogo, mas o jogo também faz o jogador.

Ou seja, os sistemas actuam em função das interacções que se estabelecem

com o jogador e as suas capacidades, o envolvimento e a tarefa propriamente

dita. À medida que o jogo vai decorrendo, vão emergindo cenários que

“sugerem” aos jogadores determinadas acções (affordances). O tipo de

resposta, ou de iniciativa, depende da capacidade do jogador para reconhecer

(dar sentido) as paisagens de jogo e da sua disponibilidade táctico-técnica para

actuar com eficácia”. Acreditamos que o tipo de resposta que o jogador

apresenta pode ser melhorado através de um treino específico, isto é, relativo a

uma forma de jogar.

Garganta (Anexo I) acrescenta que a complexidade deve ser entendida

atendendo às noções de circularidade e de reversibilidade, ou seja, as partes

agem em função do todo e de que este retroage sobre as partes. Assemelha-

se então, importante harmonizar as ideias/intenções (entenda-se modelo de

jogo e os respectivos princípios de jogo) com as acções de cada uma das

partes. Assim, Garganta (Anexo I) perspectiva o jogador como um actor/decisor

enquadrado num âmbito mais vasto, o da organização colectiva.

Apresentação e discussão das entrevistas

35

Concordamos com Garganta (Anexo I), referindo que, num determinado

momento do jogo, a optimização de um sistema resulta da confluência de

distintos níveis de organização dos demais sistemas que o compõem. Logo,

afigura-se a necessidade de uma organização colectiva e de uma convergência

de intenções, na medida em que a equipa se apresenta como um sistema

hierarquizado, especializado e dominado por competências estratégicas e

heurísticas. O processo de treino, deverá então permitir a aquisição de

conhecimentos e de acções que conferirão uma ordem, para que haja uma

linguagem comportamental comum a todos os jogadores e, uma ligação entre

os diferentes momentos do jogo. Atente-se nas palavras de Mourinho (citado

por Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006, p. 162), provenientes da

nossa análise documental, “O mais importante numa equipa é ter um

determinado modelo de jogo, um conjunto de princípios de jogo, conhecê-los

bem, interpretá-los bem,...”

A optimização do sistema é, no nosso entendimento alcançada através

de um fluxo de informação e da existência de canais de comunicação eficientes

entre os diversos níveis de organização. Garganta (Anexo I) refere que o fluxo

de informação é fundamental entre jogadores e complementa afirmando que é

importante, “sobretudo no que toca à comunicação não-verbal e aos registos

de comunicação que se estabelecem a partir da assimilação dos princípios de

jogo e da respectiva afinação em relação ao projecto colectivo. A partir de um

nível avançado de treino e de identificação com o modelo, entra-se num registo

de “harmonização de intuições”, no respeito pelos princípios de jogo. Só os

bons e bem treinados têm boas intuições” (Anexo I).

No que concerne à totalidade do sistema e à sinergia, Garganta (Anexo

I), diz-nos que só é possível engendrar um todo superior à soma das partes, se

a acção do jogador for no sentido de um todo organizacional que é a equipa.

“Na medida em que a acção de um jogador induz e é induzida pela interacção

com os demais elementos em jogo, cada uma das equipas que se defrontam

comporta-se como uma unidade cuja feição deve exceder as mais-valias

individuais” (Anexo I). Por isso é um jogo colectivo, isto é, o jogador para além

de decidir e agir tendo em conta os contrangimentos típicos do jogo: bola,

Apresentação e discussão das entrevistas

36

balizas, colegas, adversários, espaço, tempo e tarefa, deve respeitar

determinadas ideias colectivas para jogar (Anexo I).

4.2 A predominância do lado táctico-estratégico no jogo

de futebol.

Como pudemos constatar através da nossa pesquisa, na opinião de

vários autores, o futebol assume-se, como um jogo táctico caracterizado por

uma luta pelo domínio dos espaços, que contempla aspectos estratégicos.

Neste âmbito, Garganta (Anexo I) refere que o jogo não é só feito de acções,

mas também de opcões, decisões e intenções. Acrescenta que “o que faz o

jogo é a transformação da causalidade em casualidade, ou seja, a aproveitar o

momento; e quem ensina a aproveitar o momento são a estratégia e a táctica

(Garganta, Anexo I). Corroboramos a opinião de diversos autores e de alguns

treinadores, mais propriamente, Van Gaal e Mourinho, defendendo que a

educação táctica dos jogadores é de extrema importância para uma

identificação com o projecto colectivo de jogo. A táctica assume-se então como

uma cultura comportamental específica, balizada pelo modelo de jogo e pelos

princípios de jogo inerentes a esse modelo, e é através do processo de treino

que se atinge essa identidade e essa organização funcional (Amieiro, Oliveira,

Resende, & Barreto, 2006; Frade, 2006; Guilherme Oliveira, 2006).

Tendo em conta o parágrafo anterior, Garganta (Anexo I) pergunta-nos

porque é não existe nenhum animal que consiga, como nós, jogar um jogo

desportivo colectivo, embora muitos corram mais rápido, saltem mais alto e

sejam mais fortes que o Homem? Estamos em crer que, por o Homem possuir

a capacidade de reconhecer determinados padrões, é algo que o distingue dos

restantes animais. No contexto do futebol, o jogador consegue identificar

determinados princípios de jogo, que lhe permitirão tomar decisões e agir,

respeitando o modelo de jogo. Seguindo este raciocício, Frade (Anexo II)

menciona que o futebol é um desporto colectivo e, por isso, o primado está nos

referenciais colectivos que irão conferir uma ordem, uma organização também

colectiva.

Apresentação e discussão das entrevistas

37

De acordo com a revisão da literatura, o problema principal com que se

depara o jogador prende-se com o saber o que fazer e a altura certa para o

fazer. Seguindo esta linha de pensamento, Garganta (Anexo I) refere que se

trata “..., essencialmente, de um problema relacionado com o sentido que se

atribui aos cenários de jogo, portanto do foro táctico-estratégico mas, também

com a actualização/adaptação das habilidades motoras às solicitações do

envolvimento para dar corpo às intenções. O bom Futebol joga-se com boas

ideias”. Corroboramos a opinião de Garganta (Anexo I), quando refere que “os

bons jogadores e as boas equipas sabem o que devem e não devem fazer em

determinados espaços e sabem como usar o tempo a seu favor, inclusive para

criar ou suprimir espaço”. Assim sendo, o jogador deve possuir conhecimentos

relativos ao modelo de jogo (reportamo-nos a modelos de jogo evoluídos e

ricos) para o alcançar de uma acção conjunta mais eficiente e eficaz.

4.3 A importância do modelo de jogo/modelização sistémica para se atingir uma forma de jogar.

De acordo com a nossa pesquisa, a abordagem sistémica caracteriza-se

pela produção de modelos da realidade organizacional, que possibilitem uma

acção conjunta mais eficiente (Bertrand & Guillemet, 1988). Assim, a noção de

modelo é-nos apresentada como uma representação de um processo ou de um

sistema que actua no seu meio específico (Bertrand & Guillemet, 1988). Como

verificámos no ponto 2.2, para Le Moigne (1986, citado por Garganta &

Gréhaine, 1999, p. 44), refere que “modelar/modelizar um sistema complexo

(equipa de futebol), passa, obrigatoriamente, por elaborar e conceber modelos,

isto é, construções simbólicas e específicas da realidade em que o sistema irá

actuar, com a ajuda das quais poderemos definir projectos de acção, avaliar os

seus processos e a sua eficácia”. Desta forma, a modelação advém da

necessidade de tornar a complexidade das interacções entre os elementos do

sistema, inteligível. No contexto do futebol, há também a necessidade de se

criar um modelo que procure “guiar” as interacções entre os jogadores e que

Apresentação e discussão das entrevistas

38

permita modelizar/modelar o sistema/equipa de futebol. Porém, para se chegar

a um modelo de jogo é preciso ter em conta muitos factores.

Concordamos com Frade (Anexo II), referindo que antes do modelo de

jogo está a concepção de jogo do treinador, a sua ideia de jogo, “uma ideia de

jogo é algo que eu tenho em abstracto”, não no sentido real (Anexo II). Neste

âmbito, ao tomar partido pela sua concepção de jogo, o treinador deve

reconhecer que há outras concepções de jogo (Anexo II). Os próprios

jogadores têm a sua perspectiva do que é jogar futebol. Assim, o modelo de

jogo, surge do ajustamento da concepção de jogo do treinador às

circunstâncias. Como verificamos na revisão da literatura, existem inúmeros

factores que condicionam a criação de um modelo porque há toda uma

conjuntura envolvente (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006; Frade,

2006; Guilherme Oliveira, 2006). Garganta (Anexo I) complementa referindo

que “os conhecimentos, as competências, as ideias e a personalidade do

treinador, para além de outras condicionantes como a cultura do clube, as

condições de trabalho, etc., são muito importantes na hora de conceber o jogo

para uma equipa de Futebol”.

Na opinião de Frade (Anexo II), há também factores que são

incontroláveis, porque “a cabeça dos jogadores está influenciada, ou pode

estar a cabeça e o corpo, por múltiplas ideias” (Anexo II). O modelo de jogo é,

então um paradoxo devido e a um elevado grau de subjectividade. O treinador

não conhece, nem ninguém conhece a totalidade dos pormenores das

circunstâncias e dos jogadores (Anexo II).

Ainda segundo Frade (Anexo II), o que se pretende é que o modelo de

jogo não seja subjectivo, aliás, que haja uma congregação de subjectividades.

Se assim for, poder-se-á alcançar uma organização colectiva (Anexo II).

Complementamos com as palavras de Guilherme Oliveira (2006) provenientes

da nossa pesquisa, perspectivando o modelo de jogo como "uma ideia /

conjectura de jogo constituída por princípios..., representativos dos diferentes

momentos/fases do jogo, que se articulam entre si, manifestando uma

organização funcional própria” e que dão vida à equipa. É, então importante

que os jogadores estejam identificados com a forma de jogar que o treinador

Apresentação e discussão das entrevistas

39

idealiza, que conjuntamente com os jogadores e outros factores que já foram

mencionados irão formar o modelo de jogo. Frade (Anexo II) acrescenta que a

organização que preconiza é a coerência de funcionamento que vai

acontecendo nos jogadores em função do ajustamento a determinados

pressupostos, determinados princípios. Isto, acontece ao longo do tempo, no

processo de treino (Anexo II). Assim, acreditamos que é através de uma

operacionalização coerente e em conformidade com os princípios de jogo que

haverá uma “congregação de subjectividades”.

Reportando-se a um nível elevado de competição, Frade (Anexo II)

refere que a dificuldade está em fazer passar uma ideia de jogo aos jogadores

que se tem à disposição. Refere também que, se um treinador tiver uma ideia

de jogo manifestamente contrastante com a ideia da generalidade dos

treinadores, o mais provável é que os jogadores estejam mais identificados

com a da generalidade do que com a sua (Anexo II). E, nesse caso, surgem

inúmeras contrariedades e inúmeros entraves à aquisição de determinados

princípios de jogo por parte da equipa (Anexo II). Por isso, a criação de um

modelo de jogo não é fácil, mas só assim é que se chega a uma organização

que articulará a intenção, ou a intencionalidade do jogador (Anexo II). A

primeira preocupação do treinador e da restante equipa técnica deve estar

relacionada com uma familiarização por parte dos jogadores, com o plano

macro do modelo de jogo.

Para Frade (Anexo II), o plano macro atribui um sentido “maior” ao

jogar, na medida em que, “são os grandes alicerces de uma forma de jogar,

portanto os grandes princípios, que são passíveis de se entenderem e depois,

com o tempo, irem revelando uma dinâmica própria que é a expressão de uma

determinada organização”. Concordamos com este mesmo autor (Anexo II),

referindo que o que se pretende é desenvolver uma determinada cultura de

jogo, ou seja, uma identidade própria. Então, “o primado está nos referenciais

colectivos, nos referenciais que vão dar a ordem, que vão dar a organização”

(Anexo II). Extraímos a seguinte ideia de Frade (2006) da nossa pesquisa,

referindo que se deve abordar os diferentes momentos do jogo no processo de

treino: a organização defensiva; organização ofensiva; transição defesa-ataque

Apresentação e discussão das entrevistas

40

e transição ataque-defesa, no sentido de ir proporcionando a possibilidade de

interligação entre eles e que irá conferir a tão ambicionada organização

funcional.

Voltando ao antes do modelo de jogo, Frade (Anexo II) menciona que “o

modelo já deve ser rico na sua expressão conceptual, ou seja, já deve

reconhecer que esses grandes princípios são, digamos o núcleo duro da

organização, do dinamismo, da dinâmica da equipa, mas este núcleo duro é

catalisador de uma grande diversidade, ou variedade, de manifestação dos

intervenientes, sem perda desta bússola” (Anexo II). Isto acontece, se a

concepção de jogo for evoluída e de qualidade (Anexo II). A ideia de jogo

contempla tudo o que está relacionado com os grandes princípios de jogo, não

obstante, ao longo da operacionalização vai acontecendo o enriquecimento do

modelo de jogo, na medida em que a concepção não deve ser castradora, isto

é, deve dar um enorme espaço à singularidade dos jogadores. É, importante

realçar que esta singularidade está sempre condicionada pelos grandes

princípios, pela organização (Anexo II).

A linha de pensamento evidenciada na parte final do parágrafo anterior,

vai ao encontro do carácter flexível do modelo de jogo verificado na nossa

pesquisa, na medida em que se encontra em permanente construção e, aberto

aos acrescentos individuais e colectivos (Guilherme Oliveira, 2006). Não

obstante, Frade (Anexo II) diz-nos que o plano macro, dos grandes princípios

tem que se alcançar o mais rápido possível no processo de treino e que não

está tudo em evolução. O lado aberto da fabricação do modelo, ou seja, o seu

carácter inacabado é referente aos sub-princípios, aos sub-princípios dos sub-

princípios..., que serão abordados mais à frente.

Acreditamos veementemente que a construção de um modelo e de uma

cultura de jogo se dá ao nível da operacionalização. Neste sentido, Frade

(Anexo II), menciona que “quando se está a periodizar (entenda-se treinar),

mais importante do que o modelo são os princípios. Os princípios é que

pragmatizam, é que são praxiológicos” (Anexo II). Acrescenta ainda que “a

objectivação do modelo faz-se no acto de modelização” (Anexo II). Desta

forma, consegue-se alcançar uma organização colectiva. Garganta (Anexo I)

Apresentação e discussão das entrevistas

41

quando questionado sobre a importância de uma operacionalização em

conformidade com os princípios de jogo, responde-nos da seguinte forma:

“Considero imprescindível, no sentido da coerência do processo e da sua

pertinência. A modelação da organização da equipa deverá realizar-se com

base em interacções deliberadas, com base em ideias, conceitos e princípios

que enquadram a forma de jogar que se preconiza” (Anexo I). Partilhamos da

opinião dos nossos entrevistas e, acreditamos que só desta forma é que se

poderá chegar a uma organização funcional e a uma acção conjunta mais

eficiente e eficaz.

4.3.1 A especificidade no processo de treino. Atendendo à nossa pesquisa, concordamos com Carvalhal (2000),

referindo que o princípio da especificidade deve dirigir o processo de treino, na

medida em que se trata de uma forma de jogar. Ainda segundo este autor, a

especificidade exige da equipa técnica a preocupação de inventar exercícios o

mais ajustado possível a essa pretensão, no sentido de criar nos treinos a

competição que desejam que aconteça. Indo ao encontro deste pensamento,

Frade (Anexo II) refere que “a especificidade é, de facto, quem intervém, o

treinador, ou os outros colaboradores, tudo o que fazem ser no sentido de que

a especificidade seja a direcção que se está a tomar. Ora, “a direcção que se

está a tomar depende da concepção de jogo que se tem” (Anexo II). Garganta

(Anexo I) acrescenta que “a especificidade tem a ver com o modo como, nos

exercícios a propor, as variáveis especificadoras (entenda-se princípios de

jogo) são colocadas em interacção, de forma a concorrerem para a

materialização de uma concepção/ideia de jogo.

Corroboramos a ideia de Guilherme Oliveira (2004), referindo que o

treino ou as situações de treino, só são verdadeiramente específicas quando

houver uma permanente e constante relação entre as componentes táctico-

técnicas individuais e colectivas, psico-cognitivas, físicas e coordenativas, em

correlação permanente com o modelo de jogo e os respectivos princípios que

lhe dão corpo. Assim sendo, só existe especificidade quando as situações de

Apresentação e discussão das entrevistas

42

treino são realmente específicas e não apenas situacionais, ou seja, retira-se

do jogo idealizado aquilo que é mais importante e transporta-se para o treino

sendo este constituído por acções desejadas para o jogo, obedecendo às

directivas da matriz de jogo.

No seguimento do que foi mencionado no parágrafo anterior, Garganta

(Anexo I) refere que para o alcançar de uma dinâmica própria e distinta, ou

seja, de uma organização funcional que confira um padrão de jogo, é

necessário que o treinador seja capaz de definir e treinar as variáveis

especificadoras (princípios de jogo) do modelo de jogo e, simultaneamente,

inibir as não especificadoras. É extremamente difícil fazê-lo, já que “isso implica

saber muito bem o que se quer e o que não se quer, portanto, saber como

treinar para jogar para o modelo. Implica um profundo conhecimento do

conteúdo do jogo, da suas lógicas, dos seus atalhos, …” (Anexo I).

Como podemos constatar, as opiniões em relação ao princípio da

especificidade no processo de treino convergem. Esta convergência é referente

à forma como a especificidade está ligada ao “jogar” da equipa. Assim, estará

presente em toda a intervenção do treinador, ou seja, na criação, na

organização, na gestão e na operacionalização do processo de treino.

4.3.2 A intervenção específica no decorrer dos exercícios de treino para o cumprimento do princípio da especificidade.

Como pudemos constatar, a especificidade é uma necessidade

metodológica (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006; Frade, 2006;

Guilherme Oliveira, 2006). Assim sendo, o treinador deve criar um conjunto de

condições que leve o jogador a ficar afinado a um acoplamento específico de

informação-acção (Júlio & Araújo, 2005). Logo, é necessário criar um contexto

facilitador, tanto ao nível da informação, bem como ao nível da

operacionalização, utilizando exercícios específicos que potenciem

determinados padrões comportamentais, ou seja, que exarcebem

determinados princípios de jogo (Amieiro, Oliveira, Resende, & Barreto, 2006;

Frade, 2006).

Apresentação e discussão das entrevistas

43

De acordo com a revisão da literatura e com as ideias de Guilherme

Oliveira (2004), Garganta (Anexo I) diz-nos que “há vários níveis de

intervenção do treinador: antes, durante e após a execução do exercício.

Antes: impõe-se uma explicação clara do que se que se pretende e dos

objectivos a atingir. Durante: o treinador deve intervir sempre que os

comportamentos que se pretende que emirjam a partir dos exercícios

propostos, não ocorram com a frequência desejada. Quanto mais bem

conseguido for o exercício menos o treinador tem que intervir. Nesse caso o

treinador preocupa-se com pequenos reajustamentos. Após: o treinador deve

realizar um balanço entre o desejado e o conseguido, fazendo perceber o que

há que corrigir ou reforçar”.

Frade (Anexo II) refere que é correcto afirmar-se que o treinador deve

intervir antes, durante e após a execução dos exercícios de treino. O treinador

tem que intervir sempre, no entanto, Frade (Anexo II) realça a importância de

haver um antes disso, isto é, o lado da criação dos exercícios para que os

jogadores fiquem familiarizados com o jogar todo, com o plano macro.

Em relação ao decorrer dos acontecimentos, Frade (Anexo II) refere que

o exercício não é o aspecto visível do que está a acontecer porque não se

esgota nisso. Isto, para acrescentar que “os próprios jogadores, exponenciam e

potenciam, ou potencializam, o exercício, conjuntamente com a intervenção do

treinador que pode ser negativa ou positiva” (Anexo II). Como fazê-lo é que é

fundamental e esclarece que “é preciso intervir, no sentido de catalisar, de

potenciar o exercício. Porque o treinador apercebe-se que a perda de

especificidade está a dar-se, mas ele quer é acentuar essa mesma

especificidade. O seu acentuar, ou o seu ganho não se faz exclusivamente pela

chamada de atenção ou pela intervenção do treinador. Faz-se, sobretudo,

quando em função disto, a acção, ou o comportamento, ou a atitude dos

jogadores está alinhada outra vez na especificidade” (Anexo II).

Concordamos com Frade referindo que os jogadores têm que ser

autónomos. Esta autonomia prende-se com o possuir de “um saber sobre

fazer”, no sentido de um à vontade no projecto de jogo colectivo que ajude a

potenciar o exercício e proporcione um “alinhamento colectivo” com essa

Apresentação e discussão das entrevistas

44

especificidade, com o jogar. Então, o treinador não pode dar soluções aos

jogadores, deve simplesmente guiá-los (Anexo II).

4.3.3 A relevância das informações provenientes dos jogadores para o processo de treino.

O controlo e a regulação e, também a retroacção são características

fundamentais para a vida de um sistema, na medida em que permitem avaliar o

estado do sistema e permitem ao gestor decidir qual o melhor caminho a

percorrer para alcançar determinados objectivos (Bertrand & Guillemet, 1988).

No contexto do futebol, mais propriamente, na melhoria do processo de treino,

os jogadores assumem um papel preponderante na construção de um modelo

de jogo e na melhoria da intervenção do treinador.

Garganta (Anexo I) considera as informações provenientes dos

jogadores muito importantes, “embora no Futebol isso não seja prática

corrente. Os atletas, enquanto sujeitos do processo e intérpretes do jogo,

deveriam ser ouvidos e as suas perspectivas deveriam ser tomadas em conta.

Não quero com isto dizer que são eles quem deve tomar decisões de fundo

quanto ao processo de treino, ou à forma de jogar, mas que importa ouvir o que

sentem e o que pensam. Tal poderá ajudar a melhor perceber as razões de

alguns êxitos e inêxitos e permitir um melhor conhecimento das pessoas e do

grupo com que se trabalha. Para além disso, e não menos importante,

possibilita perceber a que distância estamos entre o pretendido e o

consumado”.

Para Frade (Anexo II) é de extrema importância que o treinador se

aperceba como é que os jogadores se articulam com a sua especificidade, com

a sua forma de jogar, de forma a intervir ajustadamente. Assim sendo, o

treinador poderá efectuar reajustamentos à sua intervenção, no caso de os

jogadores não estarem alinhados com a sua especificidade, com a sua

singularidade. Neste sentido, Frade (Anexo II) refere que é o lado da

intervenção, o lado da pragmatização que assume maior preponderância em

todo o processo.

Apresentação e discussão das entrevistas

45

Para melhor retratar o que foi mencionado nos parágrafos anteriores,

recorremos a um exemplo prático. Imagine-se que o treinador cria um exercício

de forma a treinar a organização defensiva em bloco baixo. No decorrer do

exercício os defesas centrais sentem que o pivô defensivo está muito longe

deles e comunicam-no ao treinador. Nesse caso, o treinador pode chamar à

atenção do pivô defensivo para não jogar tão adiantado e, pode também criar

condições ou restrições no exercício para que isso aconteça. Assim sendo, os

jogadores vão dando informações sobre como se sentem com a especficidade

do treinador e, desta forma todo o processo pode ser melhorado e a acção da

equipa optimizada.

4.3.4 A optimização do conhecimento declarativo e do conhecimento processual e a procura de um “saber sobre o saber fazer”.

Qualquer treinador ambiciona que os seus jogadores adquiram um

conhecimento específico relativo ao modelo de jogo, de forma a transformar a

informação, em acções e comportamentos que irão conferir uma determinada

forma de jogar, uma determinada cultura de jogo (Anexo II).

Concordamos com Garganta (Anexo I) quando refere que através da

repetição sistemática de determinados princípios de jogo no processo de treino,

os jogadores podem alcançar um conhecimento declarativo mais ajustado e

optimizar o seu conhecimento processual. Assim, “permite que o conhecimento

declarativo e processual se aproximem e se fecundem de modo a gerar mais

eficácia” (Anexo I).

Em relação à existência de um conhecimento processual específico, na

ausência de um conhecimento declarativo específico prévio, balizado pelo

modelo de jogo, Garganta (Anexo I) diz-nos que “pode existir conhecimento

processual específico sem um significativo conhecimento declarativo, mas não

me parece que tal seja possível em relação a um jogo que se joga com ideias,

como o Futebol”. Acrescenta que “o importante é criar um nível de consciência

marcante no que toca ao compromisso com a forma de jogar, de modo a

Apresentação e discussão das entrevistas

46

conseguir consistência relativamente às regularidades de jogo mais eficazes e

a ser capaz de perceber, a todo o momento, a que distância se está da

execução desejada, e porquê” (Anexo I). Consideramos então, que é

necessário alinhar o conhecimento específico dos jogadores com a

especificidade do treinador, através de uma intervenção específica.

Na opinião de Frade (Anexo II) o jogador pode não saber expressar-se

verbalmente, e ser o melhor jogador que o treinador tem à disposição, na

medida em que entendeu a sua forma de jogar. Concordamos com Frade

(Anexo II) referindo que o mais importante é a inteligência de jogo. De facto, o

mais importante é o entendimento do jogo e a aquisição de um “saber sobre o

saber fazer”. Um jogador pode não saber expressar-se verbalmente e jogar

bem, ou seja, contribuir positivamente para o projecto de jogo colectivo. Há,

também jogadores que através da sua capacidade intelectual, conseguem falar

sobre o jogo, mas sem ter inteligência de jogo (Anexo II). Assim sendo, Frade

(Anexo II) realça o facto de não fazer sentido a distinção entre conhecimento

declarativo e conhecimento processual. O importante é o alcançar de um

“saber sobre o saber fazer” (Anexo II) que, como já foi referido, se prende com

a aquisição de um conhecimento táctico-técnico abrangente que permita ao

jogador estar identificado com uma determinada cultura táctica de jogo e, para

além disso, um à vontade no conhecimento do projecto de jogo colectivo que

lhe proporcione uma eficiente interacção/comunicação com os restantes

elementos (Guilherme Oliveira, 2004).

4.4 A fractalidade no processo de treino para uma melhoria qualitativa da tomada de decisão.

Garganta (Anexo I) considera que o exercício de treino deve possuir

uma condição fractal. Neste sentido, refere que se trata “de ser capaz de fazer

aquilo a que Malcom Gladwell chama de “fatiar fino”. É uma questão de reduzir

a complexidade sem deixar de ter em conta as variáveis especificadoras

(princípios de jogo) no que toca ao acoplamento de informação e acção que

permite o reconhecimento e a interpretação da matriz do modelo de jogo”

Apresentação e discussão das entrevistas

47

(Anexo I). Assim sendo, acreditamos que se o teinador decompuser o jogo,

tendo em conta a sua forma de jogar, a sua especificidade, o seu modelo de

jogo e intervir ajustadamente nos exercícios, haverá melhorias ao nível da

tomada de decisão.

Frade (Anexo II) menciona que “o treino só é específico se tiver uma

sustentabilidade fractal”. Neste âmbito, refere (Anexo II) que o jogo pode ser

entendido como uma realidade decomponível, no entanto, ao se fragmentar no

exercício de treino, não se poderá perder a representatividade do todo, ou seja,

da forma de jogar que se preconiza. Assim sendo, o exercício possui homotetia

interna, possui auto-semelhança com o todo, tem verdadeiramente fractalidade,

e permitirá aos jogadores alcançar uma gestão do instante mais eficiente,

tendo em conta o projecto colectivo de jogo (Anexo II).

Concordamos com as ideias de Guilherme Oliveira (2004) provenientes

da nossa pesquisa documental, referindo que a decomposição do jogo no

processo de treino dos diferentes momentos de jogo irá permitir uma

interligação entre eles, tendo em conta a ideia colectiva de jogo,

independentemente da escala ou o nível que apresentem (colectivo, sectorial,

inter-sectorial ou individual). Em relação à fractalidade do modelo de jogo, os

princípios, os sub-pricncípios, os sub-princípios dos sub-princípios, terão que

ser sempre representativos de uma forma de jogar, apesar de poderem

apresentar diferentes escalas. No que concerne ao princípio da especificidade,

e como já foi referido anteriormente, terá de ser sempre uma constante no

processo de treino em todas as escalas possíveis. Independentemente, do

princípio, sub-princípio..., que se estiver a treinar, a especificidade é sempre

relativa ao modelo de jogo. A modelação dos exercícios tem que ter sempre

presente o modelo de jogo, a especificidade e os diferentes momentos. Para

que a homotetia interna seja alcançada é fundamental a existência de uma

intervencão específica por parte do treinador, de forma a exacerbar os

comportamentos adequados e inibir os inadequados (Guilherme Oliveira,

2004).

Em suma, o processo de treino deverá proporcionar a aquisição de

conhecimentos específicos relativos a uma forma de jogar, a uma ideia

Apresentação e discussão das entrevistas

48

colectiva de jogo. Assim sendo, estamos em crer que a tomada de decisão dos

jogadores e os consequentes comportamentos evidenciados levarão a uma

acção conjunta mais eficiente. Para nós, o que mais interessa é que a equipa

aja verdadeiramente como um todo e, por isso, a organização de jogo é fulcral.

Esta tão ambicionada ordem é perfeitamente alcançável através do processo

de treino, embora a maioria dos treinadores teime em negligenciá-la.

Conclusões

49

5. Considerações finais.

Do cruzamento dos dados provenientes da revisão da literatura com as

informações recolhidas nas entrevistas que realizamos, foi-nos permitido

chegar às seguintes considerações finais:

• Na revisão da literatura e no entendimento dos nossos entrevistados a

abordagem sistémica é ajustada à complexidade do fenómeno do

futebol.

• A abordagem sistémica consegue suprimir lacunas que o pensamento

cartesiano não conseguia preencher, observando o fenómeno do futebol

na sua totalidade.

• De acordo com a nossa pesquisa e na opinião dos nossos entrevistados,

a abordagem sistémica torna a complexidade das interacções dos

jogadores, nos diferentes níveis, inteligível.

• Segundo a nossa análise documental e na opinião do Professor Doutor

Júlio Garganta existe uma aplicabilidade das características de um

sistema ao futebol.

• Segundo os nossos entrevistados e de acordo com a nossa pesquisa

documental o futebol é um jogo predominantemente táctico, por isso

verificamos a importância da educação táctica dos jogadores.

• Na abordagem sistémica, um sistema necessita da modelização

sistémica para uma acção conjunta mais eficiente em relação ao meio

onde se insere. Ao ser encarada como um sistema, a equipa de futebol

necessita de um modelo de jogo que contextualize e direccione as

interacções dos seus elementos e o meio específico onde actua.

• Previamente à construção de um modelo de jogo, o treinador necessita

de possuir uma ideia de jogo ajustada a toda a conjuntura envolvente.

• O modelo de jogo e os respectivos princípios de jogo são de extrema

importância na construção de uma cultura de jogo, de uma forma de

jogar.

Conclusões

50

• A objectivação do modelo de jogo e a modelação da organização de

jogo da equipa faz-se no processo de treino.

• Uma operacionalização em conformidade com os princípios de jogo é

imprescindível para se atingir uma organização funcional.

• A especificidade é uma necessidade metodológica para que os

jogadores adquiram conhecimentos específicos relativos à forma de

jogar que o treinador preconiza.

• A operacionalização dos exercícios de treino carece de uma intervenção

específica por parte do treinador para que não haja perda de

especificidade.

• As informações provenientes dos jogadores ao longo do processo de

treino são relevantes para o modelo de jogo, para que o treinador

reajuste a sua intervenção, se for caso disso.

• De acordo a análise documental e na opinião do Professor Doutor Júlio

Garganta, a optimização de um conhecimento processual específico no

processo de treino passa pela aquisição de um conhecimento

declarativo significativo.

• Segundo a revisão da literatura e na opinião dos nossos entrevistados, o

mais importante é que os jogadores estejam identificados com uma

forma de jogar. Essa identificação acontece no processo de treino.

• A fractalidade no processo de treino é de extrema importância, já que

permitirá obter melhorias ao nível da tomada de decisão por parte dos

jogadores, tendo em conta a matriz de jogo.

Tendo em conta os aspectos que realçamos, assumimos a relevância de

uma abordagem sistémica ao futebol, na medida em que permite observar uma

equipa de futebol como um todo. Desta forma, pensamos que o pensamento

sistémico poderá estar presente na construção de uma forma de jogar,

contribuindo para a unicidade da equipa e para uma acção conjunta mais

eficiente e eficaz.

Sugestões para Futuros Estudos

51

6. Sugestões para futuros estudos.

A realização de qualquer estudo procura responder a algumas questões

e, simultaneamente, levanta outras.

Tendo em conta a má conceptualização da actividade do treinador nos

estudos até agora realizados no futebol, seria interessante aprofundar esta

temática, não só clarificando alguns aspectos que apresentamos, como

também levantando outras questões com ela relacionadas.

Por exemplo:

• Criar um quadro conceptual abrangente sobre a actividade do treinador

na construção de uma forma de jogar;

• Realizar um estudo de caso, verificando se há congruência entre as

ideias do treinador e o processo de treino;

• Aprofundar a importância das informações provenientes dos jogadores

para o processo de treino.

52

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58

Anexo I

I

8. Anexos

Anexo I – Entrevista ao Professor Doutor Júlio Garganta

1. Considera pertinente uma abordagem sistémica no contexto do futebol? Em que sentido?

1. Sim. No sentido de um mais adequado entendimento e de uma mais

ajustada abordagem da complexidade do jogo e da actividade dos jogadores,

com base em distintos níveis de organização (macro, meso e micro),

considerando os momentos de jogo e a alternância de tarefas de cooperação e

oposição.

Repare que a modelação sistémica assenta em quatro categorias

fundamentais: interacção, globalidade, complexidade e organização. Neste

sentido parece revelar-se profícua para defrontar fenómenos complexos como

o jogo de Futebol, porquanto estamos em presença de um processo: (1) de

interacção, dado que os jogadores actuam na relação com os demais; (2)

global ou total, podendo o valor das equipas ser maior ou menor do que a

soma dos valores individuais dos jogadores que as constituem; (3) complexo,

porque existe uma profusão de relações entre os elementos em jogo; (4)

organizado, porque a sua estrutura e funcionalidade se configuram a partir das

relações de cooperação e de oposição, estabelecidas no respeito por princípios

e regras e em função de finalidades e objectivos

Convém que se diga, todavia, que não se trata aqui de reduzir o jogo a uma

noção abstracta de sistema, mas de procurar inteligir princípios teleológicos

que orientem o comportamento e enquadrem a organização dos sistemas

implicados, através da identificação de regras de gestão do jogo e da

actividade dos jogadores e das equipas.

2. Reconhece a natureza sistémica do futebol? Se sim, como a perspectiva?

Anexo I

II

2. Sim. Perspectivo-a como um confronto de sistemas (as equipas) e como um

sistema de subsistemas (os jogadores). Neste sentido, podemos falar numa

complexidade organizacional, que emerge do modo como se articulam os

planos individual, grupal e colectivo e que vai configurando e sendo

configurada pelas interacções produzidas pelos jogadores.

As equipas de Futebol operam como totalidades organizadas para agir

(sistemas dinâmicos) que se confrontam simultaneamente com o previsível e o

imprevisível, com o estabelecido e a inovação. O decorrer do jogo dá-se na

interacção, e através da interacção, das regras constitutivas do jogo, o acaso e

a contingência de acontecimentos específicos com as escolhas específicas e

as estratégias dos jogadores para criarem novos cenários e novas

possibilidades.

Em síntese, o jogo de futebol é um sistema cujas características emergem do

modo como se confrontam outros sistemas que o integram, ou seja, as

equipas. Por sua vez, a actuação das equipas depende do modo como são

geridos outros subsistemas, nomeadamente, os grupos de jogadores, o jogador

enquanto individualidade, … Trata-se, portanto, de distintos níveis de

organização de um fenómeno a que os humanos convencionaram chamar

JOGO.

3. Considera o futebol um jogo eminentemente táctico? Justifique.

3. Sim; e estratégico também, porque não depende apenas de meras

execuções automatizadas, mas de opções, decisões e intenções. O que faz o

jogo é a transformação da causalidade em casualidade, ou seja, a aproveitar o

momento; e quem ensina a aproveitar o momento são a estratégia e a táctica.

Já pensou porque é que não existe nenhum animal que consiga, como nós,

jogar um jogo desportivo colectivo, embora muitos corram mais rápido, saltem

mais alto e sejam mais fortes do que o Homem?

Costumo dizer que o ideal olímpico está incompleto. Citius, altius, fortius ?

Falta qualquer coisa aqui, não lhe parece?

Anexo I

III

4. Qual o problema principal com que se depara um jogador de futebol durante uma partida? Essa acção está condicionada pela dimensão espacio-temporal?

4. Trata-se, essencialmente, de um problema relacionado com o sentido que se

atribui aos cenários de jogo, portanto do foro táctico-estratégico mas, também

com a actualização/adaptação das habilidades motoras às solicitações do

envolvimento para dar corpo às intenções. O bom Futebol joga-se com boas

ideias.

Na medida em que a acção de um jogador induz e é induzida pela interacção

com os demais elementos em jogo, cada uma das equipas que se defrontam

comporta-se como uma unidade cuja feição deve exceder as mais-valias

individuais. Por isso é um jogo colectivo.

A acção está condicionada pela dimensão espacio-temporal? Claro que sim,

porque são as coordenadas espaço e tempo que permitem dar sentido ao que

se faz e às razões porque se faz num jogo como o Futebol. Os bons jogadores

e as boas equipas sabem o que devem e não devem fazer em determinados

espaços e sabem como usar o tempo a seu favor, inclusive para criar ou

suprimir espaço.

Aliás nos sistemas dinâmicos, espaço e tempo confundem-se de tal maneira

que qualquer acção que altere um deles modifica, necessariamente, o outro.

5. Tendo em conta as características de um sistema, nomeadamente a abertura, fale-nos da influência do meio/contexto no comportamento de uma equipa de futebol.

5. Uma equipa de Futebol, enquanto colectivo, comporta-se como um sistema

susceptível de manifestar comportamentos que, embora não pré-

determináveis, são potencialmente antecipáveis (possíveis). Assim, embora o

conteúdo do jogo seja incerto e imprevisível, é possível e desejável identificar

indicadores de qualidade, no que concerne aos comportamentos a expressar

pelos jogadores durante as partidas.

Os problemas essenciais do jogo têm a ver com a complexidade, ou seja, com

um princípio transacional que faz com que não nos possamos deter apenas

Anexo I

IV

num nível do sistema sem ter em conta as articulações que ligam os diversos

níveis. Tal justifica a pertinência de uma abordagem centrada na interacção, de

modo a perceber a influência do todo nas partes e das partes no todo.

O jogador faz o jogo, mas o jogo também faz o jogador. Ou seja, os sistemas

actuam em função das interacções que se estabelecem com o jogador e a suas

capacidades, o envolvimento e a tarefa propriamente dita. Em última instância,

a acção de jogo resulta do modo como todos os constrangimentos se

harmonizam para gerar jogo.

À medida que o jogo vai decorrendo, vão emergindo cenários que “sugerem”

aos jogadores determinadas acções (affordances). O tipo de resposta, ou de

iniciativa, depende da capacidade do jogador para reconhecer (dar sentido) as

paisagens de jogo e da sua disponibilidade táctico-técnica para actuar com

eficácia. Tal significa que o respectivo comportamento táctico-técnico vai sendo

actualizado ao longo das partidas.

Assim, a equipa constitui uma totalidade em permanente construção, na qual

as acções pontuais, mesmo que aparentemente isoladas, influem no

comportamento colectivo, que consiste numa rede de interacções complexas

de cooperação e oposição, integrando distintos níveis de organização.

Contudo, embora o grau de complexidade possa ser entendido a partir da

quantidade e da qualidade dos níveis de organização, no jogo de Futebol essa

noção deve ser complementada pelas de circularidade e de reversibilidade, no

sentido de que as partes agem em função do todo e de que este retroage sobre

as partes, com base numa alternância de papéis e funções.

6. Por que prisma observa a complexidade do jogo de futebol e do sistema/equipa de futebol? Como define o jogador neste âmbito?

6. Apesar da aparência simples, a natureza e a diversidade dos

constrangimentos que influenciam o rendimento num jogo Futebol deixam

pressupor uma elevada complexidade.

Trata-se de harmonizar a organização dos comportamentos de cooperação e

oposição, na relação com ideias/intenções (modelo e concepção de jogo) e

com a execução propriamente dita. Neste âmbito o jogador é um actor/decisor

Anexo I

V

autónomo cujas acções só fazem sentido (para o jogo) se forem (inter)acções.

Como tal, devem enquadrar-se no âmbito mais vasto, e verdadeiramente

estruturante, da organização colectiva.

A optimização dum sistema, num dado momento, resulta da confluência de

distintos níveis de organização dos demais sistemas que o compõem. É a

conformidade dessas confluências que mediatiza o caminho da optimização.

Nesta linha de raciocínio, o jogador de Futebol é um subsistema que deve

procurar operar para a optimização do sistema equipa.

7. Considera o jogo de futebol um macrosistema complexo, ou pensa que por existir uma relação de oposição entre duas equipas deixa de ser perspectivado como tal?

7. Considero que é um macrosistema complexo que influencia e é influenciado

pelas diversas dinâmicas nos planos micro, meso, macro que atrás apontei, ao

longo das diferentes fases e momentos que o jogo atravessa.

Porque actuam num contexto em que se estabelecem relações de dependência

e interdependência, as equipas de Futebol podem ser consideradas sistemas

hierarquizados, especializados e fortemente dominados por competências

estratégicas e heurísticas. Assim, cada equipa constitui um sistema adaptativo

complexo. A relação entre as equipas configura os contornos do jogo, o qual

pode ser considerado um sistema que integra outros subsistemas que

procuram alcançar determinadas finalidades. Tais finalidades, embora num

dado momento possam parecer diversas das intenções do conjunto, devem

concorrer para cumprir o projecto colectivo.

8. É do senso comum que a equipa de futebol consegue atingir objectivos que o jogador por si só não consegue. A sinergia pressupõe uma organização e interacção entre os elementos de um sistema. Como analisa o jogador de futebol neste âmbito?

8. O jogador é um sistema complexo que alimenta e é alimentado por outros

sistemas, de modo a gerar superiores níveis de complexidade. Contudo, para

engendrar um todo superior à soma das partes a sua acção terá de fazer

Anexo I

VI

sentido para o todo organizacional que é a equipa. Tal realiza-se a partir da

gestão adequada das decisões e das execuções, em referência a ideias para

jogar e em interacção com os constrangimentos típicos: bola, balizas, colegas,

adversários, espaço, tempo e tarefa.

9. É da responsabilidade do treinador elaborar projectos de acção, um modelo de jogo e a consequente modelação da equipa. Considera importante uma operacionalização em conformidade com os princípios de jogo adoptados? Em que sentido?

9. Considero imprescindível, no sentido da coerência do processo e da sua

pertinência. A modelação da organização da equipa deverá realizar-se com

base em interacções deliberadas, com base em ideias, conceitos e princípios

que enquadram a forma de jogar que se preconiza.

10. Para se atingir uma identidade, uma dinâmica própria e a consequente organização funcional, para além da informação existente no seio da equipa relativa ao modelo de jogo, é fulcral a existência de um processo de comunicação. Como observa o fluxo de informação e os canais de comunicação, tendo em vista uma acção conjunta mais eficiente?

10. Entre jogadores? É fundamental! Sobretudo no que toca à comunicação

não-verbal e aos registos de comunicação que se estabelecem a partir da

assimilação dos princípios de jogo e da respectiva afinação em relação ao

projecto colectivo.

A partir de um nível avançado de treino e de identificação com o modelo, entra-

se num registo de “harmonização de intuições”, no respeito pelos princípios de

jogo. Só os bons e bem treinados têm boas intuições.

11. O fenómeno do futebol está em constante evolução. Considera que o modelo de jogo e a respectiva operacionalização do mesmo devem acompanhar essa evolução? Se sim, em que sentido devem ser efectuados os reajustamentos ao projecto inicial?

11. Considero que são os diferentes modelos/concepções que fazem evoluir o

Futebol. Os modelos não devem “navegar” ao sabor das modas e das

Anexo I

VII

imitações. Não faz sentido apostar nos modelos mainstream, sem mais. Sou

partidário da fidelidade a ideias na procura do bom jogo e do espectáculo

agradável. Mas há várias formas de o conseguir e vários tipos de público a

quem agradar ou desagradar.

Os conhecimentos, as competências, as ideias e a personalidade do treinador,

para além de outras condicionantes como a cultura do clube, as condições de

trabalho, etc., são muito importantes na hora de conceber o jogo para uma

equipa de Futebol.

Os reajustamentos ao projecto inicial devem ser realizados em função da

resposta que a equipa vai dando, e portanto do seu nível de evolução.

Contudo, há que manter constante o que dá sentido ao processo: o modelo, a

concepção, os princípios. O que pode variar é modo ou a forma de os trabalhar

e concretizar.

12. Num qualquer sistema o controlo e a regulação e, também a retroacção são características importantes para o gestor? Neste âmbito como analisa o papel do treinador de futebol, no sentido de receber informações sobre o que se passa na sua equipa, de forma a ajustar a sua intervenção? Considera relevante as informações provenientes dos próprios jogadores?

12. Considero muito importante, embora no Futebol isso não seja prática

corrente. Os atletas, enquanto sujeitos do processo e intérpretes do jogo,

deveriam ser ouvidos e as suas perspectivas deveriam ser tomadas em conta.

Não quero com isto dizer que são eles quem deve tomar decisões de fundo

quanto ao processo de treino, ou à forma de jogar, mas que importa ouvir o que

sentem e o que pensam. Tal poderá ajudar a melhor perceber as razões de

alguns êxitos e inêxitos e permitir um melhor conhecimento das pessoas e do

grupo com que se trabalha. Para além disso, e não menos importante,

possibilita perceber a que distância estamos entre o pretendido e o

consumado.

Anexo I

VIII

13. Considera importante a existência de uma contextualização no processo de treino para o alcançar de uma dinâmica própria e distinta e de uma organização funcional que confira um padrão de jogo? Em que sentido?

13. Claro que sim. Qual é o treinador que não pretende isso? O problema está

em ser capaz de o fazer! A questão passa por conseguir definir e treinar as

variáveis especificadoras do modelo e, simultaneamente, inibir as não

especificadoras. Isso implica saber muito bem o que se quer e o que não se

quer, portanto, saber como treinar para jogar para o modelo. Implica um

profundo conhecimento do conteúdo do jogo, da suas lógicas, dos seus

atalhos, …

14. A abordagem sistémica é caracterizada por um elevado grau de especificidade. No contexto do futebol como analisa o princípio da especificidade e a sua aplicação no processo de treino?

14. Tenho dito várias vezes que considero que há duas modalidades de treino

no Futebol: um treino para poder treinar e um treino específico para jogar. São

coisas diferentes, mas complementares. A especificidade tem a ver com o

modo como, nos exercícios a propor, as variáveis especificadoras são

colocadas em interacção, de forma a concorrerem para a materialização de

uma concepção/ideia de jogo.

15. No seguimento da pergunta anterior, como observa a intervenção do treinador ao nível do exercício de treino para que haja uma melhoria no entendimento do projecto de jogo colectivo por parte dos jogadores? Em que momentos deve o treinador intervir?

15. Há vários níveis de intervenção do treinador: antes, durante e após a

execução do exercício. ANTES: impõe-se uma explicação clara do que se que

se pretende e dos objectivos a atingir. DURANTE: o treinador deve intervir

sempre que os comportamentos que se pretende que emirjam a partir dos

exercícios propostos, não ocorram com a frequência desejada. Quanto mais

bem conseguido for o exercício menos o treinador tem que intervir. Nesse caso

o treinador preocupa-se com pequenos reajustamentos. APÓS: o treinador

Anexo I

IX

deve realizar um balanço entre o desejado e o conseguido, fazendo perceber o

que há que corrigir ou reforçar.

16. Considera que a repetição sistemática dos princípios de jogo no processo de treino proporcionará aos jogadores a aquisição de um conhecimento declarativo mais sofisticado e optimizar o conhecimento processual? Acredita que poderá existir um conhecimento processual específico, sem a existência de um conhecimento declarativo específico prévio balizado pelo modelo de jogo?

16. Não mais sofisticado, mas mais ajustado. Ou seja, permite que o

conhecimento declarativo e processual se aproximem e se fecundem de modo

a gerar mais eficácia.

Perante as diferentes situações de jogo, o jogador constrói paisagens de

observação, interpretando e organizando a informação dispersa conferindo-

lhes um sentido próprio que depende de modelos de referência.

É claro que pode existir conhecimento processual específico sem um

significativo conhecimento declarativo, mas não me parece que tal seja

possível em relação a um jogo que se joga com ideias, como o Futebol. Há que

perceber as diferenças entre o conhecimento implícito e o conhecimento

explícito. O importante é criar um nível de consciência marcante no que toca ao

compromisso com a forma de jogar, de modo a conseguir consistência

relativamente às regularidades de jogo mais eficazes e a ser capaz de

perceber, a todo o momento, a que distância se está da execução desejada, e

porquê. Daí a importância de promover, no treino, o feedback intrínseco.

17. A maior dificuldade com que se depara o jogador de futebol prende-se com a gestão do instante. Considera que o treino poderá potenciar uma melhoria qualitativa ao nível da tomada de decisão e uma comunicação mais eficiente entre os diferentes elementos que constituem a equipa, tendo em conta o projecto de jogo colectivo e a procura de uma linguagem comportamental “comum”?

17. Claro que sim, se for orientado nesse sentido, ou seja, se preconizar a

vivência de cenários que integrem as tais variáveis especificadoras e se

contemplar tanto situações mais cognitivas como situações de percepção

Anexo I

X

directa, de modo a induzir eficácia. A qualidade do jogo pode crescer muito

pelo lado da percepção e da decisão.

Não se trata apenas de uma linguagem comum, mas de um sentir, perceber e

intuir comum. É mais um estado de alma e de entendimento do jogo do que

estritamente um código de comunicação.

18. Considera pertinente que o exercício de treino possua uma “condição” fractal, já que desta forma será representativo de uma forma de jogar? É possível, através de uma fragmentação do jogo, obter melhorias ao nível da tomada de decisão por parte dos jogadores, tendo em conta a matriz de jogo da equipa? Em que sentido?

18. Sim. Trata-se de ser capaz de fazer aquilo a que Malcom Gladwell chama

de “fatiar fino”. É uma questão de reduzir a complexidade sem deixar de ter em

conta as variáveis especificadoras no que toca ao acoplamento de informação

e acção que permite o reconhecimento e a interpretação da matriz do modelo

de jogo.

Anexo II

XI

Anexo II – Entrevista ao Professor Vítor Frade

Nota: A entrevista realizada não seguiu o procedimento habitual de pergunta e resposta. Em vez disso, houve uma conversa sobre diversos temas pertinentes para a execução deste trabalho.

...sobre a pertinência da abordagem sistémica no futebol e sobre o

facto de poder haver alguma ligação à periodização táctica. Pode ser pertinente na relação entre as variáveis, ou entre as partes

com o todo, mas a periodização táctica é qualquer coisa mais do que isso,

porque é a fabricação, ou a construção, ao longo do tempo daquilo que se

pretende, que é uma forma de jogar. Para que isso suceda, há que balizar isso

metodologicamente de uma maneira muito própria que não tem nada a ver com

abordagem sistémica. Não tem, porque os nomes e os conceitos nem existem

na abordagem sistémica. Depois são diversas as perpectivas, uma mais

mecânicas, mais controladoras, e outras em concepção mais entendível com

as questões do treino, do jogo...

...sobre a tese de mestrado do Mestre José Guilherme Oliveira.

É uma espécie de levantamento de questões que a periodização táctica

não pode negligenciar, mas isso é outra questão. Isso insere-se, por exemplo,

na importância que há de equacionar a noção de modelo de uma determinada

maneira, o modelo de jogo. E equacionando-se o modelo de jogo, as múltiplas

questões que foram afloradas ali devem ser preocupação, ou podem ser

preocupação, de quem reconhece a importância do modelo de jogo como nós,

da periodização táctica, reconhecemos, mas não é o modo habitual de o

entender. Porque antes do modelo, está a concepção de jogo. Quer dizer, eu

tenho que tomar partido de uma concepção de jogo, e ao tomar partido

reconheço que há outras, e o modelo de jogo é o ajustamento, é a necessidade

que acontece, para que eu ajuste a concepção às circunstâncias. …. ao meio e

Anexo II

XII

a tudo … e muito disso eu não sei, e outras que eu nem vou sabendo, porquê?

Porque a cabeça dos jogadores está influenciada, ou pode estar a cabeça e o

corpo, por múltiplas outras ideias. Por isso que o modelo parece-me um

paradoxo. O que a periodização táctica pretende é que não seja subjectivo, que

haja uma congregação de subjectividades. Eu tenho muito medo dos slogans,

sabe que a organização é uma coisa complexa, mas pode não ser nada para

as pessoas. A organização que a Periodização Táctica preconiza é a coerência

de funcionamento que vai acontecendo nos jogadores, em função de quê? Do

ajustamento a determinados pressupostos, princípios, etc., que se faz ao longo

do tempo, portanto, na periodização. Mas isso, tem muitos escolhos, tem

muitas contrariedades, porque depende também do nível a que se está a

processar isso, mas se for a um nível elevado e se eu tiver uma ideia de jogo

um bocado… manifestamente contrastante com a generalidade, é provável que

grande parte dos jogadores que eu tenho esteja mais naquela do que na

minha. E, portanto, isto não é fácil, mas a organização é isso. É aquilo que

depois articula a intenção, ou a intencionalidade no jogador. Mas isto é só um a

plano, porque há o plano macro, que atribui um sentido. São os grandes

alicerces de uma forma de jogar, portanto os grandes princípios, que são

passíveis de se entenderem e depois, com o tempo, irem revelando uma

dinâmica que é a expressão de uma determinada organização. Isto não quer

dizer que (uma determinada cultura)… sim é isso, porque é uma cultura de

jogo. É precisamente isso. Portanto, o primado, como se diz no futebol que é

um desporto colectivo, o primado está nos referenciais colectivos, nos

referenciais que vão dar a ordem, que vão dar a organização. Mas isto, de

acordo com a concepção de jogo, pode não ser nada limitador para o jogador,

antes pelo contrário. O facto de eles terem que se sujeitar… uma concepção de

jogo de qualidade que se preze deve dar extraordinário espaço para a

singularidade, mas é uma singularidade condicionada. (os sub, sub é outra

coisa…) o modelo já deve ser rico na sua expressão conceptual, ou seja, já

deve reconhecer que esses grandes princípios são, digamos o núcleo duro da

organização, do dinamismo, da dinâmica da equipa, mas este núcleo duro é

catalisador de uma grande diversidade, ou variedade, de manifestação dos

Anexo II

XIII

intervenientes, sem perda desta bússola. Por isso é que é difícil. Mas isto é

modelo agora, mas antes só é isto se for concepção. Se for concepção de jogo

evoluída, de qualidade. É por isso que eu te falei que antes está a ideia de

jogo. A ideia de jogo é qualquer coisa que eu tenho, digamos assim, em

abstracto. Eu, o futebol que eu gosto de ver jogar é este. Mas, na circunstância

A, na circunstância B, etc., (…) não é prático, é um sentido real. Porque eu não

conheço, nem ninguém conhece, a totalidade dos pormenores das

circunstâncias e dos jogadores. Quando muito, terei a hipótese de ir

conhecendo, ou ir desconhecendo cada vez menos, ao longo da

operacionalização, portanto, da periodização. A ideia contempla tudo e mais

alguma coisa no que tem a ver com os grandes princípios,…. isto, repare, eu

se estou a falar a top, e se eu estiver a falar nos mais miúdos, isto é válido. Só

pode não ser válido para os minorcas, para os “mancos”. Porque é uma

questão depois de mais tempo ou menos tempo. Há aqui duas coisas: se isso é

regra, eu não sei se é nem me interessa, mas julgo que não é, porque eu acho

que pode ser é assim, deste modo. E deste modo leva-se a água ao moinho,

penso eu mais rapidamente porque de facto, as pessoas vão evoluindo no

fazer mas tendo ao mesmo tempo intimidade com aquilo que se quer que seja

o fazer. (balizar o modelo de jogo) sim, eu diria mais, o modelo de jogo é

qualquer coisa…. Aqui na faculdade, à excepção do Professor Guilherme, sabe

que uma ideia de modelo de jogo não é a ideia que eu tenho nem é a ideia que

deve existir na teoria dos sistemas, ou na Periodização Táctica. Porque, eu

digo que mais importante … isto não é bem assim, mas é para … quando se

está a periodizar, mais importante do que o modelo são os princípios. Os

princípios é que pragmatizam, é que são praxiológicos, é que são práticos.

Agora, têm a ver com uma ideia de jogo e com umas circunstâncias que

ajudam, ou desajudam, a implantar essa ideia de jogo. E, portanto, o modelo é

tudo, o modelo é o que a gente vê e aquilo que a gente não vê, e que pode

jogar a nosso favor e que pode jogar a nosso desfavor. O modelo é esse. O

modelo está para além do modelizável. Mas a objectivação do modelo faz-se

no acto de modelização. É aí que eu tenho a possibilidade de decifrar, de

quantificar, o que está a acontecer , (reajustar) sim! Mas pode estar a passar-

Anexo II

XIV

se qualquer coisa que eu não dou por ela e não vejo. Portanto, o modelo tem

sempre qualquer coisa de encoberto (de incontrolável) sim! Eu costumo dizer

que é qualquer coisa que não existe em lado nenhum, e todavia procura-se

com intenção de encontrar. (o modelo de jogo para si é inatingível) não é nada

disso! Isso era uma parvoíce. Repare, é preciso que a gente veja os 2 grandes

planos do modelo: o plano macro, esse tem que se encontrar, não está tudo

sempre em evolução. O modelo é que está inacabado pelos seus contornos,

que é aí que vêm os sub-, sub-princípios,… . porque mesmo nos sub-, a gente

vai entrando, agora nos sub-, sub-, é que…, é o lado aberto da fabricação do

modelo. (mas também tem que haver espaço para isso) na concepção da

Periodização Táctica tem que haver (não pode haver um rigor castrador) mas

repare, eu costumo dizer assim, o futebol de qualidade, das equipas de

qualidade, tem demasiado jogo para ter ciência. O que é que eu quero dizer?

Tem demasiada contingência, demasiado pormenor, demasiada singularidade,

tem demasiado primeiro plano, para ser ciência no sentido que os gajos dizem

que é tudo rigoroso, que é tudo quantificado… tem demasiado disso para ser

quantificável a esse nível. Mas, eu digo, que é demasiado cientificável para ser

só isso. O que é cientificável são os grandes princípios, é a organização na

defesa, é a organização no ataque. A organização da defesa, porque é uma

sub-dinâmica, outra sub-dinâmica, outra sub-dinâmica da defesa para o

ataque, do ataque para a defesa, isto é cientificável. Tudo, os aspectos gerais

são cientificáveis. Agora, isto, nas circunstâncias A, nos jogadores A, na cultura

A, na cultura B, assume diferenciação. E, então, aí... Portanto, ou as pessoas

vêem isto assim, ou têm muita dificuldade em ver o que é que eu pretendo que

seja a Periodização Táctica.

...sobre a intervenção do treinador no processo de treino e na aplicação do princípio da especificidade.

A especificidade é isso. A especificidade é, de facto, quem intervém, o

treinador, ou os outros colaboradores, tudo o que fazem ser no sentido de que

a especificidade seja a direcção que se está a tomar. Ora, a direcção que se

Anexo II

XV

está a tomar depende da concepção de jogo que se tem. E, portanto, a minha

intervenção, se não for ajustado a isto, eu tenho de entender o que é que se

pretende, também tenho de entender como é que os jogadores se articulam,

como pessoas, com esta especificidade. Ou seja, não sou que lhes digo como

é que fazem, eu digo-lhes é, oriento-os no sentido do que é para fazer (?) para

que eles … (considera as informação provenientes dos jogadores no decorrer

dos exercícios importantes para …) Claro que considero, pois todas as coisas

são importantes. As pessoas têm é que dominar os conceitos. Eu digo que a

Periodização Táctica é um teorema em acto, não lhe chamo teoria. É um

teorema em acto, que é balizado por estas premissas e é a pragmatização

(quase empírico…) não é empírico! O fenomenológico. É aí,…. Eu não treino

dentro de um tubo de ensaio! É a realidade, é nesse sentido, é aí. E quem

treina tem que fazê-lo lá. (quando deve o treinador intervir?) isso depende das

circunstâncias. Se você disser que intervém antes durante e depois, está

correcto. Agora, antes, tem que intervir sempre, mas antes antes mais do que

antes antes depois, ou seja, porque à medida que o processo vai avançando,

eles estão mais identificados com o que se quer. É preciso, e se calhar é

conveniente, acentuar o que é que visa o exercício. E esse também é antes (?).

mas há uma antes antes desse. Se o exercício é uma parte, ou tem a ver com

uma parte do jogar, houve um antes desse que eles têm que estar

familiarizados com o jogar todo, digamos assim, mesmo que de uma forma ( o

plano macro) sim! Eles têm que estar familiarizados, e depois, durante os

acontecimentos, durante o exercício. Eu costumo dizer que o exercício não é o

aspecto visível do que está a acontecer, não se esgota nisso. Para dizer

também, tem a ver com a intervenção dos próprios jogadores, eles

exponenciam e potenciam, ou potencializam, o exercício, com a intervenção do

treinador, mas a intervenção pode ser negativa ou pode ser positiva. Portanto,

o treinador tem que ser (o treinador dever ser um catalisador….) mas agora o

como? O como fazê-lo é que é o fundamental. (o exercício também fala por si)

sim, também fala de algum modo. Mas é preciso intervir, no sentido de

catalisar, de potenciar o exercício. Porque o treinador apercebe-se que a perda

de especificidade está a dar-se, e ele quer é acentuar isso. Mas o ganho de

Anexo II

XVI

especificidade não se faz exclusivamente pela chamada de atenção ou pela

intervenção do treinador. Faz-se, sobretudo, quando em função disto, a acção,

ou o comportamento, ou a atitude dos jogadores está alinhada outra vez na

especificidade. E para estar alinhada nisso, ele tem que ser autónomo. Mas

como é autónomo? Aí é que a porca… Portanto, eu não lhe posso dar

soluções, não devo. (como pode ser de alguma forma livre?) exactamente, não

sendo livre. Aí é que é difícil.

...acerca da condição fractal do exercício de treino. Tudo isso é verdade, e o Professor Guilherme já se debruçou sobre isso.

O que a mim me custa é falar primeiro dos fractais e depois do jogo. Acho que

primeiro devemos falar no jogo, nos princípios, quais são… e depois, na

intenção da aquisição disso… (complexidade do jogo), de facto o jogo pode ser

entendido como uma realidade decomponível, mas tem que ser representativo

do que está, ou seja, aquela parte que fragmentamos tem que ter em si um

cordão umbilical do todo, e nesse sentido tem homotetia interna, tem auto-

semelhança, tem fractalização. Tudo isso é verdade, mas acho que … (o

exercício de treino não poderá fugir disso) Não, os exercícios têm que ser

esses. Até pode dizer mais, o treino só é específico se tiver uma

sustentabilidade fractal. Isso é verdade, mas eu primeiro tenho de explicar o

que é isso da geometria fractal, porque senão andamos com slogans. E partir

do jogo sim, podemos fazer isso.

...relativamente ao conhecimento declarativo e ao conhecimento processual.

Não sei se é isso que se pretende. O jogador pode não saber expressar-

se verbalmente, e ser o melhor jogador que se tem porque entendeu bem isso.

Há uma coisa que é entendimento do jogo que até cronistas e jornalistas têm.

Outra coisa é inteligência de jogo, é uma coisa que só tem quem faz. E há

gajos que têm inteligência de jogo, que não expressam através da linguagem,

Anexo II

XVII

que é outra forma de expressão que não a motora, o entendimento que têm do

jogo. E há gajos que através da sua razão, da sua capacidade intelectual,

conseguem falar sobre o jogo, mas sem ter inteligência nenhuma de jogo. (o

treinador explicar..) ao treinador cabe mais essa tarefa (verbalizar)…

(conhecimento processual) Mas o processual é só em baixo? O processual

também não implica a cabeça? O processo é uma coisa que acontece com

tudo. …… as pessoas deviam banir esse tipo de linguagem. Eu chamo-lhe

assim, um saber fazer, sabe fazer. E há a possibilidade de se saber sobre esse

saber fazer, mas o saber sobre o saber fazer expressa-se de mais de que um

modo. Através da linguagem ou através do entender mesmo. E não é por essa

razão que é declarativo e o outro é processual. Porque o processual é que

pode não estar pleno na realização, no acto, e não estar pleno em cima, mas é

processual na mesma. Isto, se estamos a falar de jogadores.

...em relação à gestão do instante e à vivenciação de variadíssimos contextos de exercitação por parte dos jogadores.

Pode, é isso que tem de proporcionar. Mas esses variadíssimos não

podem ser utilizados assim, porque se está a sujeitar o seu raciocínio à

Periodização Táctica não pode utilizar isso, porque eles não podem ser

variadíssimos. Se não, são variadíssimos em relação a todas as formas de

jogar. Não, é mentira. São variadíssimos em relação a uma forma de jogar, que

é aquela pela qual você tem de optar. A sua forma de jogar é rica ou não é rica.

O contexto é um, é o contexto que afere a sua especificidade. Portanto, pode é

ter menos complexidade no contexto e mais complexidade no contexto. Agora,

não são variadíssimos contextos. Se não, baralhamos tudo, porque o contexto

de outro treinador, que pensa o jogo de outra maneira, e está a submeter-se à

Periodização Táctica, é um contexto diferente. O contexto de jogo é interferido

em função da resposta que tem que dar, ou deve dar, às contrariedades que

vai enfrentar com as equipas que se movem noutro campo, o lado estratégico,

mas sem beliscar a permanência, e a presença, ou a omnipresença, do seu

contexto balizador. (nunca adaptar em função da equipa adversária) É bom que

Anexo II

XVIII

não se faça. A estratégia devia ser isso, são pormenores de

complementaridade. Aí é que vai interferir nos sub- sub-, mas ao interferir nos

sub- sub- … Imagine que tem um defesa-esquerdo da equipa adversária que

fecha mal por dentro e você tem dois extremos, um joga melhor por dentro,

então opta por utilizar esse…. A articulação dos grandes princípios dos subs-

passa a fazer-se de maneira diferente, então passam a existir sub- sub-, em

função de quê? Das particularidades, das características de determinado

jogador, da relação que ele vai ter com os outros e sem perda de coerência da

própria equipa, e daquilo que você privilegiou como existente e sendo uma

debilidade da equipa adversária.