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Sociologia dos Direitos Fundamentais Francisco Quintanilha Veras Neto Sidney Francisco Reis dos Santos 2009

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Sociologia

dos Direitos

Fundamentais

Francisco Quintanilha Veras Neto

Sidney Francisco Reis dos Santos

2009

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V476 Veras Neto, Francisco Quintanilha; Santos, Sidney Francisco Reis dos. / Sociologia dos Direitos Fundamentais. / Francisco

Quintanilha Veras Neto; Sidney Francisco Reis dos Santos. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.252 p.

ISBN: 978-85-387-0785-1

1. Sociologia jurídica. 2. Direito e Sociedade. 3. Minorias. I. Título. II. Santos, Sidney Francisco Reis dos.

CDD 340.2

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Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre em Sociologia Política pela UFSC e Graduado em Direito pela mesma universidade. Advogado da Ordem dos Advogados do Brasil, Professor da Faculdade Está-cio de Sá de Santa Catarina, Consultor jurídico-interdisciplinar, mediador familiar.

Sidney Francisco Reis dos Santos

Doutor em Direito das Relações Sociais pela Univer-sidade Federal do Paraná (UFPR), Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Gradua-do em Direito pela mesma universidade. Professor adjunto titular da cadeira de História do Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande, e do Mes-trado em Educação Ambiental da mesma instituição.

Francisco Quintanilha Veras Neto

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SumárioO Estado Democrático de Direito ..................................................................13

As principais teorias sociológicas do Estado ..................................................................................13Considerações jurídico-políticas sobre o Estado Democrático de Direito .........................18

A construção dos direitos fundamentais ......................................................27

A diferenciação entre direitos fundamentais e direitos humanos ........................................27As dimensões dos direitos fundamentais ......................................................................................29Breve histórico dos direitos fundamentais ....................................................................................32

A construção dos direitos fundamentais das mulheres .........................49

Breve histórico sobre os direitos fundamentais das mulheres ...............................................49Os direitos fundamentais femininos na Idade Antiga ...............................................................50Os direitos fundamentais femininos na Idade Média ................................................................54Os direitos fundamentais femininos na Idade Moderna ..........................................................55Os direitos fundamentais femininos na Idade Contemporânea ............................................56Os direitos fundamentais femininos no Brasil ..............................................................................59

A construção dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes ....... 69

A luta pela construção dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes de rua no Brasil.......................................................69O Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua .............................................................75O Estatuto da Criança e do Adolescente e a implementação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes de rua ..............78

A construção dos direitos fundamentais dos idosos ...............................85

Breve histórico sobre os direitos fundamentais do idoso ........................................................85Os direitos fundamentais do idoso frente à dinâmica da globalização ..............................90Os direitos fundamentais do idoso no Brasil .................................................................................92Outros direitos fundamentais do idoso previstos no Estatuto ...............................................94

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A construção dos direitos fundamentais dos homossexuais .............101

A classificação pluridimensional do sexo .....................................................................................101A homossexualidade na História (a questão no mundo e no Brasil) ...................................102

A construção dos direitos fundamentais dos povos indígenas ........117

História ameríndia na América Latina ............................................................................................117O Direito Indígena e a herança colonial latino-americana .....................................................120A política indigenista brasileira (experiência distante da realização dos direitos fundamentais dos ameríndios brasileiros) ................................124O avanço da cidadania indígena: caminho para a garantia de seus direitos fundamentais ........................................................127

A construção dos direitos fundamentais dos afro-descendentes .......133

O colonialismo e a escravidão negra: a origem da discussão ...............................................133A origem das cotas raciais: o debate nos EUA ............................................................................137A questão dos afro-descendentes no Brasil ................................................................................142

A construção dos direitos fundamentais das pessoas portadoras de necessidades especiais ..............................151

Breve histórico sobre a exclusão dos portadores de necessidades especiais .................151Os direitos fundamentais dos portadores de necessidades especiais no Brasil .............156A luta pela acessibilidade: um dos principais direitos fundamentais dos portadores de necessidades especiais no Brasil ....................160

As entidades do Terceiro Setor e a construção da cidadania ............169

A tipologia das entidades do Terceiro Setor ................................................................................169As diferenças entre os Movimentos Sociais, Organizações Não-Governamentais (ONGs) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) ...................173Um olhar do pluralismo jurídico comunitário participativo sobre as entidades do Terceiro Setor e a construção da cidadania ...........177

O espaço urbano no Brasil .............................................................................187

Breve histórico sobre o desenvolvimento das cidades ...........................................................187Reflexões sociológicas sobre o Estatuto da Cidade ...................................................................188

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O Estatuto da Cidade: objetivos e finalidades ............................................................................190A importância socioambiental do plano diretor para o desenvolvimento das cidades ...............................................................................191

A proteção sociojurídica do meio ambiente no Brasil ..........................199

Evolução histórica do movimento ambientalista ......................................................................199Reflexões sociológicas sobre o Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965), percebido como um Código Ambiental .........207A percepção da ecologia política sobre a proteção sociojurídica ao meio ambiente no Brasil .................................................................211

Gabarito .................................................................................................................219

Referências ..........................................................................................................233

Anotações .............................................................................................................251

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Apresentação

A presente obra intitulada Sociologia dos Direitos Fundamentais se inicia com o 1.º capítulo centrado na reflexão sobre dois clássicos do pensamento das Ciências Sociais contemporâneas, respectivamente Karl Marx e Max Weber. Os autores são utilizados para fornecer uma inter-pretação do Estado capitalista: o primeiro por sua exposi-ção da essência do caráter classista do Estado capitalista e o segundo pela demonstração do processo de racionaliza-ção da burocracia e de institucionalização do carisma na política do Estado contemporâneo.

No capítulo 2 a distinção entre direitos humanos e di-reitos fundamentais é demonstrada, bem como a história das dimensões de direitos humanos, as várias classifica-ções jurídicas e as dificuldades para a implementação dos direitos humanos em escala global e nacional.

No capítulo 3 se discute a questão dos direitos funda-mentais das mulheres, buscando traçar pontes entre a situa-ção nacional e internacional de seus direitos fundamentais.

O capítulo 4 trata dos direitos das crianças e adoles-centes. A discussão acerca destes direitos deve ser inseri-da dentro da violência estrutural da sociedade brasileira voltada contra a população pobre no Brasil. Hoje esta vio-lência assume a roupagem institucional de uma violência voltada contra a população pobre, que inclui grupos de crianças e adolescentes de rua e em situação de risco. O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 surge como fio condutor de uma nova mentalidade que visava romper com a visão jurídica do Código de Menores de 1979.

A compreensão histórica do conceito de terceira idade permite a reflexão, apresentada no capítulo 5, acerca da questão dos direitos fundamentais dos idosos relacionada à

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Constituição brasileira de 1988 e a conquista representada pelo Estatuto do Idoso. A compreensão desta legislação, os aspectos relevantes para a sua adoção e a compreensão das forças sociais que se organizam para a sua implementação é de fundamental importância.

O capítulo 6 traz à tona um dos grupos mais mar-ginalizados ao longo da história: o dos homossexuais. O surgimento do movimento social designado como GLBTT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transgêneros ) que no curso de mobilizações iniciadas nos anos 1970 deram a base à luta atual pela igualdade buscando o reconheci-mento e aceitação da diferença de sua opção sexual. Este capítulo busca desta forma aferir os impactos sociológicos e legais da luta pela cidadania deste grupo.

O capítulo 7 identifica a problemática dos indígenas, o primeiro povo habitante desta terra e vítima de um terrí-vel genocídio. A compreensão histórica deste processo de extermínio e a luta pelo reconhecimento da sua cidadania após a ampla subjugação do período colonial e imperial (especialmente no século XX) têm destaque no livro.

O capítulo 8 trata da situação dos negros, trazidos sob a condição de escravos para o Brasil, bem como da formação da economia brasileira escravagista e da violência estrutural trazida por este sistema. A questão da ação afirmativa como um direito fundamental dos afro-descendentes visando extirpar a chaga do racismo (fator de exclusão secular de nosso país e que continua como problema planetário da globalização) é desenvolvida, a partir de duas realidades de racismo distinto, nos EUA e no Brasil.

A luta pela cidadania dos portadores de necessidades especiais é destacada no capítulo 9, que especifica a ques-tão da acessibilidade de espaços públicos e particulares, o

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direito à educação, ao mercado de trabalho, a correta in-formação pela mídia acerca da dignidade humana deste grupo social. Todas estas são realidades e temas fundamen-tais para o entendimento da luta deste grupo social pela cidadania em uma sociedade marcada pela exclusão da di-ferença e que visa afirmar o direito à inclusão como direito fundamental dos portadores de necessidades especiais.

O capítulo 10 traz a questão das práticas sociais das organizações do Terceiro Setor (movimentos sociais, ONGs, Ocips), percebidas como um canal de construção da cida-dania dos grupos sociais excluídos da dinâmica da globali-zação neoliberal nas sociedades de capitalismo periférico.

No capítulo 11 introduz-se o problema da cidade no mundo e no Brasil em sua dimensão social e urbana, com as possibilidades de cidadania trazidas pelo Estatuto da Cidade e suas possibilidades de implementação de uma opção sustentável e democrática para o futuro das cida-des e do planeta.

O capítulo 12 trata de uma luta pelos direitos fundamen-tais que abrange todas as outras por considerar a totalidade planetária, a luta pelo ambiente e pelo futuro intergeracio-nal do planeta. Esta luta por uma nova solidariedade consi-dera o direito fundamental à vida no seu sentido da totali-dade planetária e a interdependência mútua entre homem e natureza como único fundamento para a subsistência de nossa espécie ameaçada pela própria expansão predatória do sistema civilizacional humano contemporâneo.

O objetivo desta obra é contribuir com o debate dentro uma visão sociológica para efetivação dos direitos fundamentais dos grupos sociais excluídos no Brasil. Se pudermos lançar as sementes da reflexão interdisciplinar, esta obra terá cumprido sua meta.

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O Estado Democrático de Direito

Sidney Francisco Reis dos Santos

As principais teorias sociológicas do EstadoO estudo do fenômeno do Estado é uma área complexa e interdisciplinar, que en-

volve uma diversidade de teorias existentes tanto nas áreas da Filosofia Política, Ciência Política, Ciência Jurídica e Sociologia.

A descrição do fenômeno, a ser desenvolvido neste capítulo irá se focar nas duas principais teorias sobre o Estado elaboradas pelos autores clássicos da Sociologia1, Karl Marx e Marx Weber.

Estas teorias sociológicas dos autores clássicos são fundamentais para o enten-dimento sociológico da evolução histórica do Estado e das características do atual Estado Democrático de Direito2.

Teoria marxista do Estado No entender de Sell (2006) o tema da política em Karl Marx (1818-1883) começa

a ser tratado através das críticas às ideias de Georg Wilhelm Hegel, particularmente na obra hegeliana intitulada Princípios de Filosofia do Direito. Marx após romper definitiva-mente com as ideias de Hegel em sua obra A Ideologia Alemã (1846), se desloca para o estudo da Economia Política (SELL, 2006).

Apesar de não ter dedicado uma obra sistemática sobre a temática do Estado, pode deduzir nos textos em que o autor se manifesta sobre acontecimentos políticos de sua época, uma “teoria marxiana3”(SELL, 2006).

1 Para Sell (2006) as reflexões de Èmile Durkheim sobre o Estado ocupam pouco espaço no conjunto de sua obra e exerceram pouca influência nas discussões sociológicas posteriores. Maiores esclarecimentos sobre a Teoria de Estado em Durkheim vide a obra de Giddens (1998) e Bellamy (1994).2 O Estado Democrático de Direito está subordinado à Constituição Nacional que deve ser promulgada por uma Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Esta ANC deve ser eleita pelos cidadãos nacionais através de voto direto e secreto (sufrágio universal).3 Costuma-se usar o termo: marxiano(a) para as teorias que Marx deixou sobre os fenômenos sociopolíticos e econômicos de sua época, no século XIX, ou para especialistas nas Teorias de Marx que permaneceram fiéis ao seu pensamento clássico. Já o termo: marxista, pode ser usado para se referir a uma pessoa que segue as teorias de Marx ou para especialistas nas teorias de Marx que recontextualizam suas teorias clássicas para contribuir para superação dialética dos problemas sociopolítico-econômicos do século XX e XXI.

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Na obra Manifesto do Partido Comunista, Marx menciona uma frase que resume a essência da compreensão marxista do Estado: ele afirma que o Estado Moderno de Democracia representativa europeia utiliza seu poder político para administrar os ne-gócios de toda a classe burguesa. Dentro deste entendimento destaca-se o caráter classista do Estado pois, para Marx, o Estado é um instrumento de domínio de uma classe social sobre a outra em todas as épocas históricas (SELL, 2006).

Na visão de Marx, o Estado nunca representou o bem comum e os interesses gerais de toda sociedade. Na obra A Ideologia Alemã, Marx levantou as sementes de uma teoria classista de Estado, onde se destaca a dominação do Estado Burguês. Marx procurava mostrar como os instrumentos de regulação repressivos do Estado estão contidos nas normas jurídicas e nas forças encarregadas da aplicação da lei: polícia e exército são mobilizados pelas classes dominantes sempre que a ordem social estiver ameaçada pela contestação das classes dominadas (SELL, 2006).

Na sua análise do golpe de Estado promovido por Luis Napoleão4, descrito na obra O Dezoito Brumário, Marx demonstrou que nem sempre as classes dominantes exercem diretamente o controle do Estado. Naquele momento, como não havia acordo entre as diferentes frações da classe da burguesia, o poder político foi apropriado pelo sobrinho de Napoleão Bonaparte, cuja base social era formada por camponeses e pe-quena burguesia. Entretanto, isto apenas reforça o fato de que no modo de produção capitalista o caráter burguês do Estado não se explica somente porque ele é adminis-trado diretamente pelas classes dominantes. É o próprio Estado, nas suas estruturas e nas suas formas de organização, que representa os interesses do capital (SELL, 2006).

Na percepção de Sell (2006) é a partir das indicações de suas obras supramen-cionadas que os especialistas em Marx identificaram os principais elementos de uma teoria Marxista do Estado, a saber:

o Estado pertence à esfera da superestrutura5. Dessa forma, ele não pode ser analisado separadamente do restante da sociedade e suas funções devem ser procuradas no nível da infraestrutura;

4 Luís Napoleão (1808-1873) (sobrinho de Napoleão Bonaparte) com um golpe de estado tornou-se imperador francês, interrompendo o regime republicano da França pós-Revolução Francesa. Filho de Luís Bonaparte, rei da Holanda (irmão de Napoleão Bonaparte), e Hortênsia de Beauharnais (enteada de Napoleão Bonaparte), Luís Napoleão passou a juventude exilado na Alemanha e na Suíça. Com a morte do único filho de Napoleão Bonaparte tornou-se o principal representante do movimento bonapartista. Com a instauração da república foi eleito deputado à Assembleia Constituinte e posteriormente, presidente da França. Sem direito a reeleição, restabeleceu o sufrágio universal, promoveu um plebiscito que aprovou uma nova constituição e outro que instituiu o império, e foi aclamado imperador com o nome de Napoleão III.5 No entendimento de Althusser (1985) a estrutura social, para Marx, é constituída por dois níveis: a infraestrutura é o sistema produtivo (modo de produção econômica). A superestrutura é a forma de dominação no sentido ideológico, jurídico e institucional (família, religião, direito, e Estado Moderno). A superes-trutura comporta duas instâncias: a jurídica (o Direito e o Estado) e a ideológica (família, religião, moral, política etc.). A superestrutura é determinada pela infraestrutura, ou seja, cada modo de produção econômica no decorrer da história (escravismo, feudalismo, capitalismo) vai determinar as instâncias jurídica e ideológica da superestrutura. Por exemplo, atualmente a infraestrutura do modo de produção capitalista determina o modo de viver da superestrutura globa-lizada e consumista que vivemos atualmente no século XXI.

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o Estado não representa os interesses globais e comuns da sociedade (bem comum), mas sim, os interesses particulares de uma classe social;

o Estado capitalista representa o braço repressivo da burguesia. Para Marx, portanto, a força é o elemento que define os meios do Estado que são usados pela burguesia para impedir a ascensão do proletariado.

No entendimento de Sell (2006) o aperfeiçoamento da tese do caráter classista do Estado foi decorrência do desenvolvimento das sociedades capitalistas e das mu-danças no campo político dos estudiosos marxistas. Dentro deste contexto, a teoria marxista se dividiu em duas correntes principais que são:

teoria instrumentalista: parte do princípio de que o Estado está a serviço do capitalismo porque ele é controlado direta ou indiretamente pelas classes bur-guesas. Esta corrente de pensamento sofreu influência norte-americana sendo inspirada em Charles Wright Mills na obra pioneira A Elite do Poder (1956), tem como principais representantes Ralph Miliband nas obras O Estado na Socie-dade Capitalista (1969) e Marxismo e Política (1977) e William Domhoff na obra Quem Determina a América (1967);

teoria estruturalista: parte do princípio de que as funções do Estado são de-terminadas pelas estruturas do capitalismo. Destaca-se a teoria estruturalista francesa de Louis Althusser com a obra Aparelhos Ideológicos do Estado (1971) e Nicos Poulantzas com as obras Poder Político e Classes Sociais (1968) e Estado, o Poder, o Socialismo (1978). Cabe ressaltar a teoria estruturalista alemã de Claus Offe na sua obra Problemas Estruturais do Estado Capitalista (1984).

Teoria weberiana do Estado No olhar de Sell (2006) o sociológo alemão Max Weber (1864-1920) elaborou uma

teoria de Estado centrada no fenômeno da burocracia e na construção de lideranças políticas carismáticas. Para Weber, a burocracia seria um tipo de poder centrado na fun-cionalidade das estruturas organizacionais, ou seja, sua característica principal reside no princípio da racionalidade: na burocracia, a liderança está calcada em regras im-pessoais e escritas e é exercida através de uma estrutura hierárquica, sendo o poder legítimo e dependente da competência técnica de quem o detém.

O contexto econômico, social e político da Alemanha do final do século XIX e início do século XX são fundamentais para entender o pensamento de Weber. Naquela época, o capitalismo industrial expandia-se por toda a Europa. A Alemanha ainda era

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um país retardatário no processo de industrialização que era liderado pela Inglaterra e pela França. Para que a Alemanha pudesse participar da corrida econômica, a unifica-ção dos territórios germânicos efetuada por Otto Von Bismarck (1815-1898) foi funda-mental (SELL, 2006)6.

No início de sua carreira numa conferência intitulada: O Estado Nacional e a Política Econômica, Weber aborda diretamente o tema da industrialização na Alemanha ao mos-trar que a base social da burocracia executiva e militar alemã eram os antigos estamen-tos7 aristocráticos, chamados de Junkers. Todavia, Bismarck, através de um Estado forte e intervencionista, favoreceu o processo de industrialização da economia. A burguesia alemã ficou acomodada em seu papel político. Para a burguesia alemã, o que interessava era o avanço da modernização econômica, não lhe importando o fato de o Estado estar nas mãos da aristocracia rural. Neste contexto, Weber chamava a atenção para o fato que o Estado não podia ficar nas mãos de um estamento social decadente cujo único interes-se era favorecer a burocratização do Estado para manter os seus cargos (SELL, 2006).

Perante a falta de preparo da burguesia alemã urbana para assumir o poder polí-tico, de que forma conter o poder da burocracia tradicional de teor aristocrático rural? Quais seriam os mecanismos necessários para forjar líderes políticos que fossem capa-zes de guiar o Estado alemão e seu quadro administrativo na sua tarefa de afirmação do poder nacional da Alemanha? Estas questões foram durante toda a vida de Weber a principal preocupação e o centro de seus escritos políticos militantes.

Para responder estas questões, Weber defendeu primeiro uma democracia parla-mentar, todavia, já no final de sua vida, apoiou a defesa de uma democracia plebiscitá-ria (SELL, 2006).

Sua visão da democracia parlamentar está expressa na obra Parlamento e Governo na Alemanha Reordenada, onde se encontra as principais teses de Weber sobre o papel do par-lamento na formação de líderes políticos. Nesta obra, Weber analisa a herança que Bismarck deixou para a Alemanha e conclui que o parlamento deveria ser o mecanismo fundamen-tal da formação de dirigentes políticos. Para isso, ele sugeria duas modificações legais. Em primeiro lugar, a revogação da lei que impedia os parlamentares de ocupar cargos minis-teriais. Em segundo lugar, a formação de comissões técnicas vinculadas aos assuntos de governo. Desta forma, Weber acreditava que o parlamento teria que assumir as respon-sabilidades efetivas do governo, sobrepujando o papel da burocracia. Por outro lado, as novas responsabilidades do parlamento melhorariam as qualidades dos políticos eleitos

6 Após a era napoleônica, a competição entre as duas potências locais, Prússia e Áustria era obstáculo para a unificação dos estados alemães. Grande respon-sável por este processo, Bismarck recebeu em 1862, o cargo de chanceler da Prússia. Conhecido como Chanceler de Ferro, buscou demonstrar o poder militar prussiano para assegurar a supremacia sobre toda a Alemanha, o que ocorreu com a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) quando a Prússia conseguiu por fim unir os estados alemães.7 No entender de Sell (2006), Max Weber fala nos grupos de status ou estamentos sociais, considerados como “todo o componente típico do destino dos homens determinado por uma estimativa específica, positiva ou negativa da honraria”. Trata-se de uma comunidade, de algo bem diferente daquilo que o mesmo autor considera como a classe e que está apenas ligada a interesses econômicos aos “interesses ligados à existência de mercado”. Se as classes são “grupos de pessoas que, do ponto de vista de interesses específicos têm a mesma posição econômica”, já o “estamento social é uma qualificação em função de honras sociais ou falta destas, sendo expresso através de um estilo de vida específico”.So

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que deixariam de ser meros diletantes para tornarem-se políticos responsáveis. Nesta obra, Weber se inspirou no modelo de parlamentarismo monárquico constitucional inglês ao tentar mudar as instituições políticas alemãs de sua época histórica (SELL, 2006).

Sua percepção de democracia plebiscitária se manifesta no artigo O Presidente do Reich, onde, Weber abandona o modelo parlamentarista inglês pelo modelo norte- -americano. Passa a valorizar as eleições direitas para presidente como forma de for-mação de novas lideranças políticas. Nesta etapa, ele apoia a mudança da Constitui-ção nacional que tornaria a Alemanha uma República Presidencialista. Para ele o líder presidencialista eleito pelo povo seria capaz de guiar o Estado e a nação alemã rumo ao desenvolvimento industrial. A força das urnas e da maioria do povo daria a este líder (chamado por Weber de líder cesarista) a força necessária para impor sua vonta-de sobre a burocracia e o próprio parlamento. Os seus intérpretes teóricos intitularam esta liderança de democracia plebiscitária (SELL, 2006).

No prisma de Sell (2006) os principais conceitos teóricos8 da Sociologia Política de Weber são vistos e trabalhados como “tipo ideais”. Cabe ressaltar os conceitos relacio-nados com sua teoria de Estado a saber:

poder – é a capacidade de impor a própria vontade dentro de uma relação social;

Estado – é uma comunidade humana, que dentro dos limites de um determi-nado território reivindica o monopólio legítimo da violência física:

no entendimento de Weber, na sua obra A Política como Vocação, o Estado Moderno tem como ponto de partida o desejo do príncipe de expropriar os poderes privados independentes que, a par do seu, detêm a força ad-ministrativa, isto é, todos os proprietários de meios de gestão, de recursos financeiros, de instrumentos militares e qualquer espécie de bens suscetí-veis de utilização para fins de caráter político.

em suma, o Estado nasceu de um lento processo pelo qual o rei conseguiu centralizar em suas mãos o exército, a administração financeira e o poder político, unificando o território e limitando o poder dos senhores feudais. Neste contexto, Weber aponta as diferenças dentro do Estado Moderno entre os políticos profissionais e a burocracia estatal.

os políticos (funcionários políticos) seriam aqueles indivíduos que se colo-caram a serviço do príncipe na sua luta contra os senhores feudais. Weber cita os seguintes exemplos a saber: clérigos, os letrados com formação hu-manística, a nobreza da corte, o patriarcado (pequena nobreza) e principal-mente os juristas. De outro lado estão os funcionários de carreira (burocra-tas estatais) que ocupam os domínios financeiro, do exército e da justiça.

8 Estes conceitos teóricos weberianos podem ser encontrados na obra Economia e Sociedade e na obra a Política como Vocação.

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dominação – é a probabilidade de encontrar obediência aos mandatos ordena-dos por quem tem poder. Para o exercício do poder estatal, segundo Weber não basta apenas um aparato burocrático, é necessário que os indivíduos aceitem este poder. Isto significa que o Estado só pode existir sob a condição de os seres humanos dominados se submeterem à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores. Para entender os motivos que fazem os indivíduos aceitarem o poder político, Weber conceituou três tipos de dominação legitima a saber:

dominação tradicional – o fundamento da obediência é o costume e a tra-dição (política, religiosa, militar, familiar) que se repetem no decorrer do tempo

dominação carismática – o fundamento da obediência são as qualidades excepcionais e extraordinárias do líder

dominação legal-racional – o fundamento da obediência são as normas impessoais e as regras legais que foram estatuídas com a participação de todos e por todos devem ser aceitas.

A principal diferença entre as análises sociológicas do Estado9 elaboradas pela tra-dição marxista e pela tradição weberiana é que a primeira foca sua análise em fatores externos, ou seja, pensar o sistema político de forma derivada do sistema econômico (mercado-capitalismo) enquanto a segunda acentua os fatores internos, sem ignorar a influência política da economia capitalista e da organização da classe proletária, foca sua atenção nos grupos políticos (príncipes, políticos, empresários quadro adminis-trativo etc). A abordagem weberiana mostra que existe uma aliança de colaboração mútua entre a burocracia estatal e os grupos políticos para gerenciar o Estado através de uma dominação legitima que possa ser aceita pela sociedade (SELL, 2006).

Considerações jurídico-políticas sobre o Estado Democrático de Direito

Conceituação A categoria Estado Democrático de Direito está vinculada à subordinação do

Estado à Lei Constitucional que deve ser promulgada por uma Assembleia Nacional

9 Apesar das inúmeras contribuições das teorias marxista e weberiana para compreensão sociológica do Estado, estas teorias são insuficientes para entender a atual crise do estado-nação (crise do Estado Democrático de Direito) dentro da dinâmica da globalização. Para compreender melhor os limites e alcance desta crise uma abordagem sociológica do Estado vide Castells (1999)So

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Constituinte (ANC). Esta ANC deve ser eleita pelos cidadãos nacionais através de voto direto e secreto (sufrágio universal)10.

Dentro deste entendimento, a finalidade essencial do Estado Democrático de Di-reito é superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social (SILVA, 2003).

No Brasil a Constituição Federal de 1988, elencou no seu texto os direitos funda-mentais, no sentido de proporcionar a sociedade civil no Brasil uma efetiva aplicação dos mesmos. Ao longo dos vinte anos da vigência da Constituição Federal, coube aos movimentos sociais e demais setores organizados da sociedade civil delinear os novos contornos democráticos dos direitos fundamentais.

O Brasil constitui-se, no sentido jurídico num Estado Democrático de Direito em que os valores da democracia são irradiados sobre todos os elementos constitutivos do Estado e sua ordem jurídica.

Em suma, o conceito do Estado Democrático de Direito é: a organização do poder em torno das instituições públicas, administrativas (burocracia) e políticas (Poder Cons-tituinte), no exercício legal e legítimo do monopólio do uso da força física (violência estatal), a fim de que o povo (conjunto dos cidadãos ativos), sob a égide da cidadania democrática, do princípio da supremacia constitucional e na vigência plena das garan-tias, das liberdades e dos direitos individuais e sociais, estabeleça o bem comum de toda sociedade existente num determinado território (SILVA, 2003).

Devido aos problemas sociais nacionais e internacionais que o Brasil está enfren-tando, faz-se necessário a implementação de políticas públicas que visem à plena satis-fação dos ideais de justiça e cidadania proclamados pelo legislador constituinte, cola-borando, portanto, para a tão sonhada efetividade prática dos direitos fundamentais

Princípios jurídicos constitucionais do Estado Democrático de Direito

O princípio da constitucionalidade está ligado à supremacia da Constituição Fe-deral, da qual provém a vontade popular e, portanto, determina o dever do legislador de submeter-se à Constituição. O legislador pode violar a Constituição por ação ou omissão. Por ação, quando produz leis inconstitucionais. Por omissão, quando deixa de produzir leis expressamente previstas na Carta Constitucional. Quando o legislador viola a Constituição por ação, a lei por ele produzida só é eliminada do ordenamento

10 As palavras sufrágio e voto são empregadas comumente como sinônimas; a CRFB/88, no entanto, dá-lhes sentido diferentes, especialmente no seu art. 14, por onde se vê que sufrágio é universal e o voto é direto, secreto e tem valor igual; o sufrágio é um Direito Público subjetivo de natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar da organização e da atividade do poder estatal; nele consubstancia-se o consentimento do povo que legitima o exercício do poder; aí estando sua função primordial, que é a seleção e nomeação das pessoas que hão de exercer as atividades governamentais.

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jurídico quando revogada, ou constituída sua inconstitucionalidade por decisão irre-corrível do Supremo Tribunal Federal (STF). Quando o legislador viola a Constituição por omissão, trata-se de um fato, verificável por qualquer um. Infelizmente, porém, sua conduta omissiva não é passível apreciação pelo STF. O cumprimento deste princípio contribui para garantia dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

Canotilho (1995) considera os princípios constitucionais a essência da Constitui-ção, classificando-os em quatro grupos a saber:

os fundamentais – aqueles historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica, que são recepcionados expressa ou im-plicitamente no texto constitucional;

os politicamente conformadores – aqueles que demonstram, de forma explíci-ta, a visão social de mundo do legislador constituinte;

os impositivos – todos os que impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e execução de tarefas;

os de garantia – os que estabelecem, de forma direta e imediata, uma garantia para os cidadãos.

Os princípios constitucionais devem ser aplicados através da operacionalização dos chamados direitos fundamentais (individuais, coletivos, políticos e sociais). Os di-reitos fundamentais são a melhor demonstração da democratização institucional do Estado Democrático de Direito.

Entretanto, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, poderíamos dizer que a estrutura do Estado brasileiro começou a se preocupar como os interesses da população dos excluídos sociais?

Infelizmente, para a maioria da população brasileira excluída socialmente, o direi-to estatal nunca se preocupou, de forma efetiva com as suas necessidades humanas fundamentais. O Estado brasileiro segregou autoritariamente, os setores da população dos “sem-direito” e sem-poder. Ele apartou estes setores pobres da população do exer-cício de seus direitos fundamentais à saúde, à educação, à moradia, ao emprego etc.

Os direitos fundamentais são parte essencial da segurança jurídica social, pois (a partir dessa criação institucional) alguns desses direitos agora podem alcançar um número maior de pessoas, e assim proteger e garantir especialmente a integridade física dos cidadãos desprovidos de recursos socioeconômicos mínimos.

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O Estado autoritário do Golpe Militar de 196411, incentivou a regra do Estado Mínimo, e com essa fórmula foi transferida e aplicada nas políticas públicas, tornando mínima a sua operacionalização efetiva, ou seja, se manifestou uma política pública de pilhagem e cinismo, onde as imunidades estatais e fóruns privilegiados dos operadores jurídicos in-centivaram a promoção de uma constante apropriação indébita das verbas das políticas públicas destinadas à população pobre. Do prisma sociológico pode-se chamar este tipo autoritarismo positivista de Estado de injustiça social (BENEVIDES, 1996).

Este Estado de injustiça social é decorrente de um Estado patrimonialista12, onde a estrutura jurídica e administrativa incentiva o servidor público a continuar a ser um servo dos interesses particulares da Elites. No contexto brasileiro, transformar o Estado de injustiça social num Estado Democrático de Direito, não é tarefa fácil, portanto, não é exercício teórico, mas sim prático em conformidade com a própria história das insti-tuições públicas brasileiras (FAORO, 2001).

Este longo caminho de transformação sociopolítico e cultural começa na percepção de que o problema tem início na formulação da lei pelo Poder Legislativo. Durante o pro-cesso legislativo as elites econômicas agem em defesa de seus os interesses de classe. As elites, através de lobby, criam mecanismos jurídicos de obstrução classista, a operaciona-lização de muitos direitos fundamentais da população pobre (BENEVIDES, 1996).

Estes lobbys das elites interferem negativamente na pauta democrática do Estado Democrático de Direito e prejudicam a definição e a operacionalização efetiva das po-líticas públicas em prol dos setores carentes economicamente da população brasileira. (BENEVIDES, 1996).

Dessa forma, a questão central destas considerações passa a ser o nivelamento em que se opera a atividade política, seus níveis de envolvimento, parcerias, barganhas, trocas e organização, bem como as formas sociais, institucionais, jurídicas, morais e culturais ne-cessárias ao controle e regulação do próprio político-legislativo (BENEVIDES, 1996).

11 O Golpe Militar de 1964 designa o conjunto de eventos ocorridos em 31 de março de 1964 no Brasil, que culminaram em um golpe de estado que der-rubou o governo do presidente João Belchior Marques Goulart, também conhecido como Jango, que havia sido democraticamente eleito vice-presidente, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – nas mesmas eleições que conduziram Jânio da Silva Quadros à Presidência pela União Democrática Nacional (UDN). Jânio renunciou ao mandato no mesmo ano de sua posse (1961) e João Goulart, que deveria assumir a Presidência, segundo a Constituição vigente à época, promulgada em 1946, estava em viagem diplomática à República Popular da China. Militantes de direita acusaram Jango de ser comunista e o impediram de assumir como mandatário no regime presidencialista. Foi feito um acordo político e o Parlamento brasileiro criou o regime parlamentarista, sendo João Goulart nomeado Chefe de Estado. Em 1963 houve um plebiscito que teve como resultado a volta do regime presidencialista, e Jango finalmente assumiu a Presidência da República com amplos poderes. O Golpe de 1964 derrubou o presidente e submeteu o Brasil a uma ditadura militar que durou até 1985. Todavia teve uma fase denominada de transição democrática de 1985-1988 com promulgação da Constituição Federal de 1988 e posterior eleição direta do presidente Fernando Collor de Mello que iniciou juridicamente o atual Estado Democrático de Direito. (Disponível em: <www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/golpe-militar-de-1964/golpe-militar-de-1964-1.php>.)12 A origem do patrimonialismo no Brasil, remonta ao período colonial, onde a estrutura patrimonialista foi herdada de Portugual. Faoro (2001) na sua con-cepção de Estado patrimonialista, coloca a propriedade individual como sendo concedida pelo Estado, caracterizando uma “sobrepropriedade” da coroa sobre seus súditos e também este Estado sendo regido por um soberano e seus funcionários. No entanto, o patrimonialismo que foi superado em outros países, acabou sendo mantido no Brasil, tornando-se a estrutura político-social de nossa economia política.

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A questão da construção de um Estado Democrático de Direito não deve me-nosprezar e nem supervalorizar a política, mas sim buscar o equilíbrio entre o que se requer originariamente e os próprios resultados obtidos, entre o ideal dos princípios jurídicos constitucionais e a efetividade da aplicação da lei dentro do Estado Demo-crático de Direito. No Brasil, trata-se de erradicar as raízes do Estado patrimonial, supe-rando a corrupção e aprisionando os corruptos do poder e todos aqueles que utilizam o poder do Estado como um trampolim de utilização pessoal da máquina pública, em detrimento da população hipossuficiente (FAORO, 2001).

Em suma, para se elaborar um Estado Democrático de Direito, faz-se necessário por um lado elaborar as políticas públicas baseadas na compreensão dos pontos prin-cipais das teorias marxista (o caráter classista do Estado) e weberiana do Estado (o desenvolvimento de uma liderança carismática apoiada por uma burocracia racional- -legal) e por outro lado compreender os princípios jurídicos constitucionais para chegar a uma justiça social que busque operacionalizar os direitos fundamentais para toda a Sociedade Civil brasileira.

Texto complementar

O silêncio e o Estado Democrático de Direito (NUNES, 2008)

Volto na coluna de hoje e agora um pouco mais espantado, a abordar o tema do Estado Democrático de Direito no Brasil. Se não tivéssemos passado por um longo período autoritário, no qual se cerceou brutalmente as liberdades, inclusive a de imprensa, vá lá, mas com nossa história que é conhecida de todos e tão recente, é mesmo de causar perplexidade verificar o desprestígio que o Estado de Direito goza nos meios de comunicação.

Meu comentário hoje está relacionado ao fato ocorrido na semana passada envolvendo o empresário Daniel Dantas, que obteve liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) garantindo que ele não estava obrigado a responder às perguntas que lhe fossem formuladas na CPI dos grampos telefônicos.

Li e ouvi opiniões contrárias que são incompreensíveis e que, infelizmente, são capazes de desinformar a população a respeito das verdadeiras garantias constitu-cionais vigentes no país.

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Como já disse antes nesta coluna, não há dúvida que a liberdade de expres-são é um dos pilares das sociedades democráticas e, claro, a verdadeira babel de opiniões emitidas em todas as direções as mais diversas possíveis (e na atualidade transmitida e retransmitida via e-mail) é bem vinda.

Todavia, penso que, especialmente aqueles que têm alguma penetração nos meios de comunicação deveriam ter um maior compromisso com a verdade, bus-cando se informar sobre do que realmente o tema trata, antes de falar qualquer coisa que possa acabar influindo no pensamento da população, mais obscurecendo o já difícil conhecimento que o brasileiro tem relativamente a seus direitos, que pro-piciando seu esclarecimento. É o caso do direito ao silêncio.

Esse direito é típico da tradição democrática. Nos Estado Unidos há um prece-dente condutor famoso conhecido como “caso Miranda”. Em março de 1963, Ernesto Miranda foi acusado de crime de rapto e estupro e detido pela polícia. Depois de duas horas de interrogatório, os policiais obtiveram sua confissão que acabou le-vando à sua condenação em primeira instância, a 50 anos de prisão. Essa sentença foi confirmada pela Corte Estadual do Arizona com o argumento de que Miranda não teria pedido específica e objetivamente um advogado. Mas a Suprema Corte americana em 1966 anulou a decisão.

Os policiais que interrogaram Miranda admitiram em Juízo que não o haviam ad-vertido de que poderia ficar calado e que ele tinha, além disso, o direito de ser ouvido na presença de um advogado. A Suprema Corte dos Estados Unidos estabeleceu que os acusados têm o direito de receber o aviso de que podem ficar em silêncio e de que tudo o que disserem pode ser usado contra eles próprios. Ficou garantido também o direito dos acusados de serem acompanhados de um advogado durante o interrogatório.

É a mesma garantia estabelecida no Brasil e que está expressamente consagra-da na Constituição Federal. Veja. Artigo 5.º, inciso LXIII : “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assis-tência da família e de advogado”.

Sem me alongar na questão, anoto que a interpretação do texto constitucional leva à conclusão de que não só o “preso” tem direito de permanecer em silêncio, mas também qualquer acusado que não esteja preso.

Essa questão é induvidosa nos Tribunais brasileiros, sendo que o Supremo Tri-bunal Federal já decidiu inúmeras vezes que o acusado tem direito de permane-cer em silêncio, inclusive perante as Comissões Parlamentares de Inquérito. Não há qualquer novidade nesse assunto.

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É fundamental deixar claro para a população que o direito de permanecer em silêncio é assegurado a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, inde-pendentemente de classe social, formação pessoal, condição econômica etc. É direi-to assegurado aos ricos e aos pobres. Lamentavelmente, na semana passada, à guisa de comentar a liminar conferida ao empresário Daniel Dantas, parte do noticiário opinativo acabou dando a entender que esse direito é apenas assegurado aos ricos, uma distorção triste de se ver.

A construção de um verdadeiro Estado Democrático de Direito exige que se lute para que o sistema jurídico vigente tenha validade em todos os casos e para todas as pessoas. É papel dos meios de comunicação informar quais são esses direi-tos e não ficar dando a entender que eles valem apenas para um grupo de pessoas.

Se, realmente, um cidadão de menor poder social ou aquisitivo estiver sendo violado por quem quer que seja, digamos, por exemplo, no seu direito de permane-cer em silêncio, então o caso deve ser denunciado. Não deve servir como fator ou argumento para se defender que outras pessoas não possam exercer esse direito.

Para mim, duas coisas preocupam nesse episódio: o desconhecimento de parte da mídia e das pessoas de um direito tão fundamental e a constatação de que ainda é necessário recorrer ao Judiciário para exercer esse direito.

Atividades

Faça uma breve pesquisa de três matérias diferentes sobre o desrespeito ao 1. Estado Democrático de Direito no Brasil. Procure relacionar as matérias jorna-lísticas que colocam em “xeque” o Estado Democrático de Direito em relação à falta de operacionalização dos direitos fundamentais no Brasil. Utilize matérias divulgadas recentemente pela imprensa (jornais e revistas).

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Por que o direito fundamental ao silêncio conforme o artigo 5.º, inciso LXIII da 2. CF/88, deve ser divulgado amplamente pela imprensa para os setores hipossu-ficientes da população brasileira? Use o texto complementar para responder esta questão.

Resuma o conceito de Estado, dentro da abordagem sociológica dos dois au-3. tores estudados: Karl Marx e Max Weber. Dê exemplos de fatos históricos que ajudem a entender estes conceitos.

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