CARACTERIZAÇÃO E DINÂMICA DOS DEPÓSITOS DE...

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Memórias e Notícias, Publ. Mu;. Lab. Mineral. GeaI., Univ. Coimbra, n." 112, 1991 CARACTERIZAÇÃO E DINÂMICA DOS DEPÓSITOS DE INERTES DA PLATAFORMA CONTINENTAL NORTE-PORTUGUESA (1) POR RESUMO - A car tog rafia dos sedimentos s up erficiais da plataforma con- tinental norte-portuguesa co nduziu à delimitação de dois depósitos de iner- tes que abrangem \lma área de cerca de 675 Km2, correspondendo 305 1(m 2 a depó s ito s cascalhentos e a área restante a depósitos arenosos. O estudo do potencial de pela agitação marítima das partículas que os co nstituem parece co nfirmar o seu car ácter eminentemente relíquia. As car acterísticas de stes depósitos (baixo conte údo em finos e em carbonatos, ca rácter relíquia, profundidade , etc .) permitem antever a possibilidad e da s ua exploração futura para diferentes utilizações, nomeadamente constru- ção civil e realimentação de praias. Todavia, as eventuais explorações deverão ser precedidas de c uidados estudos de impacte ambiental. ABSTRACT -- Characterization and dynamics of the aggregate depo.its of the north portuguese continental shelf. The mapping of the sediment cover of tbe north portuguese continental shelf led to the detection of two aggregate de posits , with a surface of aro und 675 Km 2 . 45 % of that a rea is occupiecl by gravelly deposits a nd the remainder co rresponds to sandy deposits. Tlle evaluation of the wav e -induced poten ti al of remobilization of the parti cles forl1lin g them appears to co nfinll their relict character. The possibility of future explo ita- tion of tllese clepos its for diferent uses, nal1lely civil builcling and beach nourishl1lent, is accounted for by their chara cteristics (low co ntent in car- (1) Contribuição A22 do programa DISEPLA (projectos DISEPLA, ]NICT n.O 692/90 e PROCOST, ]NICT n D 714/90). (2) Bolseiro ]NICT / MLMGUL, R. ela Escola Polité cnica, 58, 1200 Lisboa, Portugal. (") Instituto Hidrográfico , R . elas Trinas, 49 , 1200 Lisboa, Portugal. (4) DGFCUL, Bloco C2, 5. o piso, Campo Grande, 1700 Lisboa, Portugal.

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Memórias e Notícias, Publ. Mu;. Lab. Mineral. GeaI., Univ. Coimbra, n." 112, 1991

CARACTERIZAÇÃO E DINÂMICA DOS DEPÓSITOS DE INERTES DA PLATAFORMA CONTINENTAL

NORTE-PORTUGUESA (1)

POR

RESUMO - A cartografia dos sedimentos superficiais da plataforma con­tinental norte-portuguesa conduziu à delimitação de dois depósitos de iner­tes que abrangem \lma área de cerca de 675 Km2, correspondendo 305 1(m2

a depósitos cascalhentos e a área restante a depósitos arenosos. O estudo do potencial de remobiliza~ão pela agitação marítima das partículas que os constituem parece confirmar o seu carácter eminentemente relíquia. As características destes depósitos (baixo conteúdo em finos e em carbonatos, carácter relíquia, profundidade, etc .) permitem antever a possibilidade da sua exploração futura para diferentes utilizações, nomeadamente constru­ção civil e realimentação de praias. Todavia, as eventuais explorações deverão ser precedidas de cuidados estudos de impacte ambiental.

ABSTRACT - - Characterization and dynamics of the aggregate depo.its of the north

portuguese continental shelf. The mapping of the sediment cover of tbe north portuguese continental shelf led to the detection of two aggregate deposits, with a surface of aro und 675 Km2 . 45 % of that a rea is occupiecl by gravelly deposits and the remainder corresponds to sandy deposits. Tlle evaluation of the wave-induced potential of remobilization of the parti cles forl1lin g them appears to confinll their relict character. The possibility of future exploita­tion of tllese cleposits for diferent uses, nal1lely civil builcling and beach nourishl1lent, is accounted for by their characteristics (low content in car-

(1) Contribuição A22 do programa DISEPLA (projectos DISEPLA, ]NICT n.O 692/90 e PROCOST, ]NICT n D 714/90).

(2) Bolseiro ]NICT / MLMGUL, R . ela Escola Politécnica, 58, 1200 Lisboa, Portugal.

(") Instituto Hidrográfico, R . elas Trinas, 49 , 1200 Lisboa, Portugal. (4) DGFCUL, Bloco C2, 5. o piso, Campo Grande, 1700 Lisboa, Portugal.

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banates al1ll in m ud, relict cha racter, depth , etc.). However, the passible explaitat ia n sha nlcl be prececlecl by cletailecl stuclies af environmental impacto

INTRODUÇÃO

o aumento da procura de cascalho e areia nos países mais desenvolvidos, provocado pelo forte crescimento industrial e urbano, a progressiva diminuição das reservas no continente, os conflitos de utilização dos terrenos susceptíveis de instalação rentável de areeiros, os impactes ambientais negativos frequentemente indu­zidos por estas explorações, o aumento dos conhecimentos sobre a cobertura sedimentar das plataformas continentais e a amplia­ção da eficácia das técnica s de dragagem têm levado a que a exploração de ca~calhos e areias de~tas áreas submersas se t enha vindo progressivamente a generalizar a um número crescente de países.

Em bora as explorações ele inertes submarinos constituam actualmente prática corrente em quase todos os países industriali­zados (e.g., Reino Unido , França, Holanda, Noruega, Estados Unidos e Japão), o peso que estas produções apresentam na tota­lidade do consumo é, ainda, pequeno (AUGRIS e CRESSARD, 1984). Todavia, es tas explorações não tradicionais t êm forte tendência a aumentar , quer em número, quer em volumes extraídos.

Se bem que em Portugal ainda não se coloquem problemas graves de abastecimento do mercado em inertes, é de prever qu e tais problemas se possam vir a colocar num futuro relativamente próximo, à medida que os jazigos tradicionais se forem esgotando c a legislação de protecção do ambiente se for tornando mais rigorosa . Nestas circunstâncias, os depósitos submarinos, actual­mente consIderados, segundo a classificação de MCK ELVEY (1968) , como recursos subeconómicos (sub ou paramarginais), serão objecto de exploração crescente.

A exploração de inertes provenientes de jaúgos submarino~

deverá ser precedida de cuidadosos estudos de impacte ambiental, o qual se relaciona, essencialmente, com:

a) a eventual interrupção de ciclos sedimentares actualmente activos ;

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b) o conteúdo dos depósitos em materiais finos, que são ressuspensos no decurso da exploração, aumentando a turbidez das águas. Essa turbidez provoca, entre outros, a redução na penetração da luz, o que pode induzir efeitos secundários na fauna, nomeadamente na que se encontra associada a algas cujo crescimento fica, assim, afectado (SHELTON, 1973) ;

c) a destruição das comunidades bentónicas e ictiológicas (OTTMAN, 1985 ; C NESSARD , 1989) ;

d) perturbações nas correntes de fundo; e) a criação de zonas «acidentadas)}, que podem constituir

um obstáculo à pesca por arrasto (CRESSARD, 1989);

J) a destruição dos ambientes nos qu.ais as larvas vivem e realizam as suas metamorfoses (COUSTEAU e colabora­dores , 1980);

g) nalguns casos, o eventual aumento da produtividade biológica (SHELTOl'i, 1973; CRESSARD, 1989) .

No entanto, as explorações de jazigos submarinos podem também, eventu.almente, induzir impactes positivos. Aponta-se, a título meramente exemplificativo, o caso de explorações subma­rinas na Noruega, ol1<fe a exploração de cascalhos no Báltico conduziu a um melhoramento do ambiente e a um acréscimo su.bstancial das populações piscícolas (HILL, 1974).

O conhecimento dos tipos de impacte ambiental provocado pela exploração de inertes, em virtude da sua complexidade, implica uma análise cuidada que exige a utilização de estudos de carácter multidisciplinar.

TRABALHOS ANTERIORES

o primeiro trabalho sobre inertes submarinos em Portugal é o de DIAS et aI (1980), para o qual foi utilizada uma amostragem que apenas viabilizou um reconhecimento muito genérico dos principais depósitos de areia e cascalho existentes na globabilidade da plata­forma continental portuguesa . O reconhecimento mais pormenori­zado de um depósito localizado a SvV de Peniche aparece um ano mais tarde (DIAS et aI., 1981) .

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Foi apenas uma década após es tes trabalhos precursores que o tema voltou a ser objecto de publicação, tendo lVIAGALHÃES et alo (1991) procedido à delimitação de depósitos de inertes susceptíveis de eventual exploração económica e efectuado uma primeira estimativa de reservas, baseados numa malha de amostragem de sedimentos superficiais bastante densa (1 milha quadrada) e em vários milhares de quilómetros de reflexão sísmica ligeira e de sonar de pesqui~,a lateral.

O presente trabalho constitui um desenvolvimento do ante­riOl'mente referido, incluindo elementos que poderão ser úteis para um futuro estudo de impacte ambiental e para a definição de uma eventual estratégia de exploração,

DELIMITAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS DEPÓSITOS

A metodologia conducente à delimitação dos depósitos de inertes submarinos encontra-se pormenorizadamente descrita em :\1AGALHÃES et alo (1991). Os trabalhos de mar consistiram essen­cialmente na colheita de amostras de sedimentos superficiais com colhedores tipo <<Van Veem, <<Shipeckl) e <<Smith lVIcIntyrel), e na realização de perfis ele reflexão sísmica ele alta definição (fig. 1).

Os métodos laboratoriais consistiram na análise t extural das amostras colhida~, na análise composicional elas fracções areia e cascalho, e na determinação da percentagem de carbonato de cálcio existente nas amostras.

A interpretação dos perfis de reflexão sísmica ligeira permitiu, por um lado , a delimitação pormenorizada da zona ele rocha e, por outro, a elaboração ele mapas interpretativos, nomeadáment e mapas de isópacas da formação sísmica mais recente.

No trabalho anteriormente referido encontram-se ainda refe­ridas as características médias dos depósitos de inertes .

Os depósitos de inertes (fig. 2), que abrangem uma área de cerca de 675 Km2 e possuem reservas potenciais bastante signifi­cativas, apresentam baixos conteúdos médios em partículas silto­-argilosas (inferior a 2 %) e em carbonatos (geralmente inferior a 5 %). Por seu turno, os depósitos cascalhentos (fig . 3) , que ocupam uma área da ordem de 305 Km2, apresentam baixos conteúdos médios em partículas silto-argilosas (em geral, inferior a 2 %) e em materiais carbonatados (geralmente da ordem dos 5 %), estando

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as profundidades a que se localizam (em média, entre 30 e 60 m) gwalmente no domínio da capacidade de actuação rentável das dragas actuais. Saliente-se que, apesar de os depósitos de inertes existentes na área se prolongarem para menores profundidades, foi considerada a profundidade de 20 m como limite inferior de exploração , para evitar impactes negativos no litoral.

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F ig. 1 - Mapa de amostragem e perfis sís­micos realizados (MAGALHÃES et al. , 1991 ).

Os depósitos arenosos (fig. 4), que ocupam uma área da ordem de 3701\.m2, apresentam também boas características, nomeada­mente no respeitante ao teor em finos e em carbonatos.

As áreas ocupadas por areias e cascalhos são semelhantes, 110

caso do depósito Norte de inertes; no caso do depósito Sul, a área

19 - - l\Iemó1'1as e Notídlls - N .o 112

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ocupada por areias é consideravelmente maior do que aquela que , é ocupada por cascalhos (fig. 5).

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Fig. 2 - Distribuição dos depósitos de inertes. A potencialidade de exploração varia inversa­mente com o conteúdo em finos e carbonatos

(MAGALH.t;.ES et aI., 1991) .

Areas ocupadas por areias e cascalhos (Km2)

Depósito de inertes Cascalho Areia

Depósito Norte 133 116.2

Depósito Sul 166.8 258.8

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REMOBILIZAÇÃQ DE PARTÍCULAS E CARÁCTER DOS DEPÓSITOS

o impacte sobre o meio físico induzido pela exploração de inertes submarinos poderá certamente ser minimizado se o jazigo explorado for constituído por sedimentos relíquia. Efectivamente, estando os depósitos ~m desequilíbrio com as condições actuais, a sua exploração não provocará, em princípio, rupturas importantes ao nível do transporte sedimentar e do equilíbrio sedimentológico da plataforma. Assim os depósitos de inertes sujeitos a exploração devem ser, preferencialmente, depósitos relíquia.

0900w

PI

DEPÓSITOS DE CASCALHO

rn CASCAl~ t,;:jI ARENOSO

~ CASCAlHO

~ RIO üQU/ólO

\\/

~

Fig. 3 - Distribuição dos depósitos cascalhen­tos (MAGALHÃES et ai., 1991) .

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o carácter relíquia dos sedimentos pode eventualmente ser avaliado através da averiguação do potencial de remobilização das partículas constituintes dos referidos depósitos pela agitação marítima, ai qual é, provavelmente, o factor mais importante na referida remobilização. É de salientar que a remobilização de partí­culas não implica, forçosamente, uma resultante de transporte efectivo não nulo. As partículas podem ser remobilizadas pela pas~'agem de ondas superficiais, sendo eventualmente sujeitas a um movimento de vai-e-vem em tomo de uma posição intermédia, sendo nula a resultante do transporte.

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Fig. 4 - Distribuição dos depósitos arenosos (MAGALHÃES el. al., 1991).

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Na determinação do potencial de remobilização utilizou-se um modelo (TABORQA et al., 1991), baseado na formulação de KOlVIAR c MILLER (1973, 1975), o qual, apesar das suas limitações (considerar apenas a acção da !mdulação, desprezando a presença de correntes sobrepostas, e a existência de fundo planar e horizontal homogéneo constituído por partículas não coesivas), tem sido aplicado com sucesso na estimativa de condições sob as quais o sedimento de fundo é remobilizado.

Depósitos de inertes

Depósito Norte Depósito Sul

LJ Areia ~ Cascalho

Fig. 5 - Relação entre as áreas ocupadas por areia e cascalhos.

Este modelo foi aplicado à plataforma estudada usando vários regimes de agitação marítima.

O resultado da aplicação do referido modelo no caso da ondu­lação mais frequente, caracterizada por período de 8s e altura de 2m

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(PIRES e PESSANHA, 1986) , de direcção \lV20° N, encontra-se repre­

sentado na fig . 6. Nesta figura encontram-se representadas, na escala <P, para além das médias granulométricas dos depósitos cascalhentos, as isolinhas do diâmetro máximo remobilizado. A sua anális~ permite concluir que o cascalho não é remobilizado ,

enquanto que a fracção areia apenas o é parcialmente. O depósito cujas partículas são, aparentemente, menos susceptíveis de remo­

bilização por estas condições de ondulação é o depósito PI, simul­taneamente o mais grosselfo e aquele que se situa a uma profun­didade maior.

0900w

PI.

T = as H = 2m W200N

~ -1 a -2 ~

O > -1"

Fig. 6 - Média granulométrica dos depósitos cascalhentos e isolinhas do diâmetro máximo remobilizado pela ondulação mais frequente.

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A figura 7 representa as isolinhas do diâmetro máximo remo­bilizado para uma ondulação de direcção W20° N com período de 15 segundos e altura de 4m, situ.ação que pode ser considerada como de temporal. Verifica-se que, sob estas condições, embora as areias possam ser remobilizadas de forma significativa, os cascalhos ape­nas o são parcialmente. Efectivamente, os cascalhos dos pequenos depósitos ~2, P3 e P4 apresentam elevado potencial de remobili­zação por este tipo de ondulação. No entanto, os do depósito PS só parcialmente são remobilizados , atingindo essa remobilização, essencialmente, os cascalhos finos. Os cascalhos do grande depó­sito PI praticamente não são afectados por estas condições, muito energéticas, de agitação marítima superficial.

Foram também ensaiadas outras situações, nomeadamente as que correspondem a condições de agitação marít ima ocorrentes durante tempestades de grande intensidade (T > 17 s e H > 8 m) . Nas referidas situações ocorre remobilização da grande maioria ou mesmo da totalidade das partículas, como seria de esperar.

O facto de as areias e principalmente os cascalhos não serem remobilizados pela ondulação mais frequente, ocorrente durante a maior parte do ano, e de apenas o serem parcialmente por tempo­rais não excepcionais, constitui mais um indício do carácter emi­nentemente relíquia dos depósitos. Outros indícios que apontam para a mesma conclusão são a geometria destes depósitos, o facto de se encontrarem ladeados a ocidente e a oriente por depósitos mais finos (o que, segundo EMERY (1968), é u.m critério indicativo da origem relíquia destes depósitos) e o aspecto da superfície das partículas que os constituem.

Estes depósitos apresentam características que indicam não se encontrarem em equilíbrio com a dinâmica actualmente ocor­rente na plataforma, estando provavelmente relacionados com períodos nos quais o nível do mar se encontrava a níveis mais baixos que actualmente, provavelmente há 11000 anos, quando o nível do mar se encontrava a cerca de 60 m abaixo do actual.

De acordo com a terminologia de McMANUS (1975), autor que tentou sistematizar a classificação dos sedimentos em bases essen­cialmente dinâmicas, os sedimentos correspondentes a estes depó­sitos podem ser denominados, de uma maneira geral, por «palimp­sestos» , que constituem depósitos relíquia contendo principalmente

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partículas anteriormente chegadas à bacia de deposição, incluindo também algumas partículas para aí transportadas actualmente.

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6.\ \ I

1-jlooN

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Fig. 7 - Média granulol11étrica dos depósitos cascalhentos e isolinhas do r1iâl11etro máx im.o rel110bilizac1 o por um temporal não excepcional.

CONCLUSÕES

o trabalho efectuado permitiu delimitar depósitos de inertes susceptíveis de eventual exploração económica. Existem, funda­mentalmente, dois depósitos de inertes que abrangem uma área de 675 K m2, com reservas potenciais bastante significativas.

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A existência de várias instalações portuárias (Porto, Leixões, Vila do Conde, Viana do Castelo~ etc.) e de vários rios nas proximi­dades destes depósitos, bem como a sua adjacência a vários polos consumidores importantes (cidades e zonas industriais), aumentam a viabilidade económica da sua exploração e impõem-nos como alternativa aparentemente válida às explorações tradicionais .

As areias e principalmente os cascalhos destes depósitos ape­nas são remobilizadas (o que, todavia, não implica forçosamente uma resultante de transporte efectivo não nulo) em período de temporais, durante períodos de tempo inferiores a 5 % do ano, o que confirma o carácter eminentemente relíquia destes depó­sitos, os quais não se encontram em equilíbrio com a dinâmica actual.

Os estudos efectuados permitem antever a possibilidade da exploração futura destes depósitos.

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