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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 4205 ABORDAGENS GEOGRÁFICAS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS SUELLEN WALACE RODRIGUES FERNANDES 1 Resumo: Este artigo visa identificar as diferentes abordagens geográficas sobre políticas públicas, a partir de uma pesquisa exploratória entre teses e dissertações pertencentes a programas de pós- graduação em Geografia. A pesquisa permitiu traçar um panorama geral desses trabalhos, revelando o que são consideradas políticas públicas na Geografia, os tipos de políticas analisadas e as conceitos geográficos que são utilizados na análise. Palavras-chave: GEOGRAFIA POLÍTICAS PÚBLICAS PLANEJAMENTO ESTADO Abstract: This article aims to identify the different geographical approaches to public policy, from exploratory research of theses and dissertations belonging to the postgraduate programs in Geography. The research allowed to draw an overview of these works, revealing what are considered public policies in Geography, analyzed the types of policies and the geographic concepts that are utilized in the analysis. Key-words: GEOGRAPHY; PUBLIC POLICY; PLANNING; STATE 1 Introdução Quando entramos em contato com o campo de pesquisa das políticas públicas, nos deparamos com uma vastidão de temas e enfoques. Isso faz com que este campo ocupe um lugar de destaque no meio acadêmico, não somente pela quantidade de pesquisas produzidas sobre o tema, mas pelo fato de serem ligadas às mais variadas áreas do conhecimento: Administração, Antropologia, Arquitetura, Ciência Política, Direito, Economia, Geografia, Psicologia, Serviço Social e Sociologia. Assim, há estudos que focalizam o planejamento em si, os conflitos entre atores e as disputas de poder, o processo de formulação, as implicações sociais e os resultados das políticas. Apesar de a Geografia estar entre as áreas que estudam as políticas públicas, as abordagens geográficas sobre a temática não recebem muita atenção acadêmica. Quando se busca um referencial teórico que aproxime os conceitos geográficos das políticas públicas são encontradas poucas contribuições. 1 - Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de Brasília. E-mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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ABORDAGENS GEOGRÁFICAS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS

SUELLEN WALACE RODRIGUES FERNANDES1

Resumo: Este artigo visa identificar as diferentes abordagens geográficas sobre políticas públicas,

a partir de uma pesquisa exploratória entre teses e dissertações pertencentes a programas de pós-graduação em Geografia. A pesquisa permitiu traçar um panorama geral desses trabalhos, revelando o que são consideradas políticas públicas na Geografia, os tipos de políticas analisadas e as conceitos geográficos que são utilizados na análise.

Palavras-chave: GEOGRAFIA – POLÍTICAS PÚBLICAS – PLANEJAMENTO – ESTADO

Abstract: This article aims to identify the different geographical approaches to public policy, from

exploratory research of theses and dissertations belonging to the postgraduate programs in Geography. The research allowed to draw an overview of these works, revealing what are considered public policies in Geography, analyzed the types of policies and the geographic concepts that are utilized in the analysis.

Key-words: GEOGRAPHY; PUBLIC POLICY; PLANNING; STATE

1 – Introdução

Quando entramos em contato com o campo de pesquisa das políticas

públicas, nos deparamos com uma vastidão de temas e enfoques. Isso faz com que

este campo ocupe um lugar de destaque no meio acadêmico, não somente pela

quantidade de pesquisas produzidas sobre o tema, mas pelo fato de serem ligadas

às mais variadas áreas do conhecimento: Administração, Antropologia, Arquitetura,

Ciência Política, Direito, Economia, Geografia, Psicologia, Serviço Social e

Sociologia. Assim, há estudos que focalizam o planejamento em si, os conflitos

entre atores e as disputas de poder, o processo de formulação, as implicações

sociais e os resultados das políticas.

Apesar de a Geografia estar entre as áreas que estudam as políticas públicas,

as abordagens geográficas sobre a temática não recebem muita atenção

acadêmica. Quando se busca um referencial teórico que aproxime os conceitos

geográficos das políticas públicas são encontradas poucas contribuições.

1 - Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de Brasília. E-mail de contato:

[email protected]

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Isso nos leva a questionar como os pesquisadores da Geografia abordam o

tema políticas públicas? O que consideram como política pública e que tipos de

políticas públicas despertam o interesse dos pesquisadores da Geografia? Que

categorias geográficas são acionadas para estudar as políticas públicas?

O objetivo deste artigo é identificar as diferentes abordagens geográficas

sobre políticas públicas, a partir de uma pesquisa de natureza exploratória entre

teses e dissertações vinculadas a programas de pós-graduação em Geografia no

Brasil, defendidas no período 2007-2013.

Para relatar as observações feitas na exploração, o artigo foi dividido em três

partes. Na primeira, apresentamos um panorama geral sobre as teses e

dissertações encontradas e os critérios aplicados na seleção. Posteriormente,

mostramos o que foi considerado política pública nos trabalhos selecionados,

analisando os seus conceitos e os tipos de políticas discutidas. Na terceira parte

identificamos as categorias geográficas que embasaram os trabalhos para constatar

a centralidade do espaço e do território. Por fim, refletimos sobre as diferentes

abordagens geográficas encontradas e a necessidade de aprofundamento sobre a

inserção das políticas públicas na Geografia.

2 – Panorama geral das teses e dissertações

Para a realização da pesquisa exploratória selecionamos teses e dissertações

pertencentes a programas de pós-graduação em Geografia consorciados à

Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), que é organizada pelo Instituto

Brasileiro de Inovação, Ciência e Tecnologia - IBICT. Mesmo reconhecendo algumas

limitações dessa base de dados, ela foi escolhida por conseguir agrupar bancos de

teses e dissertações de várias universidades, possibilitando o acesso a uma amostra

diversificada.

Cabe ressaltar que as pesquisas de natureza exploratória são realizadas para

obter uma maior aproximação do tema estudado. Nesse tipo de pesquisa, não se

sabe ao certo o que será encontrado, razão pela qual o delineamento da pesquisa

ser definido à medida que se avança. Embora em alguns momentos sejam

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levantados dados quantitativos, privilegiaremos a análise qualitativa das informações

encontradas.

Diante da impossibilidade de filtrar a pesquisa exploratória diretamente por

programas de pós-graduação em Geografia na BDTD, a seleção foi feita por meio da

palavra-chave GEOGRAFIA. Nessa primeira filtragem, foi encontrado um total de

317 teses e 1439 dissertações entre os anos de 2007 e 20132. Em uma segunda

filtragem, identificamos entre estas teses e dissertações da Geografia quais

continham o termo política, no sentido de „política pública‟, ou ainda termos

correlatos, como programas e planos, em seus títulos ou resumos. Chegamos a 32

teses e 77 dissertações, distribuídas conforme a figura 1, o que representa,

respectivamente, cerca de 10% e 5% dos totais.

A Figura 1 mostra que ao longo dos anos, houve um crescimento entre o

número de teses, no entanto, as dissertações apresentaram maior flutuação:

Figura 1 – Distribuição anual de teses e dissertações sobre políticas públicas e geografia. Fonte dos

dados: IBICT (2014) – Acessado em outubro de 2014. Organização: FERNANDES e STEINBERGER

(2015)

De acordo com a CAPES, em 2014 existiam 59 programas e cursos de pós-

graduação em Geografia reconhecidos no Brasil. Destes, na pesquisa exploratória

foram encontradas somente teses e dissertações sobre políticas públicas em 22

universidades diferentes, o que pode ser observado na Quadro 1.

2 Esse recorte temporal foi definido por conta da pouca quantidade de trabalhos publicados fora do

período selecionado. A última consulta ao banco de teses foi realizada em outubro de 2014.

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Quadro 1 – Distribuição de teses e dissertações sobre políticas públicas e geografia por universidade consorciada. Fonte dos dados: IBICT (2014) – Acessado em outubro de 2014. Organização:

FERNANDES e STEINBERGER (2015)

O quadro 1 mostra também que há uma concentração maior de teses na

UFS, com 10, na USP e na UFU, com oito teses cada. Somadas, essas três

universidades representam mais de 80% da origem das teses analisadas. Os 20%

restantes ficam por conta da UERJ, UFMG, UFGRS e Unicamp.

Quando observadas as universidades de origem das dissertações é possível

constatar uma concentração em quatro universidades: UFS com nove, UFU com

oito, UECE com sete, e UEPG com seis. A distribuição das dissertações por

universidades fica menos concentrada do que a das teses, pois quatro universidades

são responsáveis por 38% das dissertações e o restante é dividido entre outras 18

universidades, conforme mostra a Quadro 1.

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3 – Considerações sobre as políticas públicas nas teses e

dissertações

Considerando que o conceito de política pública não é um consenso no meio

acadêmico, faz-se necessário verificar os entendimentos adotados nas teses e

dissertações. O referencial teórico de alguns dos trabalhos trazem discussões sobre

o conceito de política pública (uma tese e quatro dissertações) e o papel do Estado

(nove teses e treze dissertações).

Somadas a essas, outras duas teses e três dissertações apresentam

definições sobre tipos de políticas públicas, como as sociais e as setoriais. Um

número considerável de autores optou por relatar o histórico das políticas públicas

e/ou da atuação estatal, relativas ao tema estudado, como foi o caso de nove teses

e 32 dissertações, por vezes junto com o referencial teórico acima referido.

No entanto, 15 teses e 30 dissertações não fazem nenhuma discussão direta

sobre políticas públicas ou Estado, mas utilizam referenciais teóricos que abordam o

tema da política pública estudada. Como por exemplo, ao analisar uma política de

desenvolvimento regional, o referencial é sobre desenvolvimento regional, ao

analisar uma política educacional, a discussão centra-se na educação.

É preciso destacar ainda que alguns autores levantam questões específicas

de políticas públicas, sem partir de sua discussão conceitual. É o caso dos trabalhos

que questionam a atuação protagonizada por atores privados na elaboração de

políticas públicas, defendem o uso de instrumentos para a tomada de decisões,

como o sistema de informações geográficas, ou reconhecem a diferenciação entre

políticas públicas e políticas privadas.

O fato de a maioria dos trabalhos não adotar uma definição prévia sobre

política pública, direcionou a discussão dos temas para uma generalização empírica

sobre o seu entendimento. Assim, foram considerados indiscriminadamente não só

políticas públicas, como planos, programas, projetos, instrumentos e ações, de

cunho internacional, nacional, regional, estadual e municipal. Há teses e

dissertações que tratam de: leis; tratados internacionais; ação de Instituições e

órgãos; construção de conjuntos habitacionais, usinas hidrelétricas, barragens e

infraestrutura para extração de petróleo; planos diretores municipais; implantação de

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unidades de conservação; relatórios de estudos e grupos de trabalho; comitês e

conselhos temáticos; parcerias público-privadas; planos de expansão de metrô;

financiamentos em geral; ações de saúde pública; criação de universidades e;

distribuição de recursos, entre outros assuntos.

Para organizar os resultados da pesquisa exploratória, foi feita uma

classificação dos temas encontrados nas teses e dissertações declaradas como

sendo de políticas públicas de acordo com a questão central abordada. Essa

classificação teve o intuito de compreender se os trabalhos tratavam de tipos

específicos de políticas, especialmente, de políticas públicas espaciais. De acordo

com Steinberger (2006, p.31), as políticas públicas espaciais “têm em comum o fato

do espaço ser seu substrato”. São elas: as políticas ambiental, territorial, regional,

urbana e rural. Assim, os temas foram classificados em: políticas sociais, políticas

setoriais, políticas espaciais e outras. A quantidade de cada tipo está representada

no quadro a seguir.

Quadro 2 – Número de teses e dissertações por tipo de política. Fonte dos dados: IBICT (2014) – Acessado em outubro de 2014. Organização: FERNANDES E STEINBERGER (2015)

Dentre os temas classificados como de políticas sociais, são trabalhadas

questões gerais que envolvem o combate ao trabalho infantil, o programa Bolsa

Família, a cultura e o Estatuto da Juventude (uma tese e três dissertações). Foram

também trabalhadas as questões educacionais, incluindo a política de educação em

si, as de educação ambiental, o Programa Nacional do Livro Didático e a instalação

da Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB

(nove dissertações). Por fim, as questões relacionadas à saúde pública, como o

combate à dengue e à hanseníase, o programa Saúde da Família e o modelo de

gestão descentralizada do Sistema Único de Saúde - SUS (três teses e duas

dissertações).

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Quanto aos temas de políticas setoriais, há somente uma dissertação sobre a

indústria. Os transportes são temas de trabalhos que discutem o sistema ferroviário

e a construção de hidrovias, por meio da análise do Programa de Aceleração do

Crescimento - PAC e Plano Nacional de Logística e Transportes (uma tese e duas

dissertações). A energia é retratada em trabalhos sobre a construção de usinas

hidrelétricas e barragens, e por meio de planos de desenvolvimento das usinas (uma

tese e seis dissertações). Dos assuntos ligados aos setores econômicos, o turismo é

o mais focalizado em políticas e planos nacionais, programas como o de

regionalização, o de municipalização, o Programa de Desenvolvimento do Turismo -

PRODETUR, o Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal -

Proecotur, bem como em projetos específicos como as redes de turismo comunitário

da América Latina, do Brasil e do Ceará e o da rota dos tropeiros (cinco teses e 13

dissertações).

As políticas públicas espaciais são tema da maior parte das teses e

dissertações. As políticas territoriais são mencionadas por diversos trabalhos que

consideram como territoriais temas urbanos, regionais, agrários, agrícolas, fiscais e

de turismo. Isso se deve ao fato de que muitas das políticas, planos e programas

elaboradas pós 2003 assumem um enfoque “territorial”, a exemplo do Programa

Territórios Rurais - Pronat. No entanto, pode-se afirmar que não foi encontrado

nenhum trabalho específico sobre ordenamento territorial.

Os temas de política regional tratam a Política Nacional de Desenvolvimento

Regional e também as políticas estaduais (duas teses e cinco dissertações). Alguns

trabalhos abordam outros tipos de políticas, mas as denominam de políticas de

desenvolvimento regional.

Já os temas de política ambiental trazem uma maior abrangência: unidades

de conservação, comitês de bacias hidrográficas, zoneamento ecológico-econômico,

redes de informações ambientais, planos municipais de desenvolvimento

sustentável, conselho municipal de meio ambiente, e também políticas e planos

nacionais e estaduais, a exemplo de recursos hídricos, povos e comunidades

tradicionais, cadeias de produtos da sociobiodiversidade e mudança no clima (seis

teses e 11 dissertações).

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Os trabalhos sobre temas ligados à política urbana envolvem mobilidade,

moradia, saneamento, trânsito, resíduos sólidos, revitalização. São exemplos

desses: Plano Nacional de Saneamento Básico, Estatuto da Cidade, planos

diretores, programas habitacionais, zoneamentos urbanos, planos de expansão do

metrô, construção de conjuntos habitacionais, operações urbanas consorciadas,

sistemas de informações habitacionais, programa URBAN da ONU (de

revitalização), atuação de companhias de saneamento, política de recenseamento

urbano, planos de transporte urbano integrado e o programa de regularização de

assentamentos precários (cinco teses e nove dissertações).

As pesquisas sobre temas de políticas rurais incluem desde o crédito rural,

incentivos agrícolas e arranjos produtivos locais, até a questão da reforma agrária,

agricultura familiar, campesinato e outras relacionadas a movimentos sociais. São

exemplos: Plano Nacional de Reforma Agrária, programas como o de combate à

pobreza rural, o de agricultura familiar, o de aquisição de alimentos, o de

previdência rural, o de territórios rurais e os de financiamento como o Cédula da

Terra, projetos específicos como o do PRÓ-GAVIÃO e o Vida na Roça; e ações do

Departamento Nacional de Obras contra a Seca - DNOCS (sete teses e 14

dissertações).

Os temas das políticas classificadas como outras englobam tratados

internacionais, o federalismo e a transferência de recursos entre União, Estados e

Municípios. No Quadro 2 ficou muito claro que as políticas públicas espaciais

representam mais de 50% e dentre elas destacam-se as rurais, seguidas pelas

ambientais, pelas urbanas e por fim pelas regionais.

Chama a atenção o fato de que mesmo nos trabalhos sobre as políticas

públicas espaciais, em vários deles, a interlocução com os conceitos chaves da

Geografia é negligenciada.

4 – A relação entre políticas públicas e geografia nas teses e

dissertações

A divisão em tipos de políticas estudadas permitiu dimensionar a quantidade

de temas envolvidos nos trabalhos sobre políticas públicas na Geografia. O fato de a

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maior parte das teses e dissertações tratar sobre as políticas públicas espaciais

reforça a ideia da ligação das políticas públicas com o espaço e o território. Por outro

lado, o número de pesquisas que tratam de outros tipos de políticas também foi

considerável, o que nos indica outras implicações espaciais das políticas públicas.

Isso nos leva questionar quais categorias geográficas são usadas nas

pesquisas. Cabe esclarecer que nosso intuito não foi o de avaliar como foram

usadas e sim identificar quais aparecem, para proporcionar uma visão mais geral

sobre o tema. Sobretudo, interessa-nos saber se espaço, por ser o objeto da

Geografia, e território, por enfatizar a dimensão política do espaço, são usados na

nas teses e dissertações.

Analisando o resumo, a introdução e a conclusão dos trabalhos, foi verificado

que cerca de 60% das teses e 45% das dissertações usam o conceito de espaço

como suporte para as análises. O espaço se fez presente em termos de

configuração, organização, arranjos, distribuição, apropriação, estruturação,

reestruturação, transformação, produção e reprodução espaciais; de

espacializações, de espacialidade, de espaço urbano e rural, de ciberespaço, de

espaço simbólico, de espaço vivido e de segregações sócio-espaciais.

Em 45% das teses e 50% das dissertações o território serve de suporte,

muitas das vezes, em conjunto com o espaço. Dentre as variações terminológicas

em que o território aparece, estão: configuração, organização, identidade e poder

territorial; formação, ordenamento, reordenamento, regulação e gestão do território;

atores territoriais; territorialização; desterritorialização; territorialidade; uso do

território, divisão territorial do trabalho e base territorial.

Cabe observar que 3% das teses e 15% das dissertações não utilizam nem

espaço, nem território em suas análises. Isso não significa que não tenham nem

citado esses termos, mas sim, que não foram utilizados como conceitos analíticos. A

explicação para esse fato tem forte relação com os temas. Há trabalhos que

fundamentam suas análises em conceitos econômicos como um que se propõe a

traçar uma geografia econômica e outro que se ocupa dos efeitos de uma política

em determinados setores econômicos; enquanto outros usam como suporte o

conceito de ambiente, para investigações de temas de políticas ambientais. Há

ainda análises sobre políticas educacionais que tratam de aspectos concernentes ao

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ensino/aprendizagem; uma avaliação geral das ações do poder público na saúde,

referentes à determinada doença; ou ainda uma análise sobre a emancipação

político-administrativa de um município, enfocando a percepção dos moradores e;

por fim, trabalhos que tiveram um enfoque geopolítico.

Os outros conceitos geográficos usados como base nos trabalhos foram

região (e seus correspondentes como regionalização, desigualdades regionais e

desenvolvimento regional), escala, lugar, paisagem (vista por meio de suas

alterações e enquanto paisagem urbana), cidade, urbano e ambiente (incluindo seus

correlatos como dinâmica ambiental, geossistema e degradação ambiental).

Ao longo da execução da pesquisa exploratória, constatamos que, apesar dos

autores identificarem as políticas públicas como um dos assuntos de seus trabalhos,

muitos deles não as colocam em uma posição central. Assim, foi feita uma

apreciação das teses e dissertações selecionadas para verificar os tipos de pesquisa

realizados, a partir da lógica proposta, observando, afinal, como são abordadas as

políticas públicas.

Cerca de 70% das teses e dissertações apresentam estudos nos quais as

políticas públicas aparecem como assunto principal. Esses estudos não seguem um

mesmo padrão, podendo ser identificados por diferentes tipos conforme explicados a

seguir:

1) Análise dos efeitos de uma política, plano, programa ou projeto em

determinado recorte espacial: se refere à implementação de uma política

pública em determinado território, de maneira a mostrar as transformações ou

resistências espaciais ocorridas;

2) Análise de instrumentos geográficos na elaboração de políticas públicas:

como os sistemas de informações e os mapeamentos, e;

3) Análise da atuação de atores públicos ou privados na elaboração ou

implementação de uma política, plano, programa ou projeto em determinado

recorte espacial.

Os 30% restantes de teses e dissertações realizaram tipos de estudos

específicos, não tendo a política pública um papel central, mas sendo vista como um

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dos elementos de análise. Também foi possível verificar diferentes tipos de pesquisa

entre elas:

1) Análise da evolução de setores da economia, como o agroalimentar e de

transporte ferroviário, tendo as políticas públicas como um dos elementos que

contribuíram com essa evolução;

2) Propostas de desenvolvimento de determinados lugares como sugestões

para políticas públicas;

3) Análise de temas diversos, como a sustentabilidade na agricultura familiar, a

relação urbano rural, o campesinato e o trabalho infantil, tendo como um dos

pontos analisados as políticas públicas que os englobam;

4) Análise da política tributária e a distribuição de recursos entre os entes

federados e;

5) Outros estudos cuja relação da análise geográfica com a política pública não

era direta, como no caso de um trabalho sobre a Geografia na formação do

profissional do turismo.

Somente um olhar panorâmico sobre essas teses e dissertações é que nos

permitiu definir essa classificação dos estudos. Mesmo diante de tantas

possibilidades, a relação dos conceitos geográficos com as políticas públicas não é

evidenciada na maior parte dos trabalhos.

De um modo geral, o que foi possível observar é que as implicações espaciais

e territoriais das políticas públicas não são consolidadas teoricamente, pois não há

nos trabalhos um referencial que aproxime os conceitos geográficos das políticas

públicas. A discussão sobre o papel do Estado na organização espacial e no

ordenamento do território ainda não se aprofundou a ponto de analisar o processo

das políticas públicas.

Dessa maneira, os conceitos geográficos não são aplicados diretamente aos

mecanismos de política pública e isso se revela somente nas entrelinhas dos

trabalhos empíricos, o que contribui para que esse conhecimento não seja

sedimentado. Assim, as contribuições da Geografia ao estudo das políticas públicas

estão dissipadas nos muitos estudos de caso das teses e dissertações.

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5 – Comentários finais

A pesquisa exploratória em questão nos permitiu apresentar um panorama

dos trabalhos sobre políticas públicas na Geografia. Esse panorama à primeira vista

não nos revela muitas informações, pois parece um emaranhado de estudos

fragmentados e que não se comunicam. No entanto, essa exploração pode servir

como abertura a outros questionamentos e uma busca por um maior

aprofundamento no tema.

A falta de interlocução entre os conceitos geográficos e as políticas públicas

não nos permite concluir que existem abordagens sobre políticas que podem ser

denominadas de geográficas. O que fica claro nas teses e dissertações é que os

conceitos de políticas públicas, espaço e território precisam dialogar mais. É

necessário que haja um aprofundamento da inserção das políticas públicas na

Geografia.

Referências

STEINBERGER, M. Território, ambiente e políticas públicas espaciais. In: STEINBERGER, Marília (org). Território, ambiente e políticas públicas espaciais. Brasília: Paralelo 15 e LGE Editora, 2006.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Cursos recomendados. http://www.capes.gov.br/cursos-recomendados, acesso em 20/6/2015

Instituto Brasileiro de Inovação, Ciência e Tecnologia – IBICT. Biblioteca Digital de

Teses e Dissertações (BDTD). http://bdtd.ibict.br/, acesso em 20/10/2014