A REVISÃO DOS CONTRATOS CÍVEIS E DE CONSUMO … · “Para uma caminhada de muitas léguas é...

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1 HELOÍSA CAMARGO DE LACERDA A REVISÃO DOS CONTRATOS CÍVEIS E DE CONSUMO COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO SUSTENTÁVEL CURITIBA 2009

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HELOÍSA CAMARGO DE LACERDA

A REVISÃO DOS CONTRATOS CÍVEIS E DE CONSUMO COMO IN STRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO SUSTENTÁVEL

CURITIBA 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO ECONÔMICO E SOCIOAMBIENTAL

A REVISÃO DOS CONTRATOS CÍVEIS E DE CONSUMO COMO IN STRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO SUSTENTÁVEL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Econômico e Socioambiental, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Carlos Efing, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

CURITIBA 2009

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HELOÍSA CAMARGO DE LACERDA A REVISÃO DOS CONTRATOS CÍVEIS E DE CONSUMO COMO IN STRUMENTO

DE DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO SUSTENTÁVEL Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Econômico e Socioambiental, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Aprovada pela comissão examinadora abaixa assinada. COMISSÃO EXAMINADORA:

__________________________________ Prof. Dr. Antônio Carlos Efing

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

__________________________________ Prof.ª Dr.ª Claudia Maria Barbosa

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

__________________________________ Prof. Dr. Carlyle Popp

UNICURITIBA

Curitiba, 17 de novembro de 2009.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação ao meu pai, Francisco, à minha mãe, Lis Maria e à memória de meus avôs, Francisco Brito de Lacerda e Wilson Luis de Camargo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus. Agradeço ao meu pai, à minha mãe e à minha irmã, pelo apoio e amor incondicionais. Vocês são a fonte da minha força e eterna gratidão. Agradeço ao meu amado, Marlus, pela presença, companheirismo, incentivo e amor, dedicados em todos os momentos. Agradeço ao meu orientador, Professor Doutor Antônio Carlos Efing, pela oportunidade e pelo fundamental arrimo intelectual. Agradeço ao PPGD da PUCPR, na pessoa de seus integrantes, por tornarem possível a realização deste trabalho.

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“Para uma caminhada de muitas léguas é preciso sempre dar o primeiro passo.” Provérbio Chinês.

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RESUMO: A presente dissertação tem como objetivo analisar a revisão dos contratos de consumo e cíveis como instrumentos de desenvolvimento socioeconômico sustentável. Para tanto, inicialmente foram abordadas as linhas conceituais dos contratos em sua evolução histórica. Em seguida, verificou-se a forma como se opera a revisão no âmbito cível e de consumo, observando os conceitos, surgimento e requisitos de aplicação. Ato contínuo, foram enfrentadas duas questões polêmicas na revisão dos contratos. Polêmicas porque dificultaram ou dificultam a incidência da revisão em maior escala. A saber, a contrariedade com o pacta sunt servanda e a imprecisão dos requisitos de aplicação, decorrente da imprecisão da norma e da textura aberta da linguagem. Neste ponto, procurou-se demonstrar que não há contrariedade entre a revisão e o pacta sunt servanda, bem como, elaborar uma moldura interpretativa dos termos que envolvem a norma de revisão. Por fim, discute-se a importância da revisão como instrumento de desenvolvimento social e econômico de médio e longo prazo. Neste aspecto, ressalta-se que a revisão contratual opera benefícios econômicos, na medida em que possibilita a continuidade das relações contratuais e evita onerosidades às partes. No âmbito social, ressalta-se que a revisão é um relevante instrumento de desenvolvimento, vez que sua incidência efetiva uma gama de direitos e valores constitucionais, sem os quais o desenvolvimento nacional pleno seria impensável. Assim, a pesquisa propõe-se a contribuir para a melhor compreensão dos instrumentos de revisão, bem como, para sua crescente incidência.

PALAVRAS-CHAVE: Revisão – Contratos – Desenvolvimento.

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ABSTRACT: The present dissertation has the aim to study the revision of the contracts of consumption and civil like instruments of sustainable social and economical development. For so much, initially we will board the conceptual lines of the contracts in his historical evolution. Next, we will check the form how the revision takes place in the civil extent and of consumption, observing the concepts, appearance and requisites of application. Continuous act, we will face two questions that we think controversial in the revision of the contracts. Controversies because they made difficult or they make difficult the incidence of the revision in bigger scale. To knowledge, they are the adversity with the pacta sunt servanda and the imprecision of the requisites of application, resulting from the imprecision of the standard and from the open texture of the language. In this point, we will try to demonstrate that there is no adversity between the revision and the pacta sunt servanda and will aim to prepare an interpretative frame of the terms that wrap the standard of revision. Finally, we will try to demonstrate that the revision is an important instrument of social and economical development of middle and long term. In this aspect, we will emphasize that the contractual revision operates economical benefits, in so far as make possible the continuity of the contractual relations and it avoids onerous to the parts. In the social extent, we will check that the revision is a relevant instrument of development, time that his incidence brings into effect a scale of rights and constitutional values, without which the national full development would be unthinkable. So, we will conclude waiting to have contributed to the best understanding of the instruments of revision, as well as, to have contributed to his growing incidence.

KEY WORDS:

Revision – Contracts - Development

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................... .................................................. 11 1. CONTRATOS ....................................... ................................................. 16

1.1 Panorama histórico do conceito de contrato .............................................16 1.1.1 Contrato no Estado Liberal ...................................................................17 1.1.1.1 Princípios .............................................................................................18

1.1.1.1.1 Autonomia privada ...................................................................19 1.1.1.1.2 Pacta sunt servanda ................................................................20

1.1.1.2 O declínio do conceito clássico.....................................................21 1.1.1.2.1 Dirigismo contratual .................................................................22

1.1.2 Contrato no Estado Social ....................................................................23 1.1.2.1 Princípios .........................................................................................24

1.1.3 Contrato Contemporâneo......................................................................25 1.1.3.1 Princípios .........................................................................................28

1.1.3.1.1 Função social do contrato .......................................................28 1.1.3.1.2 Boa-fé ........................................................................................30 1.3.3.1.3 A relação entre os princípios tradicionais e os contemporâneos .......................................................................................33

1.2 Conceito contemporâneo de contrato civil ................................................34 1.3 Contrato de consumo ...................................................................................37

1.3.1 Princípios do Código de Defesa do Consumidor ...............................37 1.3.2 Conceito de Contrato de Consumo......................................................39

1.3.2.1 Princípios .........................................................................................43 1.3.2.2 Diálogo das Fontes .........................................................................45

2. A REVISÃO NO DIREITO CONTRATUAL CONTEMPORÂNEO ... ........... 50 2.1 O objetivo da teoria revisionista .................................................................50 2.2 Breves contornos de direito comparado ....................................................52 2.3 A revisão no âmbito do Direito Civil ...........................................................54 2.3.1 “Rebus sic santibus” .................................................................................54

2.3.1.1 Conceito ...........................................................................................54 2.3.1.2 Princípio ou cláusula? ....................................................................56 2.3.1.3 Surgimento.......................................................................................57

2.3.2 Teoria da Imprevisão.............................................................................59 2.3.2.1 Conceito ...........................................................................................59 2.3.2.2 Surgimento.......................................................................................61 2.3.2.3 Requisitos de aplicação .................................................................62

2.3.2.3.1 Momento da ocorrência ...........................................................63 2.3.2.3.2 Alteração das circunstâncias ..................................................63 2.3.2.3.3 Onerosidade excessiva ...........................................................64 2.3.2.3.4 Imprevisão.................................................................................65

2.3.2.4 Efeitos ..............................................................................................67 2.4 A revisão no âmbito do Direito do Consumidor ........................................68

2.4.1. Teoria da onerosidade excessiva .......................................................68 2.4.1.1 Conceito ...........................................................................................68 2.4.1.2 Surgimento.......................................................................................70 2.4.1.3 Requisitos de aplicação .................................................................71

2.4.1.3.1 Validade da cláusula................................................................71 2.4.1.3.2 Superveniência .........................................................................72 2.4.1.3.3 Onerosidade Excessiva ...........................................................72

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2.4.1.4 Efeito ................................................................................................73 2.5 As diferenças entre o “rebus sic stantibus” e a teoria da imprevisão ....74 2.6 As diferenças entre o “rebus sic stantibus” e a teoria da onerosidade excessiva..............................................................................................................75 2.7 As diferenças entre a teoria da imprevisão e a teoria da onerosidade excessiva..............................................................................................................76 2.8 O fundamento da teoria revisionista ..........................................................77

2.8.1 O papel da fundamentação...................................................................77 2.8.2 As teorias de fundamentação...............................................................78

2.8.2.1. Boa-fé Objetiva ..............................................................................85 3. QUESTÕES POLÊMICAS .............................. ........................................ 89

3.1 A contrariedade com o “pacta sunt servanda” .................................................90 3.1.1 Conceito do “pacta sunt servanda” ......................................................90 3.1.2 Surgimento do “pacta sunt servanda” .................................................92 3.1.3 Fundamento do “pacta sunt servanda” ...............................................93 3.1.4 Objetivo do “pacta sunt servanda”.............................................................94 3.1.5 Limitações do “pacta sunt servanda” ..................................................96 3.1.6 A complementaridade da teoria revisionista com o “pacta sunt servanda” ..........................................................................................................97

3.2. A imprecisão dos requisitos de aplicação ..............................................100 3.2.1 A textura aberta da linguagem ...........................................................100 3.2.2. A indeterminação da norma ..............................................................101 3.2.3. O papel da interpretação ...................................................................104

3.2.3.1. Os critérios de interpretação ......................................................106 3.2.3.1.1. Sentido literal.........................................................................106 3.2.3.1.2. Contexto significativo da lei .................................................107 3.2.3.1.3. Vontade do legislador...........................................................108 3.2.3.1.4. Teleológico-objetivo..............................................................108 3.2.3.1.5. Conforme a Constituição......................................................110 3.2.3.1.6. A inter-relação dos critérios.................................................110

3.2.4 A “moldura” da norma de revisão ......................................................110 4. INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO

SUSTENTÁVEL ........................................ ............................................... 119 4.1 Parâmetros conceituais .............................................................................119 4.2 Valores .........................................................................................................122 4.3 Instrumentos................................................................................................123

4.3.1 A revisão contratual.............................................................................124 4.3.1.1 Aspecto econômico.......................................................................124 4.3.1.2 Aspecto social ...............................................................................125

CONCLUSÃO .......................................... ................................................ 130 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................... ................................. 134

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação dedica-se ao estudo da revisão contratual no direito

brasileiro, especificamente, a operada pela teoria da imprevisão (nos

contratos cíveis) e pela teoria da onerosidade excessiva (nos contratos de

consumo), para verificar se ela contribui ou não para o desenvolvimento

socioeconômico sustentável.

Diante desta problemática, as hipóteses de resposta se dividem em

duas.

De um lado, pode se entender que a revisão não contribui para o

desenvolvimento, mas do contrário, gera prejuízos no campo econômico e

injustiças na seara social.

De outro, pode se afirmar que a revisão é um importante instrumento

de desenvolvimento, pois gera benefícios econômicos de médio e longo

prazo e possibilita a equidade e o equilíbrio nas relações sociais continuadas.

O reflexo prático decorrente dessas duas formas de resposta consiste

em possibilitar ou dificultar a incidência da revisão contratual, vez que,

obviamente, se tal instrumento gerar prejuízos e injustiças, sua aplicabilidade

restaria repugnada, enquanto que se contribuir para o desenvolvimento

socioeconômico sustentável, teria sua incidência prestigiada.

Esclarecida a problemática, suas hipóteses de resposta e a

conseqüência prática da adoção de uma ou outra resposta, resta nos

questionarmos sobre a relevância do problema apresentado.

Em outras palavras, qual a relevância de se possibilitar ou dificultar a

utilização da revisão?

Para responder a esta pergunta é preciso observar algumas

características da sociedade em que vivemos.

Vivemos em uma sociedade de mercado, movida pelo capital e,

altamente globalizada.

Podemos definir o capitalismo, como sendo um sistema em que a

dependência do mercado é extrema, o lucro dependente da diferença do que

se paga ao trabalhador e de quanto se obtêm pelo produto do trabalho e a

12

maximização de lucro1, o aumento de produtividade e a competição, são

pontos vitais para a sobrevivência econômica2.

Em tal sociedade praticamente todas as trocas e movimentações

econômicas são intermediadas por contratos, sejam eles verbais ou escritos3.

Assim, o estudo sobre os contratos e seus instrumentos assume

grande relevância não só econômica, mas também social.

Podemos perceber que o estudo dos contratos é importante, mas

porque, especificamente, o estudo da revisão contratual possui relevância?

Novamente recorrendo à observação de nossa sociedade, constatamos

que outra característica intrínseca de nosso tempo é a instabilidade

econômica e social decorrente do alto nível de globalização e

interdependência que vivenciamos4.

Neste contexto, a ocorrência de imprevisibilidades que gerem prejuízos

aos contratantes é bastante comum.5

Ademais, as desigualdades6 entre os agentes econômicos se acentuam

a cada dia, o que aumenta a ocorrência de desequilíbrios e onerosidades nos

contratos.

1 “Até o mais modesto e socialmente responsável dos capitalistas está sujeito a essas pressões e é compelido a acumular maximizando o lucro para poder continuar no negócio.” WOOD, Ellen Meiksins. O que é o (anti) capitalismo. Revista “Crítica Marxista” n. 17, ano 2003. São Paulo: Revan. p. 39. 2 ibid. p. 38-40. 3 “O direito das obrigações dá o suporte econômico da sociedade, porque é por meio dele que circulam os bens e as riquezas e escoa-se a produção. (...) Na sociedade de consumo em que vivemos, há tendência crescente de pulverização das relações obrigacionais. A todo momento, a publicidade e a propaganda estão incentivando o consumo. Da necessidade mais premente ao fator mais supérfluo, o homem está sempre consumindo e para isso estará socorrendo-se do direito das obrigações.” VENOSA, Silvo de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Ed. 8ª. Vol. 02. São Paulo: Atlas, 2008. p. 9. 4 “O período atual escapa a essa característica porque ele é, ao mesmo tempo, um período e uma crise, isto é, a presente fração do tempo histórico constitui uma verdadeira superposição entre período e crise.” SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Ed. 14ª. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 33. 5 “Observa-se que qualquer relação contratual está sujeita ao problema do risco, independente da formação ou da execução do contrato. Seja este decorrente de inadimplemento involuntário ou doloso, consubstanciados nas diversas causas imprevisíveis e alheias à vontade dos contratantes e que ocorrem ao longo do tempo da sua execução, podendo dificultar ou impedir o cumprimento do objeto contratual.” MELO, Jairo Silva. Contratos internacionais e cláusulas hardship. São Paulo: Aduaneiras, 1999. p. 79. 6 “A história do capitalismo agrário e tudo que segue mostra com clareza que, onde quer que os imperativos do mercado regulem a economia e governem a reprodução social, não há como escapar da exploração.” WOOD, Ellen Meiksins. As origens agrárias do capitalismo. Revista “Crítica Marxista” n. 10, ano 2000. São Paulo: Biotempo. p. 29.

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Em tal panorama, a discussão sobre a incidência ou não da revisão

contratual merece atenção, pois ela é o instrumento que possibilita a

correção das onerosidades excessivas e desequilíbrios supervenientes.

Sobre a acolhida ou não da revisão, de um lado podemos afirmar que,

os contratos devem refletir as características de nossa sociedade e

igualmente, devem se amoldar e adaptar ao longo do tempo, ou de outro

lado, podemos afirmar que eles devem permanecer imutáveis e exigíveis

independente das circunstâncias que os cerquem.

Importante mencionar, de antemão, que acreditamos que o contrato

deve se adaptar e amoldar ao longo de tempo, ou seja, defendemos a

incidência da revisão. Isto porque, acreditamos que ela contribui para o

desenvolvimento socioeconômico sustentável.

Ao longo desta dissertação traremos as razões e fundamentos que

embasam tal crença.

Diante desta posição surgem outros pontos a serem abordadas ao

decorrer do estudo.

Eles consistem na análise de duas questões polêmicas que envolvem o

tema. Polêmicas, porque dificultaram ou ainda dificultam, a aplicação, em

maior escala, da teoria de revisão.

A primeira é a contrariedade ou complementaridade do princípio “pacta

sunt servanda” com a teoria de revisão, já parcialmente superada pela

doutrina, mas de grande relevo histórico conceitual. A segunda é a

imprecisão e subjetividade dos requisitos de aplicação da revisão, que ainda

clama por respostas.

Diante disto, por acreditar que a revisão dos contratos é um importante

instrumento de desenvolvimento socioeconômico sustentável e assim, de

promoção da justiça social, tentaremos ao longo desta dissertação, explicitar

sua forma de incidência e enfrentar as questões polêmicas que a envolvem.

Para tanto, inicialmente abordaremos o panorama histórico dos

princípios contratuais e seu reflexo na conceituação dos contratos ao longo

do tempo, pois não há como se pensar a revisão contratual sem antes

dedicar um olhar mais atento ao instituto dos contratos.

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Culminaremos este primeiro capítulo com a observância do modelo

contemporâneo de contrato, bem como, do modelo de consumo e, das

principais diretrizes do sistema em que se insere.

Em seguida, adentraremos no estudo do princípio “rebus sic stantibus”,

da teoria da imprevisão e da teoria da onerosidade excessiva, por serem os

instrumentos da revisão no âmbito cível e de consumo pátrio.

Neste capítulo, veremos o objetivo da teoria revisionista e seu

fundamento, bem como o conceito, surgimento, os requisitos de aplicação e

os efeitos da revisão operada pela teoria da imprevisão e pela teoria da

onerosidade excessiva.

Ainda, analisaremos as diferenças existentes entre a teoria da

imprevisão, da onerosidade excessiva e o princípio rebus sic stantibus, por

subsistirem muitas confusões teóricas entre os institutos.

Passando ao capítulo seguinte, uma vez estudado o instituto

contratual em sua evolução histórica e os instrumentos de revisão no âmbito

cível e de consumo, enfrentaremos as duas questões mais polêmicas que

envolvem o tema.

Neste ponto, analisaremos inicialmente o princípio pacta sunt servanda

e sua contrariedade ou complementaridade com a teoria de revisão.

Em seguida passaremos à análise da subjetividade e imprecisão dos

requisitos de aplicação, para ao final do tópico apresentar uma “moldura”

interpretativa da norma, que oriente o aplicador e diminua a insegurança

jurídica que envolve o tema.

Por fim, no último capítulo, demonstraremos que a incidência da

revisão não gera prejuízos econômicos, mas do contrário, possibilita o

desenvolvimento econômico de médio e longo prazo, além de ser um

importante instrumento de justiça, conformação e desenvolvimento social

sustentável.

Concluiremos nosso estudo, esperando ter contribuído para a

compreensão das questões polêmicas que envolvem a revisão dos contratos,

bem como, esperando ter bem demonstrado a sua relevância

desenvolvimentista, tanto no âmbito econômico, como no social.

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E, para realizar este estudo utilizaremos o método dedutivo, que

consiste, segundo Orides Mezzaroba e Cláudia Servilha Monteiro7, na relação

lógica entre as proposições apresentadas e a conclusão obtida.

Assim, o trabalho se desenvolverá mediante apresentação das

premissas e em seguida, das conclusões logicamente delas decorrentes.

7 “O método dedutivo parte de argumentos gerais para argumentos particulares. Primeiramente, são apresentados os argumentos que se consideram verdadeiros e inquestionáveis para, em seguida, chegar a conclusões formais, já que essas conclusões ficam restritas única e exclusivamente à lógica das premissas estabelecidas. A questão fundamental da dedução está na relação lógica que deve ser estabelecida entre as proposições apresentadas, a fim de não comprometer a validade da conclusão. Aceitando as premissas como verdadeiras, as conclusões também o serão.” MEZZAROBA, Orides e MONTEIRO SERVILHA, Cláudia. Manual de metodologia da pesquisa no Direito. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 65.

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1. CONTRATOS

Para iniciarmos nosso estudo verificaremos a seguir a evolução

conceitual pela qual passaram os contratos ao longo da história, dando maior

ênfase a evolução do conceito a partir da Era Moderna.

Abordaremos, então, o conceito de contrato no modelo liberal, social e

contemporâneo, contemplando também o conceito dos contratos de consumo,

na condição de representantes do modelo contemporâneo, passando por

seus princípios e delineando seu espírito.

Isto porque, como a temática toda está inserida no âmbito contratual,

impossível seria abordar o tema e entender como a revisão contratual

contribui para o desenvolvimento socioeconômico, sem antes compreender a

evolução conceitual pela qual passaram os contratos.

1.1 Panorama histórico do conceito de contrato

Pode-se afirmar que o termo “contrato” existe desde o direito Romano

primitivo8, entretanto, os acordos (manifestações de vontade) por si não

criavam obrigações, sendo dependentes de uma série de formalidades e

solenidades para tanto.

No direito Romano, inicialmente, o contrato não era reconhecido como

uma categoria geral, mas apenas alguns contratos em particular gozavam de

relevância jurídica. Somente com Justiniano se reconhecem os contratos

inominados, aplicáveis a qualquer convenção entre partes9.

Com o declínio do império romano e o início da dominação germânica,

o contrato foi dominado pelo simbolismo. Assim, para se obrigar era

necessário todo um ritual, procedimento este que se conservou até a Alta

Idade Média10.

8 VENOSA, Silvo de Salvo. op.cit. p. 350. 9 ibid. p. 351. 10 ibid. p. 351.

17

Mais adiante, com a crescente influência da Igreja se enfatizou o

sentido obrigatório dos contratos11.

Porém, apenas com o Código Napoleônico é que o contrato ganhou

maior expressão jurídica, pelo que, estudaremos de maneira mais atenta a

evolução dos contratos a partir de tal marco.

1.1.1 Contrato no Estado Liberal

O Estado Liberal tinha como principal característica a não intervenção

do Estado e a liberdade de regulação das relações pelos particulares12, pois

marcado pelos ideais iluministas.

Vale colacionar a definição de iluminismo do pensador Immanuel Kant:

O Iluminismo é a saída do homem de sua menoridade. Ele mesmo é culpado por ela. A menoridade se assenta na incapacidade de fazer uso do próprio entendimento, sem a orientação de outro. A própria pessoa é culpada por essa menoridade, quando sua causa não está num defeito do entendimento, mas na falta de decisão e ânimo para fazer uso dele com independência. Sem o comando de outro. Sapere aude! Tenha coragem de usar seu próprio entendimento! Eis aqui a divisa do Iluminismo. 13

Percebe-se que, sob um discurso de racionalidade, a liberdade e a

igualdade (formal) foram os pilares do pensamento iluminista e, embasaram o

individualismo crescente e estimulado pela burguesia da época.

A concepção voluntarista de contrato, como sendo um acordo de

vontades, surge neste contexto, com o Código de Napoleão, o primeiro

código moderno, que deu início a era das grandes codificações, influenciando

todos os demais códigos, como o Italiano de 1865, o Português de 1867, o

Espanhol de 1889, o BGB de 1896 e o Código Civil Brasileiro de 191614.

11 VENOSA, Silvo de Salvo. op. cit. p. 351. 12 EFING, Antônio Carlos. A revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor e no novo cc. In repensando o direto do consumidor. 15 ANOS DO Código de Defesa do Consumidor (1990-2005) Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Paraná: Curitiba, 2005. p.55. 13 KANT, Immanuel. Filosofia da história. Coleção Os grandes filósofos do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 23. 14 NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A teoria contratual e o código de defesa do consumidor. V. 17. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.36.

18

As grandes codificações do século XIX traziam “a absoluta

predominância dos conceitos de propriedade privada e da liberdade quase

absoluta de contratar.”15

Assim, pode se afirmar que as codificações tinham como um dos

objetivos principais a proteção da propriedade privada.

Outra característica deste modelo era a redução do indivíduo ao status

de proprietário:

Todo bem deve ter um titular para poder intercambiar-se, um proprietário; e vice-versa, toda pessoa deve se apresentar como proprietário de algo para existir na sociedade mercantil. Por essa razão, o discurso jurídico-burguês (e o político tocante a este ponto) apresentarão a todos os homens como proprietários. Até os que nada têm são proprietários de algo: de suas mãos (LOCKE), de sua capacidade para trabalhar – que podem alienar no mercado. Em certo sentido, pois, e na medida em que os sujeitos estejam dentro do âmbito das relações mercantis, se imaginarão necessariamente, uns aos outros como iguais num aspecto particular sem deixar de perceber a desigualdade real em outros aspectos (em outros âmbitos) ‘não relevantes’ para o funcionamento do ‘lado econômico’ do sistema.16

Desta feita, pode-se conceituar contrato neste sistema liberal, como o

acordo de vontades, com força obrigatória e vinculante, com a finalidade de

circulação de riquezas17.

Uma vez delineado o espírito do Estado Liberal e o conceito de

contrato em tal modelo, veremos a seguir, os princípios que mais

influenciaram os contratos neste momento histórico.

1.1.1.1 Princípios

Percebe-se que, o conceito de contrato, foi fortemente marcado pelo

princípio da autonomia privada, da igualdade formal e da obrigatoriedade dos

acordos (pacta sunt servanda).

15 PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado. Parte especial. 2 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. t. XXXVIII, p. 39. 16 CAPELLA, Juan Ramón. Os cidadãos servos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 72. 17 VENOSA, Silvo de Salvo. op. cit. p. 348-349.

19

1.1.1.1.1 Autonomia privada

Inicialmente cabe traçar a distinção conceitual entre autonomia da

vontade e autonomia privada, por serem muitas vezes tratadas erroneamente

como sinônimos.

A autonomia da vontade consiste na liberdade individual no campo do

direito e é, por essência, subjetiva, enquanto que a autonomia privada é o

poder de regulação das relações, estabelecendo-lhes conteúdo e disciplina

jurídica, pelo que, é objetiva e concreta18.

Em outras palavras, a autonomia da vontade é a liberdade de contratar

ou não, e a autonomia privada consiste na liberdade contratual, ou seja, na

liberdade de escolher as cláusulas contratuais.

Importante colacionar o conceito doutrinário:

É o postulado econômico da livre iniciativa, ou seja, na sociedade capitalista o homem precisa ter liberdade de agir para persecução dos seus interesses particulares. Tem no contrato o meio técnico-jurídico para exercer essa liberdade, podendo estipular, como, quando e com quem lhe aprouver.19

A liberdade de estipular “quando” e “com quem” contratar decorre da

autonomia da vontade, enquanto que a escolha do “como” decorre da

autonomia privada.

A autonomia privada determina que, as partes são livres para contratar

conforme melhor lhes parecer, escolhendo seus instrumentos e cláusulas

contratuais e que, sua manifestação de vontade, desde que livre de vícios,

tais como, fraude, coação, dentre outros, deve ser respeitada.

Joaquim de Sousa Ribeiro conceitua autonomia privada como sendo

um “processo de ordenação que faculta a livre constituição e modelação de

relações jurídicas pelos sujeitos que nelas participam.” 20

18 AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 4 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 336. 19 GOMES, Orlando. Novos temas de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 103. 20 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato: as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: Livraria Almedina, 1999. p. 21.

20

Ou seja, as declarações das partes contratantes, amparadas pela

autonomia privada, fazem surgir uma vinculação quanto à regra por elas

criada.

Pode-se afirmar que a autonomia privada está fortemente ligada à idéia

de igualdade entre as partes, pois por serem livres e iguais, é que as partes

possuem autonomia para contratar e estipular suas cláusulas.

Porém, tal igualdade sempre foi formal, pois o ideal de igualdade

material jamais foi atingido21.

Por fim, é preciso atentar que, o princípio da autonomia privada, apesar

de altamente privilegiado neste período histórico, nunca foi absoluto,

encontrando suas limitações no ordenamento jurídico vigente. Nas palavras

de Anísio José de Oliveira:

O princípio ora em estudo, patente na liberdade para contratar e de contratar, não foi, no entanto, atendido e aceito como princípio absoluto em tempo algum; jamais o vetusto preceito foi concebido como uma faculdade de estipular aquilo que interessasse aos contratantes, sem que fossem contornadas as raias do bom senso e da moral dentro do ordenamento jurídico vigente. 22

Sendo assim, pode-se dizer que, a autonomia privada, encontra e

sempre encontrou, suas limitações no texto legal e nas questões ditas de

ordem pública.

1.1.1.1.2 Pacta sunt servanda

Mais adiante, estudaremos de forma mais atenta o princípio da força

obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) que merecerá tópico próprio,

pelo que, por ora, basta adiantarmos seu conceito.

O princípio da intangibilidade contratual se desdobra no princípio da

força obrigatória dos contratos e na idéia de que eles constituem lei entre as

partes.

21 “O consensualismo pressupõe igualdade de poder entre os contratantes. Esse ideal, na verdade, nunca foi atingido.” VENOSA, Silvo de Salvo. op. cit. p. 352. 22 OLIVEIRA, Anísio José de. A teoria da imprevisão nos contratos. 2 ed. São Paulo: Leud, 1991. p. 18.

21

Tais princípios estavam fortemente presentes no período liberal.

Elucidativo é o trecho doutrinário sobre a força obrigatória dos

contratos, vejamos:

O princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido. Estipulado validamente o seu conteúdo, vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória. Diz-se que é intangível para significar a irretratabilidade do acordo de vontades. Nenhuma consideração de equidade justificaria a revogação unilateral do contrato ou a alteração de suas cláusulas, o que se permite somente mediante novo concurso de vontades. O contrato importa na restrição voluntária da liberdade; cria vínculo do qual nenhuma das partes pode se desligar sob o fundamento de que a execução o arruinará ou de que não teria estabelecido se houvesse previsto a alteração radical das circunstâncias. 23

Percebe-se que o princípio da força obrigatória dos contratos consiste,

basicamente, na obrigatoriedade de cumprimento das cláusulas contratuais

livremente pactuadas.

Ademais, vale mencionar que existiam outros dois princípios que

informavam a contratação na era liberal, eram eles: a relatividade dos efeitos

(que pondera que o contrato produz efeito somente entre as partes

contratantes) e o princípio da boa-fé (que determina a intenção isenta de dolo

ou de indução da outra parte a erro ou engano – boa-fé subjetiva24).

1.1.1.2 O declínio do conceito clássico

Entretanto, esta visão liberal estava fadada ao insucesso, pois tornava

praticamente absoluto o princípio da autonomia privada sob o argumento de

uma igualdade que era apenas formal, o que gerava injustiças e

desequilíbrios sociais.

23 GOMES, Orlando. Contratos. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 36. 24 ALVIM, Pedro. O contrato de seguro. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 130.

22

Assim, a visão liberalista viria experimentar alterações diante de

questões pungentes de ordem social que começavam a se delinear:

Essa visão individualista da sociedade e do Estado, e por via de conseqüência, das relações contratuais, estava destinada a sofrer o impacto de transformações históricas da maior relevância, sobretudo em razão do vertiginoso progresso científico e tecnológico, de um lado, e do outro, de fatores ideológicos que tornaram mais aguda a questão social, gerando profundos conflitos entre o capital e o trabalho.25

A retomada do princípio da equidade foi de grande importância na

transição do Estado Liberal ao Estado Social, bem como, o crescente

dirigismo contratual.

1.1.1.2.1 Dirigismo contratual

Após as Guerras Mundiais, com a industrialização e a concentração de

capital, o mundo começa a enfrentar uma série de problemas sociais e

econômicos que clamam a intervenção Estatal para serem solucionados.

Neste cenário, ocorre a transição do Estado Liberal para o Estado

Social. Tal transição operou reflexo no conceito de contrato e trouxe a tona, o

dirigismo contratual, que é a intervenção estatal nos contratos.

Importante mencionar que a intervenção estatal também possui seus

limites. Neste sentido:

O dirigismo contratual não se dá em qualquer situação, mas apenas nas relações jurídicas consideradas como merecedoras de controle estatal para que seja mantido o desejado equilíbrio entre as partes contratantes26.

Vejamos o conceito doutrinário de dirigismo contratual:

Nascida a partir das colocações de Josserand, no início da década de 30, a expressão dirigismo contratual engloba o conjunto de técnicas jurídicas que transforma os contratos menos em uma livre construção da vontade humana do que em uma contribuição das

25 REALE, Miguel. Temas de direito positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 15. 26 BRAVO, Maria Celina e Souza, Mario Jorge Uchoa ; “O Contrato do Terceiro Milênio”; Jus Navigandi disponível em http://jusnavegandi.com.br . Acesso em fev/2009.

23

atividades humanas à arquitetura geral da economia de um país, arquitetura que o Estado de nossos dias passa, ele mesmo a definir.27

O dirigismo surge da necessidade de intervenção do Estado para evitar

ou amenizar injustiças e desigualdades e, tal intervenção pode se dar tanto

no âmbito legislativo, como no executivo ou no judiciário.

Assim, pouco a pouco a autonomia privada perde seu prestígio e cede

espaço ao dirigismo contratual.

Neste sentido, Nelson Nery Júnior28 ressalta que o individualismo cede

aos clamores de ordem pública, econômica e social, que passam a agir como

fatores limitadores da autonomia privada.

Caio Mário da Silva Pereira29 ainda arremata ensinando que o dirigismo

contratual surge da convicção de que o Estado deve intervir no contrato,

restringindo a autonomia e prestigiando o interesse coletivo.

Neste contexto, ocorre a transição do Estado Liberal e do modelo

liberal de contrato, para o Estado Social e o modelo social de contrato, no

qual paulatinamente os valores de equidade e justiça se inserem no

ordenamento jurídico.

1.1.2 Contrato no Estado Social

As mudanças sociais que marcaram o fim do modelo liberal ocorreram

após as guerras mundiais, especialmente após a Segunda Guerra Mundial,

quando diante dos problemas sociais urgentes, o individualismo cede ao

interesse social.30

Pudemos perceber que o Estado Liberal fez surgir os direitos

fundamentais de primeira geração (liberdade e propriedade). O Estado

27 GRAU, Eros Roberto. Dirigismo contratual. In FRANÇA, Limongi. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 32, p. 410. 28 NERY JR., Nelson e outros. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996. p. 286; 29 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p 18/20; 30 EFING, Antônio Carlos. 2005. op. cit. p. 56.

24

Social, por sua vez, veio assegurar os direitos fundamentais de segunda

geração (sociais).31

Assim, a autonomia privada não mais impera e os contratos passam a

ser regulados pelo Estado para atingirem seus fins sociais (dirigismo).

Surge então uma nova concepção de contrato:

A nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento de manifestação de vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha importância.32

Importante mencionar que, apesar de não ter havido no Brasil um

Estado Social propriamente dito, nossa Constituição integrou e abarcou

fortemente seus princípios e vetores.

Vejamos agora os princípios que passam a orientar esse novo modelo

contratual.

1.1.2.1 Princípios

Neste momento, vê-se um declínio do pacta sunt servanda e do

conceito liberal de autonomia privada e, por outro lado um aumento no

prestígio de institutos de flexibilização, como forma de garantir o interesse

social e a comutatividade contratual.

Surge o princípio da função social do contrato, decorrente dos direitos

sociais (segunda geração).

Os anseios da coletividade começam a ser levados em conta e os

valores sociais são gradualmente incorporados ao sistema jurídico.

Vale mencionar que o conceito de função social no Estado Social

possuía intuito de alcance de justiça nas relações e ainda não era tão bem

elaborado como no modelo contemporâneo.

31 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Contrato e mudança social. Revista Forense n o. 722, Rio de Janeiro: Forense, p. 42. 32 MARQUES, Cláudia Lima.Contratos no código de defesa do consumidor. 5ª ed. rev. atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 101.

25

Juntamente com o princípio da função social e com o ideário de

persecução da justiça, o elemento moral passa a ter grande relevância:

Contra o princípio da autonomia da vontade ela cria a necessidade para as partes de respeitar a lei moral, a proteção necessária devida ao contratante que se acha em estado de inferioridade e que é explorado pela outra parte; ela ensina que a justiça deve reinar no contrato e que a desigualdade das prestações pode ser reveladora da exploração dos fracos; lança a dúvida sobre os acordos que são a expressão duma vontade demasiado poderosa dominando uma vontade enfraquecida.33

O espírito contratual ganha nova base de princípios, na qual o

interesse privado deve ser limitado pelo interesse coletivo ou social34.

Além da função social, do interesse coletivo, da justiça e da moral,

outro princípio que se verifica no modelo contratual do Estado Social é o

princípio da solidariedade35.

Isto porque, no Estado Social, a pobreza deixa de ser um problema

individual e passa a ser uma responsabilidade de todos36.

1.1.3 Contrato Contemporâneo

Dando seqüência em nossa breve evolução histórica, após verificarmos

o conceito de contrato no Estado Liberal, seus princípios e origens históricas,

bem como, no Estado Social, partimos agora para análise do modelo

contemporâneo de contratos.

33 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Bookseller, 2000. p. 24. 34 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,1998. p. 544. 35 “Podemos dizer que, descontadas algumas manifestações constantes, primeiro, da declaração de direitos da (rejeitada) constituição girondina e depois, da declaração de direitos da constituição jacobina, em que as exigências da solidariedade se apresentavam já claramente afirmadas, a idéia da solidariedade apenas vai ser (re) descoberta no dobrar do século XIX para o século XX, através duma espécie de frente comum formada sobretudo por teóricos franceses, em que encontramos economistas como Charles Gide, sociólogos como Émile Durkeim e juristas como Léon Duguit, Maurice Hauriou e Georges Gurvitch.” NABAIS, José Casalta.Solidariedade social, cidadania e direito fiscal. In: Solidariedade social e tributação. Coord. GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. São Paulo: Dialética, 2005, p. 110-140. p.114. 36 “Podemos dizer que foi este tipo de solidariedade a que foi convocada para a resolução da chamada questão social, quando a pobreza deixou de ser um problema individual e se converteu num problema social a exigir intervenção política.” NABAIS, José Casalta.op. cit. p. 115.

26

No modelo contemporâneo o que se observa no meio jurídico é um

grande movimento de constitucionalização e de ênfase aos direitos

fundamentais. Esse movimento surge com a descodificação em contrapartida

às grandes codificações observadas na Era Liberal.

Sobre a descodificação vale transcrever o elucidativo trecho

doutrinário:

Por muito tempo se acreditou na ilusão codificadora, mas neste século, tal ilusão caiu por terra. Sob o influxo das experiências vividas em outros sistemas jurídicos, em especial o da common law, a questão da rígida fidelidade á lei e aos vínculos conceituais típicos ao modelo de interpretação axiomática, é afastada, permitindo-se hoje a admissão, também nos sistemas jurídicos integrantes da ‘família’ romano-germânica, da possibilidade da aplicação judicial do Direito por via da concreção. 37

Pode se afirmar que especialmente o âmbito privado vem sentindo

essa descodificação e conseqüente constitucionalização, donde surgiu o

conceito de direito civil constitucional.

Flávio Tartuce38 aponta que o termo “direito civil constitucional” é uma

harmonização de pontos comuns entre o direito público e o privado, que se

fez necessária diante das transformações sociais.

Como conseqüência disto tem-se uma crescente de importância dos

princípios39 na ordem jurídica.

Vários são os doutrinadores que ressaltam a importância que os

princípios assumiram no modelo contemporâneo:

(...) cânones que não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que não estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico. Observa Jeanneau que os princípios não têm existência própria, estão ínsitos no sistema, mas é o juiz que, ao descobri-los, lhes dá força e vida. Esses princípios, que servem de base para preencher lacunas não podem opor-se às disposições do ordenamento jurídico, pois devem fundar-se na natureza do sistema

37 MARTINS-COSTA, Judith. As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico. In Revista de Informação Legislativa. Brasília: Sub-secretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, 1991, p. 24. 38 TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos. São Paulo: Método, 2005, p. 64 39 “orientação que informa o conteúdo de um conjunto de normas jurídicas, que tem de ser tomado em consideração pelo intérprete, mas que pode, em alguns casos, ter direta aplicação. Os princípios extraem-se das fontes e dos preceitos através da construção científica e servem, por sua vez, de orientação ao legislador na definição de novos regimes.” PRATA, Ana. Dicionário Jurídico. Coimbra: Almedina, 1995, p. 764.

27

jurídico, que deve apresentar-se como um ‘organismo’ lógico, capaz de conter uma solução segura para o caso duvidoso.40

Nesta esteira surgem também as chamadas cláusulas gerais41 que

tanto definem parâmetros interpretativos, como são instrumentos de

efetivação de princípios.

Observamos ainda a queda do individualismo, com a crescente visão

social das relações, iniciada no Estado Social e reafirmada no modelo

contemporâneo.42

Outros fatores importantes para entendermos o modelo contemporâneo

são: o aumento das desigualdades econômicas e sociais, advindo de uma

alta concentração do capital; e, a massificação das relações e dos contratos

devido ao surgimento dos contratos de adesão43.

Diante deste contexto, o conceito de contrato se modifica:

O contrato atual não é um assunto individual, mas que tem passado a ser uma instituição social que não afeta somente os interesses dos contratantes. À sociedade, representada pelo Estado e outras entidades soberanas, atribui-se o controle de uma parte essencial do Direito Contratual. À sociedade interessa que existam bons contratantes, que ajam bem, socialmente, e isso cria um novo espírito contratual que pode ser denominado ‘princípio de sociabilidade’. Sobre essa base, impõem-se obrigações aos contratantes. 44

Por fim, o que se conclui é que na teoria contratual contemporânea,

tendo em vista a constitucionalização do direito privado, se eleva ao grau

40 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil interpretada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 123. 41 “Configurado um possível impasse entre princípio que representa um valor socialmente amadurecido e que está a pedir não só reconhecimento, mas efetivação na ordem social, e um ordenamento jurídico dotado de normas pontuais, que na sua estruturação sob o prisma rígido da reserva legal não contempla a possibilidade de aplicação de valores-princípios, soltos nos anseios da sociedade, surgiram as cláusulas gerais, elementos de conexão entre os valores reclamados e o sistema codificado, propondo-se a efetuar o elo de ligação para a introdução desses valores no ordenamento, sem ruptura da ordem positivada, sem quebra do sistema.” JORGE JÚNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 40. 42 MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 144. 43 “a) adesão em bloco: a adesão se faz a todo um conjunto de condições e estipulações predispostas; b) vontade sem discussão: a adesão constitui uma verdadeira declaração de vontade sem discussão alguma, a liberdade do contratante fica restrita à possibilidade de contratar ou não.” MANDELBAUM, Renata. Contratos de adesão e contratos de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 153. 44 LORENZETTI, Ricardo Luis. op. cit. p. 551.

28

máximo princípios como o da boa-fé e a cláusula geral da função social, na

formação, execução e interpretação dos acordos de vontades.

1.1.3.1 Princípios

Os principais princípios aplicáveis aos contratos contemporâneos são a

boa-fé e a cláusula geral da função social do contrato.

Silvio de Salvo Venosa ensina que a menção do Código Civil à função

social do contrato e à boa-fé, abre uma nova perspectiva na ordem

contratual, com a moderna aplicação de tais princípios45.

Entretanto, isso não significa que a autonomia da vontade e o princípio

da força obrigatória dos contratos não possuem mais relevância, do contrário,

constituem a ordem contratual basilar, porém devem ser interpretados e

aplicados de forma sopesada, tendo em vista a função social, a equidade e a

boa-fé46.

Assim, focaremos os próximos dois tópicos na análise do princípio da

boa-fé e da cláusula geral da função social do contrato - não por serem os

únicos a orientar a contratação contemporânea - mas por serem os mais

prestigiados na atual ordem contratual, em consonância com o espírito

constitucional e, diante de sua elevada importância social.

1.1.3.1.1 Função social do contrato

Inicialmente é preciso ressaltar que a função social está presente em

todos os aspectos jurídicos, pois não há como se separar direito e

sociedade47, além disso, na ordem jurídica atual é impensável o individual

sem a baliza e os contornos do social.

45 VENOSA, Silvo de Salvo. op. cit. p. 353. 46 Ibid. p. 359-360. 47 CORDEIRO, Eros Belin de Moura. Da Revisão dos Contratos.Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.199.

29

Especificamente com relação à função social do contrato, pode se

afirmar que este sempre teve sua função social, entendida como uma função

na sociedade, não sendo uma novidade trazida pelo Código Civil de 2002 ou

pelo Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, o conteúdo desta função

social, veio se alterando ao longo dos tempos, de forma qualitativa, vez que

inicialmente detinha viés puramente econômico48.

Assim, atualmente a função social do contrato é a função coletiva do

contrato, ou melhor, é o dever das partes de atentar não só aos interesses

individuais, mas aos interesses coletivos e se aproxima da noção de justiça.

Isto porque, não há como separar o contrato da sociedade em que se

insere e, assim, de sua função social. Vejamos:

“contrato deve ser visto como um instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade, onde encontra a sua razão de ser e de onde extrai a sua força, pois o contrato pressupõe a ordem estatal para lhe dar eficácia”.49

Vale ressaltar que a função social do contrato vem estipulada em nosso

ordenamento na forma de cláusula geral, o que não faz com que seja mera

recomendação, mas do contrário, é norma jurídica a ser obrigatoriamente

observada, conforme lição de Eugênio Facchini Neto50.

Isto porque, a função social do contrato é um instrumento de realização

das diretrizes constitucionais.

Como compromisso social exposto no texto constitucional, a função social do contrato deixou de ser essencialmente individualista e econômica para ter um cunho coletivo e existencial. Desse modo, a função social do contrato, da mesma maneira que a da propriedade, se transforma em um instrumento de realização do projeto constitucional.51

Humberto Theodoro Júnior52 ensina que a função social possui um viés

intrínseco no qual impõe a observância pelas partes dos princípios

48 CORDEIRO, Eros Belin de Moura. op. cit. p.200. 49 AGUIAR JUNIOR, Rui Rosado. Projeto do Código Civil: as obrigações e os contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 19. 50 FACCHINI NETO, Eugênio. A função social do direito privado. In Revista da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, v. 43, n. 105, ano XXXIV. Porto Alegre: AJURIS, março de 2007, p. 159-160. 51 CORDEIRO, Eros Belin de Moura. id. p.201. 52 JUNIOR, Humberto Theodoro. O Contrato e sua Função Social. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 44-45.

30

consectários da boa-fé objetiva e da equidade e, um viés extrínseco sob o

qual o contrato rompe com o princípio clássico da relatividade e passa a

ocupar-se de seus reflexos nas relações sociais.

No aspecto extrínseco “Ofende-se a função social quando os efeitos

externos do contrato prejudicam injustamente os interesses da comunidade

ou de estranhos ao vínculo negocial.”53

Traçando um breve paralelo entre o ensinamento acima e a revisão

contratual, pode-se afirmar que não rever um contrato excessivamente

oneroso para uma das partes - tendo em vista que este desequilíbrio pode

gerar abuso de poder econômico - necessariamente prejudica os interesses

do corpo social que, anseia por relações equilibradas e equânimes.

Diante do exposto, conclui-se que a função social do contrato,

decorrente da noção humanitária e solidária determinada pela Constituição

Federal, determina aos particulares o respeito não só aos interesses

individuais, mas aos interesses coletivos54.

1.1.3.1.2 Boa-fé

Quando falamos de boa-fé é necessário atentar que a boa-fé se

manifesta na forma subjetiva e na forma objetiva.

No aspecto subjetivo, a boa-fé significa a intenção do sujeito em agir

em conformidade com a lei e com o ajustado. Assim, dependerá da difícil

análise do íntimo e da psique do indivíduo em questão.

A expressão boa-fé subjetiva denota o estado de consciência, ou convencimento individual de obrar [a parte] em conformidade ao direito [sendo] aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se subjetiva justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção.55

53 JUNIOR, Humberto Theodoro. op.cit. p. 51. 54 CORDEIRO, Eros Belin de Moura. op. cit. p. 203-204. 55 COSTA, Judith Martins. A Boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 411.

31

Importante mencionar, que a boa-fé em seu viés subjetivo, existe no

panorama contratual desde a época liberal.

Já a boa-fé em sua roupagem objetiva é um modelo determinado de

conduta social ao qual deve se adequar o sujeito da relação jurídica.

A boa-fé objetiva impõe, assim, normas objetivas de comportamento.

Vale a transcrição de trecho elucidativo:

Como se vê, a boa-fé é tanto forma de conduta como norma de comportamento, numa correlação objetiva entre meios e fins, como exigência a adequada e fiel execução do que tenha sido acordado pelas partes, o que significa que a intenção destas só pode ser endereçada ao objetivo a ser alcançado, tal como este se acha definitivamente configurado nos documentos que o legitimam. Poder-se-ia concluir afirmando que a boa-fé representa o superamento normativo, e como tal imperativo, daquilo que no plano psicológico se põe com intentio leal e sincera, essencial à juridicidade do pactuado.56

Percebe-se que, enquanto a boa-fé subjetiva é uma condição

psicológica, a boa-fé objetiva é um modelo de comportamento ou conduta a

ser seguido.

Porém, tal modelo de comportamento não pode ser previamente e

taxativamente elencado, pois dependerá das nuances do caso concreto, o

que não faz com que perca sua força normativa ou com que dependa de

divergentes valores morais para ser definida, pois o modelo de

comportamento deverá ser determinado de acordo com as normas vigentes

do ordenamento57.

Conforme ensina Judith Martins-Costa58 a boa-fé objetiva possui três

funções distintas, a primeira, como norte para interpretação do contrato, a

segunda como norma criadora de deveres e a terceira, enquanto norma de

limitação de exercício de direitos subjetivos.

A mesma autora esclarece a função hermenêutica da boa-fé objetiva,

vale transcrever:

Os passos essenciais à plena realização desta técnica hermenêutica se iniciam com a constatação de que, na

56 REALE, Miguel. Estudos preliminares do Código Civil. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 77. 57 COSTA, Judith Martins. op. cit. p. 412-413. 58 Ibid. p.428.

32

interpretação das normas contratuais, deve cuidar o juiz de considerá-las como um conjunto significativo, partindo, para tal escopo, do complexo contratual concretamente presente – o complexo de direitos e deveres instrumentalmente postos para a consecução de certa finalidade e da função social que lhes é acometida.59

E mais adiante arremata:

A boa-fé objetiva é mais do que apelo à ética, é noção técnico-operativa que se especifica, no campo de função ora examinado, como o dever do juiz de tornar concreto o mandamento de respeito à recíproca confiança incumbente às partes contratantes, por forma a não permitir que o contrato atinja finalidade oposta ou divergente daquela para qual foi criado.60

A segunda função da boa-fé objetiva, conforme dito acima é, a de

criação de deveres.

Nesta seara, cumpre mencionar que existem três categorias básicas de

deveres colacionadas pela doutrina. A primeira composta pelos deveres

principais que são o núcleo da relação obrigacional, a segunda pelos deveres

secundários que são aqueles sem os quais o núcleo obrigacional não se

cumpre e, a terceira composta pelos deveres instrumentais61.

Os deveres instrumentais podem surgir de cláusulas contratuais, de

dispositivos de lei ad hoc, ou da incidência da boa-fé objetiva, sendo os

deveres de cooperação e proteção de recíprocos interesses, referindo-se à

satisfação dos interesses globais envolvidos, dada a relação de objetiva

confiança existente62.

Cláudia Lima Marques explicita como deveres anexos ou instrumentais,

o dever de informar, o dever de lealdade, o dever de cooperação, dever de

cuidado e o dever de renegociar para manter o equilíbrio contratual. Vejamos:

Cooperar aqui é submeter-se às modificações necessárias à manutenção do vínculo e à realização do objetivo comum e do contrato. (...) Será dever contratual anexo, cumprido na medida do exigível e do razoável para a manutenção do equilíbrio contratual, para evitar a ruína de uma das partes e para evitar a frustração do contrato: o reflexo será a adaptação bilateral e cooperativa das condições do contrato. Note-se que ao requerer

59 COSTA, Judith Martins. op. cit. p.430. 60 Ibid. p.437. 61 Ibid. p.437. 62 Ibid. p.438.

33

a renegociação de boa-fé para evitar a sua ruína, o consumidor pode ou não estar inadimplente (...).63

Por fim, a boa-fé objetiva possui uma terceira função, a de limitar o

exercício de direitos subjetivos, sendo assim “Apresenta-se a boa-fé como

norma que não admite condutas que contrariem o mandamento de agir com

lealdade e correção, pois só assim se estará a atingir a função social que lhe

é cometida.”64

Desta feita, diante das funções da boa-fé objetiva, pode se afirmar que

ela consiste, conforme Cláudia Lima Marques65 em uma atuação pensando no

parceiro contratual, respeitando seus interesses e expectativas, agindo com

lealdade, sem causar lesão ou onerosidade excessiva.

Derradeiro, é importante ter em mente que a boa-fé objetiva é um dos

mais relevantes e revolucionários, princípios contratuais contemporâneos,

pois consolida a atenção, de forma concreta, para deveres morais e sociais,

nas relações entre as partes.

1.3.3.1.3 A relação entre os princípios tradicionai s e os contemporâneos

Nos tópicos anteriores discorremos acerca da conceituação de contrato

no modelo liberal e social, bem como, dedicamos nossa atenção aos

princípios prevalentes em cada época, culminando nos contemporâneos.

Surge então a dúvida sobre como dialogam e se, dialogam entre si, os

princípios prevalentes em cada momento histórico.

Como vimos ao longo desta dissertação, o modelo contemporâneo de

contratos é fortemente influenciado pelo princípio da boa-fé objetiva e pela

cláusula geral da função social.

Tais mandamentos visam efetivar direitos fundamentais como o da

igualdade (material), da liberdade, da dignidade, da proteção aos

consumidores, dentre outros, pelo que, merecem ampla atenção e acolhida66.

63 MARQUES, Cláudia Lima. op. cit. p. 236-237. 64 COSTA, Judith Martins. op. cit. p.457. 65 MARQUES, Cláudia Lima. ibid. p. 216. 66 MARQUES, Cláudia Lima. ibid. p. 255-267.

34

Certamente, o tão almejado desenvolvimento sócio-econômico,

depende da efetivação dos direitos fundamentais e do respeito e prestígio de

todos os dispositivos constitucionais.

Já os princípios em relevo no modelo liberal eram a autonomia privada

e a força obrigatória dos contratos.

Tais princípios ainda exercem importante papel na teoria contratual,

pois garantem um campo de liberdade de escolha aos particulares e,

asseguram que os contratos devem ser observados e cumpridos.

Assim, é preciso compreender que os princípios tradicionais e os

contemporâneos, não são contrários entre si, mas complementares e, devem

ser encarados como dois lados de uma mesma moeda, a moeda do

desenvolvimento.

Desta feita, na aplicação dos princípios contemporâneos o que se faz é

uma ponderação e uma harmonização dos princípios tradicionais, mas jamais

se exclui um em nome de outro.

1.2 Conceito contemporâneo de contrato civil

Pode-se dizer que, o contrato no direito pátrio é o instrumento que

viabiliza o comércio e as trocas em geral, no qual duas ou mais pessoas

jurídicas ou físicas, se unem em nome de um determinado fim econômico,

firmando obrigações, transferindo propriedades, constituindo demais direitos

reais ou de serviços.

O termo contrato pode ser conceituado em linhas gerais, segundo Caio

Mário da Silva Pereira, como “O acordo de vontades com a finalidade de

produzir efeitos jurídicos.” 67

Anísio José de Oliveira, ao tratar o tema, ressalta a dificuldade de

conceituação do termo contrato devido à sua significação extensa. Feita essa

consideração inicial com a qual concordamos, o autor apresenta seu conceito

de contrato, vejamos:

67 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 2.

35

Em assim sendo, conceituamos o CONTRATO como aquela modalidade de ato jurídico que provém de uma fusão de duas vontades com o propósito de regular as relações jurídicas de caráter tipicamente patrimonial. 68

Acreditamos que as formas de conceituar apresentadas acima, apesar

de elucidativas, são limitadas, pois abrangem somente o elemento da

vontade das partes e de conteúdo econômico.

Por sua vez, Joaquim de Sousa Ribeiro69 apresenta três diferentes

enfoques da noção de contrato.

O primeiro enfoque é no plano da relação entre as partes, o segundo

enfoque é quanto à sua integração na ordem econômica e social, e o terceiro,

quanto à sua inserção na ordem jurídica global.

Ressalta Joaquim de Sousa Ribeiro que, a despeito da necessidade de

interação entre os três planos, o mais estudado deles, é o do “modelo de

consenso”70 (o qual encontra-se no plano da relação entre as partes), que

analisa o processo de conclusão do contrato e as manifestações de vontade

que lhe deram origem.

O mencionado autor aponta que, uma visão sobre a perspectiva

funcional do contrato, como um mecanismo de conformação de relações

sociais, além da mera visão sob o plano da relação entre as partes, faz-se

imperiosa na análise desse instituto.

Vale aqui citar um trecho de sua obra:

As declarações de vontade não são o contrato, mas apenas uma componente de sua complexa estrutura normativa, que integra, num todo orgânico e unitário, “elementos não consensuais”, fontes de vinculação que não promanam ex voluntate, mas da acção performativa dos contextos situacionais em que a relação se estabelece e desenrola. 71

Concordamos com o autor no sentido de que o contrato não se resume

às declarações de vontade, vez que, não seria adequado conceituá-lo

ignorando o contexto jurídico, econômico e social em que está inserido.

68 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 3. 69 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. op. cit. p. 11. 70 Ibid. p. 13. 71 Ibid. p. 15-16.

36

Por fim, Joaquim de Sousa Ribeiro apresenta seu conceito de contrato,

segundo sua visão tripartida: “Ocupar-nos-emos da relação do contrato, como

sistema inter-pessoal de coordenação, com os sistemas supra-individuais que

nele interferem.” 72, ou seja, o autor aborda a relação contratual de forma

mais ampla do que na visão inter-pessoal, ou inter-partes, que é baseada

somente na manifestação de vontade das partes.

Neste mesmo sentido temos Anísio José de Oliveira, que após

apresentar sua definição de contrato, pondera:

Rematando, acentuaríamos que o contrato não se limita ao estreme encontro de duas vontades, cada uma a procura de sua peculiar conveniência e que assim se dirigem em sentidos contrários, e muito menos o contrato estipula tão somente o instante em que estas vontades se sustam o prescrevem, em que cada uma abdica a inconstâncias vindouras em permutação de recusa idêntica por parte da outra.73

Após essa breve análise, concluímos que o contrato pode ser

conceituado sob o ponto de vista da manifestação de vontade das partes,

entretanto, por pensarmos ser impossível separá-lo de sua interação na

ordem econômica, social e jurídica global, adotaremos a noção trazida por

Joaquim de Souza Ribeiro, vista que é a mais completa dentre as

apresentadas.

Isto posto, é importante brevemente mencionarmos a classificação dos

contratos quanto ao tempo de execução. Vejamos o ensinamento de Anísio

José de Oliveira:

Todo o contrato é dividido em três modalidades distintas, porquanto apresentam elas uma caracterização própria: contrato instantâneo ou efêmero. Ex.: Compra e venda de um livro; contrato diferido ou retardado – o contrato é realizado num tempo e é executado num outro. Ex.: Construção de uma casa; contrato sucessivo ou ininterrupto – aquele que se desenrola sem o consentimento expresso das partes contratantes. Ex.: Fornecimento diário que o produtor faz a um revendedor qualquer.74

A classificação dos contratos quanto ao tempo de execução mostra-se

significativa vez que, a teoria revisionista que estudaremos ao longo desta

72 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. op. cit. p. 19. 73 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 11. 74 Ibid. p.6.

37

dissertação somente se aplica aos contratos diferidos ou sucessivos, sendo

impossível sua aplicação naqueles instantâneos ou efêmeros75.

1.3 Contrato de consumo

Os contratos de consumo estão inseridos na sistemática do Código de

Defesa do Consumidor, pelo que, faremos uma breve análise deste sistema,

para posteriormente bem compreender o espírito de seus contratos.

No contexto de descodificação e de constitucionalização surge o

Código de Defesa do Consumidor, considerado pela doutrina como marco

histórico do modelo jurídico contemporâneo.

Isto porque, o Código de Defesa do Consumidor, está arraigado de

princípios e vetores constitucionais76.

Apesar de representante do modelo contemporâneo (promulgado em

1990) é importante ressaltar, conforme lição de Luis Edson Fachin77, que a

necessidade de proteção aos direitos dos consumidores não é uma

preocupação recente, mas de fato algo que se observa desde a Revolução

Industrial.

Passaremos agora a estudar mais de perto alguns dos princípios que

regem o Código de Defesa do Consumidor, analisando sua correspondência

constitucional e em seguida, veremos o seu modelo contratual.

1.3.1 Princípios do Código de Defesa do Consumidor

75 GAVAZZONI, Adriana. A Renegociação e Adaptação do Contrato Internacional. Curitiba: Juruá, 2006. p. 21. 76 “Destarte, no Brasil, é a paisagem constitucional que fixa os fundamentos nos quais estabelecer-se-á a proteção do consumidor. Neste diapasão, o CDC não ‘inovou’ em matéria de direitos básicos dos consumidores, quiçá a grande novidade trazida seja, no campo processual, a inversão do ônus da prova à parte hipossuficiente. Isto porque, o Código reflete os princípios constitucionais, a exemplo da boa-fé e da dignidade da pessoa humana, que já possuíam espaço na cena jurídica.” FACHIN, Luis Edson. As relações jurídicas entre o novo código civil e o código de defesa do consumidor: elementos para uma teoria crítica do direito do consumidor. In Repensando o Direito do Consumidor 15 anos de CDC (1990-2005). Volume I. Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, 2005. p. 26-49. p. 35. 77 FACHIN, Luis Edson. op. cit. p. 28

38

O Código de Defesa do Consumidor veio para efetivar e positivar

muitas das disposições constitucionais78.

Como primeiro princípio que podemos destacar no Código de Defesa

do Consumidor temos o da igualdade material, que possui o objetivo de,

reconhecendo a vulnerabilidade própria dos consumidores, equilibrar as

relações entre estes e os fornecedores79.

Tal princípio reflete o direito fundamental de igualdade, previsto no

caput do artigo 5º da Constituição Federal e, as disposições do Código por

ele influenciadas, visam efetivar tal direito fundamental.

Um segundo princípio que podemos identificar no diploma de proteção

ao consumidor é o princípio da liberdade, decorrente da igualdade, pois sem

igualdade não há liberdade80.

Assim, o Código reflete novamente um direito fundamental, a saber, o

da liberdade, presente em vários incisos do art. 5º da CF/88 e, da mesma

forma, busca sua efetividade ao longo de seus dispositivos.

Outro princípio norteador do Código de Defesa do Consumidor é a boa-

fé objetiva, já explicitado em tópico anterior.

Temos ainda o princípio da repressão eficiente dos abusos81, que visa

garantir o direito fundamental da dignidade da pessoa humana.

E o princípio da vulnerabilidade, que visa efetivar o direito fundamental

à igualdade. Vejamos o ensinamento doutrinário:

Não se trata de qualquer prognóstico futurista, mas da realidade, motivo pelo qual o consumidor, por este primeiro aspecto, é considerado vulnerável, ou seja, pode ser facilmente atacado na sua livre manifestação de vontade, relativamente à escolha das suas prioridades e necessidade, cabendo à lei, defende-lo sempre com o objetivo de fazer valer o princípio da igualdade.82

78 “fica demonstrado, igualmente, que a lei consumeirista é, acima de tudo, uma lei de ordem pública e de interesse social (art. 1º do CDC), profundamente baseada na Constituição Federal de 1988 (...)” BONATO, Cláudio e MORAES, Paulo Valério dal Pai. Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 1999. p. 57-58 79 “O código de defesa do consumidor veio para confirmar, de maneira concreta, o princípio da igualdade, pois surgiu para cumprir o objetivo maior de igualar os naturalmente desiguais, jamais podendo acontecer o inverso, isto é, desigualar os iguais.” Ibid. p. 30. 80 Ibid. p. 35. 81 “a noção de abuso está intimamente ligada ao conceito de direitos, pois abusar significa exercer de maneira desproporcional e contrária aos critérios de igualdade determinada conduta reconhecida, em princípio, como lícita.” Ibid. p. 47. 82 Ibid. p. 43.

39

Esclarece o mesmo autor, que esta vulnerabilidade, aliás prevista expressamente no art. 4, inciso I, do CDC, também emerge sob o enfoque da fragilidade técnico-profissional dos indivíduos consumidores.83 Por último, deve ser dito que o principio da vulnerabilidade representa a defesa dos princípios constitucionais da função social da propriedade, da defesa do consumidor, da redução de desigualdades regionais e sociais e da busca do pleno emprego (...)84

Por fim, temos o princípio da harmonia do mercado de consumo que

procura efetivar o direito fundamental de proteção ao consumidor (art. 5,

XXXII e art. 170, V)85.

Assim, após esta breve análise, percebemos uma enorme intimidade e

proximidade entre os direitos fundamentais e os princípios esculpidos no

Código de Defesa do Consumidor, sempre estes com a função de efetivação

daqueles.

1.3.2 Conceito de Contrato de Consumo

Uma vez traçado o conceito de contrato cível, é necessário traçar o

conceito e os princípios atinentes aos contratos de consumo, pois impossível

seria falar da revisão dos contratos de consumo, sem antes delineá-los.

Os contratos de consumo são representantes do modelo jurídico

contemporâneo, tendo em vista sua ampla intimidade com os dispositivos

constitucionais e a grande influência dos princípios e cláusulas gerais.

Entretanto, resta nos perguntar, o que diferencia um contrato de

consumo de um contrato cível?

Ou seja, o que faz com que determinado contrato seja de consumo e,

como conseqüência, receba a proteção legal diferenciada?

83 BONATO, Cláudio e MORAES, Paulo Valério dal Pai. op. cit. p. 44. 84 Ibid. p. 47. 85 “O moderno entendimento da economia deve passar pelo fortalecimento do consumidor, sem que tal, entretanto, venha a inviabilizar as atividades econômicas lícitas. Aliás, diga-se que harmonizar o mercado de consumo significa, concretamente, atender a quase totalidade dos princípios da ordem econômica consubstanciados no artigo 170 da Constituição Federal.” Ibid. p. 57.

40

A resposta para este questionamento está no conceito e na

configuração da relação de consumo, pois dela decorrem os contratos de

consumo.

Segundo Antônio Carlos Efing86 relação de consumo é aquela na qual

existe a figura do consumidor e do fornecedor e um vínculo entre eles,

consubstanciado em um produto ou em um serviço.

Resta então conceituar consumidor, fornecedor e produto ou serviço.

O Código de Defesa do Consumidor expressamente conceitua

consumidor, em diversos dispositivos, como sendo toda pessoa física ou

jurídica que adquire ou utiliza o produto ou serviço como destinatário final87.

Sobre a significação de “destinatário final” vale transcrever trecho

doutrinário elucidativo:

O destinatário final da relação de consumo é aquele que obtém o bem ou serviço não apenas em benefício próprio, como também, em benefício familiar, doméstico ou de terceiros, satisfazendo uma necessidade básica. (...) A utilização do produto pelo consumidor não precisa ser necessariamente privada, desde que seja final. Logo, considera-se consumidor tanto o pai de família que comprou o pãozinho na padaria, como a padaria que adquiriu uma escrivaninha para o escritório do gerente.88

Entretanto, além destes, são equiparados aos consumidores a

coletividade que interfere de algum modo na relação de consumo e todos

aqueles que estão expostos às práticas comerciais, bem como, aqueles que

venham a sofrer algum prejuízo advindo da relação de consumo89.

Alinne Arquette Leite Novais ressalta que, a primeira definição trazida

pelo Código, sobre o consumidor padrão, como sendo aquele que adquire

produto ou serviço como destinatário final, é fundamentada no conceito

econômico de consumidor90.

Ainda segundo Alinne Arquette Leite Novais91, observa-se nesta

definição de consumidor o elemento subjetivo (pessoa física ou jurídica), o

objetivo (que adquire produtos ou serviços) e, por fim o teleológico (como

destinatário final). 86 EFING, Antônio Carlos. (Org). Direito do Consumo. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2005. p. 42. 87 Ibid. p. 44. 88 Ibid. p. 45. 89 Ibid. p. 46-47. 90 NOVAIS, Alinne Arquette Leite.op. cit. p.123. 91 Ibid. p.123.

41

Para Maria Antonieta Zanardo Donato92 apesar de o Código mencionar

ser consumidor qualquer pessoa física ou jurídica, tal qualidade, também

deve ser estendida aos entes despersonalizados aos quais a lei processual

confere capacidade processual.

Dando continuidade a nossa análise do conceito de consumidor, é

preciso ressaltar que a coletividade de pessoas que podem ser afetadas pela

relação de consumo, igualmente é equiparada a consumidor pelo Código de

Defesa do Consumidor. Vejamos o explicativo trecho da obra de Rizzatto

Nunes:

O parágrafo único do art. 2º amplia a definição, dada no caput, de consumidor que adquire ou utiliza o produto ou serviço como destinatário final, nos moldes já apresentados, equiparando a ele a coletividade de pessoas, mesmo que não possam ser identificadas e desde que tenham, de alguma maneira, participado da relação de consumo. A norma do parágrafo único do art. 2º pretende garantir a coletividade de pessoas que possam ser, de alguma maneira, afetadas pela relação de consumo.93

Por fim, recorremos às lições de Cláudia Lima Marques para apresentar

as outras duas categorias de consumidores equiparados, a saber, os que

sejam vítimas de fato de produto e, todas as pessoas expostas às práticas

comerciais. Vale transcrever:

A proteção do terceiro, bystander, foi complementada pela disposição do art. 17 do CDC, que, aplicando-se somente à seção de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço (art. 12. a 16), dispõe: para efeitos desta seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.94 Trata-se atualmente, portanto, da mais importante norma extensiva do campo de aplicação da nova lei, ao dispor: Art. 29 Para os fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.95

Superado o conceito de consumidor, passamos ao conceito de

fornecedor, para tanto vejamos a disposição do art. 3º do Código de Defesa

do Consumidor: 92 DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor: conceito e extensão. Biblioteca de Direito do Consumidor. v. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. P. 79. 93 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 2ª ed. rev.mod. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 84. 94 MARQUES, Cláudia Lima. op.cit. p. 356. 95 Ibid. p. 361.

42

Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.96

Assim, para que se enquadre na figura de fornecedor, é necessário o

desenvolvimento de uma atividade a ser colocada no mercado de consumo.

Destaca Antônio Carlos Efing que não é necessária a habitualidade da

prática da atividade, tampouco a existência formal de pessoa jurídica,

podendo assim, entes despersonalizados, serem enquadrados como

fornecedores. Importando apenas que o exercício da atividade tenha como

finalidade ser o “meio de vida” de quem a exerce97.

Por fim, resta analisar o conceito de produto ou serviço, que é o vínculo

que une consumidores e fornecedores.

Antônio Carlos Efing produto é qualquer objeto destinado a satisfazer

uma necessidade do adquirente.98

E, por sua vez, serviços são, conforme o § 2º do art. 3º do Código de

Defesa do Consumidor: “qualquer atividade fornecida no mercado de

consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,

financeira e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter

trabalhista99.

Assim, conclui-se que todos os contratos provenientes de relações

enquadradas nos conceitos acima, serão classificados como contratos de

consumo.

E, por serem contratos de consumo, estarão sujeitos a regulação

conferida pelo Código de Defesa do Consumidor - inspirado pelos princípios

e vetores constitucionais - donde decorre uma série de proteções específicas,

dentre elas, a possibilidade de revisão contratual pela teoria da onerosidade

excessiva.

96 BRASIL, Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: http://www.senado.gov.br: Acesso em: fev. 2009. 97 EFING, Antônio Carlos. (Org). Direito do Consumo. op. cit. p. 49-52. 98 Ibid. p. 53. 99 BRASIL, Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Ibid.

43

Por fim, resta brevemente conceituar os contratos de adesão, tendo em

vista que geralmente abarcam relações de consumo.

Vejamos o conceito doutrinário:

Os contratos de adesão, por sua vez, constituem uma oposição à idéia de contrato paritário, por inexistir liberdade de convenção (...) uma vez que um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas. (...) Os contratos por adesão, finalmente, são os contratos que contém demais estipulações unilaterais, mas cujas cláusulas não são irrecusáveis pelo aderente.100

Não adentraremos no estudo específico dos dispositivos de proteção

relativos aos contratos de consumo, para não nos afastarmos do tema

proposto, porém, traçaremos a seguir alguns dos princípios atinentes aos

contratos de consumo, que em conjunto com os princípios do Código de

Defesa do Consumidor, são a base donde emergem os dispositivos

específicos de proteção.

1.3.2.1 Princípios

Resta agora, verificar em linhas gerais, quais os princípios que regem

os contratos de consumo acima conceituados.

Os contratos de consumo, por serem representantes do modelo

contemporâneo de contratos, têm sobre si o mesmo conjunto de princípios

que se aplicam aos contratos em geral, a saber, boa-fé objetiva, função

social, dentre outros.

Porém, além dos elementos comuns aos contratos em geral, os

contratos de consumo despontam algumas peculiaridades, dentre elas, a que

se destaca é o movimento de massificação dos contratos. Vejamos:

O negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas.101

100 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo. 2ª Ed. rev. atualizada. Curitiba: Juruá, 2008. p.232. 101 GOMES, Orlando. Contrato de adesão: condições gerais dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, p. 3.

44

O fenômeno de massificação do contrato sentenciou a pena capital à autonomia da vontade. A decadência do modelo clássico de contrato enseja o despertar de uma reaproximação de um Estado Social em relação à sociedade civil, deixando de ser o mero garantidor de uma vontade livre manifestada na negociação e a redefinição dos espaços público e privado que cartesianamente dividiram para que se pudesse compreender. 102

Diante desta peculiaridade e da vulnerabilidade inerente aos

consumidores, a necessidade de ingerência contratual aumenta, bem como, a

necessidade de utilização de mecanismos protetores capazes de efetivar os

direitos fundamentais e evitar injustiças.

Assim, além dos princípios contemporâneos, temos como

predominantes nos contratos de consumo, o princípio da confiança e da

equidade ou equilíbrio.

Bruno Miragem103 ensina que princípio da confiança surge de uma crise

de confiança no mercado, em especial nas relações massificadas de

consumo, abrangendo a proteção das expectativas de cumprimento de

determinados comportamentos.

Cláudia Lima Marques explica quais os aspectos que abrangem o

princípio da confiança. Vale a transcrição:

O CDC institui no Brasil o princípio da proteção da confiança do consumidor. Este princípio abrange dois aspectos: 1) a proteção da confiança no vínculo contratual que dará origem Às normas cogentes do CDC, que procuram assegurar o equilíbrio do contrato de consumo (...) 2) A proteção da confiança na prestação contratual, que dará origem às normas cogentes do CDC, que procuram garantir ao consumidor a adequação do produto ou do serviço adquirido, assim como evitar riscos de prejuízos oriundos destes produtos e serviços.104

Depreende-se do trecho acima que o princípio da confiança é

importante instrumento de proteção dos consumidores, pois dele decorrem

uma série de normas protetivas específicas.

102 COUTINHO, Aldacy Rachid. A autonomia privada: em busca da defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores. In SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006, 2a edição, p. 179. 103 MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 150. 104 MARQUES, Cláudia Lima. op. cit. p. 282.

45

No mesmo sentido de proteção temos o princípio do equilíbrio ou da

equidade, do qual decorrem normas de proteção e de alcance da justiça

contratual.

Segundo Eros Belin de Moura Cordeiro105 o termo justiça contratual

significa a distribuição equitativa de direitos e deveres entre os contratantes

e, para alcançar tal equidade devemos analisar a realidade contratual e o

perfil concreto das partes.

Bruno Miragem ainda destaca a tríplice perspectiva do princípio do

equilíbrio:

O equilíbrio contratual é antes de tudo o equilíbrio dos interesses dos contratantes, consumidor e fornecedor. Neste sentido, parece-nos desenvolver-se em uma tríplice perspectiva: a) o equilíbrio econômico do contrato; b) a equiparação ou equidade informacional das partes; e c) o equilíbrio de poder na direção contratual.106

Por fim, importante consideração traz Claudia Lima Marques107, no

sentido de que a proteção conferida pelo princípio da equidade independe de

conduta reprovável do fornecedor, garantindo o Código de Defesa do

Consumidor, a proteção contra o desequilíbrio independente da

intencionalidade das partes.

1.3.2.2 Diálogo das Fontes

Mas se inicialmente discorremos sobre os contratos cíveis e

posteriormente sobre os contratos de consumo, isto significa dizer que, as

normas atinentes a um e a outro tipo contratual não se comunicam?

Em outras palavras Código Civil e Código de Defesa do Consumidor

são instrumentos hermeticamente separados, comunicam-se ou são

excludentes?

105 CORDEIRO, Eros Belin de Moura. op. cit. p. 208. 106 MIRAGEM, Bruno. op. cit. p.125. 107 “O princípio da equidade, do equilíbrio contratual é cogente; a lei brasileira, como veremos, não exige que a cláusula abusiva tenha sido incluída no contrato por abuso do poderio econômico do fornecedor (...) ao contrário, o CDC sanciona e afasta apenas o resultado, o desequilíbrio, não exige um ato reprovável do fornecedor; a cláusula pode ter sido aceita conscientemente pelo consumidor, mas traz vantagem excessiva ao fornecedor, se é abusiva, o resultado é contrário à ordem pública, contrário Às novas normas de ordem pública de proteção do CDC, e a autonomia da vontade não prevalecerá.” MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. op.cit. p. 874.

46

Para responder a esta questão é preciso analisar o conceito de sistema

jurídico e as interações possíveis dentro desse sistema.

Há basicamente dois tipos de sistemas jurídicos, os abertos e os

fechados. Norberto Bobbio define o sistema fechado como:

Entendemos por sistema uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem. Para que se possa falar em ordem, é necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas também num relacionamento de coerência entre si. Quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema, no perguntamos se as normas que o compõem estão num relacionamento de coerência entre si, e em que condições é possível essa relação.108

Porém, o próprio autor em obra posterior esclarece que pode o

ordenamento jurídico não ser coeso, por possuir normas incompatíveis e,

mesmo assim ser válido, cabendo ao aplicador do direito a interpretação e a

integração da norma109.

Diante desta postura de necessidade de integração da norma, ocorre a

percepção de que o sistema jurídico é de fato aberto e não fechado. Vejamos

o conceito:

Por sistema jurídico entende-se a percepção do conjunto das fontes dentro de um esquema conceptual que, por um lado, represente o sentido profundo de cada norma através de suas conexões com outras e das conexões destas com os princípios; por outro, que exprima a unidade entre a construção jurídica e sua aplicabilidade social, através da radicação do direito na cultura entendida em sentido amplo.110

Discorrendo sobre o sistema jurídico aberto Alinne Arquete Leite

Novais afirma que a sua principal conseqüência é a perda de centralidade do

Código Civil e a tomada da Constituição como vértice de todo o sistema

jurídico111.

Tendo em vista o sistema aberto que vivenciamos surgem, a cada nova

lei que é promulgada, as chamadas antinomias.

108 BOBBIO. Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Apresentação: Tercio Sampaio Ferraz Júnior. Trad. Cláudio de Cicco e Maria Celeste C.J. Santos. Brasília: Polis, 1989. p. 71. 109 Ibid. p. 237. 110 PERLINGIERI. Pietro. Perfis do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 57. 111 NOVAIS. Alinne Arquette Leite. op. cit. p.148.

47

Maria Helena Diniz conceitua antinomia como sendo a existência de

duas normas jurídicas conflitantes, porém válidas, donde surge a dúvida

sobre qual delas aplicar em determinado caso concreto. A mesma autora

afirma que são três os critérios a serem aplicados para resolver as

antinomias (aparentes): 1) o cronológico (lei posterior prevalecendo sobre a

anterior); 2) o da especialidade (norma espacial prevalece à geral); e 3) o

hierárquico (norma superior prevalece sobre inferior)112.

Assim, como o Código Civil de 2002 é posterior ao Código de Defesa

do Consumidor, surgiu com a sua promulgação, a necessidade de verificação

e de solução de antinomias eventualmente existentes.

Pelo critério geral de resolução de antinomias, o Código de Defesa do

Consumidor prevaleceria, tendo em vista que é norma especial e que, pode

se dizer, hierarquicamente superior (pois bastante próxima da Constituição

Federal).

Porém, a forma tradicional de resolução de contradições, pareceu não

funcionar bem ao binômio Código Civil 2002 e Código de Defesa do

Consumidor.

Desta problemática, surge a construção doutrinária denominada

“diálogo das fontes” que admite a existência conjunta de normas

aparentemente contraditórias e impõe seu diálogo em substituição à exclusão

imposta pelos meios tradicionais de resolução de antinomias.

Cláudia Lima Marques113 destaca que três são os tipos de diálogos

possíveis entre o CDC e o CC/02: a) uma lei servindo como base conceitual

para a outra; b) uma lei complementando a aplicação da outra; 3) influências

recíprocas e sistemáticas.

Antônio Carlos Efing114 de igual forma defende a aplicação

complementar dos dois diplomas, sem a exclusão de um em detrimento do

outro.

112 DINIZ. Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 34 a 51. 113 MARQUES. Cláudia Lima. op.cit. p. 587, 588 e 693. 114 EFING, Antônio Carlos. A revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor (...) op. cit. p. 64-65.

48

Vale ressaltar que os vetores constitucionais são o centro de nosso

sistema e que as demais normas devem dialogar sempre diante do texto

constitucional.

Assim, conclui-se que pelo diálogo das fontes existente entre o Código

Civil 2002 e o Código de Defesa do Consumidor, em regra se a relação for de

consumo, aplicar-se-á preferencialmente o Código de Defesa do Consumidor

e subsidiariamente o Código Civil, ou ainda, aplicar-se-á diretamente o

Código Civil, quando mais favorável ao consumidor.

Entretanto, além do diálogo do Código Civil com o Código de Defesa do

Consumidor, outra questão que se descortina é a inversa, ou seja, a

possibilidade de aplicação de princípios do Código de Defesa do Consumidor

em contratos do âmbito civil.

Para clarear tal ponto é preciso entender o conceito de microssitema

legal que é utilizado115 e aceito para fins didáticos, porém, segundo Alinne

Arquette Leite Novais, é um termo inadequado, pois se o Código de Defesa

do Consumidor fosse um microssistema (em sua concepção exata) não

poderíamos aplicar seus princípios na teoria contratual com um todo (não

havendo o diálogo inverso).

A aplicação dos princípios do Código de Defesa do Consumidor na

teoria contratual em geral se justifica por seus princípios serem reflexos de

princípios constitucionais, ou seja, se justifica porque ele é parte de um

sistema do qual decorre sua legitimidade e, não se justificaria, se ele fosse

um microssistema separado com a pretensão de se legitimar em si mesmo.

Vejamos o pensamento da autora:

Perante essa conclusão, entendemos não ser o Código de Defesa do Consumidor um microssitema como definido por Natalino Irti. Gusatavo Tepedino considera que apenas por concessão didática pode o CDC ser designado como um microssitema. A consideração do Código de Defesa do Consumidor como um microssitema não permitiria a aplicação de seus princípios, de forma irrestrita, ao

115 “Se por um lado já adotamos a prática legislativa dos microssistemas legais (...)” EFING, Antônio Carlos. A revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor (...) op. cit. p. 53. “São os estatutos especiais, ou os microssitemas, que emergem como atestado da falência e do depauperamento da relação dos corpos codificados com a faticidade. Esses microssistemas surgem, em um primeiro momento, por meio de leis extravagantes, haja vista as pressões e reivindicações sociais daqueles que não possuíam, no texto do Código, a proteção necessária.” FACHIN, Luis Edson. op. cit. p.29.

49

direito contratual. Todavia, os princípios consubstanciados no Código de Defesa do Consumidor, como reflexos dos princípios constitucionais, têm, como tal, influência sobre toda a teoria contratual, indo além dos contratos de consumo.116

Os princípios presentes no Código de Defesa do Consumidor e o

diálogo destes com o Código Civil é de grande importância pela proximidade

daquele com os princípios constitucionais

Assim, percebemos que não só é possível o diálogo entre as normas e

os princípios atinentes ao Código de Defesa do Consumidor e ao Código

Civil, como ele é amplo e necessário.

116 NOVAIS. Alinne Arquette Leite. op. cit. p.149-152.

50

2. A REVISÃO NO DIREITO CONTRATUAL CONTEMPORÂNEO

Superadas as linhas conceituais sobre os contratos cíveis e de

consumo, vamos agora adentrar no estudo da revisão contratual,

contemplando seus objetivos, fundamento e instrumentos (teoria da

imprevisão e da onerosidade excessiva).

Em seguida discorreremos acerca das duas questões mais polêmicas

que envolvem o tema e, por fim sobre o importante papel da revisão na

consecução do desenvolvimento socioeconômico sustentável.

2.1 O objetivo da teoria revisionista

As cláusulas de revisão são de grande valia no mundo dos negócios -

onde as circunstâncias alteram-se cotidianamente e as onerosidades são

reincidentes - como uma forma de proteção do equilíbrio contratual e,

portanto da própria validade, eficácia e continuidade dos contratos.

Vejamos o importante ensinamento de Adriana Gavazzoni:

A realidade é outra e é com ela que temos que trabalhar, com a dificuldade de negociar todas as contingências em uma economia dinâmica, e com a possibilidade de que as partes, ao longo do contrato, precisem novamente negociar seus termos, para readaptá-los e fazer com que o contrato retome seu curso rumo aos objetivos inicialmente desejados.117

Sendo assim, o objetivo da teoria revisionista, como um todo, é o de

manutenção contratual através da revisão diante de um desequilíbrio ou

onerosidade superveniente.

Em um cenário comercial que cada vez mais busca parcerias

duradouras, preza pela continuidade dos contratos e assim pela manutenção

de clientela e de bons negócios, as cláusulas que possibilitam a

renegociação e a adaptação do contrato ao longo do tempo, mostram-se 117 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 17.

51

excelentes instrumentos, enquanto que a extinção contratual parece

desvantajosa.

Novamente recorremos a obra de Adriana Gavazzoni para uma lição

pertinente:

O que se pode apreciar na contratação internacional é o surgimento, durante a execução de contrato, de conflitos e de alterações circunstanciais que modifiquem o curso deste, diferenciando-o do que as partes pretendiam ao contratar. Esses fatores, indicados por alterações conjunturais das mais variadas espécies, sobretudo políticas e econômicas, podem determinar o encaminhamento das partes a um conflito insolúvel e a uma ruptura contratual, aniquilando seus objetivos, o que não é desejado por nenhum contratante.118

De uma forma mais concreta vale dizer que, no âmbito interno ou

internacional, se não forem utilizadas nenhuma das cláusulas ou teorias de

revisão, e alguma adversidade ocorrer ao longo do cumprimento do contrato,

onerando a realização de uma prestação, a única solução será a resolução

do contrato.

Isto porque, por mais onerosa que se torne a prestação, ainda assim

será devida pela parte que provavelmente não conseguirá adimpli-la,

culminando necessariamente no término da relação contratual, com a

“quebra” contratual.

Em contrapartida, ao utilizarmos as cláusulas e teorias de readaptação

e revisão contratual, existe a possibilidade de retirar a prestação onerosa,

desobrigando a parte devedora e renegociando o contrato, obtendo-se

novamente o equilíbrio e, dessa forma, a continuidade da relação.

Sobre a importância da teoria revisionista e seu objetivo de

manutenção dos contratos, vale citar trecho da obra de Jairo Silva Melo:

A superveniência de algum desses eventos acima citados pode provocar variações de tal forma no curso do contrato que se torna economicamente inviável para as partes a manutenção das mesmas condições contratadas no início da relação, sobretudo em se tratando de contratos internacionais, nos quais a sua supressão implicaria em um alto grau de complexidade para se encontrar o direito aplicável na ocorrência do caso concreto.”119

118 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 17. 119 MELO, Jairo Silva. op. cit. p. 80.

52

No mesmo sentido temos Adriana Gavazzoni:

Para preservar contratos comprometidos em sua essência, que se descubram incompletos em seus termos, inteligíveis, que, em virtude de um evento qualquer, se tornem desequilibrados e injustos, surge para as partes o caminho de rever seus pactos e de adapta-los para possibilitar as condições inicialmente previstas.120

E ainda:

A finalidade maior da renegociação é, sem sombra de dúvida, a obtenção da adaptação contratual e, a partir dela, a continuação do negócio pelas partes.121

Sendo assim, diante da tendência de manutenção das relações

contratuais e de proteção quanto às onerosidades excessivas, a utilização

das cláusulas de revisão mostra-se como uma excelente alternativa, pois tem

como objetivo máximo o reequilíbrio e a manutenção contratual.

2.2 Breves contornos de direito comparado

A maioria dos sistemas legais não apresenta menção à possibilidade

de revisão contratual, vez que a revisão é fruto de ordenamentos mais

modernos122.

No direito espanhol, suíço e alemão, a revisão dos contratos não vem

expressamente estipulada, sendo necessária uma interpretação analógica e

sistemática do texto legal, diante da ordem de princípios, para que se opere a

revisão123.

120 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 18. 121 Ibid. p. 20. 122 EFING, Antônio Carlos. A revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor (...) op. cit. p.75. 123 Ibid. p. 75-77.

53

A França foi o primeiro país a positivar a possibilidade de revisão, no

período pós Guerra, porém, hodiernamente, a revisão não é acolhida no

âmbito do Direito Civil daquele país124.

Entretanto, no direito do consumidor, a França vem aceitando a revisão

dos contratos para evitar desequilíbrios:

Assim, nas relações de consumo a revisão dos contratos pode ocorrer em se constatando um desequilíbrio acentuado entre os direitos e obrigações dos contraentes. Destarte, a idéia anti-revisionista no direito contratual francês foi reformulada, o que tornou possível a revisão dos pactos de consumo.125

Já o Código Civil Austríaco, em seu art. 1.447, prevê, expressamente,

a possibilidade de revisão, no caso de perda do objeto contratual, ou de

impossibilidade da prestação126.

Na Inglaterra a revisão dos contratos é permitida pela teoria da

frustração, que consiste:

Na Inglaterra promulgou-se em 1943 a Law Reform Act (Frustated Contracts), que trata dos contratos frustrados desde o ponto de vista legislativo. Além disso, esta lei dispõe que as quantias pagas ou pagáveis a uma das partes em cumprimento de prestação contratual podem ser revistas por quem as pagou.127

O Código Italiano, da mesma forma, prevê expressamente a

possibilidade de revisão, quando da ocorrência de fatos imprevisíveis ou

extraordinários, que tornem as prestações excessivamente onerosas, ou

diante de alguma impossibilidade de cumprimento superveniente128.

Em Portugal, na mesma esteira, existe a previsão de revisão

contratual, caso as circunstâncias sob as quais as partes contrataram sofram

uma alteração fora do normal, bem como, na hipótese de impossibilidade de

cumprimento sem culpa da parte129.

124 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. P. 184. 125 DONNINI, Rogério Ferraz. op. cit. p. 186. 126 EFING, Antônio Carlos. A revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor (...) op. cit. p. 77. 127 Ibid. p. 78. 128 Ibid. p. 79. 129 Ibid. p. 80.

54

Na Argentina, a previsão legal de incidência da revisão contratual se dá

quando da ocorrência de fatos supervenientes surgirem desequilíbrios130.

Assim, diante dessa breve análise de direito comparado, concluímos

que os sistemas jurídicos mais modernos, caminham no sentido de acolher a

revisão contratual, seja de forma expressa e positivada, seja pela via de

interpretação sistemática, partindo da base de princípios vigentes.

2.3 A revisão no âmbito do Direito Civil

2.3.1 “Rebus sic santibus”

Prosseguiremos nosso estudo com o instituto que fundamenta e

embasa a maioria das teorias de revisão contratual, o princípio rebus sic

stantibus.

O princípio rebus sic stantibus deu origem a diversas teorias de

adaptação contratual.131

O referido princípio determina que o contrato e suas obrigações são

válidas, enquanto as circunstâncias permanecerem como estavam no

momento de sua formação, ou seja, se algo alheio à vontade das partes

modificar as circunstâncias e dificultar a realização de determinada

obrigação, esta prestação não será devida e o pacto poderá ser revisto ou

rescindido, já que, as circunstâncias que envolvem o acordo não são mais as

mesmas e que a relação está desequilibrada.

2.3.1.1 Conceito

Vejamos algumas conceituações feitas pela doutrina a respeito deste

importante princípio.

Marcus Cláudio Acquaviva define a cláusula rebus sic stantibus como

aquela "(...) em que as partes estipulam que o cumprimento do contrato fica

130 DONNINI, Rogério Ferraz. op. cit. p. 177. 131 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 43.

55

subordinado à não modificação, no futuro, dos pressupostos e circunstâncias

que ensejaram o pacto." 132

Ronaldo Caldeira Xavier ensina que o rebus sic stantibus:

(...) como cláusula contratual, subentende o vínculo da obrigação, desde que, até o termo do contrato, perdurem as condições econômicas existentes no momento da celebração. 133

Percebemos que um dos enfoques de definição do princípio rebus sic

stantibus, em nossa opinião o mais acertado deles, é o que confere validade

ao contrato desde que as circunstâncias no momento de sua execução sejam

semelhantes as do momento de sua celebração.

José Náufel classifica o princípio de um outro ponto de vista:

(...) implícita de rescisão do contrato de longa duração e execução sucessiva, sobrevindo circunstâncias tais que, se pudessem ser previstas, o contrato ou não seria celebrado ou somente o seria com diversas cláusulas. 134

Entendemos que a abordagem apresentada por José Náufel, extrapola

o real significado do princípio na medida em que, insere o elemento

imprevisão, fazendo certa confusão conceitual do princípio com a teoria da

imprevisão, dele decorrente.

De forma mais correta Márcio Klang traz em sua obra duas importantes

definições de rebus sic stantibus, vejamos:

Para Capitant, em livre tradução, a cláusula rebus sic stantibus é a cláusula considerada subentendida nos contratos permanentes, segundo a qual uma convenção só permanece em vigor enquanto o estado de coisas existente no momento em que haja sido estabelecida não tenha sido objeto de modificações essenciais. Achamos oportuno, por fim, o discurso sintético e elucidador de Chancel et alii, segundo o qual a cláusula rebus sic stantibus significa que as convenções só deveriam ser obedecidas enquanto as coisas continuassem como estavam por ocasião do contrato. 135

132 Rebus sic stantibus in: ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Novíssimo Dicionário Jurídico. São Paulo: Brasiliense, 1991, vol 1, p.322. 133 Rebus sic stantibus in: XAVIER, Ronaldo Caldeira. Português no Direito. 10 ed, Rio de Janeiro: Forense, 1992, p.194. 134 Rebus sic stantibus in: NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. 7 ed, São Paulo: Parma, 1984, p.267. 135 KLANG, Márcio. A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. p.12 e 19.

56

No mesmo sentido temos as afirmações de Jairo Silva Melo:

A cláusula rebus sic stantibus passou, então, a ser interpretada como aquela que se reputa como subentendida nos contratos permanentes. Através dela a convenção pactuada pelas partes vigoraria enquanto o estado das coisas não estivessem sujeitas a modificações essenciais na sua execução, mantendo-se no contrato, destarte, as condições existentes no dia da sua formação.136

Diante dos ensinamentos doutrinários acima transcritos, concluímos

que o princípio rebus sic stantibus determina que as partes contratam em

consideração com as circunstâncias existentes no momento de conclusão do

negócio jurídico, subentendendo-se assim, que a intangibilidade dos

contratos está subordinada à persistência do estado de coisas que existiam

no momento da contratação.

O princípio rebus sic stantibus mostra-se de grande importância, pois

trouxe a idéia de equilíbrio contratual e de manutenção do equilíbrio existente

no momento da contratação como condição de exigibilidade das obrigações,

servindo de fundamento para o surgimento das teorias de revisão, dentre

elas, a teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva.

Importante ressaltar que, a aplicação do rebus sic stantibus se dá,

preferencialmente, através das cláusulas e teorias que decorrem dele (teoria

revisionista).

Isto porque, os instrumentos da teoria revisionista (os quais

estudaremos a seguir) possuem mecanismos melhor elaborados que exigem

uma série de requisitos para suas incidências, como onerosidade excessiva,

e imprevisto/superveniente, o que gera maior segurança jurídica, além de,

como o próprio nome sugere, objetivarem preferencialmente a revisão

contratual.

2.3.1.2 Princípio ou cláusula?

136 MELO, Jairo Silva. op. cit. p. 95.

57

Quanto à natureza de princípio ou de cláusula, acreditamos que o

rebus sic stantibus deve ser pensado como princípio, já que,

independentemente de estar escrito expressamente no contrato, deve

orientar a interpretação contratual como um todo e poderá ser invocado

livremente pelas partes no caso de surgimento de um litígio.

Vejamos o ensinamento de Anísio José de Oliveira:

Entende Caio Tácito que nos contratos em que tiver havido mudança considerável das circunstâncias vigentes ao tempo em que o mesmo foi celebrado, se admite o seu reajustamento, pelo fundamento de que os contratos que recebem execução através de uma série periódica de prestações subentendem-se concluídos com a cláusula tácita rebus sic stantibus. 137

No mesmo sentido afirma Adriana Gavazzoni “Ainda que intrínseca à

existência dos contratos, parte dos princípios gerais do Direito”138, ao

mencionar a aplicação do princípio rebus sic stantibus. Mais adiante,

concluído, a autora afirma que:

Em realidade, não há uma cláusula rebus sic stantibus. Apesar da denominação que recebe, trata-se de um princípio do direito, e não de uma cláusula propriamente dita. Tratando-se de um princípio jurídico, existem opiniões no sentido de que a cláusula é admissível em todos os contratos de forma implícita, não havendo necessidade de menção expressa de sua existência, bastando transcorrer um espaço de tempo entre o momento da assinatura do contrato e sua execução.139

Sendo assim, por ser considerado princípio, mesmo que não esteja

previsto contratualmente, poderão as partes invocá-lo, cabendo ao juiz

decidir por sua aplicação, conforme os princípios gerais do direito e as

normas de ordem pública.

2.3.1.3 Surgimento

137 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 33. 138 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 53. 139 Ibid. p. 55.

58

Sobre o surgimento do princípio rebus sic stantibus afirma Othon

Sidou140 que, apesar da dificuldade de precisar o instante de sua aparição,

observam-se indícios de sua presença desde o Código de Hamurabi, bem

antes de Roma ser Roma, assim também durante os treze séculos de história

dos romanos.

Anísio José de Oliveira141 destaca a divergência quanto à origem do

rebus sic stantibus na Idade Média. Aponta o autor sobre o entendimento de

que, o Direito Canônico e o Cristianismo, devido à imposição da máxima da

moral e do direito pretendido, foram o fundamento de existência do princípio

na Idade Média.

Segundo o autor142, para outra corrente, a influência do Cristianismo

não foi importante para a existência do princípio, vista que, ele teria surgido

de uma concepção econômica de equidade, meramente formalista, pois, não

importando o teor da prestação ela deveria ocorrer em resposta a uma contra

prestação.

Adriana Gavazzoni ressalta que, não é preciso o momento de

surgimento do princípio rebus sic stantibus, com o que concordamos, mas

que sua origem certamente é longínqua:

Não é preciso qual período da história da humanidade permitiu o nascimento da cláusula rebus sic stantibus; certo é que o surgimento deve ter ocorrido em épocas próximas ao aparecimento dos contratos, vez que se verifica uma íntima ligação entre os dois institutos, e, ainda que o instituto dos contratos fosse rudimentar, o fato é que as partes desejavam mantê-lo em equilíbrio.143

Se por um lado é difícil precisar o momento e a forma de surgimento do

princípio rebus sic stantibus, por outro pode se afirmar com tranqüilidade

que, com a Revolução Francesa e o Código de Napoleão marcou-se o

momento de certo declínio144 do rebus sic stantibus, devido à imputação de

vago e indeterminado, à uma crença absoluta na autonomia da vontade e ao

prestígio demasiado ao princípio do pacta sunt servanda.

140 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos e outras figuras jurídicas. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p.3-9. 141 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit..p. 47- 53. 142 Ibid. p. 48-66. O autor discorre detalhadamente a respeito das correntes sobre o surgimento do rebus sic stantibus. 143 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 45. 144 OLIVEIRA, Anísio José de. ibid. p. 61- 62.

59

Márcio Klang ensina que após o período de declínio, o renascimento do

rebus sic stantibus no século XX, deu se por uma política de solidariedade

social, vejamos:

Devemos acrescentar que o renascimento, no século XX, da rebus sic stantibus foi fruto de uma política de solidariedade social almejante de proteção social dos mais fracos, em busca de um maior equilíbrio entre o empregado e o empregador, entre o locatário e o locador, o consumidor em relação ao fornecedor. 145

Por fim, Othon Sidou146 lembra que, apesar da existência longínqua de

tal corolário, foi apenas com a grande guerra européia de 1914, que surgiu a

primeira Lei francesa prevendo ou, positivando, a revisão contratual.

Diante do breve panorama histórico, percebe-se o quão árduo é o

trabalho de determinar exatamente quando e onde surgiu o princípio rebus

sic stantibus, entretanto, apesar da dificuldade de determinação do momento

de seu surgimento, faz se patente que suas origens residem nas mais

longínquas fontes conhecidas.

2.3.2 Teoria da Imprevisão

Em decorrência do princípio rebus sic stantibus temos a teoria da

imprevisão que, segundo Márcio Klang147 é a roupagem moderna adotada

para a antiga cláusula rebus sic stantius.

A teoria da imprevisão é importante instituto da teoria revisionista,

positivada no ordenamento civil, é decorrente do princípio rebus sic stantibus,

porém melhor elaborada, o que facilita a incidência da revisão nos contratos

cíveis.

2.3.2.1 Conceito

145 KLANG, Márcio. op. cit. p. 15. 146 SIDOU, J. M. Othon. op.cit. p. 49. 147 KLANG, Márcio. ibid. p.16.

60

Antes de estudarmos os requisitos de aplicação e a forma como atua

na revisão dos contratos, é preciso analisar o conceito da importante teoria

da imprevisão.

Vejamos a noção da teoria da imprevisão apresentada por Márcio

Klang:

Inocêncio Galvão Telles, coloca a questão da seguinte maneira: A idéia mais antiga, favorável à eficácia jurídica da imprevisão, consistiu em deduzir essa eficácia das regras de interpretação dos contratos. Os contratos devem ser executados segundo a vontade comum dos contratantes. Esta comum vontade é motivada pelas circunstâncias conhecidas ou previsíveis no momento da celebração do contrato. Ora, diz-se é de presumir que as partes queiram subordinar a vigência deste à manutenção dessas circunstâncias: de tal modo que, se as mesmas sofrerem alteração profunda, o contrato deixará de obrigar... o acordo vigorará enquanto subsistir o estado de coisas existente na data de sua formação. 148

Diante desta noção, observamos a clara conexão entre a teoria da

imprevisão e o princípio rebus sic stantibus, entretanto, é preciso ressaltar

que existem elementos que diferenciam ambos os institutos, dentre eles, a

imprevisão ou imprevisibilidade.

Ao tratar do tema, o autor ainda afirma que é uma questão de lógica a

presença da teoria revisionista no atual contexto, vejamos:

É até uma questão de lógica, pois se agora há instabilidade dos negócios e da moeda, como conseqüência de um mundo dinâmico, cibernético e em ebulição social intensa, não há que falar em servidão a um acordo, em cumprimento estático e imutável, mas em cumprimento das obrigações adaptável e adequado às novas situações.149

O autor150 ressalta que, a utilização da imprevisão não pode ser vista

como um declínio da “moral” e da “honra” só porque a palavra empenhada

não será cumprida em seus exatos termos, do contrário, deve ser vista

justamente como uma forma de proteção de tais valores, já que, desonrado e

imoral seria exigir de alguém prestação excessivamente onerosa, que o

levasse à ruína ou ao desmedido prejuízo.

148 KLANG, Márcio. op. cit. p.17. 149 Ibid. p. 13-14. 150 Ibid. p. 14.

61

Ainda, justificando moralmente a teoria da imprevisão o autor menciona

o ensinamento de São Thomaz de Aquino:

Não mente nem peca, quem não cumpre o prometido por terem as coisas não permanecido as mesmas do momento em que foram prometidas (apud Regina Gondin, “Teoria da imprevisão”, Revista Jurídica, v. XVII/173). 151

Vale dizer que, a teoria da imprevisão não é somente uma adaptação

do rebus sic stantibus, mas sim, uma derivação do antigo princípio, já que

este foi a base que permitiu o surgimento da teoria.

Ambos os institutos, apesar de intimamente ligados, guardam

diferenças essenciais, nas quais se afastam.

Vejamos o completo conceito da teoria da imprevisão apresentado por

Adriana Gavazzoni em sua obra:

Na seara da adaptação e modificação dos contratos surge a teoria da imprevisão, pela qual a ocorrência de fatos novos, eventos ou situações imprevistas no momento da assinatura de um contrato que venham a influir diretamente sobre ele, dificultando sobremaneira a prestação de uma das partes, podendo causar-lhe dano, permite às partes rever os termos do contrato ou solicitar judicialmente tal revisão, para reequilibrá-lo ou reconduzi-lo às condições inicialmente avençadas.152

Segundo a teoria da imprevisão, as partes podem rescindir ou rever as

disposições contratuais, ou ainda, solicitar judicialmente tal revisão com o

intuito de reequilibrar a relação contratual. Essa possibilidade surge quando -

da ocorrência de fatos novos ou situações imprevistas no momento da

assinatura do contrato que venham a influir diretamente sobre ele - ocorre

uma dificuldade ou onerosidade excessiva à prestação de uma das partes.

Além disso, a teoria da imprevisão pressupõe fatos alheios à vontade

das partes, sendo, portanto, excludente de culpa.

2.3.2.2 Surgimento

151 KLANG, Márcio. op. cit. p. 14. 152 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 57.

62

A teoria da imprevisão na roupagem moderna, somente foi positivada

com o advento do Código Civil de 2002.

No diploma anterior não havia qualquer menção expressa à teoria da

imprevisão ou ao seu predecessor, o adágio rebus sic stantibus.

Tal omissão fez com que a doutrina e a jurisprudência à época se

dividissem em duas correntes: uma que acreditava ser impossível a aplicação

da revisão e a outra que a defendia.

Neste sentido concluiu Donnini após fazer uma interpretação

sistemática do Código Civil de 1916:

Assim, pela leitura dos dispositivos aqui transcritos não se pode afirmar que todos eles servem de fundamento para a aplicação da teoria da imprevisão no Direito brasileiro. Por outro lado, não se pode negar que eles demonstram que o nosso código civil, posto que criado sob a inspiração do princípio da intangibilidade contratual, não repeliu esta teoria.153

Assim, apenas após a edição do Código Civil de 2002 a teoria da

imprevisão, na roupagem que conhecemos, teve seu nascedouro.

2.3.2.3 Requisitos de aplicação

Após a exposição do conceito da teoria, vejamos algumas passagens

jurisprudenciais que, destacam os requisitos de aplicação da teoria da

imprevisão:

A adoção da cláusula rebus sic stantibus pressupõe a ocorrência de acontecimentos excepcionais e imprevistos de que resulte, para um dos contratantes, um ônus insuportável considerada a condição especial do negócio a que está vinculado. Cada caso deverá, pois, ser examinado em si mesmo no tempo e no espaço sob o critério da equidade. (Ac. Da 5ª Câm. Cív. Do TACSP, de 10.3.67, in RT 387/177)

Com efeito, a teoria da imprevisão só encontra enquadramento e oportunidade nos contratos a longo prazo, cujas mutações são insuscetíveis de previsibilidade, acarretando para as partes contraentes danos que não podem se previamente calculados e

153 DONNINI, Rogério Ferraz. op. cit. p.49-53.

63

antevistos. (Ac. Do Tribunal Pleno do STF, de 22.4.71, in RTJ 57/44)154

Diante de tais julgados, discorreremos a seguir de forma mais

específica, sobre os quatro requisitos de aplicação da teoria da imprevisão,

apontados por Anísio José de Oliveira155.

2.3.2.3.1 Momento da ocorrência

Como primeiro requisito temos o fator tempo que determina que o fato

que venha a agravar a prestação seja posterior à conclusão do contrato e

anterior à sua execução completa.

Nas palavras de Márcio Klang “Não há que se falar em teoria da

imprevisão em contratos de prestação única e a curto prazo.” 156

E Adriana Gavazzoni:

Entendemos a necessidade de um lapso de tempo entre a assinatura dos contratos, o início de sua vigência e seu término, com a execução dos objetivos, como elemento base da imprevisão, ainda que esse tempo não seja longo ou indefinido.157

Ou seja, a aplicação da teoria da imprevisão só pode ocorrer nos

contratos sucessivos ou diferidos, nos quais o momento de celebração e o de

execução são distintos e separados por certo lapso temporal.

2.3.2.3.2 Alteração das circunstâncias

Um segundo requisito é a necessidade de alteração das circunstâncias,

pois quando o fato não incide sobre o contrato, ou incidindo não altera as

circunstâncias, não há porque se falar na utilização da teoria.

154 KLANG, Márcio. op. cit. p. 72. 155 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 99. 156 KLANG, Márcio. ibid. p. 75. 157 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 64.

64

Esse requisito é abordado por Anísio José de Oliveira como

“Modificação radical das condições econômicas objetivas no momento da

execução, em confronto com o ambiente objetivo no da celebração.” 158

No mesmo sentido, Adriana Gavazzoni ressalta que:

Ainda que haja modificações conjunturais e alteração na forma de cumprir os pactos, se essas não implicarem um impacto sobre a economia contratual, não há porque se falar em adaptação, pois as coisas permanecem de acordo com o ajuste inicial.159

Ou seja, deve haver uma alteração nas circunstâncias e, esta deve ser

substancial, para que se aplique a teoria da imprevisão.

2.3.2.3.3 Onerosidade excessiva

Como terceiro requisito tem-se a onerosidade excessiva, já que além

de incidir sobre o contrato e alterar suas circunstâncias é preciso que o fato

cause dificuldade ou onerosidade ao cumprimento da prestação de uma das

partes.

Sobre a onerosidade excessiva, vejamos:

Não é mister, diga-se, que a prestação se torne irrealizável para que o devedor se libere do vinculo contratual. Torna-se satisfatória quando, através de fatos imprevisíveis, ela se torne demasiadamente dispendiosa para uma das partes. 160

Sendo assim, a prestação deve-se apresentar demasiadamente

onerosa, entretanto, não necessariamente impossível, vista que, a

impossibilidade de que tratamos aqui é a relativa e não a absoluta.

Adriana Gavazzoni destaca em sua obra a necessidade de ocorrência

da onerosidade excessiva:

Em nossa modesta opinião, a condição de maior relevância para se obter a proteção da cláusula é a onerosidade excessiva imposta a

158 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 99. 159 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 52. 160 OLIVEIRA, Anísio José de. ibid.. p. 36.

65

uma das partes. Essa onerosidade contraria todos os princípios de boa-fé e justiça defendidos pelo Direito.161

Ou seja, percebe-se que a onerosidade excessiva é importante

requisito de aplicação da teoria da imprevisão.

2.3.2.3.4 Imprevisão

Um dos pontos mais delicados quando se aplica a teoria da imprevisão

é a verificação da ocorrência do fato imprevisto, vista que, sem tal fato não

se poderá invocar a teoria e sua real imprevisibilidade mostra-se, no caso

concreto, de difícil definição. Além disso, apenas algo que, de forma

imprevisível, surgisse contra a vontade das partes, poderia ser aceito como

suficiente para modificar o que outrora foi livremente convencionado por elas.

Vejamos Anísio José de Oliveira sobre a necessidade do elemento

imprevisão “O acontecimento que determina a mudança das circunstâncias

deve ser imprevisto e imprevisível pelas partes.” 162

Adriana Gavazzoni igualmente ressalta o imprevisto como requisito

para incidência da teoria da imprevisão “Ante o imprevisto e o risco

incalculável, deve ser concedido, à parte prejudicada, o direito de rever o

contrato (...)”.163

Para começar, é importante atentar que a imprevisibilidade não

necessariamente recai sobre o fato, podendo recair apenas sobre suas

conseqüências. Vejamos o ensinamento de Adriana Gavazzoni:

No caso de mudanças imprevistas, não desejadas ou planejadas pelas partes, a necessidade de adaptar está profundamente ligada à idéia da manutenção ou do restabelecimento do equilíbrio contratual rompido por eventos novos e não previstos, ou somente de conseqüências não previstas pelas partes.164

161 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 53. 162 Ibid. p. 35. 163 Ibid. p. 63. 164 Ibid. p. 32.

66

Vamos tentar então estabelecer algumas premissas que devem ser

levadas em consideração na hora da análise da imprevisibilidade dos fatos

ou de suas conseqüências, lembrando que a imprevisibilidade deve ser

valorada no caso concreto.

A primeira afirmação que se deve fazer é que o fato imprevisível deve

afetar a própria relação contratual, não bastando afetar a situação pessoal

dos contratantes e que, imprevisto para essa teoria, é todo fato alheio à

previsão das partes, que altera a ordem das coisas e desequilibra o contrato,

vez que, agrava a prestação de uma delas, sendo obviamente posterior à

conclusão do contrato.

Dentre as situações consideradas como imprevisíveis e que

possibilitariam a revisão contratual, podemos citar os acontecimentos

políticos ou econômicos do País, bem como, os fatores geográficos e os

sociológicos.

A imprevisão ocorre depois da formação do contrato e aleatoriamente à

vontade das partes, sem a intervenção mesmo daquele que eventualmente se

beneficiaria com o desequilíbrio.

Partindo disso, percebe-se que, se a parte pudesse prever a ocorrência

do fato agravante de sua obrigação, certamente não seria aquela a sua

manifestação de vontade, então, toda circunstância alheia ao contrato, e

conseqüentemente alheia à vontade das partes, que venha a causar

onerosidade excessiva à prestação de uma delas, será considerada

imprevista.

Vale citar trecho elucidativo da obra de Anísio José de Oliveira:

Não basta qualquer mudança, ainda que imprevista; é necessário que a mudança determine uma tal agravação da prestação que, se prevista, teria levado os contratantes a não concluírem o contrato.165

Com fins de elucidar melhor a questão, vejamos trecho da obra de

Adriana Gavazzoni:

A vontade das partes não deve sofrer alterações e, com certeza, não foi vontade das partes a modificação conjuntural e o

165 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 35.

67

desequilíbrio dos contratos, porque, provavelmente se soubessem da transfiguração que poderiam sofrer suas obrigações com o decurso do tempo, jamais teriam contratado da forma que o fizeram.166

Por óbvio que ninguém quer ter sua prestação excessivamente onerada

então, se a parte pudesse prever a ocorrência do fato posterior a conclusão

do contrato, que oneraria sua prestação, certamente não manifestaria sua

vontade naqueles moldes, mas em outros que a protegeriam dessa

onerosidade.

Mais adiante retomaremos esse tema na tentativa de criação da

moldura de interpretação da norma, pelo que, por ora, basta elencarmos a

imprevisão como requisito de incidência da teoria da imprevisão.

2.3.2.4 Efeitos

Diante do conceito e dos requisitos da teoria é preciso analisar também

seus efeitos.

Seria injusto determinarmos a validade absoluta dos contratos,

obrigando sua execução pelas partes, não importando à qual situação isso as

submetesse.

Sendo assim, a teoria da imprevisão tem a função de proteger os

contratantes para que eventos novos, ocorridos no lapso de tempo entre a

formação do contrato e o efetivo cumprimento da obrigação, não acarretem

onerosidade excessiva ou enorme dificuldade na realização da prestação de

um deles, disponibilizando nesses casos a revisão contratual.

Existe assim, a possibilidade de resolver ou rescindir o contrato com

base na teoria da imprevisão, entretanto, a opção de revisão vem sendo mais

importante e mais utilizada, tida via de regra, como preferencial à resolução,

pela doutrina e jurisprudência.

Neste sentido vejamos o ensinamento de Anísio José de Oliveira:

166 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 50.

68

Interessante é a observação de Gutierrez, no que se refere a esta polêmica, chegando a afirmar que é exagerado chegar imediatamente à rescisão, quando o que se deve buscar primeiramente é a modificação do contrato mediante revisão do mesmo. Opinamos pela revisão como meio preferencial; no entanto o juiz poderá eleger a resolução se o dito meio preferencial for inadimissível ao caso. E este nosso comedido e recatado parecer encontra ressonância em Ramon Badenes Gasset. Para o autor de El Riesco Imprevisible a cláusula rebus deve funcionar permitindo uma revisão nos contratos e uma dilatação de prazos. 167

Por fim, é importante ressaltar que o contrato deve ser analisado do

ponto de vista do próprio contrato e não de uma ou de outra parte

especificamente. O que deve se objetivar é o seu equilíbrio como condição

inclusive de sua validade, portanto, se algo gerar desequilíbrio, não há

motivo para que o contrato não seja revisto e, dependendo do caso, a

obrigação então onerosa, substituída.

Sendo assim, retirar a obrigação onerosa, para rever o pacto e

encontrar prestação mais adequada ao caso concreto, reequilibrando a

relação contratual, permitindo a manutenção do contrato, é o efeito e o

objetivo da teoria da imprevisão.

Não há dúvidas de que a sua invocação, a desobrigação e a revisão

ensejada por ela podem ser de grande utilidade no mundo dos negócios,

onde as circunstâncias se alteram cotidianamente, seja como uma forma de

preservação da vontade das partes, seja como via de proteção de

desmedidas onerosidades, como pelo equilíbrio e, portanto pela própria

validade, eficácia e continuidade dos contratos.

Entretanto, por estar envolta por conceitos extremamente subjetivos e

relativos, é dever do aplicador do direito pautar-se de extrema prudência ao

decidir sobre sua aplicação, sob pena de utilizar os efeitos dessa poderosa

arma em favor daqueles que buscam obter vantagens indevidas.

2.4 A revisão no âmbito do Direito do Consumidor

2.4.1. Teoria da onerosidade excessiva

2.4.1.1 Conceito

167 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 85-86.

69

Na esteira de proteção ao consumidor temos o surgimento da

possibilidade de revisão dos contratos de consumo pela teoria da

onerosidade excessiva.

Tal teoria vem positivada no inciso V do art. 6º do Código de Defesa do

Consumidor, vejamos:

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor (...) V – a modificação das cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.168

Como bem esclarece o dispositivo legal, o consumidor pode rever ou

modificar seu contrato, diante de cláusulas que estabeleçam prestações

desproporcionais ou em razão de fatos supervenientes que gerem

onerosidade excessiva.

É preciso atentar que na primeira parte do dispositivo a possibilidade

que se descortina é no sentido de restabelecer o equilíbrio diante de

cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais, ou seja, situações

que existem desde o momento da formação do contrato.

Já a segunda parte do artigo prevê a possibilidade de re-equilibrar o

contrato diante de fatos supervenientes que o tornem excessivamente

oneroso, ou seja, diante de fatos posteriores a formação do contrato.

Neste estudo, nos interessa analisar a segunda parte, ou seja, a

possibilidade de revisão por fatos supervenientes que acarretem onerosidade

excessiva.

Grande discussão doutrinária existe acerca da natureza desta segunda

parte se aproximar ou não da teoria da imprevisão, sendo afirmado inclusive,

que o artigo é a própria teoria da imprevisão “Provavelmente, o momento

culminante de todo este processo de adoção da cláusula rebus sic stantibus

no Direito positivo brasileiro esteja no art. 6º, inciso V, do Código do

Consumidor(...)”169

168 BRASIL, Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. op. cit. 169 MORAES, Maria Celina Bodin. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de direito Civil. São Paulo, v. 65, p. 281, jul./set. 1993.

70

Entretanto, esta não nos parece ser a visão mais adequada, tendo em

vista a ausência do requisito imprevisibilidade para o ensejo da revisão

consumeirista. Neste sentido:

No art. 6º do CDC, justamente no tocante aos efeitos oriundos de situações upervenientes ocorre a ratificação da harmonia proposta pela teoria da imprevisão, a qual surge para solucionar as conseqüências que acarretam excessiva onerosidade a uma das partes. Contudo, o sistema brasileiro de defesa e proteção do consumidor (e dos equiparados por força legal à situação de consumidor) aboliu a imprevisibilidade como requisito para a revisão ou modificação do contrato.170

Pode se afirmar que a ausência do requisito imprevisibilidade decorre

da vulnerabilidade inerente aos consumidores. Vejamos o conceito de

vulnerabilidade “A vulnerabilidade é geral e decorre da simples situação de

consumidor; já a hipossuficiência decorre de condições pessoais e relativas a

cada consumidor;”171

Assim, não há como se equiparar a teoria da imprevisão com a teoria

da onerosidade excessiva172, vez que ambas diferem em diversos aspectos,

conforme restará demonstrado nos tópicos seguintes.

2.4.1.2 Surgimento

Da mesma forma que a teoria da imprevisão somente surgiu, na forma

positivada, em nosso ordenamento com a entrada em vigor do Código Civil

de 2002, a teoria da onerosidade excessiva também surgiu somente com o

advento do Código de Defesa do Consumidor.

Isto porque:

Mesmo com o reconhecimento da existência da cláusula rebus sic stantibus, nosso sistema legal achava-se desprovido de preceito

170 EFING, Antônio Carlos. Revisão Contratual. In: ________ (org.). Direito das Relações Contratuais. Curitiba: Juruá, 2002. p.34. 171 Ibid. p. 33 172 EFING, Antonio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.p. 65.

71

legal autorizando a revisão contratual. Com a alteração dessa realidade, inaugura-se uma nova fase no direito brasileiro.173

Ademais, ressalte-se que a inserção da teoria da onerosidade

excessiva no diploma de proteção ao consumidor, está amplamente alinhada

com o espírito deste sistema, o qual se inspira no equilíbrio das relações de

consumo174.

2.4.1.3 Requisitos de aplicação

Passamos agora a analisar mais de perto os requisitos para a

incidência da revisão contratual de consumo, com base na teoria da

onerosidade excessiva.

2.4.1.3.1 Validade da cláusula Como primeiro requisito para a incidência da revisão, temos a validade

da cláusula contratual que se pretende rever.

Isto porque, o Código de Defesa do Consumidor estabelece em seu

artigo 51 as hipóteses de cláusulas abusivas, dentre elas, aquelas que se

mostram excessivamente onerosas e, impõe nestes casos o reconhecimento

de nulidade absoluta.

Assim, todas as cláusulas que forem abusivas, não serão objeto de

revisão, mas de reconhecimento de nulidade plena, bem como, as práticas

abusivas que também não gerarão revisão175.

Desta feita, somente são passíveis de revisão, as clausulas que não

sejam nulas, vez que, a revisão pressupõe interpretação e reforma, o que é

impensável em uma cláusula nula.

173 EFING, Antonio Carlos. A revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor (...) op. cit. p. 74. 174 Ibid. p. 86. 175 Ibid. p. 90.

72

Contudo, podem-se revisar as repercussões econômicas de uma

cláusula nula.

2.4.1.3.2 Superveniência

Do requisito acima exposto, extraí-se o segundo requisito para a

incidência da revisão com base na teoria da onerosidade excessiva.

Tal requisito é a superveniência do fato que gerou desequilíbrio, pois

se a causa do desequilíbrio for uma cláusula contratual já existente, a

solução será o reconhecimento de nulidade desta.

Outro aspecto da superveniência do desequilíbrio é que o consumidor

não pode contratar já sabendo que a prestação que assume é

excessivamente onerosa.

Noutras palavras, a onerosidade excessiva deve advir de fato

superveniente, posterior, à contratação, sob pena de afronta ao dever de

boa-fé.

2.4.1.3.3 Onerosidade Excessiva

Por fim, o terceiro e mais polêmico e fundamental requisito para a

incidência da revisão, é a existência de onerosidade excessiva para o

consumidor.

Mais polêmico porque é subjetivo, mais fundamental porque é o núcleo

gravitacional da teoria, emprestando-lhe inclusive o nome “teoria da

onerosidade excessiva”.

Seguindo o espírito do Código de Defesa do Consumidor, pode-se

afirmar que a onerosidade excessiva decorre da ocorrência de um

desequilíbrio no contrato, ainda que sem expressão financeira.

Na maioria das vezes, as partes contratantes têm como fator decisivo para a formação do vínculo contratual, a equivalência e equilíbrio das obrigações (ou prestações) assumidas. Na realidade,

73

qualquer obrigação que se mostre indevida, mesmo que não possua expressão financeira, já representa onerosidade a ponto de ensejar a revisão contratual com base na aplicação da teoria da onerosidade excessiva.176

Assim, entendemos que a configuração da onerosidade excessiva,

deve ser interpretada do ponto de vista do consumidor, sempre de maneira

mais favorável a este, por ser o intuito da lei a proteção dos consumidores e

equiparados.

Mais adiante, dedicaremos tópico específico ao estudo do termo

onerosidade excessiva, buscando apresentar a “moldura” interpretativa da

norma, pelo que por ora, nos limitaremos a apresentar a onerosidade

excessiva como requisito de incidência da teoria da onerosidade excessiva.

2.4.1.4 Efeito

Vistos os requisitos de aplicação da teoria da onerosidade excessiva,

resta afirmar que o efeito de sua incidência é a alteração de cláusulas

contratuais, tendo em vista o reequilíbrio da relação.

Em outras palavras, o efeito esperado com a incidência da teoria, é a

adaptação para a manutenção contratual, sempre que possível.

De qualquer forma,é evidente que, havendo condições de aproveitamento do negócio jurídico válido, a modificação contratual é medida que recebe prestígio do sistema, já que almeja a satisfação dos interesses das partes contraentes, ainda que não realizados na forma plena concebida a época da celebração do pacto.177

Assim, a aplicação da teoria da onerosidade excessiva visa à

manutenção do contrato mediante a garantia do equilíbrio contratual, por ser

este essencial à continuidade das relações contratuais. Neste sentido:

Percebe-se, portanto, que o CDC prima pela prevalência do contrato (conforme a nova teoria contratual) oferecendo ao consumidor possibilidades para a resolução de conflitos (sem a

176 EFING, Antônio Carlos. A revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor (...) op. cit. p. 80. 177 Ibid. p. 71.

74

extinção do contrato) decorrentes dos elementos das relações contratuais, especialmente os relativos às prestações.178

Tecnicamente, é importante neste ponto distinguir o termo modificação

do termo revisão, ambos possibilitados pela teoria da onerosidade excessiva.

Segundo Antônio Carlos Efing, a modificação ocorrerá sempre que for

possível se estabelecer novamente o equilíbrio contratual, preservando sua

execução:

A modificação contratual terá lugar quando houver a possibilidade de restabelecer o equilíbrio contratual afetado por fato superveniente À celebração do contrato, ou seja, preserva-se de todas as formas a possibilidade de execução da avença, estabelecendo-se novas condições que a propiciem sem a imposição de sacrifício a uma das partes que represente a alteração da equivalência obrigacional visualizada na celebração do contrato.179

Enquanto que, segundo o mesmo autor, a revisão caberia nas

hipóteses de cláusulas já extintas ou realizadas:

Por outro lado, a revisão proporciona a análise das condições contratuais até já extintas ou de obrigações já realizadas, almejando, da mesma forma, a manutenção da equivalência obrigacional que informou a celebração do contrato.180

Diante do exposto, percebe-se que o efeito da incidência da teoria da

onerosidade excessiva, consiste na alteração ou adaptação de cláusulas,

para possibilitar o reequilíbrio contratual.

2.5 As diferenças entre o “ rebus sic stantibus” e a teoria da imprevisão

Após a análise dos principais institutos da teoria de revisão é válido,

neste momento, traçarmos algumas importantes diferenças existentes entre

eles.

É imprescindível mencionar que o princípio rebus sic stantibus foi a

base de toda a teoria revisionista, do qual decorreram a teoria da imprevisão

178 EFING, Antonio Carlos. A revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor (...) op. cit. p. 83. 179 Ibid. p 84. 180 Ibid. p. 84.

75

e a da onerosidade excessiva, portanto, muitas semelhanças são observadas

entre os três instrumentos. Entretanto, existem diferenças que precisam ser

levadas em consideração.

Ao confrontarmos o princípio rebus sic stantibus com a teoria da

imprevisão, percebemos que se aproximam bastante, entretanto se afastam

com relação a três elementos fundamentais.

Recorremos aqui à obra de Adriana Gavazzoni:

Em primeiro lugar, a cláusula rebus sic stantibus, em sua origem, destinava-se à rescisão contratual pelo advento de fatos novos e imprevisíveis, enquanto a teoria da imprevisão, em demonstração clara de evolução, prevê primeiramente a alteração das obrigações contratuais como possibilidade de reequilibrio das obrigações, para somente na impossibilidade do reequilibrio admitir a rescisão. Outro elemento que diferencia as teorias é a ênfase doutrinária à valoração do elemento-surpresa na teoria da imprevisão, em que se verifica o grau da imprevisão do acontecimento para saber da incidência da cláusula, o que não nos parece era apreciado na cláusula rebus sic stantibus. Ainda há uma diferença fundamental entre os dois institutos que é a necessidade de previsão contratual ou legal da imprevisão, conforme analisaremos posteriormente, enquanto a cláusula rebus sic stantibus encontra apoio de existência supratextual e legal, como princípio ínsito aos contratos.181

Ou seja, os institutos se diferenciam primeiramente pelo elemento

imprevisão, que no princípio não é exigido, enquanto que, na teoria da

imprevisão é requisito severo para a aplicação.

O segundo elemento diferenciador é quanto à revisão que, para a

teoria da imprevisão é o meio preferencial, enquanto que o princípio rebus sic

stantibus nada fala sobre esta possibilidade, sendo tendente à rescisão.

E o terceiro ponto diferenciador é a necessidade de desproporção

manifesta ou onerosidade excessiva, para incidência da teoria da imprevisão,

enquanto que o princípio rebus sic stantibus apenas prevê a alteração das

circunstâncias entre o momento de formação e execução do contrato.

2.6 As diferenças entre o “ rebus sic stantibus ” e a teoria da onerosidade excessiva

181 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 60.

76

Ao confrontarmos o princípio rebus sic stantibus com a teoria da

onerosidade excessiva, percebemos, diante dos requisitos anteriormente

estudados que existe bastante proximidade entre os institutos e dois pontos

de diferenciação.

O primeiro deles é a necessidade de onerosidade excessiva ao

consumidor, que é exigida para a incidência da teoria da onerosidade

excessiva e prescindida para a incidência do princípio rebus sic stantibus.

O segundo ponto de diferenciação é a unilateralidade da teoria da

onerosidade excessiva, que visa proteger ao consumidor, não podendo ser

invocada pelo fornecedor, enquanto que o princípio é de aplicação bilateral.

Neste sentido é o ensinamento de Cláudia Lima Marques: “(...) a

onerosidade excessiva e superveniente que permite o recurso a esta revisão

judicial é unilateral, pois o art. 6º do CDC institui direitos básicos apenas ao

consumidor.”182

Em contrapartida, observam se proximidades entre os institutos, vez

que, ambos independem de previsão contratual para incidirem e ambos

prescindem do requisito imprevisibilidade.

2.7 As diferenças entre a teoria da imprevisão e a teoria da onerosidade excessiva

Por fim, ao confrontarmos a teoria da onerosidade excessiva com a

teoria da imprevisão, surgem diferenças fundamentais que as separam.

Como vimos nos tópicos anteriores, para a incidência da teoria da

onerosidade excessiva, não é necessário o elemento imprevisto, bastando

que o fato seja superveniente.

Contudo, o sistema brasileiro de defesa e proteção do consumidor (e aos equiparados, por força legal, à situação de consumidor) aboliu a imprevisibilidade como requisito para a revisão ou modificação do contrato, abolindo assim um dos requisitos mais

182 MARQUES, Cláudia Lima. op. cit. p. 299.

77

difíceis de comprovação: a previsibilidade ou não da situação que veio a proporcionar o desequilíbrio contratual.183

Ademais, a teoria da onerosidade excessiva é instrumento unilateral,

enquanto que a teoria da imprevisão é bilateral.

Ainda, a onerosidade excessiva exigida para a incidência da teoria da

onerosidade excessiva é mais branda que a exigida para a incidência da

teoria da imprevisão, diante da vulnerabilidade inerente aos consumidores e

da conseqüente necessidade de proteção a eles.

2.8 O fundamento da teoria revisionista

Neste ponto, para bem esclarecer como deve operar a revisão,

trataremos de seu fundamento jurídico.

Assim, com o intuito de descobrirmos o fundamento da revisão,

primeiramente abordaremos o papel da fundamentação dos institutos e sua

relevância e por fim, abordaremos as principais teorias de fundamentação

elaboradas pela doutrina.

2.8.1 O papel da fundamentação

Buscar a fundamentação de algo é buscar a sua fonte, sua base, aquilo

que lhe justifica.

Uma vez claro o fundamento do instituto, obvia-se a forma de sua

aplicação e interpretação.

O fundamento exerce um papel circular, pois ao mesmo tempo é a base

e o fim dos institutos, é a essência e a forma de sua aplicação.

Quando tratamos de um instituto no qual a aplicação é ampla e cheia

de subjetividades, a busca de seu fundamento assume maior relevância.

183 EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários (...) op. cit. p. 86-87.

78

Desta feita, o fundamento servirá sempre como um norte, como uma

forte orientação rumo à efetividade do direito.

Ressalte-se que o fundamento que aqui se busca, é aquele encontrado

no próprio ordenamento184, vez que buscamos o fundamento de um direito

que se tem, a saber, o da revisão contratual.

Assim, resta verificar qual princípio do ordenamento está a

fundamentar a revisão dos contratos, ou qual princípio inspirou a inserção

das teorias revisionistas em nosso ordenamento.

Para tanto, é preciso mencionar que não estamos em busca de um

fundamento absoluto ou derradeiro, por ser uma ilusão impossível nos dias

atuais185.

Mas do contrário, buscamos quais valores últimos se buscam realizar

por meio da revisão:

O fundamento de direitos – dos quais se sabe apenas que são condições para a realização de valores últimos – é o apelo a esses valores últimos. Mas os valores últimos, por sua vez, não se justificam; o que se faz é assumi-los186.

Derradeiro, nossa busca de fundamentação visa encontrar os valores

últimos da revisão contratual, valores estes que serviram de base ao seu

surgimento e devem servir de norte à sua aplicação.

2.8.2 As teorias de fundamentação

Diante da importância da fundamentação a doutrina ao longo dos anos

vêm se esforçando para definir o fundamento da revisão dos contratos.

Porém, é importante afirmar que existe pouco consenso a respeito do

tema e que, o que mais se observa é uma teoria refutando a anterior e sendo

refutada pela posterior, sucessivamente. 184 “O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter. No primeiro caso, investigo o ordenamento jurídico positivo, do qual faço parte como titular de direitos e deveres (...)” BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 15. 185 Ibid. p. 16-17. 186 Ibid. p. 18.

79

Aponta Anísio José de Oliveira187 como primeira teoria a da

Pressuposição, sustentada por Bernard Windscheid, que informa que quem

contrata parte do pressuposto que tudo ocorrerá dentro do previsto, caso isto

não ocorra, sem a concorrência de culpa da parte, ela se desobrigará com

relação à prestação e o pacto deverá ser revisto.

Trata-se de uma pressuposição subjetiva que determinou a vontade de

querer assumir tal obrigação. A principal crítica é que como essa teoria é

fundamentada em uma condição tácita (vontade do sujeito), torna-se

demasiada subjetiva.

Opinamos que, a adoção desta teoria nos levaria a difícil análise do

íntimo do psicológico das partes, gerando assim grande insegurança jurídica,

além de se basear na ocorrência de algo além do previsto, o que não é

requisito para a revisão dos contratos de consumo.

A segunda teoria apresentada por Márcio Klang188 é a da Vontade

Marginal, sustentada por Giuseppe Osti, que afirma que o vínculo

obrigacional ocorre em dois momentos, o da declaração da vontade e o da

execução do contrato.

Neste contexto o autor da teoria diferencia a vontade contratual (de se

obrigar ao cumprimento), da vontade marginal (adotar o comportamento a

que se obrigou), sendo assim, se faltar correspondência entre essas duas

vontades a parte ficaria desobrigada da prestação, revendo-se o acordo.

A principal crítica a essa teoria é que o cumprimento do contrato ficaria

submetido ao arbítrio das partes, o que é inaceitável no cenário hodierno189,

concordamos com o autor neste sentido.

Entendemos ainda que, diante do conceito de contrato atual190, não há

como acolher teorias fundadas somente na vontade das partes como

fundamento adequado para a revisão, pois o contrato é mais do que o

elemento volitivo.

187 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 92. 188 KLANG, Márcio. op. cit. p.22. 189 Ibid. p.23. 190 “a nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha importância.” MARQUES, Cláudia Lima. op. cit. p. 175.

80

A terceira teoria apresentada por Anísio José de Oliveira191 é a da base

do negócio jurídico, sustentada por Paul Oertmann, fundada na análise

psicológica do conteúdo da vontade e nas representações mentais dos

contratantes.

Vale transcrever a explicação dada pelo autor:

Tais representações mentais seriam a premissa de origem do acordo de vontades, no sentido de que a existência de certas condições básicas, tais como o equilíbrio entre os esforços das partes, a equivalência das prestações, a existência no mercado da res objeto da avença, a permanência do preço acordado, determinaria o respeito ao contrato e uma vez que tal realidade sofresse alterações, em função de fatos supervenientes, a base do negócio desapareceria. Em tal caso, o contrato, com forma antiga e conteúdo novo, não corresponderia mais à vontade das partes, e o ideal seria que fosse resilido pelo juiz, ou por este adaptado para aquilo que teria sido querido, se as partes tivessem representado tais acontecimentos. 192

O autor traz ainda a definição de base de negócio dada pela

jurisprudência cível do Supremo Tribunal de Reich, citada por Karl Larenz:

As representações sobre a existência e permanência de certas circunstâncias fundamentais, as quais, sem haver chegado a fazer parte do contrato, foram tornadas base do negócio, seja por ambos os contratantes, seja por um só, sabendo-o o outro e não as rechaçando, a cujo efeito não devem tomar-se em conta as variações previstas ou previsíveis. 193

Afirma também que, a teoria da base do negócio jurídico, é a que

melhor fundamenta a teoria revisionista194.

Porém, na realidade da revisão pela teoria da onerosidade excessiva, a

teoria da base do negócio não se sustenta, vez que, mesmo sem alteração

das bases do negócio é possível rever o acordo, desde que haja alguma

alteração e que ela gere excessiva onerosidade, pelo que não consideramos

adequada tal fundamentação.

A quarta teoria apresentada por Otávio Luiz Rodrigues Júnior195 é a do

erro, defendida por Achille Giovène e por Jair Lins, que afirma que é possível

191 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 101. 192 KLANG, Márcio. op. cit. p. 23. 193 Ibid. p.24. 194 Ibid. p.26.

81

a anulação do negócio jurídico quando o agente incidir em erro,

representando uma situação de forma diferente à realidade. Nas palavras de

Márcio Klang:

Em outras palavras, na hipótese de divergência entre a suposição ensejadora da determinação da vontade e a realidade contemporânea à época da realização do comportamento prometido, face à superveniência de evento imprevisto e imprevisível, haveria erro daquele que se obrigou, e o contrato poderia ser anulado por vício do consentimento.196

A crítica feita a esta teoria é que, no momento da conclusão do negócio

não houve erro, pois o agente conhecia a situação fática circunstancial e é

impossível se falar em erro, em vício do consentimento, incidente sobre fato

superveniente, posterior a sua manifestação de vontade, portanto,

concordamos que não há como se fundamentar a revisão desta forma197.

A quinta teoria apresentada por Arnoldo Medeiros da Fonseca198 é a da

situação extracontratual, defendida por A. Bruzin, que afirma que o contrato é

limitado pelos efeitos possíveis ou previsíveis no momento da contratação,

dividindo as circunstâncias contratuais (previsíveis) e as extracontratuais

(imprevisíveis que poderiam afastar a força obrigatória do pacto, gerando a

revisão).

A crítica a esta teoria é que ela repele tanto a idéia de revisão

contratual que a coloca no campo extracontratual, afirmando inclusive seu

defensor, que o contrato não admite a quebra do vínculo obrigacional199, pelo

que, concluímos que não deve ser adotada como teoria de fundamentação.

Além disso, não é preciso imprevisão para que ocorra a revisão nos

contratos de consumo, pelo que, resta afastada.

A sexta teoria apresentada por Márcio Klang200 é a do dever de esforço,

sustentada por R. Hartmann, que afirma que o vínculo obrigacional entre as

partes restringe-se ao dever de esforço e que, se o devedor dedicar-se ao

195 JUNIOR, Otávio Luiz Rodrigues. Revisão Judicial dos Contratos. Autonomia da Vontade e Teoria da Imprevisão. 2ª ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 82. 196 KLANG, Márcio. op. cit. p.26. 197 Ibid. p. 26. 198 FONSECA, Arnoldo Medeiros. Caso Fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 214. 199 KLANG, Márcio. op. cit. p.27. 200 Ibid. p. 27.

82

cumprimento de sua obrigação e não obtiver sucesso, devido a um fator

superveniente, ficará desobrigado da prestação e o contrato deverá ser

revisto.

A principal crítica a essa teoria é que ela não se aplica aos contratos

de resultado, onde a obtenção do fim é a obrigação em si e não o simples

esforço, sendo assim, este já é motivo suficiente para descartá-la como

fundamentação201.

A sétima teoria apresentada por Arnaldo Medeiros da Fonseca202 é a do

estado de necessidade, defendida por Lehmann e Covielo, que afirma que se

uma circunstância imprevista colocar o devedor em verdadeiro estado de

necessidade, ele não mais será obrigado a cumprir sua prestação, devendo

rever o que fora pactuado.

A crítica a essa teoria é a falta de critérios determinantes de

demonstração da teoria e do que seria esse tal estado de necessidade, o que

a torna demasiado subjetiva203.

Ademais, não é necessário um estado de necessidade, bastando uma

onerosidade excessiva, tampouco a imprevisibilidade para ensejar a revisão

dos contratos de consumo.

A oitava teoria apresentada por Márcio Klang204 é a do equilíbrio das

prestações, sustentada por Giorgi e Lenel, que afirmam que os fatos que

desequilibrem as prestações, retirando a utilidade do contrato quanto à parte

onerada, justificariam a resolução ou a revisão do contrato.

Com relação à crítica vale transcrever o pensamento do autor:

Cremos que, até certo ponto, nada haveria a criticar quanto a essa teoria, senão o fato de que propõe uma equivalência objetiva de prestações, por sinal, bastante almejável porém inexeqüível no atual contexto jurídico, face a ausência de mecanismos precisos de aferição, e a falta de disposição legal reguladora de tal método de aferição.205

Discordamos quanto à ausência de mecanismos precisos de aferição,

pois quando se trata de determinar o equilíbrio meramente financeiro do

201 KLANG, Márcio. op. cit. p.27-28. 202 FONSECA, Arnoldo Medeiros. op. cit. p. 108. 203 KLANG, Márcio. ibid. p.28. 204 Ibid. p. 29. 205 Ibid. p.29.

83

contrato, a ciência jurídica pode amparar-se de um eficiente instrumental de

cálculos matemáticos, emprestados da ciência matemática financeira.

Entretanto, acreditamos que essa teoria de fundamentação não é

completa (apesar de útil), pois, a incidência da revisão e seu objetivo, não se

restringem aos cálculos matemáticos, devendo levar-se em conta demais

princípios jurídicos como o da equidade ou da própria noção de justiça, o que

nos levaria a um fundamento além da noção de equilíbrio financeiro.

A nona teoria apresentada por Otávio Luiz Rodrigues Júnior206 é a do

fundamento na moral, sustentada por Ripert e Voirin, que afirmam que seria

imoral a onerosidade excessiva acarretada a uma das partes contratantes

devido a um acontecimento superveniente e imprevisto, por isso, o vínculo

obrigacional deveria ser revisto. A crítica a essa teoria é a subjetividade e a

dificuldade de definição do termo “moral”207.

A décima teoria apresentada por Márcio Klang208 é a com fundamento

na extrinsibilidade do fortuito, essa teoria aponta o fortuito (caso de

impossibilidade absoluta) como fundamento da teoria de revisão

(impossibilidade relativa) e já por isso, deve ser descartada como fundamento

plausível à revisão.

A décima primeira teoria apresentada por Anísio José de Oliveira209 é a

do fundamento na socialização do direito, sustentada por Roman Badenes

Gasset, que afirma que o princípio da obrigatoriedade dos contratos está

abaixo dos interesses coletivos, ou seja, credor e devedor fazem parte de um

mesmo contexto de interesses coletivos, sendo assim, a onerosidade

excessiva imposta a um deles devido a um fato imprevisível, seria

inconcebível, pois violaria o princípio da solidariedade entre os homens e

levaria a extinção ou a revisão do vínculo obrigacional.

Afirma Márcio Klang que:

(...) é uma tendência característica do século XX, em contraposição ao excessivo individualismo do século XIX, onde, em nome do respeito à individualidade, sustentava-se, afinal, a prática de arbitrariedade, praticada pelos poderosos. 210

206 JUNIOR, Otávio Luiz Rodrigues. op. cit. p. 86-87. 207 KLANG, Márcio. op. cit. p.30. 208 Ibid. p. 31. 209 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 125. 210 KLANG, Márcio. ibid. p.32.

84

Apesar de acreditarmos na importante função social do contrato, não

podemos afirmar que esta teoria é a que melhor fundamenta a teoria

revisionista, pois a revisão, apesar de gerar reflexos sociais, objetiva

fundamentalmente o reequilíbrio da relação inter partes.

A décima segunda teoria apresentada por Arnoldo Medeiros da

Fonseca211 é a do fundamento na equidade e na Justiça, sustentada pelo

próprio Arnoldo Medeiros da Fonseca e por Darcy Bessone, que afirmam que

o direito traz em si a idéia de equidade, como sendo “elemento de equilíbrio

entre pretensões e interesses contrapostos.212”

Marcio Klag cita o entendimento de Bonnecase:

A equidade ditaria por si mesma a solução na questão da imprevisão, impedindo que uma das partes comprometidas em uma relação jurídica esmagasse a outra em seu benefício. 213

E ainda:

(...) a injustiça que seria cometida com a superveniência imprevista e imprevisível alteradora do ambiente objetivo anterior, ao se exigir o cumprimento literal do contrato em atenção ao pacta sunt servanda, pois que tal postura implicaria onerosidade excessiva do devedor e conseqüente sacrifício extremo, e correspondente enriquecimento inesperado, injusto e indevido ao credor. 214

Apesar da subjetividade do conceito de equidade, não se pode ignorar

essa teoria de fundamentação, pois por estarmos trabalhando com

teorizações jurídicas, seria indevido, senão impossível, afastarmos

completamente a idéia de equidade de nossa análise.

A décima terceira e última teoria apresentada por Márcio Klang215 é a

do fundamento na boa-fé, defendida por Wendt, Klenke, Naquet e Nehemias

Gueiros e consagrada jurisprudencialmente na Alemanha, Hungria, Suíça e

na Polônia, essa teoria afirma que quando uma das partes tem sua prestação

excessivamente onerada, em nome do dever de boa-fé entre as partes, o

vínculo obrigacional deveria ser resolvido ou revisto. O problema dessa teoria 211 FONSECA, Arnoldo Medeiros. op. cit. p. 231. 212 KLANG, Márcio. op. cit. p. 32. 213 Ibid. p. 32. 214 Ibid. p. 32.. 215 Ibid. p.31.

85

seria a subjetividade e a dificuldade de definição de boa-fé nos diversos

sistemas jurídicos.

Porém, se considerarmos a boa-fé em sua vertente objetiva, a

subjetividade se reduz e o fundamento se torna válido.

2.8.2.1. Boa-fé Objetiva

Diante de todas as teorias apresentadas, percebemos que nenhuma

delas é completa em si, portanto, optamos por desdobrar a décima terceira

teoria, de boa-fé para boa-fé objetiva, acreditando nela residir o fundamento

da revisão dos contratos cíveis e de consumo.

Tal desdobramento é necessário porque a boa-fé subjetiva se refere à

intenção do sujeito, a elementos internos e psicológicos do indivíduo,

enquanto que, a boa-fé objetiva estabelece uma série de deveres contratuais,

direcionados a pautar a conduta dos contraentes com higidez, lealdade,

confiança, etc., independendo da vontade, da intenção do sujeito e

constituindo verdadeira regra de conduta.

Ainda, a oitava teoria (do equilíbrio das prestações) e a décima

segunda (da equidade), igualmente constituem fundamento adequado à

revisão.

Devemos levar em consideração a teoria do equilíbrio, pois é preciso

que haja certo equilíbrio financeiro no contrato, tendo em vista que, as partes

negociam e contratam com interesses essencialmente patrimoniais e que, a

onerosidade excessiva, deve cessar com a incidência da revisão. Em

concordância com este entendimento, temos a posição de Adriana

Gavazzoni:

Além de respeito à vontade das partes é à normalidade do contrato, a cláusula rebus sic stantibus tem seu fundamento na necessidade de equilíbrio das prestações, no fato de não se admitir em direito o enriquecimento ilícito, o enriquecimento de um contratante em detrimento da ruína de outro.216

216 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 52.

86

Ainda, devemos acolher a teoria com fundamento na equidade, pois

não bastaria a noção de equilíbrio sem o norte da noção de equidade.

Entendemos que a equidade deverá sempre direcionar qualquer

valoração e conceituação neste campo. Vejamos o que pondera Adriana

Gavazzoni:

Como a justiça e a equidade são fundamentos do Direito e devem pautar as ações humanas de forma natural e espontânea, assim também temos a cláusula rebus sic stantibus como ínsita aos princípios contratuais e existente independentemente da vontade das partes.217

Vejamos quanto ao fundamento na equidade, o que ensina Anísio José

de Oliveira:

A cláusula rebus sic stantibus ou a moderna teoria da imprevisão decorreria da própria Equidade e da própria Justiça, pois o magistrado, na sua árdua função de realizar o direito, posto em contato com o caso prático, pelo inato e irresistível desejo de evitar a iniqüidade, não pode fugir a natural tendência de humanizar a lei.218

Desta feita, deve se considerar para estabelecer o equilíbrio financeiro

do contrato mediante revisão, a idéia de justiça, a condição pessoal das

partes e a capacidade de suportar prejuízos de cada uma delas diante do fato

superveniente, como uma diretriz para o equilíbrio financeiro, ou seja, o

equilíbrio que se almeja com a incidência da teoria revisionista é além de

financeiro, pois advém da união entre equilíbrio financeiro e da noção de

equidade, esta sempre norteando aquele.

Porém, equidade e equilíbrio são princípios decorrentes da boa-fé

objetiva, pelo que consideramos que a linha mestra da fundamentação da

revisão é a boa-fé objetiva.

Inicialmente porque, tanto o Código de Defesa do Consumidor como o

Código Civil positivam e prestigiam a boa-fé. Neste sentido:

As referências à boa-fé objetiva são tão fortes, aliás, no C.D.C. (além do art. 4º, também art. 51, IV) que não é temerário dizer que a

217 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 56. 218 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 37.

87

idéia de boa-fé constitui a inspiração principal da legislação sobre defesa do consumidor no Brasil219. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé220.

Em segundo lugar porque a revisão dos contratos objetiva o re-

equilíbrio das relações e é impossível equilíbrio sem boa-fé: “O justo

equilíbrio das prestações implica a existência de boa-fé, e a boa-fé

dificilmente existirá se não existir um equilíbrio contratual justo.”221

Vejamos o conceito de boa-fé objetiva trazidos por Judith Martins

Costa:

Já por ‘boa-fé objetiva’ se quer significar – segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao §242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países do commow law – modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar sua própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subjuntivo.222

Já Sílvio de Salvo Venosa ensina que:

(...) esse princípio se estampa pelo dever das partes de agir de forma correta antes, durante e depois do contrato, isso porque, mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais. (...) Na análise do princípio da boa-fé dos contratantes, deve ser examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, o momento

219 Antonio Junqueira de Azevedo. Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor: Estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. In Cadernos da Pós-Graduação – Edição Extra – Seminário Brasilcon. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ano 4, nº 5, ago., 1998, apud CARPENA, Heloísa. A boa-fé como parâmetro de abusividade no direito contratual. In: TEPEDINO, Gustavo (coord) Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 317. 220 BRASIL, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. CÓDIGO CIVIL. Disponível em: http://www.senado.gov.br: Acesso em: fev. 2009. 221 Rodrigo Bergovitz in Comentários a le ley general para la defensa de los consumidores y usuários. Editorial Civitas, p. 253, citado por MARTINS, Plínio Lacerda. O abuso nas relações de consumo e o princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 222 COSTA, Judith Martins. op. cit. p. 411-413.

88

histórico e econômico. É ponto da interpretação da vontade contratual.223

Percebe-se que a boa-fé objetiva estabelece o dever de isonomia e

lealdade e, dela decorrem outros princípios como o da equidade e o do

equilíbrio224.

Assim, já que o objetivo da revisão é a continuidade das relações

mediante o re-equilíbrio e a equidade225, fica claro que a linha mestra de sua

fundamentação é a boa-fé objetiva que contém e visa efetivar os mesmos

valores.

Ademais, a revisão contratual encontra plena consonância e é medida

que se clama, para a efetivação do princípio da função social do contrato, já

exposto no item 1.1.3.1.1 supra, pois é instrumento de preservação do

interesse coletivo.

Diante de todo o exposto, conclui-se que o trabalho de encontrar o

fundamento da revisão dos contratos é de grande relevância, tendo em vista

o papel do fundamento na facilitação da aplicação e interpretação da revisão.

223 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. v. 2. 5.ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 408. 224 Segundo Paulo Nalin a transparência, a equidade e a confiança são princípios decorrentes da boa-fé. NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 137. 225 “A excessiva onerosidade imposta a uma das partes contraentes não pode preponderar sobre os objetivos almejados no momento da contratação. Na maioria das vezes, as partes contratantes têm como fator decisivo para formação do vínculo contratual a equivalência e equilíbrio das obrigações (ou prestações) assumidas.” EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários (...) op. cit. p. 85-86.

89

3. QUESTÕES POLÊMICAS Superadas as análises conceituais sobre os contratos e sobre os

instrumentos de revisão, passamos agora a analisar duas questões

polêmicas que envolvem o tema.

A primeira delas é a contrariedade ou não do pacta sunt servanda com

a teoria de revisão.

Tal questão mostra-se relevante, pois por muitos anos a jurisprudência

e a doutrina, afastaram a incidência da revisão por considerar que ela

contrariaria o princípio pacta sunt servanda.

No direito brasileiro, por muito tempo, foi aceita com restrições pela jurisprudência a aplicação da teoria da imprevisão para a revisão das condições contratuais.226 No mesmo sentido temos a lição de Adriana Gavazzoni: A resistência por parte da doutrina e da jurisprudência em aceitar a cláusula rebus sic stantibus deve-se, sobretudo, à divergência que alguns doutrinadores encontraram entre esta cláusula e o princípio pacta sunt servanda.227

Diante disso, a solução doutrinária foi a de afirmar a flexibilização do

princípio para acolher a revisão, entretanto, acreditamos que a idéia de

flexibilização merece uma análise mais atenta.

A segunda questão, ainda mais polêmica, é a subjetividade e a

imprecisão dos requisitos de aplicação da revisão.

Esse ponto é ainda mais polêmico, pois é o aspecto que mais dificulta

a incidência da revisão contratual, vez que, traz ao magistrado a difícil

missão de verificar a ocorrência de imprevistos e de onerosidades excessivas

no caso concreto.

A Lei n- 8.078, de 11/9/901, artigo 6-, dispõe que é direito do consumidor a revisão de cláusula contratual quando sobrevenha fato que a torne excessivamente onerosa. Não há critério objetivo definindo o que seja a "onerosidade excessiva”, de onde remete-se

226 EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários (...) op. cit. p.84. 227 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 48.

90

ao prudente arbítrio do Magistrado a formação de sua convicção sobre eventual ocorrência.228

O extremo desequilíbrio das prestações não pode ser identificado de modo geral e abstrato, para todo tipo de relação contratual, mas varia em relação aos diversos tipos de contrato e aos particulares mercados e conjuntura econômicas. Cabe, portanto, ao juiz avaliar se a onerosidade surgida posteriormente no contrato submetido ao seu juízo pode considerar-se excessiva.229

Assim, enfrentaremos tal questão, com o objetivo de apontar alguns

parâmetros interpretativos, que facilitem o árduo trabalho de aplicação da

norma.

3.1 A contrariedade com o “ pacta sunt servanda”

A crença de contrariedade da revisão com o princípio pacta sunt

servanda conduziu, por muitos anos, à exclusão da revisão em atenção ao

princípio.

Assim, procuraremos demonstrar que inexiste contrariedade, mas

complementaridade entre os institutos, mediante uma análise mais profunda

do princípio.

3.1.1 Conceito do “ pacta sunt servanda”

A idéia da máxima pacta sunt servanda assegura que, o contrato é lei

entre as partes e que, por isso, deverá sempre ser respeitado e cumpridas as

obrigações nele constantes.

Para melhor entendermos o princípio pacta sunt servanda vale citar o

ensinamento de Anísio José de Oliveira:

228 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL 10a. Câmara APELAÇÃO C/ REVISÃO No. 652006-00 /0 Relator: Irineu Antonio Pedrotti. Data do Julgamento: 07/05/2003 Data de registro: 09/05/2003. 229 LOUREIRO, Luiz Guilherme de Andrade Vieira. Teoria Geral dos Contratos no Novo Código Civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2002. v. 1. p. 262.

91

Realmente, uma vez observadas as exigências legais, querendo isto dizer, possuindo o contrato um teor válido, as partes não podem dele mais se depreender, tornando-se obrigatório sua observância. Há como que uma equiparação entre a lei e o contrato, no que concerne à sua força coercitiva. E efetivamente, refere S. Lopes, entre o contrato e lei observam-se certos pontos de perfeita correspondência, exceto na extensão de sua eficácia, pois, enquanto a lei é uma ordem geral, destinada a uma coletividade, o contrato tem efeitos limitados às próprias partes contratantes. Dessa equiparação do contrato à lei, nasceu o princípio: pacta sunt servanda. 230

Importante é a noção acima transcrita, pois esclarece a idéia de

equiparação do contrato à lei, com a única diferenciação de extensão dos

efeitos entre uma e outro, vista que, a lei possui efeitos para a coletividade,

enquanto que, o contrato possui efeitos inter partes (entre as partes).

Prosseguindo, vejamos o conceito apontado por Adriana Gavazzoni:

Pelo princípio pacta sunt servanda, de força obrigatória dos contratos ou imutabilidade das convenções, as partes são livres para contratar, mas as obrigações assumidas de livre vontade pelas partes não podem ser modificadas.231

Diz Orlando Gomes a respeito da força obrigatória do contrato que:

Celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos.232

Percebe-se que Orlando Gomes vincula a prevalência do princípio

pacta sunt servanda, ou seja, a obrigatoriedade dos contratos, à observância

dos requisitos e pressupostos de validade contratual.

Na mesma linha de Orlando Gomes temos Maria Helena Diniz que

afirma que o princípio pacta sunt servanda se justifica porque "o contrato,

uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico,

constituindo uma verdadeira norma de direito".233

230 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 19. 231 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 48. 232 GOMES, Orlando. Contratos. 25ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 36. 233 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 1999, vol 1, 3 ed. p.66.

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3.1.2 Surgimento do “ pacta sunt servanda”

É difícil a tarefa de precisar o momento de surgimento do princípio

pacta sunt servanda, entretanto, pode-se afirmar que sua origem é longínqua,

acreditando-se que residiria já nos ditames do Direito Canônico.

Neste sentido temos a lição de Anísio José de Oliveira:

Entretanto, a concepção da vontade soberana, como criadora de direitos e obrigações, tem suas fontes longínquas no direito canônico, informa Paul Esmen, que procurou implantar profundamente na consciência humana o respeito da palavra dada, sob qualquer forma material porque a vontade se tenha manifestado.

Entretanto, se por um lado é difícil a definição do momento de

surgimento do princípio pacta sunt servanda, por outro, é fácil notar que seu

período de maior relevância deu-se no século XIX, com o liberalismo do

Estado Moderno.

Vejamos Cláudia Lima Marques:

No século XIX, auge do Liberalismo, do chamado Estado Moderno, coube à teoria do direito dar forma conceitual ao individualismo econômico da época, criando a concepção tradicional de contrato, em consonância com os imperativos da liberdade individual e principalmente o dogma máximo da autonomia da vontade.234

Percebemos que, o grande prestígio da autonomia da vontade em uma

sociedade individualista e que prezava a todo custo a não intervenção

Estatal, fez surgir o momento auge do princípio pacta sunt servanda.

Vale transcrever outro trecho da obra de Cláudia Lima Marques:

Na visão liberal, o Estado deveria abster-se de qualquer intervenção nas relações entre indivíduos. Assim, se o indivíduo era livre e tinha a possibilidade de se auto-obrigar, tinha direito também de defender-se contra a imputação de outras obrigações para as quais não tenha manifestado a sua vontade.235

234 MARQUES, Cláudia Lima. op. cit. p. 47. 235 Ibid. p. 49.

93

E ainda:

De outro lado, nesta economia livre e descentralizada, deveria ser assegurado a cada contraente a maior independência possível para se auto-obrigar nos limites que desejasse, ficando apenas adstrito à observância do princípio máximo: pacta sunt servanda.

Por fim, vejamos a consideração de Anísio José de Oliveira:

Nesta manifestação sentimos o liberalismo vigorante no século XIX que fundamentava o preceito segundo o qual devam os co-obrigados cumprir com o predito, se contrataram com liberdade, ainda que do seu cumprimento sobrevenha avultado dano.236

Assim sendo, concluímos que o Estado Liberal e sua filosofia

individualista, não intervencionista e de valorização à autonomia da vontade,

foi o cenário onde o princípio pacta sunt servanda mais se destacou.

Adiante, seguindo a linha dos acontecimentos históricos, percebe-se

que, no século XX, com o advento das Grandes Guerras Mundiais, devido a

uma política de solidariedade social, o adágio pacta sunt servanda,

experimenta um período de certo declínio em face do renascimento do

princípio rebus sic stantibus. Vejamos:

Devemos acrescentar que o renascimento, no século XX, da rebus sic stantibus foi fruto de uma política de solidariedade social almejante de proteção social dos mais fracos, em busca de um maior equilíbrio entre o empregado e o empregador, entre o locatário e o locador, o consumidor em relação ao fornecedor. 237

Isto ocorreu porque diante do cenário de guerra e pós-guerra, pela

drástica alteração nas circunstâncias econômicas e sociais, era praticamente

impossível, senão extremamente penoso, o cumprimento rigoroso dos

contratos. Assim, o princípio pacta sunt servanda cede lugar ao princípio

rebus sic stantibus, vendo diminuir sua influência.

3.1.3 Fundamento do “ pacta sunt servanda”

236 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. p. 20. 237 KLANG, Márcio. op. cit. p. 15.

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Com relação ao fundamento do princípio pacta sunt servanda

observemos o que afirma Cláudia Lima Marques:

(...) como se observa, mesmo nesta exposição alternativa do dogma da liberdade contratual, este aparece intrinsecamente ligado à autonomia da vontade, pois é a vontade que, na visão tradicional, legitima o contrato e é fonte das obrigações (...)”238

Ainda, discorrendo sobre a fundamentação do princípio, temos Adriana

Gavazzoni:

Está baseado o princípio pacta sunt servanda, na autonomia da vontade, na livre escolha pelas partes do conteúdo de seus contratos, vontade que, depois de manifestada, deveria ser mantida.239

Diante dessas citações doutrinárias é fácil perceber que o princípio

pacta sunt servanda surge em decorrência da autonomia da vontade em

sentido amplo, residindo nela seu fundamento.

Isto porque, a idéia de que o contrato é lei entre as partes somente é

aceitável, se considerarmos que as partes foram e são livres para estipular

não só o seu conteúdo, mas a vontade de contratar ou não.

Do contrário, absolutamente impraticável seria a vinculação de alguém

a algo que ela sequer livremente escolheu.

3.1.4 Objetivo do “ pacta sunt servanda”

O objetivo do pacta sunt servanda é a obrigatoriedade dos contratos,

ou seja, a proteção e a manutenção contratual. Vejamos o que diz Maria

Helena Diniz:

Da obrigatoriedade da convenção, pela qual as estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente cumpridas (pacta sunt servanda), sob pena de execução patrimonial contra o inadimplente. Isto é

238 MARQUES, Cláudia Lima. op. cit. p. 49. 239 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 48.

95

assim porque o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o contratante a pedir a intervenção estatal para assegurar a execução da obrigação porventura não cumprida segundo a vontade que a constituiu.240

Podemos perceber que, a força obrigatória dos contratos objetiva à

manutenção da palavra empenhada e, do contrato em si.

Isto ocorre, como vimos, em decorrência do princípio da autonomia da

vontade, vez que, apenas a vontade teria força para criar e extinguir

obrigações. Neste sentido, vale transcrever ensinamento de Cláudia Lima

Marques:

A idéia de força obrigatória dos contratos significa que uma vez manifestada a vontade as partes estão ligadas por um contrato, têm direitos e obrigações e não poderão se desvincular, a não ser através de outro acordo de vontade ou pelas figuras da força maior e do caso fortuito (acontecimentos fáticos externos e incontroláveis pela vontade do homem). Esta força obrigatória vai ser reconhecida pelo direito e vai se impor ante a tutela jurisdicional.

A imposição ante a tutela jurisdicional mencionada pela autora possui

duas implicações, a primeira é que podem as partes recorrer ao Judiciário

com o escopo de se fazer cumprir as obrigações contratuais, a segunda é

relacionada à intangibilidade ou irretratabilidade, decorrente do pacta sunt

servanda, que determina a intangibilidade contratual perante o Poder

Judiciário. A esse respeito, Maira Helena Diniz nos ensina:

O contrato é intangível, a menos que ambas as partes o rescindam voluntariamente ou haja escusa por caso fortuito ou força maior (CC, art. 1.058, parágrafo único). Esse princípio da força obrigatória funda-se na regra de que o contrato é lei entre as partes, desde que estipulado validamente (RT, 543:243, 478:93), com observância dos requisitos legais.241

Ou seja, o objetivo de preservação e manutenção contratual é tomado

de tal forma que afasta e impossibilita, inclusive, a intervenção jurisdicional,

tradicionalmente repugnada, quaisquer que sejam as circunstâncias objetivas

que se apresentem.

240 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático (...) op. cit. p. 66. 241 Ibid. p. 66.

96

Por fim, para reforçar o entendimento sobre o objetivo do princípio em

estudo, é oportuna a passagem da obra de Andréia Cunha:

Assim, a força obrigatória dos contratos compreende a força vinculante do contrato e a obrigatoriedade de respeitar e conduzir a conclusão do negócio nos exatos termos fixados pelos contratantes, não se admitindo modificar o que foi acordado.242

Sendo assim, diante dos ensinamentos doutrinários, faz-se claro que a

força obrigatória dos contratos, ou o princípio pacta sunt servanda, tem como

objetivo a manutenção contratual.

3.1.5 Limitações do “ pacta sunt servanda”

Pelo enfoque dado por Maria Helena Diniz, o contrato só se tornaria lei

entre as partes, integrando o ordenamento jurídico, se fosse concluído

livremente, ou seja, sem vícios (como fraude e coação) com relação à

declaração de vontade e demais requisitos de forma, capacidade e objeto.

Vale ressaltar que o pacta sunt servanda somente obriga as partes nos

limites da lei, ou seja, se tiver sido pactuada qualquer determinação contrária

aos dispositivos legais vigentes, ou contrária à ordem pública, tal acordo

perderá sua força obrigatória.

Importante também lembrar que, primeiramente, o contrato só passa a

ser obrigatório a partir do momento em que forem atendidos os pressupostos

de validade, aos quais Maria Helena Diniz243 chama de "elementos

essenciais".

Os elementos essenciais podem ser divididos em subjetivos, objetivos

e formais. São os elementos subjetivos: a manifestação de vontades

(devendo ser livre de vícios como erro, coação e fraude) e a capacidade

genérica e específica dos contraentes e do consentimento (as partes devem

possuir capacidade civil). Os elementos objetivos são: a licitude do objeto, a

242 CUNHA, Andréia. Direito dos contratos de acordo com o novo código civil brasileiro. vol. 3. Curitiba: Juruá, 2004. p. 16. 243 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático (...). op. cit. p.11.

97

possibilidade física e jurídica e a determinação (o objeto deve ser

determinado ou determinável). Por fim, os formais são: a forma legalmente

exigida ou não vedada244.

Sobre as limitações legais e decorrentes dos elementos essenciais,

recorremos novamente à Cláudia Lima Marques, para trazer uma lição

pertinente "(...) destaca aqui, que esta ampla liberdade de contratar

pressupõe juridicamente a aceitação de que a obrigação assumida é limitada

(...)”245.

Sendo assim, faz-se claro que apesar de prestigiado, o princípio pacta

sunt servanda não pode ser considerado absoluto, pois, como vimos, a força

obrigatória dos contratos é condicionada a certos limites, especialmente os

legais.

3.1.6 A complementaridade da teoria revisionista co m o “ pacta sunt servanda”

Após uma análise mais detalhada percebe-se que a teoria de revisão

visa equilibrar o pacto, por entender que não pode haver contrato se não

houver equilíbrio, sendo assim, se alguma circunstância específica onerar a

prestação de uma das partes, desequilibrando a relação contratual, tal

prestação deve ser retirada e o pacto deve ser revisto, como condição de sua

validade.

A desobrigação do devedor quanto à uma prestação onerosa faz voltar

o “equilíbrio jurídico” contratual, em sendo o equilíbrio condição essencial, a

revisão apenas possibilita a continuidade dos contratos.

Segundo Márcio Klang não se justifica a resistência quanto à teoria da

imprevisão, vejamos:

(...) cremos que a guerra rebus sic stantibus vs. pacta sunt servanda já concluiu seu período de maturação e desenvolvimento para o conseguimento de uma existência pacífica de certa solidez. Assim a resistência à imprevisão não se justifica mais num mundo

244 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático (...) op. cit. p.11-43. 245 MARQUES, Cláudia Lima. 2002. op. cit. p. 49.

98

em que a previsão não existe, em que hoje há paz e amanhã guerra.246

Afirma ainda o doutrinador que o pacta sunt servanda deve ser

interpretado à luz da noção de equidade e de justiça. Vale citar aqui seu

ensinamento:

Cremos, ainda, que o império da palavra empenhada deve ser mantido como princípio norteador das obrigações. Contudo devemos interpreta-lo deforma inteligente pois acima dele está o império da Equidade e da Justiça. 247

Diante de tudo isso, em uma primeira análise poder-se-ia dizer,

precipitadamente, que o princípio do pacta sunt servanda e as cláusulas

revisionistas se contrariam e são sim opostos - segundo uma visão mais

tradicionalista - ou ainda que, apesar de existir contradição essa oposição

seria necessária para proteger as partes de situações extremas ou abusivas.

Entretanto, ao que parece, apesar da aparente contradição e a

despeito da necessariedade dessa contraposição, os institutos são em

verdade complementares, diversos entre si, mas não conflitantes ou

contrários.

Isto porque o princípio pacta sunt servanda surge com o objetivo de

preservar os acordos e sua validade, bem como as teorias de revisão, que

buscam o equilíbrio contratual diante de uma circunstância desequilibradora,

para que os pactos continuem a existir e a produzir seus efeitos, sendo

assim, são complementares na tentativa de proteção dos contratos, um

garantindo sua validade inicial e as outras assegurando a continuidade da

relação contratual.

Portanto, não há confronto entre a teoria revisionista e o pacta sunt

servanda, pois, apesar da teoria revisionista desobrigar o devedor de sua

prestação, e o pacta sunt servanda determinar que a obrigação contratual é

lei entre as partes, ambos fazem suas determinações com o mesmo objetivo,

que é a manutenção da relação contratual.

No mesmo sentido temos a afirmação de Adriana Gavazzoni:

246 KLANG, Márcio. op. cit. p. 13. 247 Ibid. p. 14.

99

Seguindo essa linha de raciocínio, verificamos não haver conflito entre o princípio pacta sunt servanda e o rebus sic stantibus; seriam mesmo complementares.248

Por óbvio são institutos diferentes, possuem fundamentações

diferentes, entretanto seus objetivos são iguais, pelo que se complementam e

não se confrontam, fazendo parte de um mesmo todo na idéia de equilíbrio,

validade e manutenção contratual.

Analisando que pacta sunt servanda significa que o pacto deve valer e

rebus sic stantibus significa no mesmo estado de coisas, se as circunstâncias

continuarem as mesmas do momento de conclusão do contrato ele deve

prevalecer, entretanto se algo ocorrer e alterar fundamentalmente seu

equilíbrio e seu propósito, ele deverá ser revisto e a obrigação onerosa

descartada, para que se re-estabeleça o equilíbrio e assim seja possível a

sua manutenção.

Os institutos convivem em harmonia porque dependem um do outro

para existirem e serem eficazes, neste sentido, vejamos o que pondera

Anísio José de Oliveira “Julgamos como J. M. Othon Sidou, ser o pacta sunt

servanda letra morta sem a condição da rebus sic stantibus.” 249

Sendo assim, a aplicação crescente e tão importante dos institutos

revisionistas não é uma forma de se deixar de lado a idéia do princípio pacta

sunt servanda, pois ambos fazem parte de um mesmo todo de preservação

contratual e preservação da vontade que, se complementam, um não sendo

excludente do outro, podendo e devendo participar inclusive da mesma

sentença frasal, qual seja: Pacta sunt servanda se rebus sic stantibus.

A teoria revisionista objetiva a manutenção da relação contratual, ou

seja, se alguma circunstância afetar o equilíbrio e a equidade contratual, a

aplicação da teoria irá rever o acordo e tentar restabelecer sua condição

originalmente equilibrada, para que, o contrato possa continuar existindo e

produzindo efeitos condizentes com o conjunto principiológico hodierno.

Da mesma forma o princípio pacta sunt servanda, tem como objetivo a

manutenção contratual, assegurando que o contrato deverá ser respeitado.

Entretanto, se afirmamos que a complementaridade da teoria

248 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 50. 249 OLIVEIRA, Anísio José de. op. cit. .p. 155.

100

revisionista com pacta sunt servanda ocorre porque ambos objetivam a

manutenção do contrato, caso mediante a aplicação da teoria revisionista,

acabe-se por rescindir o acordo, não haverá mais complementaridade?

A resposta mais adequada para esse questionamento é negativa, pois,

mesmo assim, existirá a complementaridade, já que o objetivo principal de

ambos continua sendo o mesmo.

Assim, por mais que a teoria de revisão acabe por rescindir o contrato,

a complementaridade existirá, na medida em que o pacta sunt servanda

também encontra suas limitações e as hipóteses em que o contrato poderá

ser rescindido, ou perder a validade.

Por fim, seja no objetivo de manutenção da relação contratual, seja nas

limitações que observam quanto a esse objetivo, se complementam, pois

buscam o mesmo fim, apenas configurado de formas e em momentos

diferentes.

Por isso, não concordamos com a expressão, flexibilização do pacta

sunt servanda, vez que, ela denota uma perda de espaço ao princípio.

Achamos mais adequada a expressão complementaridade, pois não há

a necessidade de modificar ou flexibilizar o princípio, devendo ele

permanecer intacto.

O que se deve fazer é, única e exclusivamente, uma interpretação

conjunta de princípios que são complementares, pacta sunt servanda e rebus

sic stantibus como princípios inteiros e inseparáveis.

3.2. A imprecisão dos requisitos de aplicação

A segunda questão polêmica a ser enfrentada é a subjetividade dos

requisitos de aplicação da teoria de revisão, vez que, por vezes, tal

imprecisão dificulta sua aplicação.

3.2.1 A textura aberta da linguagem

101

Buscaremos, neste ponto, criar uma “moldura” interpretativa para os

termos prestações “excessivamente onerosas” e, acontecimentos

“extraordinários e imprevisíveis”, utilizados na legislação de consumo e cível

como requisitos para a revisão contratual.

Acreditamos que a revisão dos contratos é importante instrumento de

efetivação de direitos fundamentais e de desenvolvimento nacional, pois

assegura o equilíbrio das relações, sem o qual o desenvolvimento é

impensável.

Assim, tendo em vista que a indeterminação da linguagem leva, muitas

vezes, à dificuldade de aplicação do Direito250, este tópico pretende clarear a

indeterminação dos termos legais para possibilitar maior aplicabilidade à

norma jurídica, em especial, a de revisão contratual.

3.2.2. A indeterminação da norma

Pode se afirmar que as normas jurídicas, em sua maioria, são gerais e

abstratas251, possuindo sempre certo grau de indeterminação. Neste sentido,

vejamos:

Em certo sentido uma norma é indeterminada se há mais de uma maneira de cumprir suas exigências. No outro sentido, dizer que uma norma é indeterminada é fazer uma afirmação sobre a falta de unicidade quanto ao que a norma é. A indeterminação do primeiro tipo não é apenas inevitável; é necessária e desejável252.

Como bem ensina a doutrina, a indeterminação que leva às várias

formas de cumprimento da norma não só é inevitável, como desejada, pois dá

margem a livre apreciação na busca da solução “justa”.

250 “Em outras palavras, as limitações da linguagem vão refletir diretamente na possibilidade de concretização dos propósitos do direito.” STRUCHINER, N. Uma análise da textura aberta da linguagem e sua aplicação ao Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 7. 251 “(...) as normas jurídicas podem ser de quatro tipos: normas gerais e abstratas (deste tipo são a maior parte das leis, por exemplo, as leis penais) (...)” BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 4ª ed. rev. São Paulo: Edipro, 2008. p. 183. 252 MARMOR, A. Direito e Interpretação. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 317-318.

102

Outra observação pertinente é que tal indeterminação decorre, muitas

vezes, da própria indeterminação e abstração da linguagem em geral253.

Trazendo os conceitos de indeterminação da linguagem em geral para

o âmbito do direito, temos as preciosas contribuições de H. L. A. Hart254, que

considerou que a norma e a linguagem nela utilizada, possuem um cerne, no

qual a sua aplicação é clara - seriam os casos que tipicamente se enquadram

na hipótese normativa - porém, possuiriam também uma área de penumbra,

onde restariam dúvidas acerca da incidência.

A solução para tais casos de penumbra, ou os chamados hard cases255,

seria o uso da discricionariedade judicial:

Hart descreve o direito como um sistema de regras. De acordo com ele, as regras legais válidas são exaustivas do direito. Entretanto, em certos casos o juiz não terá como tomar uma decisão recorrendo a uma dessas regras. Isso ocorre porque para certos casos concretos que podem surgir não existe uma regra pré-convencionada capaz de oferecer uma resposta correta para o caso, ou porque as regras existentes são inconsistentes, ou, ainda, porque as regras que existem são vagas em razão da linguagem por meio da qual foram escritas. Nesses casos o juiz deverá remediar as lacunas do direito recorrendo ao seu poder discricionário.256

Percebemos que Hart traz a concepção de textura aberta da

linguagem257, como sendo a área de penumbra na qual não sabemos ao certo

se uma norma é aplicável ou não.

253 “O cerne do ceticismo semântico é a afirmação de que não existem fatos que constituam ou determinem o significado de uma frase, de modo que a linguagem é indeterminada no nível mais básico: não existem fatos objetivos que façam com que a linguagem signifique uma coisa e não outra. Assim, não há nenhum sentido em afirmar que uma norma jurídica pode ser satisfeita por algumas ações, mas não outras, já que o significado da regra está sempre ‘esperando para ser capturado’.” MARMOR, A. op. cit. p 328. 254 “Um grupo de argumentos a favor da indeterminação jurídica apóia-se em considerações que se relacionam com a linguagem de maneira geral. Todas as línguas naturais contêm predicados vagos e conceitos de semelhança em família, e o discurso jurídico não é uma exceção. Pode ser impossível determinar se, em alguns casos, uma pessoa sem muito cabelo é um careca, um garrancho é arte, uma compensação é justa ou um processo é devido. No direito, essas preocupações foram abordadas na discussão de H. L. A. Hart sobre a distinção entre o ‘cerne’ e a ‘penumbra’ de termos gerais. Os juízes seguem o Direito quando as normas se aplicam a casos do ’cerne’ de termos gerais, mas devem exercer a discricionariedade quando a questão é saber se a norma se aplica a um caso que se situa na ‘penumbra’ de um termo geral.” Ibid. p. 323-324. 255 “Hart defende a posição intermediária dizendo que no âmbito do direito surgem casos simples que podem ser resolvidos por regras claras e o hard cases que têm de ser resolvidos por critérios que estão além das regras válidas que compõem o direito.” STRUCHINER, N. op. cit.. p. 5-6. 256 Ibid. p. 5. 257 “O que possibilita esse caminho do meio adotado por Hart é, principalmente, a sua concepção sobre a ‘textura aberta’ da linguagem. (...) A textura aberta é a possibilidade permanente da

103

Para esclarecer, vale colacionar a opinião doutrinária:

Conforme mencionado no parágrafo supracitado, a noção de textura aberta da linguagem mostra como as palavras que proferimos às vezes descrevem com exatidão ou alcançam de forma exata aquilo que está no mundo, enquanto que outras vezes existe imprecisão e dúvida sobre aquilo que as nossas palavras pretendem descrever. Hart adotou esse conceito, utilizado para tratar da linguagem natural como um todo, para mostrar como, no direito, as regras legais podem ser aplicadas sem maiores dificuldades em certos casos particulares e, em outros casos, a aplicação pode se mostrar extremamente problemática, demandando a utilização de critérios argumentativos que vão além da mera referência às regras legais.

Pretendemos abordar aqui, especificamente, a dificuldade de aplicação

da norma decorrente da indeterminação de seus termos258, o que nos leva ao

que a doutrina denomina como lacuna de reconhecimento.

Tais lacunas surgem da indeterminação semântica das normas e, como

já mencionado, são inevitáveis e, até desejáveis, em um sistema normativo,

porém, é importante salientar que a existência das ditas lacunas de

reconhecimento, não nos leva à incompletude259 do sistema, pois a resposta

desejada existe, ainda que não consigamos identificá-la facilmente. Nesta

linha de raciocínio:

Nos casos em que não sabemos a solução de um caso particular porque não sabemos em qual predicado factual ele deve ser incluído, fala-se em lacunas de reconhecimento (gaps of recognition).260 (...) as lacunas de reconhecimento, que são geradas em razão da indeterminação semântica dos termos gerais que constituem as regras, não podem ser superadas. No máximo, os problemas provenientes das lacunas de reconhecimento podem ser mitigados por meio do emprego de termos técnicos, mais bem definidos, ou pelo menos mais precisos. Mas, como já foi analisado antes, em

existência de uma região de significado onde não conseguimos determinar com segurança se a palavra se aplica ou não.” STRUCHINER, N. op. cit. p. 6. 258 “Aqui temos em primeira linha a pluralidade de significações de uma palavra ou de uma seqüência de palavras em que a norma se exprime: o sentido verbal da norma não é unívoco, o órgão que tem de aplicar a norma encontra-se perante várias significações possíveis.” KELSEN, H. Teoria pura do Direito. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.p. 389. 259 “Entretanto, a existência de imprecisões no momento da aplicação das regras não leva à incompletude do sistema jurídico. (...) As dúvidas não são provenientes de defeitos no sistema, mas são concernentes à classificação dos casos particulares dentro dos casos genéricos previstos pelo Código. A dificuldade encontrada é decorrente da natureza da linguagem, que é sempre potencialmente vaga.” STRUCHINER, N. ibid. p. 108-109. “Assim, a lacuna de reconhecimento é um tipo especial de lacuna que não tem nada a ver com a incompletude normativa do sistema jurídico.” Ibid. p. 110. 260 Ibid. p. 104.

104

função do fenômeno da textura aberta da linguagem, a indeterminação lingüística é indelével.261

Assim, de um lado, diante da indeterminação recorrente da norma e, de

outro lado, diante da necessidade de sua aplicação, a interpretação surge

como uma ponte entre a norma e o caso concreto, constituindo-se importante

forma de viabilização do direito.

3.2.3. O papel da interpretação

Como vimos, para aplicar o direito, é preciso determinar o sentido das

normas e para tanto, é preciso interpretá-las262.

O papel da interpretação é eliminar a indeterminação da regra para o caso em questão. Portanto, a necessidade da interpretação está vinculada à ocorrência dos casos de penumbra (casos difíceis). Quando o juiz interpreta a regra, escolhendo e argumentando a favor de um dos significados possíveis que podem ser atribuídos a ela, ele está exercendo seu poder discricionário.263

Kelsen264 destaca que o processo de interpretação é a passagem da

norma de escalão superior (lei) para a de escalão inferior (sentença), na qual,

a lei determina tanto a forma quanto o conteúdo da sentença, porém sempre

deixando uma margem de livre apreciação em tal passagem, preenchida pela

interpretação.

Neste sentido, a norma de escalão superior é a “moldura” a ser

preenchida pela norma de escalão inferior, daí o porquê de todo ato jurídico

ser, em parte, indeterminado. Para esclarecer, vale transcrever a lição de

Kelsen:

O direito a aplicar, forma, em todas estas hipóteses, uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que

261 STRUCHINER, N. op. cit. p. 105. 262 “Quando o direito é aplicado por um órgão jurídico, este necessita fixar o sentido das normas que vai aplicar, tem de interpretar estas normas. A interpretação, é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo de aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior.” KELSEN, H. op. cit. p. 387. 263 STRUCHINER, N. ibid. p. 125. 264 KELSEN, H. ibid.

105

é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível.265

Kelsen266 também traça outra distinção importante, destacando duas

formas de interpretação, uma feita pelo juiz, outra, pela ciência jurídica.

Sobre o papel da ciência jurídica o autor assevera:

[...] O resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que apresenta o Direito a interpretar e, consequentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro dessa moldura existem. Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que – na media em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar – têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito – no ato do tribunal, especialmente.267

E critica a postura da jurisprudência tradicional que acredita ser papel

da interpretação determinar uma única forma de preenchimento da “moldura”,

a forma correta, afirmando que tal questão seria um problema de política e

não da ciência jurídica. Vejamos trecho elucidativo:

A jurisprudência tradicional crê, no entanto, ser lícito esperar da interpretação não só a determinação da moldura para o ato jurídico a pôr, mas ainda o preenchimento de uma outra e mais ampla função – e tem tendência para ver precisamente nesta outra função a sua principal tarefa. A interpretação deveria desenvolver um método que tornasse possível preencher ajustadamente a moldura prefixada.268

A questão de saber qual é, de entre as possibilidades que se apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a ‘correta’, não é sequer – segundo o próprio pressuposto de que se parte – uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não é um problema de teoria do Direito, mas um problema de política do Direito.269

Assim, conclui que, além da necessária determinação da “moldura”, o

papel interpretativo de aplicação do direito que define a forma de seu 265 KELSEN, H. op. cit. p. 390. 266 “Dessa forma, existem duas espécies de interpretação que devem ser distinguidas claramente uma da outra: a interpretação do Direito pelo órgão que o aplica, e a interpretação do Direito que não é realizada por um órgão jurídico, mas por uma pessoa privada e, especialmente, pela ciência jurídica.” Ibid. p. 388. 267 Ibid. p. 390-391. 268 Ibid. p. 391. 269 Ibid. p. 393.

106

preenchimento, está além do conhecimento do Direito, pois se funda em

normas de moral, justiça e de juízos de valor270.

Diante do que foi exposto, nos resta fixar a “moldura” da norma de

revisão contratual de consumo e cível, levando em consideração as

dificuldades de sua aplicação, decorrentes da indeterminação de seus

termos, sem, porém, determinar suas formas de preenchimento e, tampouco,

eleger uma delas em detrimento das demais.

3.2.3.1. Os critérios de interpretação

Para fixarmos a “moldura” necessária à norma, recorremos agora aos

critérios de interpretação trazidos por Karl Larenz.

3.2.3.1.1. Sentido literal

O primeiro critério de interpretação apontado por Karl Larenz é o

sentido literal, responsável por fixar o limite da interpretação, que jamais

pode exceder os significados literais possíveis.

O problema é que a flexibilidade da linguagem, faz com que exista um

grande número de significados possíveis, o que dificulta a fixação da

“moldura”271.

O autor aponta que o primeiro caminho é identificar se é possível

extrair um uso lingüístico especial da norma, o que poderia resolver o

problema, por tratar-se de uso técnico pré-definido, ainda que, mesmo assim,

270 “Justamente por isso, a obtenção da norma individual no processo de aplicação da lei é, na medida em que nesse processo seja preenchida a moldura da norma geral, uma função voluntária. (...) Na medida em que, na aplicação da lei, para além da necessária fixação da moldura dentro da qual se tem de manter o ato a pôr, possa ter ainda lugar uma atividade cognoscitiva do órgão aplicador do Direito, não se tratará de um conhecimento do Direito positivo, mas de outras normas que, aqui, no processo da criação jurídica, podem ter a sua incidência: normas de Moral, normas de Justiça, juízos de valor sociais que costumamos designar por expressões correntes como bem comum, interesse do Estado, progresso, etc.” KELSEN, H. op.cit. p. 393. 271 LARENZ, K. Metodologia da Ciência do Direito. 6ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/d. p. 452.

107

não se conseguisse extirpar totalmente a margem de dúvida, decorrente da

indeterminação lingüística. Neste sentido:

Por conseguinte, o sentido literal a extrair do uso lingüístico geral ou, sempre que ele exista, do uso lingüístico especial da lei ou do uso lingüístico jurídico geral, serve à interpretação, antes de mais, como uma primeira orientação, assinalando, por outro lado, enquanto sentido literal possível – quer seja segundo o uso lingüístico de outrora, quer seja segundo o actual -, o limite da interpretação propriamente dita. Delimita, de certo modo, o campo em que se leva a cabo a ulterior actividade do interprete.272

Por fim, ainda que o critério literal possa não bastar em si mesmo na

tentativa de fixação da “moldura” da norma, ele a limita e serve como

importante ponto de partida para extrair os significados possíveis que

possibilitarão prosseguir a investigação interpretativa.

3.2.3.1.2. Contexto significativo da lei

O segundo critério apontado é o do contexto significativo da lei, que

consiste em analisar a norma na regulação onde ela se insere273.

A importância deste critério, segundo o autor, é encontrar entre os

significados literais possíveis, aquele que melhor se adapta às demais

disposições legais singulares, admitindo assim, a existência e a necessidade

de uma concordância objetiva entre as proposições legais.

Nas palavras do autor:

Para além dessa função geral do contexto, proporcionadora da compreensão, o contexto significativo da lei desempenha, ainda, um amplo papel em ordem à sua interpretação, ao poder admitir-se uma concordância objetiva entre as disposições legais singulares. Entre várias interpretações possíveis segundo o sentido literal, deve por isso ter prevalência aquela que possibilita a garantia de concordância material com outra disposição.274

272 LARENZ, K. op. cit. P. 457. 273 “O sentido de cada proposição jurídica só se infere, as mais das vezes, quando se a considera como parte da regulação a que pertence.” Ibid. p. 457. 274 Ibid. p. 458.

108

Caso esse critério não nos baste para a fixação da norma, por haver

disposições legais em vários sentidos distintos, o que nos traria novamente,

uma série de “molduras” possíveis, devemos passar ao próximo critério e nos

indagarmos acerca da vontade do legislador275.

3.2.3.1.3. Vontade do legislador

Neste ponto, é necessário atentar que, somente os fins sobre os quais,

o legislador de fato tomou posição, podem ser considerados como sua

vontade para métodos interpretativos. Vejamos:

Só os fins, estatuições de valores e opções fundamentais determinados na intenção reguladora ou que dela decorrem, sobre os quais, de facto, os participantes no acto legislativo tomaram posição, podem ser designados como vontade do legislador, que se realiza mediante a lei.276

Desta forma, deve se privilegiar, na análise deste critério, os fins

expressos nos preâmbulos das legislações e em suas exposições de motivos

e os expressamente referendados ao longo do texto legal.

3.2.3.1.4. Teleológico-objetivo

No entanto, ainda que o legislador conscientemente não tenha

expressado os fins por ele perseguidos, é de se esperar que os fins

legislativos se coadunem com os fins do próprio direito277.

275 “Se, como frequentemente acontece, o sentido literal resultante do uso lingüístico geral ou de um uso lingüístico especial por parte da lei, assim como o contexto significativo da lei e a sistemática conceitual que lhe é subjacente deixam sempre em aberto diferentes possibilidades de interpretação, é natural que se pergunte sobre qual a interpretação que melhor corresponde à intenção reguladora do legislador ou à sua idéia normativa.” LARENZ, K. op. cit. p. 462. 276 Ibid. p. 464. 277 “Os fins que o legislador intenta realizar por meio da lei são em muitos casos, ainda que não em todos, fins objetivos do Direito, como a manutenção da paz e a justa resolução dos litígios, o equilíbrio de uma regulação no sentido da consideração optimizada dos interesses que se encontram em jogo, a proteção dos bens jurídicos e um procedimento judicial justo. Além disso, todos nós aspiramos a uma regulação que seja materialmente adequada.” Ibid. p. 469.

109

Daí decorre os critérios teleológico-objetivos que se dividem em dois: o

primeiro é o da estrutura material do âmbito regulado e o segundo são os

princípios ético-jurídicos, ambos independentes da vontade consciente do

legislador.

Para melhor esclarecer tais conceitos, segue um trecho da obra:

Deste modo resultam dois grupos de critérios de interpretação teleológico-objetivos, que têm que ser decisivos em todos aqueles casos em que os critérios até agora discutidos não sejam capazes ainda de dar uma resposta isenta de dúvidas. Por um lado, trata-se das estruturas do âmbito material regulado, dados factuais, em relação aos quais nem o legislador pode alterar o que quer que seja, e que ele toma em consideração de modo racional a propósito de qualquer regulação; por outro lado, trata-se dos princípios ético-jurídicos, que estão antepostos a uma regulação (...) Chamo-os de teleológicos-objetivos porque não dependem de se o legislador teve sempre a consciência da sua importância para a regulação por ela conformada (...)278

O primeiro grupo, estruturas do âmbito material, setor a que se destina

a norma, é a realidade que ela busca regular, por exemplo, relativa à

empresa, à concorrência, aos profissionais liberais etc, que deve ser

considerada para delimitar entre as significações possíveis, qual delas é a

mais adequada para compor a “moldura” normativa279.

Com relação ao segundo:

De entre os critérios de interpretação teleológico-objetivos, que decorrem dos fins objetivos do Direito, mais rigorosamente: da idéia de justiça, cabe uma importância decisiva ao principio de igualdade de tratamento do que é (segundo as valorações gerais do ordenamento jurídico) igual (ou de sentido idêntico). A diferente valoração de previsões valorativamente análogas aparece como uma contradição de valoração, que não é compaginável com a idéia de justiça, no sentido de igual medida. Evitar tais contradições de valoração é, portanto, uma exigência tanto para o legislador como para o intérprete. Para este significa que há-de interpretar as proposições jurídicas nos quadros de seu sentido literal possível e do contexto significativo, de modo a evitar, na medida do possível, contradições de valoração.280

278 LARENZ, K. op. cit. P. 469-470. 279 Ibid. p. 470. 280 Ibid. p. 471-472.

110

Assim, para evitar ou diminuir as contradições de valoração,

recorremos aos princípios éticos-jurídicos281, facilitando a busca pela fixação

da “moldura” adequada.

3.2.3.1.5. Conforme a Constituição

Por fim, se restar contradição entre os diversos princípios éticos-

jurídicos é preciso orientar a interpretação282 pelos princípios com aporte

constitucional, para, em definitivo, fixar a “moldura” normativa. O autor nos

informa que: “Disto decorre, então, que de várias interpretações possíveis

segundo os demais critérios sempre obtém preferência aquela que melhor

concorde com os princípios da Constituição.”283

Não podia ser diferente, pois a norma constitucional orienta todo o

sistema e a interpretação de normas infraconstitucionais deve ser feita

sempre à luz dos vetores maiores.

3.2.3.1.6. A inter-relação dos critérios

Derradeiro, cumpre mencionar, antes de adentrar na fixação da

“moldura” normativa da revisão dos contratos de consumo e cíveis, que todos

os critérios apresentados são, em verdade, diversos pontos de vista que

devem ser aplicados, de forma conjunta e harmônica284.

3.2.4 A “moldura” da norma de revisão

281 “Para evitar contradições de valoração, é útil orientar a interpretação aos princípios éticos-jurídicos.” LARENZ, K. op. cit. p. 474. 282 “Entre os princípios ético-jurídicos, aos quais a interpretação deve orientar-se, cabe uma importância acrescida aos princípios elevados a nível constitucional.” Ibid. p. 479. 283 Ibid. P. 470. 284 “Nos critérios apontados não se trata, como foi repetidamente sublinhado, de diferentes métodos de interpretação, entre os quais o intérprete pudesse por ventura escolher segundo o seu arbítrio, mas de pontos de vista directivos, a que cabe um peso distinto.” Ibid. p. 485.

111

Diante dos critérios de interpretação expostos anteriormente,

tentaremos agora estabelecer uma “moldura” para a norma de revisão dos

contratos de consumo e cíveis.

Importante aqui ressalvar que, por vezes, colocar em prática as teorias,

é trabalho bastante árduo, assim, apesar de termos como ponto de partida a

tentativa de fixação apenas de uma “moldura”, sabemos do risco de adentrar,

ainda que não intencionalmente, em seu conteúdo e, assim, de nos

afastarmos da análise científica proposta por Kelsen.

De qualquer forma, o esforço será no sentido da cientificidade e da

criação estrita da moldura, porém, desde já nos desculpamos com o leitor, no

caso de, acidentalmente, adentrarmos em análises políticas e ideológicas de

preenchimento da “moldura” normativa.

Em nossa empreitada interpretativa, inicialmente analisaremos o

sentido literal da norma de consumo. O texto legal285 assim dispõe:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...) omissis (...)

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua ‘revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas’;

(...) omissis (...)

A norma de revisão cosumeirista estabelece “(...) revisão em razão de

fatos supervenientes que as (prestações) tornem excessivamente onerosas”.

O termo revisão (no sentido de rever o contrato para extirpar ou reduzir

a onerosidade) não exige muito esforço interpretativo, pois geralmente é

facilmente apreendido pelo aplicador e o termo fatos supervenientes (os que

ocorrem ou são conhecidos após a assinatura do contrato) igualmente não

confere maiores dificuldades.

Desta forma, nos resta analisar o termo problemático da norma, ou

seja, aquele que gera dúvidas quanto à aplicabilidade e que merece ser

emoldurado, é ele: “excessivamente onerosas”.

285 BRASIL, Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. op. cit.

112

Uma vez emoldurado tal termo, emoldurada estará a norma de revisão

dos contratos de consumo.

Como “excessivamente onerosas” não é um termo técnico-jurídico, mas

da linguagem em geral, recorremos ao dicionário para uma primeira

delimitação de significados possíveis, nele encontramos:

excessivo. Adj. Que é em excesso; exagerado, demasiado, desmedido. (...) excesso. [Do lat. Excessu.] S. m. 1. Diferença para mais entre duas quantidades. 2. Aquilo que excede ou ultrapassa o permitido, o legal, o normal: excesso de barulho; excesso de gordura. 3. Sobra, sobejo. 4. Redundância (1) 5. Violência, desmando: Vive impunemente cometendo excessos. 6. Extremo, cúmulo: excesso de bondade, de pobreza.286 onerosidade. [Do lat. Onerositate.] S. f. 1. Qualidade de oneroso. 2. Encargo, gravame, ônus. (...) oneroso. [Do lat. Onerosu] Adj. 1. Que envolve ou impõe ônus; que sobrecarrega; pesado: convênio oneroso. 2. De que resultam grandes despesas ou gastos; dispendioso; 3. Vexatório, incômodo, molesto: condição onerosa.287

Conforme podemos perceber, a análise literal abrange várias

significações possíveis, da mais branda e simples em que a expressão

poderia significar a “sobra de ônus” ou, melhor dizendo, aquilo que

“ultrapassa o ônus normal”, à mais severa, onde a expressão significaria

“violência da qual resulta grande despesa ou gasto”.

Nota-se que, na primeira hipótese, mais casos estariam sujeitos à

revisão, pois bastaria a existência de um ônus além do normal para que ela

ocorresse, enquanto na segunda, somente os casos onde houvesse clara

violência com grande gasto ou despesa, ensejariam a revisão.

Desta feita, se adotarmos o significado lingüístico mais severo

dificultaremos, em muito, a proteção do consumidor, diante da delimitação

excessiva da incidência da norma.

Passamos agora a análise literal da norma de revisão cível:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução

286 FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 738. 287 Ibid. p. 1224.

113

do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

O ponto a ser analisado aqui é o termo acontecimentos “extraordinários

e imprevisíveis”, pois como vimos nos tópicos anteriores, a extrema

vantagem não é requisito de aplicação e os demais termos não denotam

grande dificuldade interpretativa.

Recorremos novamente à definição do dicionário:

imprevisível 1.Que não pode ser previsto; não previsível. 1.1. que ocorre por acaso; fortuito, aleatório, casual.288

extraordinário 1. Que foge do usual oi ao previsto; que não é ordinário; fora do comum, extra.2. que se caracteriza por ser raro, excepcional, notável. (...)289

Percebemos que o termo imprevisível refere-se àquilo que não se pode

prever, entretanto, a análise literal, não nos responde o que seria

considerado imprevisto, ou para quem seria imprevisto.

Quanto ao termo extraordinário, a análise literal nos leva a duas

interpretações: a mais branda, como aquilo fora do comum, do ordinário; e a

mais severa, como aquilo raro, excepcional.

A análise literal não resolve muito nosso problema de fixação de

“moldura”, porque ainda subsistem dúvidas e os termos persistem

indeterminados, porém, por meio dela conseguimos delimitar o campo de

análise.

Então para continuar a verificar qual a “moldura” adequada à norma,

partimos para o critério sistemático, ou seja, analisaremos a norma diante do

sistema em que se enquadra.

Novamente começando pela norma de consumo, vemos que o Código

de Defesa do Consumidor estabelece clara opção legislativa pela proteção do

consumidor, reconhecendo, de pronto, sua vulnerabilidade e a necessidade

de amparo legal.

Tal opção legislativa transparece em diversos artigos do Código de

Defesa do Consumidor290, vejamos alguns:

288 HOUAISS, Antônio. VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.1585. 289 Ibid. p. 1292.

114

Art. 1° O presente código estabelece normas de prot eção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constitui ção Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Por meio de uma simples análise sistemática conclui-se que para que a

norma de revisão esteja em consonância com as demais normas do diploma

em que se insere, ela deve ser direcionada à proteção do consumidor.

Assim, é possível delimitar a “moldura” interpretativa da norma de

revisão contratual de consumo, por meio dos termos “excessivamente

onerosas”, afirmando que tal onerosidade deve ser analisada do ponto de

vista do consumidor e em seu benefício.

Nesta análise, concluímos de antemão, que a “moldura” interpretativa

adequada é aquela de significação literal mais branda, na qual basta um ônus

acima do normal para que se aplique a revisão contratual, por esta ser a

moldura que coaduna com o sistema e com a intenção demonstrada pelo

legislador.

Agora analisando a norma cível pelo critério sistemático vemos que, o

intuito do Código Civil291 é o de garantir a boa-fé, a equidade e a função

social do contrato. Vejamos:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

290 BRASIL, Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. op. cit. 291 BRASIL, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. CÓDIGO CIVIL. Disponível em: http://www.senado.gov.br: Acesso em: fev. 2009.

115

Desta forma, não pode ser outra a interpretação da norma de revisão,

que não a literal branda, partindo do ponto de vista da parte que teve sua

prestação onerada.

Assim, diante do sistema em que se insere, a interpretação da norma

de revisão cível deve ser no sentido de considerar que qualquer evento fora

do comum, do ponto de vista daquele que teve sua prestação onerada, deve

ser considerado imprevisto e extraordinário.

Para clarear ainda mais e concluir nossa “moldura" interpretativa,

utilizaremos o critério da conformidade com a Constituição e com os valores

nela apostos. Para tanto, colacionamos alguns princípios éticos-jurídicos

arraigados na Carta Maior292:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Ora, para construir uma sociedade justa e alcançar o desenvolvimento

nacional e reduzir as desigualdades sociais, é preciso igualdade material e,

tendo em vista a assunção de vulnerabilidade inerente a todos os

consumidores, é preciso um aparato legislativo que supere tais diferenças

naturais e evite as desigualdades.

A revisão contratual diante de uma onerosidade excessiva ao

consumidor é um desses aparatos e, para tanto, sua “moldura” interpretativa,

deve reduzir as desigualdades naturais, mediante a proteção do vulnerável: o

consumidor.

Isto posto, não cabe outra “moldura” interpretativa, que não a de

significação branda dos termos “onerosidade excessiva” por ser a única que

corrobora com os princípios éticos-jurídicos constitucionais.

292 BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.senado.gov.br: Acesso em: fev. 2009.

116

Não bastasse, o art. 5º, XXXII e o art. 170, V, da Constituição

Federal293, consagra a necessidade de proteção e defesa dos consumidores:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(..)

V - defesa do consumidor;

Por fim, percebe-se que a “moldura” interpretativa da revisão contratual

consumeirista deve levar em conta a defesa do consumidor e interpretar a

“onerosidade excessiva” em seu benefício e, sob seu ponto de vista, tomando

o termo em sua significação mais branda, por levar em consideração a

condição de vulnerabilidade a ele inerente e a necessidade de igualdade

material nas relações.

Agora analisaremos a norma cível sob o critério de conformidade

constitucional.

Da mesma maneira como ocorreu com o termo “onerosidade

excessiva”, o termo “imprevisível” e “extraordinário”, também deve ser

interpretado conforme conceituação literal branda.

Isto porque, como colacionamos acima, o espírito constitucional é o da

igualdade, equidade, equilíbrio e justiça.

Assim, a “moldura” interpretativa do termo “imprevisto” e

“extraordinário” deve ser feita pela conceituação literal branda, para acatar

como imprevisto e extraordinário tudo aquilo fora do ordinário, fora do

comum.

293 BRASIL, Constituição Federal de 1988. op.cit.

117

Além disso, a interpretação do evento extraordinário e imprevisto, além

de literalmente branda, deve ser feita partindo do ponto de vista da parte que

teve sua prestação onerada.

A imprevisibilidade deve ser considerada do ponto de vista de um

profissional diligente294 que tem sua prestação onerada e/ou sua execução

comprometida, por fatos que não estavam ao seu alcance no momento da

celebração do contrato.

A imprevisão deve ser analisada a partir da parte onerada e da sua

manifestação de vontade, não esquecendo, entretanto, de valorar em cada

caso concreto a ocorrência do fato imprevisto quanto ao tempo (posterior à

conclusão), à alteração das circunstâncias (se incide ou não no contrato) e à

onerosidade excessiva (se gera ou não onerosidade), mas não quanto a sua

imprevisibilidade, já que esta, seguindo tal linha de raciocínio, é óbvia.

Sendo assim, para a parte que tem a sua prestação onerada o fato

sempre será imprevisto, ainda que previsível do ponto de vista de terceiros,

vez que, obviamente a onerosidade não é algo desejado por ela.

Estabelecer a “moldura” é clarear a indeterminação normativa e

determinar um norte a ser perseguido pelos aplicadores do direito, o que

certamente facilita a aplicação da norma ao caso concreto, daí a importância

dos trabalhos interpretativos.

No entanto, é importante mencionar que as formas de preencher a

“moldura”, neste particular, não podem ser preestabelecidas, tampouco,

existe uma única forma de fazê-lo, pelo que, tal análise necessariamente fica

a cargo do juiz ao decidir cada situação concreta.

Apesar de todos os esforços para fazer uma análise eminentemente

científica da forma de interpretação da norma de revisão, apesar da tentativa

de nos atermos exclusivamente à moldura interpretativa, estamos cientes de

que podemos ter empregado cunho ideológico neste trabalho, até pelo fato

de termos nos pautado por princípios e valores (ainda que exclusivamente os

positivados), e sabemos que ao fixar a moldura podemos ter adentrado em

seu conteúdo.

294 GAVAZZONI, Adriana. op. cit. p. 69.

118

Mesmo assim, acreditamos que o esforço de cientificidade nos moldes

Kelsenianos é válido ainda que o objetivo de ciência “pura” seja árduo de ser

alcançado, diante da dificuldade de separação do direito, de ideologias,

juízos de valor e normas morais.

Há quem diga295, inclusive, que tal separação é impossível e

indesejada, pois cabe aos cientistas jurídicos contribuir com a evolução das

instituições e questionar valores (concepção de ciência diversa da

Kelseniana), para, efetivamente, contribuir com uma sociedade mais justa e

desenvolvida. Vale transcrever:

A dogmática jurídica deve atentar para a moldura social em que se realiza, para as necessidades, reclamos e objetivos humanos em função de que precisamente deve cumprir-se sua tarefa. Há que se lutar sem tréguas contra os excessos logicistas que desembocam no formalismo jurídico, que pode ser caro aos juristas formados em sua viciosa atmosfera, mas desservem o povo (...) Todavia, não basta direcionar apropriadamente a Dogmática Jurídica. É preciso proclamar enfaticamente que não exprime ela, como quer o positivismo jurídico, todas as dimensões do direito, não podendo, por conseguinte, afastar ou excluir outras abordagens complementares a apreensão de seu ser.296

Feitas essas ressalvas, afirmamos que aplicar a revisão contratual em

maior escala significa assegurar a justiça, a equidade e o equilíbrio

(eliminando a onerosidade) e a continuidade das relações contratuais, tendo

em vista não a resolução do pacto diante de determinada situação, mas a sua

revisão.

E acreditamos que garantir o equilíbrio, a equidade e a continuidade

das relações é uma importante forma de contribuir com o desenvolvimento

nacional, pois, sem tais valores, ele torna-se inatingível ou muito distante,

pelo que os esforços interpretativos nesse sentido nunca serão em vão.

295 AZEVEDO, Plauto Faraco. de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1989. 296 Ibid. p.35-36.

119

4. INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO SUSTENTÁVEL

4.1 Parâmetros conceituais

Procuraremos agora fundamentar nossa afirmação de que a revisão

dos contratos contribui para o desenvolvimento socioeconômico sustentável,

sendo um importante instrumento para atingir tal finalidade.

Primeiramente cumpre ressaltar que a crença de que a revisão dos

contratos é um instrumento de desenvolvimento, foi o motivo que nos fez

realizar esta dissertação.

Assim, a justificativa para percorrermos as linhas conceituais da

revisão e nos posicionarmos quanto às questões polêmicas que dificultaram

ou dificultam sua incidência - na tentativa de superá-las - é o fato de crermos

que a revisão é um instrumento de desenvolvimento.

Mas para explicarmos o porquê da revisão ser um instrumento de

desenvolvimento, é necessário compreender a significação do termo

desenvolvimento.

O termo desenvolvimento pode ser conceituado literalmente da

seguinte forma297:

desenvolvimento. S. m. 1. Ato ou efeito de desenvolver (-se); desenvolução. 2. Adiantamento, crescimento, aumento, progresso. 3. Estágio econômico, social e político de uma comunidade, caracterizado por altos índices de rendimento dos fatores de produção, os recursos naturais, o capital e o trabalho. (...)

Em termos literais, desenvolvimento é aumento, crescimento. Porém,

essa conceituação é pouco elucidativa e levanta outra questão: qualquer

crescimento é desenvolvimento?

Para responder, recorreremos à doutrina.

Nali Jesus de Souza explica que o desenvolvimento econômico

somente ganhou destaque no século XX, apesar de as preocupações com

crescimento econômico, serem bem anteriores: 297 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 561.

120

Embora o desenvolvimento econômico seja um tema que tenha obtido destaque somente no século XX, a preocupação com o crescimento econômico nos principais países da Europa é muito mais antiga. Contudo, o objetivo primordial dos que se ocupavam com as finanças públicas era aumentar o poder econômico e militar soberano. Raramente havia preocupação com a melhoria das condições de via do conjunto da população. A questão do desenvolvimento econômico tem raízes teóricas e empíricas, estas originárias das crises econômicas.298

O mesmo autor traz as bases teóricas do desenvolvimento, apontando

a contribuição de Adam Smith:

O desenvolvimento ocorre em Adam Smith com o aumento da proporção dos trabalhadores produtivos em relação aos improdutivos, redução do desemprego e elevação da renda média do conjunto da população. No longo prazo, ocorre uma redistribuição de renda entre capitalistas, trabalhadores e arrendatários.299

E mais adiante, com a evolução teórica, demonstra o autor o

surgimento da diferenciação entre crescimento e desenvolvimento

econômico:

Ainda no plano teórico, surgiu em 1911 a obra Teoria do desenvolvimento econômico, do economista austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950), traduzida do alemão para o inglês somente em 1934. Neste livro, Schumpter diferencia crescimento e desenvolvimento.300

Então, por uma exigência empírica, a noção de desenvolvimento

passou a estar intimamente ligada à questão da distribuição:

Da mesma forma, mesmo no interior da nação industrializada, tornou-se mais saliente o desnível do desenvolvimento entre suas regiões e classes sociais. A noção de desenvolvimento, atrelada à questão da distribuição, passou a ser então mais enfatizada301.

Diante desse breve panorama, percebe-se que a noção de

desenvolvimento econômico, paulatinamente veio humanizando-se e

socializando-se.

Assim, considera se desenvolvimento econômico um conjunto de

mudanças quantitativas (econômicas) e qualitativas, nas quais,

298 SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 13 299 Ibid. p. 16 300 Ibid. p. 16

121

obrigatoriamente, inclui-se o aspecto social, abarcando a melhoria no nível

de vida das pessoas:

A segunda corrente encara o crescimento econômico como uma simples variação quantitativa do produto, enquanto o desenvolvimento envolve mudanças qualitativas no modo de vida das pessoas, das instituições e das estruturas produtivas. Nesse sentido, desenvolvimento caracteriza-se pela transformação de uma economia arcaica em uma economia moderna, eficiente, juntamente com a melhoria do nível de vida do conjunto da população.302

Desta feita, podemos afirmar que o desenvolvimento econômico, não

pode ser pensado de forma separada do desenvolvimento social, ou seja,

desenvolver se economicamente é crescer em termos de riquezas, qualidade

de vida e bem estar social.

É precisamente este tipo de desenvolvimento a que nos referimos,

quando afirmamos que a revisão é um instrumento de desenvolvimento

socioeconômico.

Nesta visão econômica e social do desenvolvimento o foco recai sobre

a qualidade do crescimento:

Observando os lados quantitativo e qualitativo do processo de crescimento conjuntamente, coloca-se o foco em três princípios-chave para os países em desenvolvimento e industrializados: foco sobre todos os valores - capitais físico, humano e natural; atender aos aspectos distributivos no decorrer do tempo; enfatizar a estrutura institucional para o bom governo. Este foco sobre a qualidade traz à luz a importância dos aspectos distributivos para o processo de crescimento. Uma distribuição mais equitativas de capital humano, da terra e de outros bens produtivos implica uma distribuição mais equitativa de remuneração, acentuando a capacidade de pessoas tirarem proveito das tecnologias e gerarem resultados.303

Ainda, procuraremos demonstrar que a revisão contribui para o

desenvolvimento socioeconômico sustentável.

Portanto, cumpre delinear o significado de sustentabilidade: “O

desenvolvimento sustentável diz respeito a uma sociedade ser capaz de

302 SOUZA, Nali de Jesus. op. cit. P. 16-17. 303 THOMAS, Vinod [et al]. A qualidade do crescimento. São Paulo: Unesp, 2002. P. xxv

122

manter, no médio e no longo prazos, um círculo virtuoso de crescimento

econômico e um padrão de vida adequado.”304

Vejamos a definição da Unesco sobre sustentabilidade: A Unesco (1995) define desenvolvimento sustentável como aquele que permite responder às necessidades presentes sem comprometer a capacidade das futuras gerações em responder às suas próprias necessidades.305

Importante assim é o qualitativo da sustentabilidade, pois a revisão

possibilita o desenvolvimento socioeconômico de longo e médio prazos.

Feita essa análise conceitual, sobre o que é desenvolvimento

socioeconômico sustentável e, observado que tal desenvolvimento é

caracterizado pelo crescimento qualitativo e quantitativo de médio e longo

prazo, resta responder a próxima questão: Quais são tais qualidades?

Noutras palavras, quais valores devem ser enaltecidos para a obtenção

de desenvolvimento socioeconômico306.

4.2 Valores

Somos da opinião que os valores ou qualidades a serem eleitas não

são taxativas ou excludentes, do contrário, quanto maior o número de valores

considerados melhor será o resultado final.

Porém, é preciso delimitar as fontes de procura de tais valores, sob

pena de serem mera suposição pessoal, relativa e, por vezes, contraditórias

entre si.

Desta forma, acreditamos que o campo de busca de valores a serem

perseguidos para o desenvolvimento socioeconômico sustentável é o campo

constitucional.

304 DINIZAR, Fermiano Becker. (org.) Desenvolvimento sustentável: necessidade e/ou possibilidade. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2002. P. 133. 305 Ibid. p. 135. 306 “Hoje não há mais dúvida, graças em grande parte às brilhantes contribuições desses autores, de que processos de desenvolvimento dependem de instituições e valores. A grande pergunta que resta, não respondida por esses autores, é em que sentido devem apontar essas instituições e valores.” SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito como instrumento de transformação social e econômica. In Revista de Direito Público da Economia. Ano 1. n. 1. abr./jun. 2003. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003. p. 19-20.

123

Assim, todos os valores e princípios constitucionalmente positivados

merecem atenção e aceitação na condição de indicativos de

desenvolvimento, considerados como meio e fim, como instrumentos e

objetivos do desenvolvimento nacional.

4.3 Instrumentos

Definidos os valores que nos conduzem ao desenvolvimento, como os

valores constitucionalmente positivados, resta pensar quais instrumentos são

hábeis para efetivar tais valores.

Existem vários instrumentos para viabilizar os valores indicativos de

desenvolvimento socioeconômico.

Para começar, os instrumentos podem ser de diversas ordens, podendo

partir da sociedade civil organizada, das decisões políticas de órgãos do

Poder Executivo, do Poder Judiciário e de seus operadores, do Poder

Legislativo, entre outras inúmeras fontes.

Esses instrumentos não são excludentes, mas complementares.

Optamos por refletir sobre os instrumentos jurídicos de viabilização dos

indicativos valorativos.

Quanto a estes, verificamos o papel estatal no momento de sua

positivação (Poder Legislativo) e no momento de sua aplicação (Poder

Judiciário), bem como, o papel dos demais operadores do direito

(doutrinadores, advogados), para a correta e efetiva interpretação e

aplicação.

Neste sentido, trazemos agora alguns instrumentos de efetivação dos

valores de desenvolvimento apontados pela doutrina.

Para Amartya Sen307, por exemplo, o instrumento é o próprio valor, a

liberdade é considerada como meio e fim do desenvolvimento, já para Calixto

Salomão Filho308, a democracia econômica através da difusão do

307 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 308 SALOMÃO FILHO, op. cit.

124

conhecimento econômico, baseada em três princípios (redistribuição, diluição

dos centros de poder e cooperação) é o instrumento adequado.

Acreditamos que todos os instrumentos que viabilizem os valores

constitucionalmente positivados, serão importantes para o alcance do

desenvolvimento socioeconômico.

Neste sentido, concluímos que o trabalho de reflexão acerca dos

instrumentos que viabilizam o desenvolvimento socioeconômico é como uma

colcha de retalhos, composta por diversas e múltiplas contribuições, pelo

que, apontaremos nossa contribuição evidenciando mais um instrumento para

a busca do desenvolvimento pleno.

4.3.1 A revisão contratual Demonstraremos a seguir que a revisão é um importante instrumento

de desenvolvimento socioeconômico sustentável, pois contribui para o

crescimento econômico e, para o desenvolvimento social de longo e médio

prazo.

4.3.1.1 Aspecto econômico

Sob o aspecto econômico, é importante ressaltar que a revisão

possibilita a continuidade das relações jurídicas, vez que, com sua incidência

inexiste quebra contratual, mas adaptação.

A continuidade das parceiras e relações comerciais, no cenário atual –

de extrema concorrência e competitividade – é um importante meio de

crescimento econômico sustentável, de médio e longo prazo.

Além disso, a revisão garante a proteção contra prejuízos desmedidos,

ou prestações excessivamente onerosas, possibilitando maior prosperidade

financeira, revelando-se novamente seu aspecto de desenvolvimento

econômico.

125

Apesar de o fator econômico não bastar para a verificação do

desenvolvimento, ele é indispensável, pois pode até não haver

desenvolvimento sempre que houver crescimento econômico, mas

certamente todo o desenvolvimento depende, dentre outros fatores, do

crescimento econômico.

4.3.1.2 Aspecto social

Passamos agora a verificar como a revisão contribui para o

desenvolvimento no aspecto social.

Vimos que, o desenvolvimento no aspecto social depende da

efetivação de valores e qualidades no crescimento, além dos meramente

econômicos. Mencionamos que tais valores devem ser os valores

constitucionais.

Diante disso, a afirmação de que a revisão dos contratos é um

instrumento de desenvolvimento socioeconômico sustentável, parte, no

aspecto social, da constatação de que a revisão efetiva uma série de direitos

fundamentais.

Antes de adentrar a análise específica de quais direitos fundamentais

são efetivados com a incidência da revisão nos contratos, nos resta traçar o

conceito de direitos fundamentais.

A primeira consideração a ser feita é que ao longo das constituições

brasileiras sempre existiram309 os direito e garantias fundamentais e que, tais

direitos podem ser vistos sob diversos enfoques. Vejamos:

Tanto podem ser vistos enquanto direitos de todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares – perspectiva filosófica ou jusnaturalista; como podem ser considerados deireitos de todos os homens (ou categorias de homens), em todos os lugares, num certo tempo – perspectiva universalista ou internacionalista; como ainda podem ser referidos aos direitos dos homens (cidadãos), num

309 “nossas constituições sempre fixaram em seu corpo permanente de normas uma declaração de direito e garantias fundamentais (...) os direitos e garantias fundamentais podem ser analisados sob diversos ângulos.” BULOS, Uadi Lâmego. Constituição Federal Anotada. 7ª ed. rev. e atual até a emenda constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 103.

126

determinado tempo e lugar, isto é, num Estado concreto – perspectiva estadual ou constitucional.310

Apesar de os direitos fundamentais sempre existirem em nossas

constituições, eles passaram por uma evolução ao longo dos tempos, para

tanto, por uma opção didática, divide-se os direitos fundamentais em

diferentes gerações311. Vejamos:

a) Direitos fundamentais de primeira geração A primeira geração surgida no final do século XVII, inaugura-se com o florescimento das liberdades píblicas, é dizer, os direitos e garantias individuais e políticas clássicas, as quais encontravam na limitação do poder estatal seu embasamento. Nesta fase, prestigiavam-se as cognominadas prestações negativas, as quais geravam um dever se não –fazer por parte do Estado (...)312 b) Direitos fundamentais de segunda geração Já a segunda geração, advinda logo após a primeira Grande Guerra, compreende os direitos sociais, econômicos e culturais, os quais visam assegurar o bem estar e a igualdade, impondo ao Estado uma prestação positiva, no sentido de fazer algo de natureza social em favor do homem. C) Direitos fundamentais de terceira geração A terceira geração engloba os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade (...) O meio ambiente equilibrado, a vida saudável e pacífica, o progresso, o avanço da tecnologia são alguns dos itens componentes do vasto catálogo dos direitos de solidariedade (...) Os direitos fundamentais de quarta geração (...) os direitos sociais das minorias, os direitos econômicos, os coletivos, os difusos, os individuais homogêneos (...)313

Ao observarmos o capítulo da constituição destinado aos direitos e

garantias fundamentais, percebe-se que eles se dividem em individuais e

coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos, deixando de fora os direitos

econômicos (art. 170 a 192).

Entretanto, apesar desta divisão, afirma-se que os direitos econômicos

são também direitos fundamentais, pois o rol do artigo 5º da CF/88 não é

taxativo.

Os direitos e garantias fundamentais prescritos na constituição de 1988 abrangem: os direitos individuais e coletivos (art. 5º), os direitos sociais (art. 6º e 193 e seguintes), os direitos à

310 ANDRADE, José Carlos Vieira. Os direitos fundamentais na constituição de 1976. Coimbra, Livraria Almedina: 1987. p.11 311 “Os direitos fundamentais evoluíram ao longo dos tempos. A fim de facilitar o entendimento dessa evolução, a doutrina utiliza um critério didático, vislumbrando, assim, as gerações em que os direitos fundamentais atravessaram.” BULOS, Uadi Lâmego. op. cit. p. 103. 312 Ibid. p. 103. 313 Ibid. p. 104.

127

nacionalidade (art. 12) e os direitos políticos (art.14 a 17). Notemos que o constituinte não inseriu os direitos fundados nas relações econômicas neste contexto, reservando-lhes espaço nos arts. 170 a 192. Essa classificação, de índole juspositiva, contudo não exaure o rol dos direitos fundamentais.314

Por fim, pode se conceituar os direitos fundamentais como:

Ao se utilizar a locução direitos fundamentais do homem, quer-se aduzir, com seu emprego, o complexo das prerrogativas e institutos inerentes à soberania popular, que garantem a convivência digna, livre e igualitária de qualquer indivíduo, independente de credo, raça, origem ou cor.315

Cabe agora ponderar quais seriam os direitos fundamentais efetivados

mediante a revisão dos contratos.

Em uma primeira análise, dos contratos de consumo, visualizamos o

direito fundamental de defesa do consumidor, presente na Constituição

Federal no art. 5, XXXII e no artigo 170, V.

Como a revisão busca evitar a onerosidade excessiva ao consumidor, é

fácil notar que ela é uma forma de efetivação do direito fundamental de

defesa do consumidor.

XXXII- O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Nada consta na história das constituições brasileiras a respeito da defesa do consumidor. Considerando os inúmeros reclamos, a temática integrou os direitos fundamentais, elevando os consumidores ao posto de receptores das liberdades públicas (art. 5, XXXII), ao lado do capítulo referente aos princípios gerais da atividade econômica (art. 170, V) (...) Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078 de 11-9-1990), implementou-se este inciso constitucional, que incumbiu ao Estado a importante missão de extirpar os danos que eventualmente atingissem os consumidores.316 Ao inscrever a defesa do consumidor dentre os princípios cardeais da ordem econômica, o constituinte pautou-se no seguinte aspecto: a liberdade de mercado não permite abusos aos direitos dos consumidores (...) Daí o ordenamento jurídico amparar a parte mais fraca das relações de consumo, tutelando os interesses dos hipossuficinetes.317

Partindo para a revisão cível, percebemos que ela efetiva o direito

fundamental da dignidade da pessoa humana e da igualdade material.

314 BULOS, Uadi Lâmego. op. cit. p. 106. 315 Ibid. p. 106. 316 Ibid. p. 214. 317 Ibid. p. 1263.

128

Uma vez que, a revisão visa coibir onerosidades, naturalmente ela

garante e efetiva o direito fundamental de dignidade da pessoa humana, pois

não há dignidade quando há onerosidade excessiva.

Quanto ao direito fundamental da igualdade material, percebe-se sua

efetivação, uma vez que a revisão objetiva equilibrar o contrato, sendo assim,

como em um contrato equilibrado a igualdade material das partes envolvidas

resta assegurada, afirma-se que a revisão também efetiva o direito à

igualdade.

Ainda, outro valor constitucional efetivado pela revisão é o de

construção de uma sociedade justa e solidária, em conformidade com os

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, constantes no

artigo terceiro da Carta Maior.

Ora, para construir uma sociedade justa, bem como, reduzir as

desigualdades sociais, garantindo o desenvolvimento, é preciso igualdade

material e equidade.

Neste sentido:

Igualdade, equidade e solidariedade estão, por assim dizer, embutidas no conceito de desenvolvimento, como conseqüências de longo alcance para que o pensamento econômico sobre o desenvolvimento se diferencie do economicismo redutor.318

Percebe-se que a incidência da revisão, contribui para a construção de

uma sociedade mais justa e solidária, vez que, sua incidência garante a

equidade nas relações.

Assim, verificamos que a revisão contratual tanto cível como de

consumo é um excelente instrumento de efetivação de diversos direitos

fundamentais.

Diante da efetivação de direitos fundamentais como o da defesa do

consumidor, da dignidade da pessoa humana, da igualdade material, da

equidade e justiça, percebe-se a importância da aplicação da revisão, como

um instrumento de desenvolvimento socioeconômico sustentável.

Ainda, ressalte-se que todos esses valores constitucionais quando

efetivados pela revisão contratual, produzem um ciclo virtuoso com

318 SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. p. 14.

129

importante impacto social no médio e longo prazo, trazendo benefícios para

esta e para as futuras gerações, sendo assim, altamente sustentáveis.

Desta forma, concluímos que, por reunir: 1) a vantagem econômica

(continuidade da relação e divisão de prejuízos ou exclusão de

onerosidades); 2) com a vantagem social (efetivação de valores

constitucionais: igualdade, dignidade, equidade, justiça, entre outros), a

revisão dos contratos é um instrumento de desenvolvimento socioeconômico

sustentável.

130

CONCLUSÃO

Nossa dissertação se propôs a responder ao seguinte problema: A

revisão dos contratos é um instrumento de desenvolvimento socioeconômico

sustentável?

Na tentativa de chegar à resposta para tal questão, inicialmente

discorremos sobre o conceito de contratos e sua evolução histórica, pois

seria impossível compreender a revisão sem antes compreender os

contratos.

Vimos que no modelo liberal os contratos eram regidos pelo princípio

da força obrigatória e da autonomia da vontade, pois inspirado pelos ideais

iluministas de igualdade e racionalidade.

Nesta base principiológica, a revisão contratual não possuía grande

prestígio e, os contratos eram exigíveis independente das circunstâncias que

os cercavam.

Com as Grandes Guerras e, em especial, no período pós Guerras, o

mundo experimentou a necessidade de reconstrução social, econômica e

valorativa.

Neste cenário, o conceito de contrato se modifica, surgindo a noção de

ingerência do Estado nos contratos (dirigismo) e os princípios da função

social, da moral e do ideário de justiça, que possibilitaram o renascimento da

idéia de revisão, fundamentada no adágio rebus sic stantibus.

Encerrando nossa análise histórica do instituto dos contratos, vimos o

modelo contemporâneo de contratos e os princípios da boa-fé objetiva e da

função social do contrato que o inspiram.

Ainda, ressaltamos o movimento de descodificação e de

constitucionalização pelo qual passaram os contratos.

Em seguida, passamos a analisar os contratos de consumo,

observando os princípios do sistema no qual se inserem, os princípios

especialmente a eles direcionados e o diálogo existente entre o sistema cível

e de consumo.

Então, superadas as linhas conceituais acerca do instituto contratual,

passamos a análise dos instrumentos de revisão.

131

Traçamos os objetivos da teoria de revisão e empreendemos um breve

esforço de direito comparado sobre a revisão contratual.

Ato contínuo, passamos à análise da revisão dos contratos cíveis,

abordando o princípio rebus sic stantibus, seu conceito, surgimento e a sua

condição de princípio ou de cláusula.

Adentramos no estudo da teoria da imprevisão, verificando seu

conceito, surgimento, requisitos de aplicação e efeitos decorrentes de sua

incidência.

Prosseguindo na verificação dos instrumentos de revisão, voltamos

nosso olhar à revisão dos contratos de consumo, observando a teoria da

onerosidade excessiva em seu conceito, surgimento, requisitos de aplicação

e efeito de sua incidência.

Para encerrar nossa análise da revisão, ressaltamos as diferenças

existentes entre seus instrumentos e o fundamento da teoria revisionista que,

constatamos, ser a boa-fé objetiva, com seus desdobramentos.

Então, passamos a discorrer sobre duas questões polêmicas que

envolvem a revisão contratual.

Polêmicas porque, em alguma medida, dificultaram ou dificultam a

incidência em maior escala da revisão dos contratos, donde se extrai a

relevância do tópico.

Neste ponto, estudamos o princípio pacta sunt servanda para verificar

sua contrariedade ou não com a teoria de revisão. Concluímos que, apesar

de institutos diversos, não se contrariam, mas complementam, por terem o

mesmo objetivo (manutenção contratual) e semelhantes limitações na busca

de tal objetivo.

Assim, tendo em vista a total complementaridade, opinamos pela

rejeição do termo “flexibilização”, pois ambos podem e devem permanecer

inteiros e efetivos, não havendo que flexibilizar um em nome do outro, mas

simplesmente devendo se aplicar a interpretação conjunta e inseparável

daqueles institutos.

Seguimos nosso estudo, enfrentando a segunda questão polêmica, a

saber, a imprecisão dos requisitos de aplicação da revisão, decorrente da

indeterminação da norma e da textura aberta da linguagem.

132

Ao analisar tal ponto, concluímos que a moldura interpretativa da

norma de revisão, cível e de consumo, deve ser a literal branda, sempre do

ponto de vista da parte onerada, por ser esta a interpretação condizente com

nosso sistema jurídico.

Derradeiro, após analisar os contratos, a teoria de revisão, as questões

polêmicas que a envolvem, pudemos chegar ao último tópico, para responder

ao problema inicialmente proposto.

Passamos então a analisar se a revisão é ou não instrumento de

desenvolvimento socioeconômico sustentável.

De antemão, delineamos os parâmetros conceituais, definindo que

desenvolvimento socioeconômico sustentável, significa crescimento

econômico (quantitativo) e social (valorativo) de médio e longo prazo.

Diante do conceito, nos restou analisar quais seriam os valores a

serem perseguidos para o alcance do desenvolvimento desejado, onde

concluímos que tais valores, devem ser aqueles constitucionalmente

positivados.

Em seguida, discorremos acerca dos instrumentos que propiciam o

desenvolvimento socioeconômico sustentável, para afirmar que a revisão

contratual é mais um dentre os diversos instrumentos possíveis.

Por fim, demonstramos que a revisão dos contratos é um importante

instrumento de desenvolvimento socioeconômico sustentável porque, de um

lado, contribui para o crescimento econômico, na medida em que extirpa

onerosidades e possibilita a continuidade das relações contratuais, trazendo

benefícios econômicos de médio e longo prazo.

De outro, no campo social e valorativo, demonstramos que a revisão

dos contratos efetiva uma série de direitos e valores constitucionais, dentre

eles, o da dignidade humana, da igualdade, equidade e justiça.

Assim, como acreditamos que os valores a serem perseguidos para o

desenvolvimento pleno, são os de aporte constitucional, a conclusão

inevitável é a de que a revisão, de fato, é um instrumento de desenvolvimento

socioeconômico sustentável.

Desta feita, concluímos nosso estudo esperando ter contribuído para

clarear os requisitos de aplicação da revisão contratual cível e de consumo,

para diminuir as barreiras que impediram, ou impedem a sua maior

133

incidência, bem como, esperando ter demonstrado a relevância

desenvolvimentista da revisão contratual.

134

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