Calculo do residuo

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ısica Matem´atica I Jorge L. deLyra 06 de Abril de 2010 14: C´ alculo de Integrais por Res´ ıduos Vamos discutir agora a quest˜ ao da determina¸ c˜ao da natureza das singularidades e dos cor- respondentes res´ ıduos de uma fun¸ c˜aoanal´ ıtica, bem como o importante teorema de res´ ıduos, que nos fornece uma forma poderosa de se calcular certos tipos de integral, incluindo certas integrais reais. Suponha que uma fun¸ c˜ao f (z e anal´ ıtica em uma determinada regi˜ ao, a menos de um n´ umero finito de pontos de singularidade. Se o n´ umero de pontos singulares ´ e finito, ent˜ao estas singularidade s˜ ao necessariamente isoladas umas das outras. Portanto, ao redor de cada uma destas singularidades h´a um anel de convergˆ encia de uma s´ erie de Laurent que representa a fun¸ c˜ao, como mostrado no diagrama que segue. Fig. 1: O plano complexo com as singularidades isoladas, cada uma com a sua regi˜ ao anelar de convergˆ encia. As integrais de f (z ) em torno de cada um destes pontos singulares s˜ ao os res´ ıduos, ou seja, os coeficientes b 1 de cada uma das correspondentes s´ eries de Laurent, uma em cada regi˜ ao anelar, 2πıb 1,j = C j f (z ) dz, onde o ´ ındice j corre pelo conjunto de pontos de singularidade. Segue que toda fun¸ c˜ao anal´ ıtica tem um res´ ıduo em cada uma das suas singularidades isoladas, res´ ıduos estes que podem muitas vezes ser determinados por m´ etodos muito simples, sem necessidade de se calcular a integral. Consideremos agora uma integral de f (z ) sobre um circuito C que contorna toda a regi˜ ao onde est˜ao as singularidades. Podemos decompor esta integral em uma soma de integrais sobre pequenos circuitos, com um destes circuitos em torno de cada uma das singularidades, como mostrado no diagrama que segue. 1

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Fısica Matematica I

Jorge L. deLyra

06 de Abril de 2010

14: Calculo de Integrais por Resıduos

Vamos discutir agora a questao da determinacao da natureza das singularidades e dos cor-respondentes resıduos de uma funcao analıtica, bem como o importante teorema de resıduos,que nos fornece uma forma poderosa de se calcular certos tipos de integral, incluindo certasintegrais reais. Suponha que uma funcao f(z) e analıtica em uma determinada regiao, amenos de um numero finito de pontos de singularidade. Se o numero de pontos singularese finito, entao estas singularidade sao necessariamente isoladas umas das outras. Portanto,ao redor de cada uma destas singularidades ha um anel de convergencia de uma serie deLaurent que representa a funcao, como mostrado no diagrama que segue.

Fig. 1: O plano complexo com as singularidades isoladas, cada uma com a sua regiaoanelar de convergencia.

As integrais de f(z) em torno de cada um destes pontos singulares sao os resıduos, ou seja,os coeficientes b1 de cada uma das correspondentes series de Laurent, uma em cada regiaoanelar,

2πı b1,j =

Cj

f(z) dz,

onde o ındice j corre pelo conjunto de pontos de singularidade. Segue que toda funcaoanalıtica tem um resıduo em cada uma das suas singularidades isoladas, resıduos estes quepodem muitas vezes ser determinados por metodos muito simples, sem necessidade de secalcular a integral. Consideremos agora uma integral de f(z) sobre um circuito C quecontorna toda a regiao onde estao as singularidades. Podemos decompor esta integral emuma soma de integrais sobre pequenos circuitos, com um destes circuitos em torno de cadauma das singularidades, como mostrado no diagrama que segue.

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Fig. 2: O plano complexo com as singularidades isoladas, e a decomposicao de integralgeral em integrais sobre pequenos circuitos.

Escrevendo a integral sobre a curva C em termos das integrais em torno de cada singulari-dades, temos

Cf(z) dz =

j

Cj

f(z) dz = 2πı∑

j

b1,j ,

ou seja, podemos escrever a integral em termos de uma soma de resıduos, um para cadasingularidade que esta dentro do circuito C. Este e o teorema de resıduos. Desde quepossamos determinar os resıduos, ele nos fornece uma ferramenta para o calculo de integrais.

Vimos no inıcio deste estudo de funcoes analıticas que, quando fazemos integrais aoredor de polos de ordem n dados por z−n, temos zero como resultado exceto no caso emque n = 1. Vemos agora que, de forma muito geral, as contribuicoes para uma integralde contorno fechado vem exclusivamente dos pontos singulares nos quais a expansao deLaurent da funcao que aparece no integrando tem uma componente 1/z, e apenas destacomponente de cada uma das expansoes.

O teorema de resıduos efetivamente reduz um problema de integracao definida a umproblema de expansao em serie, ou antes, de determinacao de um unico termo de umaexpansao em serie. Como se trata aqui de manipular uma serie de potencias, muitas vezesisto reduz o problema de integracao a um problema de diferenciacao, ou ate mesmo a umsimples problema algebrico envolvendo series ja bem conhecidas. As vezes achar os resıduosrelevantes e de fato muito simples. Por exemplo, considere a integral

C

e−z

(z − 1)2dz

sobre o circuito desenhado abaixo, o cırculo de raio 2 centrado na origem.

Fig. 3: O plano complexo com o circuito.

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Podemos usar a serie de Taylor de exp(−z) em torno de z0 = 1 para escrever

e−z

(z − 1)2=

e−1

(z − 1)2

∞∑

n=0

(−1)n (z − 1)n

n!

=e−1

(z − 1)2−

e−1

(z − 1)+ e−1

∞∑

n=2

(−1)n (z − 1)n−2

n!,

concluindo portanto que o resıduo na unica singularidade, em z = 1, e −1/e, de forma quetemos

C

e−z

(z − 1)2dz = −

2πı

e.

Este e um caso em que a funcao tem o que chamamos de um polo, que neste caso e deordem 2, em z = 1. Observe-se entretanto que o resıduo nao esta associado ao termo daserie com potencia −2, que e o termo com a maior potencia negativa, e sim com o termocom potencia exatamente −1. Um caso um pouco mais complicado e o da seguinte integral,no mesmo circuito,

Ce1/z2

dz.

Escrevemos, a partir da serie de Maclaurin de exp(z), substituindo variaveis, a expansao

e1/z2

= 1 +1

z2+

1

2! z4+

1

3! z6+

1

4! z8+ . . . .

Disto vemos que b1 = 0, pois nao ha termo proporcional a 1/z, e portanto temos para aintegral

Ce1/z2

dz = 0.

Este e um caso em que dizemos que a funcao tem no ponto z = 0 uma singularidadeessencial, pois nao ha limite para as potencias de 1/z que aparecem na expansao. Observe-se que a existencia e o calculo de resıduos nao estao limitados aos casos em que a funcaotem apenas um ou mais polos, sejam quais forem as ordens deles, mas se aplica tambem asingularidades essenciais.

Como vemos aqui, a dificuldade da tecnica de calculo de integrais atraves do teorema deresıduos se reduz ao calculo ou a determinacao, de uma forma ou de outra, dos resıduos dafuncao nas singularidades envolvidas. Em muitos casos isto pode ser feito de forma simples,atraves de manipulacoes algebricas ou de operacoes com as series de Maclaurin ou Taylor.Para podermos generalizar um pouco mais esta tecnica, e preciso primeiro sistematizar aclassificacao dos tipos de singularidades isoladas. Se a serie de Laurent de uma funcaoem torno de um ponto onde ela e singular tem um numero finito de termos nao-nuloscom potencias negativas, entao dizemos que a singularidade e um polo e a maior potencianegativa m existente na serie e a ordem do polo. Se m = 1, dizemos que se trata de umpolo simples. Por outro lado, se o numero de termos com potencias negativas for infinito,entao dizemos que a singularidade nao e um polo, e sim uma singularidade essencial.

Tomemos uma funcao racional como um exemplo simples. E facil verificar que

z2 − 2z + 3

z − 2=

3

z − 2+ 2 + (z − 2),

3

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de forma que vemos que esta funcao tem um polo simples em z = 2, e que o resıduo nelee b1 = 3. Observe-se a necessidade de se escrever todos os termos consistentemente emtermos de (z − 2), para gerar a serie correta. Ja a funcao

sinh(z)

z4=

1

z3+

1

3! z+

z

5!+

z3

7!+ . . .

tem um polo de ordem 3 em z = 0, e o resıduo nele e 1/6. Finalmente, a funcao

cosh

(

1

z

)

= 1 +∞∑

n=1

1

(2n)! z2n

tem uma singularidade essencial em z = 0, e o resıduo nela e zero.Se uma funcao f(z) tem um polo de ordem finita m em z0, e sempre possıvel definir,

a partir dela, uma nova funcao φ(z) que e analıtica em todo o domınio de analiticidadede f(z), e que alem disso e tambem analıtica em z0. A funcao φ(z) e definida da seguinteforma,

φ(z) = (z − z0)mf(z), para z 6= z0,

φ(z0) = limz→z0

(z − z0)mf(z) = bm,

de forma que o valor de φ(z) no ponto z0 e definido por meio de um criterio de continuidade.Observe-se que nao e possıvel fazer isto no caso de uma singularidade essencial. Como temosa serie de Laurent de f(z),

f(z) =bm

(z − z0)m+

bm−1

(z − z0)m−1+ . . . +

b1

(z − z0)+

∞∑

n=0

an(z − z0)n,

verificamos que φ(z0) = bm, e alem disso temos tambem a serie de Laurent (de fato, a seriede Taylor) de φ(z),

φ(z) = bm + bm−1(z − z0) + . . . + b1(z − z0)m−1 +

∞∑

n=0

an(z − z0)n+m.

Como a serie de f(z) e convergente, segue que a soma infinita que aparece nestas expressoese convergente. Assim, fica claro que esta serie para φ(z) e uma serie de potencias conver-gente, e portanto que φ(z) e analıtica, uma vez que foi definida em z0 de forma a sercontınua. Dizemos que a funcao φ(z), definida apenas como o produto (z − z0)

mf(z), temuma singularidade removıvel, uma especie de simples “furo” em seu domınio, singularidadeesta que pode ser removida atraves da definicao da funcao por continuidade, no ponto desingularidade, tapando-se assim o “furo”.

Podemos agora escrever o resıduo b1 de f(z) em termos da funcao φ(z). Como a serieconvergente de potencias positivas de φ(z) tem de ser a sua serie de Taylor, temos que

b1(z − z0)m−1 =

φ(m−1)′(z0)

(m − 1!)(z − z0)

m−1,

de forma que temos para o resıduo

b1 =φ(m−1)′(z0)

(m − 1!).

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Isto pode nos dar, muitas vezes, uma forma simples de calcular o resıduo. No caso determos um polo simples, com m = 1, temos simplesmente que

b1 = φ(z0) = limz→z0

(z − z0)f(z),

que e a definicao por continuidade de φ(z0). Esta e uma forma muito util de se calcularo resıduo de um polo simples, que vem a tona com muita frequencia. Se a singularidadede f(z) for essencial, entao nao ha outra forma de se calcular o resıduo alem de se obter aserie de Laurent da funcao. Entretanto, se a singularidade for um polo, entao e expressaodo resıduo em termos da derivada de φ(z) e frequentemente muito util.

A tecnica de integracao por resıduos pode ser usada para o calculo de certas integraisdefinidas reais, que de outra forma seriam muito mais difıceis de se fazer. Um exemplodisto sao integrais envolvendo funcoes trigonometricas, que se estendam pelo perıodo destasfuncoes. De forma geral, sao integrais do tipo

∫ 2π

0F [cos(θ), sin(θ)] dθ.

Integrais deste tipo podem ser interpretadas como integrais complexas sobre o cırculounitario, num plano complexo descrito pela variavel z = ρ exp(ı θ), com ρ = 1 e com θvariando de 0 a 2π. Para escrever a integral desta forma, usamos as transformacoes

z = eı θ,

dz = ı z dθ,

cos(θ) =1

2

(

z +1

z

)

,

sin(θ) =1

(

z −1

z

)

,

o que muitas vezes resulta na integral de uma funcao racional de z sobre o cırculo unitario.Observe-se que apenas sobre o cırculo unitario e possıvel escrever as funcoes cos(θ) e sin(θ)de forma simples em termos de z. Se for possıvel localizar as singularidades da funcaoresultante e determinar os seus resıduos, entao sera possıvel determinar o valor da integral.Como um exemplo simples de calculo deste tipo, consideremos a integral real definida

I =

∫ 2π

0dθ

1

5 + 4 cos(θ).

Fazendo as transformacoes indicadas acima, obtemos

I =

∫ 2π

0ı z dθ

1

ı z

1

5 + 2(z + 1/z)

=

∫ 2π

0dz

1

ı

1

5z + 2(z2 + 1)

= −ı

dz1

5z + 2z2 + 2,

onde o circuito e o cırculo unitario. E preciso agora fatorar o polinomio em denominador.Usando-se a formula de Baskara nao e difıcil verificar que as duas raızes sao −2 e −1/2, deforma que temos

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I = −ı

dz1

2z2 + 5z + 2

= −ı

dz1

2(z + 2)(z + 1/2).

Apenas o polo dado por z = −1/2 fica dentro do circuito de integracao, de forma queapenas o seu resıduo R ira contribuir para a integral. Este resıduo pode ser calculado deforma muito simples atraves do limite

R = limz→−1/2

(z + 1/2)

2(z + 2)(z + 1/2)

= limz→−1/2

1

2(z + 2)

=1

−1 + 4

=1

3.

Segue que o valor da integral e dado, sem qualquer dificuldade, por

I = −ı 2πı R =2π

3.

Outro tipo de integral real onde o metodo de integracao por resıduos pode ser usado comgrande vantagem sao as integrais assintoticas, sobre todo o eixo real. Esta e uma dasaplicacoes mais comuns e uteis nos problemas da fısica. Como um exemplo tıpico decalculo de uma integral deste tipo atraves do teorema de resıduos, consideremos a inte-gral assintotica dada por

I = 2

0

1

x2 + 1dx.

Como o integrando e par, podemos escrever para a integral

I =

−∞

1

x2 + 1dx.

Podemos agora estender a funcao para valores complexos, de forma que temos a funcaoanalıtica

f(z) =1

z2 + 1=

1

z + ı

1

z − ı,

que tem dois polos simples, um em z = ı e outro em z = −ı . Tentamos agora construiruma integral de circuito fechado no plano complexo, que em algum limite reproduza aintegral real que queremos calcular. Considere para tal o circuito de integracao ilustradono diagrama que segue, consistindo do intervalo real [−R, R] e do semicırculo CR de raioR, que vai de θ = 0 a θ = π no semiplano superior.

Fig. 4: O plano complexo com o circuito formado pelo segmento e pelo semicırculo,incluindo o polo relevante.

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No limite em que R → ∞, a integral sobre o segmento do eixo real reproduz o eixo completo,que e o domınio de integracao da integral real original. A questao e saber o que aconteceneste limite com a integral sobre o semicırculo CR, que temos de somar a outra para poderfechar o circuito. Como sobre o semicırculo temos |dz| = R dθ e |z| = R, podemos escreverpara esta integral

CR

dz

z2 + 1

CR

|dz|

|z2 + 1|

=

∫ π

0

R dθ

|z2 + 1|.

Temos agora de analisar o comportamento do denominador. Partindo de (z2 + 1)− 1 = z2,temos que |(z2 + 1) − 1| = R2. Distribuindo o modulo na soma do lado esquerdo destaequacao, podemos escrever a desigualdade

R2 = |(z2 + 1) − 1| ≤ |z2 + 1| + | − 1| = |z2 + 1| + 1.

Segue disto que

|z2 + 1| ≥ R2 − 1.

Podemos portanto majorar nossa integral, trocando o fator no denominador por uma quan-tidade menor, R2 − 1. Com isto obtemos para a integral

CR

dz

z2 + 1

∫ π

0

R dθ

|z2 + 1|

∫ π

0

R dθ

R2 − 1

=R

R2 − 1

∫ π

0dθ

= πR

R2 − 1.

Como esta ultima forma da integral vai a zero quando R → ∞, segue que a integral sobreo semicırculo vai a zero neste limite, de forma que a integral sobre o contorno complexo defato se torna igual a integral real original. O contorno complexo, por outro lado, tem umunico polo simples no seu interior, o polo da funcao em z = ı . Segue que o resıduo nestepolo e dado por

limz→z0

(z − ı )f(z) =1

2ı.

A integral e portanto 2πı vezes este resıduo, ou seja, temos que I = π.Vamos terminar comentando sobre uma situacao especial que as vezes e de interesse nas

aplicacoes. Podemos nos perguntar o que acontece se um circuito fechado de integracaopassar bem em cima de uma singularidade. E claro que este caso nao esta incluıdo nashipoteses de nossos teoremas sobre integrais complexas em circuitos fechados, de forma queem princıpio nao podemos afirmar nada a respeito. A rigor, a integral simplesmente nao estabem definida, e isto e tudo que podemos dizer. Dependendo da direcao em que atravessamosa singularidade, ou da forma como tomamos limites ao longo da curva, pelos dois lados dasingularidade, em direcao a ela, a integral pode assumir muitos valores diferentes. Um casoreal analogo a isto seria, por exemplo, a integral de 1/x entre −1 e 1,

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∫ 1

−1dx

1

x.

Como a integral diverge para +∞ pela direita e para −∞ pela esquerda, dependendode como tomamos os limites pelos dois lados, podemos ajustar as coisas de tal formaque a integral tenha qualquer valor real que quisermos. Ha entretanto um caso especialparticularmente simples, pois se tomarmos os limites de forma simetrica, o resultado daintegral e identicamente nulo ao longo do limite, e portanto o limite e nulo,

limǫ→0

(∫

−ǫ

−1dx

1

x+

∫ 1

ǫdx

1

x

)

= limǫ→0

(

− ln |x|

[

−ǫ

−1

+ ln |x|

[ 1

ǫ

)

= limǫ→0

[− ln(1) − ln(ǫ) + ln(1) + ln(ǫ)]

= limǫ→0

0

= 0.

Esta forma especial de definir a integral da a ela um valor especial, que chamamos de valor

principal de Cauchy. Em muitos casos, integrais singulares podem ser tornadas regularesou regularizadas desta forma, atraves desta condicao adicional sobre como se deve tomar olimite, de tal forma que ainda podem ser usadas e manipuladas de forma util. Observe quepoderıamos fazer algo semelhante para integrar esta mesma funcao sobre toda a reta real,apesar de que a integral diverge tanto no zero quando em ±∞, pois temos que

limǫ→0,L→∞

(∫

−ǫ

−Ldx

1

x+

∫ L

ǫdx

1

x

)

= limǫ→0,L→∞

(

− ln |x|

[

−ǫ

−L

+ ln |x|

[L

ǫ

)

= limǫ→0,L→∞

[− ln(L) − ln(ǫ) + ln(L) + ln(ǫ)]

= limǫ→0,L→∞

0

= 0,

nao importando a ordem ou a maneira na qual se toma os dois limites, um em relacao aooutro. Podemos, por exemplo, tornar os limites simultaneos escolhendo a relacao L = 1/ǫentre estes dois parametros.

Vamos discutir aqui uma versao desta ideia que se aplica a integrais sobre contornosfechados no plano complexo. Imaginemos entao que temos uma integral sobre um circuitofechado que passa exatamente em cima de uma singularidade isolada. Podemos dar umadefinicao completa a integral deformando ligeiramente o contorno, de tal forma que elepasse de um dos dois lados da singularidade. Como a singularidade e isolada, podemosfazer isto sem atravessar nenhuma outra singularidade. Observe que a deformacao pode serarbitrariamente pequena, e de fato ate infinitesimal, como ilustra o diagrama que segue.

Fig. 5: O plano complexo com o circuito de integracao passando sobre uma singularidade,e as duas deformacoes que podem ser usadas para evitar o ponto de singularidade.

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Por outro lado, podemos fazer isto de duas formas diferentes, pois podemos passar de cadaum dos dois lados da singularidade, como ilustrado acima. Deformacoes adicionais quepermanecam apenas de um lado da singularidade nada mudam, mas aquelas que atravessama singularidade mudam de fato a integral, pois passam a incluir na integral, ou deixam deincluir nela, dependendo do lado no qual o circuito de integracao e fechado, a contribuicaodevida ao resıduo daquela singularidade.

Assim, podemos atribuir um valor especial a integral singular, de forma muito naturale intuitiva, procedendo da seguinte forma: primeiro deformamos o contorno um poucopara um lado, e calculamos o valor da integral, que passa a estar bem definida; depoisdeformamos o contorno um pouco para o outro lado, e calculamos de novo a integral;finalmente, levando em consideracao que a integracao e uma operacao linear, calculamosa media aritmetica dos dois valores obtidos para a integral. Este e o valor principal deCauchy para esta integral complexa singular. Como em um dos dois casos a singularidadenao contribui o seu resıduo a integral, enquanto no outro ela contribui com 2πı b1, ondeb1 e o seu resıduo, na media teremos como contribuicao a integral, da singularidade que eatravessada pelo contorno, o valor πı b1, segundo este criterio.

Tudo se passa como se tivessemos “cortado a singularidade ao meio”. Observe-se en-tretanto que esta divisao do resıduo em dois tem um carater topologico e nao geometrico.O formato da curva que passa em cima do polo nao importa, o que importa e apenas queuma das duas curvas que se desvia do polo passe por um lado dele, e a outra pelo outrolado. A curva original pode ate fazer um angulo, com o vertice sobre o polo, e portanto naoser diferenciavel naquele ponto, sem que isto mude em nada a situacao. Pode-se verificarque este criterio, aplicado a funcao complexa w(z) = 1/z, e equivalente a ideia de se tomarlimites simetricos, que foi discutida acima para a funcao real f(x) = 1/x. Deixaremos umexame mais detalhado diste caso paradigmatico para os exercıcios.

E importante manter em mente que nao se trata aqui de um valor inevitavel para aintegral, e sim de uma escolha, se bem que uma escolha muito especial e importante. Comoveremos mais tarde, esta escolha nos permite dar um significado preciso e consistente a, elidar corretamente com integrais que, de outra forma, nao teriam qualquer significado.

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