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COGNIÇÃO E REPRESENTAÇÃO: RELATOS DE TFG
Wilson Florio Universidade Presbiteriana Mackenzie – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Resumo
O objetivo deste artigo é discutir a hibridação de meios de expressão a partir do relato de uma experiência didática realizada no atelier de projeto com estudantes de Arquitetura. O autor analisa os artefatos produzidos pelos estudantes sob o viés da cognição. Palavras-chave: cognição, representação, artefatos, processo de projeto, tangibilidade.
Abstract
The aim of this article is to argue about hybrid ways of expression from the account of a didactic experience carried out in the atelier of project with Architecture students. The author analyzes the artifacts produced by the students under the bias of the cognition. Keywords: cognition, representation, artifacts, design process, tangibility.
1 Introdução
No último ano de Graduação, os estudantes de Arquitetura devem realizar um projeto
e uma monografia de conclusão do Curso que reflita o embasamento teórico e sua
reflexão sobre o projeto realizado. A necessidade de produzir um relato escrito impõe
aos estudantes reflexão sobre a prática. Consequentemente, este processo os obriga
a expor suas decisões projetuais.
Durante o Curso de Graduação, os estudantes fazem um intenso uso dos diversos
meios de representação, recursos estes que permitem expressar e materializar ideias,
mas sem consciência da função comunicativa de cada meio. Alternam o uso de
desenhos, modelos físicos e digitais sem perceber o melhor uso de cada meio
expressivo em diferentes contextos de projeto. Os estudantes não percebem que os
meios de representação assumem um papel ativo no processo de projeto.
Consequentemente, nem sempre extraem dos meios utilizados o que há de melhor
para expressar suas ideias.
Os diferentes meios de representação contribuem de modos distintos para o
entendimento e solução do projeto que está sendo realizado. Portanto, eles são
complementares e não excludentes entre si. Se modelos físicos e digitais comunicam
diferentes intenções projetuais, tais artefatos deveriam ser produzidos para
desencadear diferentes ações cognitivas em cada fase no processo de projeto. Assim,
a simples substituição de um meio de expressão por outro reduz as possibilidades de
experimentação inerentes no processo de projeto, causando uma perda significativa
do processo de aprendizado (FLORIO, SEGALL e ARAÚJO, 2007).
A arquitetura depende fundamentalmente do pensamento visual. Baseado em
pesquisas sobre raciocínio visual (visual reasoning), o psicólogo da cognição John
Anderson (2005, p.110) afirmou que “o cérebro usa as mesmas regiões para
processar informações imaginadas e percebidas”. Como nosso raciocínio opera
predominantemente pela visão e pela imaginação, ativamos o processo intuitivo a
partir da visualização e produção de imagens. Assim quanto mais visual e concreto for
o meio de expressar o problema, mais fácil será seu desenvolvimento, sua
visualização e compreensão de sua solução.
Nas etapas iniciais do processo de projeto, arquitetos necessitam rapidamente
alternar sua atenção entre o abstrato e o concreto. Para apoiar esta atividade
cognitiva, eles fazem uso intenso de representações externas, tais como desenhos e
modelos físicos. No entanto, a tangibilidade dos modelos físicos é de extrema
importância quando as projeções ortográficas não são suficientes para a plena
compreensão dos espaços projetados.
Os modelos físicos rudimentares são frequentemente produzidos para uma visão
imediata e para uma rápida realimentação. Dependendo dos dados contidos nesses
modelos, os arquitetos percebem visual e tatilmente diferentes propriedades espaciais
e formais de seus projetos, o que contribui para nortear seus pensamentos e moldar
suas decisões. Claramente estes modelos incitam a imaginação tridimensional,
estimulando diferentes relações espaciais e atentando sobre diferentes problemas no
edifício, em diferentes escalas, e sua relação com o contexto existente.
Neste artigo, entendemos cognição como o processo mental interno que permite
adquirir conhecimento a partir do processamento de informações, que ocorre através
da percepção e do raciocínio.
Como a cognição, ou o ato de pensar, em si, não pode ser observado, só
podemos analisar os resultados do pensamento que nortearam as ações cognitivas.
Em consequência deste fato, para analisar o processo de projeto pela ótica cognitiva,
o autor deste artigo analisa as representações externas decorrentes de ações
cognitivas, ou seja, os desenhos e modelos físicos elaborados pelos estudantes.
Neste artigo fazemos uma reflexão sobre o processo de projeto sob a ótica da
cognição e dos modelos físicos produzidos. Analisamos os modelos físicos não
apenas como um mero meio de representação, mas sob o encadeamento do
pensamento e das ações cognitivas realizadas pelo estudante.
Este artigo limita-se a relatar uma pequena parte da pesquisa, com foco na
experimentação sobre apenas um problema específico de projeto. As conclusões
parciais contidas nas seções deste artigo tiveram origem na pesquisa realizada na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie entre fevereiro de 2009 e abril de
2010, com base nos dados (artefatos produzidos, projetos e monografias) contidos nos
TFGs coletados pelo autor entre 2006 e 2009.
2 Hibridação dos Meios de Representação
Desde a década de 1990 têm-se acompanhado pesquisas sobre experiências
didáticas que hibridizam o uso de técnicas tradicionais de desenho e técnicas
computacionais (MADRAZO, 1999; 2000; MARX, 2000; KVAN, MARK, OXMAN e
MARTENS, 2004; JONSON, 2005; MARTENS, MARK e CHENG, 2006; OXMAN,
2006, 2008), destacando o impacto das novas tecnologias computacionais nas
práticas pedagógicas em arquitetura. As pesquisas neste campo têm apontado para
um movimento em direção a hibridação de manual-computacional, ou analógico-
digital, que intenta conciliar a habilidade e capacidade de expressão manual com os
recursos computacionais.
Por meio da maquete física e de modelos geométricos 3D pode-se observar,
sincronicamente, um conjunto de aspectos do projeto. A visualização 3D contribui para
fortalecer o entendimento sobre o que está sendo projetado, sobretudo aspectos
espaciais em profundidade de geometria complexa, que não podem ser observados
apenas por desenhos bidimensionais. No entanto, deve-se atentar sobre a importância
das ações cognitivas decorrentes do uso e da alternância entre cada um desses
recursos manuais e digitais, que enriquecem o processo de projeto, estimulando a
criatividade sem esquecer o rigor técnico.
Recentes estudos sobre tangibilidade apontam a importância de operar
simultaneamente no meio físico e no meio digital. Embora a tecnologia computacional
tenha assumido mais aspectos formais no processo de projeto, ela não tem sido capaz
de dominar os processos de projeto tradicionais. Seja no meio físico como no digital,
as ferramentas exigem do operador uma habilidade, que se desenvolve por tentativa e
erro, pela experiência e pela prática.
A habilidade de manusear os diferentes instrumentos de desenho faz da mão a
ferramenta principal. A mão conduz os instrumentos de desenho, opera com sutileza
por meio do contato do instrumento com o suporte de representação. A mão sente
nesse contato com a matéria o seu poder de transmissão de algo que está sendo
pensado. A intermediação da mão e dos instrumentos de desenho conduz diferentes
expressões e resultados.
A mão conduz o instrumento do mesmo modo que o instrumento conduz a mão. A
mão molda e é moldada pelo instrumento. Essa ação recíproca produz diferentes
resultados durante o ato projetual. A mão imprime características pessoais de quem a
conduz. Isso faz com que os instrumentos de desenho guiados por diferentes pessoas
contenham expressões diferentes (FLORIO, 2005, 2006).
Durante as últimas décadas, experiências realizadas por professores de
computação gráfica em várias universidades brasileiras e estrangeiras (KRAWCZYK,
1997; MARX, 2000; SILVA e LIMA, 2009) levaram a um consenso que ensinar
desenhos 2D separadamente do 3D é nocivo ao ensino-aprendizagem de futuros
profissionais arquitetos.
3 Tangibilidade dos Modelos Físicos
As habilidades desenvolvidas durante o fazer manual permitem expressar diferentes
ações cognitivas, pois incorporam simultaneamente a visão e o tato durante o pensar-
fazer. Durante a produção de modelos físicos, essa combinação dos sentidos torna-se
um modo mais natural de assimilar e apreender o espaço que está sendo concebido.
Nesse sentido, o modelo físico permite utilizar a mão em duas direções: em parte para
efetuar uma tarefa, em parte para investigar possibilidades criativas.
O modelo físico é mais tangível porque envolve mais de um sentido, propiciando
uma percepção mais profunda e crível. O modelo físico manual é mais do que um
artefato artesanal; é uma forma de explorar possibilidades e descobertas inesperadas.
A destreza e a competência de realizar rapidamente algo manualmente permitem
explorar novas ideias durante sua execução. Por outro lado, as novas tecnologias
digitais permitem executar mais facilmente ações repetitivas, processar e combinar
dados complexos, acelerando e dinamizando o processo. No meio digital, pode-se
experimentar mais, pois não há o contato irreversível da matéria. Portanto, essa
complementação manual-digital é primordial na prática de projeto.
Kvan e Thilakaratne (2003, p.6) afirmaram que “modelos também podem ser
desmontados para revelar os componentes de um edifício ou os espaços dentro dele”.
De fato, modelos físicos oferecem benefícios de acessibilidade, tangibilidade,
manipulabilidade e engajamento colaborativo. Para esses propósitos, modelos reais
são usados em todas as escalas.
As melhores ferramentas são aquelas que são usadas sem serem notadas. A
ferramenta torna-se “transparente” quando a utilizamos sem notar “como”. Portanto, a
melhor tecnologia seria aquela que não nos obrigaria a prestar atenção na ferramenta
em si, liberando a cognição para atuar em ações mais importantes.
A compreensão pelo toque é imprescindível para a plena compreensão da posição
de objetos no espaço. Embora o meio digital seja excelente para racionalizar formas
de grande complexidade, o meio físico é ainda aquele onde percebemos a realidade
física com maior intensidade (FLORIO e TAGLIARI, 2008, p.257). Modelos físicos e
protótipos rápidos ajudam estudantes e profissionais a experimentar visual e tatilmente
o espaço real reduzido, reconhecer elementos e suas características, inter-relações e
seqüências espaciais. O contato físico através do tato permite sentir, analisar e julgar
aspectos que a visão, à distância, não permite. Como consequência, o senso de
orientação espacial se torna mais fácil porque é possível manipular na realidade aquilo
que o conhecimento à distância não oferece.
Como exploração da forma em modelagem geométrica, protótipos rápidos, isto é,
modelos físicos produzidos a partir de modelos geométricos digitais 3D, estão
acelerando a habilidade de explorar possibilidades formais sob a forma física. Esta
produção está se tornando o lócus para improvisação e prática de pessoas com
talento. O ato de fazer artefatos digitais está aumentando de modo complementar a
relação com a forma física (MCCULLOUGH, 1996). De fato, como afirmou Malcom
Mccullough (1996), “as mãos trazem-nos o conhecimento do mundo”.
A falta de habilidade do estudante e a complexidade da forma de determinados
edifícios podem se constituir como fatores impeditivos para a construção de modelos
físicos. Fazer modelos no modo tradicional demanda considerável treinamento e
desenvolvimento de habilidades manuais e destreza (FLORIO e TAGLIARI, 2008,
p.257). Entretanto, com o advento e adoção do maquinário de prototipagem e
fabricação rápida tem tornado possível para pessoas comuns, estudantes e até
mesmo crianças, produzir artefatos físicos usando meios computacionais (OH,
JOHNSON, GROSS e DO, 2006).
Tem sido notado que modelos podem ser classificados por dois papéis: “modelos
de” e “modelos para” (DE ZEEUW, 1979, apud KVAN e THILAKARATNE, 2003, p.7).
Os últimos são modelos para representação, enquanto que os primeiros são
desenvolvidos como ferramentas de investigação. Além disso, “modelos de” poderiam
ser considerados representações ilustrativas, enquanto que os “modelos para” são
semânticos (KVAN e THILAKARATNE, 2003, p.7).
4 Experimentos
A seguir serão apresentados três relatos de experimentos realizados no TFG, que
alternam o uso de modelos físicos e modelos geométricos.
4.1 Experimento 1: Museu de Ciência e de Tecnologia
O foco da experimentação foi o estudo da estrutura do Planetário esférico suspenso
por tirantes. Inicialmente a aluna estudou três projetos que a inspiraram o Planetário: o
Rose Center of Earth and Space, de Nova Iorque, projetado por Polishek Partnership e
o Museu de Ciência da Califórnia, projetado por Renzo Piano.
Figura 1: Museu de Ciência e Tecnologia. Fotos de Modelos Físicos e Imagens Renderizadas. Fonte: Aluna, 2008.
A maquete física produzida no final do 9º semestre era conceitual, com uma esfera
de isopor suspensa por fios que, por sua vez, eram conectados a dois pórticos. Assim,
a aluna iniciou o 10º semestre com a necessidade de aprofundar os estudos sobre a
estabilidade do pórtico. A estudante assim relatou: “a execução de um modelo virtual e
de uma maquete física, que pudesse ilustrar a ideia de como seria o conjunto do
pórtico com a esfera, buscava enfatizar o aspecto estrutural e construtivo”.
Com a disposição de visualizar e de resolver o problema, a aluna modelou
geometricamente em 3D o Planetário no computador. Esse modelo (março de 2008)
oferecia a possibilidade de dimensionar precisamente as partes principais e visualizar,
de vários ângulos o objeto de estudo. Porém, alguns conceitos referentes às ações
físicas, como esforços estruturais, tensões, etc. não eram percebidos na tela do
computador. Propusemos o estudo por meio de modelos físicos, que além da visão,
propiciava a apreciação do problema com o tato, que sentia a ação da gravidade sobre
a parte suspensa por tirantes. Com o modelo físico a aluna passou a perceber que o
problema não seria apenas dimensionar corretamente a estrutura do Planetário
esférico, havia o problema da estabilidade, pois os tirantes deveriam impedir o
deslocamento lateral da esfera suspensa.
Os modelos realizados em abril de 2008 permitiram o entendimento inicial dos
problemas: “(...) começa a surgir um desenho e um dimensionamento para o tirante
através de um perfil tubular de 40 mm”. A aluna começa a perceber que, para dar
estabilidade, os tirantes deveriam ser mais robustos.
Por meio de modelos físicos, diferentes testes foram realizados para estudar a
estrutura do Planetário. A aluna utilizou vários materiais para compreender interna e
externamente o volume e a forma do Planetário. Na realidade, esses estudos lúdicos a
fizeram pensar sobre a natureza do problema: a estrutura da esfera. Ao “brincar” com
os materiais a aluna entendeu que os anéis metálicos curvilíneos se conectavam entre
si por toda a superfície externa, o que exigiria uma solução para os nós, que deveriam
conectar os anéis entre si. Assim, por aproximações sucessivas, essa compreensão
tátil-visual a ajudou a visualizar e dimensionar os subcomponentes: a aluna percebeu
a proporção entre massa, volume e estrutura.
Em maio de 2008, após realizar um modelo físico mais detalhado da estrutura da
esfera, a aluna produziu um modelo físico de parte do edifício com papelão, e ao
centro inseriu os pórticos com o Planetário suspenso por tirantes. Nessa fase a aluna
realizava cálculos estruturais dos anéis. Os pórticos e os anéis foram dimensionados a
partir de parâmetros estruturais. A aluna enfrentou esses cálculos e os mostrou no
relatório final, mostrando competência para resolver problemas de ordem estética e
construtiva.
4.2 Experimento 2: Centro de Educação Ambiental e Aquário na Represa
A partir das críticas recebidas na avaliação semestral, a aluna teve que enfrentar o
problema técnico-construtivo da estrutura geodésica e da cobertura metálica. Assim,
motivamos a aluna a estudar a geometria da estrutura, primeiramente por modelos
físicos, e depois com modelos geométricos 3D.
Figura 2: Centro de Educação Ambiental e Aquário na Represa Guarapiranga. Fotos de Modelos Físicos e Imagens Renderizadas. Fonte: Aluna, 2008.
Após leituras e orientações, a aluna compreendeu que o icosaedro, com 20 faces
triangulares, a ajudaria a entender como gerar a cobertura curva a partir de triângulos.
O desafio era também criar barras metálicas de dimensões iguais.
O modelo físico, criado com canudos plásticos, unidos por alfinetes, deu início à
compreensão da estrutura. Após testar as frequências 3 e 4 para a geodésica, a aluna
optou pela 4, por esta permitir utilizar só metade de uma esfera, e com barras para
fazer o travamento. Compreendeu que multiplicando o raio da circunferência pelo valor
mostrado na imagem obteria o comprimento das barras. Na conclusão do experimento
a aluna escreveu: ”A geodésica de freqüência 4 foi a utilizada no projeto por possuir
números iguais de divisões ao ser reduzida à meia esfera, tamanhos de barras
aceitáveis e números aceitáveis de barras e chapas iguais”.
A compreensão da geometria da cobertura se deu pelo modelo físico, mas havia
outra dificuldade: como desenhá-la em elevação e corte? Esse foi outro desafio. Sob
nossa orientação, a aluna teve que aprender alguns comandos contidos em dois
programas gráficos: Rhinoceros e CadreGeo.
A falta de visão espacial, particularmente de formas curvilíneas, dificultou
inicialmente a produção do modelo digital. O programa facilita a divisão de
circunferências e de arcos em partes iguais, mas o desenho resultante parecia não
atender ao desejo da aluna. Mas lentamente, ela começou a ficar à vontade com o
programa e testou diferentes opções de distribuição das barras pela geodésica.
No entanto, foi no programa CadreGeo que a aluna pôde melhor definir o desenho
da estrutura em três dimensões. Este programa é dirigido, baseado em parâmetros, e,
portanto, muito simples de manipular. Os desenhos das elevações foram gerados a
partir dos modelos do CadreGeo. Nas conclusões a aluna escreveu:
Ao estudar a estrutura geodésica encontrei muita dificuldade em espacializá-la. Era possível fazer o modelo físico, mas não o modelo digital, pois nenhum software tinha alguma ferramenta fácil para chegar ao desenho perfeito de uma geodésica e nem eu possuía todo o conhecimento necessário para desenhá-la (...)
4.3 Experimento 3: Arena Multiuso e Complexo Multifuncional
O foco do experimento foi encontrar uma solução para a cobertura do Estádio. O aluno
realizou o experimento em três fases.
Na 1ª. fase o aluno estudou alguns projetos similares a partir dos quais pudesse
adquirir conhecimentos para enfrentar os problemas no seu projeto. Assim, as
principais influências foram três projetos recentes: Estádio Olímpico de Myiagi, o novo
Estádio do Beira-Rio, do Hype Studio Architects, e o Estádio Olímpico do FOA
Architects. A ideia era projetar uma cobertura curvilínea que partisse do solo, atingisse
o ápice na direção do meio de campo e terminasse novamente no solo.
Os primeiros modelos físicos, realizados no início do 9º semestre, mostram o
desenvolvimento de uma cobertura curvilínea, mas plana, inspirado no Estádio de
Myiagi. A sequência de modelos, realizados inicialmente, mostra que o aluno já tinha
compreendido as questões funcionais do Estádio, e assim empreendeu maiores
esforços na solução das questões estéticas, particularmente a cobertura. Sua
facilidade de desenhar e de se expressar por meio de modelos físicos, prescindiu de
modelos digitais, pois, como ele mesmo afirmou, “(...) utilizei os recursos que sempre
gostei em trabalhar: croquis e modelos volumétricos”.
Nos estudos seguintes, realizados na 2ª. fase, o aluno incorpora a ideia de “folha
da cobertura”, ideia advinda do estudo da Reforma do Estádio do Beira-Rio e do
Estádio Olímpico projetado pelo FOA Architects. A justaposição de módulos no
formato de “folhas” se sobrepõe à ideia inicial de uma cobertura curva. Até o final do 9º
semestre essa ideia permanece sem grandes definições estruturais e construtivas.
Mas no 10º semestre o aluno organiza todas as ideias prévias, e realiza estudos
pormenorizados dessa cobertura em “folhas”. Essa analogia foi útil para o aluno
compreender como formas orgânicas da natureza possuem um padrão, passível de
inspirar formas arquitetônicas.
A partir daí, na 3ª. fase, o aluno empenhou-se em pormenorizar a estrutura de
cada “folha”, estudando simultaneamente cada módulo e superfície de revestimento. É
importante destacar que, de modo intenso, o aluno produziu modelos físicos em várias
escalas, com diferentes propósitos. Além disso o aluno desenhou isométricas de parte
do Estádio para testar e comparar as alternativas da estrutura e da cobertura.
Figura 3: Arena Multiuso e Complexo Multifuncional em Itaquera. Desenhos e Modelos Físicos. Fonte: Aluno 2008.
Ao montar e desmontar a estrutura, ele dissecou o problema, e com isso pôde
tomar decisões projetuais importantes. Assim, esses modelos também ajudaram o
estudante a confirmar ou refutar o que ele havia pensado por meio de desenhos. Ao
curvar as varetas de plástico o aluno se deu conta dos esforços impostos pela
curvatura. De um modo concreto, o aluno teve um outro entendimento sobre a
estrutura, e que os desenhos sozinhos não conseguiam fazê-lo entender.
5 Conclusão
Nos experimentos analisados nesta pesquisa notamos que a aquisição de
conhecimentos foi mais intensa quando o estudante empregou mais de um meio de
expressão. Nota-se claramente que a hibridação de artefatos produzidos tais como
desenhos, modelos e maquetes físicas, e simulações computacionais tornaram
possível a exploração bi e tridimensional de aspectos conceituais, funcionais,
perceptivos, construtivos e estéticos. Além disso, a alternância entre desenhos e
modelos físicos permitiu, aos estudantes, compreender as relações espaciais e tomar
decisões baseadas em melhores condições de avaliação daquilo que estava sendo
produzido a cada momento.
A manipulação direta é a grande vantagem do ofício tradicional. O contato direto
da mão com o material torna possível a expressão humana, e fornece estímulos
físicos que atuam no sentimento da pessoa com o meio exterior. Entretanto, o
computador é um recurso importante para combinar a mão habilidosa com o raciocínio
mental (FLORIO, 2005, 2006), gerando novas possibilidades de expressão de ideias e
conhecimentos.
Notamos durante a prática de atelier de projeto que os alunos tendem a utilizar as
novas ferramentas computacionais como substituto de antigas práticas profissionais.
Raramente encontramos professores dispostos a discutir o papel dessas novas
ferramentas digitais no processo de projeto, seja na criação, seja no desenvolvimento,
seja na apresentação final do projeto. Por acharem que se trata “apenas” de
representação, os professores de projeto tendem a deixar de lado essa questão tão
importante no desenvolvimento das ações cognitivas em projeto. A falta de orientação
em sala de aula, a incipiente experiência por parte do aluno, e o desconhecimento e a
insistente recusa dos professores em discutir esses problemas nos impedem de
avançar nas questões de metodologia e cognição em projeto.
O problema atual é encontrar novos modos de hibridizar os recursos disponíveis
para projetar. O ofício, isto é, a aplicação do conhecimento pessoal para realizar o
trabalho, não pode simplesmente abandonar as antigas práticas, assim como não
pode desprezar, ou subutilizar, as novas tecnologias digitais. Do ponto de vista dos
meios de expressão, a profissão depende do desenvolvimento e da aplicação de
diferentes habilidades, e depende dos meios e das ferramentas, sejam analógicas,
sejam digitais. Portanto, se há uma pressão pela mera substituição do artefato físico
pelo digital, o nosso ofício deveria primar pelo uso híbrido de artefatos manuais e
computacionais, explorando o que há de melhor em cada meio, de acordo com as
necessidades de projeto e de expressão bi e tridimensionais.
Agradecimentos
O autor agradece ao Fundo MackPesquisa que financiou esta pesquisa, assim como
aos professores do TFG, e a inestimável colaboração dos estudantes.
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