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COGNIÇÃO E REPRESENTAÇÃO: RELATOS DE TFG Wilson Florio Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo [email protected] Resumo O objetivo deste artigo é discutir a hibridação de meios de expressão a partir do relato de uma experiência didática realizada no atelier de projeto com estudantes de Arquitetura. O autor analisa os artefatos produzidos pelos estudantes sob o viés da cognição. Palavras-chave: cognição, representação, artefatos, processo de projeto, tangibilidade. Abstract The aim of this article is to argue about hybrid ways of expression from the account of a didactic experience carried out in the atelier of project with Architecture students. The author analyzes the artifacts produced by the students under the bias of the cognition. Keywords: cognition, representation, artifacts, design process, tangibility. 1 Introdução No último ano de Graduação, os estudantes de Arquitetura devem realizar um projeto e uma monografia de conclusão do Curso que reflita o embasamento teórico e sua reflexão sobre o projeto realizado. A necessidade de produzir um relato escrito impõe aos estudantes reflexão sobre a prática. Consequentemente, este processo os obriga a expor suas decisões projetuais. Durante o Curso de Graduação, os estudantes fazem um intenso uso dos diversos meios de representação, recursos estes que permitem expressar e materializar ideias, mas sem consciência da função comunicativa de cada meio. Alternam o uso de desenhos, modelos físicos e digitais sem perceber o melhor uso de cada meio

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COGNIÇÃO E REPRESENTAÇÃO: RELATOS DE TFG

Wilson Florio Universidade Presbiteriana Mackenzie – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

[email protected]

Resumo

O objetivo deste artigo é discutir a hibridação de meios de expressão a partir do relato de uma experiência didática realizada no atelier de projeto com estudantes de Arquitetura. O autor analisa os artefatos produzidos pelos estudantes sob o viés da cognição. Palavras-chave: cognição, representação, artefatos, processo de projeto, tangibilidade.

Abstract

The aim of this article is to argue about hybrid ways of expression from the account of a didactic experience carried out in the atelier of project with Architecture students. The author analyzes the artifacts produced by the students under the bias of the cognition. Keywords: cognition, representation, artifacts, design process, tangibility.

1 Introdução

No último ano de Graduação, os estudantes de Arquitetura devem realizar um projeto

e uma monografia de conclusão do Curso que reflita o embasamento teórico e sua

reflexão sobre o projeto realizado. A necessidade de produzir um relato escrito impõe

aos estudantes reflexão sobre a prática. Consequentemente, este processo os obriga

a expor suas decisões projetuais.

Durante o Curso de Graduação, os estudantes fazem um intenso uso dos diversos

meios de representação, recursos estes que permitem expressar e materializar ideias,

mas sem consciência da função comunicativa de cada meio. Alternam o uso de

desenhos, modelos físicos e digitais sem perceber o melhor uso de cada meio

expressivo em diferentes contextos de projeto. Os estudantes não percebem que os

meios de representação assumem um papel ativo no processo de projeto.

Consequentemente, nem sempre extraem dos meios utilizados o que há de melhor

para expressar suas ideias.

Os diferentes meios de representação contribuem de modos distintos para o

entendimento e solução do projeto que está sendo realizado. Portanto, eles são

complementares e não excludentes entre si. Se modelos físicos e digitais comunicam

diferentes intenções projetuais, tais artefatos deveriam ser produzidos para

desencadear diferentes ações cognitivas em cada fase no processo de projeto. Assim,

a simples substituição de um meio de expressão por outro reduz as possibilidades de

experimentação inerentes no processo de projeto, causando uma perda significativa

do processo de aprendizado (FLORIO, SEGALL e ARAÚJO, 2007).

A arquitetura depende fundamentalmente do pensamento visual. Baseado em

pesquisas sobre raciocínio visual (visual reasoning), o psicólogo da cognição John

Anderson (2005, p.110) afirmou que “o cérebro usa as mesmas regiões para

processar informações imaginadas e percebidas”. Como nosso raciocínio opera

predominantemente pela visão e pela imaginação, ativamos o processo intuitivo a

partir da visualização e produção de imagens. Assim quanto mais visual e concreto for

o meio de expressar o problema, mais fácil será seu desenvolvimento, sua

visualização e compreensão de sua solução.

Nas etapas iniciais do processo de projeto, arquitetos necessitam rapidamente

alternar sua atenção entre o abstrato e o concreto. Para apoiar esta atividade

cognitiva, eles fazem uso intenso de representações externas, tais como desenhos e

modelos físicos. No entanto, a tangibilidade dos modelos físicos é de extrema

importância quando as projeções ortográficas não são suficientes para a plena

compreensão dos espaços projetados.

Os modelos físicos rudimentares são frequentemente produzidos para uma visão

imediata e para uma rápida realimentação. Dependendo dos dados contidos nesses

modelos, os arquitetos percebem visual e tatilmente diferentes propriedades espaciais

e formais de seus projetos, o que contribui para nortear seus pensamentos e moldar

suas decisões. Claramente estes modelos incitam a imaginação tridimensional,

estimulando diferentes relações espaciais e atentando sobre diferentes problemas no

edifício, em diferentes escalas, e sua relação com o contexto existente.

Neste artigo, entendemos cognição como o processo mental interno que permite

adquirir conhecimento a partir do processamento de informações, que ocorre através

da percepção e do raciocínio.

Como a cognição, ou o ato de pensar, em si, não pode ser observado, só

podemos analisar os resultados do pensamento que nortearam as ações cognitivas.

Em consequência deste fato, para analisar o processo de projeto pela ótica cognitiva,

o autor deste artigo analisa as representações externas decorrentes de ações

cognitivas, ou seja, os desenhos e modelos físicos elaborados pelos estudantes.

Neste artigo fazemos uma reflexão sobre o processo de projeto sob a ótica da

cognição e dos modelos físicos produzidos. Analisamos os modelos físicos não

apenas como um mero meio de representação, mas sob o encadeamento do

pensamento e das ações cognitivas realizadas pelo estudante.

Este artigo limita-se a relatar uma pequena parte da pesquisa, com foco na

experimentação sobre apenas um problema específico de projeto. As conclusões

parciais contidas nas seções deste artigo tiveram origem na pesquisa realizada na

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie entre fevereiro de 2009 e abril de

2010, com base nos dados (artefatos produzidos, projetos e monografias) contidos nos

TFGs coletados pelo autor entre 2006 e 2009.

2 Hibridação dos Meios de Representação

Desde a década de 1990 têm-se acompanhado pesquisas sobre experiências

didáticas que hibridizam o uso de técnicas tradicionais de desenho e técnicas

computacionais (MADRAZO, 1999; 2000; MARX, 2000; KVAN, MARK, OXMAN e

MARTENS, 2004; JONSON, 2005; MARTENS, MARK e CHENG, 2006; OXMAN,

2006, 2008), destacando o impacto das novas tecnologias computacionais nas

práticas pedagógicas em arquitetura. As pesquisas neste campo têm apontado para

um movimento em direção a hibridação de manual-computacional, ou analógico-

digital, que intenta conciliar a habilidade e capacidade de expressão manual com os

recursos computacionais.

Por meio da maquete física e de modelos geométricos 3D pode-se observar,

sincronicamente, um conjunto de aspectos do projeto. A visualização 3D contribui para

fortalecer o entendimento sobre o que está sendo projetado, sobretudo aspectos

espaciais em profundidade de geometria complexa, que não podem ser observados

apenas por desenhos bidimensionais. No entanto, deve-se atentar sobre a importância

das ações cognitivas decorrentes do uso e da alternância entre cada um desses

recursos manuais e digitais, que enriquecem o processo de projeto, estimulando a

criatividade sem esquecer o rigor técnico.

Recentes estudos sobre tangibilidade apontam a importância de operar

simultaneamente no meio físico e no meio digital. Embora a tecnologia computacional

tenha assumido mais aspectos formais no processo de projeto, ela não tem sido capaz

de dominar os processos de projeto tradicionais. Seja no meio físico como no digital,

as ferramentas exigem do operador uma habilidade, que se desenvolve por tentativa e

erro, pela experiência e pela prática.

A habilidade de manusear os diferentes instrumentos de desenho faz da mão a

ferramenta principal. A mão conduz os instrumentos de desenho, opera com sutileza

por meio do contato do instrumento com o suporte de representação. A mão sente

nesse contato com a matéria o seu poder de transmissão de algo que está sendo

pensado. A intermediação da mão e dos instrumentos de desenho conduz diferentes

expressões e resultados.

A mão conduz o instrumento do mesmo modo que o instrumento conduz a mão. A

mão molda e é moldada pelo instrumento. Essa ação recíproca produz diferentes

resultados durante o ato projetual. A mão imprime características pessoais de quem a

conduz. Isso faz com que os instrumentos de desenho guiados por diferentes pessoas

contenham expressões diferentes (FLORIO, 2005, 2006).

Durante as últimas décadas, experiências realizadas por professores de

computação gráfica em várias universidades brasileiras e estrangeiras (KRAWCZYK,

1997; MARX, 2000; SILVA e LIMA, 2009) levaram a um consenso que ensinar

desenhos 2D separadamente do 3D é nocivo ao ensino-aprendizagem de futuros

profissionais arquitetos.

3 Tangibilidade dos Modelos Físicos

As habilidades desenvolvidas durante o fazer manual permitem expressar diferentes

ações cognitivas, pois incorporam simultaneamente a visão e o tato durante o pensar-

fazer. Durante a produção de modelos físicos, essa combinação dos sentidos torna-se

um modo mais natural de assimilar e apreender o espaço que está sendo concebido.

Nesse sentido, o modelo físico permite utilizar a mão em duas direções: em parte para

efetuar uma tarefa, em parte para investigar possibilidades criativas.

O modelo físico é mais tangível porque envolve mais de um sentido, propiciando

uma percepção mais profunda e crível. O modelo físico manual é mais do que um

artefato artesanal; é uma forma de explorar possibilidades e descobertas inesperadas.

A destreza e a competência de realizar rapidamente algo manualmente permitem

explorar novas ideias durante sua execução. Por outro lado, as novas tecnologias

digitais permitem executar mais facilmente ações repetitivas, processar e combinar

dados complexos, acelerando e dinamizando o processo. No meio digital, pode-se

experimentar mais, pois não há o contato irreversível da matéria. Portanto, essa

complementação manual-digital é primordial na prática de projeto.

Kvan e Thilakaratne (2003, p.6) afirmaram que “modelos também podem ser

desmontados para revelar os componentes de um edifício ou os espaços dentro dele”.

De fato, modelos físicos oferecem benefícios de acessibilidade, tangibilidade,

manipulabilidade e engajamento colaborativo. Para esses propósitos, modelos reais

são usados em todas as escalas.

As melhores ferramentas são aquelas que são usadas sem serem notadas. A

ferramenta torna-se “transparente” quando a utilizamos sem notar “como”. Portanto, a

melhor tecnologia seria aquela que não nos obrigaria a prestar atenção na ferramenta

em si, liberando a cognição para atuar em ações mais importantes.

A compreensão pelo toque é imprescindível para a plena compreensão da posição

de objetos no espaço. Embora o meio digital seja excelente para racionalizar formas

de grande complexidade, o meio físico é ainda aquele onde percebemos a realidade

física com maior intensidade (FLORIO e TAGLIARI, 2008, p.257). Modelos físicos e

protótipos rápidos ajudam estudantes e profissionais a experimentar visual e tatilmente

o espaço real reduzido, reconhecer elementos e suas características, inter-relações e

seqüências espaciais. O contato físico através do tato permite sentir, analisar e julgar

aspectos que a visão, à distância, não permite. Como consequência, o senso de

orientação espacial se torna mais fácil porque é possível manipular na realidade aquilo

que o conhecimento à distância não oferece.

Como exploração da forma em modelagem geométrica, protótipos rápidos, isto é,

modelos físicos produzidos a partir de modelos geométricos digitais 3D, estão

acelerando a habilidade de explorar possibilidades formais sob a forma física. Esta

produção está se tornando o lócus para improvisação e prática de pessoas com

talento. O ato de fazer artefatos digitais está aumentando de modo complementar a

relação com a forma física (MCCULLOUGH, 1996). De fato, como afirmou Malcom

Mccullough (1996), “as mãos trazem-nos o conhecimento do mundo”.

A falta de habilidade do estudante e a complexidade da forma de determinados

edifícios podem se constituir como fatores impeditivos para a construção de modelos

físicos. Fazer modelos no modo tradicional demanda considerável treinamento e

desenvolvimento de habilidades manuais e destreza (FLORIO e TAGLIARI, 2008,

p.257). Entretanto, com o advento e adoção do maquinário de prototipagem e

fabricação rápida tem tornado possível para pessoas comuns, estudantes e até

mesmo crianças, produzir artefatos físicos usando meios computacionais (OH,

JOHNSON, GROSS e DO, 2006).

Tem sido notado que modelos podem ser classificados por dois papéis: “modelos

de” e “modelos para” (DE ZEEUW, 1979, apud KVAN e THILAKARATNE, 2003, p.7).

Os últimos são modelos para representação, enquanto que os primeiros são

desenvolvidos como ferramentas de investigação. Além disso, “modelos de” poderiam

ser considerados representações ilustrativas, enquanto que os “modelos para” são

semânticos (KVAN e THILAKARATNE, 2003, p.7).

4 Experimentos

A seguir serão apresentados três relatos de experimentos realizados no TFG, que

alternam o uso de modelos físicos e modelos geométricos.

4.1 Experimento 1: Museu de Ciência e de Tecnologia

O foco da experimentação foi o estudo da estrutura do Planetário esférico suspenso

por tirantes. Inicialmente a aluna estudou três projetos que a inspiraram o Planetário: o

Rose Center of Earth and Space, de Nova Iorque, projetado por Polishek Partnership e

o Museu de Ciência da Califórnia, projetado por Renzo Piano.

Figura 1: Museu de Ciência e Tecnologia. Fotos de Modelos Físicos e Imagens Renderizadas. Fonte: Aluna, 2008.

A maquete física produzida no final do 9º semestre era conceitual, com uma esfera

de isopor suspensa por fios que, por sua vez, eram conectados a dois pórticos. Assim,

a aluna iniciou o 10º semestre com a necessidade de aprofundar os estudos sobre a

estabilidade do pórtico. A estudante assim relatou: “a execução de um modelo virtual e

de uma maquete física, que pudesse ilustrar a ideia de como seria o conjunto do

pórtico com a esfera, buscava enfatizar o aspecto estrutural e construtivo”.

Com a disposição de visualizar e de resolver o problema, a aluna modelou

geometricamente em 3D o Planetário no computador. Esse modelo (março de 2008)

oferecia a possibilidade de dimensionar precisamente as partes principais e visualizar,

de vários ângulos o objeto de estudo. Porém, alguns conceitos referentes às ações

físicas, como esforços estruturais, tensões, etc. não eram percebidos na tela do

computador. Propusemos o estudo por meio de modelos físicos, que além da visão,

propiciava a apreciação do problema com o tato, que sentia a ação da gravidade sobre

a parte suspensa por tirantes. Com o modelo físico a aluna passou a perceber que o

problema não seria apenas dimensionar corretamente a estrutura do Planetário

esférico, havia o problema da estabilidade, pois os tirantes deveriam impedir o

deslocamento lateral da esfera suspensa.

Os modelos realizados em abril de 2008 permitiram o entendimento inicial dos

problemas: “(...) começa a surgir um desenho e um dimensionamento para o tirante

através de um perfil tubular de 40 mm”. A aluna começa a perceber que, para dar

estabilidade, os tirantes deveriam ser mais robustos.

Por meio de modelos físicos, diferentes testes foram realizados para estudar a

estrutura do Planetário. A aluna utilizou vários materiais para compreender interna e

externamente o volume e a forma do Planetário. Na realidade, esses estudos lúdicos a

fizeram pensar sobre a natureza do problema: a estrutura da esfera. Ao “brincar” com

os materiais a aluna entendeu que os anéis metálicos curvilíneos se conectavam entre

si por toda a superfície externa, o que exigiria uma solução para os nós, que deveriam

conectar os anéis entre si. Assim, por aproximações sucessivas, essa compreensão

tátil-visual a ajudou a visualizar e dimensionar os subcomponentes: a aluna percebeu

a proporção entre massa, volume e estrutura.

Em maio de 2008, após realizar um modelo físico mais detalhado da estrutura da

esfera, a aluna produziu um modelo físico de parte do edifício com papelão, e ao

centro inseriu os pórticos com o Planetário suspenso por tirantes. Nessa fase a aluna

realizava cálculos estruturais dos anéis. Os pórticos e os anéis foram dimensionados a

partir de parâmetros estruturais. A aluna enfrentou esses cálculos e os mostrou no

relatório final, mostrando competência para resolver problemas de ordem estética e

construtiva.

4.2 Experimento 2: Centro de Educação Ambiental e Aquário na Represa

A partir das críticas recebidas na avaliação semestral, a aluna teve que enfrentar o

problema técnico-construtivo da estrutura geodésica e da cobertura metálica. Assim,

motivamos a aluna a estudar a geometria da estrutura, primeiramente por modelos

físicos, e depois com modelos geométricos 3D.

Figura 2: Centro de Educação Ambiental e Aquário na Represa Guarapiranga. Fotos de Modelos Físicos e Imagens Renderizadas. Fonte: Aluna, 2008.

Após leituras e orientações, a aluna compreendeu que o icosaedro, com 20 faces

triangulares, a ajudaria a entender como gerar a cobertura curva a partir de triângulos.

O desafio era também criar barras metálicas de dimensões iguais.

O modelo físico, criado com canudos plásticos, unidos por alfinetes, deu início à

compreensão da estrutura. Após testar as frequências 3 e 4 para a geodésica, a aluna

optou pela 4, por esta permitir utilizar só metade de uma esfera, e com barras para

fazer o travamento. Compreendeu que multiplicando o raio da circunferência pelo valor

mostrado na imagem obteria o comprimento das barras. Na conclusão do experimento

a aluna escreveu: ”A geodésica de freqüência 4 foi a utilizada no projeto por possuir

números iguais de divisões ao ser reduzida à meia esfera, tamanhos de barras

aceitáveis e números aceitáveis de barras e chapas iguais”.

A compreensão da geometria da cobertura se deu pelo modelo físico, mas havia

outra dificuldade: como desenhá-la em elevação e corte? Esse foi outro desafio. Sob

nossa orientação, a aluna teve que aprender alguns comandos contidos em dois

programas gráficos: Rhinoceros e CadreGeo.

A falta de visão espacial, particularmente de formas curvilíneas, dificultou

inicialmente a produção do modelo digital. O programa facilita a divisão de

circunferências e de arcos em partes iguais, mas o desenho resultante parecia não

atender ao desejo da aluna. Mas lentamente, ela começou a ficar à vontade com o

programa e testou diferentes opções de distribuição das barras pela geodésica.

No entanto, foi no programa CadreGeo que a aluna pôde melhor definir o desenho

da estrutura em três dimensões. Este programa é dirigido, baseado em parâmetros, e,

portanto, muito simples de manipular. Os desenhos das elevações foram gerados a

partir dos modelos do CadreGeo. Nas conclusões a aluna escreveu:

Ao estudar a estrutura geodésica encontrei muita dificuldade em espacializá-la. Era possível fazer o modelo físico, mas não o modelo digital, pois nenhum software tinha alguma ferramenta fácil para chegar ao desenho perfeito de uma geodésica e nem eu possuía todo o conhecimento necessário para desenhá-la (...)

4.3 Experimento 3: Arena Multiuso e Complexo Multifuncional

O foco do experimento foi encontrar uma solução para a cobertura do Estádio. O aluno

realizou o experimento em três fases.

Na 1ª. fase o aluno estudou alguns projetos similares a partir dos quais pudesse

adquirir conhecimentos para enfrentar os problemas no seu projeto. Assim, as

principais influências foram três projetos recentes: Estádio Olímpico de Myiagi, o novo

Estádio do Beira-Rio, do Hype Studio Architects, e o Estádio Olímpico do FOA

Architects. A ideia era projetar uma cobertura curvilínea que partisse do solo, atingisse

o ápice na direção do meio de campo e terminasse novamente no solo.

Os primeiros modelos físicos, realizados no início do 9º semestre, mostram o

desenvolvimento de uma cobertura curvilínea, mas plana, inspirado no Estádio de

Myiagi. A sequência de modelos, realizados inicialmente, mostra que o aluno já tinha

compreendido as questões funcionais do Estádio, e assim empreendeu maiores

esforços na solução das questões estéticas, particularmente a cobertura. Sua

facilidade de desenhar e de se expressar por meio de modelos físicos, prescindiu de

modelos digitais, pois, como ele mesmo afirmou, “(...) utilizei os recursos que sempre

gostei em trabalhar: croquis e modelos volumétricos”.

Nos estudos seguintes, realizados na 2ª. fase, o aluno incorpora a ideia de “folha

da cobertura”, ideia advinda do estudo da Reforma do Estádio do Beira-Rio e do

Estádio Olímpico projetado pelo FOA Architects. A justaposição de módulos no

formato de “folhas” se sobrepõe à ideia inicial de uma cobertura curva. Até o final do 9º

semestre essa ideia permanece sem grandes definições estruturais e construtivas.

Mas no 10º semestre o aluno organiza todas as ideias prévias, e realiza estudos

pormenorizados dessa cobertura em “folhas”. Essa analogia foi útil para o aluno

compreender como formas orgânicas da natureza possuem um padrão, passível de

inspirar formas arquitetônicas.

A partir daí, na 3ª. fase, o aluno empenhou-se em pormenorizar a estrutura de

cada “folha”, estudando simultaneamente cada módulo e superfície de revestimento. É

importante destacar que, de modo intenso, o aluno produziu modelos físicos em várias

escalas, com diferentes propósitos. Além disso o aluno desenhou isométricas de parte

do Estádio para testar e comparar as alternativas da estrutura e da cobertura.

Figura 3: Arena Multiuso e Complexo Multifuncional em Itaquera. Desenhos e Modelos Físicos. Fonte: Aluno 2008.

Ao montar e desmontar a estrutura, ele dissecou o problema, e com isso pôde

tomar decisões projetuais importantes. Assim, esses modelos também ajudaram o

estudante a confirmar ou refutar o que ele havia pensado por meio de desenhos. Ao

curvar as varetas de plástico o aluno se deu conta dos esforços impostos pela

curvatura. De um modo concreto, o aluno teve um outro entendimento sobre a

estrutura, e que os desenhos sozinhos não conseguiam fazê-lo entender.

5 Conclusão

Nos experimentos analisados nesta pesquisa notamos que a aquisição de

conhecimentos foi mais intensa quando o estudante empregou mais de um meio de

expressão. Nota-se claramente que a hibridação de artefatos produzidos tais como

desenhos, modelos e maquetes físicas, e simulações computacionais tornaram

possível a exploração bi e tridimensional de aspectos conceituais, funcionais,

perceptivos, construtivos e estéticos. Além disso, a alternância entre desenhos e

modelos físicos permitiu, aos estudantes, compreender as relações espaciais e tomar

decisões baseadas em melhores condições de avaliação daquilo que estava sendo

produzido a cada momento.

A manipulação direta é a grande vantagem do ofício tradicional. O contato direto

da mão com o material torna possível a expressão humana, e fornece estímulos

físicos que atuam no sentimento da pessoa com o meio exterior. Entretanto, o

computador é um recurso importante para combinar a mão habilidosa com o raciocínio

mental (FLORIO, 2005, 2006), gerando novas possibilidades de expressão de ideias e

conhecimentos.

Notamos durante a prática de atelier de projeto que os alunos tendem a utilizar as

novas ferramentas computacionais como substituto de antigas práticas profissionais.

Raramente encontramos professores dispostos a discutir o papel dessas novas

ferramentas digitais no processo de projeto, seja na criação, seja no desenvolvimento,

seja na apresentação final do projeto. Por acharem que se trata “apenas” de

representação, os professores de projeto tendem a deixar de lado essa questão tão

importante no desenvolvimento das ações cognitivas em projeto. A falta de orientação

em sala de aula, a incipiente experiência por parte do aluno, e o desconhecimento e a

insistente recusa dos professores em discutir esses problemas nos impedem de

avançar nas questões de metodologia e cognição em projeto.

O problema atual é encontrar novos modos de hibridizar os recursos disponíveis

para projetar. O ofício, isto é, a aplicação do conhecimento pessoal para realizar o

trabalho, não pode simplesmente abandonar as antigas práticas, assim como não

pode desprezar, ou subutilizar, as novas tecnologias digitais. Do ponto de vista dos

meios de expressão, a profissão depende do desenvolvimento e da aplicação de

diferentes habilidades, e depende dos meios e das ferramentas, sejam analógicas,

sejam digitais. Portanto, se há uma pressão pela mera substituição do artefato físico

pelo digital, o nosso ofício deveria primar pelo uso híbrido de artefatos manuais e

computacionais, explorando o que há de melhor em cada meio, de acordo com as

necessidades de projeto e de expressão bi e tridimensionais.

Agradecimentos

O autor agradece ao Fundo MackPesquisa que financiou esta pesquisa, assim como

aos professores do TFG, e a inestimável colaboração dos estudantes.

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