Cea 583 23 e Pena Seres Mulato Ensaio Sobre Relacoes Raciais

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    Cadernos de EstudosAfricanos23 (2012)

    Varia e Recenses

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    Gabriel Mith Ribeiro

    Pena Seres Mulato!: Ensaio sobrerelaes raciais................................................................................................................................................................................................................................................................................................

    AvisoO contedo deste website est sujeito legislao francesa sobre a propriedade intelectual e propriedade exclusiva

    do editor.Os trabalhos disponibilizados neste website podem ser consultados e reproduzidos em papel ou suporte digitaldesde que a sua utilizao seja estritamente pessoal ou para fins cientficos ou pedaggicos, excluindo-se qualquerexplorao comercial. A reproduo dever mencionar obrigatoriamente o editor, o nome da revista, o autor e areferncia do documento.Qualquer outra forma de reproduo interdita salvo se autorizada previamente pelo editor, excepto nos casosprevistos pela legislao em vigor em Frana.

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    Referncia eletrnicaGabriel Mith Ribeiro, Pena Seres Mulato!: Ensaio sobre relaes raciais , Cadernos de EstudosAfricanos[Online], 23 | 2012, posto online no dia 26 Julho 2012, consultado o 18 Dezembro 2014. URL : http://cea.revues.org/583 ; DOI : 10.4000/cea.583

    Editor: Centro de Estudos Internacionaishttp://cea.revues.orghttp://www.revues.org

    Documento acessvel online em: http://cea.revues.org/583Este documento o fac-smile da edio em papel. Centro de Estudos Africanos do ISCTE - Instituto Universitrio de Lisboa

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    Cadernos de Estudos Africanos (2012) 23, 21-51 2012 Centro de Estudos Africanos do ISCTE- Instituto Universitrio de Lisboa

    P S M!:

    E b

    Gabriel Mith Ribeiro

    Instituto Universitrio de Lisboa (ISCTE-IUL) -

    Centro de Estudos Africanos - IUL, [email protected]

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    pena seres mulato!: Ensaio sobre relaes raciais

    O texto analisa a racializao da sociedade moambicana em torno das demarcaes

    entre a esmagadora maioria negra e a minoria mestia/mulata. O fenmeno social oscila

    entre a aceitao mtua (carga neutra) e a elaborao de esteretipos depreciativos tambm

    mtuos (carga negativa). Dos esteretipos dos mulatos objecto da anlise destacam-se o de serem lhos de uma quinhenta (perodo colonial); mulato no tem bandeira

    (gerado na conjuntura de transio para a independncia em 1974-1975); e mulato ou

    mecnico ou ladro (gerado na transio do monopartidarismo e da guerra para a paz

    e o multipartidarismo na primeira metade da dcada de noventa). A instrumentalizao

    simblica da minoria mulata tem servido para domesticar ansiedades colectivas da po-

    pulao negra.

    Palavras-chave: mestiagem, Moambique, mulatos, negros, racismo, represen-

    taes sociais

    Its a pity youre a mulao!: An essay on race relations

    This text examines the racialization of Mozambican society around the social bounda-

    ries between the overwhelming black majority and the mestizo/mulao minority. This

    phenomenon varies between mutual acceptance (neutral meaning) and mutually deroga-

    tory stereotypes (negative meaning). Certain negative stereotypes associated with thegure of the mulao include, the mulao has no national ag (which dates from the

    transition to Mozambiques independence, 1974-75) and the mulao is a mechanic or a

    thief (which dates from the rst half of the 1990s, during the transition from a wartime

    one-party state to a post-conict multiparty system). In this paper, I will propose that

    the symbolic instrumentalization of the mulao minority has been useful to tame the

    anxieties of the black majority.

    Keywords: miscegenation, Mozambique, mulao, black people, racism, social

    representations

    Recebido 12 de fevereiro de 2012; Aceite para publicao 15 de abril de 2012

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    pena seres mulato!1

    O texto constitui uma pea de uma investigao emprica mais ampla ain-da em curso, essencialmente assente em discursos de senso comum sobre re-

    laes raciais em Moambique. No vivel, neste contexto, desenvolver oenquadramento terico e metodolgico da investigao que, na essncia, remetepara o domnio do pensamento social e, neste mbito, centra-se na teoria e con-

    ceito de representaes sociais na perspectiva de Serge Moscovici (Moscovici,2000; Ribeiro, 2008). O estudo suportado por uma metodologia de recolha etratamento de dados eminentemente qualitativa: entrevistas semi-directivas (80

    realizadas nas cidades de Maputo e Matola)2, observao participante, registosescritos diversicados3. O trabalho de campo decorreu entre abril e agosto de

    2010 e janeiro e abril de 2011.As mestiagens constituem um dos factores estruturantes do tecido social

    moambicano. O fenmeno remete tanto para a longa durao, quanto para oenvolvimento de parcelas signicativas da populao. Destaco as miscigenaes

    inter-tnicas espoletadas pelos estados e imprios africanos anteriores ocu-pao colonial efectiva; o impacto da presena multissecular de migraes dondico (rabes e indianos, entre outros) que se foram xando na extensa zona

    costeira de Moambique, legando a marca islmica que foi avanando do litoral

    para o interior, em particular na regio norte; a presena de europeus cuja domi-nao colonial efectiva, iniciada em nais do sculo XIX, acelerou continuamenteas tendncias de miscigenao anteriores, reforando a componente crist; so

    1 Frase dita a um escritor e acadmico moambicano por um admirador negro numa recepo ocial. Numaoutra conversa privada, algum com funes polticas de elevada responsabilidade considerava-o a pessoamais indicada para o exerccio de determinado cargo pblico, porm lamentou-se: Eh p!, no tens a cornecessria....2 Dada a sensibilidade do tema e as caractersticas da sociedade em causa na qual o poder do Estado ou dasentidades patronais pode, em situaes pontuais, traduzir-se em consequncias negativas para quem manifestecertas opinies, adopto o critrio de proteger as identidades dos entrevistados, informando-os dessa opo. Sou

    ainda parcimonioso na divulgao de elementos identicativos das entrevistas, posto que o que est em causa a anlise de tendncias gerais do pensamento social. Pelas mesmas razes, deixo aos entrevistados a deciso dagravao da conversa. Alguns preferem no gravar. Nesses casos, procedo a breves anotaes para no perturbara dinmica do dilogo e, logo a seguir entrevista, registo de memria os dados relevantes da mesma do modomais exaustivo possvel e, por vezes, frases textuais. Nunca realizo uma nova entrevista sem proceder ao registocompleto da anterior.3 O tratamento do conjunto das recolhas (entrevistas, registos de conversais informais, de situaes deobservao participante ou tradues de uma lngua nacional para o portugus) implica alguma exibilidademetodolgica. Valorizo de igual modo tanto os registos gravados e total ou parcialmente transcritos, contendo oque de facto foi dito, quanto os registos escritos diferidos. Em certos casos elaboro expresses-tipo ou ideias-tipono sentido weberiano, formulaes abstractas, porm fortemente sustentadas no conjunto do material empricode que disponho. Ter como matria-prima discursos de senso comum implica estratgias como as que adoptopara captar e analisar o que subjectivo, mas decisivo, na vida das sociedades: o pensamento de senso comum.

    Fao minhas as palavras do psiclogo social Serge Moscovici: Methods are only means toward an end. If they becomean end or a criterion of the selection of topics and ideas, then they are just another form of professional censorship. So you can

    call me a methodological opportunist and I will not feel insulted (Moscovici & Markov, 2000, p. 268).

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    ainda de ter em conta os sistemas de reproduo socioeconmicos tradicionaisque subsistem e pautam a diversidade social moambicana.

    Todavia, por opo deliberada, esta pesquisa afunila esse conjunto vasto defenmenos de miscigenao numa nica dimenso, a da mestiagem racial. Tal

    escolha sustenta-se no facto de as pertenas raciais constiturem referentes im-portantes (Cabecinhas, 2007), pois nunca foi indiferente, em Moambique colo-nial ou ps-colonial, ser-se negro, mulato, branco, indiano ou chins. Nessesentido, trata-se de uma sociedade marcadamente racializada, mas sem que essa

    caracterstica dos diferentes segmentos sociais gere tenses raciais particular-mente salientes.

    Moambique, como outras sociedades da periferia do sistema-mundo, tem a

    particularidade de a fragmentao racial ser um fenmeno das elites e das classes

    mdias (onde ponticam a elite negra e sobretudo as diversas minorias raciais,entre brancos4, mestios, indianos ou chineses), no das classes baixas (homo-

    geneamente negras). Como as situaes de potencial tenso racial tendem a con-centrar-se nas classes mdias e nas elites e como estas pesam pouco na estruturasocial e demogrca, o mesmo acontece com as tenses raciais.

    De resto, em particular entre as pessoas desfavorecidas negras, as avaliaessobre as minorias raciais so tendencialmente positivas. A razo essencial tem aver com o problema do desemprego ser muito sensvel, sendo que as minorias

    raciais (brancos, indianos, chineses) surgem invariavelmente conotadas coma criao de postos de trabalho. Embora essa situao no constitua, em si, obs-tculo existncia de tenses raciais em grande parte circunscritas ao mundolaboral, a verdade que, na actualidade ou no passado, globalmente o contexto

    social moambicano tem sido favorvel armao de minorias raciais.O contributo de estudos sobre relaes raciais o de permitir perceber se se

    trata de uma tendncia que se sedimentar ou se, pelo contrrio, a racializao

    da sociedade moambicana ganhar contornos diferentes no futuro. Neste mo-

    mento no parece possvel lanar hipteses consistentes que respondam com se-gurana a essa questo.

    Mestio, misto ou mulato

    No pensamento de senso comum moambicano, entre a categorizao dosnegros (o extremo endgeno) e a categorizao dos brancos (o extremo exgeno),

    reconhece-se a existncia de um segmento mestio autnomo em relao aos dois

    4 No caso dos brancos rero-me aos originrios ou descendentes de europeus. Tratarei do assunto especica-mente num prximo texto.

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    primeiros, uma espcie de fronteira. A predominncia de tal representao socialpode ser interpretada como sintoma de uma sociedade aberta ao mundo, mas

    que se demarca desse mundo pela delimitao simblica das fronteiras da mes-tiagem. Esta anlise visa, precisamente, caracterizar o espao da mestiagem na

    sociedade moambicana.Estando em causa o elemento mestio ou misto, a ideia remete para o con-

    junto de indivduos que possuem uma qualquer ascendncia aliengena que, emalgum momento, se cruzou com os autctones e/ou com outros grupos raciais

    minoritrios. Em tecidos sociais marcados por uma forte, secular e diversicadaimigrao, como o caso, a categoria revela-se demasiado imprecisa. Por issomesmo, numa pesquisa emprica sobre relaes raciais a transformao dos ter-

    mos mestio ou misto em conceitos com os quais se possa operar difcil,

    posto que tais termos no so particularmente ecazes para o senso comum. Emvez deles, emergem categorias raciais mais precisas que se tornam mais apelati-

    vas para os indivduos. Atravs delas a noo de mestiagem racial assume tipi-caes concretas, no sentido de se constiturem objectos de atitude (segundoEagly & Chaiken [1993], aquilo que avaliado pelos indivduos entre um extre-

    mo positivo e um extremo negativo). Com elas os indivduos operam com muitomaior facilidade (cf. McGarty, 1999). assim que o referente mulato o quemelhor permite operacionalizar a noo de mestiagem racial. Tratarei, portan-

    to, das representaes sociais dos mulatos moambicanos (cf. Moscovici, 2000[1984]; Moscovici & Vignaux, 2000 [1994]; Ribeiro, 2008).

    A melhor forma de se categorizar o objecto de atitude mulato associ-lo aoutros segmentos raciais prximos, concretamente aos monhs, baneanes ou

    canecos (os ditos indianos). Face a um arco-ris de cores de pele que permiti-ria, em Moambique, constituir uma fronteira ampla e de muito difcil denioentre o negro e o branco, torna-se invivel o recurso a categorizaes rgidas. O

    caminho mais seguro o de se avanar usando como suporte o conceito de tipo

    ideal (ou ideal-tipo) proposto por Max Weber (1997 [1909-1913], pp. 38-41). Issoimplica que se parta de abstraces do que se pode entender por mulato(ou

    monh, por contraposio), tipicaes que depois tm de ser mitigadas me-dida que nos aproximamos da realidade emprica propriamente dita.

    De um episdio quotidiano ocorrido na cidade de Maputo (2010) registei uma

    expresso sintomtica: Quem lixou esse mulato foi um monh a.Com isso pretendo sublinhar que uma das mais simples denies do mu-

    lato a de no ser monh e vice-versa. Os dois termos so profusamente uti-

    lizados nos discursos de senso comum em Moambique sem se sobreporem. Anvel cognitivo constituem categorias do pensamento social por se apresentarem

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    como mutuamente exclusivas. O que pode ser discutvel o leque de atributosde cada uma dessas categorias. Se a cor de pele intermdia (nem negra, nem

    branca) no deixa de ser tida em conta nas avaliaes de senso comum, ela sempre ponderada pela salincia conferida a outros atributos. Neles destacam-se

    os comportamentos e atitudes considerados dominantes em cada segmento, so-bretudo os conotados com crenas e prticas religiosas. O monh associado religio islmica ou hindu e tido como originrio ou descendente de gentes dondico. O mulato representado como um (sub)produto cristo do Ocidente.

    Para alm da componente exgena/imigrante nos dois casos, ao mulato que,entre os negros, reconhecida uma mais bvia miscigenao com africanos ne-gros. Portanto, na perspectiva da maioria, no sendo nenhum dos dois como

    ns negros, os mulatos tendem a ser representados mais como nossos e os

    monhs muito mais como outros ou exgenos.Quando acontece existir uma componente catlica em segmentos originrios

    do ndico, no geral so designados por canecos, embora este segmento quasenunca seja referenciado pelas pessoas desfavorecidas, ou seja, trata-se de uma ti-picao que funciona sobretudo no interior dos mestios. Neste caso, se a ascen-

    dncia conotada com a ndia, trata-se da antiga ndia Portuguesa (Goa, Damoe Diu), o que lhes confere uma forte ligao matriz cultural portuguesa colonial.Da a que a mestiagem esteja na gnese dos canecos por cruzarem um tipo

    racial tipicamente indiano com uma matriz cultural muito identicada coma portuguesa, traduzindo-se, para alm do catolicismo, no uso da lngua portu-guesa como idioma materno e em hbitos de vida prximos do tipo portugus.Logo, os canecos, quando so reconhecidos enquanto tal, so, ainda assim,

    mais prximos dos mulatos no sentido de partilharem, de alguma forma, amoambicanidade do que os islmicos ou hindus monhs, estes com maiorfacilidade excludos da moambicanidade.

    De qualquer modo, a complexidade dos uxos imigratrios, em especial os

    de longa durao, tornam relativamente uidas as categorias raciais referidas.Para citar outro dado, parte do segmento mulato tem ascendncia branca, mas

    rabe ou chinesa (o caso do misto-china que, em poucas geraes, se torna maismisto ou mulato do que china).

    Em sntese, a distino entre mulatos e monhs na sociedade moambi-

    cana, mais do que da cor da pele, depende da matriz religiosa (cristos/catlicosversusislmicos ou hindus) e da ascendncia exgena (ocidente europeu versusndico).

    Registo ainda que em Moambique recorrente a hiptese, transformada como tempo em crena, de a raiz histrica do termo mulato derivar da ancestral

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    palavra mula, resultado do cruzamento entre o nobre cavalo e o desprezvelburro. Esse pressuposto conferiu, desde sempre, carga pejorativa ao objecto so-

    cial visado porque aponta para a animalizao de um determinado segmentosocial que remete, logo partida, para a depreciao simblica do negro em re-

    lao ao branco. Elementos sucientes para transformarem o termo mulatonuma frmula automtica de invocao de uma depreciao racial primria ou,pelo menos, a palavra cou conotada de raiz com uma intolervel grosseria notrato social.

    O problema que a opo pelos termos mestio ou misto, ainda que jus-ticvel, deixa de o ser enquanto termo categorizado com maior preciso no pen-samento de senso comum. A esse nvel o termo mulato bem mais ecaz. Da

    a minha opo.

    O lugar do mulato nos discursos das elites

    Por paradoxal que possa parecer, os visados em geral no manifestam inc-

    modos em autoclassicar-se como mulatos, nem tal aliao identitria ali-menta autoconceitos negativos. Na perspectiva dos prprios, tende at a ocorrero contrrio. Uma das teses que recolhi em alguns discursos (quer em entrevistas

    formais, quer em situaes de observao participante) indiciadoras do sentido

    de autodefesa dos membros desse segmento racial a de sublinharem quea ten-dncia do mundo a de o mulato predominar, mesmo nos pases europeus.A frase funciona tambm como auto-reforo positivo precisamente por no se

    sustentar em evidncias convincentes.As referncias, nos discursos dos mestios/mulatos moambicanos, ao

    Brasil-mulato constituem tambm fontes especulativas do seu auto-orgulho.

    Permitem a projeco vitoriosa do seu prprio grupo racial num outro espao,longnquo, mais simblico do que factual, que, por isso mesmo, permite supor

    que o segmento se armou de forma positiva l e isso supostamente reco-nhecido em todo o mundo. Detecta-se at, ao nvel das representaes do Brasilentre os mestios/mulatos moambicanos, uma tendncia de longa durao.Ela prende-se com as expectativas positivas que esse outro hipottico modelo

    de sociedade de referncia pela armao cultural do Brasil no mundo podeexercer sobre os equilbrios raciais na sociedade moambicana.

    O desiderato manifestou-se de forma consequente no discurso de um dos

    membros da elite mestia (ou mulata) que aderiu causa nacionalista e de-

    sempenhou cargos relevantes no regime ps-colonial, durante a governao deSamora Machel (1975-1986). Explicou o entrevistado que, ainda antes dos anos

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    sessenta do sculo XX, quando se foi aproximando dos movimentos de esquer-da antifascista portugueses que tiveram expresso residual na ento colnia de

    Moambique e, mais tarde, quando se identicou com a resistncia anticolonialliderada pela FRELIMO, a ideia de uma sociedade moambicana racialmente mis-

    cigenada seguindo o suposto modelo social do Brasil fazia para ele muito sentidonum hipottico futuro ps-colonial do seu pas africano. Sublinhou o impactonele, ainda na poca colonial, de alguns romances de Jorge Amado5, lidos entona clandestinidade. No entanto, essa expectativa acabou desvirtuada, segundo o

    entrevistado, pelo rumo que o processo de transio de Moambique para a inde-pendncia acabou por assumir em meados dos anos setenta, marcado pela fuga(no considerou que tivesse havido uma expulso) em massa dos colonos bran-

    cos. Se a diversidade racial ao nvel da aco governativa ainda assim se manteve

    equilibrada na primeira dcada ps-colonial, tem vindo a transformar-se aps amorte do primeiro presidente de Moambique independente, Samora Machel,

    em 1986, sendo progressivamente mais ostensiva a tentao de domnio racialda maioria negra sobre as minorias raciais (mestios, indianos ou brancos).Considerou o entrevistado que isso tem implicado um maior fechamento racial

    no sentido da africanizao do poder6dentro das diversas instituies dependen-tes do poder poltico do Estado, embora a situao possa resultar tanto de inten-es deliberadas que visam colocar negros em cargos de destaque, em detrimen-

    to de indivduos pertencentes s minorias raciais, quanto da evoluo da prpriasociedade moambicana que conta, cada vez mais, com um nmero crescente dequadros negros qualicados, muitos deles formados no estrangeiro.

    As teses referidas, com a nota de se terem manifestado de forma clara e ar-

    ticulada no discurso do entrevistado acima citado, so, no entanto, do domniopblico entre as minorias raciais, em especial entre mestios e brancos. Constateio facto ao longo do trabalho de campo nos mais diversos locais (cafs, restau-

    rantes, ambientes familiares, ruas, festas, etc.). As variantes so diversas, umas

    mais radicais do que outras. Cito um exemplo: Tu, com essa cor de pele [misto/mulato] foste director [do servio pblico tal] com o Machel, mas agora isso seria

    impossvel. Tinhas de ser negro! (frase ouvida em conversa informal num doscafs de Maputo, 2010).

    Do material emprico resulta tambm evidente que existe em Moambique

    um conhecimento estruturado, ao nvel do pensamento social, sobre a evoluodos equilbrios raciais. Ele pode ser sistematizado em trs grandes momentos:5 Entre os romances de Jorge Amado, destacou Capites da areia(1937) e a trilogia Os subterrneos da liberdade(1954)

    entrevista na cidade de Maputo a 06.05.2010.6 A expresso africanizao do poder assume aqui um contedo muito mais racial do que de (re)tradicionali-zao ou etnizao das relaes de poder.

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    (i) poca colonial, radicalmente dominada pelos brancos (at 1974-1975);(ii) poca de Samora Machel (1974/1975-1986), de alguma neutralidade ra-

    cial, momento da histria do pas em que as pertenas raciais foram mais secun-darizadas enquanto atributos de legitimao de posies de poder no aparelho

    de Estado e, por consequncia, nas relaes sociais;(iii) actualidade ps-Machel, marcada pela crescente ambio de domnio ra-

    cial por parte dos negros.Esta a tendncia dos discursos dos mestios/mulatos. Todavia, se existe

    consenso nas avaliaes sobre o perodo colonial dominado pelos brancos, con-soante a cor da pele das elites entrevistadas detectam-se tendncias divergentesnas avaliaes das duas fases ps-coloniais. Se as avaliaes dos brancos esto

    prximas das dos mestios/mulatos (nas sociedades as minorias tendem a

    aproximar-se em determinados assuntos), a tendncia das elites negras dife-rente. Manifesta-se predominantemente no sentido de considerarem que os mais

    saudosistas da poca de Samora Machel (1975-1986), no que tem a ver com agesto das relaes raciais pelo Estado7, so os brancos e mestios moambica-nos precisamente porque o primeiro presidente de Moambique manteve a sua

    situao de privilgio herdada da poca colonial, contando que aderissem aosocialismo da FRELIMO.

    Num ou noutro caso, membros da elite negra um pouco mais radicais sugerem

    a necessidade de uma segunda independncia para o empowermentdos negrosmoambicanos, uma vez que se considera que desde a constituio da FRELIMOedurante a primeira dcada ps-colonial o partido foi fortemente inuenciado pelaelite mestia e branca, com destaque para os descendentes de goeses8. desses

    sectores raciais minoritrios, segundo esta perspectiva, que vm as crticas maisradicais governao de Joaquim Chissano (1986-2005) e de Armando Guebuza(desde 2005), sendo que estes dois presidentes da repblica chegam mesmo a ser

    denegridos precisamente por serem mais justos em termos raciais.

    plausvel inferir que o distanciamento progressivo ou mesmo a ruptura coma matriz ideolgica marxista-leninista-maosta com que se entrou na era ps-

    colonial pode estar a implicar, em Moambique, a racializao progressiva daideologia ocial do Estado e, por essa via, da vida social. Trata-se de um fen-meno que permanece latente, sem que existam elementos seguros sobre a sua

    evoluo futura.

    7

    No sentido da promoo da diversidade racial na distribuio dos cargos no aparelho de Estado ou no sentidode uma maior propenso para reservar esses cargos maioria racial negra.8 Por exemplo, entrevistas na cidade de Maputo a 29.04.2010 e a 18.06.2010.

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    Destaco, neste contexto, a ttulo ilustrativo, uma outra entrevista tambmcom algum que tipico como pertencente elite ps-colonial, neste caso ne-

    gro, com um percurso intelectual e poltico semelhante ao do entrevistadomestio/mulato anterior, que defendia que um dos problemas que diculta a

    percepo da realidade moambicana deriva de se julgar que a sociedade ra-cial ou culturalmente mista ou crioula (utilizou os termos como sinnimos). Nasua perspectiva, a realidade moambicana que efectivamente conta esmaga-doramente negra, constituindo as teses das mestiagens hipervalorizaes das

    excepes que partem precisamente dos discursos dos mestios. Classicou-ascomo uma espcie de co que impede que se percebam as questes relevan-tes da vida social por se pretender impor, a partir de cima, um modelo que no

    tem a ver com as caractersticas marcantes da sociedade moambicana. Ficou

    subjacente, neste discurso, a crtica importao para Moambique do supostomodelo racial miscigenado brasileiro. Ilustrou o seu raciocnio recorrendo aos

    tipos sociais que dominam na publicidade, em especial os grandes cartazes derua das cidades moambicanas, onde se tem destacado o misto e/ou o elementoracial negro surgir diludo na mestiagem9. Acrescento eu que, reparando em

    alguns dos cartazes publicitrios das cidades de Maputo, Matola, Beira ou Tete, aavaliao referida pode tambm resultar da excluso da componente tradicionalafricana nesses cones publicitrios. Isto , os indivduos negros que aparecem

    nas imagens apresentarem frentes pessoais ps-tradicionais, mesmo que por ve-zes recorram a adornos que visem contradizer essa percepo, numa tentativa debusca articial das profundas razes africanas.

    Sobre o mesmo tema, focalizando-se tambm no uso da imagem como mo-

    deladora das relaes inter-raciais na sociedade moambicana, o entrevistadomestio/mulato referido em primeiro lugar sublinhou o oposto, a crescentehipervalorizao do negro em relao a todas as minorias raciais (brancos, mu-

    latos ou indianos). Para ele trata-se de indcios negativos dos dias que cor-

    rem por dilurem as tentativas do passado de promoo da multi-etnicidade einter-racialidade em Moambique. Em sua opinio, a situao manifesta-se no

    s na publicidade de rua (onde alega que se suprimiu a multi-racialidade, dado oquase desaparecimento do branco e do indiano em prol do negro, embora o mu-lato subsista), mas sobretudo ao nvel dos manuais escolares do ensino bsico

    que, na actualidade, segundo o entrevistado, recorrem ao mono-racialismo negronas imagens e guras ilustrativas, vericando-se ainda a marginalizao de no-mes autctones conotados com grupos tnicos do centro e do norte do pas ou

    derivados da tradio islmica. Desse modo, o problema das tenses raciais, no9 Entrevista na cidade de Maputo a 08.06.2010.

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    sentido da discriminao das minorias no negras, pode arrastar-se por geraes

    por ser gerado por um sistema de ensino cujo acesso cada vez mais universal.

    Assinalou ser essa uma tendncia preocupante da forma como se tem vindo a

    estruturar a ideia da moambicanidade nas ltimas dcadas, confundindo-a

    com as teses da negritude.Ainda nessa sequncia, um outro mestio da elite e que tambm foi membro

    do governo na poca de Samora Machel referiu, em conversas informais (2010),

    que o problema crucial que o pas atravessa o de ter de decidir, ao nvel da orien-

    tao governativa, se Moambique um pas de frica ou se Moambique um

    pas africano. Defende que a primeira opo abre para a modernidade e era,

    apesar de tudo, a lgica do ex-presidente da repblica Joaquim Chissano (1986-

    2005). A segunda opo constitui uma auto-estrada sem retorno e a opo de

    Armando Guebuza (desde 2005), assente na racializao intencional do poder em

    prol dos negros, orientao que, em sua opinio, est na base da estagnao ou

    do fracasso de muitos dos pases do continente. Este pensamento, assinale-se,

    de um assumido defensor da opo socialista para os pases africanos adaptada

    aos novos tempos, pois o seu autor considera que tal caminho comporta uma

    ambio de modernizao do continente e insero no sistema internacional, ao

    contrrio da racializao intencional do poder e das relaes sociais, sempre co-

    notada com a retradicionalizao de frica, que associou a riscos de encerrar aspopulaes, em especial as decisivas populaes rurais, em prticas ancestrais

    que, em parte, constituem a causa do subdesenvolvimento.

    Assim sendo, pelo que foi referido assemelha-se relevante o signicado dos

    atributos raciais na gesto das relaes de poder em Moambique, concretamente

    na distribuio de cargos de inuncia poltica e econmica, por muito complexo

    que seja esse jogo (Elias, 2008 [1970]). Ele indicia a existncia de linhas de frac-

    cionamento, ainda que algo difusas, entre os negros e as minorias raciais ao nvel

    das elites. A questo racial pode ser tipicada como um reprimido que paira en-dmico na vida poltica e social do pas, porm paradoxalmente demasiado bvia

    por no ser necessrio um grande esforo para torn-la evidente.

    De qualquer modo, quando se sai do crculo das elites (negras e no negras) as

    tenses raciais so bem menos salientes, conforme revelou o trabalho de campo

    nos bairros suburbanos. As pessoas comuns tendem a revelar maior indiferena

    ou distanciamento face a disputas com contedo racial. Estas revelam-se incisivas

    sobretudo quando est subjacente o acesso a cargos superiores ou qualicados/

    tcnicos na administrao pblica, nas empresas formais ou no meio acadmico,num pas de bens dessa natureza demasiado escassos.

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    Em suma, na actual conjuntura o factor racial no constitui ameaa estabi-lidade da vida colectiva em Moambique. A porta parece estar a abrir-se. No se

    sabe at onde. No se sabe para onde.

    O mulato no senso comum suburbano

    Em Moambique, a circulao de determinadas produes da indstria cul-tural importadas do Brasil (desde a poca colonial) ou de Angola (crescentes no

    perodo ps-colonial), por via da msica ou do futebol enquanto fenmenos dedivulgao massicada, dos festejos de carnaval brasileiros de grande divulga-o meditica ou da literatura (os ltimos com um impacto muitssimo limitado),

    tendo em conta a componente dessas manifestaes que sugere a dignicao (ou

    mesmo a gloricao) da beleza fsica e sensualidade da mulata ou a destrezafsica e alegria do mulato, praticamente no tm correspondncia nos discur-

    sos de senso comum dos negros que habitam nos bairros suburbanos. Apesar dedcadas e dcadas de persistncia de certas modas da indstria cultural, nas ci-dades de Maputo e Matola ou os mulatos so como ns, negros(neutralidade),ou, quando se considera que os mulatos se destacam, no geral pela negativa

    (estigmatizao) (Goman, 1963). Admito, como mera hiptese resultante de umlongo contacto com a realidade emprica, que essas duas tendncias possam ser

    distribudas de forma equilibrada entre os negros desfavorecidos. de sublinhar que, nas interaces com contedo racial, mulatos e negros

    tendem a no conferir reciprocamente atributos positivos de grande destaque.Ou representam-se como iguais ou apenas buscam diferenciar-se pela negativa.

    Este enquadramento o que melhor permite compreender as relaes entre essesdois segmentos raciais. Para alm da herana colonial em desuso do mulatolho de uma quinhenta, epteto insultuoso resultante do suposto valor insigni-

    cante (a quinhenta, vocbulo comum que servia para designar algo de valor

    insignicante, cinquenta centavos) pago pelos colonos brancos s prostitutas ne-gras que frequentavam nos bairros perifricos das grandes cidades da colnia, as

    expresses-tipo dos negros suburbanos que melhor simbolizam os extremos re-feridos (neutralidade ou estigmatizao) so, por um lado, os mulatos so comons, negros, no temos diferenas, so nossos lhos, nossos sobrinhos, nossos

    netos, vivemos juntos e, por outro lado,mulato no tem bandeira e mulatoou mecnico ou ladro.

    Neste ponto, importa considerar uma tendncia de longa durao. Aproxi-

    mando-se tanto quanto possvel das elites, no entanto, os mestios (designaomais abrangente do que a categoria mulatos) moambicanos passaram largas

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    dcadas, talvez o sculo da colonizao portuguesa efectiva, a demarcar-se dopoder branco, atravs de hbitos culturais, de formas prprias de linguagem, da

    criao e alimentao do esteretipo negativo do branco pobre, o maguerre,termo, na poca colonial, de uso muito mais frequente entre brancos nascidos na

    ento colnia e mestios do que entre negros. Atravs dele estereotipava-se umtipo de indivduo branco vindo da metrpole, com modos rudes no trato social,no geral trabalhador agrcola (machambeiro), que:

    No sabia comer com garfo e faca; vinha para a tropa e aprendia connosco a tomar

    banho; trocava os vs pelos bs; escondia a comida para no ter de a partilhar com

    as visitas; s vezes nem sabia ler e escrever e dependia dos negros das misses que

    lhe liam a correspondncia e escreviam o que ele precisava (registos de conversas

    informais ou observao participante, Maputo e Matola, 2010 e 2011, sempre com

    mestios).

    Uma expresso elucidativa sublinhava que esses brancos pobres foram to

    vtimas do colonialismo como todos os outros c de Moambique porque nemsabiam o que se estava a passar10. Esta representao do branco portugus po-bre ainda hoje reproduzida (ao termo maguerre acrescentou-se, no perodo

    ps-colonial, o tuga) e entrou no discurso das elites, incluindo as elites negras,que raramente se esquecem de sublinhar essa maneira rude de existir e de se ser

    portugus e que, mesmo assim, segundo argumentam, apenas pela cor de pelelegitimavam a inferiorizao dos negros no tempo colonial.

    Desde a independncia (1975), e provavelmente no prximo sculo, a essnciada necessidade de demarcao identitria dos mestios mantm-se. O alvo tam-

    bm se mantm na substncia: o grupo racial que controla o poder poltico, sendoque no perodo ps-colonial ele mudou de cor de pele. Agora o alvo o negropobre. Sobre ele, os esteretipos produzidos pelos mestios so diversos:

    O preto que provoca acidentes por conduzir de qualquer maneira; o preto queno sabe viver nos prdios; o preto que bebe sem controlo bebidas tradicionais

    adulteradas e depois morre ou ca cego; o preto que carrega e alivia os erres a

    despropsito porque no sabe falar portugus; o preto que gatuno; o preto que

    tem lhos de qualquer maneira e no se preocupa com o sida; o preto em quem

    no se pode conar porque no tem sentido de responsabilidade; o preto que basta

    ver um tipo com uma camisa um pouco mais limpa e engomada pensa logo que

    uma mina (registos de conversas informais e observao participante, Maputo e

    Matola, 2010 e 2011).

    10Entrevista na cidade da Matola a 09.06.2010.

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    Este tipo de esteretipos manifesta-se nos mesmos mestios que, quase in-variavelmente, noutros contextos tm relaes cordiais, familiares, de negcios,

    de trabalho, companheirismo, vizinhana com negros. So tambm os mesmosmestios que na actualidade persistem na depreciao do branco, em especial

    do branco portugus,que tem de vir para Moambique porque l em Portugalpassa mal, mas quando chega c rei.

    Do lado dos negros moambicanos, beneciando do conforto de serem amaioria com conscincia do pas ser mais seu do que dos outros, e cuja gesto

    dos destinos polticos est nas mos dos seus, as tipicaes pejorativas dosmulatos, quando ocorrem, tendem a ser bem mais explcitas, bem menos dissi-muladas, expressas com muito maior frontalidade, sendo que tais manifestaes

    so vericveis para alm do crculo familiar ou ntimo, como acontece com os

    mestios. No caso destes, as avaliaes depreciativas dos negros so no geralcaptveis na informalidade da observao participante o que, na prtica, signicao the record. , portanto, diferente o modo como se manifestam os esteretiposnegativos dos negros sobre os mulatos, posto que, neste caso, a presena deum estranho ou de um gravador no constituem obstculos (cf. Bonilla-Silva,

    2010). Com este enquadramento, verosmil considerar que o poder negro ps-colonial, de algum modo, foi conferindo legitimidade ao seu grupo de pertenaracial para evidenciar determinado tipo de atitudes que, adaptadas aos novos

    tempos, reconstituem uma postura equivalente do poder branco na poca co-lonial que depreciava as minorias raciais abertamente no espao pblico, emparticular os negros, sendo que o conceito de minoria aqui entendido nono sentido numrico (cf. Tajfel, 1982-1983 [1981], pp. 351-352; Cabecinhas, 2007,

    p. 71; Rex, 1987, pp. 25-26), mas no da lgica de distribuio do poder poltico eeconmico. Na sociedade moambicana, o ltimo, o poder econmico, catego-rizado como um atributo das minorias raciais, ainda que no de forma exclusiva,

    dado o reconhecimento da existncia de uma elite econmica (neste caso tambm

    poltica) negra.

    Mulato no tem bandeira

    Mulato no tem bandeira uma expresso proferida de forma despreo-cupada por moambicanos negros. Esta constatao no permite concluir, por

    si s, tratar-se de uma representao de teor racista, posto que os esteretiposno traduzem necessariamente as prticas sociais, sendo que nas ltimas quese situam os bloqueios ao nvel do relacionamento inter-racial em determinado

    contexto social. Prero, por isso, adoptar o ponto de vista de Albert Memmi (1993[1982], pp. 34-35 e 72) segundo o qual as demarcaes identitrias, mesmo que

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    fundadas no atributo da cor da pele, s se transformam em racismo se situadasmuito mais ao nvel do uso do preconceito ou da estigmatizao do outro, o di-

    ferente, para justicar determinadas agresses ou retirar da uma qualquer van-tagem ilegtima. No isso que se verica em Moambique nas representaes

    sociais das relaes entre negros e mulatos.A gnese do esteretipo mulato no tem bandeira remete para a transio

    para a independncia e tempos que se seguiram (1974-1975). Estava em causaa (re)constituio de uma identidade que rompia, de modo repentino, com a

    herana colonial para se armar como comunidade nacional de pleno direito.Dominava, por isso, a necessidade de demarcao dos diferentes, dos que nose encaixavam ou poderiam ameaar esse sentido de pertena. Destacavam-se os

    ex-colonos portugueses brancos porm, esses abandonaram ou foram expulsos

    do pas e tambm aqueles que, permanecendo no pas inseridos numa socieda-de esmagadoramente negra que revolucionava o controlo do poder poltico em

    seu favor, eram portadores de caractersticas fenotpicas a cor da pele no negra que inevitavelmente os conotava com alguma ambiguidade tendo em conta oreinventado sentido de pertena nacional, destacando-se, naquela conjuntura, os

    mulatos. Por muito que os novos poderes da FRELIMOtentassem evitar a salin-cia de atributos raciais na regulao da vida social ps-colonial, e por muito que osentido instintivo de autodefesa identitria da minoria mestia os zesse (e faa)

    explicitar com frequncia a sua inequvoca pertena identidade nacional mo-ambicana, os signicados polticos e sociais dos atributos raciais no poderiam(no passado e no presente) ser suprimidos, posto que a cor de pele nunca deixoude ser relevante enquanto referente de orientao e regulao das relaes sociais

    e das relaes de poder em Moambique, como noutras sociedades.Para uma parte dos negros (presumo maioritria ou esmagadoramente maio-

    ritria) os mulatos representariam, na fase de transio de meados dos anos se-

    tenta, um dos mais evidentes objectos de atitude indenidos entre a velha por-

    tugalidade e a nova moambicanidade. A esse segmento racial facilmente seimputava a paternidade lusitana que sobrava da colonizao e que, de alguma

    forma, a perpetuava na nao independente. Para mais, em poca de radicalismosrevolucionrios, torna-se inaceitvel a veleidade, ainda que apenas hipottica, dealguns na expresso de um entrevistado do bairro Lus Cabral em Maputo 11

    poderem segurar duas bandeiras (a velha e a nova) como supostamente osmulatos fariam, at por lhes ser impossvel libertarem-se do pai branco, pormuito que proclamassem a sua adeso sociedade independente renovada. A

    11Entrevista a 02.02.2011.

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    ambiguidade racial referida, nesse contexto, acabou descodicada entre os ne-gros (ou parte deles) como o mesmo que no ter bandeira.

    Aps a conquista da independncia (1975), o segundo grande momento de re-denio da identidade moambicana balizado entre o (re)estabelecimento da

    paz (1992) e as primeiras eleies livres que signicaram a instituio efectiva domultipartidarismo (1994), acontecimentos iniciais de um perodo de estabilidadepoltica que se mantm na actualidade. A sociedade moambicana entrou nessanova etapa da sua existncia fortemente marcada por sinais de anomia social

    resultantes de um prologado conito armado (1976/7-1992). Para alm da signi-cativa destruio material e desregulao das lgicas habituais de reproduosocial e econmica, cifras imprecisas apontam pelo menos para um milho de

    vtimas e deslocaes massivas de populaes, deixando alguns distritos do pas

    praticamente despovoados com o avanar da violncia (Ribeiro, 2008, pp. 134 esegs.).

    No ps-guerra, nos anos noventa, os problemas associados criminalidadeurbana assumiram propores sem precedentes. prprio da dinmica das so-ciedades encontrar bodes expiatrios que permitam domesticar as ansiedades

    depressivas. Por a se explica a progressiva associao representativa do mula-to a esse novo incmodo da vida social: a criminalidade. Agora talvez perdessealgum sentido referenciar o mulato, nos discursos do senso comum dos ne-

    gros, por no ter bandeira, mas sobretudo por ser mecnico ou ladro, nogeralladro de automveis, numa altura em que a economia e a urbanidade sereanimavam. usual os grupos maioritrios estigmatizarem um ou outro grupominoritrio (sendo a cor da pele e/ou a religio praticada atributos facilitado-

    res) com o propsito de exorcizarem males sociais particularmente sensveis.De qualquer modo, como um dos entrevistados chamou a ateno, deve car-

    se sempre na dvida se, em Moambique, o problema estar na discriminao

    dos mulatos pelos negros, se muito mais nos incmodos da desregulao so-

    cial associada aos roubos, se no automvel em si enquanto smbolo de armaosocial extremamente valorizado12.

    A gura do mulato funciona, portanto, como barmetro das preocu-paes sociais mais sensveis em cada conjuntura do perodo ps-colonial emMoambique: na transio para a independncia (1974-1975) estavam em causa

    problemas de armao da identidade nacional, exorcizados atravs do mu-lato no tem bandeira; com o surgimento do multipartidarismo (meados dosanos noventa) era necessrio encontrar respostas simblicas para a criminalida-

    de urbana, numa conjuntura em que as mais variadas instituies, do Estado (o12Entrevista na cidade de Maputo a 01.06.2010.

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    pessoas negras comuns, de algum modo como um dos smbolos da possibilidadede transformao da condio de desvantagem socioeconmica em que vivem.

    Tratando-se de um modelo dominantemente tri-racial (negro-mulato-branco)ou multi-racial (se se inclurem indianos, chineses e rabes), ainda assim em

    Moambique, medida que descemos na hierarquia social, crescem as possibili-dades de indivduos que se autoclassicam como negros designarem o conjuntode minorias raciais como brancos, incluindo numa nica categoria europeus,indianos, chineses, rabes, mestios/mulatos. Ainda que o faam com a cons-

    cincia de que eles so todos brancos, mas brancos diferentes entre eles.Portanto, este estudo emprico demonstra a possibilidade de, numa mesma so-ciedade, coexistirem a tri/multi-racialidade e a bi-racialidade (cf. Bonilla-Silva,

    2010).

    Importa acrescentar que no se deve tomar como referncia apenas a ob-jectividade das diferentes cores de pele, mas tambm as representaes sociais

    que se elaboram de determinadas pertenas sociais sustentadas em particulari-dades como a maneira de vestir, de falar, prticas religiosas, educao e forma-o escolar, prosso, tipo de habitao e relacionamento familiar (marital e de

    educao dos lhos), entre outros hbitos de vida. No domnio da categorizaodo conhecimento social, esse conjunto de hbitos simplicado atravs de umrtulo racial isso coisa de negro/branco/mulato/monh , mesmo que no

    exista uma correspondncia objectiva entre esse tipo de expresso e a cor da peledo visado. Trata-se de uma ginstica semntica que, em Moambique, por vezesautonomiza a ideia de raa da ideia da cor da pele.

    Ouvi durante o trabalho de campo em Moambique expresses sintomticas.

    Para citar um exemplo, no nal de uma entrevista colectiva com trs estudantesuniversitrias negras em Maputo (07.05.2010), num momento de maior descon-traco uma delas disse a outra do grupo: Ah tu s branca! Todos percebe-

    mos o que a expresso signicava: a visada era precisamente uma das que mais

    se assumiu como prxima da cultura ocidental e que eu destacaria como a maispossuidora, em relao s outras duas, de uma frente pessoal e demais atitudes

    condizentes. E Moambique no excepo, posto que em sociedades maiori-tariamente brancas ou negras comum considerarem-se os negros de sucessocomo no sendo propriamente negros ou como sendo brancos (Rex, 1986,

    pp. 94-95).

    Mulato ou mecnico ou ladro [de automveis]

    Mulato ou mecnico ou ladro, acrescentando-se muitas vezes de au-tomveis, como referi, outra expresso saliente nos discursos de senso co-

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    mum dos negros moambicanos. Importa enquadrar o assunto no tempo longo.Durante a dominao portuguesa em Moambique reconhecia-se aos mulatos,

    praticamente desde os incios do sculo XX, habilidades e capacidades para aaprendizagem, em particular de artes e ofcios, que os colonos brancos negavam

    aos negros, estes tidos como intelectual e culturalmente incapazes. As atitudesem relao aos negros apenas iriam mudar, ainda assim de forma gradual, a par-tir de meados do sculo. Tendo em conta o aumento crescente da circulao au-tomvel com os avanos da colonizao, uma parte do segmento mulato foi

    aprendendo a arte da mecnica junto de antigos colonos.Sublinhe-se que o segmento prossional em apreo no se circunscrevia ao

    ramo automvel, mas contemplava ainda domnios relacionados com a maqui-

    naria dos caminhos-de-ferro, da navegao ou de outras actividades tcnicas em

    expanso, como a rede elctrica ou a gua canalizada. Tratava-se da componenteurbana das artes e ofcios que, para alm dos brancos, as famlias mestias po-

    deriam gerir com alguma autonomia, enquanto a outra componente, a rural, naqual se destacava o ensino das misses, ia preparando alguns nativos negrospara outro tipo de prosses, tambm associadas s artes e ofcios, mas com ca-

    ractersticas menos mecnicas e mais de trabalho manual (carpinteiro, pedreiro,alfaiate, cozinheiro, etc.). Portanto, no domnio da preparao prossional parao mercado de trabalho ps-tradicional ter existido em Moambique, pratica-

    mente desde o incio da dominao colonial efectiva, uma fragmentao entreas actividades urbanas do mundo moderno (mecnica e ans) e as actividadesdo habitual mundo artesanal (carpinteiro, pedreiro, etc.) que, de alguma forma,constituiu uma marca originria que distinguiu o tipo de armao dos mula-

    tos do tipo de armao dos negros no contexto da sociedade colonial. As con-sequncias dessa gnese perduram na actualidade.

    Um segundo momento justicativo das tendncias nas representaes sociais

    do relacionamento entre negros e mulatos em Moambique teve a ver com a

    sada abrupta dos colonos brancos em meados da dcada de setenta. Essa si-tuao levou a que, nas primeiras dcadas ps-coloniais, os mulatos se fossem

    destacando enquanto imagem de marca do sector tcnico-prossional urbano.Nesse processo no se ter vericado tanto uma ruptura em relao ao passa-do colonial, antes a armao e maior salincia de uma identidade prossional

    mulata j constituda. O mulato, tambm por essa via, apresentava-se comoherdeiro (prossional) do colono branco, o pai dele, como alguns dizem.

    Acontece que, como sublinhei, esse momento de transio poltica foi repenti-

    no, muito sensvel, redenindo a identidade moambicana numa conjuntura emque o segmento mulato alimentava ambiguidades difceis de domesticar pela

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    esmagadora maioria negra (cf. Moscovici, 2000 [1984], pp. 41 e segs.). Mesmo quea independncia estivesse a proporcionar aos negros uma fortssima ascenso

    prossional e social, ainda assim a herana colonial proporcionava aos mula-tos (ou mestios) um know-howque lhes conferia vantagens qualitativas para

    o exerccio de alguns cargos tecnicamente mais exigentes, incluindo funes dechea. por isso que as primeiras dcadas ps-coloniais, se romperam em partecom o tipo de relaes raciais herdadas da poca colonial, numa outra dimenso,em especial no domnio prossional, tero aprofundado o sentimento de des-

    vantagem prossional que os negros j anteriormente sentiam em relao aosmestios/mulatos. Foi nesse contexto que a estereotipicao negativa da mi-noria mulata pela esmagadora maioria negra passou a dispor de um terreno

    social mais apelativo do que acontecia na poca colonial. Se a independncia foi

    em geral vantajosa, na perspectiva dos mais desfavorecidos sobrou a intuio deos mestios terem sido os maiores benecirios. Por esse prisma, as representa-

    es focadas no sector da mecnica automvel devem ser interpretadas comosintomas de um fenmeno social mais amplo.

    Os mulatos so ainda marcados por outra caracterstica que contribui para

    a sua desqualicao simblica. Constituem um grupo racial minoritrio no qualpredomina um estilo de vida de tipo urbano, num pas onde a esmagadora maio-ria da populao se situa entre o mundo rural e/ou a pobreza (isto , trata-se de

    gente sem carro), o que facilita a construo de esteretipos que associam omulato ao automvel.

    Quando nas sociedades os grupos minoritrios so estigmatizados signica,na essncia, que so avaliados como mais disruptivos do que os indivduos per-

    tencentes maioria, as pessoas normais (por exemplo, os ciganos nas socieda-des ocidentais), e/ou porque comum considerar-se que os membros de determi-nados grupos minoritrios alegadamente no respeitam os padres habituais no

    relacionamento com os outros (por exemplo, a tida como excessiva propenso

    dos judeus para acumularem riqueza, tambm nas sociedades ocidentais).Estando em causa a minoria mulata moambicana num contexto de ten-

    dencial anomia ps-guerra civil, no caso das cidades de Maputo e Matola a suaestigmatizao pela maioria negra (tendncia que no se revela nem generaliza-da nem radical) deve ser articulada com a percepo que os indivduos tm da

    estrutura social da qual so membros. Ou seja, no esto em causa prticas dehostilizao racial propriamente ditas tambm por causa do efeito classe m-dia. Explico: a estigmatizao de grupos raciais minoritrios apenas se torna

    potencialmente problemtica quando eles so percepcionados como estando nosextremos da estrutura social (ou mais ricos/poderosos ou mais pobres/fracos do

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    De resto, as avaliaes de senso comum sobre o signicado social da mecnica

    automvel so ambguas. A actividade em si tida como importante para a vida

    em comum, mas pouco considerada ou mesmo desprezvel porque, como alguns

    entrevistados muitas vezes referem, no exige estudo, apenas habilidade nas

    mos e tempo para ver, aprender e praticar com os outros mecnicos que j sa-bem. Por outras palavras, o mulato destaca-se pela habilidade manual supos-

    tamente inata o que, sendo um atributo positivo, est longe de ser um atributo de

    excelncia. Portanto, o mecnico nato no prima nem pelo intelecto, nem pela

    educao esmerada ou polidez no trato com os outros, nem ainda por promover

    actividades que valorizem as outras pessoas alm dos prprios. Como alguns

    negros suburbanos asseguram, a mecnica prpria deles, dos mulatos.

    O mulato e a mulata

    Na generalidade dos ambientes sociais a partilha da vida ntima entre indi-

    vduos de pertenas raciais (e tnicas) diferentes funciona como reduto parti-

    cularmente sensvel para as pessoas comuns atestarem o racismo ou o no

    racismo do grupo de pertena xis ou psilon (cf. Bonilla-Silva, 2010). No

    caso de Moambique o casamento ou relao marital inter-racial revela-se preci-

    samente um dos critrios a que os indivduos recorrem para tender a categorizar

    os brancos e os indianos em extremos opostos, respectivamente, o extremo po-

    sitivo e o extremo negativo no tipo de relao que se supe que estabelecem com

    a maioria negra. Uma frase-tipo que circula nos bairros suburbanos de Maputo

    e Matola esta:

    Os brancos de agora [ps-coloniais] casam com negras sem problemas, mesmo al-

    gumas brancas casam com negros. Indiano com uma negra?! Nunca vi. Se existe

    muito raro. Pior se for indiana com um negro. Casam entre eles.

    Portanto, as pessoas comuns, negras, tendem a considerar que as relaesamorosas negro-branco constituem uma caracterstica cada vez mais frequente e

    no problemtica da sociedade moambicana.

    Na longa durao, o aparecimento em Moambique de famlias com descen-

    dncia racial miscigenada remonta poca da ocupao colonial efectiva. Com

    o avanar do sculo XX, essa descendncia mulata foi-se consolidando como

    segmento autnomo em relao aos grupos dominantes (negros, a populao

    autctone, e brancos, os detentores do poder), ao mesmo tempo que, no seu inte-

    rior, consolidaram-se tambm diferenas, com destaque para a que demarcava omulato de origem rural do mulato de origem urbana.

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    Quanto ao primeiro tipo, o mulato de origem rural (cf. romance de J. P.Borges Coelho, O Olho de Hertzog, 2010), normalmente perlhado pelo pai bran-co, era socializado e educado na famlia negra materna, mas debaixo da tutelapaterna, mesmo que distante. Em alguns casos, esses lhos eram trazidos pelos

    pais brancos para serem educados na cidade passada a primeira infncia. Umavez junto do pai, estabelecia-se um distanciamento formal da matriz africana,mas no necessariamente uma ruptura com essa matriz, caracterstica que so-bressaa de forma mais ou menos explcita, mesmo que numa tendncia de dorreprimida, como a que se manifesta na expresso potica dos mestios onde oobjecto me-negra acabou por ser uma constante. a esse ncleo que pertencea elite mulata, considerada em Moambique na poca colonial os mulatos deprimeira.

    O segundo tipo, o mulato de gestao urbana, tipica o enjeitado, o mula-to de uma quinhenta, a expresso insultuosa de senso comum com que durantedcadas esse tipo de mulato foi rotulado por brancos e negros. Esta varianteurbana do mulato acaba por ser, por isso, a socialmente desconsiderada.

    De qualquer modo, os mulatos tendem a ser percepcionados pela esma-gadora maioria negra apenas como mulatos, ou seja, a percepo da frag-mentao da minoria racial em mulatos de primeira, mulatos de segunda oumulatos de terceira (ou mulatos da Mahal como se diz em Maputo13) era

    muito mais um fenmeno das elites e, sobretudo, dos prprios mestios.Os mulatos de primeira eram os mais prximos do poder colonial e da elite

    branca, sendo que tal estatuto no era necessariamente denido em funo deuma cor de pele mais clara (por exemplo, resultante da unio entre branco e mula-ta), antes pela importncia da paternidade branca e educao prprias de classesmdias ou mesmo de elites portuguesas. Segundo foi referido numa entrevista14,a extenso da maonaria a um grupo restrito de brancos privilegiados que viviaem Moambique ainda na primeira metade do sculo XXcontribuiu para que os

    mulatos de primeira se armassem, uma vez que a organizao forava os seusmembros a no abandonarem nenhum dos lhos e a educarem-nos, mesmo osilegtimos tidos com negras ou mestias. Esses mulatos foram-se destacandona sociedade colonial. De qualquer modo, como tambm foi referido numa outraentrevista15e em conversas informais, este grupo demarcava-se intencionalmentedo poder branco, procurando a sua autonomia, no geral atravs de casamento nointerior do prprio grupo e estereotipando de forma negativa o branco, genera-13A designao tem a ver com a rea suburbana com uma forte identidade mulata na era colonial onde se fundou

    um clube Grupo Desportivo da Mahal que aglutinava os mulatos de origem pobre.14Entrevista na cidade de Maputo a 06.05.2010.15Entrevista na cidade de Maputo a 08.06.2010.

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    lizando a partir do suposto modelo do branco pobre, o maguerre, conformecaracterizei.

    Os mulatos de segunda teriam um estatuto intermdio. No eram enjeita-dos pela paternidade, mas tambm no possuam a educao esmerada da elite

    mulata. Ainda assim, alguns conseguiram destacar-se em cargos administrativosou ao nvel da intelectualidade da colnia.

    Os restantes eram os mulatos pobres, os mais estigmatizados, os mula-tos de uma quinhenta, descendncia urbana no perlhada ou cujos pais eram

    brancos, mas de baixa condio social. Tratando-se de cidades com trnsito por-turio crescente como Loureno Marques e Beira, mas tambm em menor esca-la Quelimane ou Nacala/Nampula alguns desses mulatos eram descendentes

    de pais brancos, mas de outras nacionalidades que no a portuguesa: gregos,

    rabes (sobretudo srios e libaneses), britnicos, entre outros.Em meados da dcada de setenta, com a transio de Moambique para a

    independncia, as lgicas da hierarquia interna do segmento mulato sofreriamalteraes signicativas. Com a sada do pas da esmagadora maioria dos colonosbrancos e de uma parte da elite mestia, e a consequente recongurao profun-

    da da estrutura racial da sociedade moambicana, um dos efeitos acabou por sero da homogeneizao do segmento racial mulato, isto , as diferenas existen-tes no interior do grupo entre mulatos de primeira, mulatos de segunda ou

    mulatos de Mahal perderam sentido. Dadas as circunstncias, o segmentomulato assumiu a funo racial de relevante outro para a renovada esmaga-dora maioria negra. Sublinhe-se que, ao nvel do pensamento social, as socieda-des tendem invariavelmente a ser interpretadas como funcionando com base em

    antagonismos, no caso raciais (negros versusno negros) (cf. Moscovici, 2000).A diluio das diferenas entre os mestios era tambm, de alguma forma,

    uma herana das transformaes na sociedade colonial que, na fase nal (a partir

    dos anos sessenta), foi marcada pelos avanos da escolarizao e pela integrao

    crescente de mestios no aparelho administrativo e prossional do Estado nessapoca, minimizando o peso das heranas elitistas paternas. Para o perodo re-

    volucionrio ps-colonial, necessrio ter ainda em conta a presso do projec-to igualitarista inspirado pela ortodoxia marxista-leninista-maosta da poca dopresidente Samora Machel (1975-1986), explicitamente intolerante, no plano dos

    princpios, face s diferenas sociais por razes raciais ou tnicas.Desse longo processo de diferenciao interna, nos discursos de senso comum

    dominantes na actualidade nos bairros suburbanos de Maputo e Matola sobra-

    ram na actualidade as diferenas de gnero entre o mulato e a mulata. Separtirmos do pressuposto de que a ideia-base a de eles resultarem de pai branco

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    e me negra, infere-se uma projeco nos mulatos do complexo de dipo, in-cluindo a variante de complexo de dipo no feminino ou complexo de Electra.

    A ideia de senso comum dos negros a de o mulato ser prximo da me-ne-gra e, por isso, aproxima-se e relaciona-se sem problemas com os negros, mesmo

    os pobres. Precisamente por essa proximidade, na verso negativa o mulato tido como o instigador e lder dos maus comportamentos dos negros. Numaentrevista foi dito que:

    Se ns os trs [eu, entrevistador mulato, o meu guia e entrevistado negros] fsse-

    mos juntos a Maputo [estvamos na Matola, num bairro pobre] era natural que a

    polcia nos pedisse a identicao porque sabe que ali h malandragem16.

    Noutra entrevista:

    As pessoas [negras] sabem que quando algum da famlia arranjou um amigo mu-

    lato lamentam a sorte. As pessoas tm na cabea que o mulato tem tudo o que

    mau na cabea dele. como se fosse a juno dos males das duas raas [negra e

    branca]17.

    Portanto, projecta-se a responsabilidade daquilo que h de negativo no in-group (negro) no out-group (mulato). A atitude assemelha-se, como sempre,

    bem mais a um ritual de exorcismo simblico da identidade negra que temconscincia dos problemas de criminalidade provocados pelos negros do que auma prtica racial discriminatria contra os mulatos.

    No caso das avaliaes entre os negros sobre a mulata, quando elas se ma-

    nifestam, o oposto. Tende a considerar-se que ela afasta-se dos negros (o ladomaterno) para se encostar ao lado do branco (do pai). Por isso, quanto mais asmulatas so catalogadas como mulheres bonitas, mais so rotuladas de muito

    orgulhosas ou distantes. A frase-tipo : No so todas assim, mas muitas

    passam por uma pessoa, como ns estamos aqui assim agora a conversar por-ta de casa, e nem cumprimentam, mesmo quando moram perto e sabem quem

    somos.Numa variante um pouco mais elitista e agressiva, num convvio numa fam-

    lia negra de classe mdia/alta em Maputo (2010) ouvi a expresso: mulata puta

    ou secretria.Todavia, mesmo entre as jovens universitrias negras recorrente detectar

    a ideia de, em algum momento da sua vida (na infncia, na adolescncia ou na

    16Entrevista na cidade da Matola a 19.02.2011.17Entrevista na cidade da Matola (Matola-Gare) a 16.02.2011.

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    idade adulta), terem ambicionado casar-se ou terem uma relao marital prefe-

    rencial com um branco. Se a isso acrescentarmos o facto de serem muito mais os

    homens brancos do que as mulheres brancas a manterem relacionamentos dessa

    natureza com indivduos negros, logo a tendncia do gnero feminino para a

    procura de parceiros ou cnjuges de pele mais clara no uma exclusividade dasmulatas, nem das negras, nem das brancas.

    Quer entre os negros suburbanos, quer entre os jovens universitrios negros,

    detectei ainda alguma propenso nos seus discursos para associarem os mula-

    tos (eles e elas) ao consumo de estupefacientes, vida fcil, falta de apetncia

    para o estudo, trabalho ou vida honesta, a comportamentos verbais de quem

    sabe e pode tudo mas, depois, na prtica um logro. Sobre o ltimo atributo nos

    bairros suburbanos captei por diversas vezes a expresso: Mulato shosta!,

    neologismo de inspirao anglfona que signica que o mulato e a mulata

    vivem do show-o, so exibicionistas.

    Quando informalmente confrontei um ou outro mulato com este tipo de

    avaliaes, as reaces passaram pela desvalorizao (no so todos os negros

    que pensam isso, mas uma minoria) ou pela reaco agressiva de responder na

    mesma moeda (pensamos o mesmo deles).

    Outra variante revelou-se numa sesso que dirigi na Universidade Politcnica

    de Maputo sobre o tema das relaes raciais (29.04.2010). A turma era compostapor uma esmagadora maioria negra e uma percentagem reduzidssima de mes-

    tios. Saliento a interveno de uma aluna mulata (assim se autodenia) que

    contestava o facto de alguns alunos terem antes referido a tendncia das pessoas,

    na sua universidade, para se fecharem no seu grupo racial, insinuando-se uma

    atitude discriminatria que atingia os negros. A aluna defendeu que essas situa-

    es aconteciam devido ao complexo de inferioridade dos negros, considerando

    que estes tm diculdades de auto-armao, ao contrrio dos mulatos, que se

    relacionam mais facilmente fora do seu grupo. Quando um grupo conversava in-formalmente, independentemente das pertenas raciais das pessoas, o mulato

    Vai l e fala!, argumentou a aluna, defendendo que deveriam ser os negros a

    armar-se para verem que no seriam rejeitados: O mulato impe-se e o negro

    tem de se impor. Nessa sequncia, um outro aluno, negro, disse que se aproxi-

    mava sem problemas de qualquer grupo racial na universidade, mas reconheceu

    que ele prprio alimentava certos esteretipos. Contou que em certa ocasio esta-

    va ao p de um grupo de colegas seus brancos e depois afastou-se. Um outro alu-

    no negro foi juntar-se a esse grupo de brancos e ele, distncia, ter comentado,sem que existissem razes para isso, L esto os senhores e o escravo!.

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    O episdio relatado circunscreve-se a uma situao institucional especca:a sala de aulas de uma universidade da cidade de Maputo. Todavia, permite

    raticar algumas das teses defendidas ao longo desta anlise: as demarcaesraciais so inegveis na sociedade moambicana; elas traduzem-se na elaborao

    de esteretipos de parte a parte; os esteretipos negativos no so excessivamen-te generalizveis, nem suportam atitudes sistemticas ou potenciais de agressi-vidade face ao outro; os esteretipos tambm no bloqueiam de forma ostensivaos contactos inter-raciais; por ltimo, um erro de anlise tipicar de modo sim-

    plista o conjunto complexo de elementos empricos disponveis, no sentido de secatalogarem uns de racistas e outros de vtimas.

    Concluso

    Em jeito de concluso, destaco: (i) o facto de o sentido de pertena racial serrelevante na sociedade moambicana, embora o potencial de tenso inter-racialtenda a circunscrever-se s elites e classes mdias que pesam pouco na estrutura

    da sociedade, esmagadoramente dominada por segmentos sociais desfavoreci-dos e mais propensos desvalorizao dos antagonismos raciais; (ii) as repre-sentaes sociais das mestiagens raciais so tipicadas com maior eccia se

    centradas no objecto mulato; (iii) nas avaliaes da maioria negra os mulatos

    ou so neutros (so como ns, negros) ou, quando se destacam, pela negativa:mulato lho de uma quinhenta (tempo colonial); mulato no tem bandei-ra (gerada na transio para a independncia); e mulato ou mecnico ou

    ladro (gerada no rescaldo da guerra civil); (iv) no perodo ps-colonial a gu-ra do mulato tem sido instrumentalizada pela maioria negra para domesticaransiedades suscitadas por fenmenos sociais perturbadores; (v) ainda assim, a

    demarcao entre negros e mulatos moambicanos enquadra-se muito mais nodomnio da diferenciao entre grupos de pertena do que numa situao de po-

    tencial conito inter-racial; (vi) a terminar, a persistente ambiguidade do objectode atitude analisado tem tambm a ver com o facto de a mulata tender a seravaliada como distante dos negros porque prxima da identidade do pai brancoe o mulato como prximo da identidade da me negra, mas essa proximidade

    no necessariamente construtiva.

    RefernciasBonilla-Silva, E. (2010). Racism without racists. Color-blind racism & racial inequality in

    contemporary America(3thed.). Nova Iorque: Rowman & Lileeld.

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    ANEXO

    Trabalho de campo em MoambiqueMaputo/Matola

    Entrevistas/Entrevistados

    2010 2011 Total

    Entrevistas 39 41 80

    Entrevistados 46* 46** 92

    * 6 entrevistas foram com duas/trs pessoas** 5 entrevistas foram com duas pessoas

    Distribuio por sexo

    2010 2011 Total %

    Homens 38 35 73 79%

    Mulheres 08 11 19 21%

    Total 46 46 92 100%

    Distribuio por idades

    Idades 2010 2011 Total %

    0-19 01 01 02 0220-29 10 15 25 27

    30-39 05 07 12 13

    40-49 10 06 16 17

    50-59 09 11 20 22

    =/+ 60 11 06 17 19

    Total 46 46 92 100

    Distribuio por pertenas raciais

    2010 2011 Total %

    Negros 35 40 75 81%

    Brancos 05 05 10 11%

    Mestios/mulatos 05 01 06 07%

    Indianos 01 00 01 01%

    Total 46 46 92 100%

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    50 PENASERESMULATO!: ENSAIOSOBRERELAESRACIAIS

    Locais de realizao de entrevistas

    2010Bairros de Maputo (13)

    Polana Canio Mahotas Bagamoyo PatriceLumumba

    Zimpeto Xipamanine Maxaquene Inhagia

    1 3 1 1 1 3 2 1

    Outros locais em Maputo (15)

    UniversidadePolitcnica

    Univ. Ed.Mondlane

    UniversidadePedaggica

    Empresas Hotis/Restaurantes

    2 1 1 8 3

    Bairros da Matola (08)Matola Matola A Fomento 700 Matola Gare Tsalala

    2 1 2 1 1 1

    Outros locais na Matola (02)

    Empresas

    2

    Entrevista de controlo 2010 (01)

    Cidade do Xai-Xai

    1

    2011Bairros de Maputo (12)

    Jardim Mahotas Xipamanine Laulane Chamanculo Mafalala Lus Cabral Maxaquene

    1 2 2 1 1 2 2 1

    Outros locais em Maputo (08)

    UniversidadePedaggica

    EscolaPortuguesa

    Empresas Hotis/Restaurantes

    3 3 1 1

    Bairros da Matola (14)

    Machava-Sede Liberdade Sikwama/

    Tsalala

    Matola Matola A Acordos de

    Lusaka

    Infulene Trevo

    1 1 1 2 2 1 3 3

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    51GABRIELMITHRIBEIROcadernos de estudos africanos janeiro-junho de 2012 23, 21-51

    Bairros da Matola (continuao) (06)

    Fomento Matiquite Matola Gare Sial

    2 1 2 1

    Entrevista de controlo 2011 (01)

    Cidade de Tete

    1

    Nota 1: O objectivo do trabalho de campo era o de captar a maior diversidade social possvelcom a preocupao de no enviesar em excesso a realidade representada. A investigao sobreas representaes sociais das relaes raciais em Moambique essencialmente qualitativa eexploratria.

    Nota 2:A tcnica de entrevista utilizada foi prxima do brainstorming. Para alm das entrevistas nacidade de cimento (empresas, universidades, hotis/restaurantes), nas restantes o entrevistador/investigador circulava pelas zonas habitacionais suburbanas e periurbanas e conversava com quemse revelasse disponvel. A casa dos entrevistados foi o local habitual. Procurava-se captar os discursosde senso comum tanto quanto possvel no contexto habitual em que se manifestam.

    Nota 3:Por deciso dos entrevistados, algumas entrevistas no foram gravadas. Nesses casos, logoa seguir conversa procedeu-se a um registo de memria imediata to completo quanto possvel,apoiado em notas escritas breves tomadas durante a conversa.

    Nota 4:Na estratgia de trabalho de campo as entrevistas constituam uma forma de captao do realponderada por outro tipo de recolhas: observao participante e registos diversos.

    Nota 5: Por razes pessoais e familiares, a observao participante foi muito mais intensa entre

    mestios/mulatos, embora a tcnica tenha sido tambm usada entre negros e brancos.