Blimunda # 44, janeiro de 2016

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    Todos faremosjornais um dia?

    Editorial

    Leiturasdo ms

    Sara Figueiredo Costa

    DicionrioCristina Paiva

    Adlia Carvalho

    Espelho MeuAndreia Brites

    Notas deRodapAndreia Brites

    Jornalismo, entrea crise a a rein-

    veno

    Ricardo Viel

    EstanteAndreia Brites

    Sara Figueiredo Costa

    Lendo O Anjocomo Blimunda

    Aline Ferreirae Helena Ferreira

    Agenda

    O mapa sem bs-sola de um autor

    Sara Figueiredo Costa

    Os filmes do rockJoo Montei ro

    Plataformas digi-tais: quem l quem

    e quem l bemAndreia Brites

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    Em 1979, Jos Saramago publicou a sua primeira obra teatral:A Noite. Nela, o escritor, que durante anos trabalhou

    como cronista, dirigiu suplementos literrios e exerceu um cargo de direo no Dirio de Notcias, conta a histria de

    uma insubordinao chefiada pelos tipgrafos e jornalistas de um jornal que, na noite de 24 para o 25 de Abril de 1974,

    decidem fazer a sua prpria edio do jornal para contar a revoluo em marcha nas ruas. Na epgrafe da pea, Jos

    Saramago cita uma frase de um suposto autor desconhecido que diz: Todos faremos jornais um dia.

    Talvez estejamos mais perto desse dia. J no mais necessria uma grande estrutura nem um investimento elevado

    para que se crie uma publicao. Nas redes sociais no s se divulgam notcias prprias como se comentam e

    hierarquizam informaes de terceiros. Em tese, estamos mais informados do que

    nunca. Mas ser que mesmo assim?

    Nos ltimos anos, em quase todo o mundo, os tradicionais veculos de comunicao, em

    especial os impressos, tm sofrido com a crise econmica. Postos de trabalho foram

    suprimidos, publicaes desapareceram ou foram reduzidas. Em geral, os veculos

    impressos perderam qualidade e relevncia.

    A Blimundadeste ms debrua-se sobre esse assunto e procura, mais do que alertar

    para o perigo da onda de despedimentos e reduo das redaes de jornais e revistas, apresentar novas plataformas

    e projetos que surgiram nos ltimos anos em alguns pases. Se por um lado preocupante que os veculos tradicionais

    de informao percam importncia e qualidade, por outro animador assistir ao surgimento de novos projetos, muitosdeles criados por jornalistas que sentem o dever de informar.

    Muita coisa mudou nas ltimas dcadas na maneira como se faz e se consome informao, mas h algo que no se

    alterou: o interesse das pessoas nas histrias bem contadas, no jornalismo bem feito, que informa, denuncia, fiscaliza e

    fala do dia a dia do leitor.

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    Blimunda 44

    janeiro 2016

    DIRETOR

    Srgio Machado Letria

    EDIOEREDAO

    Andreia Brites

    Ricardo Viel

    Sara Figueiredo Costa

    REVISO

    Rita Pais

    DESIGN

    Jorge Silva/silvadesigners

    Casa dos Bicos

    Rua dos Bacalhoeiros, 10

    1100-135 Lisboa Portugal

    [email protected]

    www.josesaramago.org

    N. registo na ERC 126 238

    Os textos assinados

    so da responsabilidade

    dos respetivos autores.

    Os contedos desta publicao

    podem ser reproduzidos

    ao abrigo da LicenaCreative Commons

    JooFaz

    enda

    FUNDAOJOSSARAMAGOTHEJOSSARAMAGOFOUNDATIONC

    ASADOSBICOS

    ONDEESTAMOSWHERETOFINDUSRuadosBacalhoeiros, LisboaTel:(351)218802040

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    GETTINGHEREMetroSubwayTerreirodoPao

    (LinhaazulBlueLine)

    AutocarrosBuses25E,206,210,

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    Bauman e a criseda democracia

    Aos noventa anos, o socilogoZygmunt Bauman prossegue o seutrabalho de pensar lucidamentee questionar com frontalidadeo mundo que o rodeia. Numaentrevista ao El Pas, conduzidapelo jornalista Ricardo de Querol,falou sobre a crise da democracia,a dificuldade de encontrarsolues locais para problemasque so inevitavelmente globais edas redes sociais, essa armadilhaque cria mais iluses do quesolues para os problemasestruturais da nossa sociedade.Sobre a democracia e os desafioscontemporneos que enfrenta,Bauman disse o seguinte: Loque est pasando ahora, lo quepodemos llamar la crisis de lademocracia, es el colapso de la

    confianza. La creencia de que loslderes no solo son corruptos oestpidos, sino que son incapaces.Para atuar se necesita poder:ser capaz de hacer cosas; y senecesita poltica: la habilidadde decidir qu cosas tienen quehacerse. La cuestin es que esematrimonio entre poder y poltica

    en manos del Estado-nacinse ha terminado. El poder se haglobalizado pero las polticasson tan locales como antes.La poltica tiene las manoscortadas. La gente ya no creeen el sistema democrticoporque no cumple sus promesas.Es lo que est poniendo demanifiesto, por ejemplo, la crisisde la migracin. El fenmenoes global, pero atuamos entrminos parroquianos. Lasinstituciones democrticas no

    fueron diseadas para manejarsituaciones de interdependencia.La crisis contempornea de lademocracia es una crisis de lasinstituciones democrticas. Maisadiante, diz o socilogo sobreas redes sociais, tantas vezesencaradas como uma nova espciede comunidade, e igualmentecomo espao privilegiado paraum certo ativismo nem sempre

    consequente: La cuestin de laidentidad ha sido transformada dealgo que viene dado a una tarea:t tienes que crear tu propiacomunidad. Pero no se crea unacomunidad, la tienes o no; lo quelas redes sociales pueden crear esun sustituto. La diferencia entre

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    la comunidad y la red es que tperteneces a la comunidad perola red te pertenece a ti. Puedesaadir amigos y puedes borrarlos,controlas a la gente con la quete relacionas. La gente se sienteun poco mejor porque la soledades la gran amenaza en estostiempos de individualizacin.Pero en las redes es tan fcilaadir amigos o borrarlos que nonecesitas habilidades sociales.Estas las desarrollas cuando ests

    en la calle, o vas a tu centro detrabajo, y te encuentras congente con la que tienes quetener una interaccin razonable.Ah tienes que enfrentarte alas dificultades, involucrarteen un dilogo.[...] Las redesson muy tiles, dan serviciosmuy placenteros, pero son unatrampa.

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    Na mortede David BowieDavid Bowie morreu no passadodia 10, aos 69 anos, vtima decancro. O mundo prestou-lhehomenagem das mais diversasformas e a imprensa no deixoude lhe dedicar capas e muitaspginas, refletindo a importnciaque a sua msica, aliada performance, criao deuniversos que no terminavam

    com o fim de uma cano e a uminteresse inesgotvel por quasetudo o que o rodeava, tiveramnas ltimas dcadas. O Pblicodedicou-lhe um dossi de vriaspginas, onde se inclui um textode Mrio Lopes que traa umaretrospetiva informada sobrea carreira de Bowie: Nada emDavid Bowie era esttico e asua carreira discogrfica disso

    reflexo. Quando um jornalistado New Musical Expresslheperguntou, estvamos em 1978,qual a sua grande contribuiopara o rocknroll, respondeu:Sou responsvel pelainaugurao de toda uma novaescola de pretensiosismo. Ohumor fica-lhe bem, mas, neste

    caso, talvez seja melhor recorrera uma citao de outrempara explicar o seu impacto.Bowie existiu para que todosos desajustados aprendessemque a singularidade uma coisapreciosa, mudou o mundo parasempre disse-o o realizadorGuillermo del Toro em reao morte de Bowie.

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    O lugar daimortalidadeAlberto Manguel, autor de umaobra que se desdobra em textose conferncias a partir dos livrosque escreveu, foi nomeadodiretor da Biblioteca NacionalArgentina, um cargo outroraocupado por Jorge Luis Borges,com cuja biografia o prprioManguel se cruzou na juventude,ao ser seu leitor quando o autorde Ficesj no podia ver.Na revista , do jornal Clarn,Alberto Manguel escreve sobre aleitura e as bibliotecas, refletindo

    sobre o que ser leitor e sobrea funo, ou as muitas funes,dos locais onde guardamos oslivros. [...] saber leer no significaser lector. Ser lector implicaasumir poderes extraordinarios:el poder de definir el textoque estamos leyendo segnlas circunstancias de nuestralectura y de nuestro pasadocomn, el poder de elegir culessern los libros que perdurarny cules merecen ser relegados

    al olvido. Y por sobre todo, elpoder mgico que nos permitedescubrir en la bibliotecauniversal palabras para nombrarnuestra propia experiencia. E,mais adiante: Pero decir queuna biblioteca es el repositoriode la memoria de una sociedadparece argir que esa memoriaes algo de all lejos y hacetiempo, contempornea deAlejandra y de Babel. La nocinde que aquello que preservamosdel olvido pueda ser tan recientecomo nuestra propia infancianos escapa: preferimos pensaren toda historia como historiaantigua, vieja como las nochesde atalhyk. Sin embargo,

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    http://cultura.elpais.com/cultura/2015/12/30/babelia/1451504427_675885.htmlhttp://cultura.elpais.com/cultura/2015/12/30/babelia/1451504427_675885.htmlhttp://www.publico.pt/david-bowiehttp://www.publico.pt/david-bowiehttp://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/no-centro-de-tudo-ainda-e-sempre-david-bowie-1719864http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/no-centro-de-tudo-ainda-e-sempre-david-bowie-1719864http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/no-centro-de-tudo-ainda-e-sempre-david-bowie-1719864http://www.publico.pt/david-bowiehttp://cultura.elpais.com/cultura/2015/12/30/babelia/1451504427_675885.html
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    una biblioteca es, por sobre todo,repositorio de nuestra propiahistoria, la crnica de lo que nos

    hace y nos define, y presta unasuerte de modesta inmortalidada aquello que el olvido quiereconvertir en cenizas.

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    Depois de ParisJornalista colombiano a residirem Paris h dez anos, RicardoAbdahllah assina, na revistaEl Malpensante, uma crnicasobre os atentados no Bataclan.Um ms depois do ataque dofundamentalismo, o autor refletesobre o bairro que viu explodiras bombas e os tiros, sobrea disposio da maioria dosfranceses para no se deixaremvencer pelo terrorismo e sobreas leituras possveis perantea brutalidade que um grupoterrorista como o Daesh pretendeimpor como lei. Esa noche Ana yRyad desarrollaron una hiptesisque luego leera en varias revistas.Los sicarios del viernes 13, talvez inconscientemente, habran

    elegido ese barrio porque esosjvenes, con trabajos respetables as fueran mal pagos y

    gozadores de la vida (algo de esohaba en la reivindicacin que hizoel Estado Islmico), representabanlo que ellos hubieran queridoser. Pero la Europa por la quesus abuelos se haban batidoen la Segunda Guerra Mundial yque sus padres haban ayudadoa construir durante los treintagloriosos les haba negado esaoportunidad y queran vengarse.

    Que esa venganza estuvieraenvuelta en las ms evidentesconsideraciones religiosas es lo demenos, lo que contaba ahora erano repetir el error. Una sociedadsin discriminacin, aunque noresolvera el mierdero en el MedioOriente, les quitara el combustiblea los yihadistas que parten desdeEuropa, y sobre todo hara que

    muchos menos jvenes estuvierandispuestos a cometer atentadosen su propio pas. As de simple.As de utpico. E partindo daleitura de Ana e Ryad, com quemconversa nesta crnica, diz RicardoAbdahllah: Yo no comparto deltodo esa opinin respecto a laeleccin de las vctimas, pero s en

    cuanto a las razones del ataque.Quienes entregan su vida a la yihado participan en los atentados

    tienen mucho en comn conlos pelados de las comunas deMedelln que en los noventa seunieron al sicariato y con los queen Centroamrica terminan siendomiembros de las pandillas. Noes que el componente religiosono sea importante, pero lofundamental es que tienen esaangustia adolescente, esa faltatotal de referencias que se llena

    con la identidad grupal de lastribus urbanas. Hubieran podidoser miembros de las barras bravas,evanglicos intensos o metaleros,pero las particularidades de esevaco, y su tamao, hicieron queterminaran en el Estado Islmico, lamadre de todas las sectas. La mshardcore de todas las pandillas.

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    Depois de uma pequena plaqueteintituladaA Tcnica do Golpe

    Literrio. A Sesso do Teste, ondese descreve o famoso sero naSociedade Nacional de Belas Artes,em junho de 1964, com FernandoRibeiro de Mello e Isabel de Castrolendo poemas sem autoria declaradaque seriam julgados pelo nmero deaplausos que merecessem, PedroPiedade Marques d finalmente estampa o esperado livro sobre avida e a obra de Fernando Ribeiro deMello, editor da Afrodite.A noite do teste literrio foi apenasum dos muitos episdios que Ribeirode Mello protagonizou nos espaosculturais de uma Lisboa dominadapela censura do fascismo, que iafurando as proibies com algunsgestos arriscados e a coragem dosque admitiam, com mais ou menossubterfgios, fazer frente aos

    ditames governamentais. FernandoRibeiro de Mello foi um dessescorajosos, criando a editora Afroditecom planos de editar livros queseguramente no iriam cair nas boasgraas do lpis azul. E no caram.Os episdios rocambolescosprotagonizados por Ribeiro deMello, nomeadamente a famosa

    apresentao de livros imprensacom o editor em pelota e enfiado

    numa banheira de gua e espuma,ajudaram a criar a imagem deum figuro, capaz das maioresafrontas moral vigente, com ar degozo e fingida inocncia (mesmoquando, depois do 25 de abril,decide publicar o Mein Kampf,de Hitler, prosseguindo a afrontaao sistema que, agora, era outro,suscetvel a afrontas diferentes).Apesar disso, na construo deum catlogo de exceo, ondecada livro era meticulosamenteescolhido e elaborado, do texto aodesign, passando pelas imagens,pelos formatos, que a herana deFernando Ribeiro de Mello maisbrilha. Quando os contemporneosdo editor tiverem desaparecido,edies comoA Filosofia na Alcova,do Marqus de Sade, aAntologia da

    Poesia Portuguesa Ertica e Satrica,de Natlia Correia, ou aAntologia doHumor Portugus, com seleo deVirglio Martinho e Ernesto Sampaio,entre muitos outros, continuaroa ser fundamentais e s podemoslamentar que j no estejamdisponveis nas livrarias.Fernando Ribeiro de Mello: Editor

    Contra navega entre a estrutura dabiografia e a do ensaio biogrfico,

    contextualizando factos, cruzandodados obtidos em diferentesfontes (da imprensa da pocaaos testemunhos recolhidosrecentemente junto de quemconheceu o editor) e apontandopossibilidades. Ao corpo principaldo livro, composto pelo texto dePedro Piedade Marques, juntam-seoutros captulos que, pela suarelevncia, no devem serconsiderados meros apndices: ostextos de Vitor Silva Tavares (quetambm presta um depoimentodireto) e Anbal Fernandes, ascartas de Luiz Pacheco, o texto Asavels do Cesariny, de Ribeiro deMello, os depoimentos de EduardoBatarda e Nuno Amorim. E ainda preciso referir a cronologia comtodas as obras publicadas pela

    Afrodite e a profuso de imagensque contribuem definitivamentepara uma aproximao ao universo,tambm visual e grfico, da Afroditee do seu editor. Cinquenta anosdepois de Ribeiro de Mello terfundado a Afrodite, a homenagemque aqui se lhe presta no podia sermais justa.

    LEITURAS DO MS/ S A R A F I G U E I R E D O C O S T AFernando Ribeirode Mello:Editor ContraPedro PiedadeMarquesMontag

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    Arroio. Dirio deUm Dirio

    Jos Maria Vieira MendesDois Dias Edies

    Ao contrrio dos dirios que seesperam amigos do voyeurismo,deixando o leitor assistir, oualimentar a iluso de que assiste,aos dias e rotina de quemescreve, este um dirio todoem construo, no da vida,mas de si prprio. Em entradasque revelam o quotidiano tantocomo o que se espera dele, Jos

    Maria Vieira Mendes encena-se,reflete sobre o gesto de escreveros dias e arrasa umas quantasideias arrumadas pelo caminho.A edio, cuidada na forma e nosmateriais, preciosa.

    Depois da ChuvaMiguel CerroKalandrakaDepois da Chuva uma

    narrativa sobre a confiana nasingularidade de cada elementode uma comunidade. Umaraposa solcita sucessivamenterejeitada quando tenta ajudaros outros animais perante umacheia avassaladora. Sem nuncadesistir, ser ela a encontraruma soluo paralela, vendofinalmente reconhecida a suacolaborao. Foi este o lbumvencedor do Prmio de Ilustraode Compostela, que a Kalandrakasempre edita.

    O Cinemade Meus Olhos

    Vinicius de MoraesCompanhia das Letras

    Publicado nos anos 90 do sculopassado, este volume surge agoraem nova edio, acrescentadacom vrios textos inditos.Vinicius escreveu crnicas ecrticas de dezenas de filmes,tendo ampliado a sua matria--prima quando se mudou paraLos Angeles, nos anos 40,iniciando um convvio prximo

    com atores e outros agentesde Hollywood. Retrato de umaera do cinema, este tambmo testamento amoroso de umcinfilo dedicado arte queescolheu acompanhar.

    Paris-AusterlitzRafael Chirbes

    AnagramaRomance pstumo do escritor

    espanhol falecido em 2015, Paris--Austerlitzparte de uma histriade amor para dissecar asdiferenas de classe e o modocomo estas no deixam de definirparte do que ou no possvelentre os desejos de uma vida.Desfeita a iluso de que haversempre Paris, cidade onde anarrativa decorre, sobra a dor,os empecilhos quotidianos, adoena e a inexorvel passagemdo tempo, matria que Chirbessempre soube tratar commagistral domnio.

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    Iluminar a NoiteLizi BoydEdicare

    Foi com este lbum sem textoque a ilustradora americana foidistinguida com o Bologna RagazziAward em 2015, na categoria defico. Sob um papel totalmentepreto, inscrevem-se os seresque habitam a noite no bosquee que a lanterna do protagonistadesvenda, oferecendo-lhesno apenas luz mas tambmcor. O priplo de descoberta

    tem incio na tenda e vai-sedesenrolando acompanhado porsons, movimentos e pequenoslugares de repouso, segurana ouobservao. Tudo ecoa, sem umanica palavra.

    Nadja NinfetaVirgem do InfernoNunsky

    Mesinha de Cabeceira #27/MmmnnnrrrgO especial de Natal assinado porNunsky no ter estado entreas oferendas mais popularesda quadra, mas vale a pena noo perder mesmo depois disso.Numa banda desenhada onde secruzam o hardrock metlico--meloso dos anos 90, um fascnioadolescente por satanismos e

    uma esttica onde a sexualidadeexplcita e o kitsch se misturamsem remorso, Nunsky volta aconfirmar por que que o seutrabalho h-de ser sempre umasurpresa renovada.

    O Independente.A Mquina deTriturar PolticosFilipe Santos Costae Liliana ValenteMatria-Prima EdiesA histria e as histrias dosemanrio que abalou ocavaquismo mudou o jornalismo edeixou heranas vrias. Com rigorcronolgico e documental, o livropercorre uma era que comeacom Miguel Esteves Cardoso ePaulo Portas decidindo fundar umjornal e termina com a sada deCavaco Silva do Governo e a sadados fundadores do jornal (Portas,para a poltica onde, jurou, nuncaentraria). O Independente durouat 2006, mas no voltou a ser omesmo desde esse primeiro fim,em 1995.

    Querido ZooRod CampbellPresena

    Chega agora a Portugal umclssico no que a lbuns para aprimeira infncia diz respeito.Seguindo uma estrutura discursivaque se repete e que enquadraa chegada de um animal dojardim zoolgico para animalde estimao, a surpresa estquando se levanta ou abre ajanela que oculta o animal.Nenhum serve, por ser alto,

    pesado, resmungo e tantasoutras coisas. Um lbum cheio dehumor, inteligente pela tcnicae pela simplicidade. O final ,necessariamente, reconfortante.

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    TEXTOS

    Alexandre Andrade, William Boyd, A.M. Pires Cabral,Matilde Campilho, Dulce Maria Cardoso,Mrio Cludio, Jos Rio Direitinho, Nuno Jdice,Robert Macfarlane, Jay McInerney, Antonia Pellegrino,Ana Teresa Pereira, Helen Simpson, Colin ThubronENSAIO FOTOGRFICO

    Jordi BurchILUSTRAESRachel CaianoCAPA

    Jorge Colombo

    Na noite cabe tudo: o tangvel e o imaginado,a insnia e o sono, o sonho e o pesadelo, o cansaoe o descanso, a boca que beija e a boca que morde,o isqueiro e a lmina, o salto e o susto, a sombra e asombra da sombra. Carlos Vaz Marques

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    Ruy Duarte de Carvalho morreu h cinco anos e a Galeria

    Quadrum dedicou o ms de janeiro a uma mostra da suaextensa obra, sob o ttulo Uma Delicada Zona deCompromisso. Livros, filmes, pesquisas vrias, anotaes

    de campo, desenhos e tambm intervenes de outras pessoasdo conta de um universo muito rico, onde linguagens e modosde olhar o mundo se cruzam e onde a poesia, a dos versose da prosa, e a de um certo gesto perante as coisas e as

    pessoas, assume um papel transversal.

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    O M A P A S E M B S S O L A D E U M A U T O R

    entrada, depois de um re-trato do autor assinado porAntnio Ole e de um ecrque transmite as pales-tras que proferiu na Casadas fricas, em So Paulo

    (2004), um painel grficointitulado Do outro lado da

    idade regista a cronologia de Ruy Duarte de Carvalho. No a tradicional linha com datas arrumadas, mas antes um per-

    curso de curvas e contracurvas, alguns becos, algumas retas.As datas esto l, arrumadas, sim, mas percebe-se imedia-tamente que o percurso que aqui se quer mostrar viveu deexperincias, acertos, recuos para procurar novos ngulos,passadas seguras mas disponveis para a descoberta.

    Nascido em Santarm, em 1941, Ruy Duarte de Carvalhopassou parte da infncia na provncia do Namibe, em Angola,

    qual regressaria depois de uma passagem por Portugal, ondefez o curso de regente agrcola. A partir desse regresso, dedica--se ao exerccio da profisso para a qual estudou, percorren-do Angola e conhecendo, desse modo, muitas das realidadesque haveriam de surgir mais tarde, na sua obra escrita. Passapor Londres, onde estuda realizao cinematogrfica, e regres-

    sa novamente a Angola, trabalhando na Televiso Popular deAngola e realizando alguns filmes que integraram Uma Delica-da Zona de Compromisso. Em 1983, opta pela cidadania angola-na e trs anos depois, em Paris, doutora-se em Antropologiapela cole des Hautes tudes de Sciences Sociales. A escritafoi, desde cedo, uma prtica regular, como se confirma pelosmuitos livros publicados desde 1972. Poesia, fico e muitostextos de difcil (e talvez intil) classificao compem uma

    obra que foi reconhecida em vida, mas qual ainda parecemfaltar os leitores que a sua envergadura reclama.

    Num dos dactiloscritos exibidos na exposio, l-se: An-dei muitos anos a beber os ares aqui e ali, e foi disso que me fizem trs dcadas. Como qualquer natural de Angola (que, por

    acaso e nascimento, apenas, no sou) faltou-me muito daqui-lo que, na Europa, produz poetas e literatos, especialistas dogesto e da palavra, escafandristas experimentados do mar dasletras. Culturalizao bem balizada e aplicada, convvio, parti-

    cipao em movimentos e apaixonada perfilhao de estilo ouescola, e tambm, de que maneira, o exerccio da masturbao

    prpria e alheia, a confortvel proteo das capelinhas. Aqui-lo que faltaria a Ruy Duarte de Carvalho, nas palavras irnicassobre si prprio, foi parte do que permitiu a construo de umaobra afastada das contingncias e das regras subentendidas da

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    criao artstica e literria, por um lado, e da produo acad-

    mica, por outro, de um certo eixo poltico-geogrfico onde seencontraria o nico cnone aceitvel para qualquer uma des-tas prticas. Numa exposio que acaba por ser um mapa com

    muitos percursos possveis, uma pea mais adiante deixarmais clara esta questo. Um diagrama associado obra Tercei-ra Metadeguarda a seguinte anotao por entre os seus muitoselementos: Condenaes que pesam sobre os intelectuais noocidentais. (...obrigatoriamente ocidentalizados e obrigados adar provas da sua ocidentalizao, situando a sua afirmao

    e o seu desempenho nos terrenos e nas arenas do exerccio dosaber e do poder de matriz ocidental....). Talvez seja este umfio relevante para ir puxando medida que se l, v e pensa aobra de Ruy Duarte de Carvalho.

    exposio Uma Delicada

    Zona de Compromisso in-

    tegrou o ciclo PaisagensEfmeras, dedicado a Ruy

    Duarte de Carvalho, quecontou igualmente com umcolquio onde se reuniramvrios especialistas na obra

    do autor e que foi o ponto de partida para a catalogao de um

    esplio vasto e muito relevante. A Blimundaconversou comMarta Lana, investigadora em Estudos Artsticos e editora

    do Buala (http://www.buala.org/), o site dedicado refle-xo, crtica e documentao das culturas africanas contem-

    porneas em lngua portuguesa, que inclui uma seco dedi-cada a Ruy Duarte de Carvalho. Com Ana Balona de Oliveirae Ins Ponte, Marta Lana foi a responsvel pela exposio naGaleria Quadrum, depois de uma colaborao com Ruy Du-arte de Carvalho nos ltimos anos da sua vida, que incluiu aorganizao de uma mostra dos seus filmes em Maputo (Do-

    ckanema, 2009), contando com a presena do autor, a inter-mediao para a publicao deDesmedidano Brasil (na edito-ra Lngua Geral) ou uma viagem conjunta pela frica do Sulde pesquisa para o ltimo livro do autor, que ficou inacabado(Paisagens Efmeras, Atas de Santa Helena).

    O que se mostrou em Uma Delicada Zona de Compro-

    misso apenas uma pequena parte do esplio de Ruy

    Duarte de Carvalho?

    Sim, uma pequena parte, mas representativa: uma amos-tra dos documentos, anotaes, esquemas, grficos, dirios

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    de campo, desenhos, vrios elementos de pesquisa que sotodos muito grficos, e depois alguma componente visual: asaguarelas, fotografias, registos audiovisuais.

    Tambm foram criadas coisas novas para a exposio,como os painis de uma obra s ou a pea do Dlio Jasse, oua trajetria de vida e obra a partir de um esquema do autor

    (Do outro lado da idade).Que critrios seguiram, tu, com Ana Balona de Oliveira

    e Ins Ponte, para selecionar estas peas e o que vos

    interessou quando construram o guio da exposio?Partimos da ideia de bastidores da obra, de mostrar os

    processos de trabalho, pois o esplio revelava esse tipo dematerial. A ideia era, assim, desvelar um pouco do lado so-

    litrio da composio, a pesquisa meticulosa, que tem inte-resse por si e no s como obra acabada. Outra linha que nosinteressou foi trazer outros artistas que, de alguma forma,

    dialogassem com o universo de Ruy Duarte de Carvalho.Pensmos, obviamente, em Antnio Ole, amigo do Ruy e o

    mais premente artista plstico angolano, e em trs artistasda gerao mais nova, como Kiluanji Kia Henda que, ape-sar de trabalhar com abordagens totalmente diferentes, es-colheu uma fotografia (Kixima Remix, de 2006) com afinida-

    de pelos povos que o Ruy trabalhava. Encomendmos umapea a Dlio Jasse e expusemos um vdeo e udio da Mnicade Miranda sobre o Hotel Globo, em Luanda, hotel decaden-te mas com uma histria muito interessante e de que o Ruy

    gostava muito. Tinha, inclusive, pintado uma srie de agua-relas, Cadernos do Celibatrio, a partir do Hotel Globo. Proje-tmos algumas fotografias da Daniela Moreau, historiadora

    brasileira que h dez anos viajara com o Ruy pelo Brasil (napesquisa paraDesmedida) e pela Nambia. Foi ainda feito umfilme (de Ins Ponte e Pedro Castanheira) com o Manuel Wi-

    borg acerca do processo de trabalho do ator na adaptaodo Vou l Visitar Pastorespara palco. Encontrmos no esp-lio fotografias do Robert Kramer, que andou por Angola aseguir independncia, com o Ruy. Expusemos ainda foto-grafias da Rute Magalhes, que acompanhou o Ruy, na al-

    tura seu companheiro, nas filmagens, por exemplo, da sriePresente Angolano Tempo Mumula.

    Ruy Duarte de Carvalho era um autor com muitas ca-

    madas, cruzando linguagens, interesses, conhecimen-

    tos que nem sempre se misturam. Achas que essa plu-

    ralidade de dimenses foi essencial para cada livro,

    filme, imagem que realizou, ou faz mais sentido com-

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    O M A P A S E M B S S O L A D E U M A U T O R

    partimentar cada uma das obras que fez no seu espa-

    o prprio?

    Acho que todas as obras vivem muito das contaminaes.

    original, num certo sentido, e revolucionria essa misturadas formas e dos contributos, mas s vezes parece que isso um chavo que tambm acaba por obstruir o que ele conta.Por exemplo, interessa-me a relao da arte do cinema coma cincia da antropologia, e como essas linguagens (e pai-xes) conduzem umas s outras. Foi de alguma forma apoesia que me fez passar pelo cinema e foi a partir do cinema

    que me tornei antroplogo, conta Ruy. Quanto literatura,quase todos os livros remetem para uma territorialidade nourbana ( exceo do Atas da Maianga, que fala tambm deLuanda), numa instigante pesquisa sobre a frica Austral. Eisso, muitas vezes, significou ir muito mais a fundo do que as

    contingncias do momento, o que nos ofereceu algumas refle-xes visionrias, por exemplo a reflexo do ps-independn-

    cia: no se trata de negar o projeto nacionalista, anunciadonos entusiasmos da independncia como um s povo umas nao, implicaria, antes, um contributo srio para o reco-nhecimento de grupos ou de formas de vida mais minorit-

    rias num contexto culturalmente hegemnico. Ruy Duarte deCarvalho trouxe ao de cima a discusso sobre as contradies

    das fronteiras herdadas do colonialismo, que dividiam outrasnaes que, nas suas prticas de comrcios e identidades,

    continuavam alheias s mesmas. Estas apreenses previamj, sem negar a compreenso do momento em curso, algumanegligncia futura da parte dos governantes.

    Do ponto de vista da receo, a escrita de Ruy Duarte

    de Carvalho difcil de classificar e isso talvez afas-

    te alguns leitores, menos interessados em textos que

    no sejam facilmente etiquetveis. At que ponto essa

    dificuldade de classificao uma das vertentes maisrelevantes, e reveladoras, da sua obra?

    No queria que Ruy Duarte de Carvalho se tornasse umautor de culto de meia dzia de pessoas. um autor difcil e

    parece, s vezes, que est a falar de coisas demasiado espe-cficas para um interesse mais generalizado, mas a reflexosobre os impasses do progresso a partir do estudo de caso

    dos povos do sudoeste angolano uma reflexo maior quenos interessa a todos: Ruy Duarte de Carvalho interroga amarcha e a escrita da histria e o modo como ela inscreve a

    nao, atento aos que ficam de fora desta equao, os tra-dicionais. Esta preocupao de dar visibilidade insere-senuma outra maior, de explicar como a expanso ocidental

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    O M A P A S E M B S S O L A D E U M A U T O R

    ofuscou todas as outras expanses de populaes e de cul-turas que frica e as Amricas tero sofrido. No entanto,

    no negligencia a necessidade de se inventar um percursocoletivo que permita um futuro alternativo e um recontar

    destas narrativas invisibilizadas. De qualquer modo, a re-ceo ainda escassa, precisa de ser um autor traduzido eintegrado nos programas curriculares dos estudos ps-co-loniais, culturais, de filosofia, literatura de viagem, antro-pologia, cinema, etc. Ruy Duarte de Carvalho fundou, junto

    com o contar dos outros, escritores, poetas, viajantes que seencontram numa mesma inquietao, nas paisagens da vidae nas paisagens literrias, o seu contar nico, por oposio escrita sopa de letras liquidificada pelas tecnologias demediatizao ou a propostas literrias de talentos jorna-lsticos assim-assim. Uma escrita generosa e rigorosa que

    ajudou sempre traduo das diferenas de ordem econ-mica, cultural, sexual, ofcios, luz na paisagem, animais (se-

    gundo ele, por vezes mais interessantes que o to prematu-ro animal homem), poderes e contrapoderes, trazendo asreferncias literrias mais estimulantes, a ousadia dos queabrem caminhos, a potica da terra, a cadncia da oralidade

    e o rigor cientfico na descrio.

    H obras de Ruy Duarte de Carvalho por publicar?

    Sim, o Paisagens Efmeras ou Atas de Santa Helena ficou

    inacabado. Muitas notas e pesquisa feita mas no publicvel,diria. sempre eticamente complicado publicar postuma-mente coisas inacabadas. Ele estava a trabalhar num mbitomaior, o curioso projeto NeoAnimista, uma provocadora pro-posta neo-animista que subentendia a vontade de criar um

    movimento que fizesse convergir vrias procuras, de acad-micos, artistas e viajantes. Cada um com o seu contributo (in-ventrio de teses, utopias e formas de organizao no deve-

    doras desta economia do crescente) intentaria uma linha (do)comum, que combatesse os lugares de eleio e de privilgiopara certos homens e grupos de pessoas e questionasse os

    impasses do paradigma humanista, procurando resistnciasao processo de ocidentalizao em curso, ideia homogenei-zante, to antiga como perigosa, do progresso como salvaoda humanidade.

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    Um homem tira de uma carrinha maos de jornais, empilha-os na

    calada, enquanto dezenas de pessoas, aflitas, se acotovelavam espera de receberem a informao contida naquelas pginas

    impressas. A cena passa-se em Londres, em 1997, e faz parte de

    um documentrio sobre a morte da Princesa Diana. No faz tanto

    tempo, mas a imagem remete a uma poca distante. Hoje em dia,

    colocar-se numa fila espera do jornal talvez a maneira menos

    eficiente para se obter a informao mais atualizada. inegvel

    que nos ltimos anos, com o surgimento de novas tecnologias, aforma de se produzir e de se consumir notcias mudou radicalmente,

    e continuar a mudar.

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    Uma das alteraes que j parece evidente a pulverizaodo monoplio da informao. As grandes cadeias perdem es-pao e relevncia (o que significa, tambm, o despedimento demuitos profissionais e a perda de qualidade do que produzem)enquanto novos projetos surgem. No entanto, impossvelprever, num mdio prazo, que papel essas novas plataformas

    ocuparo. um momento de incertezas, em que velhos mo-delos so desfeitos sem que se saiba ao certo qual o melhorcaminho a seguir. Ao mesmo tempo, uma poca de experin-cias e esperanas. Este artigo foi atrs de ouvir algumas vozes

    sobre o atual momento do jornalismo no Brasil, em Espanha eem Portugal, e dar a conhecer alguns novos projetos jornalsti-cos surgidos nos ltimos anos nesses pases.

    Brasilm 2013, quando as ruas das principaiscapitais brasileiras foram invadidas

    por milhares de manifestantes comexigncias mltiplas (e em algum mo-mento contraditrias), uma platafor-

    ma de jornalismo colaborativo ganhouprotagonismo. A Mdia Ninja (ninja.oximity.com) transmitiu online mui-

    tos dos protestos e serviu de fonte de informao no s paracidados interessados no que se estava a passar mas tambmpara meios de comunicao tradicionais. Em 2015 foi criadano Brasil a Rede de Jornalistas Livre, coletivo que tem porobjetivo ser um contraponto ao jornalismo praticado pelamdia tradicional, explicam no manifesto de lanamento

    do projeto. Esse tipo de jornalismo engajado no substitui aimprensa tradicional, mas um salutar complemento. E podesignificar um fortalecimento do jornalismo numa poca emque, sobretudo por causa da crise econmica, h um dfice.

    Segundo dados levantados pela plataforma Volt, apenas noano passado 684 jornalistas brasileiros foram demitidos dos

    principais veculos de comunicao do pas (s o jornal OGlo-bocortou 30 postos de trabalho). A cifra muito provavelmente bastante superior, j que nos ltimos anos se tornou habitu-al a substituio de contratos de trabalho de profissionais dacomunicao por freelancersou prestadores de servios sem

    vnculo de trabalho.Nos ltimos anos as iniciativas jornalsticas que surgi-ram so muito variadas e interessantes, h muita gente quesaiu das grandes redaes para criar os seus espaos. Exem-plos no faltam, cada qual com um vis, com caractersticasprprias e linhas editoriais variadas. H projetos que privile-

    http://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_1/ninja.oximity.comhttp://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_1/ninja.oximity.comhttp://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_1/ninja.oximity.comhttp://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_1/ninja.oximity.com
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    giam, por exemplo, o ativismo, outros do nfase a assuntosbem especficos, como o universo jurdico, outros enfocam nojornalismo investigativo, explica Thiago Domenici, jornalis-ta com passagens por revistas como a Caros Amigose aRetratodo Brasil. Segundo o brasileiro, a crise econmica, que desde2014 atinge o pas, trouxe ainda mais dificuldades aos profis-

    sionais dessa rea. A crise afeta todos os setores do jorna-lismo brasileiro. Muita gente foi e est sendo demitida, muitamesmo, e os projetos que vo aparecendo, por mais interes-santes e variados que sejam, no so suficientes para recolo-

    car os profissionais que perderam emprego. Muitos colegasmigraram para as assessorias de comunicao, acrescentao jornalista, que tambm criou, com mais dois colegas jorna-listas, uma agncia de produo de contedos. Alm do tra-

    balho de assessoria de imprensa, elas oferecem, por exemplo,mapeamento de redes sociais, curadoria de contedo pr-prio, anlise de mdia. Os profissionais brasileiros, demitidos

    ou no, tm mais chance nesses lugares justamente por serum setor em expanso desde a dcada de 1990. H maior es-tabilidade, normalmente ganha-se mais do que nas redaes,e o ritmo de trabalho tende a ser menos turbulento, explica.

    Das iniciativas surgidas no Brasil nos ltimos anos talveza de maior destaque, pelos prmios que tem recebido e o al-

    cance do trabalho que vem sendo feito, a Agncia Pblica(www.apublica.org), uma plataforma criada em 2011, semfins lucrativos, que tem como objetivo produzir reportagensde flego e interesse pblico. Muitos desses trabalhos noapareceriam nos veculos tradicionais de informao porexigirem um investimento financeiro e de pessoal muito ele-

    vado. No ano passado, Domenici e mais dois jornalistas esti-veram durante mais de trs meses envolvidos numa repor-tagem sobre violncia policial no Brasil (http://apublica.org/2015/03/como-se-absolve-um-policial/). O traba-

    lho, que foi financiado pela Pblica, recebeu um importanteprmio de Direitos Humanos. No sei se s questo finan-ceira. Os jornais tm outras prioridades de contedo que no

    so as grandes reportagens, analisa o jornalista. Iniciativascomo a Pblicaservem para, de alguma maneira, suprir umespao que a grande imprensa no cumpre.

    A reproduo das reportagens feitas pelaPblica gratui-

    ta, o que possibilita que o trabalho j tenha chegado a 60 pa-ses. As formas de financiamento so variadas, e podem vir de

    doaes de pessoas ou instituies, parcerias com fundaese entidades, ou atravs de prmios.

    http://www.apublica.org/http://apublica.org/2015/03/como-se-absolve-um-policial/http://apublica.org/2015/03/como-se-absolve-um-policial/http://apublica.org/2015/03/como-se-absolve-um-policial/http://apublica.org/2015/03/como-se-absolve-um-policial/http://www.apublica.org/
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    Espanha

    inovao tecnolgica pos-sibilitou a democratizao

    dos formatos de vdeo naInternet e isso muito bom.

    H verdadeiras joias feitascom muito pouco oramen-to. Nos EUA, meios como oVox (www.vox.com) esto

    a fazer maravilhas, ainda que muitas vezes s do ponto de

    vista da tcnica, aponta o jornalista espanhol Diego Barcala,que defende que as plataformas se podem ir alterando, mas

    a finalidade do jornalismo continua a ser a mesma. Pensoque a Internet valorizou a televiso, por exemplo. Hoje em diauma boa reportagem de 30 minutos na TV uma maneira demostrar algo srio que compete com os ecrs de telemveis eos tablets.

    A mais recente crise econmica mundial que teve in-cio em 2008 fez estragos no jornalismo espanhol. Segundodados da Associao da Imprensa de Madrid, apenas entre2008 e 2014 mais de 11 800 jornalistas foram demitidos emEspanha em 2012, oEl Pas, peridico de maior circulao,mandou embora 129 profissionais de uma s vez (muitos de-

    les com dcadas de servios prestados). No mesmo perodo,foram criados cerca de 300 novos meios de comunicao (amaioria deles de pequeno porte) no pas. Um deles a revista

    Lbero, publicao trimestral que tem como temtica o fute-bol. A revista surgiu em 2012, quando scar Abou-Kasseme Diego Barcala deixaram o Pblico, jornal que ajudaram afundar em 2007. Decidiram criar uma publicao prpria,onde no praticassem o jornalismo poltico e internacionalque estavam acostumados a fazer. Procurvamos um pro-

    jeto que nos trouxesse outra vez entusiasmo, e escolhemos

    o futebol precisamente por isso, porque no vnhamos dojornalismo desportivo. Pensmos: vamos criar algo inde-pendente, motivador e com um interesse pessoal acima doempresarial, diz Barcala. A Lbero rapidamente conquis-tou leitores e respeito no mbito do jornalismo desportivo,

    mas esbarra no problema da sustentabilidade financeira.Do ponto de vista empresarial, ainda no fomos capazes de

    criar uma estrutura que nos outorgue estabilidade. Entrarna partilha da receita publicitria, para um meio indepen-dente, muito complicado, explica o jornalista espanhol.As grandes redaes j no existem, os grandes dirios es-

    to a reduzir s centenas os jornalistas. A minha aposta mais seguir o instinto de leitor do que o de empresrio: que

    http://www.vox.com/http://www.vox.com/
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    contedo gostaria de ver, e ler e ouvir e que ainda no exis-te?

    Nos ltimos anos em Espanha surgiram publicaes comoeldiario.es(www.eldiario.es),Infolibre(www.infolibre.es)ouEl Espaol (www.elespanol.com), que tm em comum ofacto de haverem sido criadas com dinheiro de um ou vrios

    jornalistas sados de grandes redaes. Projetos distintos,com contedos e maneiras de financiamento diversos, masque tm algo em comum: so consequncia de uma crise nomodelo tradicional de se produzir informao.

    Portugalecentemente o Pblico, um dosprincipais jornais de Portugal,

    anunciou o fim da sua revistadominical, publicao que exis-te desde o nascimento do jornal

    (fundado em 1990). O peridicotambm informou que, por ques-tes financeiras, far um corte

    de dezenas de postos de trabalho. No final do ano passado, aadministrao do semanrio Sole do dirio ianunciou o fimde ambas as publicaes, que daro lugar a um s jornal. A

    reestruturao significou a demisso de cerca 120 jornalis-tas. Sobre essa agonia dos meios de comunicao, a jornalis-ta e escritora Alexandra Lucas Coelho escreveu uma colunano Pblico (http://www.publico.pt/sociedade/noticia/para-nao-acabar-de-vez-com-os-jornais-e-a-democra-cia-1718101) em que defende que o jornalismo deveria servisto no como empreendimento para dar lucro, seno como

    um bem comum, um servio sociedade, e que por issodeve ser protegido. Independentemente do modelo, aindaem papel ou s online, em Portugal, no Brasil ou onde o jor-

    nalismo esteja em risco, o essencial seria no apenas mantero que ainda sobrevive, como devolver aos leitores o que mais

    foi sendo sacrificado: espao e meios para crtica cultural emtodas as reas; para grande reportagem e cobertura interna-cional; para investigaes longas. Passar a ver tudo isso comouma rea nobre, o contrrio do acessrio, anota a escritora.

    H qualquer coisa de resistncia nesse processo, resu-

    me o jornalista e professor universitrio Paulo Nuno Vicente,que recentemente embarcou num projeto de jornalismo sempatro. Em 2013, com mais alguns profissionais de diversasreas, ele fundou a Bagabaga Studios, agncia que tem comoobjetivo criar narrativas audiovisuais. Uns meses depois sur-giu um apndice dedicado ao jornalismo, aDivergente(http://

    http://www.eldiario.es/http://www.infolibre.es/http://www.elespanol.com/http://www.publico.pt/sociedade/noticia/para-nao-acabar-de-vez-com-os-jornais-e-a-democracia-1718101http://www.publico.pt/sociedade/noticia/para-nao-acabar-de-vez-com-os-jornais-e-a-democracia-1718101http://www.publico.pt/sociedade/noticia/para-nao-acabar-de-vez-com-os-jornais-e-a-democracia-1718101http://www.publico.pt/sociedade/noticia/para-nao-acabar-de-vez-com-os-jornais-e-a-democracia-1718101http://divergente.pt/http://divergente.pt/http://www.publico.pt/sociedade/noticia/para-nao-acabar-de-vez-com-os-jornais-e-a-democracia-1718101http://www.publico.pt/sociedade/noticia/para-nao-acabar-de-vez-com-os-jornais-e-a-democracia-1718101http://www.publico.pt/sociedade/noticia/para-nao-acabar-de-vez-com-os-jornais-e-a-democracia-1718101http://www.elespanol.com/http://www.infolibre.es/http://www.eldiario.es/
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    divergente.pt/). uma lgica de construir narrativas deuma forma mais aprofundada, explica. Durante mais deum ano estiveram envolvidos numa grande reportagem queacompanhou a tentativa de vrios jovens vindos da frica eda Amrica Latina se tornarem jogadores de futebol na Euro-pa. Parte dessa extensa investigao foi publicada no jornal

    portugusPblico. A investigao na ntegra est disponvelna pgina daDivergente, e em breve a parte audiovisual serexibida numa canal de televiso portugus. O trabalho foi fi-nanciado, em parte, com uma bolsa no valor de 5 mil euros

    pela organizao Journalismfund.eu. O que quisemos fazerfoi uma pea de investigao com o jornalismo em que acredi-tamos e que achamos que preciso para a sociedade contem-pornea, resume Nuno Vicente.

    Durante anos o jornalista portugus trabalhou em vecu-los de comunicao tradicionais at que decidiu trilhar outrocaminho. Percebi que aquela no era a forma de pensar e fa-

    zer jornalismo que eu queria, era muito mainstream. No mevejo, e tenho certeza que muitas outras pessoas tambm nose revm no telejornal das 8 da noite. Fez um doutoramen-to na rea, passou a dar aulas e criou a plataforma de pro-duo de contedos. Para mim, o melhor jornalismo que seest a fazer hoje j no est nas redaes, mas em iniciativas

    independentes de fotgrafos, de escritores, em livros, repor-tagens... Acho que precisamos de pessoas que percebam que

    isto est a acontecer e que apoiem esses projetos. ADivergen-te, se no arranjar uma estrutura que apoie a prxima inves-tigao, no tem como fazer, resume.

    Est claro que no h uma frmula pronta para esse novojornalismo produzido fora das grandes corporaes, assimcomo no h uma soluo para as dificuldades aqui contidas,

    mais especificamente a questo do financiamento e de poderchegar aos leitores de forma massiva (e de ter credibilidade).

    Acho que esse momento permite testar novas soluespara assuntos antigos e no existe aquela espada na cabeacom receitas prontas a vestir. Acho que um perodo natu-

    ral de experimentao e descoberta. No h um modelo a serseguido, cada projeto editorial tem caractersticas prprias,resume Nuno Vicente.

    http://divergente.pt/http://divergente.pt/
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    Rockumentrio(do ingls Ro-ckumentary) atualmente con-siderado um gnero autnomo

    da sua matriz, o documentrio.O seu crescimento foi sendo im-pulsionado, ao longo dos anos,

    por distintos cineastas como Jo-nathan Demme, Jean-Luc Go-

    dard, Jim Jarmusch e principalmente Martin Scorsese, queajudaram sua legitimizao. Nasceu num dos perodos

    de exploso da msica rock no mundo os sixties ondeencontramos o filme habitualmente considerado o melhorrockumentrio de todos os tempos,Dont Look Back, onde orealizador D. A. Pennebaker segue Bob Dylan na sua turneltrica por Inglaterra. Este, assim como outros filmes damesma poca, ganha fora atravs de uma noo de cinemadireto aplicada performance fsica da msica, construindo

    uma linguagem prpria atravs da sobreposio do movi-mento dos corpos com o destilar de decibis. O rockument-rio transformou assim o cinema direto num produto comer-cial muito apetecvel, prenunciando a reality TV e abrindoas portas ao videoclip, cuja gramtica a MTV veio formatar.Este canal surgido no dealbar dos eighties tem liderado no

    campo do registo audiovisual do rock, por intermdio desries como Rockumentary ou Behind the Music, emitido no

    canal subsidirio VH1.

    A definio clssica de um rockumentrio bastante rudi-mentar: trata-se de um documentrio acerca de msica rockou de msicos rock. Para alm deDont Look Back, outro dosrockumentrios mais celebrados pelos crticos no sequerum documentrio. Em This is Spinal Tap o realizador Rob

    Reiner e os seus atores criam uma banda britnica de heavymetal ficcional para poderem brincar com os clichs da vida

    rocknroll. Isto subentende uma certa crise de identidade, oumesmo uma indefinio causada pelo sentido lato da sua es-sncia. Muitos filmes se tm aproveitado disso, subvertendo

    sua maneira a pureza da forma. Tm surgido, por exemplo,rockumentrios que esquecem a msica (Metallica: Some Kindof Monster ou Anvil: The Story of Anvil) enfatizando as perso-nalidades dos intervenientes numa total obedincia lgicado folhetim telenovelesco; outros so instrumentalizados pe-los prprios artistas (Shut Up and Play the Hits ou Under the

    Northern Light) em exerccios narcisistas de auto-mitificao;e ainda aqueles que mergulham to profundamente nos seusobjetos (The Devil and Daniel Johnston) que navegam em terri-trios mais prximos do estudo de carcter.

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    Outra tendncia muito dbia a anlise de figuras trgi-cas. Infelizmente grande parte do apelo pelo rockumentrioest no apetite do pblico por dolos cados e pela eterna len-

    galenga da ascenso-fama-drogas-morte-legado. O seu mo-tor a repetio: Hendrix, Joplin, Morrison, Curtis, Cobainou Whinehouse so a mesma histria contada de maneiras

    diferentes. Em 2007 saram em simultneo o document-rio Joy Division e o biopic Control, ambos fascinados pelosmotivos que tero levado Ian Curtis a enforcar-se; Kurt Co-

    bain dos Nirvana, cuja curta existncia tem sido recontada

    exaustivamente, foi revisitado em 2015 com Cobain: Montageof Heckcomposto por vdeos caseiros cedidos pela sua vi-va; e do mesmo ano estreou Amy (Whinehouse), um filmetodo construdo por imagens de arquivo, com os depoimen-tos a surgirem apenas em off.Estes filmes tentam iludir-noscom o seu falso humanismo, limitando-se a corresponder aoapetite mrbido voyeurstico do pblico, prolongando a ex-

    plorao post mortemdestas figuras. O problema poder es-tar talvez numa interpretao errnea do formato. Noventapor cento destes documentrios tm por tema, na realidade,a indstria da msica, por certo indissocivel da histria dorock enquanto movimento cultural de ndole popular, masna qual nunca poderemos encontrar celebraes das qua-

    lidades vitais do rock. No a msica que aqui se filma, aoinvs converte-se o rockumentrio num utenslio ao servio

    da cultura de celebridades na qual nos vemos embrenhados

    cada vez mais profundamente.

    ara tentar encontrar uma certainocncia desta categoria, capaz

    de ajudar o espectador a distingui--la dos falsos rockumentrios, te-mos de retornar figura de Martin

    Scorsese. A sua ligao ao gneroj vem dos anos 70 quando filmou

    o ltimo concerto dos The Band(Last Waltz), composta pelos msicos que acompanharamBob Dylan quando este se virou para o rock, e a Dylan quevolta 30 anos depois para No Direction Home, de 2005. Emvez de narrar cronologicamente a longa carreira de Dylan,Scorsese escolhe um perodo especfico o do seu apareci-

    mento at ao seu ato de traio causa folk. um testemu-nho muito centrado nas canes e na misteriosa personali-dade de Dylan, terminando o filme sem responder questoque to firmemente coloca: Quem Bob Dylan, um gnio ouum brilhante farsante? Seis anos depois, George Harrison

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    o objeto do olhar do realizador nova-iorquino com GeorgeHarrison: Living in the Material Worldque, como o ttulo in-dica, segue a demanda espiritual do ex-Beatle numa viagem

    essencialmente musical. Com estes exemplos em mente,podemos agora ento sugerir alguns filmes onde a razo deser do rockumentrio se possa encontrar na sua forma mais

    genuna. Os critrios desta seleo prendem-se com filmesem que a relao dos artistas com a sua arte mais forte doque a sua relao com a componente mercantil ou em que aexplorao dos seus personagens possua qualidades verda-

    deiramente redentoras.

    m bom rockumentrio depen-de de um boa histria e essas, no

    universo do rock, no abundam.Aqui esto ento duas das melho-res que serviram de base a docu-mentrios recentes. Em primei-ro lugar, Transatlantic Feedback(2006), do casal germnico Diet-

    mar Post e Lucia Palacios, um testemunho da inacredit-vel e breve carreira dos The Monks. Cinco soldados norte--americanos, estacionados na Alemanha no final dos anos

    50, resolvem, aps a sua dispensa, formar um banda beate tentar a sua sorte no circuito de bares alemes de ondeos Beatles haviam emergido poucos anos antes. Uma noi-

    te aps um concerto so abordados por dois alemes inte-ressados em tornarem-se seusmanagers. Karl Remy e Wal-ther Niemann eram dois dos mais influentes publicitriosdo pas e ambicionavam criar uma resposta artstica ao su-cesso dos Beatles e da cultura beat. O seu conceito consistiaem converter estes ex-militares nos Anti-Beatles. Nascemento os The Monks, 5 americanos vestidos de negro com

    os cabelos tonsurados como monges medievais, a tocar umamsica que os intervenientes no documentrio descrevemcomo a semente do heavy metal, do techno, da msica in-dustrial e at do punk (se os Beatles cantavamI Wanna Hold

    your Hand, ento os The Monks gritavam I Hate You (ButCall Me)). Em 1965, tornaram-se relativamente populares na

    Alemanha e um dos grandes trunfos do documentrio soas imagens hipnotizantes da banda a atuar na TV germni-ca, numa performance vanguardista que d um verdadeirosentido expresso fora do seu tempo. Sem distribuionos EUA devido ao contedo lrico, restava tentar a sorte no

    mercado asitico, pensaram os managers, que lhes marcamuma turn asitica que inclua uma paragem no Vietname

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    em pleno conflito. No dia do embarque a experincia ter-mina, como classifica um dos membros da banda. Apesardisso, o filme sugere uma ligao do som dos The Monks

    gnese do rock progressivo germnico, mais conhecido porKrautrock. certo que os depoimentos dos cinco elementosda banda chegam para conduzir o filme, alternando com as

    suas atuaes e bastantes fotografias, no entanto sente-se afalta em Transatlantic Feedbackda participao das suas maisenigmticas personagens, Remy e Niemann, que recusaramparticipar no filme.

    m dos movimentos mais anali-sados em rockumentrios , semdvida alguma, o punk rock.

    Mas da grande parte destes fil-mes resultam apenas aproxima-es genricas a uma poca e auma gerao. Agora imaginemosque o punk norte-americano no

    foi fundado pelos Ramones mas poucos anos antes por umabanda composta por trs irmos negros chamada Death. essa a proposta de A Band Called Death. Os Hackney eramtrs adolescentes afro-americanos, crescidos num bairro

    misto que, influenciados pelo amor aos The Who e Alice Co-oper, formam uma banda rock. Um acontecimento trgicof-los mudar de perspetiva: a morte acidental do pai quando

    tentava salvar um colega de trabalho. David, o mais velho,aps uma epifania, decide que a banda se chamaria Death(Morte) carimbando no projeto um forte cunho conceptual.Apesar de conseguirem gravar um lbum, nunca obtm dis-tribuio devido recusa de David em mudar o nome da ban-da. Os seus irmos comeam a ter dificuldades em aceitar asua relutncia, e este tenta motiv-los dizendo-lhes que um

    dia as pessoas viriam procura daquela msica. Com o pas-sar do tempo, os Death desistem de lutar e David inicia umaespiral de autodestruio alimentada a lcool. Os irmosmais novos, Bobby e Dennis, formam uma banda reggae econseguem viver razoavelmente como msicos profissio-

    nais. David desiste finalmente da vida e morre em 2000 semque ningum o pudesse evitar. 35 anos depois, o maxi-singlede uma misteriosa banda chamada Death, considerada umraro exemplo de proto-punk norte-americano, torna-se nosonho dos colecionadores de raridades sonoras. A profe-cia de David cumprira-se, eFor the World to See, gravado em

    1974, editado em 2009. Os realizadores, Mark ChristopherCovino e Jeff Howlet, fazem um trabalho competente apesar

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    da inexistncia de imagens de arquivo da banda a tocar aincrvel histria e a intensidade da msica dos Death ocu-pam os espaos vazios na perfeio. Ainda assim, tal como

    em Transatlantic Feedback, o profeta est ausente (a sua pre-sena apenas se manifesta atravs da sua voz gravada numachamada telefnica), ficando por saber todos os contornos

    da sua epifania. No obstante serem filmes incompletos, te-mos em ambos os casos uma aproximao bastante seguraa uma compreenso da importncia do rockumentrio, quedeve funcionar acima de tudo como um arquivo da memria

    da msica e no uma fbrica instantnea de deuses do rock.

    squeamos os mrtires do rock porum momento e concentremo-nos no

    seu autonomeado kamikaze. Hated:GG Allin and the Murder Junkies o fil-me de escola de Todd Phillips, autorde comdias comoRoad Trip ou a trilo-giaA Ressaca. A ideia nasce dos relatosque ouvira acerca de umperformer, de

    nome GG Allin, famoso por espancar o pblico, defecar empalco e comer os prprios excrementos antes de os lanarsobre as pessoas concertos que invariavelmente viam a

    polcia irromper logo aps a primeira cano. Decide entopegar numa cmara e marcar uma turn para poder seguirAllin, naquele momento espera de liberdade condicional

    de uma pena que cumpria por agresso a uma jovem. A pri-meira metade do filme de Todd Phillips parece uma versopunk de This is Spinal Tap: conhecemos alguns fs de GGAllin, ex-membros da sua banda e os atuais, como o irmoMerle que ostenta um orgulhoso bigode Hitler e o bate-rista nu Dino cuja mente parece habitar outra dimenso.-nos apresentado tambm o prprio Allin, que possui ape-

    nas uma muda de roupa no corpo e uma filosofia de totalsacrifcio ao rock na mente. Com o passar da curta duraodeste filme, constatamos que a reputao em palco de Allin na realidade o seu estilo de vida, e Phillips inclui no docu-mentrio imagens que fazem Sal ou os 120 Dias de Sodomaparecer um filme para crianas. Surpreendido por este fac-

    to, o realizador procura uma razo para o comportamentode Allin na sua terra natal onde nada de extraordinrio pa-rece ter ocorrido na sua infncia (para alm das promessasde suicdio coletivo do pai, episdio recordado pelo prprioartista). GG Allin simplesmente odeia toda a gente, e prin-

    cipalmente a si prprio. Mas apesar da personalidade psi-ctica, o cantor descreve-se como algum com uma alma

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    H A T E D : G G A L L I N A N D T H E M U R D E R J U N K I E S

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    selvagem muito confinada a esta vida; Dino, num momen-

    to de aparente lucidez, diz com seriedade que considera otrabalho de Allin como um comentrio social acerca dosproblemas da violncia na raa humana. No primeiro con-

    certo da turn filmada, os nmeros habituais do cantor atra-em a polcia e os Murder Junkies fogem de NY e do prprioPhillips. No final, o realizador confessa-se incapaz de deter-minar a origem da loucura daquele ser mas, ao mesmotempo, uma total admirao por todas aquelas personagens

    que povoam esse universo alternativo do rock. Num prlo-go, sabemos da morte de Allin provocada por um cocktail dedrogas e a sua imagem num caixo estranhamente recon-fortante. Ao contrrio de todos as comuns crnicas trgicas,neste caso o espectador deseja ver o objeto morto e enterra-do (para o bem de ambos, diga-se) e da emana grande par-te da originalidade deste filme. Independentemente de ser

    um filme difcil de ver sem tapar os olhos de vez em quando,personagens inclassificveis como GG Allin obrigam-nos aum exerccio profundo de autorreflexo para o poder encai-xar na nossa viso do mundo.

    ltima sugesto o docu-

    mento definitivo sobre orock no sculo XXI, Dig!.Durante 7 anos a realiza-

    dora Ondi Timoner se-guiu a trajetria de duas

    bandas-irms, The Dan-dy Warhols e The Brian

    Jones Town Massacre (BJM), focando a ateno na relao

    amor-dio entre os seus lderes, Courtney Taylor e AntonNewcombe. Dois trajetos que comeam no mesmo ponto,mas que a certa altura divergem por caminhos opostos. lugar-comum dizer-se que as histrias de fracasso so sem-pre muito mais interessantes que as de sucesso e por issoTimoner opta por dar mais ateno aos BJM. Newcombe descrito por Taylor, o narrador do filme, como um gnio

    musical com uma personalidade autodestrutiva, para a qualo abandono do pai numa idade bastante prematura muitoter contribudo. Acompanhamos uma turn dos BJM, com-posta por nove membros (onde se destacam o bobo da cor-te, Joel Gion, e o nemesis de Newcombe no seio da banda,Matt Hollywood) cujos concertos acabam muitas vezes em

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    D I G !

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    confrontos em palco entre os membros da banda. Enquanto

    os Warhols levam a fama muito a srio, os BJM sabotam to-das as oportunidades que lhes surgem de impressionaremeditoras ou a indstria. No final, os Warhols atingem fama

    mundial ao venderem uma cano para um spot publicit-rio da Vodafone, enquanto Newcombe se consegue isolar detodos e prosseguir os BJM a solo. No incio do filme as duas

    bandas juram fidelidade a uma revoluo que vo pr emmarcha, e 7 anos depois ambos falham, de maneiras dife-

    rentes mas pelos mesmos motivos, o ego dos seus mentores.Dig! um timo guia para leitura do presente, da narrativapor que passam todas as bandas que atualmente se tornamna next big thing. Estes foram dois exemplos de filmes onde omsico tratado como objeto de fascnio e, ao mesmo tem-po, de repulsa, recusando assim servir a sua compulsivadeificao.

    Made in Portugal

    Rockumentrio no um fe-

    nmeno exclusivamente norte--americano e um pouco por todoo mundo tm surgido filmesacerca das cenas musicais locais.Em Portugal tambm se tm feitodocumentrios musicais muito

    por culpa de festivais de cinemaque tm privilegiado este formato devido sua popularida-de entre o pblico jovem. Mas no que concerne ao rock, ostrabalhos realizados tm sido teis no sentido de criar umanova viso histrica, na qual o gnero no nasce com RuiVeloso e o seu Chico Fininho, recuperando muitos dos seus

    pioneiros esquecidos. Noutro mbito, destacam-se filmes

    comoBrava Dana, que conta a carreira dos punks de direitaHeris do Mar, ou um documento sobre o histrico concertodos Genesis em Cascais no ano de 1975, ocorrido em plenoPREC Genesis, Cascais 75 que atravs de depoimentosde pessoas que foram ao concerto, conhecidas e desconhe-

    cidas, consegue capturar com alguma eficcia o esprito da

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    poca.

    trabalho mais interessante nestarea pertence a Edgar Pra. Des-de que se comercializam cmaras

    de filmar que Pra sai rua comuma na mo, criando uma sriede Cine-Dirios. Mormenteum arquivador de imagens doque um mero cineasta experi-

    mental, o trabalho de Pra nos ltimos anos tem sido ocupa-do com a filtragem desse enorme arquivo, atravs dos seusfilmes de fico ou de documentrios sobre msica como ocaso deMovimentos Perptuos: Cine-Tributo a Carlos Paredes ouVises de Madredeus(que comea nos bastidores do primeiroconcerto de sempre da banda de Pedro Ayres de Magalhes).No captulo do rock, de sua autoria o melhor filme sobre o

    movimento em Portugal, intituladoPunk is Not Daddy. Tra-ta-se de mais um captulo dos seus cine-dirios corres-pondente dcada de 80. Nele vemos atuaes em incio decarreira de bandas como Xutos e Pontaps, Heris do Mar,Rdio Macau, Stima Legio, Delfins ou de propostas maisobscuras provenientes dos concursos de msica moderna

    do Rock Rendez-Vous. No intercalar destas performances

    temos cenas do quotidiano lisboeta: uma viagem de metro,um passeio pelo Rossio, a manifestao dos polcias na Pra-a do Comrcio ou pequenas prolas como o momento emque a cmara se vira para revelar o pblico num concertodos GNR no pavilho do Restelo. Estes interldios elevam

    Punk is Not Daddy categoria de documento de interessehistrico por capturar to bem a vivncia do Portugal ca-vaquista, cinzento e tristonho, mas ao mesmo tempo com

    uma cena musical fervilhante. O ttulo alude a uma citaode Farinha Master (alter ego de Carlos Cordeiro) duranteuma altercao com o pblico numa das noites do Rock

    Rendez-Vous que termina o filme. Farinha foi um dos ex-cntricos do rock portugus perecendo da doena dos ei-

    ghties (SIDA) em 2002. Neste confronto, assistimos a umfogacho de uma certa maneira de ser geracional, urbana e

    culta, sarcstica e ps-modernista, que nunca mais voltoua existir em Portugal.

    S por esta via pode o Rockumentrio ambicionar a tor-nar-se um gnero independente.

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    odemos ns, adultos, promover informao e cultura junto dos jovens atravs das redes sociais? Podemos

    influenci-los e seduzi-los acenando com o facebook, o instagram ou o twitter? Danah Boyd explica que

    no. Em compensao existe o Wattpad que d a ler a 15 milhes de pessoas. Mas sem mediao.

    Com a massificao do acesso internet, educadores e mediadores de leitura tm vindo a refletir sobre

    o fenmeno e as estratgias que podero ser usadas em favor da formao de leitores. Vrias tm sido

    as teorias avanadas sobre a influncia de plataformas como o youtube, o instagram ou o facebook na

    relao dos jovens com a informao, produo de contedos e comunicao, que vo desde a capaci-

    dade que as novas geraes tm de intuir como usar as ferramentas digitais at iliteracia da informao, da alienao social ao

    acesso ilimitado a pessoas e instituies, de um novo lxico ao mau uso da lngua.Pela diversidade de argumentos, teses e experincias, para no falar dos diferentes nveis de competncia dos mediadores, no

    tem sido nada linear o processo de integrao das tecnologias, especialmente dos chamados mediasociais, na educao e, em

    particular, nos projetos institucionais de promoo da leitura.

    Quando apareceram, os blogues materializaram em larga escala a funo de utilizador/ produtor de contedos que a Web 2.0

    agora permitia a qualquer um sem ser preciso dominar linguagem de programao. Os blogues proliferaram e alguns, por razes

    diferentes, conseguiram uma legitimao semelhante de outros canais tradicionais de comunicao, fosse em reas to variadas

    como a moda, culinria, puericultura, literatura e edio, poltica, msica, desporto... Mas mesmo aqueles que se dirigiam a uma

    comunidade restrita de amigos ou conhecidos resultavam da conscincia de que agora cada indivduo tinha uma voz pblica, se

    quisesse, e tinha sobre ela o controlo do tempo e do modo.

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    scolas e Bibliotecas Pblicas experimentaram tambm a plataforma seguindo, genericamente, dois modelos:

    o da divulgao de fundos e atividades, sendo o blogue alimentado exclusivamente por uma ou mais pessoas

    adultas, ou o de montra para atividades realizadas, contando aqui com a colaborao dos alunos. O sucessodo primeiro modelo media-se em nmero de leitores e num regresso ao espao. Esperava-se que algum re-

    quisitasse a novidade anunciada, ou se inscrevesse num clube de leitura ou numa oficina que vira no blogue.

    O segundo servia como motivador coletivo e deveria ter um efeito de contgio entre pares, fossem eles alunos

    ou professores, e os seus respetivos ncleos comunitrios. Muitos professores do 1. ciclo tm vindo a usar o

    blogue para incentivar a produo escrita, individual e coletiva, e criar um espao de partilha de atividades e memria. Os alunos

    gostam de se rever, e os pais de acompanhar aquilo a que no tm acesso no quotidiano. Alguns professores bibliotecrios e deportugus criaram blogues onde os alunos inscrevem pequenas crticas, comentrios e resumos das suas leituras cruzando a divul-

    gao com o treino da escrita argumentativa.

    Mas at que ponto este tipo de utilizao dos blogues cria nos adolescentes uma motivao suficiente para que o leiam, comen-

    tem, e eventualmente sigam? Na verdade, na grande maioria dos casos isso no aconteceu. Todavia, no auge da fama da pla-

    taforma no foi apenas um reduto insignificante de adolescentes e jovens que criou o seu prprio blogue. Porque no funcionava

    ento esta estratgia em torno dos livros? A verdade que funcionava, porm sem a mediao que a sua escolarizao implicava.

    Da mesma maneira que encontramos blogues sobre moda ou culinria alimentados por adolescentes, tambm os h sobre livros,

    no mesmo tom entusiasta e laudatrio.

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    Os adolescentes e as redes sociais

    o livro Complicado, que a Relgio dgua editou em junho de 2015, Danah Boyd analisa deta-lhadamente o comportamento dos adolescentes em relao ao que designa como os mediasociais.

    Em oito captulos apresenta as concluses de uma longa investigao que levou a cabo entre 2007 e

    2012 realizando centenas de entrevistas em diversas geografias fsicas e sociais dos Estados Unidos.

    No volume contraria vrias falcias e descreve como se relacionam os jovens com a sua identidade,

    a sua privacidade, a sua segurana e os grupos sociais quando esto online. A principal concluso

    a tirar ser a de que os mediasociais lhes conferem um espao que no desejam ver corrompido

    por elementos externos ao seu grupo e ao seu cdigo. Por isso, tentar de alguma forma instrumentalizar plataformas ao servio de

    um interesse exterior corre o risco de fracassar. Especialmente se o agente dessa promoo tiver a expectativa de motivar massi-

    vamente o seu pblico como se isso apenas dependesse da ferramenta. E no depende. A ferramenta continua a ser apenas uma

    ferramenta; o adolescente como o adulto descobriram como us-la para minimizar as suas necessidades. E querem ter o poder

    sobre elas.

    num dos conceitos basilares do livro que Danah Boyd assenta a sua principal teoria: o espao pblico. O espao pblico o

    lugar social por excelncia, mas no apenas isso. igualmente o lugar da experincia e do conhecimento, do outro e do mundo.

    O espao pblico est, em geral, nas mos dos adultos que o gerem de acordo com as suas prprias regras. O adolescente, por

    seu turno, est vido de aceder a esse espao, e v as suas expectativas sucessivamente goradas pelos reguladores. Aquilo que

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    os adolescentes fazem onlineno pode ser separado dos seus desejos e interesses, atitudes e valores mais amplos. A sua relao

    com os pblicos em rede marca o seu interesse em fazerem parte da vida pblica. No sugere que estejam a tentar passar a ser

    virtuais ou que estejam a usar a tecnologia para fugir da realidade. O envolvimento dos adolescentes com os mediasociais eoutras tecnologias uma forma de se ligarem com o seu mundo social mais amplo. (P. 234) A autora traa um retrato social dos

    Estados Unidos da Amrica a partir dos comportamentos dos jovens nas redes sociais e das suas opinies sobre elas que chega

    a ser embaraoso para os pais, as comunidades e os responsveis polticos. Por um lado, a obsesso com a segurana que priva

    os jovens de circularem no espao fsico em liberdade, por outro o prolongamento, online, das assimetrias sociais e raciais. Muitos

    dos adolescentes entrevistados para o estudo revelaram que utilizavam as redes sociais pela impossibilidade de conviverem com os

    amigos em presena, por no irem a p para a escola, nem ao centro comercial, nem sequer andar de bicicleta. No facebook, notwitter ou no instagram podiam continuar a conversar, e partilhar desabafos, inconfidncias sobre os pares, dramas ou quaisquer

    outros tpicos do seu interesse.

    o incio do livro, a investigadora descreve o ambiente que se vive num jogo de futebol americano

    que decorre nas instalaes de uma escola do ensino secundrio. Logo a, para alm da rigidez da

    organizao social, o leitor fica abalado pelo comportamento dos adultos que, mesmo durante o

    jogo, no deixam de interagir com o smartphone, ao contrrio dos adolescentes que o usam antes e

    depois, para prolongarem o momento. Na sua maioria, os adolescentes no tm uma dependncia

    dos meios sociais; quando muito, tm uma dependncia uns dos outros. (P. 102) Avanando na

    leitura, sucedem-se exemplos que aproximam os adolescentes de hoje aos de ontem, derrubando

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    alguns preconceitos que contaminam uma anlise mais acurada dos seus comportamentos sociais. A privacidade e a identidade

    so dois pontos fortes do livro, e neles a autora comprova que os jovens no vivem merc de um descontrolo de informao ecomunicao, expondo toda a sua intimidade. Pelo contrrio, criam cdigos prprios que fintam tanto as normas de identidade

    dos sites como os olhares fiscalizadores do poder adulto. Por um lado, inventam nomes, idades, estados civis, por outro usam pro-

    nomes, letras de msicas e estados de alma cifrados. Tudo porque aqueles de quem fogem so os pais, os professores, e qualquer

    outro representante desse poder limitador. imagem de outros tempos, em que circulavam bilhetes em cdigo nas salas de aula,

    ou eram deixados nas mochilas ou nas caixas dos correios, assim agora, com recurso a outros mecanismos.

    egundo Danah Boyd, o universo pblico do adolescente no se expande muito para alm dos seus amigos e

    conhecidos e nesse sentido com eles que comunica. Partindo de um pressuposto que, dentro desta comuni-

    dade, todos se reconhecem, podem facilmente bloquear a leitura dos adultos com elementos para os quais os

    segundos precisavam de um contexto. So private jokes, em verso humorada ou dramtica. A sua intimidade

    regulada em relao aos pares e quilo que cada um considera melhor que o grupo no saiba. Quanto

    famlia, irrelevante. Tudo tem que ver com a representao do espao pblico para os adolescentes, e esta muito mais estreita do que para os adultos, que por isso a leem mal. Tambm por isso ampliam demagogi-

    camente situaes extraordinrias transformando-as em padres de perseguio sexual ou bullyingonline. Os captulos dedicados

    violncia, insegurana e comportamentos de risco comprovam que os adolescentes reproduzem onlineo seu comportamento social,

    pelo que aquilo a que cada um est exposto no varia de acordo com a ferramenta e sim com o seu contexto social, familiar e eco-

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    nmico. O mesmo se passa no que concerne a literacia digital: os adolescentes com mais e melhor acesso internet, que dispem de

    equipamentos em casa e que tm tambm outras competncias mais desenvolvidas, tm uma maior apetncia para pesquisar, ler e

    produzir contedos do que aqueles cujo acesso se restringe a espaos onde exista wi-fi, aos computadores da escola e a um smartpho-ne com pouca memria ou capacidade. Uma coisa certa: os adolescentes tm encontrado formas de controlar a sua presena nas

    redes sociais e para isso preciso saber ler os outros. Nesta batalha, esto em vantagem quanto competncia de leitura em relao

    aos adultos e certo que a estes resta apenas a possibilidade, que no pequena, de lhes disponibilizar informao por um lado

    e de os dotar das competncias de literacia digital suficientes para que, cada vez mais, possam os jovens ser mais livres na criao

    dos seus prprios cdigos para existir no espao pblico. Independentemente das plataformas que existam, da sua efemeridade, dos

    modismos e das comunidades virtuais, o mais importante continuar a ser dar a ler.

    O fenmeno Wattpad

    e h dez anos os jovens seguiam e liam blogues de pares ou de adultos sobre temas que lhes interessavam,

    hoje tambm seguem e participam em plataformas partilhadas com adultos. A questo da leitura no se co-

    loca em torno do discurso, da abordagem ou da plataforma e sim a partir do leitor. Os leitores adolescentes

    fazem pesquisa onlinesobre os livros que leem ou querem ler, conhecem sites e aplicaes relacionadas

    com livros e at tm uma palavra a dizer sobre isso. S que, tal como em tudo o resto, no o divulgam. A

    aplicao Wattpad um paradigma do que pode ser a leitura para um determinado grupo de adolescen-

    tes, e um paradigma muitssimo completo.

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    Quando, no ano letivo 2014-2015, a bibliotecria da Escola Secundria de Montemor-o-Novo, em parceria com a Biblioteca

    Municipal, realizou um inqurito interno aos alunos do 3. ciclo sobre os seus hbitos de leitura, verificou que aproximadamenteum quarto dos alunos do 8. ano incluiu a aplicao Wattpad na sua atividade online. Mas o mais surpreendente era o facto de

    a usarem para lerem livros ou para escreverem.

    que afinal o Wattpad? uma aplicao onde qualquer pessoa, de qualquer parte do mundo, se

    pode inscrever, atravs da conta de facebook ou com uma password e um e-mail, como acontece

    com a maioria das plataformas. Em seguida tem acesso a um incrvel mundo novo e paralelo.

    O Wattpad incentiva o cibernauta a escrever, d-lhe dicas e ainda promove concursos para dar

    notoriedade, dentro da rede, ao texto do autor, que pode ser escrito em qualquer lngua. H um

    sistema de seguidores, e da que o escrevente retira a fama e o reconhecimento. Como acontece

    noutras plataformas que incentivam a circulao e a comunicao, os comentrios so recorrentes

    e, muitas vezes elogiosos. No entanto, tambm os h crticos ou opinativos em relao intriga. Os leitores mostram-se desolados

    com a morte de um personagem, pedem ao autor para encaminhar a histria num sentido ou noutro e questionam-no acerca destaou daquela atitude. No rareiam pedidos de continuao ou comentrios acerca de como a escrita entusiasmante ou o texto vi-

    ciante. No consegui parar de ler! ou Estou a adorar! so dos mais comuns. H liberdade quanto lngua e dimenso, mas

    a estrutura obedece a uma organizao obrigatria por captulos. Quais as razes para que assim seja, no possvel saber, mas

    o facto que o modelo incentiva ideias e no textos escritos previamente. Por isso no de estranhar a imensido de narrativas

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    apenas comeadas, ou interrompidas num determinado captulo. O meu telemvel avariou-se e agora no tenho internet. Por isso

    no pude continuar, justifica Leonor, uma adolescente de Almada que comeou uma fanfiction sobre o vocalista dos One Direc-tion. Em contrapartida, o modelo dos captulos permite uma constante interao entre escritor e leitor. O primeiro pode comentar

    o seu estado de alma, justificar ausncias ou dar pistas sobre o que vai acontecer. Frequentemente, termina o seu prlogo com

    votos de boas leituras. O leitor, por seu turno, deixa comentrios e questes relacionadas com aquele mdulo, criando dinmicas

    sucessivas. Quantos mais captulos tiver uma histria, maior a possibilidade de interagir.

    ara alm da organizao da estrutura interna do texto, o Wattpad criou vrias seces temticas: roman-

    ce, ao, fico cientfica, humor, mistrio, fanfiction so apenas algumas. Tambm h poesia, fico

    adolescente, vampiros e clssicos. Clicando neste ltimo aparece por exemplo a obra O Monte dos Venda-

    vais, de Emily Bront, transcrito a partir de uma edio brasileira por uma leitora que quer partilhar o livro

    preferido dos protagonistas da saga Crepsculo. Daqui a um ms, e conforme novas obras que apaream

    e o nmero de visualizaes e comentrios, o ttulo pode ser outro.

    A dinmica e o efeito do Wattpad de tal ordem que j h narrativas cujos direitos foram compra-

    dos por editoras e vertidos em papel, como aconteceu com Anna Todd, cuja srie After j um bestseller do New York Times.

    Em Portugal, os dois primeiros volumes foram editados pela Presena e j esto no mercado. O terceiro ser lanado em breve

    e est em pr-venda no site da editora. Tudo comeou, segundo a prpria, quando o seu marido esteve destacado no Iraque.

    Nessa altura Anna iniciou uma fanfiction, inspirada nos elementos da banda One Direction, que publicou no Wattpad em 2013.

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    A narrativa comea quando a protagonista, Tessa, abandona o lar para ir para a universidade, em Washington. Mas o prlogo

    antecipa logo uma tenso vivida na primeira pessoa: Tessa vai conhecer Hardin e apaixonar-se irremediavelmente. Conflitos

    morais cruzam-se com a rotina, os novos amigos, as experincias das festas, das roupas, dos limites e da liberdade. Tudo comdescries muito literais e um ritmo acelerado e visual. H calo, sexo e drama numa proporo favorvel ao longo das cerca

    de 500 pginas do primeiro volume. Tal como outros fenmenos, no estranho perceber a recetividade da srie, ao ler o

    livro. Muitas adolescentes reveem-se num ou noutro episdio, tm amigos semelhantes, gostavam de reproduzir esta ou aquela

    experincia. Como em qualquer srie, o final feliz afinal sofre aquela derradeira reviravolta que alimenta as expectativas, a

    curiosidade e a leitura.

    o segundo volume, a descoberta d lugar a um conflito mais profundo e o leitor acompanha as dvi-das, discorda de comportamentos, desespera e at chora. Nada disto novo neste tipo de paralite-

    ratura, exceto a sua relao original com o Wattpad. Anna Todd mantm o seu perfil ativo, interage

    com os fs, segue cerca de 1000 autores e seguida por mais de um milho de leitores. Inclusiva-

    mente comenta uma fanfiction que outra pessoa criou a partir da histria de Tessa, After + Zombies.

    Para alm disso, criou um outro livro na plataforma exclusivamente com respostas a questes dos

    seus leitores, Interview Questions.

    O Wattpad permite uma sensao de acesso e proximidade entre leitor e escritor que potencia claramente o sucesso. Aqui o lei-

    tor sente o poder e a liberdade da interveno, quer durante o processo quer em apropriaes escritas. Nesse sentido, o Wattpad

    fornece a muitos leitores de paraliteratura todos os ingredientes para ali escolherem o que vo ler a seguir. O resto funciona como

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    em qualquer rede social, por contgio e recomendao. Mas certo que mais facilmente encontraro narrativas sua medida,

    tendo em conta que muitas delas so escritas pelos seus pares, com os mesmos gostos e competncias semelhantes.

    icardo, um adolescente de 15 anos de Vila Velha de Rdo, gosta de escrever e confessa o desejode se ver reconhecido. J partici