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Análise das Lacunas na Gestão de Finanças Públicas em Moçambique Uma contribuição do FMO Abril de 2017

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Análise das Lacunas na Gestão de Finanças Públicas em Moçambique

Uma contribuição do FMO

Abril de 2017

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PRINCIPAIS PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES:

- Planificação e Orçamentação

• O Cenário Fiscal de Médio Prazo (CFMP) deve passar a ser submetido ao

escrutínio público, discutido e aprovado pela AR e usado como base da

planificação anual;

• O CFMP e os orçamentos anuais precisam de seguir a mesma tendência e

padrão descendente, evitando-se assim a situação actual em que em sede do

CFMP são feitas projecções descendentes, enquanto que as entidades locais

orçamentam numa base incremental;

• Os PESODs têm de ser cada vez mais integrados nos PESOPs, acabando-se

com o cenário de mais de metade das acções listadas serem excluídas na

consolidação das acções planificadas; Ademais, mais de metade das

actividades inscritas nos PESOD não são realizadas pelos governos distritais,

porque os PESOD não são devidamente alinhados com os planos sectoriais,

para além de que não se aloca recursos suficientes para o financiamento das

actividades planificadas;

• A planificação e orçamentação territorial e sectorial devem ser mais integradas

para evitar a sua fragmentação, e dificultando alocação financeira; Este

aspecto não cria alinhamento entre o plano e orçamento a nível dos distritos e

províncias e não garante que recursos alocados respondem as reais

necessidades das áreas sociais básicas a nível dos distritos e províncias

• Promover cada vez mais o envolvimento dos cidadãos localmente na

priorização das necessidades antes e depois das alocações financeiras, de

modo a garantir que as prioridades sejam elencadas pelas comunidades.

- Arrecadação de receitas e previsão de despesas

• Na componente de receita, o Governo deve aperfeiçoar a capacidade da

Autoridade Tributária de modo a poder cobrar impostos em atraso com maior

eficiência; Há necessidade de se rever à legislação fiscal moçambicana de

modo a se alargar a base tributária através, por exemplo, da renegociação dos

benefícios fiscais aos mega-projectos, do combate à fuga ao fisco e do

branqueamento de capitais. A revisão das leis deve garantir ainda que o

Estado tenha maior capacidade de arrecadação de receitas através da

capacitação regular à Autoridade Tributária e a vários órgãos nos distritos e

províncias.

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• O Governo deve tratar das receitas próprias como contributos essenciais para

as contas das instituições independentes e autónomas que as cobram. Para

esse efeito, a sua planificação e previsão são fundamentais.

• O Governo deve assegurar maior controlo nas actividades das empresas

públicas e participadas pelo Estado de modo a garantir a sua contribuição ao

OE através das receitas produzidas. O Controlo deve igualmente informar ao

Governo sobre as empresas que constituem um peso aos moçambicanos

através da sua necessidade de serem financiadas anualmente.

- Procurement

• A informatização dos serviços da UFSA, particularmente a sua base de dados,

deve ser continuada a fim de passar a abranger as áreas ainda não cobertas

devido à descentralização.

• O Governo deve observar à risca a lei do procurement, com particular enfoque

para o contexto da aprovação do novo decreto.

• As instituições públicas devem privilegiar os concursos públicos para a

contratação de prestação de serviços de modo a minimizar a corrupção e falta

de transparência.

Auditoria, supervisão e monitoria

• A PGR deve acompanhar as constatações do TA e acionar os mecanismos

legais para a responsabilização criminal dos infractores;

• O Parlamento deve acompanhar as recomendações do TA e exigir o seu

cumprimento rigoroso.

• Outrossim, o Parlamento deve criar leis que facilitem a execução cabal das

recomendações quer da IGF, quer do TA. Finalmente, o Parlamento deve

exercer o seu poder de instar a Procuradoria-Geral da República (PGR) a

responsabilizar os gestores públicos que, nos seus actos, lesem o Estado e os

moçambicanos.

- Gestão da Dívida Pública

• O FMO insta o Governo a melhorar a Gestão da Dívida Pública, incluindo a

melhoria do controlo do Stock total e por instituição/empresa, mecanismos de

contracção e controlo, mecanismos de pagamento das instituições públicas,

incluindo empresas públicas e participadas;

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• O FMO insta as instituições de Justiça a desempenharem o seu papel e

responsabilizarem administrativa e criminalmente aos envolvidos no caso das

dívidas ocultas;

• O Governo deve implementar de forma séria e célere as recomendações do

FMI/Banco Mundial de modo a garantir o retorno do apoio dos parceiros

internacionais ao OE;

• O Parlamento deve criar uma lei de responsabilização fiscal para a punição

exemplar dos infractores e que colocar um limite para a contratação das

dívidas passar pelo escrutínio e aprovação pelos deputados;

• O Governo deve rever a tendência demasiadamente crescente da dívida

interna do país, para permitir que a economia nacional tenha mais recursos

financeiros disponíveis para financiamento.

1. Introdução: contextualização e justificativa

A gestão de finanças públicas (GFP) é o garante da prossecução dos objectivos de

desenvolvimento político, social e económico de qualquer Estado moderno. Cada

Estado procura captar recursos financeiros e materiais por via da tributação, que de

seguida os aloca aos diferentes sectores temáticos (por exemplo, saúde, educação,

protecção social, etc.) e geográficos diferentes do nível central.

Em termos simples, a GFP de qualquer país consiste na arrecadação de receitas e

execução de despesas – um processo amiúde caracterizado por lacunas seja devido à

inadequação das regras, processos ou instituições existentes. Este relatório identifica

e analisa essas lacunas, no contexto moçambicano, bem como apresenta

recomendações para a sua resolução.

A análise é uma contribuição do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) para a

promoção da boa governação económica e financeira do Estado enquanto mecanismo

essencial para o alcance do bem-estar comum. Ela surge num momento

particularmente difícil para o país que enfrenta um grave e longo conflito político-militar

que tem desestabilizado uma parte significativa do território nacional.

Igualmente, o momento é peculiar devido a crise económica e financeira que o país

enfrenta: o Estado está altamente endividado (cerca de 70% do produto interno bruto,

PIB) e uma histórica estagnação económica com suspensão do apoio orçamental dos

parceiros de cooperação, falência de dois bancos comerciais. Um, o Moza Banco,

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intervencionado pelo Banco de Moçambique (BM) e outro (Nosso Banco) fechado pela

mesma entidade. No segundo caso, foram perdidos cerca de três biliões de meticais

de contribuintes do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), então accionista

maioritário do mesmo.

Os parceiros de cooperação congregados no chamado G14 suspenderam o seu apoio

orçamental a Moçambique, não se sabendo se e quando o mesmo será retomado. A

suspensão deveu-se ao escandâlo das dívidas ocultas, a falta de transparência na

Gestão de Finanças Públicas (GFP) em combinação com a crise económica e

financeira global. Neste contexto, o Governo apresentou à Assembleia da República a

mais restritiva proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2017.

Isto significa que o Estado moçambicano enfrentará acrescidas dificuldades

financeiras nos próximos anos, que só serão resolvidas por via de uma reforma do

Estado moçambicano no geral e dos sistemas de gestão das finanças públicas, em

particular, arrecadando mais receitas e restringindo a despesa supérflua. Para esse

efeito, o Governo tem de colmatar as lacunas da GFP, anteriormente identificadas em

outros estudos (por ex.: PEFA 2015), confirmadas e reiteradas nesta análise conforme

se detalha nas secções seguintes.

Sem prescindir da necessária qualidade técnica requerida numa análise relacionada

com GFP, este documento adopta um formato e uma linguagem mais simples e

menos tecnocrata a fim de permitir que o mesmo seja lido, entendido e utilizado por

um maior número de pessoas.

2. Objectivos

2.1 Objectivo geral

Identificar lacunas na Gestão das Finanças Públicas (GFP) em Moçambique e seu

impacto na vida dos cidadãos.

2.2 Objectivos específicos

Os objectivos específicos que nortearam a análise são os seguintes:

• Identificar aspectos concretos que mostram deterioração ou estagnação nos

últimos anos na Gestão de Finanças Públicas, tendo como base os resultados

do Relatório do PEFA 2015;

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• Discutir a problemática do crescimento galopante da dívida pública e seu

impacto na vida do cidadão;

• Identificar lacunas no processo de planificação e orçamentação sobretudo nos

sectores prioritários;

• Propor soluções aos principais desafios identificados.

3. Metodologia

Esta análise foi produzida com base em informação recolhida de fontes secundárias,

nomeadamente, documentos oficiais do Governo (por ex.; Visão Estratégica das

Finanças Públicas 2011-2025), estudos e avaliações sobre a GFP (por ex.; PEFA

2015), incluindo publicações anteriores do FMO (por ex.; Pontos Críticos na GFP).

Dessa forma, este documento analisa as lacunas de GFP anteriormente identificadas

pelo Governo, pelo FMI e por outras entidades interessadas na melhoria da GFP em

Moçambique.

A informação recolhida foi processada usando técnicas de análise das dimensões da

GFP conforme concebidas em instrumentos de avaliação internacional como o PEFA,

em combinação com técnicas de análise de economia política (PEA, em inglês,

Political Economy Analysis). Essa combinação permitiu não apenas a caracterização

da situação/problema como também o entendimento da correlação de forças (relações

de poder) enquanto dimensões concomitantes de interesse e influência (influence and

interest matrix) sobre o quadro de GFP.

Os resultados da informação processada são apresentados no formato simplificado de

documento de trabalho, agrupados em quatro grandes áreas temáticas - planificação e

orçamentação (priorização), execução orçamental (receitas e despesas), controlo

interno e externo (oversight, auditoria e reporte) e gestão da dívida pública - de modo

a permitir o seu uso nas acções de advocacia junto do Governo (Ministério da

Economia e Finanças), da Assembleia da República (particularmente a Comissão do

Plano e Orçamento e Bancadas Parlamentares), do Tribunal Administrativo

(particularmente a 3ª Secção, responsável pela Conta Geral do Estado,CGE) e dos

parceiros de cooperação.

4. Constatações

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4.1 Lacunas na Planificação e Orçamentação

O ciclo de planificação em Moçambique arranca com a elaboração do Cenário Fiscal

de Médio Prazo (CFMP) - um documento trienal - que estabelece os limites

orçamentais indicativos e as orientações de políticas para a elaboração do Plano

Económico e Social (PES) e do Orçamento do Estado (OE) de Fevereiro a Abril de

cada ano. As orientações e limites são comunicados até ao dia 31 de Maio aos

sectores, províncias e distritos. Com base nos limites e nas orientações recebidas, os

sectores, províncias e distritos preparam entre Junho e Julho as pospostas do PES

que são submetidas ao Ministério de Economia e Finanças até finais de Julho.

Em Agosto, o MEF procede à consolidação do OE e do PES e à sua submissão ao

Conselho de Ministros que deve ser efectuada até a data limite de 15 de Setembro,

para aprovação. Estes documentos são remetidos à AR a 30 de Setembro, devendo

ser aprovados até 15 de Dezembro. O diagrama da figura 1 abaixo ilustra o ciclo de

planificação e orçamentação.

Figura 1: Ciclo de Planificação e Orçamentação em Moçambique

Fonte: Adaptado do Manual de Finanças Públicas para Jornalistas, MB Consulting e DW 2014.

Do cruzamento dos estudos e documentos de GFP disponíveis é possível destacar as

seguintes lacunas a nível da planificação e orçamentação:

• Cobertura incompleta do Orçamento do Estado, que não inclui todas as Entidades

Autónomas e, em particular, o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), os

2. Comunicação dos Limites

indicativos, guiões e metodologias

para a preparação do PES e OE

3. Preparação das Propostas do

PES e OE por parte dos sectores,

províncias e distritos

4. Balanço PES (harmonização)

5. Consolidação do PES e

OE

6. Revisão Semestral

7. Balanço PES (1º

Semestre)

8. Submissão do OE e PES ao

Conselho de Ministro para

apreciação e aprovação

9. Submissão do OE e

PES à AR (AR) para

aprovação

10.Data limite para

aprovação do PES e OE

pela AR

Fevereiro - Maio

31 de Maio

Junho e Julho

Agosto - Setembro 15 de Setembro

30 de Setembro

15 de Dezembro

1. Elaboração e finalização do CFMP

Abril

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projectos financiados com ajuda externa e parte dos recursos próprios das

entidades do Estado;

• Sobreestimação de receitas e subestimação de despesas;

• O principal documento de planificação de médio prazo, o CFMP não é

aprovado nem discutido pela AR, uma prática contrária aos padrões

internacionalmente aceites. Por esta razão, Moçambique teve uma

classificação negativa nesta componente no PEFA 2015 (Lawson et al. 2016);

• Os distritos são unidades de planificação, mas não de orçamentação o que cria

uma fragmentação entre ambos processos em prejuízo da eficácia e eficiência

que seriam de esperar;

• O modelo de planificação territorial e sectorial faz com que existam dois planos

em cada distrito: um territorial (distrito-PESOD) e outro Sectorial (dos

Ministérios-Sectores). Este aspecto não cria alinhamento entre o plano e

orçamento a nível dos distritos e províncias e não garante que recursos

alocados respondem as reais necessidades das áreas sociais básicas a nível

dos distritos e províncias

• Segundo dados recolhidos pelas organizações da sociedade civil CIP e G20,

citados pelo FMO e G20 (2015), mais de metade das actividades inscritas nos

PESOD não são realizadas pelos governos distritais, porque os PESOD não

são devidamente alinhados com os planos sectoriais, para além de que não se

aloca recursos suficientes para o financiamento das actividades planificadas;

• Fraca ligação entre os instrumentos de planificação de médio prazo (CFMP) e

os orçamentos anuais. Esta lacuna, conforme documentado pelo FMI, deve-se

à falta de reconciliação das estimativas ascendentes de despesas preparadas

pelos sectores e províncias com as previsões descendentes preparadas pelo

MEF. Por exemplo, a despesa total em 2014 foi de 20% mais do que o previsto

para 2014 no CFMP 2013 - 2015. Os Gastos de Capital desviaram-se 27% do

planeado. Portanto, a credibilidade dos limites máximos de médio prazo no

CFMP é limitada, e talvez mais significativamente, nenhuma explicação dessas

divergências é fornecida no OE e na documentação de acompanhamento

(Lawson et al. 2016)

Recomendações

• Tratando-se de um documento de planificação fiscal de médio prazo, o CFMP

deve passar a ser submetido ao escrutínio público, discutido e aprovado pela

AR;

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• Os PESODs têm de ser cada vez mais integrados nos PESOPs, acabando-se

com o cenário de mais de metade das acções listadas no PESOD serem

simplesmente excluídas;

• A planificação e orçamentação territorial e sectorial devem ser mais integradas

para evitar a sua fragmentação, dificultando a respectiva orçamentação;

• O CFMP e os orçamentos anuais precisam de seguir a mesma tendência e

padrão descendente, evitando-se assim a situação actual em que em sede do

CFMP são feitas projecções descendentes, ao passo que as entidades locais

orçamentam numa base incremental;

• Promover cada vez maior abrangência do Orçamento do Estado sobre

organismos autónomos e independentes dentro do Aparelho do Estado.

• Promover cada vez mais o envolvimento dos cidadãos localmente na

priorização das necessidades antes e depois das alocações financeiras.

4.2 Execução orçamental: receitas e despesas

Esta secção analisa, resumidamente, as lacunas existentes nas componentes de

arrecadação de receitas e execução de despesas em Moçambique.

Receitas - dificuldades de cobrança de impostos em atraso

Para além da lacuna estrutural do espaço fiscal, da quantidade de receitas, ser

limitada, existe uma lacuna de ordem institucional. Ela é relativa à Autoridade

Tributária (AT), que é a única entidade gestora de receitas. Mesmo sendo

reconhecidamente uma das instituições mais avançadas e modernas dentro do

Aparelho do Estado moçambicano, a AT enfrenta dificuldades na cobrança de

impostos em atraso. Por exemplo, o PEFA 2015 documentou que “no final de 2014 as

dívidas de receita foram 3.649 milhões, o equivalente a 2.34% da arrecadação de

receitas (excluindo ganhos de capital de impostos inesperados). Além disso, mais de

75% de impostos em atraso tinham mais de 1 ano”.

Outra lacuna tem que ver com a previsão das receitas. Como notado no relatório

PEFA 2015, embora seja abrangente, a previsão de receitas do CFMP é apresentada

somente num nível agregado (ou seja, receitas fiscais, receitas não fiscais e subsídios,

sem divulgar informações para cada tipo de receita). Assim, as metas para cada tipo

de receita não são especificadas a um nível desagregado (ou seja, IVA, impostos de

renda, impostos sobre transacções, etc.). Aliás, para além de exigir um certo grau de

desagregação de previsões de receitas, o padrão da PEFA afirma que, para cada

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fonte de previsão de receita, as premissas e metodologia utilizados devem ser

explicados e publicados. Este não é o caso de Moçambique.

A legislação fiscal continua bastante frágil para garantir o alargamento da base

tributária e o aumento da capacidade de cobrar receitas.

Receitas próprias – falta de cobertura abrangente

No que diz respeito às receitas próprias, ainda não é possível obter uma cobertura

abrangente das receitas cobradas pelas entidades públicas. As auditorias do Tribunal

Administrativo confirmam que uma parte não quantificada desta renda ainda não está

declarada e é, assim, utilizada sem observar plenamente os procedimentos

estabelecidos por lei, particularmente no que diz respeito às fases do ciclo da despesa

(FMI 2014, Lawson et al 2016).

Despesas sem ligação com tectos máximos do CFMP

As estratégias sectoriais não são totalmente custeadas para a maioria dos

sectores/instituições. Quando são totalmente custeadas, não existe uma ligação clara

entre estas e os tectos máximos do CFMP. Os tectos máximos totais publicados no

CFMP 2014-2016 não são abrangentes (apenas para Bens e Serviços e itens de

Despesas de Capital Internamente Financiados). Não há nenhuma documentação de

como o processo de reconciliação é feito.

Recomendações

• Na componente de receita, o Governo deve aperfeiçoar a capacidade da

Autoridade Tributária de modo a poder cobrar impostos em atraso com maior

eficiência; Há necessidade de se rever à legislação fiscal moçambicana de

modo a se alargar a base tributária através, por exemplo, da renegociação dos

benefícios fiscais aos mega-projectos, do combate à fuga ao fisco e do

branqueamento de capitais. A revisão das leis deve garantir ainda que o

Estado tenha maior capacidade de arrecadação de receitas através da

capacitação regular à Autoridade Tributária e a vários órgãos nos distritos e

províncias.

• O Governo deve tratar das receitas próprias como contributos essenciais para

as contas das instituições independentes e autónomas que as cobram. Para

esse efeito, a sua planificação e previsão são fundamentais.

• As despesas devem ser reconciliadas com os tectos estabelecidos nos

documentos de planificação estratégica e de médio prazo.

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• O Governo deve assegurar maior controlo nas actividades das empresas

públicas e participadas pelo Estado de modo a garantir a sua contribuição ao

OE através das receitas produzidas. O Controlo deve igualmente informar ao

Governo sobre as empresas que constituem um peso aos moçambicanos

através da sua necessidade de serem financiadas anualmente.

4.2.1 Procurement público

A área de aquisições de bens do Estado e contratação de serviços (procurement) tem

sido indicada em diversos estudos como sendo o elo mais fraco da gestão de finanças

públicas. A Unidade Funcional de Supervisão das Aquisições (UFSA) mantém

estatísticas dos contratos públicos, incluindo os feitos por métodos menos

competitivos (por ex: adjudicação directa), mas não recebe todos os planos de

contratações anuais (dado que a autoridade em matéria de contratos é

descentralizada) e não pode, portanto, acompanhar as aquisições reais em relação

aos processos planeados (Lawson et al 2016, FMI 2015).

Entretanto, segundo o relatório PEFA 2015, 52,95 por cento dos contratos públicos

são adjudicados pela excepção e não pela regra, ou seja por ajuste directo. Este

mecanismo, abre espaço para a falta de transparência, corrupção, clientelismo e

viciação dos concursos públicos e não permite igualdade de oportunidades aos

prestadores de serviços.

Desde 2013, os registos de contratações são centralizados através do e-SISTAFE,

que regista informações básicas, mas não obtém dados de desempenho.

Recomendações:

• A informatização dos serviços da UFSA, particularmente a sua base de dados,

deve ser continuada a fim de passar a abranger as áreas ainda não cobertas

devido à descentralização.

• O Governo deve observar à risca a lei do procurement, com particular enfoque

para o contexto da aprovação do novo decreto.

• As instituições públicas devem privilegiar os concursos públicos para a

contratação de prestação de serviços de modo a minimizar a corrupção e falta

de transparência.

4.3 Controlo interno e externo: oversight, auditoria, reporte e monitoria

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A Inspecção Geral de Finanças (IGF) é o organismo responsável pelo controlo interno

no sistema de GFP, ao passo que o Tribunal Administrativo (TA) é responsável pelo

controlo externo, realizando, ambas auditorias.

No que diz respeito à implementação das recomendações resultantes das auditorias, a

IGF realiza um acompanhamento sistemático de suas próprias auditorias, e desde

Julho de 2014 têm, também, realizado um acompanhamento sistemático das

recomendações resultantes das auditorias externas realizadas pelo TA. Para este

último, há um sistema partilhado entre a IGF e o TA que permite saber quais são as

recomendações a seguir e que permite ainda introduzir informação sobre os

resultados das acções de acompanhamento.

Em Moçambique, o TA tem o mesmo tratamento que qualquer outra UGB, e portanto,

não tem independência na execução orçamental. Outrossim, o facto de o seu

Presidente ser nomeado pelo Presidente da República levanta dúvidas sobre os

factores de independência e isenção.

O sistema de reporte na GFP em Moçambique acontece por via dos Relatórios de

Execução Orçamental (REOs) e da Conta Geral do Estado (CGE) e do respectivo

Parecer do TA. Os primeiros são mais sistemáticos, com regularidade trimestral e

oferecem alto grau de detalhe.

Aqui, o Parlamento é chamado a desempenhar devidamente o seu papel, uma vez

que, por lei, é a instituição que deve fazer o acompanhamento das recomendações do

TA ao Governo e exigir o seu cumprimento rigoroso.

Recomendações

• O Presidente do TA deve agir com independência e isenção e dar

recomendações para a punição exemplar dos gestores que lesem o Estado;

Deve igualmente publicitar os seus actos para desencorajar os gestores

prevaricadores de tais actos;

• A PGR deve acompanhar as constatações do TA e acionar os mecanismos

legais para a responsabilização criminal dos infractores;

• O Parlamento deve acompanhar as recomendações do TA e exigir o seu

cumprimento rigoroso.

• Outrossim, o Parlamento deve criar leis que facilitem a execução cabal das

recomendações quer da IGF, quer do TA. Finalmente, o Parlamento deve

exercer o seu poder de instar a Procuradoria-Geral da República (PGR) a

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responsabilizar os gestores públicos que, nos seus actos, lesem o Estado e os

moçambicanos.

4.4 Gestão da dívida pública

4.4.1 Dívida Externa

A dívida pública moçambicana situa-se em níveis insustentáveis (acima de 70% do

PIB), uma situação exacerbada pelo escândalo das dívidas inconstitucionais, ilegais e

escondidas das empresas EMATUM, Proindicus e MAM.

Por comprovada incapacidade das empresas, o Governo de Moçambique propôs a

inclusão das referidas dívidas na Conta Geral do Estado, sugerindo que os

moçambicanos devem pagar dívidas contraídas de forma irresponsável e ilegal.

Contra todas as expectativas, o Parlamento Moçambicano chancelou tal pedido e

incluiu as dívidas da MAM e Proindicus na CGE 2015.

A dívida externa, sobretudo a oculta e ilegal, tem estado a ser apontada como estando

na origem da actual crise económico-financeira de Moçambique, porquanto motivou o

congelamento de financiamento por todos os parceiros internacionais, os choques

externos à moeda nacional (o metical), bem como a subida de preços dos produtos de

primeira necessidade e não só.

Por falta de opções para financiar a máquina administrativa do Estado, o Governo

criou outro problema: aumento exponencial da dívida interna, encarecimento do

dinheiro, pressão ao sector privado no acesso ao crédito nos bancos comerciais.

4.4.2 Crise da dívida interna: crescimento em mais de 1000% em cinco anos

A par da dívida externa, a dívida interna de Moçambique cresceu de forma galopante

nos últimos seis anos, atingindo níveis insustentáveis. Entre 2011 e 2015 a dívida

interna havia crescido de 22,3 milhões de meticais para 69,2 milhões, de seguida a

dívida disparou em mais de 1000% para 88,2 mil milhões de meticais até final do

primeiro trimestre de 2017, conforme referiu o Banco de Moçambique em Abril de

2017.

A dívida interna cresce devido à necessidade do Estado financiar-se com recurso a

Bilhetes de Tesouro, Obrigações de Tesouro e também por via de empréstimos

directos ao Banco de Moçambique. O quadro abaixo ilustra a composição e evolução

da dívida interna moçambicana.

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Fonte: Banco de Moçambique, 2017

O crescimento da dívida interna apresentado acima tem sido motivado em parte para

pagar outras dívidas, gerando dessa forma um ciclo de dívida ou jogos de Ponzi (Ver

Massarongo 2016). Outros factores que fazem crescer a dívida interna é a cobertura

de prejuízos de flutuação cambial de valores ao Banco Central, compensação às

gasolineiras, financiamento de construção de edifícios públicos e cobertura do défice

do Orçamento do Estado (OE). Nota-se que o crescimento da dívida interna é movido

por factores que aprofundam a crise económica e financeira em que o país se

encontra, e não para resolvê-la.

Os factores referidos acima derivam da conjuntura nacional de crise económica e

financeira. O corte do apoio directo ao orçamento por parte de vários parceiros de

cooperação dificulta o financiamento do défice orçamental, sendo por isso que o

Governo recorre aos Bilhetes do Tesouro, Obrigações do Tesouro e Empréstimos do

Banco Central.

Recomendações

• O FMO insta o Governo a melhorar a Gestão da Dívida Pública, incluindo a

melhoria do controlo do Stock total e por instituição/empresa, mecanismos de

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contracção e controlo, mecanismos de pagamento das instituições públicas,

incluindo empresas públicas e participadas;

• O FMO insta as instituições de Justiça a desempenharem o seu papel e

responsabilizarem administrativa e criminalmente aos envolvidos no caso das

dívidas ocultas;

• O Governo deve implementar de forma séria e célere as recomendações do

FMI/Banco Mundial de modo a garantir o retorno do apoio dos parceiros

internacionais ao OE;

• O Parlamento deve criar uma lei de responsabilização fiscal para a punição

exemplar dos infractores e que colocar um limite para a contratação das

dívidas passar pelo escrutínio e aprovação pelos deputados;

• O Governo deve rever a tendência demasiadamente crescente da dívida

interna do país, para permitir que a economia nacional tenha mais recursos

financeiros disponíveis para financiamento.

4.5 E-SISTAFE: entre a dificuldade técnica e a incapacidade humana

Desde o ano 2002 que a GFP em Moçambique tem sido suportada pelo Sistema de

Informa o Sistema de Administração Financeira do Estado (SISTAFE), que mais tarde

se tornou e-SISTAFE. Este estabelece e harmoniza regras e procedimentos de

programação, gestão, execução e controle do erário público, de modo a permitir o seu

uso eficaz e eficiente. Ademais visa produzir a informação de forma integrada e

atempada, concernente à administração financeira dos órgãos e instituições do

Estado. Assim, o e-SISTAFE é a espinha dorsal da GFP em Moçambique.

O e-SISTAFE é composto por vários módulos e suporta a execução orçamental,

financeira e patrimonial, em 1388 UGB (637 ao nível Distrital, 584 nas 11 Províncias e

167 ao nível central). Este processo de rollout traduziu-se numa positiva

implementação da execução do Orçamento do Estado, tendo uma evolução da

execução por via indireta para via direta. Em Março de 2016 atingiu-se o valor de

65,3% de execução por via direta com uma meta de 74% para o final de 2016 (em

2011 este valor era de 42% e em 2012 de 52,6%).

A lei do SISTAFE estabelece uma classificação económica que é totalmente

compatível com os padrões internacionais. No entanto, esta classificação não é usada

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quando o documento orçamental é formulado e reportado (em relatórios anuais). Os

documentos publicados são apresentados usando uma classificação diferente, que

distingue entre as categorias "Funcionamento" e "Investimento". “Funcionamento”

inclui todos os gastos correntes e algumas despesas de capital (ou seja, "Despesas de

Capital", referentes a compra de equipamento). “Investimento” inclui salários e outras

despesas correntes ligadas a projectos.

A não contabilização no e-SISTAFE das informações das fases da receita que

ocorrem na AT e nas principais entidades do Estado que gerem Receitas Consignadas

e Próprias impedem que a DNT implemente a Programação Financeira de forma mais

consistente em termos previsionais.

Recomendações

• O Governo deve priorizar o desenvolvimento e implementação dos módulos de

e-Tributação na vertente da Rede de Cobranças, o e-Pensões e o e-

Património;

• Os parceiros de cooperação devem apoiar na expansão e melhoria da rede de

suporte do e-SISTAFE para permitir que a reforma de GFP seja feita nas

melhores condições técnicas possíveis.

• Fortalecer o Modelo de Gestão da Reforma do e-SISTAFE com maior

empoderamento do MEF.

• O MEF precisa de adoptar um currículo de formação para o novo pessoal a ser

envolvido no trabalho com o e-SISTAFE.

Referências

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FMO E G20. 2015. PONTOS CRÍTICOS NA GESTÃO DE FINANÇAS PÚBLICAS.

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TOSTES, Jose. 2015. Relatório de Avaliação de Desempenho da administração tributária. TADAT.

LAWSON, Andrew; BAPTISTA, Conceição; PFUCKER, Hernán; PISANI, Alessandro.

2016. AVALIAÇÃO PEFA DA GESTÃO DE FINANÇAS PÚBLICAS 2015. Relatório Final. Vol II. Maputo

CHIVULELE, Fernanda. 2016. ESTRUTURA DA DÍVIDA PÚBLICA EM MOÇAMBIQUE E A SUA RELAÇÃO COM AS DINÂMICAS DE ACUMULAÇÃO. In Desafios para Moçambique 2016; pp. 113-140

MB CONSULTING E DW. 2014. MANUAL DE FINANÇAS PÚBLICAS PARA

JORNALISTAS. MB Consulting. Maputo

RAME, Xavier; MASHA, Iyabo; MORETTI, Delphine; PALACIO, Esther. 2015.

Relatório De Avaliação de Transparência Fiscal de Moçambique. FMI. Washington

REME, Xavier; ALLEN, Richard; AZIZ, Imran; HELIS, Jean-Luc; PALACIO, Esther; SALINS, Véronique; SOUSA, Rafael; RENTERIA, Carolina; WILKINSON, Marle. 2015. REFORÇO DAS INSTITUIÇÕES FISCAIS EM MOÇAMBIQUE E AVALIAÇÃO DA GESTÃO DO INVESTIMENTO PÚBLICO. FMI. Washington.

VAN EDEN, Holger; ALLEN, Richard; AZEVEDO, Margarida; PALACIO,

Esther, RAME, Xavier; WILLIAMS, Mike. 2014. REFOCAR A ESTRATÉGIA DE GESTÃO DE FINANÇAS PÚBLICAS. FMI. Washington.

SOBRE O FMO

O FMO – Fórum de Monitoria de Orçamento - é uma plataforma de Organizações da Sociedade

Civil focalizadas e interessadas na área de gestão de finanças públicas. A plataforma visa

fortalecer a capacidade de acção colectiva das OSCs para monitorar e influenciar as políticas

fiscais e financeiras, tendo como base o Orçamento do Estado, em benefício dos grupos menos

favorecidos.

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