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2009 Ciências POLÍTICAS I Adriano Codato Fernando Leite Pedro Leonardo Medeiros

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C597cv.1

Codato, AdrianoCiências políticas, I / Adriano Codato, Fernando Baptista Leite, Pedro Leo-

nardo Cardozo de Medeiros. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2009.252 p.

Inclui bibliografiaISBN 978-85-387-0903-9

1. Ciência política. 2. Estado. 3. Poder (Ciências Sociais). 4. Sociologia políti-ca. I. Leite, Fernando Baptista. II. Medeiros, Pedro Leonardo. III. Inteligência Edu-cacional e Sistemas de Ensino. IV. Título.

09-4761 CDD: 320CDU: 32

Doutor e Mestre em Ciência Política pela Universida-de Estadual de Campinas (Unicamp). Bacharel em Ciências Sociais pela Unicamp. Professor de Ciência Política na Uni-versidade Federal do Paraná (UFPR), um dos coordenado-res do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP) e editor da Revista de Sociologia e Política (<www.scielo.br/rsocp>).

Adriano Codato

Mestrando em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Ciências Sociais pela UFPR. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP/UFPR) e bolsista do CNPq.

Fernando Leite

Mestrando em Ciência Política pela Universidade Fe-deral do Paraná (UFPR). Bacharel em Ciências Sociais pela UFPR. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP/UFPR).

Pedro Leonardo Medeiros

SumárioA Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas ....................................13

O objeto da Ciência Política ..................................................................................................................14Política e Ciência da Política .................................................................................................................17Principais tradições da Ciência Política contemporânea ...........................................................23Conclusão ....................................................................................................................................................32

O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas ...............................41

Poder e política .........................................................................................................................................42Os dois tipos de concepção de poder mais importantes da Ciência Política .....................45Conclusão ....................................................................................................................................................53

O Estado moderno: a teoria contratualista e sua crítica sociológica .......59

Autoridade e legitimidade ....................................................................................................................60O homem faz a história e o Estado ....................................................................................................60A história faz o homem e o Estado ....................................................................................................69Conclusão ....................................................................................................................................................72

O Estado burocrático: racionalidade e dominação ...................................79

O Estado burocrático e o monopólio da violência física e simbólica ....................................81A legitimidade da dominação burocrática .....................................................................................85Conclusão ....................................................................................................................................................89

O Estado capitalista: as perspectivas marxista e weberiana .................97

A tradição marxista ..................................................................................................................................98A tradição weberiana ............................................................................................................................107Conclusão: contraste entre as teorias marxista e weberiana .................................................113

Formação e desaparecimento do Estado: perspectivas marxista e weberiana .............................................................121

O Estado enquanto produto sócio-histórico ................................................................................122Expropriação dos recursos materiais e simbólicos ....................................................................125Lutas de classe e o surgimento do Estado ....................................................................................128O fim do Estado .......................................................................................................................................130Conclusão ..................................................................................................................................................133

O conceito de ideologia ..................................................................................143

Os sentidos negativos do conceito de ideologia ........................................................................144A ideologia como o impensado da prática científica ................................................................146Os sentidos positivos do conceito de ideologia ..........................................................................148Ideologia em sentido gnosiológico .................................................................................................151Ideologia em sentido sociológico ....................................................................................................152Conclusão ..................................................................................................................................................153

Doutrinas políticas da era moderna: liberalismo, socialismo e fascismo ...............................................................159

Considerações metodológicas: a definição das doutrinas políticas ....................................161Liberalismo ...............................................................................................................................................162Socialismo .................................................................................................................................................169Fascismo ....................................................................................................................................................174Conclusão ..................................................................................................................................................179

Grupos, interesses e representação política .............................................187

Coletividades e ação política .............................................................................................................189A lógica da ação coletiva e a tendência à abstenção ................................................................192Interesses e representação política .................................................................................................194Conclusão ..................................................................................................................................................198

Comportamento eleitoral: teorias que explicam o voto......................207

A corrente psicológica ..........................................................................................................................209A corrente sociológica ..........................................................................................................................213A corrente da racionalidade ...............................................................................................................217Conclusão ..................................................................................................................................................219

Gabarito .................................................................................................................231

Referências ...........................................................................................................245

Apresentação

“Ciência Política”?

Política, definitivamente, não é ciência. Ciência é uma atividade que exige objetividade, imparcialidade, método e uma alta dose de racionalidade. Envolve conhecimento técnico especializado e domínio de teoria. Para “fazer ciên-cia”, é preciso disposição para procurar e dizer a verdade.

A política parece ser o oposto de tudo isso. Na polí-tica (isto é, na atividade política) não se quer demonstrar, mas persuadir; não se visa compreender e explicar, mas arregimentar apoios. Políticos dificilmente dizem “não”, mas “talvez”. Em política, não se pode ser inflexível, mas também não se admite neutralidade. A racionalidade polí-tica é um tipo muito especial de racionalidade. Ela parece, aos não iniciados, muitas vezes misteriosa: inimigos histó-ricos tornam-se aliados inseparáveis e partidos de oposi-ção, uma vez no governo, assumem as mesmas priorida-des da antiga situação.

Ciência Política não é, então, uma contradição em termos? É possível mixar esses dois mundos? Este livro sustenta que sim e quer demonstrar isso.

Política não é ciência, mas a Ciência Política o é. Ou melhor: a Ciência Política, um dos ramos das Ciências So-ciais, é o conhecimento sistemático, objetivo, metódico e rigoroso acerca da prática política.

A Ciência Política tem hoje mais do que nunca um destaque inusitado nas Ciências Humanas. E o caso do Brasil é especialmente ilustrativo desse progresso, tanto institucional como culturalmente.

Desde os anos 1990, a Ciência Política passou, pouco a pouco, a cumprir o papel que o ensaísmo erudito havia desempenhado antes dos anos 1950; a Filosofia, nos anos 1960; a Sociologia, nos anos 1970; e a Economia, nos anos 1980 – ou seja, um ponto de referência para os debates públicos da cena política nacional.

Se o caráter brasileiro foi um dos temas que, lá pelos anos 1930, polarizou a preocupação dos intelectuais e de boa parte da sociedade letrada; se a questão do desenvol-vimento econômico foi o assunto em moda nos anos 1940 e 1950; se as questões ligadas à pobreza e à distribuição de renda foram o tema dos anos 1970; e se a superinflação foi a principal aflição dos 1980, o retorno à democracia, seu funcionamento mais previsível e regular (por meio de eleições periódicas), o crescimento e o fortalecimento das instituições políticas (partidos, parlamentos) terminaram, entre outras razões, por colocar a política na ordem do dia. Junto dessa política prática, ressurgiu uma ciência da prática política e os problemas tradicionais ligados à ques-tão do poder tenderam a receber um enfoque cada vez menos normativo (no registro do que deveriam ser) e cada vez mais descritivo (aquilo que efetivamente são).

Assim, à medida que os especialistas em generali-dades, os bacharéis em ciências jurídicas e sociais e os grandes articulistas do jornalismo político cumpriram sua função como explicadores do Brasil, eles foram sendo substituídos, graças à expansão do ensino universitário pós-graduado, pelos novos profissionais das ideias: os cientistas políticos e sociais. Estes últimos assumiram uma espécie de discurso competente diante dos grandes pro-blemas nacionais, quer pela forma de pôr as questões, quer pelo vocabulário usado para respondê-las. Não era isso, afinal de contas, o “economês”, a língua franca na aca-demia brasileira nas décadas de 1970 e 1980?

Nos anos 1990, terminado o ciclo de transição do regime ditatorial militar, seguiu-se a democracia como direito de todos, a política como negócio de alguns. Esse “negócio da política”, para usar uma expressão comum, tende então a ser tratado de duas maneiras. Nos períodos eleitorais, surge todo tipo de perito em ler pesquisas, adi-vinhar as preferências do eleitorado e elaborar frases no lugar de ideias (essa é, enfim, a essência do marketing po-lítico). Ao lado desses tudólogos (especialistas em tudo), uma nova espécie de profissional – o cientista político, cada vez menos preso a questões somente acadêmicas – passa a ser consultada com frequência por jornalistas, candidatos, estrategistas em campanhas etc., em função de um saber específico: aquele saber que é o resultado de um método de investigação e não de uma opinião ou de uma intuição.

Daí que a profissão exija hoje muito mais sofisticação teórica, muito mais pesquisas empíricas, com a elaboração de questionários, a coleta de dados e a análise dos resul-tados sendo procedimentos cada vez mais usuais, em es-pecial quando se trata de saber, por exemplo, a opinião da população sobre o Legislativo, o papel dos partidos, o perfil dos candidatos ou o grau de satisfação com os servi-ços das empresas públicas.

Este volume foi pensado como uma introdução muito elementar ao estudo científico da política. Escrito como um manual para não iniciados, ele está organizado em torno de três grandes eixos temáticos: a questão do poder e do seu exercício institucionalizado por meio do Estado (capítulos 2 a 6); a questão da ideologia e das doutrinas políticas (capítulos 7 e 8); e a questão do comportamen-to efetivo dos agentes políticos (capítulos 9 e 10). A título de introdução, o capítulo 1 faz um resumo das principais correntes teóricas da Ciência Política contemporânea e se esforça por mostrar qual é afinal a diferença entre política e Ciência da Política.

O livro foi escrito coletivamente. Além dos autores que o assinam, fomos ajudados pelo colega Hugo Loss, que contribuiu decisivamente em muitas partes e em vários capítulos. Este trabalho de equipe só foi possível pelo clima de camaradagem entre os integrantes do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da Universidade Federal do Paraná, e pela seriedade e cuidado com que cada um encarou sua tarefa.

Adriano Codato

Curitiba, inverno de 2009.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

Em todas as comunidades políticas, existem esses dois humores diversos que nascem

da seguinte razão: o povo não quer ser comandado nem oprimido pelos grandes,

enquanto os grandes desejam comandar e oprimir o povo.

Nicolau Maquiavel

Apresentaremos ao leitor o que é a Ciência Política e o que fazem os cientistas políticos.

Essas questões, aparentemente banais, são, ao contrário, muito importantes. É por meio delas que conhecemos o verdadeiro objeto da Ciência Política (o que ela estuda) e a particularidade da Ciência Política como uma disciplina científica. Uma disciplina só é científica quando possui um objeto de pesquisa claramente delimitado e defini-do – e quando esse objeto é composto por uma ordem de fenômenos reais, ou seja, que não dependem nem da imaginação nem da vontade do cientista. Vamos também distinguir claramente a prática científica dos “politólogos” de seu objeto de estudo – a política propriamente dita.

Em um segundo momento, apresentaremos como a Ciência Política aborda os seus assuntos resumindo as principais tradições teóricas da disciplina. A Ciência Políti-ca – como qualquer ciência, aliás – não é um corpo homogêneo e uniforme de méto-dos, teorias e explicações. Há quase sempre, e nas ciências humanas em especial, abor-dagens muito diferentes dos mesmos fenômenos. Nesse sentido, pretende-se fornecer ao leitor um mapa das principais correntes teórico-metodológicas da Ciência Política, enfatizando sua evolução nos Estados Unidos, país onde a Political Science mais se de-senvolveu e mais se sofisticou no século XX.

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O objeto da Ciência Política

A visão comum da “política” e os fenômenos políticosAs ciências definem-se em função dos objetos dos quais se ocupam. Assim, para

entendermos o que é e o que faz a Ciência Política precisamos ter uma ideia exata de seu objeto de estudo.

A Ciência Política, como diz o nome, trata de uma categoria particular de fenôme-nos histórico-sociais: os “fenômenos políticos”. Resumindo mais poderíamos dizer que a Ciência Política trata da política.

O que é, então, a política?

Quando lemos ou ouvimos a palavra política, a primeira coisa que vem à mente da maioria das pessoas é a imagem dos políticos profissionais e dos endereços onde eles atuam ou estão mais presentes: no Executivo, no Congresso Nacional, nos ministérios. Eles são também os protagonistas de campanhas eleitorais, dirigentes partidários, lí-deres locais etc. Essa ideia não é cientificamente errada. De fato, isso também é “políti-ca”. Essa ideia de política, contudo, é muito restrita, é insuficiente.

Se prestarmos atenção a esses elementos que comumente entendemos como sinônimos de política, percebemos que todos eles se referem, de alguma maneira, ao poder de Estado: como consegui-lo, como mantê-lo, como usá-lo.

EstadoPor enquanto, podemos entender o Estado como um conjunto de instituições

políticas formais.

O Estado e todos os fatos políticos ligados a ele, como aqueles que acabamos de mencionar, são os principais fenômenos políticos das sociedades humanas. É por isso que as pessoas tendem a confundir política com Estado ou mais simplesmente com governo. É por isso, também, que os fatos políticos ligados ao Estado e ao poder de Estado constituem o principal foco de atenção da Ciência Política.

Contudo, a política, em sentido amplo, não se reduz a isso: há vários fenômenos políticos que não se resumem ao Estado ou ao governo. Os fenômenos políticos vão muito além da política institucional que acompanhamos cotidianamente por meio da TV, dos jornais e revistas.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

Para esclarecer melhor essa questão, vamos entender a política como uma ordem particular de fenômenos que ocorrem em todas as sociedades humanas e aos quais daremos o nome de fenômenos políticos.

Essa é uma definição mais ampla de política. Ela é importante porque a Ciência Política estuda todos os fenômenos políticos das sociedades humanas, e não somente a política legal e os processos de governo (ainda que estes sejam seus principais temas de pesquisa).

O que seria, portanto, a política em sentido amplo? Quais seriam os fenômenos políticos?

Política, fenômenos políticos e poderPolítica em sentido amplo refere-se ao exercício de alguma forma de poder. Poder e

política são, assim, quase sinônimos.

Por enquanto, é suficiente entendermos o poder simplesmente como a capacidade de influenciar o comportamento das pessoas (RIBEIRO, 1981). Nesse sentido, sempre que uma pessoa ou instituição estimula ou coage alguém de modo a influenciar seu comportamento, existe uma relação de poder. Nessa relação há, sempre, algum tipo de interesse (não necessariamente egoísta, podendo ser algum interesse altruísta, por exemplo), e tal interesse geralmente é orientado de modo a produzir uma decisão.

Vemos assim que a política, o jogo de poder – ou seja, a “transa” para se obter uma decisão qualquer – está em toda parte, na conduta humana. Quando um casal, no início de seu relacionamento, vai gradualmente marcando os papéis dentro do lar (eu mando aqui, você manda ali e assim por diante), estamos diante de um miniprocesso decisório, ou seja, de um miniprocesso político. Da mesma forma, quando os garotos de uma rua se organizam em um time de futebol e vão atribuindo responsabilidades a alguns, mesmo informalmente, também há um miniprocesso político. (RIBEIRO, 1981, p. 23)

Para haver um fenômeno político não é necessário que as pessoas que sofrem os estímulos ou a coação, em uma relação de poder, cedam necessariamente a eles. Ou seja: não é preciso que o poder exercido obtenha êxito. Um fenômeno político existe, portanto, mesmo quando aquele que sofre a ação do poder resiste a ele. A própria exis-tência de estímulos ou coerções sobre alguém, com a finalidade objetiva de influenciar seu comportamento, é suficiente para configurar um fenômeno político.

Formas explícitas e implícitas de políticaAs formas de influenciar o comportamento das pessoas são extraordinariamen-

te diversas. Somos acostumados a perceber como fenômenos políticos somente as formas mais explícitas de poder e influência, por exemplo, a situação em que um in-

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divíduo busca conscientemente mudar o comportamento de outro, utilizando-se do seu prestígio social, ou da autoridade institucional de que está investido, ou mesmo da violência física. Mas os fenômenos políticos podem ser mais sutis. Desse modo, a educação, por exemplo, configura também um fenômeno político: é um processo em que se estimula (e mesmo se obriga) as pessoas a pensarem e agirem de determinada forma.

Portanto, qualquer estímulo ou constrangimento pode configurar um fenômeno político. Até mesmo valores culturais podem sê-lo, na medida em que influenciam o modo como as pessoas pensam. Tudo isso, inclusive as formas mais explícitas e mesmo deliberadas de modificar o comportamento de outrem, constitui o que chamamos de fenômenos políticos.

Não há qualquer correlação necessária entre política institucional e formas explí-citas de poder e entre política em sentido lato e formas implícitas de exercício do poder. E isso pelas seguintes razões:

a política institucional também envolve formas sutis de poder;

a política em sentido lato, ou seja, os fenômenos políticos em geral, também abrangem formas explícitas de poder.

Portanto, a diferença entre política em sentido estrito e política em sentido lato ou fenômeno político não depende da forma como o poder é exercido, mas do tipo de ator e contexto em que se exerce o poder.

O poderA Ciência Política não trata apenas da política institucional, isto é, daquele tipo

de fenômenos associados, geralmente, aos processos de governo, às eleições ou à luta entre os partidos. A Ciência Política, na realidade, estuda todos os fenôme-nos que são permeados por algum tipo de poder (explícito ou implícito; violento ou tácito; deliberado ou inconsciente; exercido por indivíduos, por instituições ou mesmo sociedades inteiras). A matéria-prima da Ciência Política é, portanto, o poder.

A ênfase da Ciência Política na política institucionalizadaA maior parte dos esforços dos cientistas políticos está voltada para a compreen-

são e a explicação de fenômenos políticos socialmente significativos. Dentre o imenso rol de fatos políticos, a ênfase recai sobre aqueles que produzem decisões efetivas e

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

que afetam um grande número de pessoas, isto é, possuem um caráter público (RIBEI-RO, 1981, p. 15). É por isso que, apesar de qualquer fenômeno político estar apto a ser objeto de análise científica pela Ciência Política, os fatos políticos ligados ao Estado – ou seja, à política institucionalizada – são o seu principal assunto.

Política institucionalA Ciência Política estuda os fenômenos políticos, ou seja, quaisquer fenôme-

nos sociais que envolvem poder. O poder está presente em uma situação em que se exerce estímulo ou coação sobre alguém de modo a influenciar seu comporta-mento. Contudo, a Ciência Política tende a enfocar mais, por seu caráter público e socialmente significativo, a política institucional.

Política e Ciência da Política

A especificidade do objeto das ciências humanasA Ciência Política é uma ciência humana e social e, assim como qualquer ciência

humana, tem um problema metodológico importante. Ao contrário das ciências natu-rais, nas ciências humanas o pesquisador faz parte de seu objeto de estudo ou, como diz Cerroni (1986, p. 30), nas ciências sociais o objeto de estudo é o próprio sujeito que pretende conhecê-lo. Entre muitos problemas metodológicos que isso implica, o que mais nos interessa aqui é o problema da confusão entre a ciência (política) e o seu objeto de estudo (a política).

Na Física e nas outras ciências exatas, é praticamente impossível que o cientista “comprometa-se” politicamente com o seu objeto. Os fenômenos da natureza são com-pletamente independentes da imaginação, da vontade, dos valores ou dos interesses de quem os estuda. Não importa o que o cientista faça, ele não vai – e não pode – in-fluenciar as leis da natureza. Ele pode, no máximo, manipular essas forças dentro dos limites que a própria natureza impõe aos seres humanos (no laboratório, por exemplo). Nas ciências humanas, ao contrário, por causa da confusão entre o objeto e o sujeito de conhecimento, é possível que o sujeito passe a influenciar o seu objeto de estudo – e vice-versa. Assim, o cientista político pode passar a fazer política, em vez de estudá-la; ou a política (os interesses, as paixões, as ideias) pode influenciar o cientista político, co-locando em xeque a sua objetividade e, portanto, todo o empreendimento científico. Por isso, é importante distinguir claramente uma coisa da outra.

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A objetividade e a ciênciaNão há nada mais importante para uma ciência do que a objetividade. O princípio

e o propósito da ciência é construir teorias sobre a realidade a fim de descobrir a lógica, os padrões e as regularidades presentes no mundo. Desse modo, o único objetivo da ciência é criar ideias fiéis à realidade e produzir explicações críveis sobre ela. É diferente da arte, por exemplo, que não se limita a representar (teoricamente) a realidade, mas a produzir um universo de símbolos e significações independente da natureza e da rea-lidade objetiva das coisas, dando liberdade absoluta à imaginação subjetiva do artista. A imaginação científica deve ajustar-se à realidade, e assim é limitada por ela. Para isso, é preciso objetividade. Sem objetividade, não há ciência.

A Ciência Política consiste, idealmente, em um estudo lógico e metodologica-mente rigoroso, sistemático, objetivo, realista, racional, cumulativo e empiricamente orientado sobre o mundo político. Ela se pretende tão objetiva e fiel aos fatos quanto possível. Para isso, os cientistas políticos (e os demais cientistas sociais) desenvolveram métodos e técnicas de pesquisa a fim de garantir tal objetividade, controlando ou con-tornando ao máximo as preferências do pesquisador.

A distinção entre política e ciênciaComo vimos, o objeto das ciências humanas possui a especificidade, em com-

paração com as ciências naturais, de confundir-se com o próprio observador. Isso impõe sérios problemas para a objetividade das ciências humanas. Uma das principais formas de evitá-los ou diminuí-los é entender claramente a diferença entre o objeto e o observador.

No caso da Ciência Política, é imprescindível distinguir o estudo da política da prá-tica política propriamente dita: o cientista político, enquanto executa seu dever cientí-fico, não toma – e não deve tomar – partido nas questões, nos fenômenos que estuda. Se ele analisa, por exemplo, as etapas do processo que conduz à escolha e implantação de uma política governamental, ele tem que, antes de pronunciar-se sobre a justiça ou injustiça promovida por essa decisão, identificar os agentes e os interesses envolvidos no processo de escolha entre alternativas, isto é, a configuração específica de fatores que determinam o resultado político observado. O cientista político pode investigar também a organização política de uma sociedade e suas formas de governo. Pode ca-racterizar um regime político específico como democrático, ditatorial etc. Esse traba-lho de análise das relações de poder entre grupos e indivíduos deve ser prioritário em relação às suas preferências pessoais sobre a melhor forma de regime. Novamente, seu objetivo principal é responder a questões científicas acerca desses fenômenos, com a finalidade exclusiva de produzir conhecimento válido sobre os fenômenos em questão.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

O princípio heurístico da ciência e a definição de cientista político

Cientista político é o profissional que se dedica ao estudo dos fenômenos políti-cos, buscando descrevê-los e compreendê-los por meio de métodos científicos. Isso é o princípio heurístico1 do estudo e da pesquisa científica: sua finalidade é produzir conhecimento, responder a problemas científicos para conhecer a realidade, explican-do suas causas e a conexão entre os fenômenos. O cientista político está interessado, portanto, em conhecer como e por que os fenômenos políticos são ou funcionam de determinada forma. Sem esses princípios, a ciência perde o principal aspecto que a dis-tingue de outras instâncias e formas de conhecimento – ela perde a sua razão de ser.

Ciência, ética e moral: a contribuição de Nicolau Maquiavel

A ciência trata do que é e não do que deve ser. A ética de um governante, a moral de uma comunidade política e as questões que envolvem relações sociais de poder não interessam à ciência política senão como objetos de estudo.

Foi Nicolau Maquiavel (1469-1527) quem primeiro intuiu um método e aplicou os princípios científicos ao estudo da vida política. Até ele, o estudo da política consistia em uma investigação moralista e politicamente engajada dos problemas decorrentes do exercício do poder. Os pensadores sociais buscavam, em geral, idealizar e/ou pres-crever o que a política deveria ser, em vez de analisar o que ela de fato é. O estudo da política estava assim submetido a preferências muito subjetivas sobre o bom e o mau governo, a utopias generosas e irrealizáveis, e a posições politicamente interessadas – tudo isso passando por tratados objetivos e fiéis ao mundo da política.

A verdade efetiva da coisa(MAQUIAVEL, cap. XV)

“[...] sendo meu intento escrever algo útil para quem me ler, parece-me mais conveniente procurar a verdade efetiva da coisa do que uma imaginação sobre ela. Muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais foram vistos e que nem se soube se existiram na verdade, porque há tamanha distância entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes sua ruína do que sua preservação.”

1 Segundo o Dicionário Houaiss, heurística é a “arte de inventar, de fazer descobertas; ciência que tem por objeto a descoberta dos fatos”. A capacidade heu-rística de uma teoria ou ciência é sua capacidade para dar respostas a questões científicas. A cada resposta, amplia-se o conhecimento sobre um fenômeno e o arsenal de métodos de análise disponíveis, conferindo à ciência a característica cumulativa: um conhecimento e um método contribuem para o desenvolvi-mento de novos conhecimentos e métodos, que por sua vez expandem a capacidade heurística da ciência.

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Assim, Maquiavel chocou grande parte de sua geração (e choca as pessoas ainda hoje) apresentando a política como um intrincado jogo envolvendo forças orientadas de modo a conquistar, acumular e manter o poder. Sua obra mais conhecida, O Príncipe (1532), embora lido como um guia prático para se obter sucesso político (uma espécie de manual de autoajuda do político profissional), é na realidade uma reflexão profun-damente realista sobre a natureza do poder.

O autor entende a política não como um domínio em que se luta apenas por poder, prestígio e riquezas, mas principalmente por glória, reconhecimento e respeito dos governados. Esse objetivo – instrumento para, segundo Maquiavel, realizar “gran-des coisas” – depende tanto da capacidade individual do líder político (o príncipe, na metáfora por ele escolhida) quanto da sorte. Esses dois elementos são temperados pela ocasião ou, diríamos hoje, pela conjuntura, pela correlação de forças entre os agentes políticos em uma determinada situação. Um líder verdadeiro deve saber equilibrar-se entre as forças em presença, usando, se necessário, a violência. A violência não é o meio da política, mas um recurso legítimo.

A ideia de Maquiavel acerca da natureza da política (nesse caso, a política institu-cionalizada, ligada ao Estado e ao poder de Estado) foi exagerada e distorcida por seus inúmeros leitores e comentadores. Mas o que interessa aqui é, antes de tudo, a forma como Maquiavel desenvolve seu argumento; é o que lhe confere o atributo de funda-dor da Ciência da Política. Ele parte de questões profundamente práticas – questões que todos os políticos se colocam todos os dias – para refletir, objetivamente, sobre elas:

O que é necessário para um líder conquistar o poder?

O que é preciso para que um líder sustente o Estado?

De que modo se deve governar uma comunidade política?

É melhor se amado ou temido pelos governados?

Como evitar os aduladores?

Como lidar com os assessores?

Na busca de respostas para esses problemas, ele reflete sobre fatores e causas do sucesso ou insucesso dos políticos de seu tempo. Ao fazer isso de maneira realista (ainda que apaixonada), ele inaugura a abordagem “científica” da política.

Maquiavel busca identificar qualquer fator ou causa que possa ser determinante do fenômeno que estuda, a despeito de qualquer implicação ética ou moral. Descobre ele – ou melhor, revela ele – que, na maioria dos casos, o jogo político é um jogo de interesses envolvendo cálculos para atingir fins geralmente tidos como “egoístas”, uti-lizando meios muitas vezes cruéis e injustos. Ele conclui que os homens envolvidos na Ci

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

política real agem – e precisam agir – de forma egoísta e por vezes cruel para atingir seus objetivos. Essa descoberta, contudo, vai de encontro com as visões aprazíveis da política – como a “busca do bem comum”, “a realização do interesse público” – ou visões estritamente prescritivas, e moralmente convenientes, como as da Igreja da época do Renascimento.

Vejamos um exemplo.

Em certa altura de O Príncipe, Maquiavel fala de Agátocles (317-289 a.C.), guerreiro que se tornou rei de Siracusa e ficou reconhecido por sua imensa crueldade. Apesar de desaprovar moralmente as atitudes de Agátocles, Maquiavel observa como sua cruel-dade foi determinante para suas conquistas e para seu sucesso político em geral:

Não se pode chamar de “valor” assassinar seus cidadãos, trair seus amigos, faltar à palavra dada, ser desapiedado, não ter religião. Essas atitudes podem levar à conquista de um império, mas não à glória. Pois, considerando o valor de Agátocles ao entrar e sair de perigos e a grandeza de ânimo para suportar e superar as adversidades, não se vê por que ele deva ser julgado inferior a qualquer líder excelente. Todavia, a sua crueldade feroz, a sua desumanidade e as maldades infinitas impedem que seja celebrado entre os homens excelentes. (MAQUIAVEL, 1996, p. 44)

Lembramos que a política não é, necessariamente, ou não precisa ser sempre egoísta, mesquinha, cruel etc. Ela pode mobilizar indivíduos virtuosos e idealistas, e proceder escrupulosamente. Se a Ciência Política descobrir que os atributos e valo-res morais positivos são causas dos fenômenos políticos analisados, ou mesmo que são importantes para o sucesso político, a Ciência Política irá reconhecê-los enquanto tais, da mesma maneira que faz com atributos moralmente negativos. Nesse sentido, Maquiavel recusa os valores morais porque ele acredita que as forças que movem a política e conferem sucesso político, pelo menos nos casos que analisa, são muitas vezes amorais ou imorais. Maquiavel fornece, portanto, um modelo de atitude científi-ca: ele nos mostra quais os efeitos das atitudes práticas de tal ou qual líder político; se são eficazes politicamente ou não; se são suficientes para produzir os efeitos políticos desejados ou não etc. Não busca aprovar ou reprovar qualquer atitude política por ela ser moralmente negativa.

Isso não quer dizer que o cientista político não possa ou não deva tomar partido nas questões que estuda. Só não o deve fazer enquanto assume e cumpre o seu papel de cientista. No trecho que apresentamos há pouco, o próprio Maquiavel reprova “moral-mente” as atitudes de Agátocles, reconhecendo, contudo, de maneira realista, que elas foram eficientes.

A ação política do cientista deve apresentar-se abertamente dessa forma: como uma ação política; não pode orientar os achados da pesquisa ou mesmo substituí-la. Não compete à ciência tomar partido entre tal ou qual questão política ou posição moral; ainda que o cientista possa, enquanto ator político ou como cidadão comum, assumir posições políticas – fora da pesquisa científica.

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A vocação científica e a vocação política

Max Weber (1864-1920) distinguiu admiravelmente bem a vocação científica e a vocação política (WEBER, 2000). O principal da distinção nós já abordamos: o cientis-ta é um profissional da ciência e, enquanto pratica a ciência, orienta-se pela finalida-de heurística e pela objetividade, ou seja, deve responder objetivamente a questões científicas buscando assim descrever e explicar os fenômenos políticos. O político, pelo contrário, age politicamente: orienta-se a partir de uma ideologia ou mesmo de uma ética que não tem como objetivo a descoberta da “verdade”; não busca aproximar-se da realidade ou esclarecê-la, mas mobilizar e influenciar as pessoas; persegue e busca realizar projetos com vistas a produzir efeitos sociais. A atividade política é permeada de valores e de interesses – sejam “bons” ou “maus” – que não seguem, e não precisam seguir, as exigências do método científico, exatamente porque não estão comprometi-dos com o realismo e com a finalidade da ciência.

Como a ciência pode auxiliar a política e a humanidade em geral

É claro, a pesquisa científica pode ter consequências políticas. As descobertas da ciência frequentemente produzem aplicações ou efeitos políticos, até mesmo aci-dentalmente. Mas o fazem por causa dos fatos que a ciência desvela ou esclarece. As finalidades técnicas ou políticas são consequências, e não princípios da pesquisa cien-tífica. Pode-se até mesmo pedir auxílio à ciência para decidir sobre questões técnicas ou políticas, mas o que a ciência irá responder é se determinada coisa produz ou não produz determinado efeito; se determinado fenômeno é causado por outro; se é mais ou menos provável que um fenômeno qualquer ocorra caso um fator ou processo qual-quer esteja presente etc.

Tome-se o caso dos sistemas eleitorais.

Quando se comparam diferentes fórmulas que definem como será contabiliza-do o voto das pessoas – por meio do sistema majoritário, do sistema proporcional, se devem ser adotados ou não distritos eleitorais de tamanho reduzido etc. –, o es-pecialista pode afirmar, com razoável segurança, a partir da comparação com outras experiências políticas, quais serão os efeitos práticos de se adotar o modelo “a” ou “b”. O cientista político pode prever, inclusive, que impactos essa mudança terá sobre o sistema de partidos, se levará ou não à diminuição do número de partidos, e se isso é eficiente ou não para a estabilidade democrática. O cientista político pode até preferir um sistema eleitoral a outro, pode inclusive defender publicamente um tipo específico de mudança. O que ele está obrigado a fazer, contudo, é explicar, objetivamente, todos os prós e contras envolvidos no fenômeno estudado.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

A ciência – em nosso caso, a Ciência Política – não responde portanto à questão do que devemos fazer em nossas vidas ou que tipo de coisa é melhor; pois essas não são questões científicas; não se referem a julgamentos de fato, mas de valor; competem à ética e à consciência dos indivíduos. Mas a ciência pode nos dizer quais serão as con-sequências prováveis de nossos atos; quais seriam as condições ótimas para que tal ou qual objetivo se realize.

Conhecimento da realidadeA Ciência Política estuda a política; ela não se confunde com a prática política.

A Ciência Política pode, todavia, fornecer suporte para a ação política esclarecendo sobre os efeitos que podem ocorrer dependendo da decisão tomada; as pessoas podem muito bem utilizar o conhecimento da realidade produzido pela Ciência Po-lítica para transformar essa realidade.

Principais tradições da Ciência Política contemporânea

Fizemos uma breve descrição do objeto e do método da Ciência Política que tornou claro como esse objeto (os fenômenos políticos) abrange uma grande varie-dade de fatos nas sociedades humanas. Além disso, é preciso dizer também que há várias formas de estudar os mesmos fatos e várias são as explicações possíveis para eles. Formas diferentes de abordar e explicar os fenômenos políticos implicam teorias diferentes e às vezes opostas. Elas muitas vezes competem entre si pela explicação mais legítima ou mais eficiente dos fenômenos políticos.

A seguir, apresentamos as principais tradições teóricas da Ciência Política, sinteti-zando seu argumento principal e seu foco de análise.

InstitucionalismoO Institucionalismo foi a primeira escola teórica com a pretensão de se consti-

tuir como uma Ciência da Política. Desenvolveu-se nos Estados Unidos entre o fim do século XIX e a década de 1920. Sua principal influência intelectual foi a Filosofia clássica alemã2. Em função disso, sua ênfase analítica era sobre o Estado (também o principal

2 A Filosofia clássica alemã se desenvolveu nos séculos XVIII e XIX e tem esse nome por causa da significativa quantidade de grandes filósofos alemães que surgiram nesse período. Os principais deles são Immanuel Kant (1724-1804), Johann G. Fichte (1762-1814), Georg W. F. Hegel (1770-1831), Friedrich W. J. Schell-ing (1775--1854), Arthur Schopenhauer (1788-1860) e Friedrich W. Nietzsche (1844-1990).

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conceito dos institucionalistas), enfatizando sua soberania absoluta e ignorando limi-tações ao seu poder – seja pela religião, seja por instituições típicas das sociedades liberais, como a propriedade privada e os direitos civis (ALMOND, 1990, p. 190).

A tradição teórica institucionalista esteve essencialmente comprometida com um projeto político. Foi deliberadamente orientada no sentido de auxiliar a política demo-crática. Seu objetivo principal era estudar e racionalizar a estrutura legal do regime de-mocrático norte-americano e desenvolver métodos de educação democrática dos ci-dadãos, de modo a ajustá-los aos preceitos da democracia liberal representativa. Tendo esse projeto no horizonte, e inspirados pela Filosofia clássica alemã, os institucionalis-tas lançaram mão de métodos filosóficos, jurídicos e históricos em seus estudos. Sua ênfase residia nos aspectos formais e legais das instituições políticas (democráticas).

Apesar do caráter formalista e filosófico de sua abordagem, e do aspecto para-doxal de uma “ciência subsumida pela política”, os institucionalistas esforçaram-se para desenvolver e utilizar técnicas de pesquisa empírica. Foram os primeiros a aplicar surveys (“pesquisas de opinião”) para avaliar e medir as disposições democráticas dos cidadãos.

Trabalhos clássicos do Institucionalismo Political Science, or the State Theoretically and Practically Considered, de Theo-dore Woolsey, de 1878 (WOOLSEY, 1878).

The State: elements of historical and practical politics, de Woodrow Wilson, de 1889 (WILSON, 1918).

Entretanto, o Institucionalismo foi sistematicamente perdendo força e expressão na Ciência Política norte-americana à medida que vários cientistas políticos passaram a se opor a ele. As principais razões dessa progressiva aversão foram:

a grande ênfase que o Institucionalismo dava ao Estado;

a concepção do Estado como uma entidade suprema, quase metafísica, desli-gada da sociedade;

a perspectiva excessivamente formalista do Institucionalismo, já que se dava pouca ou nenhuma atenção ao comportamento político dos cidadãos e aos processos de produção e implementação de decisões públicas – os institucio-nalistas se limitavam a constatá-los.

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Comportamentalismo

Os fundamentos do Comportamentalismo: a Escola de Chicago

Por volta do início da década de 1920, a partir do programa de pesquisa fun-dado por Charles Merriam, surge, na Universidade de Chicago, uma nova escola de pensamento sociológico: a Escola de Chicago. Ao lado de seus seguidores e colabo-radores, Harold Gosnell e Harold Lasswell foram responsáveis pelo desenvolvimento de um modelo teórico-metodológico e de um programa de pesquisa que, a partir da década de 1940, inspirariam a chamada behavioralist revolution (a “revolução comportamentalista”).

A Escola de Chicago influenciou e inspirou profundamente os cientistas políticos norte-americanos a partir da década de 1920. Suas pesquisas ressaltaram a existência de um grande nível de fragmentação sociopolítica na sociedade americana, fortale-cendo os argumentos dos investigadores que se opunham ao “estatismo exarcebado” (a demasiada ênfase na soberania do Estado) dos institucionalistas.

Apoiado na psicologia, o Comportamentalismo mudou o foco de análise das ins-tituições políticas e em especial do Estado para o comportamento político dos indivídu-os. Essa nova perspectiva buscava entender o comportamento dos agentes políticos (cidadãos, eleitores ativos, políticos profissionais), a partir de aspectos mentais e de fenômenos psicológicos. Os processos políticos serão tidos, a partir daí, como passíveis de explicação por meio das características psicológicas dos indivíduos.

O Comportamentalismo desenvolveu e aplicou métodos de pesquisa rigorosos, especialmente surveys e experimentos psicológicos que buscavam encontrar correla-ções entre o comportamento político observado e aspectos psicológicos individuais, analisando, por exemplo, as atitudes, os estados emocionais, o conteúdo verbal e as condições psicológicas, medidos por meio de entrevistas e indicadores fisiológicos como o ritmo cardíaco, a pressão sanguínea etc. (ALMOND, 1996).

A partir do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tomou força a principal vertente do Comportamentalismo, o Pluralismo, que viria a ser a tradição dominante na Ciência Política nas décadas de 1950 e 1960.

A principal corrente comportamentalista: o Pluralismo

No Pluralismo, o conceito de Estado é substituído pelo de governo e, mais tarde, por sistema político. A ideia por trás dessa substituição era tanto heurística

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como política: pretendia-se evitar a ênfase na “soberania” do Estado3 ressaltando os grupos de interesse que agem fora da esfera do governo.

Os pluralistas buscaram apontar a existência de grupos de interesse, bem como os defenderam politicamente contra o que chamavam de monismo do Estado, referindo- -se à tendência do velho institucionalismo de exacerbar o poder do Estado. Sua ênfase, seguindo a tradição da Escola de Chicago, reside nos indivíduos, na esfera privada, enfatizando a ação e a influência de grupos políticos organizados (legais ou não) na política. O processo decisório, ou seja, o processo pelo qual as demandas sociais são processadas e implementadas pelo sistema político, passa a ser o principal objeto de estudo da Ciência Política americana. Como os grupos de pressão (integrantes da so-ciedade civil) são representados no processo decisório pelos políticos, deriva daí que as políticas são o produto da influência de grupos que estão fora do Estado. Assim, a ênfase pluralista sobre o processo decisório exprime a visão liberal, por parte dos plu-ralistas, do Estado como uma instituição submetida à sociedade civil.

O argumento dos pluralistas era fortalecido por fenômenos políticos reais que ocorriam no mundo ocidental, como a proliferação de instituições de representação de interesses, os partidos políticos, os sindicatos profissionais e, sobretudo, as instân-cias politicamente atuantes (extralegais ou paralegais) como os grupos de pressão, a mídia de massa, as igrejas, as associações civis (GUNNEL, 1995; ALMOND, 1990).

Em seus estudos, os pluralistas normalmente analisam um processo de formula-ção e implementação de uma decisão política qualquer. Então, identificam os atores envolvidos (políticos profissionais, grupos de pressão, associações interessadas, a mídia etc.), os recursos e a capacidade de cada um para interferir no processo decisório no intuito de garantir a realização de seus interesses.

Trabalhos clássicos do Pluralismo Who Governs?, de Robert Dahl, de 1961 (DAHL, 1961).

A Systems Analisys of Political Life, de David Easton, de 1965 (EASTON, 1965).

Politics: who gets what, when, and how, de Harold Laswell, de 1936 (LASWELL, 1936).

3 Tal ênfase é uma herança dos teóricos contratualistas, como Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), e da Filosofia alemã. A expressão soberania do Estado refere-se, basicamente, à legitimidade que possui o Estado como detentor do monopólio da violência física e como gestor de todos os assuntos comuns da sociedade. Trata-se da instituição que detém todo o poder de conceber e aplicar leis de alcance universal dentro do território. A máxima “um governo, um povo, um território” exprime bem essa ideia. Os pluralistas tendem a enfatizar os grupos de pressão e outras instâncias da sociedade civil, que influenciam e orientam o Estado. Eles fazem isso por meio de sua ênfase analítica sobre o processo decisório, ou seja, de formulação e implementação de políticas públicas, submetendo tal processo à influência dos grupos de pressão, que são representados no governo pelos políticos. Muitos até mesmo recusam ou evitam usar a palavra Estado.Ci

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Por causa dessa ênfase nos chamados grupos de pressão ou de interesse e a tendên-cia de enxergar a realidade política como uma miríade de grupos concorrendo entre si, muitos autores acusaram o Pluralismo de estar comprometido tacitamente com a democracia, em especial a norte-americana. De todo modo, como grupos de pressão e interesse existem abertamente e atuam de forma visível somente em democracias mais ou menos estáveis e consolidadas, é natural que os pluralistas estudem a política quase que exclusivamente nos regimes democráticos.

CulturalismoA Ciência Política culturalista é uma importante tradição teórica que se desenvol-

veu, especialmente nos Estados Unidos, a partir da década de 1960. Trata-se de uma tradição altamente influenciada pela Sociologia. Ao contrário do Institucionalismo ou do Comportamentalismo, busca explicar os fenômenos políticos a partir da cultura po-lítica da população ou país estudado.

A cultura política consiste, basicamente, em padrões de comportamento e siste-mas de valores e percepção generalizados na sociedade. A principal característica do argumento culturalista é que nenhuma instituição política (por exemplo, um regime político) pode funcionar adequadamente se não houver, na sociedade, uma cultura política compatível.

A partir dessa perspectiva, os culturalistas sustentam que deve haver uma com-plementaridade ou uma congruência entre a cultura política e as instituições políticas para que o sistema político funcione adequadamente. No caso da democracia, deve haver uma cultura participativa, ou o que chamam de cultura cívica. Por isso, Almond e Verba (1989) sustentam a ideia de que a democracia não funciona apenas com institui-ções políticas democráticas. Ela precisa de uma cultura política democrática e participa-tiva para funcionar e manter-se.

Discutindo com o Comportamentalismo, em especial com o Pluralismo, os cul-turalistas argumentam que o sistema político (o governo e todas as instâncias da so-ciedade que têm influência política significativa) depende de os indivíduos possuírem certas orientações psicológicas para funcionar. Essas “orientações psicológicas” de que falam os culturalistas são formas de pensamento; formas de entender e agir na realida-de. Essas formas de pensamento dependem da cultura da sociedade. Por sua vez, as instituições políticas dependem das formas de pensamento/cultura política dos indiví-duos para operar adequadamente.

Os culturalistas têm como foco, portanto, a cultura política de uma sociedade. Fazem grandes pesquisas de opinião e sondagens sobre atitudes (surveys) com um grande número de pessoas para identificar a cultura política de um grupo ou país. Analisam

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também a história política e social desse país, de modo a fundamentar as conclusões que tiram dos surveys. Tendem, igualmente, a tecer comparações entre várias socieda-des, em momentos diferentes ou mesmo entre lugares diferentes da mesma sociedade buscando, por meio da comparação, distinguir e identificar a evolução/transformação da cultura política.

Trabalhos clássicos do Culturalismo The Civic Culture, de Gabriel Almond e Sidney Verba, de 1963 (ALMOND; VERBA, 1989).

Making Democracy Work: civic traditions in modern Italy, de Robert Putnam, de 1993 (PUTNAM, 1993).

MarxismoO marxismo é uma corrente teórica que surgiu da obra do intelectual alemão Karl

Marx (1818-1883), influenciando muitos outros pensadores que buscaram, no século XX, desenvolver e aperfeiçoar seu legado teórico e político. É uma das tradições inte-lectuais mais influentes não apenas a Ciência Política como também em grande parte das ciências humanas (Economia, Sociologia, Estudos Culturais etc.).

A importância do marxismo para a Ciência Política é evidente pelo fato de a po-lítica ser um elemento central da obra de Marx – e não somente a política formal, ins-titucional, à qual ele também confere muita atenção, especialmente em suas obras históricas, entre as quais se destaca O 18 Brumário de Louis Bonaparte (1852) – mas especialmente porque a dimensão política, ou seja, o poder e o conflito, faz parte da própria visão de Marx sobre as sociedades humanas.

Todas as sociedades são constituídas e divididas entre classes sociais distintas. As condições objetivas ou de existência, principalmente as condições econômicas, definem as classes sociais. Cada classe social detém parte dos recursos e bens (principalmente econômicos) da sociedade. Eis o aspecto político disso tudo: há, sempre, uma luta (ao mesmo tempo explícita e implícita) entre as classes sociais pela posse desses recursos e bens. Dessa luta deriva uma hierarquia entre as classes.

Por isso, em todas as sociedades há classes dominantes e classes dominadas. Na sociedade capitalista, a classe dominante é a dos capitalistas, isto é, a classe dos indiví-duos e grupos que detêm os meios e os instrumentos de produção; enquanto a classe dominada é o proletariado, isto é, a classe dos indivíduos e grupos que vendem a sua força de trabalho para os capitalistas. Na sociedade capitalista, o que faz os capitalistas Ci

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dominarem o proletariado é exatamente a natureza do vínculo econômico entre eles: a riqueza gerada pelo trabalho do trabalhador é, em sua esmagadora maioria, apro-priada pelo capitalista, que devolve ao trabalhador, em forma de salário, apenas uma pequena parcela da riqueza gerada pelo seu trabalho.

Mas no marxismo a “política” não se encerra aí. O Estado é uma peça central do pensamento marxista pelo motivo de ele desempenhar uma função central na domina-ção de uma classe pela outra: o Estado sempre funciona de modo a conservar a ordem de qualquer sociedade. Isso pode ser feito tanto diretamente, isto é, por meio da posse do aparelho estatal por parte da classe dominante, como indiretamente, graças ao pró-prio funcionamento objetivo do Estado em nome da “economia de mercado”. De toda forma, no capitalismo o Estado sempre funciona de modo a conservar os princípios da ordem: a propriedade privada e os vínculos econômicos que ligam trabalhadores e capitalistas. É por isso que o Estado contribui para a dominação, assegurando a coesão e a conservação de uma sociedade essencialmente desigual (POULANTZAS, 1977).

Tal é a razão de o marxismo sempre enfatizar o Estado em seus estudos, ainda que de uma forma bastante diferente dos institucionalistas.

Ele aborda, também, as relações que se estabelecem entre o Estado e as várias classes sociais, e as formas específicas de que se revestem as relações antagônicas entre classes, enfatizando sempre a dimensão econômica (as relações sociais de pro-dução; o modo de produção) dessas relações.

Trabalhos clássicos do Marxismo O 18 Brumário de Louis Bonaparte, de Karl Max, de 1852 (MARX, 1997).

A Ideologia Alemã, de Karl Marx e Friedrich Engels, de 1846 (MARX, 2007).

Poder Político e Classes Sociais, de Nicos Poulantzas, de 1968 (POULANTZAS, 1977).

Cadernos do Cárcere, de Antonio Gramsci, escrito entre 1926 e 1937 ( GRAMSCI, 2004).

O Estado na Sociedade Capitalista, de Ralph Miliband, de 1969 (MILIBAND, 1973).

NeoinstitucionalismoO Neoinstitucionalismo compreende a principal tradição teórica surgida na Ciência

Política contemporânea, após o Comportamentalismo. Este movimento ganhou força a

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partir da década de 1970. Como o nome sugere, trata-se de uma tradição teórica que volta a colocar as instituições políticas e sociais no centro das atenções. Há, contudo, duas abordagens radicalmente diferentes que reivindicam ou são reconhecidas pelo rótulo de neoinstitucionalistas, e são suas correntes principais.

Neoinstitucionalismo de escolha racional

O Neoinstitucionalismo de escolha racional deriva do movimento de aplicação de teorias oriundas da Economia à Ciência Política, especialmente a teoria da escolha racional, que é uma teoria econômica que constrói seu argumento a partir de axiomas ou grandes premissas sobre a natureza do comportamento humano.

Esses axiomas referem-se à natureza calculista, racional e maximizadora (podería-mos mesmo dizer egoísta) do ser humano. Todos os indivíduos estabelecem objetivos e os perseguem racionalmente, no sentido econômico do termo, ou seja, buscam atin-gir os fins determinados com o mínimo dispêndio de recursos (meios). Isso permite a realização de vários cálculos e previsões, pois os analistas buscam prever a ação que o indivíduo irá tomar partindo da premissa de que seu raciocínio seria racional e que sua avaliação entre os fins e meios seria semelhante à do analista.

A dimensão institucional do Neoinstitucionalismo de escolha racional consiste em entender as instituições como as “regras do jogo”. Assim, as instituições políticas são vistas como conjuntos de regras que definem o que está em jogo e como se deve jogar.

Imaginemos como se dá o “jogo da política”.

Cada regime tem uma estrutura institucional peculiar que estabelece princípios e normas para se fazer política. Os neoinstitucionalistas de escolha racional analisam então as regras que regulam o jogo para considerar como elas afetam os cálculos e o comportamento dos indivíduos. Essas regras vão desde as formas implícitas que regu-lam a distribuição do poder em uma comunidade até as normas constitucionais que definem as atribuições e disciplinam o funcionamento do Congresso, por exemplo. O intuito é prever, da maneira mais precisa possível, as ações e as opções dos “jogadores”. As instituições têm aqui esse sentido: são regulamentos tais como aqueles que orien-tam um jogo de tabuleiro e discriminam a margem de manobra dos concorrentes.

A ênfase dessa corrente recai sobre o comportamento político de grupos e indiví-duos. São já tradicionais os estudos sobre a ação de políticos e partidos no Parlamento. Trata-se de uma teoria frequentemente aplicada a casos mais pontuais e específicos.

O Institucionalismo de escolha racional tem, contudo, a grande desvantagem de não levar em consideração as especificidades do universo da política em relação à eco-

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nomia, de onde tirou a inspiração para construir o modelo para analisar as ações de indivíduos e grupos. Outra insuficiência dessa perspectiva analítica é desconsiderar a história das instituições políticas, ou como a história e os fatores sociais pesam na escolha e na ação política dos indivíduos.

Esse é o assunto da outra corrente, o Neoinstitucionalismo histórico, que veremos a seguir.

Trabalhos clássicos do Neoinstitucionalismo de escolha racional An Economic Theory of Democracy, de Anthony Downs, de 1957 (DOWNS, 1957).

The Logic of Collective Action, de Mancur Olson, de 1965 (OLSON, 1965).

Neoinstitucionalismo histórico

Assim como o Culturalismo, o Neoinstitucionalismo histórico é uma tradição teó-rica altamente influenciada pela Sociologia. Sua concepção das instituições e a forma como as considera são largamente inspiradas pela Sociologia clássica de Max Weber, Karl Marx e Émile Durkheim (1858-1917). Entendem as instituições como algo além de meras “regras de jogo” – como fazem os neoinstitucionalistas de escolha racional. Sustentam que instituições políticas (e, na verdade, quaisquer instituições sociais) con-sistem em maneiras de ser, pensar e agir que, com o passar do tempo e por meio de processos históricos complexos, generalizam-se na sociedade, incorporando-se nas “coisas” (nos códigos jurídicos, nos protocolos formais etc.) e nas “mentes” (nos siste-mas de valores e nas formas de pensamento) das pessoas.

As instituições consistem assim em regularidades que atravessam toda a socieda-de e exercem coerção sobre os indivíduos, obrigando-os a ajustarem seu comporta-mento a determinadas regras e princípios.

As instituições podem ser formalizadas, como no caso da família ou do Direito, ou podem ser informais, como costumes sociais, formas de organização econômica regulares porém não formalizadas ou hierarquias sociais tácitas. Ainda que não deixem de ser “regras do jogo”, vão muito além disso, estando mesmo na base do pensamento dos indivíduos.

Esse Neoinstitucionalismo também se distingue daquele de escolha racional porque é histórico, ou seja, ele estuda e enfatiza a transformação das instituições com o passar do tempo. Dessa forma, o Neoinstitucionalismo histórico busca explicar os fenômenos políticos analisando o processo histórico de formação e transformação das instituições sociopolíticas.

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Os neoinstitucionalistas históricos buscam explicar fenômenos históricos e políti-cos de longo alcance, como o processo de modernização das sociedades (a passagem da sociedade tradicional para a sociedade industrial) ou a transformação de regimes políticos e sociais (a passagem dos regimes comunistas aos capitalistas, ou a transição das ditaduras militares para a democracia constitucional).

Trata-se, portanto, de uma teoria de grande alcance que pode, contudo, ser apli-cada a casos mais específicos, como a formação de uma política de governo. Aqui, o foco de análise residiria na história do sistema institucional (que pode ser formal ou não) responsável por definir e decidir sobre uma questão política específica.

Trabalhos clássicos do Neoinstitucionalismo histórico States and Social Revolutions, de Theda Skocpol, de 1979 (SKOCPOL, 1979).

Big Structures, Large Processes, Huge Comparisons, de Charles Tilly, de 1984 (TILLY, 1984).

ConclusãoDefinimos o objeto de estudo da Ciência Política, isto é, a política e os fenôme-

nos políticos. Vimos como a política refere-se, sempre, a processos que envolvem poder, e como a Ciência Política busca descrever e explicar esses processos. Também distinguimos claramente ciência e política, de modo a deixar claro que a Ciência Po-lítica não se confunde com a política propriamente dita (seu objeto de estudo). Essa distância é muito importante para que a Ciência Política seja, de fato, uma ciência. A seguir, apresentamos as principais correntes teórico-metodológicas que compõem a Ciência Política. A Ciência Política atual, especialmente a norte-americana, é extrema-mente especializada, sofisticada e complexa. Há muitas subdivisões nas correntes que apresentamos, e outras menores que não mencionamos aqui. O debate entre elas é também extremamente rico e instigante e é impossível reproduzi-lo em poucas pági-nas. Assim, convidamos o estudioso interessado a consultar as Referências, de modo a aprofundar seu conhecimento.

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Texto complementar

O príncipe (fragmentos)(MAQUIAVEL, 2001, p. 25-28, 77)

Capítulo IVA razão pela qual o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se rebelou contra seus sucessores após a morte deste

1. Consideradas as dificuldades que devem ser enfrentadas para a conserva-ção de um Estado recém-conquistado, alguém poderia ficar pasmo ante o fato de que, tendo se tornado senhor da Ásia em poucos anos, não apenas havia termina-do sua ocupação Alexandre Magno veio a morrer e, a despeito de parecer razoável que todo aquele Estado devesse rebelar-se, seus sucessores o conservaram e para tanto não encontraram outra dificuldade senão aquela que, por ambição pessoal, nasceu entre eles mesmos. Argumento: os principados de que se conserva memória têm sido governados de duas formas diversas: ou por um príncipe, sendo todos os demais servos que, como ministros por graça e concessão sua, ajudam a governar o Estado, ou por um príncipe e por barões, os quais, não por graça do senhor mas por antiguidade de sangue, têm aquele grau de ministros. Estes barões têm Estados e súditos próprios que os reconhecem por senhores e a eles dedicam natural afeição. Os Estados que são governados por um príncipe e servos têm aquele como maior autoridade, porque em toda a sua província não existe alguém reconhecido como chefe senão ele, e se os súditos obedecem a algum outro, fazem-no em razão de sua posição de ministro e oficial, não lhe dedicando o menor amor.

2. Os exemplos dessas duas espécies de governo são, nos nossos tempos, o Turco e o rei de França. Toda a monarquia do Turco é dirigida por um senhor: os outros são seus servos; dividindo o seu reino em sandjaks, para aí manda diversos administradores e os muda e varia de acordo com sua própria vontade. Mas o rei de França está em meio a uma multidão de antigos senhores que, nessa qualidade, são reconhecidos pelos seus súditos e por eles amados: têm as suas preeminências e não pode o rei privá-los das mesmas sem perigo para si próprio. Quem tiver em mira, pois, um e outro desses governos, encontrará dificuldades para conquistar o Estado Turco, mas, vencido que seja este, encontrará grande facilidade para conservá-lo, Ao contrário, encontrar-se-á em todos os sentidos maior facilidade para ocupar o Estado de França, mas grande dificuldade para mantê-lo.

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3. As razões da dificuldade em ocupar o reino do Turco decorrem de não poder o atacante ser chamado por príncipes daquele reino, nem esperar, com a rebelião dos que rodeiam o soberano, poder ter facilitada a sua empresa: é o que resulta das razões referidas. Porque, sendo todos escravos e obrigados, são mais dificilmente corruptíveis e, quando fossem subornados, pouco de útil poder-se-ia esperar, visto não serem eles capazes de arrastar o povo atrás de si, pelos motivos já mencionados. Logo, se alguém assaltar o Estado Turco, deve pensar que irá encontrá-lo todo unido, convindo contar mais com suas próprias forças que com as desordens dos outros. Mas, vencido que seja e uma vez desbaratado em batalha campal de modo que não possa refazer os exércitos, não se deve recear outra coisa senão a dinastia do prínci-pe; uma vez extinta esta, ninguém mais resta que deva ser temido, já que os demais não gozam de prestígio junto ao povo; e como o vencedor deste nada podia esperar antes da vitória, depois dela não deve receá-lo.

4. O contrário ocorre nos reinos como o de França, porque com facilidade podes invadi-lo em obtendo o apoio de algum barão do reino, pois que sempre se encon-tram descontentes e os que desejam fazer inovações. Estes, pelas razões referidas, podem abrir o acesso àquele Estado e facilitar a vitória. Esta, depois, se desejares manter-te, arrasta atrás de si infinitas dificuldades, seja com aqueles que te ajuda-ram, seja com os que oprimiste. Não é bastante extinguir a estirpe do príncipe, pois permanecem aqueles senhores que se tornam chefes das novas revoluções e, não podendo nem contentá-los nem exterminá-los, perde aquele Estado tão logo surja a oportunidade.

5. Ora, se for considerado de que natureza era o governo de Dario, se o encon-trará semelhante ao reino do Turco. Para Alexandre foi necessário primeiro encurra-lá-lo e desbaratá-lo em batalha campal sendo que, depois da vitória, estando morto Dario, aquele Estado tornou-se seguro para Alexandre pelas razões acima expostas. Seus sucessores, se tivessem sido unidos, poderiam tê-lo gozado tranquilamente, pois ali não surgiram outros tumultos que não os por eles próprios provocados. Mas quanto aos Estados organizados como o da França, é impossível possuí-los com tanta tranquilidade. Dessa circunstância é que nasceram as frequentes rebeliões da Espanha, da França e da Grécia contra os romanos; em decorrência do grande número de principados que havia naqueles Estados e por todo o tempo em que per-durou a sua memória os romanos estiveram inseguros na posse daqueles domínios. Mas extinta a lembrança dos principados, com o poder e a constância de sua autori-dade, os romanos tornaram-se dominadores seguros. Puderam eles, também, com-batendo mais tarde em lutas internas, arrastar cada facção, para o seu lado, parte daquelas províncias, segundo a autoridade que havia adquirido junto a elas; e essas províncias, por não mais existir o sangue de seus antigos senhores, não reconheciam

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senão a soberania dos romanos. Consideradas, pois, todas estas coisas, ninguém se maravilhará da facilidade que Alexandre encontrou para conservar o Estado da Ásia, e das dificuldades que foram arrostadas pelos outros para manterem o conquistado, como Pirro e muitos outros. Isso não resultou da muita ou da pouca virtude do ven-cedor, mas sim da diversidade de forma do objeto da conquista.

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Capítulo XVDaquelas coisas pelas quais os homens, e especialmente os príncipes, são louvados ou vituperados

1. Resta ver agora quais devam ser os modos e o proceder de um príncipe para com os súditos e os amigos e, porque sei que muitos já escreveram a respeito, duvido não ser considerado presunçoso escrevendo ainda sobre o mesmo assunto, máxime quando irei disputar essa matéria à orientação já por outros dada aos príncipes. Mas, sendo minha intenção escrever algo de útil para quem por tal se interesse, pareceu-me mais conveniente ir em busca da verdade extraída dos fatos e não à imaginação dos mesmos, pois muitos conceberam repúblicas e principados jamais vistos ou co-nhecidos como tendo realmente existido. Em verdade, há tanta diferença de como se vive e como se deveria viver, que aquele que abandone o que se faz por aquilo que se deveria fazer, aprenderá antes o caminho de sua ruína do que o de sua pre-servação, eis que um homem que queira em todas as suas palavras fazer profissão de bondade, perder-se-á em meio a tantos que não são bons. Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade.

2. Deixando de parte, assim, os assuntos relativos a um príncipe imaginário e falando daqueles que são verdadeiros, digo que todos os homens, máxime os prín-cipes por situados em posição mais preeminente, quando analisados, se fazem notar por alguns daqueles atributos que lhes acarretam ou reprovação ou louvor. Assim é que alguns são havidos como liberais, alguns miseráveis (usando um termo toscano, porque avaro em nossa língua é ainda aquele que deseja possuir por rapina, en-quanto miserável chamamos aquele que se abstém em excesso de usar o que possui); alguns são tidos como pródigos, alguns rapaces; alguns cruéis, alguns piedosos; um fedífrago,1 o outro fiel; um efeminado e pusilânime, o outro feroz e animoso; um

1 Fedífrago: aquele que foge a um compromisso ou não cumpre um acordo; traidor. (N. da E.)

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humano, o outro soberbo; um lascivo, o outro casto; um simples, o outro astuto; um duro, o outro fácil; um grave, o outro leviano; um religioso, o outro incrédulo, e assim por diante.

3. Sei que cada um confessará que seria sumamente louvável encontrarem-se em um príncipe, de todos os atributos acima referidos, apenas aqueles que são con-siderados bons; mas, desde que não os podem possuir nem inteiramente observá- -los em razão das contingências humanas não o permitirem, é necessário seja o prín-cipe tão prudente que saiba fugir à infâmia daqueles vícios que o fariam perder o poder, cuidando evitar até mesmo aqueles que não chegariam a pôr em risco o seu posto; mas, não podendo evitar, é possível tolerá-los, se bem que com quebra do respeito devido. Ainda, não evite o príncipe de incorrer na má faina daqueles vícios que, sem eles, difícil se lhe torne salvar o Estado; pois, se bem considerado for tudo, sempre se encontrará alguma coisa que, parecendo virtude, praticada acarretará ruína, e alguma outra que, com aparência de vício, seguida dará origem à segurança e ao bem-estar.

Atividades

Vimos que a palavra 1. política tem vários sentidos. O principal deles, próprio do senso comum, identifica a política com a política institucional, ou com aque-las ações relativas ao processo de governo. Mas há outro sentido, mais amplo, que constitui o objeto da Ciência Política. Diga qual é esse sentido de política e explique-o.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

Vimos que existe uma relação muito próxima entre o poder, os fenômenos polí-2. ticos e a Ciência Política. Por que os fenômenos políticos estão tão próximos do poder? O que isso representa para a Ciência Política? Explique.

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Descreva como a Ciência Política se relaciona com a política. Diferencie ciência 3. e política, e descreva os objetivos de cada uma.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

Especifique o foco de análise e sintetize o argumento central de três correntes 4. teórico-metodológicas da Ciência Política.