Direito comercial

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CURSOS ON LINE – DIREITO COMERCIAL – CURSO BÁSICO PROFESSOR RONALD A. SHARP JUNIOR www.pontodosconcursos.com.br AULA 0: CONCEITO DE DIREITO COMERCIAL E EMPRESÁRIO Olá. Permita-me fazer uma breve apresentação. Sou o professor Ronald A. Sharp Junior. Ministro a disciplina Direito Comercial (ou Direito Empresarial ou da empresa, por influência do novo Código Civil). Minha preparação de candidatos para concursos públicos já vem de algum tempo, quando iniciei essa atividade em 1995, no Rio de Janeiro. Além de Direito Comercial, também leciono alguns pontos de Direito Civil e de Direito do Consumidor e publiquei, entre outros, o livro Direito Civil Questões com Gabarito Anotado, da editora Impetus/Campos Elsevier, e Código de Defesa do Consumidor Anotado, da editora Forense Universitária, ambos atualmente na 3ª edição. Também tenho experiência no árduo desafio dos concursos: 1º lugar para advogado da CAEMPE – Companhia de Águas e Esgotos do Município de Petrópolis (1992), 1º lugar para advogado do BNDES (1992) e Auditor-Fiscal do Trabalho (1995), cargo que exerço até hoje. O domínio da matéria comercial tem sido um diferencial competitivo nos concursos, já que a disciplina costuma ser cobrada nos concursos para as diferentes carreiras de auditoria, de analista jurídico, de técnico legislativo, sem contar aquelas das áreas exclusivamente jurídicas, e normalmente os candidatos a ela não se dedicam com a necessária atenção. Como muitos concursos exigem média mínima em cada matéria, não raro os candidatos obtêm boa pontuação em Direito Constitucional e em Direito Administrativo, por exemplo, mas não conseguem a aprovação justamente pela falta de conhecimento e estudo do Direito Comercial. Isso agora é passado e a sua decisão de iniciar este curso lhe capacitará a superar a matéria e “desfilar” no concurso. Estas aulas de Direito Comercial são fruto da abordagem dos assuntos e métodos aplicados em minhas classes presenciais preparatórias para concursos públicos desde 1994. A experiência acumulada nessa atividade rendeu-se a honra de ser nomeado perito judicial em uma ação que visa à anulação de gabarito de concurso para Auditor-Fiscal do INSS, para proferir laudo sobre as questões relativas ao Direito Comercial. A partir dos bancos da universidade, sempre fiquei intrigado com a quantidade de teorias e correntes do Direito Comercial, o qual, por apresentar caráter fragmentário, não permite uma visão objetiva, clara e simplificada desse ramo do direito privado, cuja importância cresce a cada dia, graças às reformulações em torno do conceito de empresa e sob os influxos da globalização da economia. PDF processed with CutePDF evaluation edition www.CutePDF.com

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AULA 0: CONCEITO DE DIREITO COMERCIAL E EMPRESÁRIO

Olá. Permita-me fazer uma breve apresentação.

Sou o professor Ronald A. Sharp Junior. Ministro a disciplina Direito Comercial (ou Direito Empresarial ou da empresa, por influência do novo Código Civil). Minha preparação de candidatos para concursos públicos já vem de algum tempo, quando iniciei essa atividade em 1995, no Rio de Janeiro. Além de Direito Comercial, também leciono alguns pontos de Direito Civil e de Direito do Consumidor e publiquei, entre outros, o livro Direito Civil Questões com Gabarito Anotado, da editora Impetus/Campos Elsevier, e Código de Defesa do Consumidor Anotado, da editora Forense Universitária, ambos atualmente na 3ª edição. Também tenho experiência no árduo desafio dos concursos: 1º lugar para advogado da CAEMPE – Companhia de Águas e Esgotos do Município de Petrópolis (1992), 1º lugar para advogado do BNDES (1992) e Auditor-Fiscal do Trabalho (1995), cargo que exerço até hoje.

O domínio da matéria comercial tem sido um diferencial competitivo nos concursos, já que a disciplina costuma ser cobrada nos concursos para as diferentes carreiras de auditoria, de analista jurídico, de técnico legislativo, sem contar aquelas das áreas exclusivamente jurídicas, e normalmente os candidatos a ela não se dedicam com a necessária atenção. Como muitos concursos exigem média mínima em cada matéria, não raro os candidatos obtêm boa pontuação em Direito Constitucional e em Direito Administrativo, por exemplo, mas não conseguem a aprovação justamente pela falta de conhecimento e estudo do Direito Comercial. Isso agora é passado e a sua decisão de iniciar este curso lhe capacitará a superar a matéria e “desfilar” no concurso.

Estas aulas de Direito Comercial são fruto da abordagem dos assuntos e métodos aplicados em minhas classes presenciais preparatórias para concursos públicos desde 1994. A experiência acumulada nessa atividade rendeu-se a honra de ser nomeado perito judicial em uma ação que visa à anulação de gabarito de concurso para Auditor-Fiscal do INSS, para proferir laudo sobre as questões relativas ao Direito Comercial.

A partir dos bancos da universidade, sempre fiquei intrigado com a quantidade de teorias e correntes do Direito Comercial, o qual, por apresentar caráter fragmentário, não permite uma visão objetiva, clara e simplificada desse ramo do direito privado, cuja importância cresce a cada dia, graças às reformulações em torno do conceito de empresa e sob os influxos da globalização da economia.

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As dificuldades localizam-se, principalmente, nos elementos introdutórios, nas noções propedêuticas, justamente no limiar do estudo do Direito Comercial ou Direito Empresarial (irrelevante a nomenclatura que o identifique), fazendo com que muitos se desinteressem em prosseguir no exame da disciplina.

Por conta disso, resolvi iniciar o contato com os alunos do curso on-line com esses aspectos elementares do Direito Comercial, verdadeiros alicerces de sua melhor compreensão, para que o restante da disciplina não pareça isolado e estanque.

A seqüência das aulas acompanha a ordem encontrada nos programas dos concursos, que, aliás, adotam o encadeamento tradicionalmente dado pelas obras doutrinárias e pela disposição das matérias no novo Código Civil, cujos artigos passaram a contemplar a disciplina empresarial. Sem perder de vista a profundidade do conteúdo, estas aulas são escritas em linguagem simples e didática. A abordagem direta e objetiva, sem rodeios desnecessários, dos institutos como se encontram em vigor e como são cobrados nos concursos proporciona uma leitura leve e fácil, capaz de gerar o interesse e a assimilação da matéria. Tudo será apresentado e examinado com um toque amigável e de proximidade, entremeado de perguntas e do desafio de responder a algumas questões reais de concursos.

Preferi a técnica de inserir as questões de concurso e seus comentários no decorrer do texto expositivo, para que a leitura já desperte a dúvida, a curiosidade, o desafio intelectual de solucionar os casos-problema propostos.

O objetivo é claramente fazer com que o candidato estude ao mesmo tempo em que exercita o seu raciocínio para elucidar as questões. Por mais que o professor se esforce, nenhum aluno aprende se a tarefa não lhe for apresentada sob a forma de uma interrogação, de uma dificuldade a ser superada, donde ele extrairá a necessidade do estudo.Seu contato com o Direito Comercial é certamente maior do que você imagina, mais até do que com o Direito Civil, pois, como disse o jurista francês Georges Ripert, é mais fácil alguém praticar uma atividade bancária do que precisar dos serviços de um tabelião ou notário para lavrar uma escritura. Isso é fruto da comercialização do Direito Civil, progressivamente impregnado do Direito Comercial, fenômeno que será abordado em nossas aulas.

Não é por meditação existencial ou por simples espontaneidade que se adquire o conhecimento, mas mediante um trabalho doloroso, persistente e determinado. Logo virá a recompensa. Como dizem os atletas, no pain no win.

Assim, é hora de arregaçarmos as mangas e começarmos a empreitada. Vamos lá!

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SUMÁRIO Autonomia do Direito Comercial Períodos do Direito Comercial Conceito de Direito Comercial Empresário – conceito e requisitos Auxiliares dos Empresários Atividades Econômicas não empresárias

Autonomia do Direito Comercial

Vivemos atualmente um momento de transição com a unificação do Direito Civil e do Direito Comercial dada pelo Novo Código Civil (NCC), que revogou os artigos 1º a 456 do Código Comercial de 1850. Mas isso implica ou representa a perda da autonomia do Direito Comercial? Muitos se deparam com o questionamento. E você, já se perguntou isso?

Adianto que a resposta deve ser negativa. Nas palavras de Miguel Reale, Supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, expressas na exposição de motivos, “... a unificação [que é parcial] do Direito Civil e do Direito Comercial, no campo das obrigações, é de alcance legislativo, e não doutrinário, sem afetar a autonomia daquelas disciplinas”. Essa autonomia vem afirmada no Enunciado 75 da Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, evento do qual tivemos a oportunidade de participar, cuja redação se reproduz: “Art. 2.045: A disciplina de matéria mercantil no novo Código Civil não afeta a autonomia do Direito Comercial”.1

Sempre que se estuda um novo ramo do Direito (o fenômeno jurídico é uno, mas comporta divisões para facilitar a sua compreensão), importa saber se possui autonomia, que pode ser didática, científica e legislativa. Didaticamente, o Direito Comercial continua integrando os currículos universitários como disciplina própria, igualmente contando com linhas de pesquisas no ensino de pós-graduação. Do ponto de vista científico, o Direito Comercial apresenta características próprias (cosmopolitismo, fragamentarismo, onerosidade presumida, informalidade, celeridade) e deve ser investigado de acordo com o método indutivo, que parte do dado particular para obter generalizações, assumindo a função e a estrutura dos institutos importância fundamental na interpretação. Sob o enfoque da autonomia legislativa, a Constituição Federal (nesse ponto a CF ainda não foi

1 Os Enunciados das Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal constituem relevante ferramenta de estudo para o candidato. Veja-se em www.cjf.gov.br, selecionando Conselho da Justiça Federal, publicações e enunciados ao novo Código Civil.

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alterada!) estatui que compete à União Federal legislar sobre Direito Comercial (CF/88, art. 22, inc. I).

E é de se notar que a CF/88 menciona Direito Comercial, e não empresarial, da empresa ou dos negócios. Por este motivo é que se deve privilegiar a nomenclatura Direito Comercial em detrimento de outras. Mas não estranhe se eventualmente o programa do edital ou as questões da prova aludirem à “Direito Empresarial”. No fundo, serão a mesma coisa.

Na verdade foi o Direito Civil que se mercantilizou, que se comercializou, que foi impregnado pelo Direito Comercial. Embora integre uma parte do Código Civil (Livro II da Parte Especial, a partir do art. 966), o Direito Comercial possui objeto vasto e se caracteriza pelos títulos de créditos, marcas e patentes, comércio marítimo, contratos empresariais, atividades financeiras, câmbio e seguros, valores mobiliários, falência e recuperação, matérias que permanecem fora do novo Código, constando de leis especiais e esparsas, como os títulos de crédito, que contam com várias leis, citando-se a Convenção de Genebra de Títulos de Crédito, a Lei Uniforme; a Lei do Cheque; a Lei de Protestos, a Lei que trata das Cédulas de Créditos Bancários, entre outras. O novo Código até tentou abranger, mas não trata especificamente de cheques, de duplicatas, por exemplo.

O Código Civil, em matéria de Direito Comercial vai se ocupar das sociedades, com as responsabilidades inerentes a cada tipo, do empresário individual, e alguns institutos bem próximos ao empresário, que é o antigo fundo de comércio (agora chamado de Estabelecimento, art. 1.142 e segs.), os prepostos, (art. 1.169 e segs.) o registro (art. 1.150), o nome empresarial (art. 1.155 e segs.) Esses institutos serão examinados mais adiante e de acordo o programa proposto. Repare você que a importância deles transcende o estudo do Direito Comercial, porque em certa medida serão aplicados até mesmo às associações e fundações, como acontece com a proteção ao nome empresarial, a qual é estendida às denominações de entidades não empresárias (art. 1.155, § único).

Nos contratos, aparece a comercialização do Direito Civil mediante as novas figuras contratuais que o Código Civil não disciplinava, contratos tradicionalmente empresariais, como o contrato de comissão, de corretagem, agência e distribuição.

O corpo único da codificação é dado como exemplo na Itália, onde um único código abarca o Código Civil, o Código Comercial e o Código Trabalhista. Com o novo Código Civil (NCC) amplia-se o domínio do Direito Comercial. O âmbito é expandido pela delimitação da matéria de acordo com a teoria da empresa, de maneira a incluir o empresário civil, uma vez que este, pelo antigo sistema, não estava inserido no regime jurídico mercantil, como pedir recuperação, falência etc. Uma ou outra decisão é que estendia para o empresário civil a disciplina do direito comercial, como no caso do Colégio

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Impacto no Rio de Janeiro, que também vendia apostilas. Mas no caso de um produtor rural, o STJ, em 04.04.94, negou o pedido de concordata, considerando que se tratava de atividade tipicamente civil e que a falência e a concordata eram privativos do comerciante.2 Mas isso agora é passado e nos deparamos com uma nova realidade.

Vejamos um pouco da evolução do Direito Comercial.

Em seus primórdios o Direito Comercial era corporativo – corporações de ofícios, associações, burguesia – mas no seio da sociedade se percebeu que não comerciantes passaram a praticar atos que eram considerados comerciais, como o uso de títulos de crédito, entre eles a letra de câmbio. O Direito Comercial é então ampliado, dado que o risco da atividade econômica, que era restrita ao comerciante, começou também a recair sobre o prestador civil de serviços.

A partir daí deu-se início o processo paulatino de estender a proteção do regime jurídico mercantil àqueles que não eram comerciantes, mas que exerciam a sua profissão com caráter de organização dos diversos fatores de produção.

Mas isso foi um processo lento.

No Brasil, o Dec. 24.150, antiga Lei de Luvas, que regulava apenas os contratos locatícios comerciais, foi revogado pela Lei 8.254/1991, a qual incorporou a tendência já adotada pela jurisprudência e passou a estender ao empresário civil a proteção concedida aos comerciantes quanto à renovação compulsória dos contratos de locação (art. 51, § 4º, da Lei. 8.245/91).

O STJ tem decisões mostrando que não se trata de fundo de comércio, mas sim de fundo de empresa3, para abranger não só o comerciante, como também as antigas sociedades civis com fins lucrativos. Atualmente, o fundo de comércio é chamado de “estabelecimento” (art. 1.142 do NCC) e se aplica tanto ao empresário que produz ou circula bens quanto o que lida com serviços.

2 “PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL - PEDIDO DE CONCORDATA – EMPRESARIO RURAL. I- Impossível a concessão do beneficio da concordata a produtor rural, já que este exerce atividade civil típica e a falência e concordata aplicam-se privativa a exclusivamente ao comerciante. o juiz não pode conceder o beneficio da concordata preventiva ao não comerciante sob pena de infringindo a lei, substituir-se ao legislador. II - Recurso conhecido e provido.”(STJ - Resp 2492-MG. 3ª Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. em 05.04.94, DJ de 02.05.94)

3 Consta do Recurso Especial nº 167.443-RJ, relator o Min. Vicente Leal, julgado em 23.06.98 e publicado do DJ de 17.08.98: “A expressão fundo de comércio é concebida modernamente como fundo de empresa, de vez que abrange o conceito de atividade empresarial (...)”

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O prestador de serviços, a exemplo de um médico ou advogado, recebia honorários, porque era uma honra prestar o serviço, que não tinha preço nem valor econômico. Até hoje o prestador de serviços recebe honorários, mas sua atividade não raramente possui o mesmo risco que a atividade empresarial, objetivo de lucro, elevado grau de organização e sofisticação.

Em seguida temos a lei 8.434/94 dispondo sobre o registro de empresas mercantis e atividades afins, mostrando a tendência de alargar o domínio do Direito Comercial. Esta lei se refere ao nome do comerciante, como aquele com o qual se identifica na sua atividade, atualmente o nome empresarial.

O que tradicionalmente era chamado de nome comercial foi substituído pela referida lei para nome empresarial, sendo esta denominação comum tanto para o antigo comerciante como para o empresário civil. Afinal, não convém fazer distinções entre empresários pelo critério do objeto de sua atividade, ganhando relevo o modo pelo qual ela é organizada.

A própria CF/88, no art. 5º inc. XXIX, fala em nome da empresa, evidenciando, ainda mais, a tendência de o Direito Comercial prestigiar e incorporar a teoria da empresa.

Portanto, o fato de estar inserido em determinado diploma não significa a perda da autonomia do Direito Comercial, bastando atentar para existência disseminada de normas heterotópicas, como normas de Direito Civil inseridas no Código de Processo Civil, por exemplo.

Períodos do Direito Comercial

Tudo na vida - sejam pessoas, organizações, países, o conhecimento – passa por distintos períodos, nem sempre lineares e constantes, às vezes marcados por marchas e contramarchas. Com o Direito Comercial não foi diferente e teve alguns períodos até chegar ao atual, que é chamado de período subjetivo moderno.

Transcorreu um período inicial onde o direito comercial era um direito corporativo, classista, só aplicado a uma classe, uma categoria especifica. Isso se deu com o esfacelamento do Império Romano e a pulverização em vários “Estados”, “nações”, vários feudos, em que cada qual tinha seu critério organizador, regras e autoridades próprias. Não havia mais um Estado centralizador. Cada feudo com seu domínio, poder, cada qual com seu suserano e vassalos e recursos diferentes. Os próprios comerciantes criaram então regras para se relacionarem com outros comerciantes para garantir a fluidez da circulação econômica. . Através de suas corporações passaram a criar condições para que eles mesmos, à margem do Estado, pudessem organizar suas atividades. Esse é o chamado período subjetivo.

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Em seguida o Estado incorporou o Direito Comercial, constituído até então basicamente de regras consuetudinárias, fruto de costumes e convenções. Veio o Código Comercial Napoleônico, de 1807, e adotou a teoria dos atos de comércio. Estabeleceu que eram mercantis determinados atos apresentados numa lista e quem fizesse da prática desses atos profissão habitual tornava-se comerciante. Este era o período objetivo. Objetivo porque se o ato estivesse arrolado na lista era reputado mercantil.

Chegamos então ao período atual, o período subjetivo moderno, com a contemporânea teoria da empresa. Evoluímos do direito que regulava a mera pratica de atos e seus autores para o direito da atividade econômica organizada, que tanto pode abarcar objeto civil quanto mercantil, desde que a atividade seja feita de forma estruturada, organizada, articulando os fatores de produção. Passou assim a abranger o empresário civil prestador de serviço, pouco importando o objeto de sua atividade, mas sim a organização dos distintos fatores de produção (capital, mão-de-obra, tecnologia, matéria-prima, insumos) visando ao lucro.

O quadro a seguir resume esses períodos.

1O. Período: Subjetivo; classista; corporativista.

Direito

Comercial

2o. Período: Objetivo – regula atos praticados por comerciante e não comerciantes, desde que reputados pela lei como mercantis – Teoria Mista.

3o. Período: Subjetivo-moderno - idéia de empresa e as questões a ela relacionadas.

Conceito de Direito Comercial

Antônio Joaquim Severino, em sua consagrada obra Metodologia do Trabalho Científico (em 2002 estava na 22ª edição), ensina que o conhecimento humano se inicia com a formação dos conceitos. Então, vamos aos conceito de Direito Comercial !

Direito Comercial é o ramo do direito privado que disciplina as atividades dos empresários e dos atos de empresa. Antes do NCC, o Direito Comercial constituía a disciplina das atividades dos comerciantes e dos atos de comércio.

Eram os atos de comércio que determinavam a matéria mercantil, porque só era mercantil aquilo que correspondesse à noção de ato de comércio e, portanto, o comerciante era aquele que fazia da prática desses atos profissão habitual, com intuito de lucro (revogado art. 4º do Cód. Comercial).

Para saber se alguém era comerciante era preciso ter presente a descrição de atos de comércio dada pelo Regulamento 737/1850, cujo art. 19 arrolava os atos de comércio típicos ou por natureza. Tais atos, praticados de forma

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habitual, permanente, profissional e com fins lucrativos atribuíam ao seu autor a qualidade de comerciante.

O conceito de atos de comércio é empírico, prático, casuístico, porque não se tem uma noção científico-doutrinária para estabelecer universalmente o que é ato de comércio. Cada sistema legislativo pode atribuir comercialidade a certos atos. Daí a razão pela qual essa teoria é tão combatida, faltando-lhe uma compreensão lógica e demonstrável à luz de premissas gerais.

Por isso foi substituída pela teoria da empresa, não importando a natureza intrínseca do ato, mas sim o exercício profissional da atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços. Verificou-se a alteração do critério de delimitação do objeto do Direito Comercial, que deixa de estar baseado no sistema francês dos atos de comércio e passa a considerar como núcleo central a empresa, vale dizer, a atividade produtiva exercida organizadamente.

Hodiernamente o que cabe observar é a presença da organização de diversos fatores de produção: mão-de-obra; tecnologia; insumos. Se estiverem organizados sistematicamente, perfazem a caracterização de empresa.

A empresa, independentemente da matéria de seu objeto, é unidade técnica de produção. Segundo Carvalho de Mendonça,4 a “Empresa é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade”.O empresário é aquele que se interpõe, que fica numa posição de intermediário, entre os fatores de produção e o mercado.

Para Raquel Sztajn,5 “A intermediação, origem do direito comercial, não é mais importante por si; interessa a intermediação vinculada à produção em massa, a produção para mercados, a intermediação em mercados, com o que é formada uma teia de relações contratuais, negócios dos mais variados tipos.”. O que o novo Código Civil realça é a idéia “atividade”, isto é, uma séria de atos variados, unificados em razão do mesmo objetivo global, em prejuízo da simples prática repetida de certos atos previamente catalogados na lei.

4 Direito Comercial Brasileiro, 1930, p. 492

5 A Teoria Jurídica da Empresa. Atlas. p. 14-15

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DESAFIO (ESAF/2004) A recepção do instituto empresa pelo Código Civil resultará em: a) retornar a discussão sobre ato de comércio como

intermediação na circulação de mercadorias. b) realçar a idéia de atividade sobre a de ato. c) incorporar novos ofícios e profissões ao campo do direito

mercantil. d) extremar atividades empresariais e não empresariais. e) criar novo sistema de análise da atividade econômica. A resposta correta é a letra b, porque a intermediação em si

perde relevância. O que interessa é a atividade estruturada em detrimento da prática repetida de apenas certos atos de intermediação. Lembre-se que não importa mais o objeto, mas o modo pelo qual a atividade é exercida. Se os ofícios ou profissões são praticados sem a organização típica e qualificada dos fatores de produção (sem empregados, por exemplo,) não configurarão empresa. O objetivo da teoria da empresa também não foi o de manter um sistema dicotômico, e sim sujeitar o empresário de qualquer ramo de negócio a um regime jurídico unificado. A opção “e” não é jurídica e remete ao estudo no campo econômico.

Aliás, é bem de ver que o livro relativo ao Direito de Empresa no Código Civil era identificado, na versão original do projeto, como “Da atividade negocial”, uma vez o regime jurídico de atividade é distinto daquele de simples atos independentes. Na Parte Geral do NCC, encontramos a disciplina do negócio jurídico para aquelas manifestações de vontade isoladas. Mas quando se trata de um conjunto de atos praticados diuturnamente, relacionados entre si e dirigidos a uma mesma finalidade, forma-se a “atividade”, cuja regulamentação é dada pelo Livro do NCC dedicado à empresa. No relatório da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal que aprovou o projeto da nova Lei de Falências e de Recuperação das Empresas, o relator Senador Ramez Tebet destacou a necessidade maior de preservar a atividade empresarial, separando os conceitos de empresa e de empresário. Afirmou o relator: “Não confundir a empresa com a pessoa natural ou jurídica que a controla. A empresa é o conjunto organizado de capital e trabalho para a produção ou circulação de bens ou serviços. Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja a falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em bases eficientes”. Aliás, é no sentido de atividade que a Lei das S/A prevê o atendimento da função social da empresa (art. 116, § único).

A empresa possui um conceito econômico unitário, cujos contornos são informados pela teoria econômica. Mas, sob o enfoque jurídico, a doutrina

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aceitou amplamente a tese do professor italiano Alberto Asquini6, que em 1943 considerou a empresa um fenômeno jurídico poliédrico, de diversos lados ou facetas. Praticamente todos os autores de obras de Direito Comercial mencionam a teoria de Asquini, a qual passou a ser um referencial na noção jurídica de empresa e que muito inspirou o Código Civil de 2002. Recomenda-se ao candidato por uma certa ênfase na compreensão das idéias expressadas por Asquini.

Assim, a empresa pode ser estudada sob o perfil subjetivo, identificando o empresário e os requisitos para ser empresário, ou pelo perfil objetivo ou patrimonial a significar o conjunto de bens utilizado pelo empresário para o exercício de sua atividade – o estabelecimento. A empresa pode também ser identificada sob o perfil funcional, ou seja, a empresa é o exercício de uma atividade (um complexo de ações coordenadas voltadas para a mesma finalidade) de produção ou circulação de bens ou serviços, economicamente organizados. É justamente a preservação da atividade empresarial a razão de ser e o objetivo da nova Lei de Falências e de Recuperação.

Além destes aspectos, há também o perfil corporativo ou institucional, uma vez que o empresário é aquele que organiza, ordena a mão-de-obra e capital para exercer suas atividades. Logo, a empresa não é apenas o profissional individual que sozinho pratica atos de comércio. Deve-se encará-la a como uma organização formada não só pelo titular, mas também pelos diferentes vínculos mantidos com seus colaboradores (prepostos). Para o professor Fábio Ulhoa Coelho7, “O empresário, no exercício da atividade empresarial, deve contratar empregados. São estes que, materialmente falando, produzem ou fazem circular bens ou serviços. ”A seu turno, na mesma linha ensina o professor italiano Alfredo Rocco,8 em obra escrita no início do século passado: “E agora podemos concluir. Em todos os atos que o Código [italiano] qualifica de empresas achamos que o elemento específico constitutivo da empresa, no sentido do código, é o fato da organização do trabalho de outrem... Segundo o código, apenas temos empresa (...) quando a produção é obtida mediante o trabalho de outros, ou por outras palavras, quando o empresário recruta o trabalho, organiza–o , fiscaliza–o, retribui–o e dirige–o para os fins da produção.” A ausência de reunião de todos esses perfis impede a caracterização de empresa.

6 O artigo intitulado Os perfis da empresa, do prof. Asquini, foi traduzido pelo prof. Fábio Konder Comparato e publicado na Revista de Direito Mercantil nº 104.

7 (Manual de Direito Comercial. 14ª ed. Saraiva. São Paulo: 2003, p. 11). 8 (Princípios de Direito Comercial. Campinas: LZN editora, 2003, p. 222 e 223)

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O prof. Arnoldo Wald9 bem sintetiza as faces que formam os perfis de Asquini:

(i) objetiva, como estabelecimento. Considera-se o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos que o empresário organiza e utiliza para exercer a sua atividade;

(ii) subjetiva, como empresário. Refere-se ao sujeito que desenvolve a atividade econômica de forma organizada;

(iii) funcional, como atividade empreendedora. Demonstra propriamente a atividade economicamente organizada. Não importa apenas o ato, mas é relevante o conjunto de atos que se apresentam de forma organizada, e

(iv) institucional, pressupõe a existência de uma instituição. Abarca o contexto político. Traz fortes idéias da parceria e da comunhão de interesses que surge entre o empresário e os empregados, isto é, da conjugação de capital e trabalho.

O NCC teve forte influência da perspectiva de Asquini, conforme ressaltado por Sylvio Marcondes, redator da parte do Código que veio a compor o Direito de Empresa, no texto da Exposição de Motivos do Anteprojeto. De fato, a definição do art. 966 do NCC relativa ao empresário (perfil subjetivo) é obtida a partir do exercício de uma atividade organizada (perfil funcional), mediante um conjunto de bens (perfil objetivo, art. 1.142) e com o auxílio de prepostos (perfil corporativo, institucional ou hierárquico, art. 1.169).

DESAFIO (ESAF/1998) Segundo o ensinamento de Asquini, empresa é fenômeno com

perfil poliédrico em que se destaca(m) a(o): a) Organização da produção e do trabalho. b) Perfil objetivo, o subjetivo, o hierárquico e organizacional. c) Pessoa jurídica sociedade mercantil. d) Atividade do empresário ou grupos de pessoas para a

obtenção de lucro. e) Fundo de comércio como resultado da mais-valia do trabalho. A resposta correta e mais abrangente, que melhor se

compatibiliza com o enunciado, é a letra b, embora um tanto dúbia porque o perfil organizacional com o funcional. Na empresa existe organização, mas o enunciado indaga sobre os perfis de Asquini. As letras “c”, “d” e “e” são restritas, respectivamente, aos perfis subjetivo, funcional e objetivo.

9 Parecer publicado em www.rcpj-rj.com.br, ao qual remetemos o candidato, para aprofundar no exame da temática da empresa.

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Empresário

O uso da expressão empresário se generalizou e muitos gostam, no meio social, de ser reconhecidos como tais (empresários do futebol, de artistas, industriais, comerciais e, até, empresários da noite). Mas estamos no terreno jurídico e é dentro dessa perspectiva que iremos abordar a compreensão do assunto.

O empresário, tal como definido no art. 966 do NCC, é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a criação ou circulação de bens ou serviços. Esse dispositivo considera a pessoa física que organiza e que assume o risco técnico e econômico de sua atividade, enquanto que o art. 982 cuida da pessoa jurídica empresária.

Do artigo 966 extraem-se os seguintes requisitos:

- exercício em nome próprio

- profissionalidade

- atividade econômica

- organização

- criação ou oferta de bens ou serviços

- capacidade e ausência de impedimentos

1) Exercício em nome próprio: trata-se da exploração da atividade econômica diretamente pela própria pessoa física, e não por intermédio de uma sociedade. Não se deve confundir sócio com empresário. O sócio não é empresário como também nunca o foi o comerciante. O sócio pode ser um investidor ou empreendedor, mas não é empresário. Quando a lei de falências proíbe o falido não reabilitado de exercer a atividade empresarial refere-se quanto a ser empresário individual, e não quanto a sócio em sociedades, qualidade que o falido pode ter, se não for investido em cargo de administração (Lei 10.101/05, art. 181, inc. I e II).

O empresário individual registrado na Junta Comercial é pessoa jurídica? Não é. O registro de empresário individual serve apenas para garantir a regularidade da sua atividade, mas não alterando nem criando novo sujeito de direito, continuando com única personalidade de pessoa natural. Não tem, portanto, autonomia jurídica nem duplo patrimônio. Tampouco goza de limitação de responsabilidade em relação às dívidas contraídas em sua atividade empresarial. A empresa individual constitui a pessoa do empresário que em nome próprio exerce as suas atividades. Ainda que seja enquadrado como microempresa, não possui o empresário individual personalidade

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distinta daquela que se reconhece à pessoa natural ou física.10 A jurisprudência é bastante elucidativa nesse ponto, conforme as decisões transcritas abaixo em nota de rodapé.

No caso de falência do empresário individual, quem vai à falência não é a pessoa jurídica, que aqui não existe, mas sim a própria pessoa física. Convém insistir: a inabilitação do falido de exercer a atividade empresarial (Lei Falências - Lei 11.101/2005 – art. 181, inc. I), limita-se ao empresário individual, não impedindo o falido de ser apenas sócio em sociedades.

DESAFIO (TRT-9ª Região)* Leia com atenção. Sobre a constituição por pessoa física de uma

empresa individual devidamente registrada na Junta Comercial, é correto afirmar-se que:

a) Existem duas personalidades jurídicas distintas: uma, a de pessoa física; outra, a de empresário individual.

b) Os patrimônios da pessoa física e da empresa individual são absolutamente separados.

c) Não tem a empresa individual patrimônio distinto daquele do seu titular.

d) O Direito brasileiro não admite a figura jurídica da empresa individual

A resposta correta é a letra c, porque o art. 966 do NCC admite

expressamente a figura do empresário individual, sem, contudo, lhe atribuir personalidade jurídica distinta daquela atribuída à pessoa de seu titular. Não existem duas individualidades e dois patrimônios.

* A questão foi adaptada ao novo Código Civil

2) Profissionalismo: exige-se a permanência, a habitualidade dos atos de empresa. Descarta-se o exercício esporádico ou eventual da atividade econômica. 10 “Não é correto atribuir--se ao comerciante individual, personalidade jurídica diferente daquela que se reconhece à pessoa física. Os termos «pessoa jurídica», «empresa» e «firma» exprimem conceitos que não podem ser confundidos. Se o comerciante em nome individual é advogado, não necessita de procuração, para defender em juízo os interesses da empresa, pois estará postulando em causa própria (CPC, art. 254, I).”(STJ, Rec. Esp. 102539, SP, Rel: Min. Humberto Gomes de Barros, Julg. em 12/11/96, D.J. 16/12/96).

“A firma individual é mera ficção jurídica, com o propósito de habilitar a pessoa física a praticar atos de comércio, concedendo-lhe em conseqüência algumas vatagens de natureza fiscal. Todavia, daí não se pode extrair a ilação de que há bipartição entre a pessoa natural e a firma por ele constituída.” (TJSP, Ap. Cív. 255981-2, Santa Rita do Passa Quatro, Rel: Des. Ruy Camilo, Julg. em 15/02/95)

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3) Atividade econômica: objetiva resultado econômico positivo e dele se apropria. O conceito de atividade econômica foi utilizado no NCC para distinguir as associações (corporação de pessoas sem fins econômicos - art. 53 do NCC) das sociedades (corporação de pessoas com fins econômicos - art. 981 do NCC). A atividade econômica busca superávits de sua atuação e o seu recolhimento se seus efeitos entre os titulares.

4) Organização: importa na combinação dos diversos fatores de produção (matéria-prima, mão-de-obra, tecnologia, capital), praticando uma série de atos seqüenciados e interligados visando a um fim. Eis aí a nota distintiva mais importante, porque todos os demais requisitos podem estar presentes em outras atividades e é justamente a presença desse que caracteriza a atividade empresarial. Portanto, dê especial ênfase a este ponto.

A propósito, a título de ilustração, ensina Fábio Ulhoa Coelho11 que em muitos casos a ausência de uma estrutura de produção impede a configuração de empresa e empresário:

“Assim, não é empresário quem explora atividade de produção ou circulação de bens ou serviços sem alguns desses fatores de produção [mão-de-obra, matéria-prima, tecnologia e capital]. O comerciante de perfumes que leva ele mesmo, à sacola, os produtos até os locais de trabalho ou residência dos potenciais consumidores explora atividade de circulação de bens, fá-lo com intuito de lucro, habitualidade e em nome próprio, mas não é empresário, porque em seu mister não contrata empregado, não organiza mão-de-obra. O feirante que desenvolve seu negócio valendo-se apenas das forças de seu próprio trabalho e de familiares (esposa, filhos, irmãos) e alguns poucos empregados, também não é empresário porque não organiza uma unidade impessoal de desenvolvimento de atividade econômica. O técnico em informática que instala programas e provê a manutenção de hardware atendendo aos clientes em seus próprios escritórios ou casa, o professor de inglês que traduz documentos para o português contratado por alguns alunos ou conhecidos deste, a massagista que atende a domicílio e milhares de outros prestadores de serviço – que, de telefone celular em punho, rodam a cidade – não podem ser considerados empresários, embora desenvolvam atividade econômica. Eles não são empresários porque não desenvolvem suas atividades empresarialmente, não o fazem mediante a organização dos fatores de produção.”

5) Produção ou circulação: é a idéia de fabricação ou intermediação na fabricação de mercadorias ou na prestação de serviços voltados à satisfação das necessidades do mercado. O objeto tanto poderá corresponder àquilo que se considerava mercantil como civil. A questão do objeto perde a

11 Comentários à nova lei de falências e de recuperação das empresas, editora Saraiva, pp. 12 e 13.

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relevância do passado e adquire caráter meramente residual, nos casos de atividades intelectuais e rurais (NCC, art. 966, § único e art. 971).

6) Capacidade e ausência de impedimentos: o art. 972 requer a capacidade civil plena, nos casos previstos no Código Civil e que o empresário individual, não o mero sócio, não esteja impedido por seu ofício ou status profissional, como acontece com os servidores públicos, magistrados, membros do Ministério Público etc. Se violada a proibição de exercer a atividade empresarial em nome próprio, como empresário individual, a transgressão da regra não obsta que o infrator responda pelas obrigações assumidas (NCC, art. 973), até porque ninguém pode invocar a própria malícia ou torpeza para fugir ao cumprimento de deveres jurídicos. Nada obsta que o impedido de ser empresário individual possa figurar como sócio em sociedades. Novamente não pode é ser administrador, mas as qualidades de sócio e administrador não se confundem.

A capacidade é necessária para iniciar a atividade empresária individual, mas pode o incapaz prosseguir na empresa individual que herdou ou da qual já era titular antes de sofrer o processo de interdição. Por outras palavras, como deixa certo o enunciado 203 da III Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “Art. 974: O exercício da empresa por empresário incapaz, representado ou assistido somente é possível nos casos de incapacidade superveniente ou incapacidade do sucessor na sucessão por morte.”

Não propriamente sobre capacidade genérica, mas sobre legitimação, que é uma capacidade especial, chamada de extrínseca, em contraposição à primeira, que é intrínseca, exigida para a prática de certos atos e em função do estado (individual, nacional, familiar) do agente, o NCC traça regras inovadoras, examinadas a seguir.

O empresário individual casado que em nome próprio explora a atividade econômica pode atuar sem necessidade de outorga (autorização) do cônjuge, qualquer que seja o regime de bens, podendo alienar ou gravar os bens que ele destinou para o exercício da empresa (NCC, art. 978). Pelo art. 977, os casados não podem celebrar sociedade entre si e com terceiros, se o regime for da comunhão total ou da separação legal obrigatória. A questão aí pertence ao direito de família, para não haver fraude ao regime de bens, no caso da separação obrigatória, nem confusão patrimonial, na hipótese de comunhão universal. De qualquer modo, o problema somente atinge as sociedades constituídas após o NCC, uma vez que as anteriores estão protegidas pelo direito adquirido, conforme amplo entendimento doutrinário. Prova disso é o PARECER JURÍDICO DNRC/COJUR Nº 125/03, do Departamento Nacional do Registro do Comércio, datado de 04.08.2003: “essa proibição não atinge as sociedades entre cônjuges já constituídas quando da entrada em vigor do Código, alcançando, tão somente, as que viessem a ser constituídas posteriormente”.

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E o registro na Junta Comercial, determinado no art. 967 do NCC, é declaratório ou constitutivo da qualidade de empresário? Esse questionamento foi feito em um concurso para o Ministério Público de São Paulo. A resposta é: declaratório. O registro para efeito de personificação, isto é, para criar pessoa jurídica (arts. 45 e 985 do NCC), adquirindo personalidade jurídica segregada de seus membros, é de natureza constitutiva. Agora, para aferir a qualidade de empresário o registro é meramente declaratório. O registro serve para determinar a regularidade do empresário; daí se sabe se ele é ou não regular. Logo, a qualidade de empresário advém da prática da atividade empresarial, e não do registro. O empresário sem registro, não obstante ser considerado empresário, não poderá ingressar em juízo com o pedido de recuperação judicial nem requerer a homologação da recuperação extrajudicial (Lei Falências - Lei 11.101/2005, arts. 48 e 161)

Uma vez mais se invoca a autoridade dos enunciados 198 e 199 da III Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal:

198 - Art. 967: A inscrição do empresário na Junta Comercial não é requisito para a sua caracterização, admitindo-se o exercício da empresa sem tal providência. O empresário irregular reúne os requisitos do art. 966, sujeitando-se às normas do Código Civil e da legislação comercial, salvo naquilo em que forem incompatíveis com a sua condição ou diante de expressa disposição em contrário.

199 – Art. 967: A inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, e não da sua caracterização.

O NCC cria uma diferença com relação ao produtor rural, que tem a opção de ser ou não empresário. Mas se houver optado por ser empresário deverá registrar-se na junta Comercial (art. 971, NCC). Logo, em relação ao empresário rural o registro é constitutivo e não existe empresário rural pessoa física irregular.

Outra vez se recorre à credibilidade reconhecida aos citados enunciados:

202 – Arts. 971 e 984: O registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção.

A qualificação de empresário, uma vez preenchidos os requisitos apontados, atrai a incidência do regime jurídico empresarial. Significa esse regime estar sujeito a um sistema de registro próprio (Junta Comercial - NCC, art. 1.150), ao processo de execução coletiva caracterizado pela falência e pela recuperação (NCC, art. 1.087 combinado com o art. 1044; e Lei 10.101/2005, art. 1º) e a uma contabilidade formal (NCC, art. 1.179).

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DESAFIO (ESAF/2004) A questão relativa aos atos de comércio e sua importância

na qualificação das operações negociais mercantis, após a unificação do direito obrigacional,

a) perde relevância uma vez que a figura do comerciante

desaparece. b) equivale à noção de atos de empresa. c) tem caráter residual em relação às atividades

econômicas. d) explica-se em face da noção de mercado. e) refere-se a certas operações realizadas em massa. A resposta correta é a letra c, porque, de um modo geral, pouco

importa o objeto para distinguir a atividade empresária da não empresária, adquirindo relevância o modo pelo qual elas se desenvolvem. Apenas em relação às atividades intelectuais e rurais é que se manteve o critério distintivo pelo objeto e mesmo assim esta última tem a opção de tornar-se empresária.

(ESAF/1998) O conceito de empresário contém a idéia de ser aquele que: a) Dirige o negócio. b) É o titular do negócio. c) Organiza a produção e a distribuição da riqueza. d) Mantém atividade com recursos próprios. e) Exerce o comércio. A resposta correta é a letra c, porque o que diferencia o

empresário é a organização dos fatores de produção, uma vez que o profissional exercente de atividade científica, pode, por exemplo, dirigir o seu negócio, ser o seu titular, contar com recursos próprios. O comércio exíguo, sem estabelecimento ou empregados, não entra na caracterização de empresário.

Colaboradores ou Auxiliares dos Empresários

Os agentes colaboradores não são empresários, mas sim prepostos, uma vez que prestam suas atividades por conta alheia, não possuindo o risco do negócio. Praticam, então, atos em nome e no interesse do empresário. Esses atos, embora praticados pelos prepostos (agentes colaboradores) são imputáveis à própria atuação do empresário, ou seja, quando os gerentes, vendedores, contabilistas estão agindo, não mediante assunção de risco próprio, mas do exercício de uma atividade cujo risco recaia sobre o empresário, essas atividades são, na realidade, do próprio empresário e não

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dos agentes, que prestam serviços em seu favor. Os prepostos formam o perfil corporativo ou hierárquico da empresa, segundo Asquini. Lembra-se?

O Código Comercial exigia uma carta de preposto para aqueles que praticavam atos em nome do comerciante. Só que com a velocidade das operações, que se processam rapidamente por meios eletrônicos, não tem mais sentido que para todo e qualquer ato se tenha uma carta de preposto. Assentou-se, então, por força da teoria da aparência, que a pessoa estaria habilitada a agir em nome do antigo comerciante. Contudo, o NCC no seu art. 1.169 parece restabelecer a antiga exigência do Código Comercial.

O art. 1.169, do NCC é, portanto, um retrocesso e fere a teoria da aparência. A princípio, este artigo excluiria a responsabilidade empresária pelos atos do preposto não autorizado por escrito (um representante sem habilitação). Mas isso arreda a teoria da aparência ou a relega para um plano secundário. A teoria da aparência está muito ligada à boa-fé e tutela, protege, a confiança objetiva da generalidade das pessoas, uma situação normal do dia-a-dia que não contraria a normalidade das coisas que se sucedem na vida social.

O art. 1.174, do NCC também coloca em perigo a teoria da aparência, bem como o art. 47, NCC. Até o advento do NCC, era pacífico que a limitação de poderes não podia ser imposta ao terceiro de boa-fé, mesmo que registrada na Junta Comercial. O NCC, argumentando a contrário sensu, torna oponível a esse terceiro, em detrimento do prestígio alcançado pela teoria da aparência.

Agentes Internos: aqueles que possuem um vínculo de dependência, como gerentes, contabilistas e outros auxiliares. O antigo sócio-gerente passou a denominar-se “administrador” (NCC, arts. 1.011 e 1.061), reservando-se o vocábulo “gerente” para o preposto de maior qualificação e responsabilidade que exerce permanentemente as suas funções, na sede da empresa, em sucursal, filial ou agência (NCC, art. 1.177).

Agentes Externos: não possuem uma subordinação jurídica ao empresário. São representantes comerciais (Lei 4.886/65), leiloeiros, tradutores juramentados, justamente aqueles que vinham também enumerados no art. 35 do Cód. Comercial. A Lei que regula o Registro Público de Empresas Mercantis prevê que esses agentes deverão ter matrícula na Junta Comercial (Lei 8.934/94, art. 32, inc. I).

Atividades Econômicas não Empresárias

Quando se fala em atividade econômica deve se ter em mente que a atividade econômica é aquela que visa à partilha de resultados, visa a um ganho, lucro ou superávit que será partilhado entre sócios ou titulares. Lembre-se que quando o novo Código fala em associação, no art. 53, diz que

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é sem fins econômicos, e quando trata das sociedades, no 981, diz que é com fins econômicos, Então, o que é esse fim econômico? É a repartição ou apropriação dos resultados do negócio.

Há, portanto, atividades econômicas de natureza simples, que não se qualificam como empresárias, embora também objetivem lucro.

Primeiro, as sociedades simples (NCC, art. 982, caput, parte final), que são aquelas que não reúnem de forma qualificada o capital, a matéria prima, tecnologia e mão-de-obra, estando calcadas na pessoalidade da figura de seus sócios, com poucos empregados ou nenhum, sem uma estrutura, em que não haja uma unidade que seja organizada e dirigida. Essas sociedades, que são constituídas pelos próprios sócios para exercerem eles mesmos o núcleo das atividades, são de natureza simples. O ex-Ministro da Justiça e da Educação do Governo Vargas, Francisco Campos (apelidado de Chico Ciência, por sua extrema inteligência e conhecimento) salientou na década de 70 que nos pequenos negócios em que predomina a pessoa do titular ou sócio “(...) não se vê a figura abstrata da empresa, a organização técnica, a despersonalização da atividade econômica, que é um elemento fundamental ou essencial ao conceito de empresa”.12

Em seguida temos as firmas individuais simples, que é a mesma firma que o Cartório do Registro Civil de Pessoas Jurídicas já registrava. A firma individual é aquela do sujeito que está estabelecido e que não é necessariamente um autônomo. Por exemplo, uma pessoa física sozinha, sem sociedade com quem quer que seja, e mantém ou explora uma creche. Configura o que a legislação do Imposto de Renda chama de “venda de serviços”. É alguém que está estabelecido, como um barbeiro, que sozinho, sem outros sócios nem empregados, tem uma barbearia, uma papelaria. Existe um negócio estabelecido sem sociedade e sem a organização típica que se exige para a definição de empresa.

A firma individual não possui previsão expressa, esse é um problema com que se tem defrontado, gerando dúvidas. A ela se chega por analogia, se existe a figura do empresário individual, para aquele que sem ter sociedade se registra na junta comercial como empresário, como a antiga firma, então se a pessoa física estabelecida exerce a atividade econômica, presta serviço sem a estrutura empresarial, por analogia será firma individual. A Corregedoria de Justiça do Rio de Janeiro já admitiu essa criação da figura firma individual.

Em terceiro lugar, aparecem os profissionais liberais que prestam serviços de natureza predominantemente intelectual, de natureza artística, literária ou 12 (apud Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, vol. 1, 16ª ed., Saraiva, p. 55)

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científica. É também uma atividade econômica de natureza simples e, portanto, registrada no Cartório do Registro Civil de Pessoas Jurídicas (NCC, art. 1.150). A pergunta que se deve fazer é se para o exercício do objeto social se exige a formação técnica ou superior. Se a resposta for afirmativa, então será de natureza intelectual.

Mesmo que tenham uma estrutura de porte elevado como, por exemplo, as mais conhecidas empresas de auditoria e os grandes escritórios de advocacia, deverão ser registrados no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, porque o exercício da atividade é intelectual. Ocorre a predominância do trabalho intelectual e o Código Civil, no art. 966, § único, quer dizer que toda vez que a intelectualidade estiver situada na atividade fim isso afasta a empresarialidade e irá caracterizar a atividade como de natureza simples. A intelectualidade somente se converteria em elemento de empresa, permitindo a natureza empresarial, quando representasse um mero componente na organização dos fatores de produção e não o produto ou serviço final em si oferecido ao mercado.

Para boa compreensão do assunto, considera-se relevante transcrever o seguinte pensamento do professor Sylvio Marcondes, com a autoridade de redator do Livro II da Parte Especial do Anteprojeto Código Civil de 2002, que culminou no Direito de Empresa13:

Dessa ampla conceituação [de empresário] exclui, entretanto, quem exerce profissão intelectual, mesmo com o concurso de auxiliares ou colaboradores, por entender que, não obstante produzir serviços, como fazem os chamados profissionais liberais, ou bens, como o fazem os artistas, o esforço criador se implanta na própria mente do autor, de onde resultam, exclusiva e diretamente, o bem ou serviço, sem interferência exterior de fatores de produção, cuja eventual ocorrência é, dada a natureza do objeto alcançado, meramente acidental. Portanto, não podem – embora sejam profissionais e produzam bens ou serviços – ser considerados empresários.

No mesmo sentido, o professor Arnoldo Wald, catedrático de Direito da UERJ, em parecer de 30.10.04, assim explica a descaracterização de empresa no exercício da atividade de natureza intelectual:

Com efeito, a produção derivada da atividade de natureza técnica é intrinsecamente ligada à própria pessoa do técnico, decorrente do seu conhecimento e de sua capacidade técnica e, como tal, independe da existência de estrutura organizada para dar suporte ao exercício da atividade que desempenha.

Para não fugir ao recurso argumentativo utilizado nesta aula, proclamam os Enunciado 193, 194 e 195 da III Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: 13 Problemas de direito mercantil, Max Limonad, 1970, p. 141

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193 – Art. 966: O exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de empresa.

194 – Art. 966: Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores da produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida.

195 – Art. 966: A expressão “elemento de empresa” demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da organização empresarial.

DESAFIO

(ESAF/2002)

Com a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2001), o exercício de atividade intelectual será considerado empresarial desde que tenha elemento(s) da empresa que é (são):

a) Economicidade e profissionalidade da atividade. b) Atividade voltada para o mercado. c) Continuidade da prática de atos de intermediação. d) Atividade em que o risco é inerente à busca de resultados. e) Organicidade das operações. A resposta correta é a letra e, porque na sociedade simples, na sociedade

rural e na firma individual simples poderão ocorrer todas as alternativas, mas a intelectualidade inserida como elemento de empresa ou fator de produção assumindo organização, componente da atividade exercida, e não a própria utilidade oferecida ao mercado, acarretará a caracterização de empresa.

Depois temos o rural não optante pela Junta Comercial, ou seja, aquele que monta uma sociedade dedicada às atividades agropecuárias. De acordo com os arts. 971 e 984 do NCC, o regime do rural depende do órgão onde escolheu fazer o registro. Se optar pelo registro no cartório das pessoas jurídicas terá natureza simples. Se o fizer na Junta Comercial então será, a partir do registro, empresário.

Quem decide não é a lei. É uma opção própria dos sócios que queiram constituir uma sociedade para atuar nesse ramo de negócios. Se quiserem montar um negócio grande e se beneficiarem, como a Varig, da Falência e da Recuperação Judicial, optarão pelo registro na Junta Comercial. Mas, do contrário, se não desejarem ingressar nesse universo ligado ao fenômeno jurídico da empresa, sem a ameaça da falência, mas sim da insolvência civil, vai optar pelo registro no Registro Civil de Pessoa Jurídica como sociedade de natureza simples, independente da estrutura que apresentarem.

Por último, figure-se o caso das sociedades cooperativas, as quais, por força do art. 982, § único do NCC, são sempre de natureza simples. Mesmo que se considere uma cooperativa de elevado nível de organização, ela tem nos

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seus sócios ou cooperados o núcleo principal de sua atividade. Quem traz os resultados para a cooperativa não são os empregados desta, mas os que compõem o quadro de associados. A solução legislativa ateve-se fiel ao critério predominante de que quando o fator de produção estiver localizado no labor dos próprios sócios a sociedade terá natureza simples.

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AULA 1 – ELEMENTOS DA EMPRESA E OBRIGAÇÕES DO EMPRESÁRIO

SUMÁRIO I. Nome Empresarial II. Estabelecimento III. Obrigações do Empresário Registro Livros Conservação de Documentos Balanço

Bem-vindo à aula 1, que, na verdade, significa a continuação da aula demonstrativa, na qual foram abordados os prolegômenos, isto é, os aspectos introdutórios, do Direito Comercial. Agora que você já está mais ambientado no assunto podemos avançar no estudo dos elementos de identificação da empresa e das obrigações impostas por lei aos empresários.

O nome empresarial é o principal elemento de identificação dos agentes produtores de riquezas. Por seu intermédio o empresário individual e a sociedade empresaria atuam, contraindo obrigações e adquirindo direitos no mundo jurídico. A proteção desse instituto do direito empresarial assume extrema relevância, em função da necessidade da preservação da clientela e do crédito no exercício da atividade empresária. Embora as associações, fundações e sociedades simples não possuam nome empresarial, o art. 1.155, § único, do Código Civil, prevê que a denominação de tais entidades a ele se equipara, para fins de proteção da lei.

Quando discorremos sobre os perfis da empresa, de acordo com a doutrina de Alberto Asquini, identificamos que o estabelecimento constitui o perfil objetivo, consistente no conjunto de bens utilizado pelo empresário para o exercício de sua atividade. Representa o instrumento ou meio de ação da empresa. Na exposição de motivos ao anteprojeto do Código Civil de 2002, esclarece o prof. Miguel Reale que o tradicional conceito de “fundo de comércio” foi substituído para o de “estabelecimento”, citando René Savatier, para quem o instituto traduz o `corpo de um organismo vivo´, `o conjunto patrimonial organicamente grupado para a produção´.

O regime jurídico-empresarial se caracteriza por específicas prerrogativas e sujeições. Se, de um lado, o empresário tem a possibilidade de requerer a recuperação judicial e obter meios para a continuação atividade econômica (inaplicável aos não-empresários), possui, por outro, certas obrigações a serem observadas. Essas obrigações são a de se registrar no órgão próprio,

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de levantar um balanço anual, de manter um sistema formal de contabilidade e escrituração e de conservar papeis e documentos enquanto não se consumar a prescrição ou decadência sobre os fatos a eles relacionados.

Feita esta breve introdução sobre a presente, estamos em condições de tratarmos mais detalhadamente dos temas que ela contém.

I. Nome Empresarial

Assim como a pessoa natural tem nome civil, que é o sinal revelador da personalidade, constituindo um dos fatores de individualização da personalidade da pessoa natural, ao lado do domicílio e do estado, o empresário e a sociedade empresária passam a ter um nome com o qual se apresentam perante terceiros e se identificam, inclusive assinando os atos relativos às obrigações e direitos. Esse sinal distintivo e revelador, que serve para identificar o sujeito de direito, o titular da empresa, vem a ser o nome empresarial, correspondendo ao que se conhecia como nome comercial. Repare você que a Constituição da República alude a “nomes de empresas” (CR/88, art. 5º, inc. XXIX). Nesse ponto, transcreva-se doutrina de João Eunápio Borges, um dos maiores comercialistas que o país já teve: Se, observa Rocco, a necessidade de individualizar a pessoa é já vivamente sentida na vida civil, como atestam as numerosas cautelas com que a lei rodeia e disciplina o nome civil, na vida comercial a necessidade e a exigência de individualizar a pessoa do comerciante, distinguindo-a da de seus concorrentes, é ainda maior e mais importante.1 Quais são os fundamentos legais do nome empresarial? O artigo 5º inciso XXIX da CRFB, menciona os nomes de empresas. O artigo 33 da Lei da Juntas Comerciais, ao se registrar o contrato social, o estatuto, já protege o nome empresarial. O novo Código Civil, nos artigos 1.155 ao 1.168, dispõe sobre nome empresarial. A Convenção de Paris, da qual o Brasil é signatário, no seu artigo oitavo fala do nome empresarial.

1 Curso de Direito Comercial Terrestre, p. 160

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O nome é, portanto, a expressão distintiva e reveladora da pessoa, indicadora do sujeito que exerce a atividade empresária, como se apresenta no mundo dos negócios, como contrai direitos e assume obrigações. O nome empresarial não se confunde com marca e nem com título de estabelecimento, pois são três institutos diferentes. Você precisará saber os traços distintivos.

O nome serve para individualizar a pessoa do empresário, o próprio sujeito de direito. A sua proteção é obtida pelo registro da própria sociedade ou da declaração em empresário individual na Junta Comercial. Tanto o Código Civil (art. 1.166) quanto a Lei do Registro das Empresas (Lei nº 8.974/94, art. 33) estabelecem que a proteção ao uso exclusivo do nome decorrem automaticamente da inscrição do empresário individual ou dos atos constitutivos (contrato social, estatuto) das sociedades e de suas eventuais modificações no registro da Junta Comercial.

Por outro lado, a marca serve para distinguir e assinalar produtos, serviços, a certificação de especificações técnicas e a utilizada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma mesma região. Desse modo, nos termos do art. 123 da Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), as marcas podem ser, respectivamente, a) de produtos ou serviços; b) de certificação; e c) coletivas. O registro da marca, diferentemente da proteção ao nome empresarial, é obtido no INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial, autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A lei brasileira não regula marcas sonoras nem as olfativas. De acordo com o art. 122 da Lei da Propriedade Industrial, “sãos suscetíveis de registro como marcas os sinais distintivos visualmente perceptíveis não compreendidos nas proibições legais”. No caso de sinais sonoros, não há como se fazer o registro no INPI como marca. Eles são protegidos através de direito autoral, como se estivesse protegendo música, poesia, dingle (é o caso do “plim-plim” da Rede Globo). O art. 124 da Lei da Propriedade Industrial determina os impedimentos ao registro de certos signos como marca. As marcas, além disso, são registradas por categorias ou classes, tomando por base a classificação das atividades econômicas em industriais, de comércio e de serviços, salvo as de alto renome (art. 125), que conferem proteção em todos os ramos de atividade. Já o nome empresarial se refere ao empresário ou sociedade empresária como um todo, porque se relaciona diretamente ao sujeito de direito, e não propriamente à sua atividade ou objeto oferecido ao mercado.

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O título de estabelecimento – que pode conter a insígnia, constituída de uma representação gráfica ou um desenho, emblema ou qualquer outro sinal distintivo - apenas identifica o local onde é exercida a atividade empresarial. É, na verdade o letreiro, tabuleta, cartaz que identifica o local em que é exercida a atividade empresária. O título não tem registro em órgão algum. A sua proteção não é registraria. Decorre indiretamente da própria utilização em si e da idéia exteriorizada anteriormente, porque a Lei da Propriedade Industrial estabelece como crime de concorrência desleal o uso de título de estabelecimento de outrem, na medida em que confunde e desvia a clientela (art. 195, inc.V). Há ainda, no campo civil, ressarcimento por ato ilícito (art. 207). O estabelecimento virtual será tratado na abordagem do comércio eletrônico. O que acabou de ser exposto responde às seguintes questões: Há distinção entre nome empresarial2 e título do estabelecimento? (Exame de Ordem RJ – Prova Prático-Profissional de dez/2001). Esclarecer os elementos diferenciais entre o nome comercial e a marca. Fundamentar a resposta (Escola da Magistratura RJ-EMERJ - Prova de Admissão - 20.06.1999) Seguem alguns exemplos ilustrativos. Comércio e Bar Irmãos Coragem Ltda (Nome Empresarial);

Bar Coragem (Letreiro – Título De Estabelecimento)

Sucos Coragem (Marca de Produto)

Observe que os três (nome empresarial, marca e título de estabelecimento) podem coincidir, mas não há essa obrigação. Como outro exemplo, temos o Ponto Frio. O nome empresarial do Ponto Frio é GLOBEX S/A, que, aliás, é denominação social (toda S/A tem denominação social, art. 1.160 do Código Civil). O letreiro é Ponto Frio e pode ser que tenha registrado a mesma expressão como marca, facultando-lhe colocar adesivo ou etiqueta com essa marca nos produtos que comercializa. Mais esse exemplo: Chocolate Comércio de Roupas Ltda (isto é denominação social; fácil de visualizar porque não há nenhum sócio chamado Chocolate, já que a firma ou razão se compõe dos nomes civis dos sócios). A Chocolate, muito famosa no Rio de Janeiro e em outras capitais nas décadas de 80 e 90, tinha também 3 marcas, que igualmente eram títulos dos estabelecimentos: a Chocolate (loja feminina), a Bill Bross (loja masculina), e Pé do Atleta (loja esportiva). O Pé do Atleta ainda era marca figurativa, representando um pé alado. 2 A questão, por ser anterior ao Código Civil de 2002, mencionou “nome comercial”.

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Há uma tendência generalizante de chamar tudo de razão social. Acontece que razão social é espécie de nome empresarial. O nome é o gênero que tem como espécies firma ou razão (obrigatoriamente leva o nome do sócio) e denominação (expressão inventada, de fantasia). Em geral as pessoas perguntam: “qual é razão social de sua empresa?”. Mas há duas impropriedades nessa pergunta, do ponto de vista jurídico: empresa é exercício de atividade, pode ser tanto o empresário individual quanto a sociedade empresarial que exerce a empresa, e em lugar de razão social, deve-se usar nome empresarial: Qual é o nome empresarial da sociedade ?

Espécies de Nome Empresarial

O nome empresarial possui duas espécies. Firma ou razão, que leva obrigatoriamente o nome do sócio, por inteiro ou abreviado. Quando não constar o nome de todos os sócios aparecerá a expressão & CIA (e companhia), na forma do artigo 1157 do Cód. Civil. Tal expressão só pode vir no final, pois se estiver na frente indica sociedade anônima (art. art. 1.160 do Cód. Civil e art. 3º da nº 6.404/76).

Observação relevante:

As SA em geral não levam nome de sócio, possuem denominação social. Podem até levar o nome do fundador ou de um acionista, mas o tratamento jurídico será sempre de denominação.

A sociedade em comandita por ações pode adotar, em lugar de firma do nome do acionista diretor e ilimitadamente responsável, denominação social acrescida da expressão “em comandita por ações”.

A sociedade LTDA também pode ter ou denominação ou razão social, seguida da empresa “limitada” ou sua abreviatura (art. 1.158 do Cód. Civil).

Se for empresário individual, será sempre firma (art. 1.156 do Cód. Civil).

A cooperativa adotará denominação social (art. 1.159 do Cód. Civil).

Em se tratando de sociedades com sócios de responsabilidade ilimitada em relação às dívidas da pessoa jurídica (é o caso da sociedade em nome coletivo e da sociedade em comandita simples), operará sob razão ou firma (art. 1.157 do Cód. Civil).

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As microempresas e empresas de pequeno porte acrescentarão, ao final de seu nome empresarial, as siglas “ME” ou “EPP” dessa forma abreviada ou por extenso (art. 7º da Lei nº 9.841/99 – Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte).

Numa síntese compreensiva dos critérios legais para adoção de firma ou razão e denominação social, ressalte-se que se baseiam fundamentalmente na lei e na vontade dos sócios em optar por uma ou outra espécie de nome empresarial. Vamos treinar um pouco. Imagine agora você que existem 3 sócios e eles resolvem constituir uma sociedade, figurando os nomes de todos no nome empresarial. Que tipo de sociedade é essa, caso não tenha apareça a expressão LTDA ? A resposta será em nome coletivo, pois se há 3 sócios e todos eles constam da razão social significa dizer que os 3 têm responsabilidade ilimitada (já havia dito que não consta a expressão LTDA). E o tipo de sociedade em que todos os sócios têm responsabilidade ilimitada e onde deve constar o nome deles no nome empresarial é a em nome coletivo (análise do artigo 1.157 do Cód. Civil). Mais um exercício. E se fossem 5 sócios, mas apenas 3 constassem da razão social? Primeiro: temos que verificar se consta na razão social a expressão & cia: Não, não consta. Então poderá ser uma sociedade comandita simples com 3 sócios ilimitadamente responsáveis ou uma sociedade simples com sócios sem responsabilidade pelas obrigações sociais (art. 997, inc. VIII, do Cód. Civil). Se, por acaso, constar da firma o nome civil de sócio que, pelo contrato social, não responda pelas dívidas da sociedade, passará então a responder ilimitada e solidariamente com os demais sócios que já possuírem essa responsabilidade de acordo com o contrato social (§ único do art. 1.157 do Cód. Civil). Tanto a denominação quanto a firma têm funções comuns e diferentes. Ambas identificam a sociedade empresária ou o empresário individual. Há uma segunda função, na qual se diferenciam, que é a de assinatura e que está presente na firma ou razão, sendo inaplicável à denominação. Embora na prática isso não seja observado, nos papéis, documentos e contratos terá que ser assinada a firma ou razão social, e não o nome civil da pessoa que intervém no ato. Ao assinar o seu nome civil, estará contrariando o Decreto

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nº 916 de 24/01/1890, que ainda possui eficácia e não foi revogado pelo Código Civil de 2002. Significa dizer o seguinte: MARCOS CORAGEM, CESAR CORAGEM E VLADIMIR CORAGEM, são irmãos, e resolvem constituir a sociedade chamada IRMÃOS CORAGEM LTDA. Trata-se de razão social. Serve para identificar, mas também terá que ser a assinatura deles. Qualquer dos irmãos na hora que for praticar algum ato pela sociedade não pode assinar seu nome civil. Terá que assinar, isto sim, IRMÃOS CORAGEM LTDA. Na prática coloca-se IRMÃOS CORAGEM LTDA e logo abaixo o sócio assina seu nome civil (mas isso está errado, teria que fazer sua assinatura repetindo os caracteres da sociedade, segundo o Decreto 916, que diz que firma ou razão social é nome sob o qual o comerciante ou a sociedade exerce o comércio e assina os atos a ele referentes). Na linguagem coloquial confunde-se firma com o da sociedade, daí dizer-se erroneamente: vou para a firma LOPES & CIA. O mais correto é dizer sociedade LOPES & CIA. Já a denominação social possui apenas a função de identificação, não sendo a assinatura da sociedade a ela referente. Assim, o sócio ou administrador da sociedade assinará o seu nome civil abaixo de onde aparece a denominação social.

Requisitos para o nome empresarial

1) Novidade: é o fato de ninguém nunca ter utilizado aquele sinal para designar o empresário individual ou a sociedade. Pode até ser conhecido ou já empregado em outros fins, mas nunca foi usado antes como nome empresarial. Não colidir com outros nomes existentes, por semelhanças gráficas ou fonéticas. Essa novidade tem caráter relativo, isto é, sem o eu anterior emprego para se referir ao exercente da atividade empresária. Por exemplo, o vocábulo “chocolate” já existia, mas não nunca alguém o havia utilizado como nome de empresa. Esse requisito consta do art. 1.163 do Cód. Civil e do art. 34 da Lei nº 8.934/94. Diferente da novidade do nome empresarial na novidade exigida para a patente da propriedade industrial, que tem que ser algo novo, não descoberto pela Ciência. 2) Veracidade: se a sociedade adotar razão social ou firma só pode adotar o nome do sócio. E se o sócio que compõe essa razão ou firma falecer ou sair da sociedade por qualquer motivo, a razão terá que ser modificada. Decorre desse princípio veracidade que a razão social tem que refletir, espelhar aquele que seja sócio da sociedade. Da veracidade cuidam os artigos 1.165

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do Cód. Civil e 34 da Lei nº 8.934/94. O art. 62 do Decreto nº 1.800/96 confere concreção a esses dispositivos.3

Por questões práticas seria melhor usar denominação. Mas na limitada, em geral, usa-se com freqüência razão ou firma por causa do apelo à reputação do sócio. Considere o seguinte exemplo: Júlio Bogoricin Imóveis Ltda., imobiliária bastante conhecida no Rio de Janeiro.

Proteção ao nome empresarial

É obtida pelo registro na Junta Comercial do contrato social ou da alteração contratual que modifica o nome empresarial. Ao se registrar como empresário individual ou como sociedade empresária, já se obtém a proteção, o direito à utilização exclusiva do nome empresarial, segundo deflui do art. 1.166 do Cód. Civil e do art. 33 da Lei nº 8.934/94. Não há o registro separado só para a proteção do nome empresarial. O problema que existe é o seguinte: o artigo 33 diz que a proteção decorre automaticamente do registro e o artigo 60 do Decreto nº 1.800/96, que regulamenta Juntas Comerciais, introduz uma restrição, pois estabelece que a proteção ao nome empresarial é restrita ao Estado da Junta Comercial é efetuado o registro. Por essa limitação, o registro no RJ só vale para o RJ. Pelo art. 61 do referido Decreto nº 1.800/96, a proteção será ampliada mediante o registro da certidão de arquivamento da Junta Comercial de origem em outras Juntas Comerciais dos estados-membros. Ora, a Lei nº 8.934/94 diz que a proteção decorre do registro, não citando o alcance territorial dessa proteção. Quando adveio o decreto e dispõe que essa proteção é limitada ao local do registro, está restringindo o comando da norma federal, o que não cabe a um Decreto, norma de natureza ancilar, isto é, de grau inferior. O segundo problema está em que o Brasil é signatário da Convenção de Paris e esta, no art. 8º, fruto da revisão do Protocolo de Estocolmo, reza que o que aquele que tem proteção do nome empresarial em seu país está automaticamente protegido nos países abrangidos pela Convenção. Por

3 Art. 62. O nome empresarial atenderá aos princípios da veracidade e da novidade e identificará, quando assim o exigir a lei, o tipo jurídico da sociedade. § 1º. Havendo indicação de atividades econômicas no nome empresarial, essas deverão estar contidas no objeto da firma mercantil individual ou sociedade mercantil.

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exemplo, se alguém obtém a proteção na França, automaticamente está protegido em todo o território brasileiro. O STJ interpreta que é inconcebível o estrangeiro, que nem registro no Brasil tem, merecer proteção maior que o nacional aqui estabelecido. O fato de não registrar em outros Estados não pode retirar ou impedir a proteção ao nome empresarial em âmbito nacional, tratando-se de providência administrativa de natureza cautelar, penas para evitar que surja alguém como nome igual ou semelhante, cuja omissão jamais poderá impor tamanha restrição à proteção. Acontece que o novo Código Civil, no art. 1.166, também restringe a proteção aos limites do Estado em que for efetuado o registro originário. Mas deve prevalecer a Convenção de Paris, não sendo afastado o direito de exigir que alguém use o nome igual ao meu, ainda que não tenha registrado em outros Estados. Essa providência de registro é meramente administrativa, não retirando o direito à proteção do nome. O professor Theophilo de Azeredo Santos, Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Estácio de Sá, mostrou-se irresignado com as disposições do Cód. Civil no informativo Bancário nº 12, ano 1 – abril de 2004, da Associação/sindicato dos Bancos do Estado do Rio de Janeiro.4 Se, na lição João Eunápio Borges, a necessidade e da exigência de identificar a pessoa do empresário individual ou a sociedade empresária, distinguindo-a da de seus concorrentes, é ainda maior e mais importante do que a tutela atribuída ao nome civil da pessoa natural, andou bem o Código Civil ao dispor que a ação judicial para anular nome empresarial indevidamente constituído não está sujeita a prazo para a sua propositura (art. 1.167 do Cód. Civil). Todavia, a pretensão à indenização dos danos provocados pela concorrência desleal, pelo desvio de clientela, estará sujeita ao prazo prescricional de 3 anos (art. 206, § 3º, inc. V, do Cód. Civil).

4 Diz o professor: “Causou perplexidade no meio jurídico o dispositivo equivocado do Código Civil que só assegura o uso exclusivo do nome nos limite do respectivo Estado, deixando à desvalia a Convenção da União de Paris, com força da lei no Brasil, e não limita essa proteção, que pode ser municipal, estadual, nacional ou internacional. Já está no Congresso Nacional emenda no sentido de corrigir essa erronia do art. 1.166.”

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Alienação do nome empresarial

A regra geral do caput (ou cabeça) do art. 1.164 do Cód. Civil dispõe que o nome empresarial não pode ser objeto de alienação. Por essa razão, torna-se também impenhorável para assegurar o pagamento de dívidas do empresário individual ou da sociedade empresária. Vale o ensinamento de que somente o que for alienável é suscetível de penhora. Entretanto, a regra geral proibitiva é matizada (ou flexibilizada) pelo parágrafo único do mesmo artigo, que estabelece as seguintes condições para a sua alienação:

a) transferência por ato entre vivos; b) permissão expressa no contrato; c) transferência conjunta do estabelecimento d) uso do nome do alienante precedido do nome do adquirente com a indicação de que é sucessor. Tem-se aqui uma correlação intensa entre o nome empresarial e os chamados direitos da personalidade, previstos nos arts. 11 a 21 do Cód. Civil, os quais apresentam as características de inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade. Aliás, vários dispositivos legais estabelecem a equiparação entre a proteção conferida ao nome empresarial e os direitos da personalidade. Nessa linha está o art. 52 do Cód. Civil, que determina a aplicação às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. É de se notar que figura entre eles o nome (arts. 16, 17 e 18 do Cód. Civil).

DESAFIO (CESPE-1998) Os comerciantes individuais [agora empresários] e as

sociedades comerciais [empresárias] necessitam de um nome para exercerem as suas atividades mercantis. As regras disciplinadoras da composição dos nomes comerciais ou empresariais, terminologia adotada pela legislação vigente sobre registro público de empresas mercantis, constam de forma dispersa no Código Comercial [atualmente Cód. Civil] e nas legislações que cuidam das diversas sociedades comerciais. A respeito desse tema, julgue os itens a seguir [com certo ou errado]: 1. Comerciantes individuais [empresários individuais] devem adotar a firma individual. (certo – art. 1.156 do Cód. Civil) 2. As sociedades anônimas podem ser identificadas pelo termo companhia, por extenso ou abreviadamente, sendo vedado, porém, o uso desse termo ao final da denominação. (certo – arts. 1.160 e 1.157 do Cód. Civil)

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3. Sociedades por quotas de responsabilidade limitada podem usar, indistintamente, razão social ou denominação, acrescidas, em qualquer caso, do termo limitada, por extenso ou abreviadamente. (certo – art. 1.158 do Cód. Civil) 4. Título de estabelecimento, também chamado de nome fantasia, é uma modalidade de nome empresarial que somente pode ser utilizada por sociedades anônimas. (errado - título de estabelecimento identifica apenas o local e não a pessoa do empresário, papel que cabe ao nome empresarial. As espécies de nome empresarial são firma ou razão social, de um lado, e, do outro, denominação social (art. 1.155 do Cód. Civil) 5. A proteção ao nome empresarial decorrerá do seu registro, a ser efetuado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). (errado – será na Junta Comercial, conforme o arts. 1.166 e 1.150 do Cód. Civil)

II. Estabelecimento ou Fundo de Empresa

A definição antiga de estabelecimento foi incorporada pelo novo Código Civil. Realmente, de acordo com o art. 1.142, considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizados pelo empresário ou pela sociedade empresária para o exercício da empresa. Corresponde ao instrumento ou meio de ação da atividade empresarial. É a reunião de vários elementos, a base física com será desempenhada a atividade empresária. Recordemos a lição de Asquini, atrás examinada, para quem o estabelecimento identifica-se com o perfil objetivo da empresa. A reunião de todos os elementos que compõe o estabelecimento poderá ocorrer em um único local (estabelecimento centralizado) ou de modo descentralizado, mediante sucursais, filiais, agências e postos, aliás muito freqüente em se tratando de bancos e seguradoras. Cada uma dessa unidade de produção ou de desenvolvimento da atividade empresarial será uma parcela descentralizada do estabelecimento. Repare o amigo leitor que, para fins de decretação da falência, será competente o juízo do local do principal estabelecimento do devedor empresário ou sociedade empresária (art. 3º da Lei nº 11.101/05).

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Estabelecimento versus Patrimônio

Não é correto equiparar o estabelecimento ao patrimônio, porque nem tudo que se considera patrimônio corresponde ao mesmo tempo a estabelecimento. O conceito de patrimônio é maior do que o de estabelecimento, uma vez que no conceito deste entram elementos ativos e passivos, ou seja, considera-se patrimônio os bens e os direitos assim como as dívidas. Patrimônio é o conjunto de relações econômicas titularizadas em uma pessoa. Nem todo elemento do patrimônio vai constituir instrumento do exercício da atividade empresária. Pense-se numa creche ou ambulatório e propriedade do empresário e mantidos para auxiliar a prefeitura nos serviços comunitários. Integra o patrimônio, mas não é instrumento da ação produtora de riquezas pelo empresário. Além disso, o empresário individual, que não constitui pessoa jurídica, como já vimos, poderá ter um imóvel para residência e outro destinado ao seu negócio, não integrando o primeiro o estabelecimento. Esse bem não está a serviço da atividade empresarial. Assim é que devemos entender o art. 978 do Cód. Civil, que se refere não à pessoa jurídica, mas ao empresário individual, o qual não precisa da outorga (anuência) do cônjuge para a venda ou oneração de imóvel aplicado à exploração da atividade econômica, independentemente do regime de bens do casamento.

Elementos do Estabelecimento

Ao enunciar o art. 1.142 do Cód. Civil que o estabelecimento constitui um complexo de bens, inclui em sua composição bens de natureza corpórea (tangíveis, dotados de existência física, material) e incorpórea (intangíveis, dotados de existência ideal). Corpóreos: máquinas, utensílios, veículos utilizados na atividade, mercadorias, móveis e imóveis,5 matérias-primas, desde que todos sejam instrumentos da atividade empresária.

5 O professor Rubens Requião, em posição minoritária, mas que às vezes é dada como certa em concursos entende que imóvel não integra o estabelecimento, uma vez que o direito que resulta de sua unidade possui natureza móvel e intangível. Vide Curso de Direito Comercial, 1º vol.., 26ª ed., Saraiva, p. 290.

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Incorpóreos: marcas, patentes, direito autoral, nome empresarial, título de estabelecimento, registro de domínio na Internet, endereço eletrônico, ponto comercial, contratos, créditos, proteção à clientela. Esta, a clientela ou freguesia,6 não integra o estabelecimento pela elementar razão de ela não é suscetível de transmissão. Reconhece a ordem jurídica o direito aos mecanismos de proteção da clientela, como os crimes contra a concorrência desleal, o direito do locatário ou inquilino à renovação compulsória (obrigatória) do contrato de locação não residencial que preencha certos requisitos (art. 51 da Lei nº 8.245/01), a exclusividade do uso das marcas e do nome empresarial, a obrigação de não fazer concorrência ao estabelecimento alienado (art. 1.147 do Cód. Civil) As marcas e patentes pertencem ao direito da propriedade industrial, que revela o conjunto dos direitos resultantes das concepções da inteligência humana que se produzem na esfera da indústria (do trabalho ou exploração econômica), na lição do grande comercialista Carvalho de Mendonça. São considerados bens móveis os direitos da propriedade industrial (art. 5º da Lei nº 9.279/96). Os atos relacionados à propriedade industrial são afetos ao INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Cuida esse registro das obras utilitárias, cujo registro é de natureza constitutiva, diversamente das obras estéticas, que pertencem ao direito autoral, como músicas, livros, quadros, fotografias, poesias, e cujo registro possui natureza meramente declaratória. Embora a lei defina o software como direito autoral (art. 2º e Lei nº 9.609/98), seu registro é efetuado no INPI (art. 1º do Decreto nº 2.556/98). A Patente poderá ser de invenção (“... criação ou concepção de um processo, produto, instrumento ou meio novo que possa ser aplicado à indústria, com a finalidade de melhorá-la”, segundo Fran Martins) ou de modelo de utilidade. Na letra da lei, modelo de utilidade é o objeto de uso prático, ou parte deste suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação (art. 9º da Lei nº 9.279/96). Vejamos um exemplo de modelo de utilidade. A Chocolate Comércio de Roupas Ltda., atrás mencionada, obteve a patente de uma nova forma de manequins que apresentava uma modalidade inteiramente inédita de articulação da cabeça e membros.

6 Para os que distinguem clientela de freguesia, a primeira mantém de fato uma relação continuada de aquisição de bens ou serviços, enquanto a segunda tem uma conotação mais eventual, ocasional, típica de passantes episódicos que decidem comprar algo ao passar por uma loja.

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Os requisitos da patente de invenção e do modelo de utilidade estão contidos basicamente no art. 11 da Lei nº 9.279/96 e se referem a: a) Novidade (desconhecimento anterior). b) Atividade inventiva (não ser decorrência óbvia do estado da técnica). c) Aplicação industrial (veda-se invento que funcione à base de elemento inexistente). d)Desimpedimento (art. 10 da Lei nº 9.279/96).

O registro abrange as marcas e o desenho industrial (art. 2º, incisos I e II, da Lei nº 9.279/96). As marcas têm por objeto produtos e serviços, limitando-se a proteção respectiva ao ramo de atividades para o qual foram concedidas, de acordo com o princípio da especialidade (art. 124, inc. XIX, da Lei nº 9.279/96), salvo em se tratando de marcas de alto renome, que goza de proteção em todos os ramos de atividades (art. 125 da Lei nº 9.279/96). Até julho de 2005, as seguintes marcas foram consideradas como de alto renome: Cica, 3M, Hollywood, Pirelli, McDonalds, Kibon, Moça (da Nestlé) e Visa e das brasileiras Natura e Aymoré (massas e biscoitos). Vale a pena insistir: não se aplica às marcas e alto renome o princípio da especialidade, sendo irrelevante o ramo de atividade, pois o alto renome protege a marca em qualquer setor.

No julgamento do Recurso Especial no 333.105, em 02.06.05, o STJ citou a doutrina de Maurício Lopes de Oliveira acerca do princípio da especialidade. Afirmou a Corte em sua decisão: Vige no País, no âmbito do direito marcário, o princípio da especialidade ou da especificidade que, no escólio de Maurício Lopes de Oliveira, «encerra o direito de propriedade da marca em seu ramo de negócio próprio, ou seja, a proteção do signo estende-se somente a produtos ou serviços idênticos ou afins aos assinalados no certificado de registro respectivo» (Direito de Marcas, pág. 61, ed. 2004). Bem a propósito, ressalta o mencionado jurista e professor: «diz-se por isso, também, que a marca deve ser especial, isto é, deve aplicar-se a certo produto ou classe de produtos, ou a certo gênero de comércio ou indústria, conforme o sistema de cada lei». A marca ainda possui os seguintes requisitos: a) Novidade relativa, isto é, nunca haver ocorrido seu emprego para designar um produto ou serviço de marca já registrada no mesmo ramo. b) Não-colidência com marca notória, a qual independe de registro, embora igualmente limitada a certo ramo de atividade (art. 126 da Lei nº 9.279/96).

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c) Desimpedimento (art. 124 da Lei nº 9.279/96).

DESAFIO (CESPE-2002)

Em face das regras constantes da Lei nº 9.279/1996, que dispõe acerca da propriedade industrial, poderá ser registrada a marca: a) Cremoso, para requeijão. (errado - art. 124, inc. VI, da Lei nº 9.279/96) b) 2002. (errado - art. 124, inc. II, da Lei nº 9.279/96) c) Champanhe Miolo, para produtor nacional. (errado – art. 124, inc. IX da Lei nº 9.279/96. A designação “champanhe” é uma indicação geográfica privativa de vinhos espumantes da região de Champanhe, na França) d) Que resulta da simples combinação de cores, desde que combinadas de modo peculiar e distintivo. (certo - art. 124, inc. VIII, da Lei nº 9.279/96) e) Que consistam em cheiro ou som (errado – art. 122 da Lei nº 9.279/96)

Natureza do Estabelecimento

Quanto à tangibilidade (caráter corpóreo): o estabelecimento como um conjunto, um complexo de bens, possui natureza incorpórea. O direito a ele resulta da unidade do complexo de bens. Essa totalidade é que apresenta natureza intangível ou incorpórea. Quanto à mobilidade: o estabelecimento é considerado um bem móvel, mesmo que se componha de bens imóveis. É necessário não perder de vista que os bens integrantes do estabelecimento, embora tenham uma destinação unitária dada pelo empresário ou pela sociedade empresária, conservam seu caráter jurídico próprio e separado, transmitindo-se pelo procedimento que seja pertinente à sua natureza.7 Como, ademais, o estabelecimento se trata de universalidade de fato (art. 90 do Cód. Civil), os bens que formam esse complexo podem ser objeto de relações de jurídicas próprias. Quanto à personificação: art. 90, NCC. O estabelecimento é uma universalidade de fato, ou seja, um conjunto de bens que é organizado pelo empresário para atender finalidade de exploração de seu negócio. Os bens são reunidos pela própria vontade do empresário, que lhes dá uma

7 Cf. George Ripert, Aspectos Jurídicos do Capitalismo Moderno, editorial Colmares, Granada (Espanha), 2001, p. 167.

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destinação unitária. Difere da universalidade de direito, em que os bens são reunidos e transformados em um todo por determinação da lei, independentemente da vontade do titular, como no condomínio de apartamentos, espólio, massa falida, patrimônio (art. 91 do Cód. Civil). Portanto, não constitui pessoa jurídica. Repare que não está mencionado como pessoa jurídica no rol do art. 44 do Cód. Civil. Faltando lei que defina o estabelecimento como pessoa jurídica, resta enquadrá-lo como universalidade de fato e como objeto de direito, nunca como sujeito de direito.

Aviamento

A palavra aviamento nos remete mentalmente às atividades de corte e costura. Também lembra o ato de preparar receitas médicas (o doutor aviou uma nova fórmula para a vacina). Mas aqui adquire outro significado. Versa o assunto sobre conhecida expressão “good will of a trade”,8 cujo significado é o sobrevalor ou plus decorrente da boa predisposição dos bens integrantes do estabelecimento. Os bens que o empresário organiza traduzem a potencialidade desse conjunto para produzir riquezas e gerar lucro. Os diversos bens perfeitamente combinados possuem a aptidão funcional para garantir resultados econômicos positivos. Os bens em conjunto valem muito mais do que isolados. Do ponto de vista econômico a união de coisas permite incorporar novo valor aos bens em sua globalidade, que passam a estar em condições de proporcionar superávits ao empresário. O aviamento, então, significa que o valor total do estabelecimento é maior do que o mero somatório de bens individuais que o compõe. E a diferença entre o valor total do estabelecimento e a soma dos bens separadamente considerados é o aviamento. Em suma, o valor do todo supera a soma das partes. O valor atribuído ao total do estabelecimento menos o valor da soma dos bens individuais resulta no aviamento. VTE – VSI = aviamento, Onde: VTE = valor total do estabelecimento e VSI = valor da soma dos bens individuais. 8 Os ingleses definem o “good will” como “the value of a business establishment and above in cash assets and material property”.

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A nova Lei de Falências, sabedora do aviamento, determina que a alienação dos bens do falido será realizada na seguinte ordem preferencial (art. 140 da Lei nº 11.101/05): a) alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; b) alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladas; c) alienação em bloco de cada um dos bens que integram cada um dos estabelecimentos; d) alienação dos bens individualmente considerados.

O que se discute é se esse aviamento constitui-se em um elemento incorpóreo do estabelecimento, ou se esse aviamento é atributo ou qualidade do estabelecimento. A doutrinária majoritária, capitaneada por Oscar Barreto Filho, entende que é um atributo, porque o aviamento não é mais um elemento que se adiciona ao estabelecimento, e sim a resultante da combinação eficiente dos elementos do estabelecimento. O aviamento se evidencia porque o empresário soube conjugar adequadamente todos os bens para gerar lucros. Veja-se as palavras desse prestigiado autor:

O aviamento existe no estabelecimento, como a beleza, a saúde, ou a honradez existem na pessoa humana, a velocidade do automóvel, a fertilidade do solo, constituindo qualidades incindíveis dos entes a que se referem. O aviamento não existe como elemento separado do estabelecimento e, portanto, não pode constituir em si e por si objeto autônomo de direitos, suscetível de ser alienado, ou dado em garantia.9

Por conseqüência, o aviamento é uma qualidade um atributo que resulta da boa organização dos elementos do estabelecimento, não podendo ser objeto de relações jurídicas separadas.

Transferência do Estabelecimento

A doutrina consagrou a expressão “contrato de trespasse” (não é transpasse, mas trespasse mesmo) para designar os contratos que envolvam a alienação, cessão ou transferência de estabelecimento. Como bem patrimonial disponível, o estabelecimento poderá ser transferido para terceiros, desde que observadas as cautelas adiante expostas. Reza, com efeito, o art. 1.143 do Cód. Civil que o estabelecimento pode ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos translativos ou constitutivos compatíveis com a sua natureza. 9 BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1988, p.171, citado por NEGRÃO, Ricardo, Manual de Direito Comercial e de Empresa, vol. 1, 4ª ed., São Paulo: 2005, p. 85.

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E quais são esses contratos e direitos reais pelos quais é possível a transferência, definitiva ou temporária, gratuita ou onerosa, do estabelecimento? Originam-se de alguns contratos que a doutrina já admitia de forma pacífica e o novo Código Civil agora os menciona exemplificadamente no art. 1.144: alienação (cessão onerosa), arrendamento (locação), usufruto (direito real de gozo e fruição). O contrato somente produzirá efeitos em relação a terceiros (oponibilidade ou eficácia relativa) depois de averbado à margem da inscrição do empresário individual ou da sociedade empresária e de publicado na imprensa oficial (art. 1.144 do Cód. Civil). Para evitar fraudes, estabelece o Cód. Civil (art. 1.146) que responderá o adquirente pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir da publicação, quanto aos créditos vencidos, e, quanto aos vincendos, da data dos respectivos vencimentos. Essa disciplina vigora para as obrigações civis e mercantis, porque, no tocante às obrigações trabalhistas e tributárias, prevalece o disposto na CLT (arts. 10 e 448) e no CTN (art. 133), os quais consagram a responsabilidade do sucessor do estabelecimento como regra e independentemente de formalidades, como as de contabilização e publicação. A nova Lei de Falência inova bastante e prevê que a alienação do estabelecimento na falência ou na recuperação não acarreta a responsabilidade trabalhista e tributária do adquirente (arts. 141, inc. II, e 60, § único, da Lei nº 11.101/05). Pelo critério da especialidade da lei, a excludente de responsabilidade do adquirente somente ocorrerá no âmbito dos processos falimentares (falência e recuperação), continuando a CLT e o CTN a incidir fora desse campo. No silêncio do negócio de trespasse, a aquisição do estabelecimento importa a sub-rogação (substituição), em favor do adquirente, nos contratos estipulados para a exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter personalíssimo, podendo terceiros rescindir do contrato no prazo de 90 dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa (por ex.: incapacidade técnica ou financeira do adquirente, concorrência desleal, infração à ordem econômica). Fica, nesse caso, ressalvada a responsabilidade integral do alienante (art. 1.148 do Cód. Civil). Se o trespasse envolver a cessão de créditos referentes ao estabelecimento, produzirá efeitos perante os respectivos devedores, vale dizer, terão agora que pagar ao adquirente do estabelecimento, a partir do momento em que ocorrer a publicação. Quando for possível alegar a boa-fé e o

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desconhecimento da transferência, o pagamento feito ao alienante exonerará o devedor (art. 1.149 do Cód. Civil).

Cautelas Específicas para a Transferência do Estabelecimento

O estabelecimento é um elemento patrimonial importante para a garantia dos credores do empresário individual ou sociedade empresária. Lembre-se de que o tanto o Cód. Civil (art. 391) quanto o Cód. de Processo Civil (art. 591), ao abraçarem o princípio da responsabilidade patrimonial, determinam que o devedor responde com todos os seus bens, atuais e futuros, para o pagamento de suas dívidas. Por isso, a lei procura resguardá-lo como medida protetiva dos credores. Então, a venda do estabelecimento está sujeita a certas cautelas específicas, uma vez que a venda deste pode prejudicar aqueles que têm créditos a receber do devedor empresário. As cautelas, que são alternativas, estão assim previstas (art. 1.145 do Cód. Civil):

a)Consentimento expresso de todos os credores para a alienação; b) Notificar todos os credores e eles não se opuserem no prazo de 30 dias; c) Permanecer com bens suficientes para o pagamento aos credores. Bem, se não forem observadas tais cautelas, o devedor empresário terá praticado ato de falência (que permite a decretação da falência), nos termos do art. 94, inc. III, alínea “c”, da Lei nº 11.101/05, e a alienação será tornada ineficaz (sem produção de efeitos jurídicos) em relação à massa falida e aos credores, conforme o art. 129, inc. VI, da mesma lei, isto é, da nova Lei de Falências. Com essas explicações, você já está apto a responder à seguinte questão do 77º concurso para Promotor do Estado de São Paulo: A alienação de estabelecimento comercial sujeita o comerciante à observância de alguma cautela específica? Justifique. Acrescente-se que, se o devedor houver formulado em juízo o pedido de recuperação da empresa, não poderá alienar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores (art. 66 da Lei nº 11.101/05).

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DESAFIO (OAB-SP – 2003)

O estabelecimento: a) Não pode ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos. b) Uma vez arrendado, tal ato negocial, ipso iure, produzirá efeitos em relação a terceiros. c) É elemento essencial à empresa, pois impossível é a qualquer atividade empresarial sem antes se o organize. d) Com o trespasse, não gera, para o adquirente, a responsabilidade pelo pagamento de dívidas pendentes, desde que regularmente contabilizadas. Resposta correta: letra “c”. Vide arts. 1.142, 1.143, 1.144 e 1.146, do Cód. Civil

Obrigação Negativa Implícita

Verifica-se uma obrigação negativa implícita nos contratos de trespasse: obrigação de não fazer, que é de abstenção de fazer concorrência ao estabelecimento transferido, para não prejudicar a fruição completa das vantagens econômicas do negócio celebrado. Isso decorre da pós-eficácia das obrigações, porque existem deveres correlatos que perduram mesmo depois do adimplemento da prestação básica ou principal, que nesse caso seria a mera entrega do estabelecimento trespassado. Mas as obrigações do alienante não terminam aí. Determina o Cód. Civil (art. 1.147) que, não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não poderá fazer concorrência ao adquirente nos 5 anos seguintes à transferência. Diz-se em situações tais que há ultratividade da obrigação, subsistindo deveres anexos ou acessórios que se integram a prestação principal, embora já cumprida a obrigação principal. Na verdade, constitui uma manifestação do princípio da boa-fé contratual (art. 422 do Cód. Civil), que é exigida antes, durante e após o cumprimento das obrigações básicas do contrato. Trata-se de um novo paradigma do direito contratual, iluminado pela necessidade de preservação da dignidade das partes, de lealdade, de honestidade, de cooperação, de respeito aos interesses legítimos dos contratantes, dentro do que podem legitimamente esperar do comportamento das partes envolvidas no negócio.

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Por exemplo: eu que celebrei o contrato tenho o dever jurídico de garantir

que a pessoa que contratou comigo possa usufruir as vantagens inerentes ao negócio. Não é só entregar a coisa e dar por encerradas as obrigações. Quando eu compro um computador, não basta que o fornecedor me faça a entrega. Ele terá que prestar informações precisas sobre o uso do equipamento, dar assistência técnica, responder pelos danos que o bem venha a provocar, fazer recall em caso de defeitos etc. O novo Código Civil aproxima-se do Código de Defesa do Consumidor (CDC), também impregnado pelo Princípio da boa-fé objetiva, que se manifesta antes (dever de informação, esclarecimento, de sigilo das negociações), durante (deveres de corporação, preocupação de manter o equilíbrio entre as prestações, garantir a justiça do contrato), e depois do contrato. Dever de informação; sigilo antes CONTRATO depois garantia das vantagens esperadas. Durante: dever de equilíbrio entre as partes. Cite-se o exemplo clássico no art. 10 do CDC, que obriga o fornecedor a fazer o recall de carros, remédios, equipamentos médicos, por exemplo. O fornecedor envia um produto que vem a mostrar-se defeituoso ou pode gerar dano ao consumidor. A obrigação básica é a entrega da coisa, mas mesmo havendo entrega, se depois for verificado um problema capaz de gerar dano ao consumidor persiste o dever de chamar de volta esses produtos para que sejam sanados os defeitos. Nos contratos de trespasse isso também vai acontecer, pois não pode o empresário alienar o estabelecimento e em seguida fazer concorrência a quem acabou de adquiri-lo. Se teve lugar a cessão do estabelecimento, há que garantir que seu novo titular possa auferir as vantagens econômicas inerentes ao negócio. A grande discussão era o prazo em que não poderia o alienante fazer concorrência. A doutrina falava em 5 anos, que é o mesmo prazo que a pessoa leva para formar seu fundo de comércio protegido pela antiga lei de luvas e hoje em dia garantido pela ação renovatória do contrato de locação não residencial para a proteção do ponto (art. 51 da Lei nº 8.245/91).

O Código Civil agora tem regra expressa, no artigo 1.147, prevendo o prazo de 5 anos, caso não se tenha estipulado de forma diferente no contrato. Essa concorrência independe de critério geográfico, com o advento da globalização e Internet. O que importa é se a atividade está caracterizando a concorrência.

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Observe-se a ressalva do parágrafo único do artigo 1.147, pela qual, em se tratando de usufruto ou arrendamento, a obrigação de não fazer concorrência perdura pelo mesmo prazo desses contratos. Assim, se o arrendamento do estabelecimento tiver prazo de 10 anos, apenas nesse interregno estará proibido o arrendador ou locador de fazer concorrência, salvo, claro, cláusula contratual em sentido diverso. Nada impede como está no caput do artigo que se estabeleça outro prazo. Isso dependerá de condições negociais das partes.

III. Obrigações Comuns aos Empresários

Antecedentes: o ponto que trataremos estava regulamentado no art. 10 do Código Comercial, reunido sob o rubrica “Das obrigações comuns a todos os comerciantes”. Hoje a matéria, no novo Cód. Civil, está espalhada por diferentes artigos. Quais eram essas obrigações comuns aos comerciantes? A de registrar-se no Registro do Comércio, guardar documentação papeis enquanto não prescritas pretensões relativas a esses papéis, fazer o balanço anual e seguir ordem de contabilidade e escrituração. Tudo isso estava previsto no art. 10 do velho Cód. Comercial. Com o novo Cód. Civil, essas obrigações passam a ser dos empresários, pouco importando se antes pudessem ser distinguidos entre civis e mercantis. Essas obrigações constam dos arts. 967, 1.179 e 1.194 do Cód. Civil Uma crítica que se fazia ao Código Comercial e que se mantém diante do novo Cód. Civil é estabelecer uma obrigatoriedade de conservação de documentos relativos a fatos não prescritos ou atingidos pela decadência: “é obrigatório enquanto não houver prescrição” (art. 1.194). Ora é obrigatório guardar documentação ou é uma recomendação de prudência? Deve ser guardado para a hipótese de surgir uma dúvida se tenha que fazer prova das obrigações cumpridas, dos contratos executados. Parece, portanto, que não é bem uma obrigatoriedade. É, sim, um ônus jurídico.

Ônus jurídico: é a necessidade de adotar um comportamento para alcançar o efeito desejado. Quando se trata de obrigações, sempre se tem um dever e um correspondente direito, que, quando descumprido, incide uma sanção específica decorrente de uma ilicitude. A idéia de obrigação, de dever jurídico, está associada a um direito e um correlato dever. Se esse dever

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não é cumprido, surge a violação do direito. Nesse sentido, todo direito subjetivo violado resulta uma transgressão e atrai a incidência de uma sanção. Então, apesar da linguagem do antigo Código Comercial e do Novo Código Civil, dizendo que é obrigação, na realidade não há qualquer ilicitude e sanção quando o empresário não observa o que chamam de obrigação.

Qual é a violação de um dever jurídico que se comete por não guardar, um papel, uma prova da quitação de uma obrigação minha? Estou violando o direito jurídico de quem? Estou descumprindo uma norma e incidindo uma sanção? Ou é apenas um ônus jurídico para eu guardar para que no caso de ser demando no futuro possa provar minhas obrigações? É um ônus jurídico. Não é ato ilícito, logo não é dever jurídico, porque todo dever jurídico descumprido gera um ato ilícito.

Também não é ato ilícito não se registrar na junta comercial (art 967 do Cód. Civil). O mero fato em si isolado de não se registrar não gera nenhuma sanção imediata. A falta de registro caracterizará o exercício irregular da atividade empresária, apenas não podendo ser auferidas as vantagens do regime empresarial (como a recuperação da empresa, por exemplo), mas incidindo todos os rigores e desvantagens desse regime (como o crime falimentar). Ninguém vai fiscalizar, impor multa pelo fato específico de o empresário não se registrar na Junta Comercial, embora seja uma regra de prudência efetuar o registro. Mas, insista-se: não é ato ilícito se não se registrar, não se esta descumprindo nenhum dever jurídico.

Ter um sistema de livros e contabilidade (art. 1.179 do Cód. Civil) também se diz que é obrigatório. Mas o art. 1.190 contraria essa obrigação. Logo é também um ônus jurídico. O empresário que não tem livros e um sistema de contabilidade fica vulnerável para provar o cumprimento de suas obrigações,. Do ponto de vista da legislação fiscal, todavia, há obrigatoriedade, porque a lei tributária, no interesse da arrecadação, fixa a exigência de adotar livros específicos, sob pena de multa. O artigo diz “ressalvados os casos previstos em lei”. Assim é o caso da legislação tributária e outros problemas particularizados, mas não como regra no direito comercial ou empresarial.

O empresário que não mantiver os livros fica em posição inferiorizada do mesmo modo que se os tiver de forma desalinhada, desordenada. Também não poderá fazer uso para provar que é credor de terceiro.

Pois bem, a primeira “obrigação” consiste no ônus de registro na Junta Comercial, que é o registro próprio do empresário (arts. 967 e 1.150 do Cód. Civil. Se não se registrar, não deixa de ser empresário, não fica descaracterizado como empresário se estiverem presentes os requisitos do art. 966, examinado em nossa aula demonstrativa. Contudo, se quiser usar

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os benefícios do regime empresarial, precisará se registrar na Junta Comercial. Recorde-se que o registro tem natureza declaratória da qualidade de empresário. Vide os enunciados 198 e 199 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.10

Os art. 967 e 1.151 prevêem regra que já existe na atual lei da Junta Comercial, Lei 8.934/94, que diz que se o empresário levar ao registro atos até trinta dias da data de feitura do documento, o registro retroage, de forma a regularizar a autuação durante esse período.

Exemplo: hoje você celebra comigo um contrato social de uma sociedade limitada. Desde que levemos ao registro na Junta Comercial até 30 dias da data lançada nesse documento, os efeitos jurídicos do registro retroagem até a data de hoje. Isso para que a sociedade não fique irregular no interregno.

Mas essa particularidade dos efeitos do registro também servir de margem

à fraude: se um sócio sofre uma penhora, faz uma alteração contratual com data anterior e como o documento pode ser levado até 30 dias, vai a Junta Comercial e o registra, de modo a deixar caracterizado que data da penhora ele não era mais sócio. Isso aconteceu no Bateu Mouche, no Reveillon carioca de 1989/1990. Houve o naufrágio e no primeiro dia útil depois os sócios deram entrada na Junta Comercial com uma alteração contratual, de 20 dias passados, onde cediam suas cotas a Mas foi provada a fraude, porque mesmo após a suposta data em que eles teriam saído da sociedade haviam assinado cheques e celebrado contratos, já que não sabiam que o infortúnio ocorreria. Mas esse artifício foi tentado.

Se o registro for requerido além do prazo de 30 dias, o efeito vale a partir da data que é concedido (art. 1.151, § 2º, do Cód. Civil). Quem registra depois dos 30 dias não terá esse benefício de retroação.

Outro dever, que também é um ônus do empresário é o sistema de contabilidade (art. 1.179 do Cód. Civil), que pode ser mecanizado ou informatizado. O art. 1.179, § 1o, diz que o número e espécie de livros que vão ser criados ficam a critério do interessado. Ressalvando livro Diário, que é obrigatório, podem ser criados livros auxiliares ou facultativos. Exemplo de 10 198 - Art. 967: A inscrição do empresário na Junta Comercial não é requisito para a sua caracterização, admitindo-se o exercício da empresa sem tal providência. O empresário irregular reúne os requisitos do art. 966, sujeitando-se às normas do Código Civil e da legislação comercial, salvo naquilo em que forem incompatíveis com a sua condição ou diante de expressa disposição em contrário.

199 – Art. 967: A inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, e não da sua caracterização.

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livros facultativos, para o direito comercial, é o livro razão, livro caixa. O Cód. Civil (art. 1.179, § 2º) dispensa o livro Diário para o pequeno empresário, cuja definição é dada pela Lei nº 9.841/99 e que corresponde ao microempresário ou à empresa de pequeno porte, conforme expressa enunciado nº 235 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Outra simplificação é trazida pela Lei nº 9.317/96, pela qual a microempresa e a empresa de pequeno porte, inscritas no SIMPLES tributário federal, ficam dispensadas da escrituração de livros, desde que mantenham pelo menos o Livro-Caixa e o Livro de Registro de Inventário, conservando toda a documentação que tenha servido de base para os lançamentos em tais livros (art. 7º, § 1º). Os Livros Empresariais são equiparados, em sua tutela jurídica, aos documentos públicos. Diz o Código Penal, no art. 297, §2o, que comete o mesmo crime de falsidade de documento público aquele que adultera ou falsifica etc, livro comercial ou empresarial. Isso porque, assim como os documentos públicos, os livros do empresário gozam de uma presunção de veracidade, de legitimidade, quanto ao que neles contém. Os livros podem fazer prova conta o seu dono e mesmo favor dele, quando preencham as formalidades legais. Com base nessa presunção, o STJ já admitiu que o livro do empresário constitua documento hábil para instruir a ação monitória do art. 1.102a do Cód. de Processo Civil. O livro sempre terá eficácia probatória plena, suficiente, bastante em si, contra o empresário seu dono, em qualquer litígio (art. 378, primeira parte, do Cód. de Processo Civil), e também a favor dele, se observadas as formalidades legais, nos litígios que travar com outros empresários (art. 379 do Cód. de Processo Civil). Em benefício do empresário, nos litígios contra quem não for empresário, o livro terá eficácia probatória relativa, ou, por outras palavras, constituirá início de prova por escrito, sem que isoladamente, desacompanhado de outras provas, permita ao juiz proferir julgamento apenas com base nele (art. 379 do Cód. de Processo Civil, argumentando-se a contrario sensu).

DESAFIO (TRT-2ª Região- 1992)

Os livros comerciais [do empresário], que preencham os requisitos exigidos por lei: a) Fazem prova relativa contra o seu autor, podendo o comerciante demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que os lançamentos não correspondem à verdade dos fatos. b) Fazem prova plena contra o seu autor. c) Somente fazem prova nas lides entre comerciante.

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d) fazem prova plena, em todas as hipóteses, contra e a favor do comerciante. Resposta correta: letra “b”. (Art. 378 do Cód. de Processo Civil)

Fora os casos dos livros obrigatórios, o empresário pode adotar o livro que quiser para ter controle gerencial, para manter o acompanhamento de seu negócio, para conhecer sua evolução econômica. Pode ser um livro para registrar o movimento de produção de uma máquina, quanto consome, quando gasta, quanto gera de lucro. Essa é a função interna cumprida pelos livros. Externamente, os livros exercem a função de permitir aos credores e ao fisco fazer prova de obrigações contra os empresários a quem pertencem e identificar se a atividade empresarial está sendo desempenhada regularmente ou não.11 As conseqüências da irregularidade dos livros obrigatórios ou sua manutenção sem as devidas cautelas e formalidades legais são a) a caracterização de crime falimentar (art. 178 da Lei 11.101/05), b) dificuldade de obter a concessão da recuperação (art. 51, inc. II, e § 1º, da Lei 11.101/05), c) impossibilidade de favor prova a favor do empresário (art. 379 do Cód. de Processo Civil), e d), possibilidade de o fisco efetuar o lançamento tributário por arbitramento do lucro presumido (arts. 259 e 530, inc. VI, do Decreto Federal nº 3.000/99)

Antigamente, os livros “obrigatórios” comuns eram mais numerosos. Por exemplo, previa a lei o livro Copiador de Cartas, dado que toda a correspondência tinha que ter um papel carbono para fins de guarda, o que foi abolido com as xerox e novos meios. Havia a obrigatoriedade do livro de Registro de Duplicatas, mas atualmente reservada somente aos empresários que expedirem esse título de crédito. O único livro realmente “obrigatório” (entre aspas, porque na verdade é um ônus e não dever), é o livro Diário, conforme menciona o art. 1.180. Mas o § 2o, art. 1.179 o dispensa o pequeno empresário, como vimos acima. No livro Diário o empresário registra tudo o que acontece, do ponto de vista econômico, todo o dia. Pagamentos efetuados, venda de mercadorias, todos acontecimentos que tenham repercussão na vida econômica, atos e fatos relacionados a efeitos patrimoniais, devem ser lançados no livro diário. Por exemplo, uma enchente, ou desabamento, que estrague mercadorias deve ser registrado no diário art. 1.184. Esse livro é substituível, pelo art. 1.185, 11 Cf. BERTOLDI, Marcelo M. Curso Avançado de Direito Comercial.. vol. 1, 2 ed.. São Paulo: 2003, p. 87.

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por um livro Balancetes Diários e Balanços. Quando a lei se refere ao livro admite também qualquer outro meio, físico ou eletrônico, que lhe faça as vezes. Os livros obrigatórios especiais foram, de passagem, referidos no art, 1.180 do Cód. Civil. Reza o dispositivo: ”Além dos demais livros exigidos por lei...”. Ocorre que os livros obrigatórios especiais dependem da categoria de empresário, pois cada uma tem seus livros específicos. Por exemplo, os bancos, que são empresários, têm que manter o Livro Balancetes Diários. Se for Armazém Geral cumprirá adotar o Livro de Entrada e Saída de Mercadorias; Se for SA. São exigidos os livros descritos no art. 100 da Lei da S/A: livro de ata de assembléias, livro de registro de ações, livro de transferência de ações etc.; Agora as sociedades limitadas também terão que observar livros específicos, que são: o livro de atas de administração (art. 1.062 do Cód. Civil), o livro de atas e pareceres do conselho fiscal (art. 1.067 do Cód. Civil), e o livro de atas de assembléia (1.075, § 1º, do Cód. Civil). Em acréscimo aos livros obrigatórios, o empresário tem a faculdade de adotar os livros que considerar úteis ao seu negócio. Pelo § 1º, do art. 1.179, do Cód. Civil, de fora parte o Diário, que é obrigatório, o número e a espécies de livros ficam a critério do empresário. São os livros auxiliares ou facultativos. Os mais comuns, para o direito comercial, encontram-se nos livros Razão, Conta-Corrente, Caixa. Os livros facultativos gozam da mesma presunção de veracidade e legitimidade, sempre que preencham os requisitos de formalidade exigidos. Incorrem nas mesmas penas do Código Penal aquele que o fraudar, alterar etc. O Cód. Civil e outras leis prevêem as formalidades a serem observadas nos livros empresariais (arts. 1.181, 1.183, 1.184 do Civil). São de duas ordens: intrínsecas e extrínsecas. Como ensina o prof. Fábio Ulhoa Coelho, as formalidades intrínsecas estão relacionadas à técnica contábil, de acordo com os critérios fornecidos pela ciência da contabilidade. Determina o art. 177 da Lei nº 6.404/76 (Lei das S/A) que a escrituração deverá atender aos princípios de contabilidade geralmente aceitos. Já as formalidades extrínsecas prendem-se à segurança do livro, protegendo a integridade física e garantindo a sua autenticidade.

Formalidades intrínsecas : a) Ordem cronológica dos lançamentos. b) Moeda e idiomas nacionais c) Método de partidas dobradas.

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Formalidades extrínsecas: a) Autenticação pela Junta Comercial (art. 1.181 do Cód. Civil) b) Termo de abertura e de encerramento (Decreto-Lei nº 486/69, art. 5º, § 2º) . c) Folhas seqüencialmente numeradas.

A Junta Comercial, na autenticação dos livros, realiza um exame meramente formal, atendo-se à verificação do cumprimento das formalidades em seu aspecto objetivo. Não é da sua competência inspecionar se os lançamentos correspondem ou não à realidade. Estabelece o art. 16, da Instrução Normativa nº 65, de 1º.08.97, do DNRC - Departamento Nacional do Registro do Comércio, que “A autenticação dos instrumentos de escrituração mercantil pela Junta Comercial não a responsabiliza pelos fatos e atos neles escriturados”.

Os livros comerciais são cobertos por sigilo, pois através deles se descobrem os segredos da empresa, onde ela compra mercadoria, quanto paga de salários, quais são seus fornecedores, qual o custo da produção. Este sigilo não é absoluto, pois pode haver interesses maiores a serem atendidos (ex. na falência os devem ser exibidos. Não apenas os livros são postos à salvo da curiosidade, bisbilhotice ou devassa alheias, protegendo também a lei os Trade Secrets (segredos do negócio) mediante a previsão de crime contra a concorrência desleal a conduta de quem divulga informações e conhecimentos confidenciais da empresa (art. 195, inc. XI, da Lei nº 9.279/96). O Decreto nº 1.355/94 promulgou o Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, cuja Seção 7 trata da Proteção de Informação Confidencial. Se o contrato social não regular a matéria, os sócios poderão, a qualquer tempo, examinar os livros, a carteira de clientes e o estado do caixa da sociedade (art. 1.021 do Cód. Civil) A regra do art. 17 do Cód. Comercial dizia que ninguém, nem mesmo o fisco, podia examinar o livro do comerciante. Esta regra de ouro do sigilo absoluto foi aos poucos sendo flexibilizada, fruto da idéia de que os direitos individuais no fundo são relativos, o que permitiu o surgimento do art. 195 do CTN, a fim de que possa o fisco examinar o livro do empresário. Veja a seguir a reprodução do citado artigo e de outras disposições legais. Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou

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fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.

No mesmo sentido, a súmula 439 do STF enuncia que o fisco pode examinar os livros do empresário, mas desde que este exame seja restrito à tributação, ou seja, exame para retirar dos livros aspectos de interesse exclusivo da matéria fiscalizada.

Segue na mesma linha o art. 1.190 do Cód. Civil:

Art. 1.190. Ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei. O art. 33, § 1º da Lei da Previdência Social (8.212/91) também consagra acesso ao livro dos empresários: Art. 33. (...) § 1º É prerrogativa do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e do Departamento da Receita Federal-DRF o exame da contabilidade da empresa, não prevalecendo para esse efeito o disposto nos arts. 17 e 18 do Código Comercial, ficando obrigados a empresa e o segurado a prestar todos os esclarecimentos e informações solicitados.

De semelhante conteúdo é o disposto no art. 11, inc. VI, da Lei nº 10.593/02, pelo qual compete aos Auditores-Fiscais do Trabalho proceder ao exame da contabilidade das empresas, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 17 e 18 do Código Comercial.

Finalmente, convém ainda registrar a Lei Complementar nº 105/98, cujo art. 6º permite a quebra do sigilo bancário pelas autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados do DF e dos Municípios, os quais somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

OBS: há livros que não são obrigatórios, mas, se o empresário os adotar, poderá ser obrigado à apresentação, quando for o caso, e estará sujeito às mesmas formalidades e conseqüências. Isto decorre da circunstância de que

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ninguém pode adotar uma conduta contrária ao próprio comportamento anterior – Teoria da Contradição com a Própria Conduta (nemo venire contra factum proprium). É muito utilizada para a compreensão do princípio da boa fé objetiva do Cód. Civil. Se adotei uma conduta, não posso pretender efeito jurídico diverso e incompatível com esse comportamento. Então, o empresário não é obrigado a adotar os livros facultativos, porém não pode dizer que os possui para evitar a sua exibição por conter elementos contrários a ele. Afinal, estes livros se integram ao acervo contábil dele. Apesar do sigilo, é possível a exibição judicial para a solução de uma controvérsia. A exibição judicial não se presta a saber se o livro está em ordem ou não, mas permitir que, através da exibição, sejam obtidos elementos de prova em determinado litígio. O procedimento da exibição judicial dos livros do empresário vem descrito nos arts. 378 a 382 do Cód. de Processo Civil e será admitido incidentalmente no curso da demanda e ainda por ação cautelar ou mesmo como ação autônoma. Quanto à extensão da exibição judicial, será ela por integral (por inteiro) ou parcial (apenas retirando-se do livro o que interessa à solução do litígio). Os casos de exibição integral ou total obedecem ao critério exaustivo, tendo oportunidade apenas nas hipóteses especificamente consagradas na lei. Não havendo previsão legal expressa, a exibição adotará a modalidade parcial. Pelo art. 1.191, a exibição integral ocorrerá nas hipóteses de falência (inclusive recuperação judicial – art. 51, § 1º, da Lei nº 11.101/05), sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão por conta de outrem. Tem-se também o art. 105 da lei das S/A, pelo qual acionistas que representam ao menos 5% do capital podem pedir a exibição judicial dos livros da companhia, baseados em fundadas suspeitas de irregularidades praticadas pelos administradores. Na exibição parcial, não ficará o livro inteiramente disponível para exame, sendo exibidos na presença do empresário a que pertencerem, com extração dos elementos estritamente necessários à elucidação da lide, limitada aos negócios entre os próprios litigantes (Súmula 260 do STF). A recusa de atendimento à ordem judicial acarretará a apreensão dos livros e o efeito de confissão (reputa-se verdadeiro) dos fatos que, com a exibição, a parte requerente tinha interesse em provar (art. 1.192 do Cód. Civil e art. 359 do Cód. de Processo Civil). Ressalva o Cód. de Processo Civil que a conduta caracterizará o crime de desobediência de que trata o art. 330 do Cód. Penal.

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A terceira obrigação do empresário, prevista no art. 1.194 do Cód. Civil, consiste em guardar as provas de que honrou suas dívidas, enquanto não houver prescrição ou decadência. Porém, não há nenhuma sanção se não o fizer; é uma questão de cautela. Lembre-se que o prazo prescricional para a cobrança dos créditos relativos ao FGTS prescreve em 30 anos (Lei nº 8.036/90 e Súmula 210 do STJ) Como última obrigação do empresário, exige o Cód. Civil, no art. 1.179, o levantamento anual de um balanço patrimonial e o de resultado econômico. O balanço aprovado constitui uma declaração unilateral de vontade pelo qual o empresário ou a sociedade empresária certificam a sua situação patrimonial em determinado momento, mediante o confronto de elementos ativos e passivos. Embora a aprovação do balanço seja pressuposto para distribuição do lucro, ele não representa diretamente os fatos constitutivos das relações jurídicas que contempla, as quais admitem ser provadas por outros meios. Bem, esta aula termina aqui. Estude bem todos os pontos e procure ler cada um dos artigos de lei citados. Nosso conhecimento aumenta quando passamos a atuar ativamente sobre o objeto de estudo. Espero por você no próximo encontro. Bom proveito e até lá.

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AULA 2 – SOCIEDADES NO CÓDIGO CIVIL

SUMÁRIO I. Noções Gerais II. Classificação das Sociedades III. Desconsideração da Personalidade Jurídica IV. Espécies de Sociedades V. Dissolução e Liquidação de Sociedades

Seja novamente bem-vindo ano nosso curso. Iniciaremos a aula 2, que trata, basicamente, da teoria geral do direito societário e das espécies societárias previstas no Cód. Civil de 2002. As sociedades são grupos de pessoas que se reúnem para o exercício de atividades de produção ou circulação de riquezas com fins lucrativos. Diferem das associações, que também são um grupo de pessoas, mas sem o objetivo de partilha dos lucros ou dos resultados econômicos positivos. Enquanto as sociedades vêm disciplinadas a partir do art. 981 do Cód. Civil, entre as regras do Direito de Empresa, as associações são reguladas na Parte Geral do Cód. Civil, a partir do art. 53, deixando claro o Código, ao dizer que não possuem fins econômicos, que não pode haver distribuição de resultados entre os associados. Todo o superávit, o qual não é proibido de ser obtido, deve ser aplicado para a realização do objeto social. Apenas para ilustrar, cite-se o Greenpeace, que é provavelmente a maior associação conhecida, com sede na Holanda e contando com milhões de associados espalhados pelo mundo. Pode obter lucro ou superávits com a venda de broches, camisetas, adesivos, campanhas diversas, mas não lhe é permitido ao final do exercício social partilhar esse resultado entre seus membros, sob pena de descaracterizar-se como associação. Essa é a diferença fundamental entre associação e sociedades. Toda sociedade pressupõe o exercício de atividade econômica com objetivo de lucro. Ocorre, porém, que de acordo com o novo Cód. Civil essas sociedades podem ser simples ou empresárias, mas sempre ambas (costumo brincar com meus alunos: “ambos os dois”) com propósitos econômicos. A antiga distinção entre sociedades civis e mercantis deixou de existir. No seu lugar, só que com diferentes pressupostos de configuração, surgiram as sociedades empresárias, que têm por objeto a organização própria de empresário e simples as demais, as sem essa organização empresarial, as de natureza intelectual e as dedicadas à atividade rurais sem registro na Junta

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Comercial. Toda a compreensão da linha separativa entre as sociedades simples e empresária começa, mas não se limita, pelos arts. 982 e 1.150 do Cód. Civil. O mestre Miguel Reale,1 com a sua autoridade de Supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Cód. Civil, diz que: Uma das modificações básicas do novo Código Civil refere-se ao Direito Empresarial que constitui o objeto do Livro II de sua Parte Especial. Na realidade, a alteração começa na Parte Geral com a distinção do Art. 53 entre sociedade e associação, aquela constituída pela união de pessoas que se organizam para fins econômicos, e esta por terem outras finalidades. Abandonada, porém, essa sinonímia do Código re- vogado, surge uma distinção essencial entre sociedade simples e sociedade empresária. Em noções gerais, examinaremos o conceito de sociedade suas acepções, elementos das relações societárias, natureza do ato constitutivo. Em seguida, a análise classificatória nos ajudará a desvendar os diferentes aspectos que marcam o fenômeno societário, a partir de determinadas características comuns, pois, como ensina Antônio Joaquim Severino,2 a classificação “... se baseia em caracteres que definem critérios para a distribuição das partes em determinadas ordens.” Adiante, em desconsideração da personalidade jurídica se buscamos demonstrar que a personificação de sociedades é relativa e que pode diante de certos casos ser afastada para a proteção de credores da pessoa jurídica, os chamados credores sociais. Na seqüência, nossa proposta é estudar as diferentes espécies ou tipos societários existentes no Cód. Civil, cada qual com seu regramento próprio e servindo às finalidades que se ajustam aos interesses dos sócios. Por último, enfrentaremos os problemas relativos ao encerramento das sociedades. Convido então você a participar dessa empreitada. Tudo pronto para começar ? 1 Parecer. São Paulo: 21.08.2003

2 Metoologia do Trabalho Científico. 22. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002, p. 193.

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I. Noções Gerais

O professor Marcelo Bertoldi3 apresenta o conceito de sociedade: “organizações econômicas, dotadas de personalidade jurídica e patrimônio próprio, constituídas ordinariamente por mais de uma pessoa”. No entanto, as sociedades podem ser tomadas em duas acepções distintas: a) como ma relação contratual, formal ou informal, pela qual duas ou mais pessoas combinam seus esforços para um objetivo comum e partilha dos resultados e b) como a pessoa jurídica que resulta de um contrato formal, acompanhado de certas exigências legais, como o registro. Sob o enfoque de um contrato ou relação que une duas ou mais pessoas, consultem-se os arts. 981 e 986 a 996, todos do Cód. Civil. Porém, com o significado de pessoa jurídica resultante do contrato desponta, os arts. 44, inc. II, e os arts. 997 a 1.096, igualmente todos do Cód. Civil. Portanto, o conceito exposto pelo professor Marcelo Bertoldi representa a segunda acepção, não devendo contudo ser desprezada a primeira, pois as sociedades em comum (art. 986 do Cód. Civil) e as sociedades em conta de participação (art. 993 do Cód. Civil) são consideradas verdadeiras sociedades, embora desprovidas de personalidade jurídica própria. Mesmo sem contrato escrito e, por decorrência lógica, sem registro no órgão competente, já pode existir sociedade, que neste caso será em comum.4 O primeiro artigo do Cód. Civil, art. 981, que trata especificamente das sociedades consagra os elementos das relações societárias, a saber:

a) Contribuição dos sócios, que pode ser em bens ou em serviços. A contribuição para execução do objeto social pode ser em dinheiro, bens ou com serviços. A contribuição em serviços era prevista na sociedade de capital e indústria. Essa sociedade desaparece com o novo Cód. Civil ? Aparentemente sim, isto é, não figura como espécie societária autônoma. Porém, se nós investigarmos os arts. 997 e 1006 do Cód. Civil, percebe-se facilmente que ainda podem existir sócios de serviço ou de indústria, dentro das regras das sociedades simples. Segundo o Enunciado 206 da III Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, a contribuição do sócio exclusivamente em prestação de serviços é admitida nas sociedades cooperativas e nas sociedades do tipo 3 Curso Avançado de Direito Comercial, vol. 1, 2ª ed., São Paulo: RT, 2003, p. 160.

4 Enunciado da I Jornada de Direito Civil do Cento de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “58 – Art. 986 e seguintes: a sociedade em comum compreende as figuras doutrinárias da sociedade de fato e da irregular.”

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simples, as simples em sentido estrito (art. 1.094, inc. I, e 997, inc. V, do Cód. Civil) b) Intenção permanente de perseguir fins econômicos comuns. Os sócios estão ligados entre si por um consentimento recíproco, constantemente renovado, de permanecerem juntos na exploração do negócio. Esse elemento é denominado affectio societatis, o qual, quando desaparece, dá ensejo à resolução da sociedade em relação a um sócio, como acontece nos casos de exclusão de sócio (arts. 1030 e 1.085 do Cód. Civil) e direito de saída voluntária (art. 1.029 do Cód. Civil). c) Co-participação nos lucros e perdas da sociedade, ou seja, partilha do resultado da sociedade. O Código Comercial dizia, no art. 288, que a sociedade em que o lucro ficasse apenas para um sócio era nula. Então, o art. 288 culminava de nulidade a própria sociedade (sociedade leonina, em alusão a uma fábula que dizia que o leão se associara à cabra e à vaca para participarem de uma caçada. Obtida a presa com a contribuição da vaca e da cabra, o leão chegou e a comeu toda sozinho). O novo Cód. Civil muda esse panorama, pois o seu art. 1.008, dá novo tratamento ao tema, tornando nula apenas a estipulação contratual leonina, e não a sociedade por inteiro. Não descarta o Código a possibilidade de participação desproporcional nos lucros e perdas em relação ao valor das quotas (art. 1.007). Só não se admite excluir totalmente dos lucros ou das perdas sociais. Após muito se discutir sobre a natureza do ato constitutivo das sociedades, se seria ato unilateral (ato complexo – formado pela união de vontades individuais visíveis e não cruzáveis – ato coletivo - vontades individuais não cruzáveis que se desaparecem para formar um ato unilateral único), ato corporativo (antecipação da manifestação de vontade do novo ser que surgirá, sem representar a vontade originária dos sócios) ou do ato institucional (aquele que origina a sociedade, não entrevendo relevância à vontade dos sócios na vida da sociedade em função da predominância da vontade da lei), a doutrina majoritária entende que se trata de um contrato plurilateral, na lição de Túlio Ascarelli. Somente nas sociedades unipessoais (art. 251 da Lei nº 6.404/76 – Lei das S/A) o ato constitutivo não consiste num contrato, mas numa declaração unilateral vontade do sócio único no sentido de criar o novo ente. Desse caráter de plurilateralidade do contrato de sociedade resultam algumas conseqüências interessantes. Vejamos. Em primeiro lugar, não se pode invocar a exceção do contrato não cumprido (art. 474 do Cód. Civil), isto é, aquela exceção (ou defesa em sentido amplo), típica dos contratos bilaterais (onde há um tomá-la da cá), pela qual um contratante pode se recusar a cumprir a sua obrigação se a outra parte

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não cumprir a sua. No contrato de sociedade não se tem uma prestação de uma parte dirigida à outra parte e vice-versa, e sim uma soma de esforços e de prestações com vistas ao objetivo comum. Não há pólos contrapostos, como na compra e venda, na locação, na prestação de serviços. Tdos os sócios todos irão contribuir para que o resultado seja também divido entre eles. Então um sócio não pode deixar de integralizar (pagar) suas quotas ou ações ao argumento de que o outro também deixara de fazê-lo. Também não cabe, como conseqüência dos contratos plurilaterias, a resolução do contrato quando uma das prestações desaparece ou se impossibilita, como ocorre, ainda no exemplo da compra e venda, se a coisa perece ou se extingue antes de ser entregue, por caso fortuito ou de força maior. Aí o contrato se resolve. Já no contrato de sociedade isso não acontece. Se um dos sócios se tornar incapaz, se estiver prejudicando a sociedade ou se não integralizar suas participações, não acarretará o a resolução do contrato de sociedade, permanecendo o contrato e não sendo necessário extinguir a sociedade. Provoca somente a extinção com relação a aquele determinado sócio. Então, a natureza de contrato plurilateral sustenta inclusive o próprio princípio da preservação da empresa. Registre-se ainda que o contrato de sociedade é aberto à novas adesões ou ingresso de novos sócios, sem que isto signifique a celebração de um novo contrato. Os vínculos originais se mantém e se adiciona um novo elemento subjetivo para a realização das finalidades maiores da sociedade. Na introdução desta aula, nós identificamos a função desempenhada pelo ato de se classificar. Como então se estrutura a classificação das sociedades ? a) Quanto à personificação: sociedade com e sem personalidade jurídica. As sociedades com personalidade são todas aquelas a partir do art. 997 do Cód. Civil, isto é, as sociedades simples, sociedades em nome coletivo, sociedades em comandita simples, sociedades limitadas, sociedades anônimas e sociedades em comandita por ações. As sociedades adquirem personalidade jurídica com a inscrição de seus atos constitutivos no registro próprio, que poderá ser Junta Comercial (para as sociedades empresárias) ou Registro Civil de Pessoas Jurídicas (para as sociedades simples), conforme os arts. 45, 985 e 1.150 do Cód. Civil. Essa personalidade é relativa, ao contrário da personalidade das pessoas naturais, permitindo ao juiz desconsiderá-la (art. 50 do Cód. Civil). As conseqüências da aquisição da personalidade jurídica são: i) autonomia jurídica e patrimonial (arts. 47, 1.022, 1.024, do Cód. Civil); ii) capacidade para celebrar negócios jurídicos compatíveis com o objeto social e de acordo com

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os poderes de quem age pela sociedade, pois o excesso de poderes poderá ser argüido pela sociedade para não obrigá-la nos casos do art. 1.015 do Cód. Civil, cujo inciso III ,do parágrafo único, adota a teoria do ato ultra vires (além das forças; além ou fora do objeto social); iii) responsabilidade criminal, em tese, prevendo a CR/88 que a pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crimes ambientais (art. 225, § 3º), embora existam decisões judiciais admitindo e outras negando essa inovação constitucional (vide os recursos especiais de nºs 564.960 e 622.724, julgados pelo STJ). As sociedades sem personalidade jurídica podem ser regulares (art. 993 do Cód. Civil) e irregulares em sentido amplo (art. 986 do Cód. Civil), correspondendo, respectivamente, às sociedades em conta de participação e às sociedades em comum, nova nomenclatura para as antigas sociedades de fato (sem contrato) e irregulares (com contrato mas sem registro). É da essência da sociedade em conta de participação não possuir personalidade jurídica, donde resulta, inclusive, não ter firma ou denominação (art. 1.162 do Cód. Civil). Mas as sociedades em comum são as demais que, embora existentes, não foram levadas a registro no órgão competente ou não tiveram suas alterações registradas, como o distrato, por exemplo. Ressalva o art. 986 do Cód. Civil a situação das sociedades por ações em processo de constituição. A explicação reside no fato de que o processo de constituição da Sociedade Anônima é muito mais difícil: tem a fundação, boletim de subscrição, convocação de uma assembléia de fundação; depois dessa assembléia há uma avaliação dos bens dos acionistas estão utilizando para integralizar o capital; em seguida vem a eleição dos primeiros administradores; por último é que será feito o registro da sociedade anônima. Então é um processo muito mais complexo e precisa a S/A contar com uma personalidade prévia, anterior à sua constituição definitiva, para já começar a praticar todos aqueles atos e avançar rumo à finalização das providências complementares à sua consolidação jurídica. b) Quanto ao caráter empresarial: sociedades simples e empresárias. Essa classificação leva em conta a natureza da sociedade, uma vez que simples pode ser a sociedade em comparação com as empresárias (art. 982<do Cód. Civil) e simples também, mas sob outro enfoque, em relação ao tipo ou espécie societária (art. 983 do Cód. Civil). A sociedade será simples quando, pela ausência de estrutura qualificada, de métodos ou de divisão de trabalho, dos fatores ou elementos de produção (capital, mão-de-obra de empregados, matéria-prima, tecnologia), faltar-lhe o caráter organizativo. Terá também natureza simples se tiver por objeto exclusivamente a prestação de serviços intelectuais, de índole artístico, literário ou científico (art. 982 combinado com o art. 966, § único, do Cód.

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Civil, e Enunciado 1935 da III Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal). Somente quando a atividade intelectual for considerada elemento de empresa é que a sociedade poderá ser empresária. Estabelecem os Enunciados 194 e 195,6 do mesmo encontro científico, que os profissionais liberais não são empresário, a menor que a organização dos fatores de produção seja mais importante que a profissão intelectual exercida e que a expressão “elemento de empresa” requer interpretação econômica, conforme haja absorção dessa atividade como um dos fatores de produção. Nesse sentido, as sociedades exclusivamente de advogados, de contadores, aquelas que apenas concebem projetos de engenharia, traduzirão sempre natureza de sociedade simples. Acrescente-se que serão igualmente simples as sociedades de objeto rural, salvo se optarem pelo registro na Junta Comercial, em vez do Cartório do Registro de Pessoas Jurídicas (arts. 971 e 984 Cód. Civil). Mais uma: as cooperativas, por força de norma imperativa, constituirão sociedades simples (art. 982, § único, do Cód. Civil). Qualificam-se como empresárias as sociedades que tiverem por objeto a organização própria da atividade do empresário definido no art. 966 do Cód. Civil. Novamente convém recordar os perfis de Asquini, sempre por nós referidos e tratados especificamente na nossa aula demonstrativa. É preciso, para se apresentar como empresárias, que as sociedades reúnam os perfis subjetivo (relativos aos sujeitos exercentes da atividade), objetivo (estabelecimento, abordado na aula 1, funcional (a relevância da atividade) e corporativo (empregados ou prepostos). Existirá empresa quando houver coordenação de pessoas e bens materiais para o desenvolvimento do objeto social numa dimensão maior que atuação ou o labor pessoal dos próprios sócios. Para o ex-Ministro da era Vargas, Francisco Campos, conhecido, por sua inteligência, como Chico Ciência, a empresa é uma organização técnico-econômica impessoal de exercício da atividade econômica. O enquadramento da sociedade como empresária terminará por depender do critério funcional ou estrutural da atividade econômica (relativo ao modo pelo qual ela é exercida), da ausência de proibição legal (no caso de objeto exclusivamente 5 193 – Art. 966:”O exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de empresa.”

6 194 – Art. 966: “Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores da produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida.” 195 – Art. 966: “A expressão “elemento de empresa” demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da organização empresarial..”

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intelectual não constituído em elemento de empresa), do critério legal ou formal de determinação (caso das Sociedades por Ações, art. 982, § único do Cód. Civil) e do critério de opção de registro para aqueles que desenvolvem objeto rural (art. 984, do Cód. Civil)

DESAFIO (CESPE-2003) Considere que dois amigos desejam constituir uma sociedade para a realização de atividades em comum. Acerca das previsões legais aplicáveis a essa situação, julgue os itens a seguir (certo ou errado). * Em regra a sociedade a ser constituída será considerada empresária se tiver como objeto qualquer atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. (certo – art. 982, § único do Cód. Civil) * A sociedade, se empresária, poderá constituir-se de acordo com os tipos Limitada, Comandita Simples ou de Capital e Indústria, previstos pelo Novo Código Civil. (errado. O novo Cód. Civil não prevê mais a antiga Sociedade de Capital e Indústria, cuja regulação era dada pelo Cód. Comercial, nessa parte já revogado) * Somente após o seu registro no cartório devido ou na junta comercial, a sociedade obterá a sua personalidade jurídica. (certo – arts. 985, 45 e 11.50 do Cód. Civil) * Se os sócios optarem por criar uma sociedade limitada, está será obrigatoriamente empresária. (errado – conforme os arts. 983 e 1.150 do Cód. Civil, a sociedade empresária terá que adotar um dos tipos empresários, mas a sociedade de natureza simples poderá, sem se converter em empresária, adotar um dos tipos empresários, inclusive a limitada, e, não o fazendo, seguirá as normas do tipo simples. Vide também o texto da exposição de motivos ao Cód. Civil, onde o prof. Miguel Reale ressalta que a sociedade simples “não se subordina às normas relativas ao `empresário´, ainda que se constitua segundo uma das formas previstas para a `sociedade empresária´”). * Caso os sócios desejem exercer uma atividade passiva de enquadramento como sociedade simples, terão que definir, ainda, um dos tipos de sociedade empresária para que se lhe aplique o ordenamento jurídico correspondente. (errado – como visto na questão acima, os sócios na sociedade de natureza simples podem adotar, é facultativo, um tipo empresário, mas, não querendo fazê-lo, automaticamente serão aplicadas as regras do tipo simples. Vide novamente os arts. 983 e 1.150 do Cód. Civil, além da exposição de motivos ao Código).

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c) Quanto ao regime jurídico de constituição e dissolução: sociedades contratuais e institucionais. Há sociedades que se regem fortemente pelas regras da teoria geral dos contratos, tipicamente do Direito Civil (arts. 421 a 480 do Cód. Civil), e aquelas em que predominam as normas de ordem pública sobre a vontade dos sócios, os quais aceitam a disciplina de funcionamento legal de funcionamento. Nestas a vontade dos sócios não exerce o papel determinante que se verifica nas primeiras. Nas sociedades contratuais, nas quais os vínculos entre os sócios se justificam pela teoria geral dos contratos do Direito Civil, o contrato social somente pode modificado pela unanimidade dos sócios (art. 999 do Cód. Civil) ou por uma maioria expressiva da ¾ do capital (1.076, inc. I, do Cód. Civil); o sócio pode se desligar da sociedade a qualquer tempo, se por prazo indeterminado, bastando que notifique a sociedade com antecedência de 60 dias (art. 1.029);7 nos casos em que for admitida a modificação do contrato social pela maioria dos sócios, sempre haverá direito de recesso ou de retirada do sócio minoritário discordante, mesmo que a sociedade tenha prazo determinado de duração (art. 1.077). São sociedades contratuais a sociedade em conta de participação, a tipo simples, a nome coletivo, a sociedade em comandita simples, a sociedade limitada. Ao contrário, nas sociedades institucionais a idéia de um sócio dela se desligar e romper seus vínculos societários a qualquer tempo, mediante simples, notificação não tem o mínimo cabimento. A vontade individual do sócio não prevalece no caso. Resta ao sócio apenas alienar (vender) suas unidades do capital para quem as quiser receber. Também nas sociedades institucionais não é qualquer modificação dos atos constitutivos (como o estatuto social), não garante ao sócio minoritário discordante o direito de se retirar da sociedade, impondo sua saída obrigatoriamente à sociedade. Torna-se mais fácil alterar o estatuto de uma S/A do que o contrato social de uma sociedade limitada, pois nesta é necessária uma maioria de ¾ e , na outra, o quorum qualificado de mais da metade do capital (art. 136 da Li nº 6.404/76 – Lei das S/A). Ainda no exemplo típico da S/A, o acionista somente pode exercer o direito de retirada ou direito de recesso nas hipóteses expressamente previstas em lei (ilustre-se com o art. 137 da Lei nº 6.404/76 – Lei das S/A) Os casos em que isto ocorrer são de direito estrito (somente quando legalmente contemplado) e de interpretação

7Vide ainda: Parecer Jucesp nº 246, de 14 de julho de 2005; Apelação Cível nº 6.383/2005, do TJ-RJ publicada em 11.07.05; e decisão da 1ª Vara de Registros Públicos de SP ordenando ao 4º Registro de Pessoas Jurídicas o registro de uma notificação do sócio.

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restritiva e contra o sócio desejoso da saída. A dúvida na matéria a na funciona em desfavor do acionista. d) Quanto à estrutura econômica: sociedades de pessoas e de capitais. Nas sociedades de pessoas importam fundamentalmente as pessoas dos sócios, enquanto que as de capitais correspondem a aglomeração de recursos para fins produtivos, se conceder relevância aos aspectos particulares dos sócios. As sociedades de pessoas são aquelas com caráter intuitu personae. Os sócios se reúnem em relação às suas contribuições pessoais, em relação às suas qualidades pessoais, pelas aptidões de cada um, pelas virtudes. A motivação é de ordem pessoal. Cada sócio enxerga no outro um bom parceiro para juntos empreenderem um negócio. Daí decorre que um novo sócio não pode ser admitido na sociedade nem o antigo ser substituído em suas funções por outra pessoa, a não ser com a aprovação de todos os sócios, exatamente como ocorre na sociedade do tipo simples (arts. 1.002, 1003 do Cód. Civil). Nas sociedades limitadas, a regra é a de que ela sociedade de pessoas, porque, no silêncio do contrato social, somente é permitido ao sócio alienar suas quotas a estranhos à sociedade se não houver oposição de sócio ou sócios que detenham mais de ¼ do capital social (art. 1.057 do Cód. Civil). Repare você que, embora naturalmente seja de pessoas, com essa proibição da entrada de novo sócio, o contrato social pode dispor diversamente e estabelecer a proibição total, dependente de todos os sócios para realizar a transferência para terceiros, ou mesmo a liberar inteiramente, sem precisar da concordância dos outros sócios. Alguns autores dizem, por isso, que a sociedade limitada é híbrida, um misto de pessoas e de capitais, conforme a definição dada pelo contrato social acerca da matéria. Segue nessa diretriz o art. 1.028 do Código Civil, aplicável a todas as sociedades que têm a sua disciplina integral nele prevista, que no falecimento de qualquer sócio seu herdeiro não adquire automaticamente a condição de sócio e o valor da quota do falecido será apurada e paga os que tiverem recebido a herança. Outro ponto interessante nas sociedades de pessoas é o cabimento da exclusão do sócio, por justa causa, quando desfeitos os laços pessoais da comunhão de interesses entre eles. Fala-se, aí, no rompimento da affectio societatis (lembra-se desse elemento das relações societárias, visto acima ?) No que se refere às sociedades de capitais, é inteiramente livre a cessão, negociação ou transferência das partes em que se divide o capital. Bom exemplo para ser citado é o das sociedades por ações (art. 36 da Lei nº 6.404/76). Costuma-se apontar a livre negociabilidade das ações como uma das características essenciais das sociedades por ações. Apenas nas companhias fechas (que não têm seus valores mobiliários admitidos à

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negociação no mercado de capitais) é que o estatuto poderá conter restrições à negociação das ações, mas desde que não impeçam totalmente a transferência nem sujeitem o acionista vendedor aos órgãos da companhia ou à maioria dos acionistas. Assim, em última instância, no frigir dos ovos numa S/A, ninguém poderá impedir que um traficante preso, utilizando o telefone celular cadeia, compre ações de uma companhia e entre para o quadro de acionistas. Se fosse numa sociedade de pessoas, seria permitido que os sócios recusassem o ingresso do traficante, mas não numa sociedade de capitais, cuja tônica é o caráter intuitu pecuniae. Importa apenas a capacidade econômica dos sócios de contribuir para o capital da sociedade, sendo irrelevantes as suas qualidades pessoais. Por exceção, muito honrosa por sinal, já que se trata de caso único no STJ (Resp. 111.294), é que o Tribunal admitiu sociedade anônima de pessoas, porém com a condição de que seja companhia fechada, quorum mais elevado para a aprovação de matérias, origem e funcionamento da sociedade com pessoas de uma mesma família, acordo de acionistas que dificulta mudar o poder de controle, restrições estatutárias para alienar as ações etc.. Na prática essa companhia acaba se parecendo muito com uma sociedade de pessoas e contratual. Por isso o STJ lhe deu o tratamento diferenciado, para admitir a saída voluntária do acionista, dentro do que se chamava “dissolução parcial da sociedade”, atualmente denominada pelo Código Civil de “resolução da sociedade em relação a um sócio” (arts. 1.028 e seguintes). e) Quanto à responsabilidade dos sócios: ilimitadas, limitadas e mistas. Vale a pena lembrar que essa classificação considera a responsabilidade do sócio em relação às dívidas da sociedade. Isto porque as sociedade, sejam elas quais forem, sempre responderão integralmente com o seu patrimônio para o pagamento aos credores sociais. Os sócios é que, dependendo do tipo de sociedade examinada caso a caso, poderão ou não ordinariamente ter responsabilidade pelas dívidas sociais. Falamos ordinariamente, pelas dívidas normais contraídas pela sociedade, porque extraordinariamente os sócios e administradores são chamados a responder por atos praticados com violação da lei, do contrato social ou do estatuto, e, ainda, na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Cód. Civil). Pois bem, nas sociedades em comum (art. 990 do Cód. Civil) e nas sociedades em nome coletivo (art. 1.039 do Cód. Civil) os sócios respondem com o seu patrimônio pelas dívidas da sociedade, mas só no caso de ela não possuir bens suficientes (art. 1.024 do Cód. Civil). Significa então dizer que a responsabilidade dos sócios é subsidiária em relação à sociedade. Mas dos sócios entre si a responsabilidade é solidária, além de ilimitada. Embora a sociedade em comum não possua personalidade jurídica (art. 986 do Cód. Civil), seus bens continuam pertencendo, de forma conjunta, a todos os

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sócios, devendo primeiro os credores tentar receber seus créditos através desses bens, para somente depois buscarem outros bens dos sócios. Apenas o sócio que assumiu a frente da sociedade em comum e contratou por ela está excluído de exercer o benefício de ordem, para querer que os credores primeiro executem os bens comuns (art. 990 do Cód. Civil). O Enunciado 2128 da III Jornada do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal reafirma ausência de personalidade jurídica da sociedade em comum. As sociedades limitadas propriamente ditas (art. 1.052 do Cód. Civil) e as sociedades anônimas (art. 1ª da Lei 6.404/76 e art. 1.088 do Cód. Civil), constituem exemplos de sociedades que prevêem limitação da responsabilidade dos sócios. Nas primeiras a responsabilidade solidária dos sócios entre é pelo total do capital social ainda não integralizado, isto é, pago, sempre subsidiária em relação à sociedade, como já vimos. Pelas regras aplicáveis às S/As, a responsabilidade dos sócios ou acionistas encontra limite no valor de integralização (pagamento) das ações titularizadas por cada um. O acionista responde apenas pela integralização das respectivas ações, independentemente de outros acionistas ainda não haverem integralizado as suas participações. Como hipóteses em que é mista a responsabilidade dos sócios, vamos citar a sociedade em comandita simples (art. 1.045 do Cód. Civil), a sociedade em comandita por ações (art. 1.091, do Cód. Civil), a sociedade em conta de participação (art. 991, § único, do Cód. Civil). Na sociedade em comandita simples tomam parte duas qualidades de sócios: o comanditado (ilimitadamente responsáveis, juntamente, em caráter solidário, com os outros sócios comanditados) e o comanditário (obrigado somente pelo valor de sua quota). A sociedade em comandita por ações pressupõe o acionista diretor, eleito no estatuto social e ilimitadamente responsável, juntamente, em caráter solidário, com outros acionistas diretores, e o acionista comum, de responsabilidade igual ao da sociedade anônima. Abrange a sociedade em conta de participação o sócio ostensivo ou operador, ilimitadamente responsável perante terceiro com quem contratam, e o sócio oculto ou participante, responsável apenas perante o sócio participante, nos termos do contrato social celebrado entre eles.

8 “Embora a sociedade em comum não tenha personalidade jurídica, o sócio que tem seus bens constritos por dívida contraída em favor da sociedade, e não participou do ato por meio do qual foi contraída a obrigação, tem o direito de indicar bens afetados às atividades empresariais para substituir a constrição.”

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Por último, tem-se a sociedade do tipo simples, cabendo ao contrato social (art. 997, inc. VIII, do Cód. Civil) definir se os sócios respondem ou não pelas obrigações sociais. A despeito de o art. 1.023 do Cód. Civil dispor que os sócios, na sociedade do tipo simples, respondem em caráter subsidiário e proporcionalmente ao valor das quotas, salvo cláusula de solidariedade prevista no contrato social, a doutrina interpreta que a efetivação dessa responsabilidade depende do que estiver regulado no contrato social. Noutros termos, a responsabilidade subsidiária e proporcional (solidária somente quando houve cláusula expressa) condiciona-se ao estipulado no contrato social. Nas lição de Tavares Borba, “Cabe, porém, superar essa aparente contradição [entre o art. 997, inc. VIII, e o art. 1.023]. Ora, se cabe ao contrato social dispor a respeito da responsabilidade subsidiária dos sócios, adotando-a e tornando a sociedade de responsabilidade ilimitada, ou recusando-o e conferindo à sociedade a característica da responsabilidade limitada, a norma do art. 1.023 apenas se aplicaria quando acolhida no contrato a responsabilidade ilimitada dos sócios.” Isto responde à seguinte questão formulada na prova preliminar do XL concurso para a Magistratura fluminense, realizada em 05.06.05: “Como compatibilizar, na sociedade simples, as disposições dos artigos 997, VIII, e 1023, do Código Civil, relativamente à responsabilidade dos sócios ?” Assim, se o contrato social estipular que os sócios não respondem pelas obrigações sociais, então não incide o art. 1.023. Por outro lado, se nada dispuser o contrato ou se previr a essa responsabilidade, haverá incidência do referido art. 1.023.9 e) Quanto à pluralidade de sócios: sociedades pluripessoais e unipessoais. A regra geral no direito brasileiro é no sentido da necessidade de no mínimo 2 sócios, em razão do plural contido na redação no art. 981 do Cód. Civil. Não apenas esse artigo deixa entrever a necessidade de mais de um sócio como o art. 80, inc. I, da Lei das S/A (lei nº 6.404/76), prevê, como providência preliminar de constituição de uma S/A, a subscrição do capital social por no mínimo 2 acionistas. Entretanto, o direito brasileiro admite a sociedade unipessoal de forma permanente e de forma temporária, identificada como unipessoalidade incidental temporária.

9 Confira-se a doutrina de Sérgio Campinho, Direito Societário, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 111; e de José Edwaldo Tavares Borba, Direito Societário, 9ª ed., Rio de Janeiro: Rnovar, 2004, p. 84.

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Em caráter permanente figura a subsidiária integral, introduzida pela Lei das S/A de 1976, no art. 251, que é uma sociedade anônima composta por um único acionista, obrigatoriamente uma sociedade nacional de qualquer tipo, cuja constituição se dá por uma escritura pública. Muitos alunos me perguntam a razão de ser da subsidiária integral. Respondo a eles, e agora especialmente a você, que a criação de uma pessoa jurídica constitui uma técnica de segregação (separação) patrimonial e jurídica, distinguindo-se a realidade do sócio da realidade da pessoa jurídica. Se a subsidiária contrair obrigações ou tiver sua falência decretada, apenas ela será atingida, e não a sua sócia única, que fica preservada. São subsidiárias integrais a BNDESpar, do BNDES, a BBDTVM – Banco do Brasil Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, o Banco Itaú S/A, cuja sócia única é a Banco Itaú Holding Financeira S/A. Temporariamente, todas as sociedades podem assim se apresentar, se, no curso de sua existência (daí “incidentalmente”) ficarem desfalcadas em seus quadros sociais, passando a contar com apenas um único sócio. Nesse sentido, se as sociedades por ações ficarem reduzidas a um único acionista, elas podem assim permanecer pelo prazo que medeia entre a assembléia ordinária de um exercício e a assembléia ordinária do exercício seguinte (art. 206, inc. I, letra “d”, da Lei das S/A Lei nº 6.404/76). O prazo não é exatamente e um ano, podendo ser uns meses a menos ou a mais. Outro caso fica por conta das sociedades reguladas no Cód. Civil, o qual permite essa situação de unipessoalidade pelo prazo de 180 dias, sob pena de dissolução da sociedade, a contar do fato que a ensejou, e não da constatação em conclave dos sócios (assembléia ou reunião dos sócios). f) Quanto à nacionalidade: nacionais e estrangeiras. Surge a nacionalidade como um estado jurídico integrante dos atributos das sociedades, ao lado do domicílio e do nome empresarial. Nacionais são as sociedades que atendem aos requisitos de sede e constituição no Brasil. Dispõe realmente o art. 1.126 do Cód. Civil que “É nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha no país a sede de sua administração”. Não importa a origem do capital a nacionalidade ou residência dos sócios, restringindo-se a definição aos citados requisitos de sede e constituição no país. São também nacionais as sociedades binacionais argentino-brasileiras, constituídas nos termos do Tratado de Empresas Binacionais, promulgado pelo Decreto nº 619/92. Consideram-se estrangeiras as demais não enquadráveis como nacionais. Não podem funcionar diretamente no país, exercendo suas operações em

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solo nacional, sem autorização concedida pelo Poder Executivo (art. 1.134 do Cód. Civil). Um bom exemplo são as companhias áreas internacionais como American Air Lines, Alitalia, Ibéria, Air France. São todas estrangeiras, obedecendo aos modelos societários previstos nas leis de origem e com sede estatutária fixada no exterior. Precisam manter, permanentemente, um representante legal com poderes para receber citações e intimações nas questões que envolvam a sociedade (art. 1.138 do Cód. Civil). g) Quanto à origem do capital: privadas e públicas em sentido amplo. Todas, mesmo as empresas públicas em sentido estrito e as sociedades de economia mista, são pessoas jurídicas de direito privado, conforme o art. 44, inc. II, do Cód. Civil, e do Decreto-Lei nº 200/67 (Estatuto da Reforma Administrativa) e, para coroar, o art. 173, § 1º, da CR/88. Equiparam-se nos regimes nos regimes trabalhista, tributário, civil ou comercial (CR/88, art. 173, § 1º, inc. II).. Todavia, as empresas públicas federais são julgadas na Justiça Federal (CR/88, art. 109, inc. I). Mas as sociedades de economia mista federais são julgadas na justiça comum dos estados (Súmulas 508 e 517 do STF). Todas essas empresas públicas em sentido amplo estão sujeitas à licitação, concurso público, controle pelos Tribunais de Contas, mas seus bens afetados ao serviço público são impenhoráveis (STJ - Resp 521.047 e 176.078). Estão ainda excluídas da falência e da recuperação judicial ou extrajudicial (art. 2º, inc. I, da Lei Falências – Lei nº 11.101/05). h) Quanto à rigidez do capital: fixas, variáveis e dispensáveis. O capital social é o valor, mencionado no contrato social, relativo à entrada inicial dos sócios, correspondente aos bens e dinheiros que transferiram ou se obrigaram a transferir para a sociedade a título de integralização de suas quotas. Seu valor representa o montante aportado pelos sócios e que passa a pertencer à sociedade. Constitui uma garantia para os credores, porque os lucros ou perdas são imputados ao capital, somente podendo ser distribuídos dividendos quando o capital não é consumido pelos prejuízos acumulados e os resultados positivos do exercício redundam em um patrimônio líquido superior ao valor do capital social. O patrimônio inicial passa a ser formado pelos bens destinados à integralização do capital social e pelos que vierem a ser adquiridos posteriormente. Só que enquanto o capital declarado no contrato é um valor formal e estático, o patrimônio (conjunto de direitos e obrigações de uma pessoa economicamente avaliáveis) é real e dinâmico, modificando-se conforme os lucros ou prejuízos das operações sociais. Apontam-se os seguintes princípios do capital social:

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a) Realidade: o capital deve traduzir o valor efetivamente declarado no contrato social, pois não raro os sócios integralizam suas cotas com bens superavaliados, podendo haver impugnação dos credores e responsabilidade dos sócios (art. 1.055, § 1º, do Cód. Civil, e art. 8º, § 6º, da Lei das S/A – Lei nº 6.404/76). b) Unidade: enfatiza-se o caráter uno do capital, ainda que a sociedade disponha de diversas filiais, pois seu valor pertence ao todo (entidade) e não às partes. O capital destacado para alguns estabelecimentos atende apenas a fins contábeis e para fixar o valor de exações tributárias (ex.: art. 580, inc. III, da CLT ), não alterando sua unidade imanente; c) Intangibilidade ou integridade: expressa que o capital é intocável pelos sócios, evitando-se sua distribuição entre eles e o conseqüente prejuízo aos credores. Feitas estas considerações sobre a importância do capital social, existem sociedades com o capital fixo (sociedade simples, nome coletivo, comandita simples, por ações) e às quais se aplica a regra geral do art. 997, inc. III, do Cód. Civil, e as de capital variável e mesmo dispensável, como acontece com as cooperativas (art. 1.094, inc. I, do Cód. Civil).

DESAFIO (CESPE-2004) Julgue os itens a seguir, relativos ao direito empresarial (certo ou errado). * O contrato social formal não é requisito essencial para a constituição de determinada sociedade empresarial, podendo esta ser instituída mediante acordo oral entre os sócios, caso em que será considerada sociedade em comum. (certo – art. 986 do Cód. Civil) * Considere a seguinte situação hipotética. José, administrador não-sócio de determinada sociedade limitada, teve, em sua administração, ingerência contrária ao contrato social. Nessa situação, José poderá responder com seu patrimônio pessoal, em execução fiscal. (certo - art. 1.016 do Cód. Civil combinado com art. 135, inc. II, do Cód. Trib. Nacional). * Considere a seguinte situação hipotética. Três amigos recém-graduados decidiram formar uma sociedade de advogados elegeram a forma de sociedade anônima. Nessa situação, mesmo tendo adotado esse forma societária, a referida pessoa jurídica constituída será considerada sociedade simples (errado. Primeiramente, a sociedade de advogados tem por objeto atividade exclusivamente intelectual, o que a torna simples por natureza, devendo os sócios optar pelo tipo simples dos arts. 997 a 1.038 d Cód. Civil. Em segundo lugar, o art. 16 do Estatuto da

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OAB proíbe que as sociedades de advogado tenham qualquer forma ou características mercantis e o art. 2º, § 2º, da lei da S/A, prevê que todas as S/A são consideradas mercantis, assim como o § único do art. 982 do Cód. Civil estabelece que todas as S/A reputam-se empresárias por força de lei.

II. Desconsideração da Personalidade Jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica surgiu na Inglaterra em fins do século XIX, onde se discutia a falência de uma sociedade que nada mais era senão do que um alter ego (outro eu) de seu sócio majoritário (Aaron Salomon), que compôs sociedade com seus filhos apenas para apresentar-se como pessoa jurídica. Cita-se este caso como o leading case da teoria da desconsideração, embora tenha sido acolhida em primeira instância, mas rejeitada em grau de recurso. No dizer do mestre Caio Mário da Silva Pereira, “como em algumas vezes acontece, a mesma razão geratriz de um instituto traz o germe de sua oposição”. Atribui-se personalidade à pessoa jurídica para que ela possa titularizar e exercer direitos próprios, correspondentes aos interesses que lhes são afetos, e não aos de seus membros individualmente. Sabendo-se que o direito individual é um interesse juridicamente protegido, as pessoas jurídicas, como unidades abstratas, como centro subjetivados de interesses, possuem direitos próprios, inconfundíveis com os de seus membros, conferindo-lhes o Direito a qualidade de seu sujeito. Desde que a pessoa jurídica deve agir em busca da realização de seus respectivos interesses, a personificação da sociedade e a limitação de sua responsabilidade não podem servir de biombo ou anteparo para encobrir as irregularidades das pessoas que as constituem. Em caso de fraude ou má-fé, permite-se que o Juiz retire o véu que dá forma à pessoa jurídica e penetre em seu âmago, a fim de alcançar bens e pessoas que dentro dela se escondem com o objetivo de violar a lei ou causar prejuízo a terceiros. Em tal caso, entende-se que não foi a sociedade quem praticou o ato, mas seu sócio ou administrador, que apenas se valeu do instrumento da personificação. Com a desconsideração, opera-se a ineficácia episódica, e não nulidade ou anulabilidade, da constituição da pessoa jurídica usada como meio de fraude, no tocante, exclusivamente, ao ato praticado com desvio de seus fins.

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Continua a entidade a subsistir para todos os demais efeitos. Não se trata de afastar o aforismo “societas distat a singulis”, mas de reafirmá-lo, no pressuposto de que o ato seja realmente praticado no interesse da sociedade, o que não ocorrerá se o for no interesse subalterno e abjeto de seus membros. Conhecida também como disregard doctrine, teoria de la penetración (Argentina), superamento della della personalità giuridica (Itália), por meio da qual o Juiz ou Tribunal lift the veil (levantamento do véu) ou crack open the corporate shell (quebra a concha da corporação), a desconsideração vinha sendo adotada com base na doutrina até que o Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 28, introduziu-a no Direito positivo brasileiro. A Lei Antitruste também a alberga expressamente (Lei 8.884/94, art. 18), bem como a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98, art. 4º). Por fim, o Código Civil de 2002 a contemplou em seu art. 50. Segundo a doutrina, endossada pelo STJ (Resp 279273)10 no julgamento da ação relativa à explosão do shopping de Osasco na véspera do dia dos namorados em 1996, deixando 30 mortos e 300 feridos, o Código do Consumidor adota a teoria menor da desconsideração, pela qual basta a pessoa jurídica não possuir bens suficientes para aplicar o instituto e, assim alcançar os bens dos administradores e sócios, independentemente de culpa ou conduta pessoal destes. O mesmo raciocínio se impõe na Lei Antitruste, para as infrações à ordem econômica, e na Lei de Crimes Ambientais, acompanhado pelo Direito do Trabalho. Enquanto a desconsideração das pessoas jurídicas coligadas integrantes de um grupo de sociedades dependerá de apuração de culpa delas no caso (§ 4º do art. 28 do CDC), a das controladas não dependerão de demonstração de culpabilidade (§ 2º do art. 28 do CDC). Consulte-se a definição de coligadas e controladas no Cód. Civil (arts. 1.097 e 1.098), o que antes constava apenas da Lei das S/A.

10 Transcrição da ementa da decisão:“-A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). - A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. - Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica,mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. - A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”

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O Cód. Civil seguiu a linha da teoria maior da desconsideração, tendo como pressuposto a insuficiência de bens da pessoa jurídica mais o desvio de finalidade (pressuposto subjetivo) ou o estado de confusão patrimonial (mistura) entre os bens dos sócios e da sociedade (pressuposto objetivo), atingindo apenas os sócios e administradores cuja conduta esteja ligada ao fato que ensejar a desconsideração. Não é caso de desconsideração da personalidade, apesar de identificado comumente como tal, as situações em que a lei atribui responsabilidade direta aos sócios e administradores por atos irregulares de gestão, infringentes à lei ou ao estatuto ou contrato social, como acontece com o art. 135, inc. II, do Cód. Trib. Nacional. Aliás, decidiu o STJ (Resp 601.851)11 que nem mesmo a falência, por si só, ausentes outros pressupostos, é capaz de acarretar responsabilidade aos sócios por débitos tributários da sociedade. dissolvida Por esta ordem de idéias, andou bem o Enunciado 229 da III Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, , interpretando que “a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta”. Existem inúmeros problemas de natureza processual, cuja discussão foge ao direcionamento central desta aula.

DESAFIO (Ministério Público PR-2004) Assinale a alternativa correta. I - A desconsideração da personalidade jurídica pode ser determinada, nos casos previstos em lei, até a plena satisfação do direito do consumidor. II – Poderá ser desconsiderada a pesonalidade jurídica se houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei ou violação dos estatutos ou contrato social.

11 Transcrição da ementa: EXECUÇÃO FISCAL - SÓCIO-GERENTE - RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA – FALÊNCIA. A falência não configura modo irregular de dissolução da sociedade, pois além de estar prevista legalmente, consiste numa faculdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar os compromissos assumidos. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Com a quebra, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o redirecionamento da execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato de excesso de poderes ou de infração de lei, contrato social ou estatutos.

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III . Além do Código de Defesa do Consumidor, prevêem a desconsideração da personalidade jurídica o Código Civil, a Lei Antitruste e a Lei de Crimes Ambientais. a) Somente as assertivas I e II estão corretas. b) Somente as assertivas I e III estão corretas. c) Somente as assertivas II e III estão corretas. d) Todas as assertivas estão corretas. e) Nenhuma das assertivas está correta. A resposta correta é a letra “d”. Vide: art. 28 do CDC; art. 50 do Cód. Civil, art. 18 da Lei 8.884/94, e art. 4º da Lei 9.605/98

III. Espécies de Sociedades Sociedade em comum Previu o Código Civil, no Subtítulo I, do Título II, destinado a regular as sociedades sem personalidade jurídica, a sociedade em comum e a sociedade em conta de participação. A sociedade em comum substitui a antes denominada sociedade de fato ou irregular, que, apesar de não mencionada expressamente no revogado Código Comercial, era definida como aquela que não tivesse contrato escrito ou não tivesse seu contrato arquivado no Registro Público de Empresas Mercantis.12 A sociedade em comum somente pode ser provada por escrito nas relações dos sócios entre si ou contra terceiros, mas pode ter sua existência provada por qualquer meio nas demandas movidas por terceiros em face da sociedade (art. 987 do Cód. Civil). Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, sendo, ainda, excluído do benefício de ordem aquele que tiver assinado pela sociedade (art. 990 do Cód. Civil).

Sociedade em Conta de Participação

12 Para parte da doutrina, a sociedade de fato se distinguiria da irregular, sendo a primeira a que sequer possuísse contrato escrito e a segunda a que, apesar de possuí-lo, não o tivesse levado a arquivamento no Registro Público de Empresas Mercantis.

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Tem-se uma sociedade em conta de participação quando duas ou mais pessoas, sendo uma delas exercente de atividade econômica, resolvem desenvolver um empreendimento conjunto, sem constituir pessoa jurídica, estabelecendo que os negócios sociais serão realizados apenas em nome do sócio empresário (sócio ostensivo ou operador). Os demais sócios são chamados ocultos (ou participantes) porque não figuram em face de terceiros. Mesmo que tenha o seu contrato levado a registro, dispõe o art. 993 do Cód. Civil que ela não consistirá pessoa jurídica. A sociedade em conta de participação ganhou um atrativo interessante, porque a legislação (artigo 7º do Decreto-Lei 2.303 de 21/11/1986) a equiparou, em seu tratamento tributário, e apenas para esse fim, às pessoas jurídicas, inclusive para efeito de isenção de IR para o pagamentos feitos ao sócio oculto do mesmo modo que os dividendos dos sócios e acionistas de sociedades personificadas. Não será uma sociedade em irregular, oculta ou clandestina, porque é admitida expressamente por lei. Para evitar que seja considerada irregular, permite-se, embora sem caráter obrigatório, o registro de seu contrato no Registro de Empresas. Segundo Rubens Requião, este tipo de sociedade existe na subscrição de cotas de fundo de investimento (fundo de ações, de commodities, de aplicação financeira etc) administrados por bancos. Estes funcionam como sócios ostensivos, operando no mercado através da negociação de papéis em nome próprio e aparecendo frente a terceiros, ao passo que o cliente é o sócio oculto, que entregou recursos ao banqueiro em busca da rentabilidade de seu capital. Como não possuem personalidade jurídica, as sociedades em conta de participação correspondem mais a um contrato de uso interno entre os sócios. Não aparecem perante terceiros, não têm capital (possuem fundo social comum submetido à gestão do sócio ostensivo – art. 994 do Cód. Civil), nome empresarial (art. 1.162 do Cód. Civil), sede ou estabelecimento, embora o contrato possa destinar um local específico para as atividades. A administração da sociedade é exercida pelo sócio ostensivo, que se obriga perante os credores, ficando com o direito de regresso junto ao sócio oculto, de acordo com as obrigações previstas no contrato (art. 991 do Cód. Civil). Para aprofundar o tema, recomendamos a leitura do excelente artigo publicado em http://conjur.estadao.com.br/static/text/1881,1.

DESAFIO (Exame de Ordem SP-2003)

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É sociedade não personificada a: a) Cooperativa. b) Sociedade em nome coletivo. c) Sociedade em conta de participação. d) Sociedade em comandita por ações. A resposta correta é a letra “d”, conforme o art. 993 do Cód. Civil. Todas as demais sociedades estão disciplinadas no Subtítulo II, que começa a partir do art. 997, que trata das sociedades personificadas.

Sociedade Simples Trata-se do primeiro tipo de sociedade personificada do Cód. Civil com a função se servir de estrutura societária para os pequenos empreendimentos sem caráter organizativo (não empresarial) e para aqueles de cunho exclusivamente intelectual, além de representar uma verdadeira parte geral de todo o direito societário, de aplicação supletiva (melhor seria dizer de aplicação subsidiária) para suprir as lacunas e integrar todos os tipos de sociedades. Na exposição de motivos ao Código Civil de 2002, o Supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora, professor Miguel Reale, observa que a sociedade simples tem por finalidade a realização de um largo espectro de operações econômicas de natureza não empresarial e constitui um aparato jurídico com disposições de valor supletivo na regulamentação dos diferentes tipos societários. Para ele, são civis tanto as sociedades como a associações, distinguindo-se as sociedades em simples e empresárias de acordo com o objetivo econômico e ao modo de seu exercício. Os requisitos do contrato social vêm estampados no art. 997 do Cód. Civil: qualificação dos sócios; denominação, objeto, sede e duração da sociedade; capital social e sua formação em dinheiro ou em bens; quotas dos sócios; as contribuições dos sócios de serviços; a administração da sociedade; participação dos sócios nos lucros e perdas; definição se os sócios respondem ou não pelas obrigações sociais. Na cessão de quotas (que sempre dependerá do consentimento dos demais sócios – art. 1.003, caput do Cód. Civil), falecimento, retirada ou exclusão do sócio, subsistirá a por 2 anos a responsabilidade pelas obrigações que eventualmente possuía (§ único do art. 1003 e art. 1.032 do Cód. Civil). Se a integralização do capital for em bens, o sócio a houver realizado responderá pela evicção de direitos (perda do bem em virtude de sentença judicial que determina que o alienante não tinha qualidade para transferi-lo)

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e pela solvência (pagamento) do devedor, caso tenha utilizado créditos cobráveis de terceiros (art. 1.008 do Cód. Civil). A administração social competirá aos sócios pessoas naturais (art. 997, inc. VI) ou a não sócios (§ único do art. 1.019 do Cód. Civil), por nomeação no contrato social ou em ato separado (art. 1.012 do Cód. Civil). Nada dispondo o contrato social, a administração será exercida separadamente por cada um dos sócios (art. 1.013 do Cód. Civil). Não poderão ser administradores as pessoas impedidas por lei especial e que não estejam enquadradas nas situações previstas no § 1º do art. 1.011 do Cód. Civil. É vedado ao administrador fazer-se substituir o exercício de seus funções (são personalíssimas), sendo-lhe permitido constituir procuradores da sociedade, que atuarão em nome da pessoa jurídica, e não como representante do administrador (art. 1.018 do Cód. Civil). O administrador responderá solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados por culpa no desempenho de suas funções (art. 1.016 do Cód. Civil). São irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração por cláusula contratual, salvo justa causa reconhecida judicialmente a pedido de qualquer dos sócios. Na nomeação por ato em separado ou de quem não seja sócio, os poderes são revogáveis a todo tempo (art. 1.019 do Cód. Civil). Os deveres dos sócios se iniciam imediatamente com o contrato social, se este não fixar outra época, e terminam quando a sociedade for liquidada e estiverem extintas as suas obrigações (art. 1.001 do Cód. Civil). A mora do sócio com relação às suas obrigações para com a sociedade dependerá de notificação (mora ex-persona) com prazo de 30 dias, sob pena de responder pelos danos daí decorrentes. Verificada a mora na integralização do capital, a maioria dos sócios poderá optar pela indenização, pela redução do capital ao montante já parcialmente integralizado ou pela exclusão do sócio remisso (§ único do art. 1.004 do Cód. Civil). Os sócios ainda têm o dever se lealdade e cooperação com a sociedade, sob pena de ser excluído (arts. 1.010, § 3º, e 1.030 do Cód. Civil), e de participar das perdas sociais (arts. 981 e 1.007 do Cód. Civil). Os direitos dos sócios apresentam-se de duas ordens: patrimoniais e pessoais. Os primeiros são os de crédito eventual contra a sociedade, consistente na participação dos lucros e de concorrer ao acervo líquido no caso de encerramento da entidade (arts. 981, 1007 e 1.108 do Cód. Civil). Os pessoais são os de fiscalização dos atos e operações sociais, que, no silêncio do contrato social, comportará seu exercício a qualquer tempo (art. 1.021 do Cód. Civil) e de tomar parte nas deliberações sociais. Esse direito revela-se personalíssimo na sociedade, uma vez que o sócio não pode ser substituído em suas atividades sem modificação no contrato social (art. 1.002 do Cód. Civil), ao contrário da sociedade limitada, onde norma expressa permite o sócio ser substituído por outro ou por advogado (art.

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1.074, § 1º, do Cód. Civil). As deliberações não obedecem a formalidades específicas de convocação, instalação e documentação dos trabalhos, mas serão aprovadas pela maioria absoluta (mais da metade) dos sócios pelo critério do valor das quotas (art. 1.010 e § 1º do Cód. Civil), prevalecendo a decisão tomada pelo maior número de sócios (por cabeça) em caso de empate pelo valor das quotas. Convém não perder e vista que o Código exige a unanimidade (art. 999) para as deliberações que impliquem modificação do contrato social quanto às matérias previstas no art. 997. As causas de resolução da sociedade em relação a um sócio abrangem a resilição unilateral (direito de recesso ou de saída voluntária do sócio – art. 1.029 do Cód. Civil), e a resolução propriamente dita pela exclusão, que inclui o descumprimento de deveres para com a sociedade (art. 1.004, § único, e art. 1.030, primeira parte, do Cód. Civil) e a impossibilidade superveniente de prosseguir a sociedade com determinado sócio, o que poderá ocorrer em caso morte (art. 1.028), de incapacidade superveniente ou falência pessoal (art. 1.030, parte final, do Cód. Civil), em função do caráter personalista da sociedade simples (sociedade de pessoas). A exclusão do sócio está expressamente prevista. Terá lugar a) de pleno direito (ou automaticamente) em caso de falência dele ou de liquidação de sua quota a pedido do respectivo credor particular que tiver penhorado as unidades do capital para o pagamento das dívidas do sócio (§ único do art. 1.030 e art. 1.026 do Cód. Civil) e b) a pedido da sociedade na ocorrência de falta grave no cumprimento dos deveres, incapacidade superveniente ou falta de integralização das quotas (art. 1.030, caput, e art. 1.004, § único). Sempre que se verificar, por qualquer das circunstâncias admitidas, a resolução da sociedade em relação ao sócio, o valor de suas quotas será liquidado e pago a ele pela sociedade. Trata-se de apurar os haveres do sócio, para o que se levará em conta, salvo disposição contratual diversa (art. 1.031 do Cód. Civil) i) a situação patrimonial da sociedade em balanço especialmente feito; ii) o capital especificamente realizado pelo sócio; iii) pagamento em dinheiro no prazo de 90 dias a partir da apuração; iv) redução do capital social, se os demais sócios não suprirem o valor das quotas para manterem a integridade do capital; e v) permanência da responsabilidade pelo prazo de 2 anos com relação às obrigações sociais anteriores à resolução (art. 1.032 do Cód. Civil). É importante lembrar que diversas soluções legislativas previstas para as sociedade do tipo simples serão aplicáveis às demais espécies ou tipos societários, inclusive às sociedades limitadas, diante do caráter subsidiário de suas regras, formando como que um leito comum por onde correm todas as sociedades. No dizer do redator da parte relativa ao Direito de Empresa do Código Civil, professor Sylvio Marcondes, na exposição de motivos

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complementar ao respectivo Anteprojeto, a sociedade simples constitui um compartimento comum de portas abertas para receber e dar resposta às inúmeras questões afetas a todas as sociedades.

DESAFIO (ESAF-2003) Ao instituir a sociedade simples, o Novo Código Civil a) adotou uma forma societária de estrutura menos complexa, própria para a microempresa. b) determinou que ela não pode de filiais ou agências. c) estabeleceu que o excesso de poderes dos administradores pode ser oposto contra terceiros, provando-se que a limitação era conhecida deste. d) permitiu que os poderes conferidos aos administradores pelo contrato social poderão ser alterados por vontade de dois terços dos sócios. e) impediu que os bens particulares dos sócios possam ser executados por dívidas sociais, exceto os créditos trabalhistas e fiscais. Resposta correta: letra “c”, conforme o art. 1.015 do Cód. Civil. Lembre-se de que essa prova só admite uma única altrnativa certa. A letra “a” reduz a sociedade simples às microempresas, limitando excessivamente a abrangência. A letra “b” contraria o art. 1.000 do Cód. Civil. A letra “d” é o oposto ao art. 1.018 do Cód. Civil. Finalmente, a letra “e” contraria os arts. 1.023 e 1.024 do Cód. Civil.

Sociedade em Nome Coletivo As sociedades em nome coletivo possuem as seguintes características: a) Somente dela podem participar pessoas naturais (art. 1.039 do Cód. Civil). b) Responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios, mas sempre subsidiária em relação à sociedade, frente a terceiros. Podem os sócios nas relações internas limitar entre si a responsabilidade, sem que a estipulação tenha eficácia perante terceiros (§ único do art. 1.039 do Cód. Civil). c) A administração é exercida apenas por quem seja sócio (art. 1.042 do Cód. Civil). d) Adota obrigatoriamente razão ou firma social (art. 1.157 do Cód. Civil). e) Os credores sofrem restrições à penhora da quota do sócio por dívida particular deste, o que tem cabimento apenas quando a sociedade está dissolvida ou quando, previsto o prazo determinado de sua duração, os

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sócios a prorrogarem tácita ou expressamente, esta sujeita à impugnação judicial com prazo decadencial de 90 dias para o seu exercício (art. 1.043 do Cód. Civil). Muitos viram nessa particularidade uma oportunidade para se constituir essa sociedade com a finalidade de blindagem patrimonial. Sociedade em Comandita Simples São atribuídas às sociedades em comandita simples as seguintes características: a) Duas categorias de sócios. Um ilimitadamente responsável, o comanditado, e o outro com responsabilidade contida, delimitada, pelo valor de suas quotas, o comanditário (art. 1.045 do Cód. Civil). Mostra-se tão relevante a presença obrigatória de ambas as qualidades de sócios que o a ausência superveniente de um deles, pelo prazo de 180 dias, acarreta um especial caso de dissolução dessa sociedade (art. 1.051, inc. II, do Cód. Civil). b) Será adotado obrigatoriamente razão ou firma social com a utilização exclusivo do nome do ou dos sócios comanditados, funcionando a sociedade entre eles como sociedade em nome coletivo (arts. 1.157 e § único do 1.046 do Cód. Civil). c) A administração da sociedade competirá apenas ao sócio ou sócios comanditados (art. 1.047), sobe pena de responsabilidade ilimitada do sócio comanditário, podendo o este ser procurador da sociedade para negócio determinado e com poderes especiais. No fundo, a lei quer que as duas categorias de sócios sejam realmente separadas e com funções e responsabilidades distintas. d) Não é inteiramente personalíssima a sociedade em relação ao sócio comanditário, tanto que a sociedade prossegue normalmente com os herdeiros, salvo disposição contratual diversa (art. 1.050 do Cód. Civil). Sociedade Limitada

Noções gerais. Surgiram na Alemanha, no final do século XIX, e representam o mais novo tipo societário nas diversas legislações. Cada sócio contribui para o capital social, ficando responsável pela integralização de suas próprias cotas subscritas (tomadas da sociedade) ou adquiridas (compradas de outros sócios) e ainda solidariamente pelas dos demais sócios ainda não integralizadas, até todo o capital esteja integralizado (art. 1.052 do Cód. Civil).

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Por isso que se diz que a responsabilidade dos sócios, a princípio restrita às próprias cotas, limita-se à importância total do capital social. Fora daí o sócio tem apenas o dever de integralizar as próprias cotas, cujo valor perderá em caso de insucesso da sociedade. Diverge-se apenas se esta responsabilidade solidária pelo capital não integralizado se verifica apenas em relação a terceiros, credores da sociedade e no caso de ausência de bens desta, ou se ocorrer também diante da própria sociedade, que poderia cobrar as quotas não integralizadas de qualquer sócio, solidariamente. Pessoalmente, pensamos que a solidariedade se efetiva tanto em relação a terceiros quanto em relação à sociedade, uma vez que não há norma estabelecendo qualquer distinção. Essa responsabilidade solidária perdura pelo prazo de 5 anos em caso de os sócios haverem utilizado bens de valor irreal para a integralização das quotas (art. 1.055, § 1º, do Cód. Civil). Pelos atos normais da sociedade, seus credores nada poderão exigir dos sócios. Apenas se estes agirem com violação do contrato social ou da lei, ou, ainda, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica. Quota social versus ação. As quotas diferem das ações das sociedades anônimas. A um, por não terem, necessariamente, valor uniforme, embora, na prática, seja comum atribuir-lhe (uma cota = a R$ 1,00), ao contrário da ação, cujo valor será sempre igual para todas. A dois, porque corresponde à fração ideal do capital social e não fração certa e determinada, como ocorre na ação. Por fim, a cota não se incorpora em um documento ou cártula, reversamente da ação, que, possuindo um certificado, salvo as ações escriturais, permite circular como título de crédito. Legislação aplicável. O estatuto de regência é o Código Civil de 2002, em seu capítulo IV, do Subtítulo I, do Título II, do Livro II, que regula o Direito de Empresa. Nas omissões dese Capítulo IV, a sociedade limitada reger-se-á pelas normas da sociedade simples, elencadas no Capítulo I, do Subtítulo I, do Título II, do Livro II (art. 1.053, caput, do Cód. Civil). Os sócios, entretanto, poderão estabelecer, em seu contrato social, que a sociedade limitada será regida, supletivamente, pelas normas das sociedades anônimas, cuja lei de regência é a de nº 6.404/76 (art. 1.053, parágrafo único, do Cód. Civil). Este dispositivo, todavia, vem gerando grande divergência doutrinária desde a sua promulgação. Parte dos doutrinadores defendem que o Capítulo das sociedades simples deve ser, sempre, o primeiro recurso em caso de omissão no regulamento das sociedades limitadas, mesmo que o contrato estabeleça a aplicação supletiva das normas da sociedade anônima, que, assim, somente terão

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aplicação caso a omissão legal não seja sanada pelo regulamento das sociedades simples. Para estes estudiosos, em caso de omissão legal no Capítulo das sociedades limitadas, o intérprete deve recorrer, em primeiro lugar, ao Capítulo das sociedades simples e, somente, após, caso persista a omissão, à Lei nº 6.404/76, independentemente da existência de cláusula contratual que estabeleça a aplicação supletiva das normas da sociedade anônima. Outra parte da doutrina, a seu turno, vem entendendo que a previsão contratual de aplicação supletiva das normas da sociedade anônima eleva a Lei nº 6.404/76 à condição de primeiro recurso na hipótese de omissão do Capítulo das sociedades limitadas. As normas da sociedade simples, assim, teriam aplicação apenas residual, caso a omissão legal não fosse suprida pela Lei nº 6.404/76. Para estes, portanto, em caso de omissão no Capítulo das sociedades limitadas e, caso o contrato social estabeleça a aplicação supletiva das normas das sociedades anônimas, o intérprete deve recorrer, em primeiro lugar, à Lei nº 6.404/76, e, somente após, caso não suprida a omissão, ao Capítulo das sociedades simples. Adotamos a primeira corrente, uma vez que, na sistemática do Cód. Civil, as sociedades simples são aqueles compartimentos comuns a todas as sociedades neles reguladas, as quais são contratuais e estão muito mais próximas à essa verdadeira parte geral do direito societário que as simples representam do que às normas das sociedade por ações. Vale lembrar que o parágrafo único do art. 1053 do Cód. Civil, tanto debatido, não constava do projeto do Cód. Civil e sua inclusão deturpa todo o raciocínio de aplicar as regras da sociedade simples nas omissões dos diferentes tipos societários codificados. Aumento e redução de capital. O capital social somente aumentado após ser totalmente integralizado (art. 1.081 do Cód. Civil). Haverá direito de preferência, até 30 dias após a deliberação, na subscrição de quotas decorrentes do aumento de capital (§ 1º) do mesmo art.), podendo ser transferido esse direito de acordo com as regras sobre a cessão de quotas do art. 1.057 (§ 2º, idem). Por seu turno, a redução do capital rege-se pelos arts. 1.082 a 1.084 do Cód. Civil. Nesses dispositivos, fica evidenciada a preocupação com a defesa dos interesses de terceiros que poderiam ser prejudicados com a redução do capital social, principalmente com a retirada da sociedade de bens e capital em espécie, com propósitos fraudulentos, de modo a torná-la insolvente. A redução tem cabimento quando houver perdas irreparáveis ou quando o capital mostrar-se excessivo em relação ao objeto da sociedade (art. 1.082.

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incisos l e II, respectivamente). Assim, deverão os sócios justificar a ocorrência de um dos dois casos permitidos. O Co. Civil restringe a liberdade na redução do capital social, criando normas rígidas para a redução fundamentada no inciso II do art. 1.082 (excesso de capital). Neste caso, o registro da alteração contratual somente será permitido após o transcurso do prazo de 90 dias, contados da inserção, na Imprensa Oficial do Estado e em jornal de grande circulação da sede da sociedade limitada (art. 1.152, § 1°, do Cód. Civil), da ata da reunião ou da assembléia que tiver deliberado pela redução, e se não houver oposição de nenhum credor quirografário anterior à publicação (art. 1.084 e parágrafosdo Cód. Civil).

Sócio remisso. Na hipótese de sócio remisso (em mora com o cumprimento da obrigação de integralizar o capital), a sociedade deverá constituí-lo em mora (mora ex-persona) para que integralize sua quota no prazo de até 30 dias, sob pena de os demais sócios poderem tomá-la para si ou a transferi-la para terceiros, excluindo o primitivo titular e lhe devolvendo o que houver pago, deduzindo os juros, despesas e demais prestações do contato. Alternativamente, permite-se à maioria dos sócios decidir pela cobrança forçada da integralização, acrescida de danos decorrentes da mora, ou pela exclusão do sócio remisso ou, ainda, pela redução de sua participação ao montante até aquele momento realizado, como resulta da conjugação dos arts. 1.058 e 1.004 do Cód. Civil. A ausência de suprimento pelos sócios do valor da quota do sócio remisso constituirá uma hipótese especial de redução do capital (art. 1.031, § 1°, do Cód. Civil). Administração.O exercício da administração caberá a sócios ou não sócios, designados no contrato social ou em ato separado, tudo conforme previsto no próprio contrato social (art. 1.060 do Cód. Civil). Acesos debates vêm sendo travados sobre a possibilidade de o administrador ser uma pessoa jurídica. No regime do revogado Decreto nº 3.708/19, a pessoa jurídica não somente podia ser administradora, como tinha de sê-lo caso a sociedade limitada fosse composta somente por pessoas jurídicas, tendo em vista que somente os próprios sócios podiam ser designados administradores A matéria não é clara, entretanto, no Código Civil de 2002. Parte dos estudiosos vem entendendo que somente pessoas físicas poderão ocupar cargos de administração nas sociedades limitadas pois a) o art. 1.054 manda aplicar as indicações do art. 997 ao contrato social das sociedades limitadas e o citado art. 997, em seu inciso VI, limita o exercício da administração às pessoas naturais, e

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b) o art. 1.062, §1º, ao dispor sobre a averbação do ato de nomeação dos administradores, determina que, dentre as demais informações, deve constar o seu estado civil e residência, atributos que somente a pessoa física pode ostentar. Outra parte da doutrina defende a tese de que os administradores das sociedades limitadas podem ser pessoas jurídicas, pois a) o art. 1.054 manda aplicar, somente no que couber, a norma do art. 997, não devendo ser aplicada, assim, a regra do inciso VI, que limita às pessoas físicas o exercício da administração, b) o art. 1.062, §2º, se limita a exigir a qualificação do administrador na ata de sua nomeação, sendo apenas exemplificativa a referência ao estado civil e à residência. c) a lei de falências permite que o administrador judicial seja pessoa jurídica (art. 21 da Lei nº 11.101/05). d) Impor essa vedação à pessoa jurídica significa uma capitis diminutio, uma restrição à sua capacidade e atuação, cujas regras gerais de hermenêutica na matéria indicam que qualquer limitação necessita de norma expressa, e não de interpretação extensiva. O Departamento Nacional de Registro de Comércio – DNRC, em seu Manual de Atos de Registro de Sociedade Limitada, acabou por firmar o entendimento de que a pessoa jurídica não pode ser administradora de sociedades limitadas, assim como o Enunciado 66 da I Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Essa é a posição que tem prevalecido, embora a nossa seja contrária. Cessação do cargo de administrador. O exercício do cargo de administrador de termina com o transcurso do prazo de nomeação, pela renúncia, que terá que ser publicada, e pela destituição. No caso de administrador sócio, nomeado no contrato social, sua destituição dependerá da aprovação de sócios que representem, no mínimo, 2/3 do capital social, se o contrato não estipular regra diversa (art. 1.063, § 1º, do Cód. Civil). Nomeado o administrador em ato separado, sua destituição poderá ser realizada pela deliberação de sócios que representam mais da metade do capital (art. 1.076, II, do Cód. Civil). Apesar de aparentemente antagônicas, a interpretação destas normas revela que, na realidade, o que pretendeu o legislador foi privilegiar o contrato social, cuja necessária alteração, em caso de destituição de administrador nele nomeado, exigirá quorum de deliberação maior do que o exigido para os casos de administrador nomeado em ato separado.

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Delegação de gerência. Na vigência do Decreto nº 3.708/19, era lícito aos administradores delegar a terceiros, inclusive estranhos ao quadro social, o exercício dos poderes de administração. Tratava-se de ato exclusivo do administrador, não correspondendo à figura do mandato, sendo transferência de atribuições, por inexistir a idéia de representação (o delegado não era um representante do administrador, mas por ele era investido nos poderes de administração da sociedade). A delegação da gerência, entretanto, não é mais permitida após o advento do Código Civil de 2002, tendo em vista o silêncio sobre a matéria no Capítulo das sociedades limitadas e o disposto em seu art. 1.018, segundo o qual ao administrador é vedado fazer substituir-se no exercício de suas funções.

Responsabilidade do administrador e dos sócios por atos irregulares de gestão. Não possuem responsabilidade pessoal os administradores ou aqueles que derem nome à firma pelas obrigações sociais, mas respondem ilimitada e solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções (art. 1.016, do Cód. Civil). Interpretou o Enunciado 220 da III Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários da Justiça Federal que “É obrigatória a aplicação do art. 1.016 do Código Civil de 2002, que regula a responsabilidade dos administradores, a todas as sociedades limitadas, mesmo àquelas cujo contrato social preveja a aplicação supletiva das normas das sociedades anônimas”.

Os sócios responderão ilimitadamente pelas obrigações sociais, sempre que agirem com violação da lei ou do contrato social. A responsabilidade é pessoal e só atinge o sócio ou sócios que tiverem votado favoravelmente à deliberação que infrinja a lei ou o contrato (art. 1.080 do Cód. Civil).

Assembléia ou reunião de sócios. As deliberações sociais serão, conforme o caso, tomadas em sede de assembléia ou de reunião de sócios. A assembléia de sócios é disciplinada por normas, em sua maioria cogentes, e é a forma de deliberação obrigatoriamente adotada nas sociedades que contêm com mais de 10 sócios (art. 1.072, §1º, do Cód. Civil). A reunião de sócios, por sua vez, poderá ser adotada nas sociedades que tenham menos de 10 sócios, e seu regime será definido pelo contrato social, devendo, somente nos casos omissos, ser aplicadas as normas referentes à assembléia. Ressalte-se que esta mesma regra, em claro e indesculpável erro do legislador, foi estabelecida em dois diferentes dispositivos do Código Civil (arts. 1.072, §6º, e 1.079).

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A convocação da assembléia caberá aos administradores (art. 1.072 do Cód. Civil), a qualquer sócio, quando os administradores deixarem de a convocar por mais de 60 dias contados de data de convocação obrigatória prevista no Código ou no contrato social (art. 1.073, I, do Cód. Civil); a sócios titulares de mais de 1/5 do capital social, quando não atendido, no prazo de 8 dias, pedido de convocação fundamentado, dirigido à administração da sociedade, contendo as matérias a serem tratadas (art. 1.073, I, do Cód. Civil); e ao conselho fiscal, se houver, caso os administradores deixem de convocá-la por mais de 30 dias contados da data em que deveria haver a assembléia anual (art. 1.073, II, c/c 1.069, V, e 1.078, do Cód. Civil). A assembléia ou reunião deve ser realizada, ao menos, uma vez por ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, devendo deliberar sobre as contas dos administradores e demonstrações financeiras da sociedade e eleger administradores, quando for o caso, além de decidir sobre quaisquer outras questões constantes da ordem do dia (art. 1.078 do Cód. Civil). Poderá ser dispensada, por outro lado, sempre que todos os sócios se manifestem, por escrito, decidindo as matérias que seriam submetidas ao colegiado (art. 1.072, § 3º, do Cód. Civil). As deliberações da assembléia que determinem a modificação do contrato social ou a incorporação, fusão e dissolução da sociedade ou, ainda, a cessação do estado de liquidação, somente poderão ser tomadas por sócios que representem, no mínimo, 3/4 do capital social (art. 1.076, I, c/c 1.071, V e VI, do Cód. Civil). As deliberações que determinem a designação ou a destituição de administradores, quando constantes de ato separado do contrato social, o modo de sua remuneração, também nas hipóteses em que não constitua cláusula do contrato social, o pedido de recuperação, ou a exclusão de sócio minoritário por atos de inegável gravidade, quando autorizada expressamente no contrato, deverão ser tomadas por sócios que representem mais da metade do capital social (art. 1.076, II, do Cód. Civil). Se o contrato social admitir a designação de administradores que não sejam sócios, sua eleição dependerá do voto afirmativo da totalidade dos sócios, enquanto o capital social não estiver integralizado, e de sócios que representem, no mínimo, 2/3 do capital social, após a integralização (art. 1061 do Cód. Civil).

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A destituição de administrador nomeado no contrato social, por sua vez, salvo disposição contratual em contrário, dependerá do voto coeso de sócios que detenham 2/3 do capital (art. 1.063, §1º do Cód. Civil). Todas as demais matérias poderão ser decididas por sócios que representem a maioria simples do capital social, ou seja, pela maioria dos sócios presentes à assembléia ou reunião, mesmo que esta maioria não atinja mais de 50% do capital social total, se o contrato não exigir quorum qualificado (art. 1.076, III, do Cód. Civil). Os votos são contados de acordo com o critério do art. 1.010 do Cód. Civil, atrás examinado. Direito de recesso. O sócio que divergir das deliberações que importarem em alteração do contrato social, fusão da sociedade, ou incorporação de outra, ou dela por outra, poderá desligar-se da sociedade, exercendo seu direito de recesso ou retirada. Fará jus a receber o reembolso de sua participação no capital social, calculado de acordo com a situação patrimonial da sociedade, salvo disposição contratual diversa (arts. 1.077 e 1.031 do Cód. Civil).

Exclusão de sócio. Se discutia, no regime ainda vigente do Cód. Comercial e antes da Lei nº 8.834/94, se a exclusão de sócio era possível. Primeiramente se entendeu que o contrato social devia prever as causas de exclusão. Contudo, exigir que todas as hipóteses de exclusão estivessem descritas no contrato poderia acarretar sérios problemas para a sociedade em casos em que a conduta danosa do sócio não estivesse exatamente tipificada no contrato. Então, a doutrina passou a se posicionar no sentido que o contrato não precisa prever todas as cláusulas de exclusão.

A tese favorável à possibilidade da exclusão de sócio ganhou força com o entendimento de que a preservação da empresa constitui princípio prevalente sobre o que vedava a despedida do sócio. Discutia-se, ainda, se a exclusão poderia ser deliberada pela maioria dos sócios, extrajudicialmente, ou se dependeria de uma ação judicial. O art. 35 da Lei nº 8.934/94, entretanto, pôs fim à controvérsia ao permitir que simples alteração contratual, deliberada pela maioria do capital, fosse suficiente à exclusão do sócio faltoso. O sócio despedido que não se conformasse com a decisão da maioria podia ir a juízo e alegar sua despedida foi indevida, que os fundamentos que sócios alegaram não eram verdadeiros, ou, ainda que verdadeiros, não eram capazes de afetar a affectio societatis. Pelo novo Código Civil, a exclusão extrajudicial é possível desde que o contrato social contenha cláusula que a autorize e ao sócio seja dada oportunidade para defesa (art. 1.085). Se não houver no contrato essa previsão, não fica impossibilitada a exclusão, mas

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somente poderá ocorrer através da competente ação judicial (art. 1.030 do Cód. Civil).

A exclusão de um dos sócios de uma sociedade formada por, apenas, dois, acarretará a necessidade de recomposição da pluralidade no prazo de 180 dias, estabelecido pelo art. 1.033, IV, do Cód. Civil.

Aquisição de quotas pela sociedade. O revogado Decreto nº 3708/19 permitia que a sociedade adquirisse suas próprias quotas, desde que o fizesse com fundos disponíveis (lucros não distribuídos aos sócios, reservas acumuladas, exceto a legal, etc) e sem prejuízo do capital social. O Código Civil de 2002 nada previu a respeito, mas o DNRC, em seu Manual de Atos de Registro de Sociedade Limitada, entendeu que esta operação não é mais possível.

DESAFIO (ESAF-2003) No novo modelo da sociedade limitada a) continua sendo exigido que os administradores sejam necessariamente sócios. b) todas as deliberações que envolveram compra, alienação ou oneração dos bens do ativo permanente dependerão de prévia autorização por assembléia geral de sócios. c) qualquer sócio poderá ser excluído da sociedade, por voto da maioria dos demais, quando sua atuação estiver pondo em risco a continuidade da empresa. d) o contrato social poderá prever a regência supletiva da lei das sociedades por ações. Não o fazendo, aplicar-se-ão sempre as regras da sociedade simples. e) no silencia do contrato social, o sócio poderá ceder sua quota a não-sócios, desde que não haja oposição de mais de um quarto do capital social. Resposta correta: Letra “e”, nos termos do art. 1.057 do Cód. Civil. Lembre-se que essa prova somente admitia uma única alternativa certa. A alternativa “a” está incorreta, porque o art. 1.061 permite administrador sócio e não-sócio. A alternativa “b”, embora aplicável às limitadas, encontra-se no capítulo das sociedades do tipo simples (art. 1.015 do Cód. Civil). A alternativa “c” está incorreta, uma vez que o art. 1.085 do Cód. Civil exige previsão contratual por justa causa, assembléia ou reunião dos sócios, que deliberarão pela maioria absoluta do capital. A alternativa “d” está incorreta, porque inverte a ordem do caput e do parágrafo único do art. 1.053 do Cód. Civil. Em caráter principal, a sociedade limitada rege-se pelo capítulo que lhe é próprio e subsidiariamente pelas regras da

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sociedade simples e supletivamente, condicionado à previsão contratual, pelas regras da lei das sociedades anônimas.

IV. Dissolução e Liquidação de Sociedades

O processo de encerramento das sociedades passa por três fases distintas, compreendendo a dissolução, a liquidação e a extinção. Por força da teoria da preservação da empresa, deve-se evitar a dissolução total da sociedade quando for possível a sua dissolução parcial, apurando-se os haveres dos sócios que dela se retiram. A dissolução de pleno direito se dá (art. 1.033 do Cód. Civil): a) Pelo vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado. b) Pelo consenso unânime dos sócios. c) Pela deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado. d) Pela falta da pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias. e) Pela extinção, na forma da lei, de sua autorização para funcionar. A seu turno, a dissolução judicial se dá (art. 1.034 do Cód. Civil): a) Por sentença judicial por anulação de seu ato de constituição.

b) Pelo exaurimento ou inexequibilidade de seu fim social.

O contrato social poderá prever outras causas de dissolução da sociedade (art. 1.035 do Cód. Civil). Com a dissolução, ocorre o encerramento da fase ativa da sociedade e passa-se à sua liquidação. Após a dissolução, a sociedade ainda mantém a sua personalidade jurídica (arts. 51, 1.036, 1.109, 1.105, § único, do Cód. Civil; art. 206 da Lei das S/A) sem, contudo, poder realizar novos negócios, mas apenas com a finalidade de ultimar os atos pendentes. Na liquidação ordinária, será nomeado um liquidante (que poderá ser um administrador ou terceiro), que ficará encarregado de receber eventuais

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créditos da sociedade e de pagar todo o seu passivo. Chega-se, enfim, à partilha, onde os bens remanescentes serão entregues aos sócios, após o pagamento de todos os credores. Uma vez aprovadas pelos sócios as contas do liquidante, deverá ser requerido o cancelamento junto ao registro competente. (art. 51, § 3º, do Cód. Civil). A liquidação poderá ainda tomar a forma judicial, como na falência, e extrajudicial, em se tratando de instituição financeira propriamente dita ou equiparada (Lei nº 6.024/74). Muitas vezes as sociedades são extintas sem satisfazer todas as suas dívidas deixando, por exemplo, de pagar um credor trabalhista; comercial ou fiscal. Neste caso e naquele outro em que simplesmente a sociedade encerra as suas atividades e fecha as suas portas sem o cumprimento das formalidades exigidas, entende-se que sua extinção foi irregular, acarretando a responsabilidade pessoa dos sócios pelas dívidas da sociedade. Isto explica e justifica a penhora dos bens dos sócios para a liquidação das obrigações sociais. Bem, vamos nesse momento ficando por aqui. Novamente recomendo estudar todos os pontos e procure ler cada um dos artigos de lei citados. Você já avançou bastante na análise e compreensão do Direito Comercial. Continue firme assim. No nosso próximo encontro continuaremos tratando das sociedades, só que agora com o foco direcionado para as sociedades por ações. Espero por você na próxima aula. Bom proveito e até lá.

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AULA 3 – SOCIEDADES POR AÇÕES

SUMÁRIO I. Características Gerais II. Valores Mobiliários III. Direitos Essenciais dos Acionistas IV. Órgãos Sociais V. Responsabilidade dos Administradores VI. Reestruturação Societária V. Resultados Sociais

Olá ! Espero que você tenha um bom retorno ao nosso curso. Iniciaremos a aula 3, que tem por objeto as Sociedades por Ações. Serão examinados os pontos mais cobrados e que disputam a preferência nas provas e concursos. Embora as sociedades por ações representassem, em 2001, menos de 0,3% do total de registros de sociedades nas Juntas Comerciais, segundo a estatística do Departamento Nacional do Registro do Comércio, elas representam um poderoso aparato jurídico do capitalismo. George Ripert, em sua consagrada obra “Aspectos Jurídicos do Capitalismo Moderno”, com apoio em vários autores, lembra que as sociedades por ações foram a maior descoberta dos tempos modernos, mais valiosa que o vapor e a eletricidade. A grande produção não poderia ser concebida sem as inovações da ciência nem prescindindo dessa criação jurídica. Entre nós, o prof. João Luiz Coelho da Rocha1 diz que a sociedade por ações constitui “a unidade jurídica mais complexa e eficiente de congregação de capitais e esforços para a produção de riquezas”. São típicas dos grandes investimentos e sua atuação acarreta conseqüências para toda a coletividade. Gravitam em torno delas interesses não apenas dos acionistas, mas dos empregados, do fisco, da economia nacional, dos consumidores, da

1 Acordo de Acionistas e Acordo de Cotistas, Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002, p. 17.

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comunidade em que atua, exercendo autêntica função social, como destacado no arts. 116, § único, e 154 da respectiva da lei de regência. O amigo e prof. Theophilo de Azeredo Santos,2 observa que “as sociedades anônimas carreiam constantes alterações na vida social e economia, tornado possível aos pequenos detentores de capitais, a subscrição de ações, assimilando, assim, grandes e pequenas fortunas.” E prossegue: “A responsabilidade limitada às ações tomadas ou adquiridas, a facilidade de aliená-las, sem alteração estatutária ou modificação no funcionamento da empresa dão às companhias atrativos permanentes”.

Chamam-se stakeholders as pessoas ou instituições que são ou podem vir a ser afetadas e que podem afetar as atividades da empresa. As implicações que as sociedades por ações provoca são realmente de largo espectro, enveredando-se pelos campos econômico, político e social. Lembre-se das últimas iniciativas promovidas pelo Governo para que os trabalhadores trocassem 50% do valor do FGTS para a aquisição de ações de companhias estatais.

As sociedades por ações vêm disciplinadas, basicamente, pela Lei nº 6.404/76 e suas alterações, a mais recente introduzida pela Lei nº 10.303/01, que modificou mais de 45 artigos em diversos pontos, para conferir mais proteção aos acionistas minoritários e fortalecer o mercado de capitais, isto é, o mercado de negociação pública de valores mobiliários que visa a atrair recursos para o investimento nas empresas. São de duas espécies as sociedades por ações: as sociedades anônimas e as sociedades em comandita por ações. Afora algumas particularidades, como duas qualidades de acionista (acionista comum e acionista diretor), adoção facultativa de firma ou denominação social, responsabilidade limitada do acionista comum e ilimitada a do diretor, nomeação do diretor no próprio estatuto social e sua destituição apenas pelo voto de 2/3 dos acionistas, as sociedades em comandita por ações regem-se, no mais, pelas regras das sociedades anônimas. A lei das S/A dedica apenas 5 artigos às sociedades em comandita por ações (280 a 284). A seu turno, o Código Civil de 2002 lhe reserva 3 artigos (1.090 a 1.092), mas incorporando praticamente todas as disposições contidas na lei das S/A. Isso levou à edição do Enunciado 74 da I Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, pelo qual estão tacitamente revogadas as disposições da Lei nº 6.404/76 que tratam da sociedade em comandita por ações.

2 Manual de Direito Comercial, 3º ed., Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 263

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Por isso, estudo se concentrará nas sociedades anônimas propriamente ditas.

Então é para começar já. Vamos nessa ?

Características Gerais das Sociedades Anônimas

As S/A têm como principais características: a) Capital dividido em partes iguais, denominadas ações, livremente negociáveis (arts. 1º e 36 da Lei das S/A). b) Responsabilidade do acionista limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas (arts. 1º e 108 da Lei das S/A). c) Podem ser abertas ou fechadas, conforme tenham ou não os valores mobiliários de sua emissão admitidos a negociação no mercado, objetivando a obtenção de recursos junto ao público investidor para aplicação nos empreendimentos produtivos (art. 4º da lei das S/A e art. 19 da Lei nº 6.385/76). d) Capital social formado com contribuições dos acionistas em dinheiro ou bens economicamente avaliáveis passíveis de transmissão (arts. 7º a 10 da Lei das S/A). e) Sociedade de capitais, com o caráter intuito personae, não importando as qualidades pessoais dos acionistas, com o que se assegura a livre negociabilidade ou circulação das ações. f) Natureza empresária, independentemente de seu objeto ou do modo pelo qual organiza sua atividade (art. 982, § único do Cód. Civil). g) Mínimo de 2 acionistas (art. 80, inc. I, da Lei das S/A), salvo subsidiária integral (art. 251 da Lei das S/A) e a unipessoalidade incidental temporária (art. 206, inc. I, letra “d”, da Lei das S/A), o que já foi por nós examinado na aula anterior. h) Identificação por uma denominação social designativa do objeto (art. 3º da Lei das S/A e art. 1.160 do Cód. Civil) Observação relevante: O diploma anterior, Dec-Lei nº 2.627/1940 exigia no mínimo sete pessoas. Mas a atual lei, ou seja, desde 1976 exige duas pessoas. Esteja bastante atento a isto, tendo em vista que as provas e concursos costumam oferecer como opção de resposta o número mínimo de sete e muitos pensam que este é o correto.

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DESAFIO (TRT 3ª Reg-1991) São características essenciais das sociedades anônimas, exceto: a) Divisão do capital social em partes denominadas ações. b) Responsabilidade dos acionistas limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. c) Livre cessibilidade das ações por parte dos acionistas, não afetando a estrutura da sociedade a entrada ou retirada de qualquer sócio. d) Possibilidade de subscrição do capital mediante apelo ao público em qualquer de suas formas. Resposta correta: letra “d”, uma vez que apenas as companhias abertas podem ter seus valores mobiliários negociados no mercado visando à captação de recursos junto ao público investidor. Vide arts. 4º da Lei das S/A e 19 da Lei nº 6.385/76. Logo, não é uma característica considerada “essencial”.

Valores Mobiliários

As S/A não emitem apenas ações, que são os valores mobiliários mais conhecidos. Estas são obrigatórias, mas outros valores mobiliários comportam emissão. Como ensina o prof. Fábio Ulhoa Coelho,3 a S/A poderá ainda emitir os seguintes principais valores mobiliários: debêntures (arts. 52 a 74), partes beneficiárias (art.s 46 a 51), bônus de subscrição (arts. 75 a 79), nota comercial (commercial paper, impropriamente chamadas de “notas promissórias” - art. 2º, inc. VI, da Lei nº 6.385/76). Aliás, o elenco exaustivo de valores mobiliários consta do art. 2º da Lei nº 6.385/76. Ações. São bens móveis (art. 191 do Cód. Comercial, já revogado nesse ponto) representativos do capital social que conferem a condição de sócio ou

3 Cf. Manual de Direito Comercial, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 192.

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acionista. Cabe ao estatuto fixar o número de ações em que se divide o capital social e definir se elas terão ou não valor nominal, cujo montante será igual para todas as ações da companhia (art. 11 da Lei das S/A). A soma do valor nominal de todas as ações forma o capital social. Conforme a natureza dos direitos e vantagens atribuídas aos seus titulares, as espécies de ações são: ordinárias, preferenciais e de fruição (art. 15 da Lei das S/A). As ações ordinárias outorgam aos seus titulares direitos comuns (normais ou “ordinários”) de acionista, sem privilégio ou restrições, que são a participação nos lucros e voto nas assembléias, nas quais cada ação corresponderá a um voto, sendo vedado o voto plural. Poderá, no entanto, o estatuto limitar o número de votos de cada acionsita (art. 110 da Lei das S/A). Preferenciais são as ações que conferem aos seus titulares as vantagens ou preferências de natureza econômica constantes do art. 17 da Lei das S/A. Em compensação, poderá o estatuto retirar dessas ações o direito político de voto ou estabelecê-lo com restrições (art. 111 da Lei das S/A). Nesse caso, o número de ações preferenciais não poderá ultrapassar 50% do total das ações emitidas. Se a companhia deixar de pagar os dividendos prioritários ou preferenciais por até 3 exercícios consecutivos, as ações preferenciais passarão a ter direito de voto, enquanto não voltarem a ser pagos aqueles dividendos. As ações de gozo ou fruição são as que substituem as outras espécies quando são amortizadas. Compreende-se por amortização na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital, dos valores que eles receberiam numa hipotética liquidação (encerramento final) da companhia. Elas terão os direitos que forem atribuídos pelo estatuto ou pela assembléia e deixarão de representar o capital social, por serem resultado das que foram amortizadas, isto é, pagas aos acionistas (art. 44, § § 2º e 4º, da Lei das S/A). DESAFIO (ESAF-94) As ações, conforme a natureza dos direitos e vantagens atribuídas a seus titulares, podem ser: a) Ordinárias, de fruição e preferenciais. b) Nominativas, endossáveis e preferenciais. c) Nominativas, preferenciais e ordinárias. d) Ordinárias, preferenciais e endossáveis.

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e) Nominativas, preferenciais e de fruição. Resposta correta: letra “d”. Vide art. 15 da Lei das S/A

Classes são sub-espécies ou divisões de uma mesma espécie de ações. As ações ordinárias de companhia fechada e as ações preferenciais de companhia aberta poderão ser de uma ou mais classes (art. 15, § 1º, da Lei das S/A). As classes das ações ordinárias poderão levar em conta a conversibilidade delas em preferenciais, a exigência de nacionalidade brasileira do acionista ou o direito de voto em separado para o preenchimento de cargos administrativos (art. 16 da Lei das S/A). Admite-se a divisão em classes das ações preferenciais em função de distintos direitos e restrições que a elas podem ser atribuídos, como direito de veto em certas matérias deliberadas em assembléia (art. 17, § 7º), voto em separado para na eleição de cargos da administração, sujeição à aprovação de alterações estatutárias aos preferencialistas (titulares de ações preferenciais) de certa classe (art. 18 da Lei das S/A), além de dividendos diferenciados etc.. A forma das ações está relacionada ao modo pelo qual elas circulam, isto é, ao mecanismo de como são transferidas. Após a Lei nº 8.021/90, subsistem apenas as ações nominativas (art. 20 da Lei das S/A), decorrendo a propriedade das ações pela inscrição no nome do acionista no livro de “Registro de Ações Nominativas” (art. 31 da Lei das S/A). A transferência realiza-se por termo lavrado no livro de “Transferência de Ações Nominativas”, datado e assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou seus representantes (art. 31, § 2º, da Lei das S/A). As ações escriturais correspondem a uma variante das ações nominativas, emanando também a propriedade do registro. São mantidas em uma conta de depósito, aberta no nome do acionista nos livros da instituição financeira depositária (art. 35, caput, da Lei das S/A). Sua transferência se dá por operações de débito e crédito, isto é, mediante lançamento efetuado pela instituição financeira depositária em seus livros, a débito do alienante (vendedor) e a crédito da conta de ações do adquirente, com base em documento de transmissão hábil. O acionista acompanhará os lançamentos em sua conta de ações por meio de extrato fornecido pela instituição financeira depositária, tudo de modo muito semelhante a uma conta de depósito em dinheiro (art. 34, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei das S/A).

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DESAFIO (ESAF-1992) As ações escriturais: a) Circulam por endosso. b) Circulam por tradição. c) Circulam por termo de transferência. d) Circulam por operação de débito e crédito. e) Não circulam. Resposta correta: letra “d”. Vide art. 35, § 1º, da Lei das S/A

Debêntures. Pelo art. 52 da Lei das S/A, as debêntures são títulos de dívida que conferem aos seus titulares, chamados debenturistas, um direito de crédito contra a companhia. Constituem uma fatia de um grande contrato de mútuo (contrato de empréstimo) no qual a companhia é a mutuaria ou devedora e os debenturistas são os mutuantes ou credores. As debêntures representam um endividamento da companhia e, por isso, a lei fixa os limites de emissão, buscando preservar o patrimônio da sociedade para a segurança dos credores (art. 60). Como acontece com todas as dividas, admite-se a constituição de garantias para assegurar o cumprimento das obrigações assumidas. Quanto às garantias atribuídas, as debêntures podem ser (art. 58 da Lei das S/A): a) com garantia real; b) com garantia flutuante (privilégio geral); c) quirografária (ou sem qualquer garantia); e d) subordinada (ou sub-quirografária) para pagamento após os credores quirografários, no caso de liquidação (encerramento) da companhia. Vide ordem de classificação dos créditos na falência determinada no art. 83 da Lei de Recuperação e Falências (Lei nº 11.101/05). As debêntures podem conter cláusula de conversão delas em ações, de tal maneira que se permite ao debenturista optar por receber seu crédito em ações da companhia (art. 57 da Lei das S/A). Na companhia aberta, a deliberação para a emissão de debêntures simples, não conversíveis em ações e sem garantia real, poderá ficar a cargo do Conselho de Administração. Fora daí a competência é privativa da Assembléia de

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Acionistas (art. 59, § 1º, da Lei das S/A). Também podem assumir a forma nominativa ou escritural, a exemplo das ações (art. 63 da Lei das S/A). Os debenturistas em seu conjunto formam uma comunidade de interesses, cuja representação legal cabe ao Agente Fiduciário nomeado na escritura de emissão de debêntures registrada na Junta Comercial. Nas emissões privadas de debêntures, isto é, sem a sua negociação no mercado, a figura do Agente Fiduciário é facultativa. Todavia, nas emissões públicas, aquelas que visam à tomada de recursos junto ao público investidor, o Agente Fiduciário é obrigatório. Partes beneficiárias. As partes beneficiárias (esquisito esse nome, não ?) constituem títulos negociáveis (não são pessoas ou qualquer grupo), sem valor nominal e estranhos ao capital social (não representam parcela do capital), que conferem um direito de crédito eventual contra a companhia, condicionado a ela apresentar lucro (art. 46 da Lei das S/A). As partes beneficiárias também podem ser conversíveis em ações (art. 48, § 2º, da Lei das S/A). É vedado às companhias abertas emitir partes beneficiárias (art. 47, § único, da Lei das S/A). Bônus de subscrição. São títulos de investimento, livremente negociáveis, que conferem aos seus titulares o direito de subscrever ações da companhia diante de um futuro aumento de capital, dentro do limite previamente autorizado pelo Estatuto para essa majoração (arts. 75 e 168 da Lei das S/A). Nota Comercial ou Commercial Paper. Trata-se de valor mobiliário instituído mais recentemente, enfim introduzido na legislação ordinária pela alteração no art. 2º, da Lei nº 6.385/76, feita pela Lei nº 10.303/01. Destina-se à oferta pública para financiar o investimento produtivo, geralmente para o capital de giro (pagamento de fornecedores, folha de salários), com vencimento em prazos considerados curtos. Embora sujeita ao registro de sua emissão pela CVM, é o único valor mobiliário negociado no mercado que pode ser criado por companhia fechada. Circula por endosso, mais com a cláusula “sem garantia”, vale dizer, sem que o endossante (aquele que transfere e negocia o título) responda pelo pagamento, caso a companhia não o faça. Direitos Essenciais dos Acionistas

Acionista é a denominação dada ao sócio ou proprietário de ações de uma sociedade por ações. Somente o titular de ações tem assegurado o status

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socii (condição de sócio). O caráter capitalista da companhia torna irrelevante a pessoa do acionista, daí ser “anônima” a sociedade. O acionista, por meio de suas ações, participa do patrimônio da companhia, partilhando dos resultados sociais. São deveres básicos dos acionistas: integralizar as suas ações (art. 106) e votar no interesse da companhia (art. 115). O acionista em mora (remisso) pode ser executado extrajudicialmente ou ter suas ações vendidas em bolsa. Malsucedidos esses meios, a companhia pode declarar caduco o direito à integralização e apropriar-se das entradas realizadas (pagamento já feitos pelo acionista). Visto o conceito de acionista e apontados os seus deveres elementares, quais são os direitos que lhe são reconhecidos ? O art. 109 a Lei das S/A arrola dos chamados direitos individuais essenciais dos acionistas, que os protegem do grupo ou da administração. Podem inclusive beneficiar o acionista controlador, como o direito de preferência na subscrição de títulos. Não possuem, entretanto, a rigidez sugerida. Vários são condicionados ou excepcionados por outras normas. São então direitos ditos essenciais (art. 109): a) Participação nos lucros. Desde que verificado um resultado líquido positivo, os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto e, se este for omisso, a metade do lucro do exercício com os acréscimos e subtrações previstos na lei (art. 202, caput, da Lei das S/A). Caso o estatuto seja omisso e se deseje introduzir regra sobre o dividendo mínimo obrigatório, este não poderá ser inferior a 25% do lucro líquido ajustado (art. 202, § 2). No entanto, o art. 202, § 3º, autoriza que os lucros não sejam distribuídos, quando se tratar de companhias abertas e houver necessidade de captação de recursos por debêntures não conversíveis e nas companhias fechadas, salvo as controladas por companhias abertas, não sendo o caso de captação de recursos para debêntures. b) Participação no acervo em caso de liquidação. Sempre que a sociedade for liquidada, seja por deliberação dos próprios acionistas, seja por autoridade administrativa (ex.: liquidação extrajudicial) ou por determinação judicial (ex.: falência), depois de vendidos todos os bens e pagos todos os credores, o remanescente do patrimônio (patrimônio líquido) será partilhado entre os acionistas. c) Fiscalização da companhia. A fiscalização da companhia é exercida de modo indireto, através da eleição em separado de membros do Conselho

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Fiscal, do exame de certos documentos que devem ser disponibilizados, da possibilidade do pedido de exibição judicial dos livros companhia por acionistas que representem pelo menos 5% do capital social, esta hipótese quando houver fundadas suspeitas de graves irregularidades por parte da administração (art. 105 da Lei das S/A). d) Preferência para a subscrição de ações e outros títulos conversíveis em ações. Esse direito é exercido na mesma proporção do número de ações que os acionistas já possuírem (art. 171 da lei das S/A). esse direito é suscetível de cessão para terceiros (art. 171, § 3º da Lei das S/A). Não obstante, o art. 172 permite a exclusão da preferência. e) Retirada ou recesso da companhia. O acionista que discordar (acionista dissidente) de certas deliberações da assembléia geral, ou que possua ações de companhia cujo controle tenha sido desapropriado, tem o direito impor sua retirada da sociedade, recebendo o reembolso de suas ações (arts. 45, 137, 221, 252). O exercício do recesso tem sido cada vez limitado por disposições legais, para evitar a “indústria do recesso” e viabilizar a desestatização (privatização). A Lei das S/A também prevê difusamente (de forma espalhada) outros direitos individuais. São Exemplos: participação nas assembléias (art. 125), negociar ações (art. 36), convocação de assembléia (art. 123, § ú, “b”), oferta pública aos minoritários na alienação de controle (tag along, novo art. 254-A) e no fechamento de capital de companhia aberta, (nova red. do art. 4º), regra da unanimidade na transformação (art. 221) e na mudança de nacionalidade (art. 72, do Dec-Lei 2.627/40). O direito de voto não é essencial, a um porque não previsto e, a dois, porque a lei prevê expressamente que as ações preferenciais poderão ser privadas do direito de voto ou exercê-lo com certas restrições. De qualquer forma, a lei reprime o voto abusivo (que causa dano à companhia ou aos demais acionistas) e o voto conflitante, no qual tenha um interesse contrário e não conciliável com o interesse da própria companhia (art. 115 da Lei das S/A). No mesmo artigo que trata dos direitos essenciais dos acionistas, o art. 109, a lei estabelece que o estatuto poderá conter regra pela qual as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, serão resolvidas mediante procedimento arbitral (art. 109, § 3º). Você conhece esse instituto ? Trata-se da útil figura da arbitragem societária, a qual vem ganhando espaço diante das exigências de que as demandas societárias sejam resolvidas com rapidez, sigilo e por pessoas (árbitros) especializados.

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Baseia-se o instituto da arbitragem na autonomia da vontade ou autonomia privada, o qual se configura, no plano dos direitos subjetivos, no poder de auto-regulamentação ou na autodisciplina dos direitos patrimoniais. No plano sociológico o intuito do instituto é a de promover melhor distribuição da justiça em decorrência da presteza e aprofundamento técnico que a sentença arbitral pode trazer às partes que a convencionaram. No Brasil, com a promulgação da Lei nº 9.307/1996, o instituto de arbitragem se libertou das amarras antes existentes, especialmente quanto à necessidade de homologação judicial para assegurar eficácia ao laudo arbitral, passando a ter competência substitutiva à jurisdição estatal no que respeita aos direitos disponíveis das partes que decidem submeter suas divergências à decisão arbitral. DESAFIO (Bacen/FCC-2005) O direito de recesso na sociedade anônima é conferido ao acionista dissidente da assembléia geral que aprovar a a) Criação de partes beneficiárias. b) Dissolução da companhia. c) Incorporação pela companhia de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada de idêntico objeto social. d) Cisão da companhia com versão do patrimônio para outra sociedade, ainda que esta tenha o mesmo objeto social da sociedade cindida. e) Redução de dividendo obrigatório. Resposta correta: letra “e”. Vide art. 137, caput, combinado com o art. 136, inc. III, da Lei das S/A. Lembre-se de que o direito de recesso da S/A somente ocorre diante de hipóteses expressamente previstas comporta interpretação restritiva em desfavor do acionista.

Órgãos Sociais

A companhia, como ente titular de direitos e obrigações, tem a necessidade de expressar a sua vontade no mundo jurídico. Sãos os órgãos sociais que manifestam a vontade da companhia. Órgão deliberativo. Como órgão deliberativo, tem-se a Assembléia Geral, que pode ser ordinária ou extraordinária. A Assembléia Geral é soberana, é o órgão máximo da companhia, com poderes para deliberar sobre qualquer assunto. Por menor que seja o assunto, pode ser trazido e deliberado em Assembléia Geral. A soberania da assembléia significa uma indeterminação

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quanto ao conteúdo da manifestação de vontade, desde que se mantenha dentro dos limites da lei e do estatuto. A assembléia só pode deliberar sobre os objetos que constam ordem do dia (da pauta de assuntos a serem votados), que motivaram a sua convocação, e também sobre o que decorrer, diretamente, da deliberação desses assuntos, como suas conseqüências imediatas. Exemplo: convoca-se uma assembléia para apreciar denúncias contra um administrador. Se, na assembléia, verificar-se que as denuncias são verdadeiras, pode-se, na mesma assembléia, deliberar sobre a destituição do administrador, como conseqüência imediata, efeito imediato, da apreciação das denúncias (objeto que motivou a assembléia). Compete privativamente à Assembléia Geral deliberar sobre os assuntos constantes do art. 122 da Lei das S/A. Porém, qual o limite de validade das decisões da assembléia? A assembléia não pode violar a lei e também não pode violar o estatuto (que é a regra fundamental da sociedade), mas pode, contudo, alterá-lo (se a alteração for objeto da convocação da assembléia). Pelo art. 286 da Lei das S/A, o prazo decadencial da ação para anular a deliberação de assembléia, quando eivada de vício é de 2 anos contados da deliberação (é decadência apesar de a lei falar em prescrição). A Assembléia Geral é ordinária (AGO) quando se reúne para tratar das matérias do art. 132 da Lei das S/A. Ela é ordinária porque trata de matérias específicas, porém comuns, rotineiras, que sempre se repetem (anualmente), que fazem parte da mecânica normal da companhia. Por exemplo, a apreciação das contas dos administradores, a destinação dos lucros (se vão reter ou dividir os lucros, ou se vão pagar dívidas etc.), o mandato dos administradores (este pode ser de até 3 anos). Já a Assembléia Geral Extraordinária (AGE) se reúne para tratar de assuntos que extravasam o âmbito das matérias previstas no art. 132.da Lei das S/A. O rol desse artigo é taxativo. Tais matérias sempre estarão presentes na vida da companhia. Quaisquer outros assuntos, que não estejam nesse dispositivo, serão objeto de Assembléia Geral Extraordinária. A AGO deve ocorrer, pelo menos, uma vez por ano, sendo que a Lei das S/A prevê que seja realizada até 4 meses após o término do exercício social (que, geralmente, coincide com o ano civil: janeiro a dezembro, por isso é que na maioria das companhias ela ocorre em abril). Por ser tão importante, toda vez que a companhia atrasar, por mais de 60 dias, a convocação da AGO, qualquer acionista pode convocá-la (art. 123, § único da lei das S/A). Isto porque são matérias que interessam, ordinariamente, a todos.

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Outro ponto importante é que a Assembléia é uma reunião fechada, de caráter privado, ela não é pública. Não é qualquer pessoa que pode comparecer às assembléias. Quem pode, então, a elas comparecer? a) o acionista; e b) aquele que seja titular de direito de voto. Obs: há pessoas que, embora não sejam acionistas, são titulares do direito de voto. Por exemplo, o usufrutuário de ações. Diz a lei que, no caso de usufruto de ações, o nu-proprietário e o usufrutuário irão convencionar sobre quem exercerá o direito de voto (art. 114 da Lei das S/A). Se, por acaso, essas pessoas legitimadas não puderem comparecer à assembléia, elas podem constituir procuradores para esse fim. Entretanto, como a assembléia tem caráter privado, é fechada, somente têm legitimação para serem constituídos como procuradores o administrador da companhia, outro acionista ou advogado (art. 126, § 1º da lei das S/A). Nas companhias abertas, o procurador também pode ser uma instituição financeira. O mandato desse procurador não pode ser superior a 1 ano, admitindo-se que seja sempre renovado. Isso para que não haja dissociação, separação, em definitivo, entre o voto e a ação correspondente. Do contrario, ficaria uma pessoa que não é acionista, um advogado, por exemplo, exercendo, por tempo indeterminado, o voto de um acionista. Há uma preocupação de pessoalidade, de se evitar que o acionista seja substituído. O ideal é que ele mesmo compareça. Cada voto corresponde a uma ação, o que se quer é vincular o acionista à ação; Não fosse assim, na ausência desse prazo de 1 ano, o acionista começaria a negociar o voto dele. A assembléia de debenturistas não é órgão da companhia, ela não integra a companhia. Os debenturistas são apenas credores sociais, havendo a previsão legal de que eles se reúnam para discutir e deliberar sobre matérias de seu exclusivo interesse (art. 71 da Lei das S/A). A vontade expressa na assembléia de debenturistas é apenas a vontade dos credores, que, em muitas vezes, é contrária aos interesses da companhia. DESAFIO (Bacen/FCC-2005) Compete privativamente à assembléia geral da sociedade anônima a) Eleger os membros do conselho de administração e da diretoria. b) Deliberar sobre a alienação de bens imóveis e a constituição de ônus reais sobre os bens de propriedade da companhia.

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c) Escolher os auditores independentes da companhia e eleger os membros do conselho fiscal. d) Fixar a orientação geral dos negócios da companhia e fiscalizar a gestão dos diretores. e) Reformar o estatuto social da companhia e deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do capital social. Resposta correta: letra “e”. Vide art. 122, incs. I e VI, da Lei das S/A.

Órgãos Administrativos. Numa companhia típica, a administração segue o modelo bipartido: Conselho de Administração (Board of Directors) e Diretoria (Executive Officers). Contudo, o Conselho de Administração somente é obrigatório nas companhias de capital aberto, nas de capital autorizado e nas sociedades de economia mista (arts. 138, § 2º, e 239 da Lei das S/A; art. 26 da Lei nº 8.666/93). Por sinal, esta é uma questão sempre indagada nos concursos. Os administradores possuem os seguintes deveres: a) diligência: o administrador deve agir com cuidado ativo, zelo, presteza, de acordo com o a conduta empregada em seus próprios negócios (art. 153). O cumprimento desse dever é orientado pela persecução dos fins e interesses da companhia, atendidas as exigências do bem comum e da função social da empresa (art. 154) . Não poderá fazer uso de bens e direitos da companhia em proveito próprio ou de terceiro, seja ou não entre coligada, controladora ou controlada (art. 245), nem praticar atos gratuitos à conta dela, salvo autorização do órgão competente. No caso de grupo de sociedades, será observada a convenção do grupo (art. 273). b) lealdade: veda-se ao administrador utilizar, em proveito próprio ou de terceiro, das oportunidades comerciais a que teve acesso em virtude do exercício do cargo (art. 155). A lei lhe impõe o dever de sigilo. É impedido de intervir em operação social em que tiver interesse conflitante com a companhia (art. 156). Diante do conflito, a solução é abster e informar essa circunstância. Não está o administrador impedido de contratar com a sociedade, desde que em condições razoáveis e eqüitativas, idênticas às de mercado (art. 156, § 1º), salvo sem se tratando de instituição financeira (Lei 4.595/64, art. 34, I).

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c) informar: na companhia aberta, o administrador deve informar usa posição acionária na companhia, bem como divulgar as deliberações e fatos que possam influir na cotação de valores mobiliários (disclosure). A Instrução 358 da CVM, de 03.01.2002, dispõe sobre a divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo às companhias abertas, disciplina a divulgação de informações na negociação de valores mobiliários e na aquisição de lote significativo de ações de emissão de companhia aberta, estabelece vedações e condições para a negociação de ações de companhia aberta na pendência de fato relevante não divulgado ao mercado, e revoga a Instrução CVM Nº 31, de 08.02.1984. Conselho de Administração. O Conselho de Administração é incumbido da gestão superior da companhia (art. 142, incisos I, III, V, VI e VIII da Lei das S/A) e do exercício de algumas funções institucionais (art. 142, incisos II, IV, VII e IX, da Lei das S/A). Encontra-se em posição intermediária entre a assembléia e a diretoria. Tendo atribuições deliberativas que vão desde a escolha de diretores até a orientação geral dos negócios da companhia. O conselho de administração é um órgão colegiado de natureza deliberativa, que funciona por maioria dos votos. Em consonância com o disposto no art. 140 da LSA, que trata da composição e do quorum de deliberação do conselho, enumerando as matérias que devem ser reguladas pelo estatuto social, o legislador concedeu à companhia o direito de dispor estatutariamente, com ampla liberdade, sobre as regras de composição do conselho de administração, delimitando apenas o número mínimo, prazo de mandato dos membros, processo de escolha e substituição do presidente do órgão e demais normas aplicáveis. As matérias que competem privativamente ao conselho de administração são arroladas no art. 142 da Lei das S/A. Pode-se inferir que a Lei expressamente permite que o estatuto social eventualmente atribua outras matérias ao conselho de administração, excetuando-se as matérias que forem de competência exclusiva de outros órgãos da companhia. DESAFIO (TRT 17ª Reg-1998) Conselho de Administração é obrigatório: I.nas companhias abertas; II.nas de capital autorizado; III.nas sociedades de economia mista; IV.nas sociedades por cotas. Responda: a) Todas as alternativas estão corretas.

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b) Somente a alternativa I está correta. c) Somente a alternativa IV está incorreta. d) As alternativas I e III estão corretas e as alternativas II e IV estão incorretas. e) Todas as alternativas estão incorretas. Resposta correta: letra “c”. Vide arts. 138, § 2º, e 239 da Lei das S/A. Confira também o art. 173, § 1º, inc. IV, da CR/88. Diretoria. Órgão executivo encarregado, no âmbito interno, da prática dos atos necessários ao funcionamento da companhia e de sua representação legal nos atos e negócios, nas relações externas mantidas com terceiros. Seus membros atuam singularmente, mas o estatuto pode prever que determinadas decisões sejam tomadas de forma colegiada (art. 143, § 2º, da Lei das S/A). Toda companhia deve ter, no mínimo, 2 diretores, pessoas naturais, acionistas ou não, residentes no país, eleitas pelo Conselho de Administração, ou, quando não houver, pela Assembléia Geral. Órgão de Fiscalização. Como órgão fiscalizador, a principal atribuição do Conselho Fiscal é a de exercer o controle da legitimidade das contas e da gestão dos administradores, aqui compreendido o poder de investigação a fim de perquirir sobre o cumprimento das obrigações legais que dizem respeito aos gestores da Companhia (arts. 153, 155, 157 da LSA), tudo na forma do artigo 163, inc. I da Lei das S/A. Não cabe ao Conselho Fiscal examinar o mérito da administração, limitando-se ao exame formal das contas. O Conselho Fiscal têm as seguintes características principais: a) A duração do mandato será, em média, de 1 ano (contando-se da AGO em que foi eleito até a seguinte), mas poderá ser menor. b) Os suplentes substituirão os respectivos titulares em caso de ausências, impedimentos, renúncia ou morte. c) Compete exclusivamente à Assembléia Geral destituir os Conselheiros Fiscais. d) Os requisitos para o exercício do cargo são: ser pessoa natural, acionista ou não, com diploma em curso superior ou que tenha exercido cargo de administrador ou de Conselheiro Fiscal por ao menos 3 anos (conhecimento técnico). Outros Órgãos da Companhia – Órgãos Consultivos ou Técnicos. O art. 160 fala em órgãos técnicos e consultivos que podem ser criados pelo estatuto para as funções e aconselhamento ou de caráter técnico. Por exemplo, a AMBEV tem Conselho Consultivo, que é um órgão de aconselhamento, de consultoria. Normalmente, são integrados por figuras notáveis, pessoas com grandes conhecimentos de administração.

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Quando a Companhia criar, por exemplo, um comitê consultivo, sempre que a Companhia quiser tomar uma decisão, esse comitê terá caráter meramente opinativo sobre o assunto a ser decidido. Isto é, tem apenas de aconselhamento, não tem caráter decisório, não vincula a Companhia. Os poderes e funções, como dispõe a própria Lei das S/A, não podem ser transferidos para outro órgão (art. 139). São poderes conferidos por lei, para um órgão, com a característica de indelegabilidade. Responsabilidade dos Administradores

Em regra, a companhia responde integralmente pelos atos praticados regularmente em seu nome pelos administradores que escolher e empossar. Atos regulares de gestão são aqueles praticados pelos administradores no curso normal dos negócios e objetivos da companhia, de acordo com a lei e dentro dos limites e poderes que a eles, administradores, forem conferidos pelo estatuto social. Não há, portanto, responsabilidade de natureza pessoal nos atos regulares de gestão, a saber, os praticados pelos administradores no interesse da companhia dentro da lei e do escopo de competência que lhes for assegurado pelos documentos societários ou por adequadas aprovações assembleares ou dos órgãos de administração. Estes obrigam a companhia e é esta, e seu patrimônio, que respondem pelas conseqüências de tais atos. O art. 158 da LSA dispõe que o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrai em nome da companhia e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém civilmente, pelos prejuízos que causar quando proceder: (i) dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo (culpa comprovada); ou (ii) com violação da lei ou do estatuto (culpa presumida). Agir contra expressa norma legal ou estatutária significa um “... desvio que se caracteriza por si mesmo. Não obedecer à lei é um erro de conduta. É culpa prefixada na própria lei. Tal presunção de culpa, porém, é juris tantum admitindo prova em contrário”.4

4 L. G. Paes de Barros Leães, Mercado de Capitais e Insider Trading, São Paulo: ed. RT, 1982, p. 177 e 178

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Ou seja, observados a lei e o limite de competência contratual ou estatutária, os administradores não respondem pessoalmente pelas obrigações que contraírem em nome da companhia. Segue-se que, a contrario sensu, serão responsáveis quando agirem fora da lei e por atos ultra vires, vale dizer, atos praticados com excesso em relação aos poderes que lhes forem outorgados. Outro caso de solidariedade entre os administradores decorre da distribuição indevida de dividendos (art. 201, § 1º, da Lei das S/A). Obs.: O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, a não ser se: (i) com ele for conivente; (ii) negligenciar em descobri-lo; ou (iii) dele tendo conhecimento deixar de agir para impedi-lo. Para tanto, exime-se de tal responsabilidade o administrador que consignar em ata de reunião do órgão de administração sua divergência, ou então, aquele que der imediata ciência ao órgão da administração, ao conselho fiscal ou à assembléia geral. Na companhia fechada, os administradores são solidariamente responsáveis no caso de não-cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o seu normal funcionamento, ainda que, pelo estatuto, esses deveres não recaiam sobre todos eles. Há, nas companhias fechadas, o dever solidário legal para que a companhia possa funcionar normalmente, sob pena de responsabilidade para todos os administradores. Cite-se, como exemplo, a falta de convocação de assembléias, a falta de registro de atos na Junta Comercial. Falamos em responsabilidade civil, mas ainda se cogita de uma responsabilidade administrativa (destituição ou rebaixamento do cargo), e responsabilidade penal. Vide art. 177 do CP; Lei de Economia Popular; Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro (7.492/86); Lei de Crimes contra a Ordem Tributária (8.137/90): e Lei do Mercado de Capitais (6.385), arts. 27-C, 27-D e 27-E, com a redação dada pela Lei nº 10.303/2001. Outras responsabilidades patrimoniais decorrem da solidariedade por falta de recolhimento de débitos previdenciários (Lei 8.620/93, art. 13) e por danos provocados por instituições financeiras (Dec-Lei º 2.321/87, art. 15, e Lei nº 9.447/97 c/c arts. 39 e 40 da Lei 6.024/74). DESAFIO (ESAF-2001) EEE Na inauguração de nova fábrica, o diretor de operações da empresa organizada sob a forma anônima, esqueceu-se de providenciar licença junto aos órgãos responsáveis pela fiscalização do meio ambiente. Em vista disso foi aplicada à sociedade pesada multa, além de se determinar a interrupção do funcionamento da unidade até regularização do problema. Dessa forma,

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a) A sociedade poderá voltar-se, regressivamente, contra o diretor para cobrar o valor da multa e os prejuízos sofridos com a paralisação das operações causados por sua falta de diligência. b) Se se tratar de companhia aberta, a sociedade poderia pleitear o perdão da multa alegando que o prejuízo causado por um diretor negligente não poderia recair sobre acionistas externos ao controle que não indicaram administradores. c) Se houver, além dos membros da diretoria, também os membros do conselho de administração serão responsabilizados, solidariamente, pela negligência do diretor de operações. d) Somente não seria responsabilizado o administrador que, tendo tomado conhecimento do fato, o tivesse comunicado ao órgão superior, conselho de administração ou assembléia geral. e) Todos os diretores serão solidariamente responsáveis pela negligência do diretor de operações cuja atividade deveriam fiscalizar. Resposta correta: letra “e”. Vide art. 158, § 2º da Lei das S/A. Faltou ao enunciado mencionar que se tratava de companhia fechada, porque, para as abertas, incide o § 3º do mesmo artigo, limitando essa responsabilidade aos administradores que tenham a atribuição específica de dar cumprimento aos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento da companhia. Essa questão, sob a forma dissertativa, foi objeto do 6º Concurso para Procurador do Município do Rio de Janeiro, cuja prova foi realizada em 24.11.2001.

Reestruturação Societária

As sociedades possuem direitos atribuídos às pessoas naturais e ainda têm a capacidade quase que ilimitada de se procriarem, de se dividirem, de contraírem matrimônio, enfim, de se reorganizarem em sua estrutura societária. No caso de matrimônio (fusão) de sociedades, essa união chega a ser mais perfeita que o casamento civil, porque neste continuarão existindo duas pessoas e a fusão societária propicia o surgimento de uma única pessoa. As pessoas jurídicas não carregam as limitações biológicas da pessoa física e como se destinam a desfrutar de um tempo de vida indefinido é natural que possam realizar modificações em sua estrutura, para garantir a sua permanência e a realização de seus fins. E num mundo globalizado, torna-se freqüente a necessidade de rearranjos societários para obter eficiência e redução de custos, além de outras finalidades estratégicas de atuação no mercado. A Lei das S/A arrola 4 operações pelas quais as companhias promovem mudanças na estrutura societária: transformação, incorporação, fusão e cisão. Para a incorporação, a fusão e a cisão seguida de incorporação com sociedade já existente, a Lei das S/A (art. 224) exige a celebração de um

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instrumento prévio, denominado “Protocolo”, a ser firmado pelos órgãos da administração das sociedades envolvidas, o qual conterá todo o substrato jurídico das operações para a futura aprovação pelo conclave dos acionistas ou sócios em assembléia ou reunião. O protocolo não chega ser um contrato preliminar ou pré-contrato ou proposta de contrato, haja vista que ele não é de ordem a obrigar as sociedades interessadas à efetivação da operação. No fundo, assume a natureza de tratativa ou de negociação preliminar (os italianos chamam fase de “punctuação”) sem efeito vinculante. O Cód. Civil de 2002 também contém regras sobre a reestruturação societária, as quais são parcimoniosas, pouco detalhadas, carecendo de uma disciplina mais específica. Por esta razão, continuarão serão aplicados os dispositivos da Lei das S/A diante das omissões do Cód. Civil (art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil). Transformação. Conforme o disposto no Art. 220 da Lei das S/A “A transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro.” Ensina Tavares Borba que “Quando a sociedade passa de uma espécie a outra, opera-se como que uma metamorfose. A transformação muda-lhe as características, mas não a individualidade, que permanece a mesma, mantendo-se íntegros a pessoa jurídica, o quadro de sócios, o patrimônio, os créditos e os débitos”.5 É o que ocorre quando uma sociedade anônima se converte em uma sociedade limitada ou uma sociedade do tipo simples passa a ser uma sociedade em nome coletivo, por exemplo. São características principais da transformação: a) Mudança da estrutura jurídica. b) Continuação da existência de fato e de direito da sociedade. c) Manutenção dos contratos e obrigações anteriores. d) Conservação da integridade patrimônio da sociedade. Na transformação não ocorre extinção da pessoa jurídica nem sucessão, porque é a própria sociedade anterior que permanece e ninguém pode ser sucessor de si mesmo, como salienta também Tavares Borba. Teremos a mesma pessoa jurídica, mas como vestes novas. Se quisermos fazer uma comparação descontraída, é como a pessoa natural mudasse de sexo, porém significa a continuação da existência da própria pessoa. A transformação exige o consentimento unânime de todos os sócios ou acionistas, salvo se 5 José Edwaldo Tavares Borba, Direito Societário, 9ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004 p. 459

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prevista no contrato social ou no estatuto, caso em que se permitirá ao sócio dissidente o exercício do direito de recesso, embora o contrato social possa conter cláusula pela qual os sócios renunciam a esse direito (art. 221 da Lei das S/A). Incorporação. Extrai-se do art. 227 da Lei das S/A que incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades, de tipos iguais ou diferentes (anônima e limitada, sociedade simples e sociedade limitada), são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direito e obrigações. Nas palavras do ex-Presidente da CVM, o prestigiado advogado e professor Luiz Leonardo Cantidiano, “A incorporação de uma sociedade por outra se constitui em processo, legalmente admitido, que possibilita a concentração empresarial, que ocorre através da absorção, pela sociedade incorporadora, de todo o patrimônio da sociedade a ser incorporada”.6

As características principais da incorporação são: a) Absorção de sociedade ou sociedades por outra sociedade. b) Transmissão global do patrimônio (direitos e obrigações) para a incorporadora. c) Sucessão universal pela incorporadora, pois as incorporadas se extinguem. d) Ingresso dos acionistas ou sócios das incorporadas diretamente no capital social da sociedade incorporadora.

Fusão. Consiste na operação pela qual duas ou mais sociedades se unem, de tipos iguais ou diferentes, para formar nova sociedade, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações (art. 228 da Lei das S/A) As características principais da fusão são : a) As sociedades fusionadas (é assim mesmo que se diz) se extinguem, para fazer nascer uma outra, composta pelo patrimônio das extintas. b) O capital da nova sociedade corresponderá à soma do patrimônio líquido das sociedades fusionadas, sendo que as ações da nova sociedade serão distribuídas nas respectivas proporções. c) Ingresso dos sócios das dissolvidas diretamente na nova sociedade

6 Reforma da Lei das S.A. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 251

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d) Sucessão pela sociedade nova dos direitos e obrigações das sociedades fusionadas.

DESAFIO (Cesgranrio- 2006) Fusão é a operação na qual a) A sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para o outro. b) Duas ou mais companhias se unem para formar uma sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações. c) Uma sociedade transfere parcelas de seu patrimônio para outra que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações. d) Uma sociedade absorve o patrimônio de outra, sucedendo-lhe os direitos e obrigações. e) Uma sociedade realiza seus ativos, paga seus passivos e restitui o capital a seus sócios ou acionistas. Resposta correta: letra “b”. Vide definição de fusão dada pelo art. 228 da Lei das S/A.

Cisão. É a operação pela qual a companhia transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais sociedades, novas ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida se houver versão (transferência) de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial for a versão (art. 229 da Lei das S/A). Diz Tavares Borba que “na cisão, a sociedade se fragmenta, dividindo-se em duas ou mais parcelas. Essas parcelas patrimoniais (valores ativos e passivos) tanto poderão originar novas sociedades como integrar-se em sociedades existentes”.7 Ocorre na cisão um fracionamento da sociedade. A cisão poderá ser total, quando a sociedade permanece e determinada parcela de seu patrimônio é transferida para outra sociedade, constituída para esse fim ou já existente, e parcial, na hipótese de dissolução total da sociedade cindida. São características principais da cisão: 7 Direito Societário, 9ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2004 p. 469

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a) Desaparecimento da sociedade cindida de partes ou de todo o patrimônio. b) Reunião das parcelas cindidas em uma ou mais sociedades já existentes ou criadas para receber essas parcelas. c) extinção da sociedade cindida em caso de retirada total de seu patrimônio ou redução do capital social para refletir a parcela retirada, se parcial for a cisão. Diferenças entre transformação incorporação, fusão e cisão. Na transformação a sociedade não deixa de existir e passa de um tipo para outro sem se dissolver ou liquidar o seu patrimônio. Na incorporação a sociedade incorporadora engole, abocanha, as sociedades incorporadas, que se extinguem e são substituídas pela primeira. Na fusão se extinguem as sociedades envolvidas para dar lugar a uma nova sociedade, que sucede as antigas. Na cisão ou o patrimônio inteiro de uma sociedade, que se extingue por isso, passa para outra ou apenas parcelas desse patrimônio se transfere para outra ou outras sociedades, permanecendo a primeira com o patrimônio que lhe restou.

DESAFIO (ESAF-2005) As operações de fusão e incorporação de sociedades a) dependem de aprovação por todos os membros de cada uma das sociedades envolvidas. b) constituem formas de reorganizar as relações societárias. c) podem ser deliberadas por maioria desde que haja previsão contratual. d) facilitam a mudança dos tipos societários. e) permitem a redução do capital social de qualquer das envolvidas no processo sem que os credores possam se opor. Resposta correta: letra “b”. É a única opção possível, não só porque essas operações constituem rearranjos na estrutura societária, mas porque, na opção “a” não existe dispositivo exigindo a unanimidade, na opção “c” resta contrariado o art. 136 da Lei das S/A, na opção “d” alude-se na verdade à transformação (art. 220 da Lei das S/A) e na opção “e” implica ofensa ao art. 232 da Lei das S/A.

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Direitos dos credores. A lei procura proteger os direitos dos credores anteriores a esses procedimentos de reorganização societária. A transformação não prejudicará o direito dos credores anteriores à operação, que conservarão as mesmas garantias que lhes oferecia o tipo anterior, inclusive no caso de falência posterior da sociedade transformada (art. 222 da Lei das S/A). Assim, se uma sociedade limitada se transformar em sociedade anônima, os acionistas anteriores responderão solidariamente na hipótese de o capital não estiver integralizado, mas frente aos credores que precederam à transformação. Na incorporação e na fusão, os credores anteriores que se sentirem lesados em seus direitos dispõem do prazo de 60 dias, a contar da publicação dos atos relativos à operação, para pleitear judicialmente a anulação. Mas o depósito ou consignação do valor reclamado por esses credores prejudica a anulação (art. 232 da Lei das S/A). Se houver falência em tal período, os primitivos credores têm o direito de pedir a separação dos patrimônios (da incorporada e da incorporadora ou das fusionadas) para que os créditos sejam pagos pelos bens que cada uma possuía antes da operação. Na cisão total, as sociedades que receberem as parcelas do patrimônio da cindida responderão solidariamente pelas obrigações anteriores da sociedade extinta. Em se tratando de cisão parcial, a sociedade cindida que continuar existindo e as que receberem parcela de seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações anteriores, mas poderá ser estipulado que não haverá solidariedade (cada uma respondendo por suas obrigações próprias), facultando-se a impugnação por qualquer credor anterior no prazo de 90 dias a contar da publicação dos atos da operação, relativamente ao seu crédito (art. 233 da Lei das S/A). O Cód. Civil disciplinou o direito dos credores na fusão, na incorporação e na cisão em um único artigo e com igual tratamento (1.122), determinando que, até 90 dias da publicação dos atos relativos a essas operações, os credores anteriores por elas prejudicados poderão pleitear judicialmente a anulação. Como se vê, não há, para as sociedades reguladas no Cód. Civil, a possibilidade de ficar estipulado que na cisão parcial as sociedades não responderão solidariamente. Este ponto é um silêncio intencional da lei. No mais, o Cód. Civil mantém o cabimento da consignação ou depósito da quantia reclamada pelo credor e a separação dos patrimônios das sociedades envolvidas, caso sobrevenha falência em tal período de 90 dias. DESAFIO

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(Badesc/FEPESE-2005) Assinale a alternativa correta, de acordo com o Código Civil. a) Até 90 (noventa) dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão da sociedade, o credor anterior, acaso prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles. b) O ato de transformação pressupõe prévia dissolução ou liquidação da sociedade, mas não modifica nem prejudica os direitos dos credores. c) A incorporação determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova que a elas sucederá nos direitos e obrigações. d) Na fusão, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Resposta correta: letra “a”. Vide art. 1.122 do Cód. Civil.

Resultados sociais

Todas as sociedades (lembre-se que o Cód. Civil separou sociedades - art. 981 – das associações – art. 53) têm como objetivo o lucro, embora este, por fatores ligados ao risco da atividade econômica, possa não ocorrer. Surge, portanto, a necessidade de, ao final do exercício social verificar o resultado da sociedade, que será apurado a partir das demonstrações financeiras. O lucro que houver sido auferido e a sua destinação, isto é, partilha entre os acionistas (que receberão dividendos), sua retenção para projetos de investimentos, constituição de reservas para contingências etc., serão definidos pela Assembléia Geral Ordinária. Apurado o resultado do exercício, serão compensados os prejuízos acumulados, uma vez que somente haverá lucro quando houver sobras após a absorção dos resultados negativos. Depois disso vem a dedução a título de provisão para o imposto de renda (art. 189 da Lei das S/A) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (Lei 7.689/89). Em seguida, desse saldo serão deduzidas, nessa ordem, as participações das debêntures (art. 187, inc. VII, da Lei das S/A), as participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias. Ao final das deduções se chega ao lucro líquido, o qual, como adverte o prof. Fábio Ulhoa Coelho,8 poderá adotar três caminhos: distribuição de dividendos, constituição de reserva de lucro e capitalização para o aumento do capital social. A reserva legal será de 5% do lucro líquido, desde que não exceda a 20% do capital social (art. 193 da Lei das S/A) e tem por finalidade exclusiva compensar prejuízos ou aumentar o capital social. As reservas estatutárias 8 Manual de Direito Comercial, 16ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 216.

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são aquelas criadas pelo Estatuto e se destinam ao atendimento de necessidades específicas, dentro de uma visão estratégica da companhia. A Assembléia Geral poderá, por proposta da Administração, aplicar parte do lucro líquido à formação de reservas para contingências com a finalidade de compensar, em exercício futuro, a perda advinda de evento provável, como acontece, por exemplo, com uma ação judicial que a companhia já perdeu em duas instâncias, aguardando um julgamento desfavorável pelo Tribunal Superior. Há a reserva de retenção de lucros para cobrir as despesas com investimentos relevantes previstos no orçamento de capital previamente provado pela Assembléia Geral. Destina-se a reserva de lucros a realizar a impedir que sejam distribuídos aos acionistas lucros resultantes de recursos já contabilizados pelo regime de competência, mas que ainda não ingressaram materialmente na companhia. Essa reserva somente será criada se o dividendo obrigatório ultrapassar o lucro efetivamente realizado, o qual corresponde ao lucro que, além de contabilizado pelo regime de competência, houver realmente entrado no caixa da companhia. Também com o nome de reservas, a lei prevê as reservas de capital (art. 182, § 1º, da Lei das S/A) e de reavaliação, as quais não se relacionam diretamente com os resultados do exercício. Os dividendos obrigatórios são as parcelas do lucro líquido compulsoriamente distribuídos pela companhia aos acionistas (art. 202 da lei das S/A), correspondendo a uma garantia de retorno do investimento aos acionistas, para evitar que todo o lucro seja reinvestido na empresa. Como ressaltamos ao falarmos sobre os direitos essenciais dos acionistas, caso o estatuto seja omisso e deseje introduzir regra sobre o dividendo mínimo obrigatório, este não poderá ser inferior a 25% do lucro líquido ajustado (art. 202, § 2). No entanto, o art. 202, § 3º, autoriza que os lucros não sejam distribuídos, quando se tratar de companhias abertas e houver necessidade de captação de recursos por debêntures não conversíveis e nas companhias fechadas sem oposição de qualquer acionista presente à assembléia (inclusive o preferencialista sem direito de voto) , salvo as controladas por companhias abertas, não sendo o caso de captação de recursos para debêntures. Ademais, não será observado o dividendo obrigatório quando os órgãos da Administração informarem que a situação financeira da companhia não é compatível como seu pagamento (art. 202, § 4º, da Lei das S/A). Denominam-se prioritários são os dividendos devidos aos acionistas preferenciais ou preferencialistas. Eles podem ser fixos (parcela determinada ou percentual), mínimos (valor nunca inferior a certa importância ou percentual), podendo receber igual ou mais que os dividendos pagos às ações ordinárias. Cumulativos são os dividendos que, não pagos em um exercício,

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se somam e são devidos nos exercícios subseqüentes. Ao contrário, os não-cumulativos são os que, se não forem pagos em determinado exercício, não se transferem para os exercícios posteriores.

A legislação previdenciária veda à empresa em débito para com a Seguridade Social distribuir bonificação ou dividendo a acionista, dar ou atribuir cota ou participação nos lucros a sócio-cotista, diretor ou outro membro de órgão dirigente, fiscal ou consultivo, ainda que a título de adiantamento, sob pena de sujeitar o responsável por multa equivalente de 50% das quantias que tiverem sido pagas ou creditada a partir do evento. De igual modo, o art. 32 da Lei nº 4.357/64, com redação dada pelo art. 17 da Lei nº 11.051/04, dispõe que as pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito não garantido para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, por falta de recolhimento de imposto, taxa ou contribuição, no prazo legal, não poderão distribuir quaisquer bonificações a seus acionistas, dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou quotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos. A infração acarretará multa em montante igual a 50% dos valores indevidamente pagos, igualmente aplicável aos diretores e demais membros da administração superior que as receberem.

DESAFIO (Cesgranrio- 2006) As informações a seguir são relativas à empresa Indústria de Tecidos Kverão S/A, cujo estatuto é omisso no tocante à distribuição de dividendos: Lucro liquido do exercido ....................................... ......... R$ 340.000,00 Valor destinado à constituição da reserva ........................... R$ 17.000,00 valor destinado à constituição de reserva de contingências ... R$ 60.000,00 O valor, em R$, do dividendo obrigatório a ser pago pela companhia, obedecidos os preceitos estabelecidos na Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações) será a) 80.000,00. b) 140.000,00. c) 131.500,00.

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d) 70.000,00. e) 65.750,00. Resposta correta: letra “c”. Na omissão do estatuto, o dividendo mínimo obrigatório é de 50% do lucro líquido, o qual é apurado computando-se as importâncias destinadas à constituição da reserva legal e à formação das reservas para contingências (art. 202, inc. I, alíneas “a” e “b”). DESAFIO (Cesgranrio-2006) De acordo com os dispositivos da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), a companhia poderá constituir reserva de lucros a realizar quando: a) Reserva legal deixar de ser constituída em função de ter sido atingido o limite de 20%. b) Valor dos lucros realizados for inferior ao do dividendo obrigatório. c) Houver reversão da reserva de contingências. d) Ocorrer aumento de capital com incorporação de reservas. e) O resultado líquido da equivalência patrimonial for negativo. Resposta correta: letra “b”. Pelo art. 197 da Lei das S/A, com a redação dada pela Lei nº 10.303/01, a constituição da reserva de lucros a realizar somente será criada se o valor do dividendo obrigatório superar o valor do lucro efetivamente realizado, em razão do regime de competência que preside a elaboração das demonstrações financeiras. Completamos até aqui a metade do nosso curso. Se contarmos a aula demonstrativa, então já teremos passado desse marco importante. Sempre enfatizo a recomendação de leitura atenta dos artigos citados. Aliás, a aula pressupõe que você esteja lendo esta exposição com os códigos e leis na mão. Treine, compare, analise, sintetize, associe, procure estabelecer relações entre os assuntos. Só tome bastante de cuidado com as notícias de jornal sobre fusões e incorporações de empresas, porque muitas das vezes se trata de compra de controle acionário ou de sociedades pertencentes a grupos distintos que se

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unem em parceria para formar uma nova sociedade, mas com a manutenção das sociedades anteriores, sua estrutura, patrimônios e sócios. Neste caso, haverá a formação de uma joint venture ou simples associação de capitais de risco entre empresas de grupos societários distintos. É uma questão extra-societária, já que não interfere na estrutura interna (intra-societária) das entidades envolvidas. Esforce-se para desenvolver processos mentais superiores, os quais proporcionam maior nível de compreensão e retenção da matéria. Assim você estará se capacitando mais eficientemente. No nosso próximo encontro trataremos dos títulos de crédito. Curiosamente, os alunos costumam se interessar bastante por essa matéria, a qual tem seu campo prático muito reduzido nos dias de hoje, tendo em vista que as transações em dinheiro eletrônico (débitos automáticos e cartões de crédito) já superam a utilização do papel moeda e dos títulos de crédito tradicionais. De qualquer modo, seguimos apreendendo. Bom estudo e até a próxima aula.

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AULA 4 - TÍTULOS DE CRÉDITO

SUMÁRIO I. Teoria Geral II. Endosso e Cessão de Crédito III. Aval e Fiança IV. Letra de Câmbio V. Nota Promissória VI. Duplicata VII. Cheque VIII Protesto Olá ! Dou-lhe boas-vindas à nossa aula 4, que versará sobre os títulos de crédito. Espero que você a aproveite bastante e aumente a sua compreensão sobre o assunto.

A partir da desvinculação da obrigação como fenômeno ante então ligado estritamente ao credor e ao devedor, sem a possibilidade de extravasar o âmbito das relações jurídicas que os uniam, passou então o crédito a ser visto sob o enfoque de sua patrimonialidade ou economicidade exterior aos sujeitos. Com isso, admitiu-se a sua incorporação a um documento suscetível de transferência de modo totalmente separado da relação jurídica inicial, de tal modo que a transferência do documento significa a transmissão do direito de crédito nele representado. A circulação é uma das funções econômicas dos títulos de crédito, permitindo que um direito a vencer, pendente de vencimento, seja imediatamente negociado e o titular já receba, ainda que parcialmente, o valor nele representado. Fantástico isso, não ?

A prática dos títulos de crédito sofreu drástica redução no país, como resultado da utilização generalizada dos cheques “pré-datados”, (na verdade, pós-datados), que acabaram substituindo as Notas Promissórias, as Letras de Câmbio e, até mesmo, as Duplicatas. Estas continuam existindo, mas sob a forma escritural ou virtual, sem a emissão física do documento, uma vez que a legislação permite a cobrança desse título mediante aceite (anuência do devedor à obrigação de pagar o título) presumido ou tácito e a solicitação do protesto ao cartório de protesto de títulos por via eletrônica.

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Vamos transitar por esse mundo dos títulos de crédito ?

Teoria Geral

Noção de crédito De onde vem a palavra crédito ? Etimologicamente, a palavra crédito vem do latim “creditum”, “credere” (confiança, crença), pois importa um ato de fé do credor que acredita na promessa de pagamento que lhe faz o devedor. Caracteriza a realização de uma prestação presente, executada pelo credor, tendo por contrapartida a promessa de realização de uma prestação futura, a ser satisfeita pelo devedor. Ensina, J. X. Carvalho de Mendonça, considerado o maior comercialista de todos os tempos, que crédito é "A operação mediante a qual alguém efetua uma prestação presente, contra a promessa de uma prestação futura ...”. Trata-se, numa síntese perfeita, de troca de bens presentes por bens futuros. Daí decorrem os seguintes elementos do conceito econômico de crédito: confiança (entrega da mercadoria ou dinheiro e a crença do pagamento) e tempo (o intervalo entre a prestação – mercadoria ou dinheiro – realizada pelo credor e aquela a ser desempenhada pelo devedor). O cheque, tal como foi originariamente concebido, é considerado título de crédito impróprio, justamente porque não traz consigo o elemento tempo. Sua vida é de curta duração (é ordem de pagamento à vista), sofre restrições em sua circulação (admite apenas um endosso), cumprindo a função de instrumento pagamento, e não de circulação (transferência) do valor nele contido. A superação daquele vínculo estático, estanque, imóvel, entre credor e devedor, permitiu que o crédito, correspondente àquele vínculo, pudesse ser transposto para um documento, fazendo com que esse documento pudesse ser objeto de transações, de negócios, de transferência autônoma de direitos, desprendendo-se daquela relação inicial entre credor e devedor. Surgiram então os títulos de crédito. Quando o direito que resulta da operação de crédito estiver contido num documento, físico ou eletrônico, sem o qual ele não pode ser exercido, onde o documento é essencial ou indispensável à existência e à exigibilidade autônoma do direito, defronta-se então com o título de crédito.

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Definição de título de crédito Dentre as inúmeras definições de título de crédito, a de Cesare Vivante, antigo professor da Universidade de Roma, certamente é a mais prestigiada, enunciando de maneira singela e completa as características principais desses instrumentos: “Título de crédito é o documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”. Para o ex-Ministro da Fazenda, José Maria Whitaker, é “o documento capaz de realizar imediatamente o valor nele contido”. Mas é primeira definição que foi adotada no art. 887 do Cód. Civil de 2002. Senão, vejamos:

Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

Consiste o título de crédito num documento que corporifica um crédito, que se materializa num documento, valendo por aquilo que está nele escrito, e que, ao mesmo tempo, é autônomo frente à relação jurídica originária, contando com uma série de obrigações juridicamente destacadas que vão sendo assumidas nos títulos de crédito independente das outras.

Desse modo, o título que preencha os requisitos da lei, do próprio Cód. Civil, ou de leis anteriores que já dispunham sobre matéria de títulos de crédito, como a Lei do Cheque, a Lei da Duplicata etc... o documento que contiver os requisitos previstos em lei passa a ter a natureza de título de crédito.

Características ou atributos (ou princípios) Quando o art. 887 do Cód. Civil menciona “O título de crédito, documento necessário”, enfatiza o princípio/atributo da cartularidade, pelo qual o título de crédito se cristaliza, se materializa num documento, num suporte físico ou virtual. Mais à frente falaremos da Duplicata virtual, inserida na desmaterialização dos títulos de crédito. Na referência “ao exercício do direito literal”, o Código invoca a literalidade, pois o título de crédito vale por aquilo que nele está contido, e não por elemento fora do título. Ao mesmo tempo em só tem natureza de título de crédito aquelas obrigações previstas no título e às

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quais a lei confere a natureza típica de direito cambial (de título de crédito). Pela literalidade não há obrigação assumida fora do título e nem tudo, só porque está contido no título, vai ter automaticamente a natureza e eficácia própria dos títulos de crédito, mas somente aquilo que a lei reconhecer como tal. Consta do Código no mesmo artigo a expressão “autônomo”, ressaltando a autonomia, no sentido de que num primeiro momento se fala em independência entre as diversas obrigações cambiais, ainda que no título intervenham diversas pessoas. Há autonomia, ao contrário do que ocorre com as relações tipicamente civis. Por exemplo: uma fiança é acessória à uma obrigação principal; já o aval é independente em relação às demais obrigações. Todas as obrigações valem por si, como obrigações novas, originárias, próprias, independente das demais. Isso conduz à abstração da relação jurídica inicial, do motivo que deu causa, que justificou a emissão do título. Gera, ao mesmo tempo, a impossibilidade de o devedor alegar ao portador de boa-fé do título defesa ou argumentos ligados à relação jurídica inicial.

Vamos aprofundar essas características, princípios ou atributos, expressões aqui tomadas como sinônimas, uma vez que não há unanimidade na doutrina.

Cartularidade: ao dizer o Código que é um documento está enfatizando o aspecto de suporte de fixação de caracteres, de cártula, de certificado. Daí a razão pela qual se diz que o título de crédito é um título de apresentação de seu documento.

Por que é um título de apresentação? Porque sem o título não se constitui nem se prova a qualidade de credor. Para que o credor possa exercer o direito que resulta do título é indispensável que ele exiba o título, porque a prova de que ele é credor não está num elemento fora do título; está contida no corpo do próprio título.

Pergunta da prova do 17º Concurso da Defensoria Pública fluminense: Qual o princípio cambial que justifica que o juiz exija que a execução judicial seja instruída com o original dos títulos? A Resposta é o princípio da cartularidade, porque sem o título de crédito a pessoa não tem como provar a qualidade de credora. O título é elemento constitutivo do direito do credor. Sem o título não se exerce o direito nele contido. o título de crédito é um título de apresentação, o credor tem que provar a sua qualidade e essa prova se faz através do elemento constitutivo que é o próprio título. É por isso que o título de crédito é também obrigação em princípio quesível (vide abaixo, conforme o art. 2º da Lei Uniforme em matéria de títulos de crédito e o art 889 do Cód. Civil), porque o

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título de crédito, embora possa nascer com determinado credor originário, ele é feito para entrar em circulação através de endosso. Enfim, o título de crédito é um documento que representa um direito sem o qual não se exerce esse direito, ao mesmo tempo em que permite a sua circulação econômica.

Obrigações portáveis são pagas no domicílio do credor. O devedor tem que procurar o credor para pagar-lhe.

Obrigações quesíveis são aquelas em que o pagamento é feito no domicílio de devedor.O credor tem que procurar o devedor para receber.

Insista-se: o título de crédito é um documento de apresentação sem o qual o direito não se exerce. O princípio que justifica essa necessidade da execução ser instruída por um original é a obrigatoriedade de o credor provar tal qualidade. Mas não basta tirar xerox autenticada? Ela não supre a necessidade do original, já que a autenticação pelo cartório tem fé pública? Não, porque se pode tirar a xerox, autenticar e em seguida endossar o original enquanto se está instruindo a inicial com a cópia autenticada. Por está razão há a necessidade da apresentação do original. Por segurança, por cautela, nós até instruímos o processo de execução com a cópia e o juiz pede o original para comprovar. Então o advogado o mostra para o escrivão, que certifica conferir com os originais, ou então o juiz manda depositá-lo em cofre no cartório, ficando o escrivão fica como depositário do título.

O fato é que o documento há que ser exibido. Imagine que o credor originário pode haver endossado o título. O credor não é constante e estático no título, pois este pode circular e ser transferido. Logo, não é o credor pessoa certa e determinada, mas pessoa determinável e identificável pelo devedor no momento em que o título lhe for exibido para pagamento. Então como o devedor sabe a quem pagar? Ele não sabe ao certo. Contraiu a obrigação em favor de uma pessoa, mas o título está circulando... . Irá pagar a quem? Cabe ao credor se dirigir ao devedor e demonstrar, pela cadeia sucessiva de endossos (claro, se o título houver sido endossado), ser ele o portador legítimo. Nesse caso, o devedor faz o pagamento ao credor do título, o portador que está legitimado a exigir e receber aquele pagamento.

A cartularidade vem sofrendo uma certa relativização, uma flexibilização com as Duplicatas, que vêm revolucionando a teoria dos títulos de crédito, tanto do ponto de vista da cartularidade, quanto da literalidade. Já é realidade é no Brasil a Duplicata virtual.

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Duplicata virtual é a duplicata sem base física, sem suporte físico material, com existência apenas virtual, incorpórea, sem estar corporificada num documento tangível. Ela existe porque o art. 15 da lei 5.474/68 - Lei das duplicatas -, prevê o suprimento do aceite nos títulos pelo aceite tácito ou presumido. Torna-se dispensável o aceite expresso (assinatura do devedor no título). Como agora ocorre esse aceite tácito? Com base no art. 15 da Lei de Duplicatas, quando o título, embora estando sem o aceite expresso, está protestado e acompanhado do recibo de entrega da mercadoria (aquele canhoto da nota fiscal). Esse canhoto mais o protesto do título reúnem as condições de plena cobrança judicial pela via da execução, sem a necessidade do aceite lançado de modo explícito pelo devedor.

O comprovante da entrega juntamente com o protesto do título no cartório de protesto suprem a necessidade de aceite expresso. Isso já existia desde 1968. A Lei de Protestos, Lei nº 9.492/97, no seu art. 8º § único, introduziu uma novidade: a possibilidade do pedido/requerimento de protesto ser encaminhado ao cartório de protesto através de meio eletrônico ou magnético, sem necessidade de apresentação física nem do título nem do requerimento. O conteúdo das informações desse pedido/requerimento de protesto ao cartório fica sob a inteira e exclusiva responsabilidade do credor que está requerendo a providência cartorária. O título é protestado (o devedor recebe uma intimação para pagar e, não pagando, efetiva-se o protesto) e o credor toma o instrumento do protesto lavrado pelo oficial e o recibo da entrega da mercadoria (aquele canhoto da nota fiscal), instruindo assim a sua execução.

Quando nós temos por configurado o recebimento da mercadoria? O que se exige é que seja alguém, não a pessoa específica do devedor, podendo ser a pessoa do preposto do devedor, um empregado, um gerente, o encarregado de receber mercadorias, ou seja, se exige que seja assinado por alguém que segundo a doutrina seja um preposto. Considera-se preposto todo aquele que está executando ordens, prestando serviços por conta de outrem, não necessariamente por força de relação de emprego. Independe da relação pela qual esteja recebendo ordens ou prestando serviços para a outra, desde que essa pessoa assine o canhoto ou recebo, caracterizado está esse recebimento da mercadoria.

Há uma presunção de que foi entregue. Essa presunção pode ser afastada se devedor, ao receber a intimação do protesto, comunica ao cartório que não pagará o título que está sendo protestado porque não reconhece a cobrança. Se quem entregou o título o fez à pessoa errada

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ou a cobrança é realmente indevida, isso gerará uma responsabilidade civil indenizatória. Então, todo o processo não tem um controle prévio da circulação e da cobrança do título, e sim finalistico, se ao final for verificado algum problema, responde aquele que entregou a mercadoria errada, entregou documento errado, protestou o título sem ser devido, título já pago...

O protesto é um requerimento do credor pedindo para que o oficial solenemente declare que o título não foi pago, e devedor pode apresentar razões pelas quais ele não efetuará o pagamento. Mas isto não susta o protesto. O que vai evitá-lo é o pagamento no prazo de três dias, que é o prazo que o devedor tem para pagar o título que está sendo protestado, ou pede em juízo um provimento judicial cautelar ou de antecipação dos efeitos da tutela de mérito, para que o cartório se abstenha de realizar o protesto. Ou paga ou pede uma ordem judicial para evitar o protesto. Só há essas duas maneiras de sustar, de evitar que o título seja protestado.

O princípio da cartularidade ficou bastante mitigado, pois agora na prática (98% dos casos) os bancos e as empresas não operam mais com a duplicata em papel, e sim com a virtual.

Como funciona a duplicata virtual? Por exemplo: A Sadia vende para as Casa Sendas mercadorias acompanhadas de nota fiscal. O encarregado pelo recebimento nas Sendas destaca e assina o canhoto da nota fiscal devolvendo-o para a Sadia. Esta comunica ao Banco a venda de seus produtos às Casa Sendas e que está precisando de caixa imediatamente. Então faz um endosso eletrônico das informações próprias da duplicata em favor do Banco. Recebidas as informações, o Banco credita dinheiro na conta da Sadia e fica como endossatário daquele título criado virtualmente. A partir disso, o Banco manda um aviso para as Casa Sendas, aquele boleto bancário, que é o aviso de que o devedor deve agora se dirigir ao Banco e não mais à Sadia para efetuar o pagamento. O banco recebe o pagamento no vencimento estipulado e a obrigação se extingue satisfatoriamente. Mas vamos imaginar que as Casa Sendas não paguem. O Banco, que já está de posse daquelas informações relativas ao título, já é o endossatário desse título virtual , também por via eletrônica pede ao cartório de protestos que efetue o protesto. O cartório de protesto que notifica/intima as Casa Sendas para fazer o pagamento em 3 dias.

Mas como é a comprovação desse endosso? Através dessas informações, que são mandadas para o cartório, o qual, por se tratar de via eletrônica, não tem como certificar a veracidade. Aí diz o § único do art. 8º da Lei de Protestos (Lei nº 9.492/97) que a veracidade desses

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dados, se houve endosso, se houve negociação do título, fica a cargo exclusivo de quem está pedindo o protesto. Se essas informações forem falsas, inexatas, o próprio Banco que está pedindo o protesto terá responsabilidade civil, pois se insere no risco da atividade bancária.

No final, o devedor não paga e o título acaba sendo protestado. E o credor faz o que? Ele vai pegar o instrumento de protesto, que é a declaração/certidão do oficial de que o título está protestado, o recibo da entrega da mercadoria e juntar à petição da ação de execução. O título vai estar dotado de executividade, não só para uma ação de execução, mas também para o pedido de falência.

No art. 15 da lei 5.474/68 (Lei das Duplicatas), que fala em duplicatas de mercadorias “...poderá ser suprido o aceite através do recibo de entrega de mercadorias e o protesto...” restava a dúvida se a duplicata de serviços também se incluía, se a duplicata de prestação de serviços também teria essa executividade, essa força executiva.

O art. 20 § 3º, da Lei 5.474/68 manda que sejam observados na duplicata de serviços as disposições relativas à duplicata de mercadorias. Assim, se é aplicado à Duplicata de mercadorias o suprimento do aceite dessa forma, pelo art. 20 § 3º, vamos aplicar a mesma sistemática para a duplicata de serviços, embora não mencionada expressamente no art. 15 a duplicata de serviços. Na dúvida persistiu até que o STJ pacificou a questão com a edição da Súmula 248, pela qual “isso gerava dúvida nos tribunais, até que o STJ pacificou essa dúvida com a edição da súmula 248: Comprovada a prestação dos serviços, a duplicata não aceita, mas protestada, é título hábil para instruir o pedido de falência.

A Lei nº 10.931/04 estabelece, entre outros, regras sobre a cédula de crédito imobiliária, prevendo o art. 18, § 3º, que ela poderá ser emitida sob a forma escritural. Do mesmo modo, a Lei nº 11.076/04, que dispõe sobre os chamados títulos do agronegócio, disciplina o Certificado de Depósito Agropecuário (CDC) e do Warrant Agropecuário, os quais são títulos de crédito de emissão sob a forma escritural. O Cód. Civil de 2002 também menciona a ampla possibilidade de criação de títulos virtuais no art. 889, § 3º que assim está redigido: O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo. Ainda que a legislação específica não contemple ou preveja a possibilidade de um determinado título ser emitido escrituralmente, a norma geral do

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referido art. 889, § 3º, comporta aplicação e torna viável a emissão virtual.

Literalidade: a literalidade tem a função de garantia, pois o devedor só se obriga pelo que está no título. Numa fórmula simplista, vale o que está escrito no corpo do título. Obrigações assumidas externamente ao contexto material do título não vinculam o devedor sob a ótica cambial, isto é, de acordo com o direito cambiário ou direito relativo aos títulos de crédito. Obrigações que eventualmente estejam estão fora do título não são atraídas nem reguladas pelo direito cambiário. Prova disso é a Súmula 26 do STJ: O avalista do Título de Crédito vinculado a contrato de mútuo também responde pelas obrigações pactuadas quando no contrato figurar como devedor solidário.

Se um Banco celebra um contrato e quer que as obrigações sejam asseguradas através de um título vinculado ao contrato, não basta que o avalista assine apenas o título de crédito, pois terá que assinar também o contrato, para se sujeitar o às cláusulas contratuais. É muito comum o contrato estipular a cláusula pela qual “Em garantia do cumprimento deste contrato são emitidas X Notas Promissórias nos mesmos valores em iguais datas de vencimento das obrigações aqui previstas ...”. Se o contrato não for honrado, o credor que quiser cobrar do avalista cláusula penal, juros, cláusula de foro, comissão de permanência (mais um monte de coisas que não estão no título), deverá ter tido o cuidado de exigir que o avalista também o tenha assinado, sob pena de somente poder cobrar dele exclusivamente as obrigações do título de crédito, que não incluem os encargos mencionados. Por exemplo: só se pode colocar juros num título de crédito se forem remuneratórios ou compensatórios como na letra de câmbio a vista ou a tempo certo de vista (art. 5º da Lei Uniforme), embora o Cód. Civil o proíba totalmente (art. 890). Na letra de câmbio com vencimento a dia certo não cabe fixação de juros. Nesse caso, se há uma cláusula estipulando juros, tal cláusula não é regida, disciplinada, pelo direito que trata dos títulos de crédito por causa da literalidade. Literalidade no sentido de exigir os requisitos mínimos do título, de que só aquilo que consta do título tem natureza cambial. Mas ao mesmo tempo tem sentido excludente, porque nem tudo que consta do título tem natureza cambial, mas apenas aquilo que a lei cambial diz passa a ter a regência dos títulos de crédito;

A literalidade também vem sofrendo relativização. Um exemplo é a Duplicata, a qual, como vimos, admite o aceite tácito. Significa um caso

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de relativização, porque a literalidade traz a idéia de que não há obrigação por elementos ou circunstâncias externos ao título. Tudo deve estar contido no próprio título. Como se perfaz a executividade de uma Duplicata quando não contém o aceite expresso? Através do protesto e do recibo da entrega da mercadoria. Esse recibo e esse protesto estão incluídos na Duplicata ou se referem a ocorrências fora dela? Por isso estamos também quebrando a literalidade. O título está se completando por dados externos, exteriores a ele. O aceite do título está sendo suprido por elementos que estão fora do título, estão em outro documento, que vai completar a executividade da Duplicata. Essa complementação com elementos de fora é uma relativização da literalidade, porque a idéia inicial é que o título tenha de estar completo, não podia depender de elementos de fora. Porém aí, nesse caso, a lei abriu uma exceção.

Por que a lei cambial determina que o endosso parcial é nulo e no endosso condicional a condição é considerada inexistente (art. 12 da Lei Uniforme e art. 912 do Cód. Civil)?

Vamos à resposta.

O título de crédito nas suas características originais, esquecendo-se desse problema da desmaterialização, é um título de apresentação ao devedor. O endosso não transfere o título? Sim. Se eu fizer um endosso parcial, eu estarei transferindo para um terceiro parte do crédito e ainda conservando parte desse crédito comigo. Passarão a existir dois credores e somente um título. Não se admite essa possibilidade, porque contraria toda a construção das regras que disciplinam os títulos de crédito. O endosso parcial é nulo porque fere a cartularidade que um dos princípios que regem os títulos de crédito. Teríamos que cortar o título ao meio (que absurdo !) e deixar a metade com cada credor: endossante e endossatário.

No endosso sob condição, essa condição é considerada inexistente porque a ocorrência da condição não está prevista no título. Isso envolve a literalidade. Por exemplo: Transfiro o título para Priscila sob a condição de no final de semana fazer sol, então, a eficácia do título vai depender de uma declaração, uma certidão do departamento meteorológico dizendo que a condição ocorreu. O título estaria se completando por elementos estranhos, externos, que não estão contidos no próprio título, ferindo o princípio da literalidade. Esse princípio é uma garantia para o devedor, que não corre o risco de ser obrigado a circunstâncias fora do título, mas também é uma garantia para o credor (para o endossatário, o portador legítimo do título), porque o devedor também não pode alegar circunstancias ao estranhas ao corpo título. O

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devedor não corre o risco de ter agravada a sua obrigação e também é uma garantia para o credor, pois o devedor não pode vir com alegações variadas sob aspectos que estejam fora do título.

DESAFIO (Cesgranrio-1992) A respeito do endosso parcial, pode-se afirmar que é: a) Anulável. b) Plenamente válido. c) Inexistente. d) Nulo. e) Considerado não escrito. Resposta correta: letra “d”. Vide art. 12 da Lei Uniforme e art. 912, § único do Cód. Civil

Sobre a literalidade se indagava (a questão chegou a cair em concurso para Procurador do Estado do Rio de Janeiro) se era possível que um determinado título de crédito tivesse seu valor a pagar expresso em indexadores, índices de reajustes, de obrigações, de reajuste de valores, ou seja, poderia um título expresso, por exemplo, em IGP-M, e a discussão é: isso afeta a literalidade, compromete a literalidade? A literalidade diz que tudo que se refere ao título está contido no próprio título e os valores que compõem os índices estão fora dele.

Diz à lei que a quantia a pagar tem que estar contida no próprio título (art. 1º da Lei Uniforme). E aí esse título vem referenciado, indexado a um índice que não está no próprio título e que depende de verificação exterior ao título. Por exemplo: “Pagarei por esta Nota Promissória a quantia que no dia do seu vencimento corresponder a tantos índices acumulados do IGP-M”. Afetaria isso a literalidade? Uma primeira aproximação nos levaria a crer que sim, face ao cálculo e à apuração do índice estarem fora do próprio título, o qual só mencionaria a quantidade de unidades do índice. Em certa época de aceleração inflacionária no país entendeu-se que o fato do título vir expresso em índices não compromete a literalidade, desde que o índice seja público (bastante divulgado) ou oficial (divulgado pelo Poder Público) e o valor a pagar dependa de mero cálculo aritmético, que qualquer um pode fazer (soma, subtração, multiplicação e divisão). Nessa hipótese, pacificou o STJ a tese de que o título já é substancialmente liquido (apurado em seu montante), uma vez que os índices são facilmente encontrados e

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demandam elementar operação matemática, não causando ofensa ao princípio da literalidade.

Autonomia: significa que as obrigações assumidas no título são novas, originárias e independentes uma das outras. Cada vez que alguém coloca o aval, endossa um título, assume na verdade uma obrigação desvinculada da ou das anteriores. Em lição preciosa para o tema, convém reproduzir as explicações ministradas pelo emérito jurista João Eunápio Borges:

É nas relações entre o devedor e terceiros que se afirma, com toda a sua nitidez e plenitude, a autonomia do direito cartular. Autonomia que, sob esse segundo aspecto, significa independência dos diversos e sucessivos possuidores do título em relação a cada um dos outros. É o princípio da inoponibilidade das exceções - lenta e segura conquista da prática cambial - que o direito acolheu como norma fundamental dos títulos de créditos. (..) ... de acordo com as várias teorias que explicam essa autonomia ou independência, o que é objeto de transferência é o título e não o direito que nele se contém. Como o direito cartular não pertence, a rigor, a pessoa determinada, mas a sujeito indeterminado, e só determinável pela sua relação real com o título, cada possuidor é titular do direito autônomo e originário afirmado no título e não de um direito derivado e a ele transmitido pelos seus antecessores na posse do título. E assim o direito de cada legítimo possuidor repousa inteiro no próprio título que, destinado a circular, se desprende da relação fundamental que lhe deu origem, que foi a causa de sua emissão. Tal direito é o direito cartular, constituído pelo próprio título. ( ... )E é por isso que autônomo e independente o direito de cada um dos possuidores do título: aquela relação fundamental - pessoal, imóvel e não circulante - só é fonte de exceções entre as partes que dela participaram diretamente, constituindo, para terceiros, res inter alios acta.1 Ainda que tenha uma rede de endossos (cadeia de sucessivas transmissões do título), cada endossatário é considerado portador legítimo, autônomo e originário, independente de relação aos anteriores. Isso faz, por exemplo, com que toda transmissão do título de crédito gere uma aquisição originária, e não derivada. Quando se vende um imóvel ou um carro, isso gera uma aquisição derivada, que é um fenômeno de passagem de um bem do patrimônio do transmitente para o do adquirente.

1 Títulos de Crédito, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, pp. 15/16.

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No caso do usucapião, da desapropriação, e agora também no endosso de título de crédito, temos hipóteses de aquisição originária. Ainda que se tenha um endossante transferindo um título para o endossatário, esse endossatário passa a ser possuidor do direito novo e autônomo, independente do direito que o endossante tinha antes de fazer a transferência. De tal modo que esse direito que está incorporado ao título é que foi transmitido. Transmite-se o próprio título, e não a relação jurídica que permitiu com que esse título fosse endossado. A autonomia significa independência das obrigações afirmadas no título ou nos direitos constantes do título. Essa circunstância determina que o título se desprenda da sua causa, se desvincule da relação jurídica que permitiu que o título fosse criado, e a partir daí cada possuidor tem o seu direito marcado por uma aquisição nova, originária, autônoma, independente das outras. Como conseqüência, o devedor do título não pode alegar ao portador legítimo, que é o endossatário, a quem o título foi transmitido, problemas, aspectos, discussões, relativas a causas subjacentes, ou seja, à relação jurídica inicial, fundamental, que permitiu que o título fosse criado. Daí decorre que o título é abstrato (princípio da abstração) frente à sua causa de emissão, valendo por ela mesma cada obrigação assumida no título, e impede de serem argüidas perante o credor ou portador de boa-fé os argumentos de defesa que o devedor tenha contra o beneficiário original (princípio da inoponibilidade das exceções pessoais). Se, por exemplo, as mercadorias adquiridas forem devolvidas à loja, o cheque que o estabelecimento recebeu e endossou a terceiros não pode ser sustado, pois as relações entre o novo credor (como uma empresa de faturização ou factoring) são independentes e autônomas. O emitente do cheque deve pagá-lo ao legítimo credor apresentante e cobrar respectivo ressarcimento junto lojista. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 50607, relator o Ministro Aldir Passarinho Junior.

O endossatário passou a ter direito autônomo, originário, em relação ao direito que o lojista tem de receber o pagamento do cheque que originou a entrega da mercadoria. O endossatário de boa-fé é estranho à relação mantida com o lojista e não poderá haver a alegação perante este de problemas que afetem a relação jurídica fundamental, a partir da qual o cheque foi emitido. Aí é que está essa autonomia, independência. E se assim é, então o devedor do cheque não pode opor as defesas ou exceções pessoais.

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Não podemos confundir exceções pessoais com exceções reais. As exceções reais são as que afetam o título em si, de regularidade formal do próprio título. Por exemplo, não tem por extenso o valor a pagar, só por numeral, ou falta a assinatura do devedor ou outro requisito extrínseco de forma, considerado essencial pelo arts. 1º e 2º da Lei Uniforme. Estes são problemas ou vícios que comprometem o próprio título, e a não relação jurídica fundamental, que alguns chamam de exceções formais ou reais Ou seja, não estão ligadas à relação jurídica fundamental, inicial. Relacionam-se ao rigor formal do título.

A Duplicata é um título causal quanto à origem, quanto à situação que a lei prevê para autorizar o seu saque, mas não depois quando ela entra em circulação através de sua transferência por endosso. A Duplicata é um título causal, que chamamos de “cambiariforme”, que correspondem a títulos ligados à uma causa específica de emissão. Essa causa significa que o título só pode ser criado a partir de certa situação legalmente prevista. Após a Duplicata estar completa (inclusive com o aceite) e é endossada o devedor não pode alegar que a mercadoria não foi entregue ou que apresenta vícios. Tem que pagar e posteriormente cobrar a solução do problema junto ao sacador do título. Apenas existe uma situação prévia, definida na lei, e somente aquela situação autoriza o saque do título. Mas depois que o título foi sacado, entrou em circulação, já tem o aceite (o bom da duplicata é que ninguém obtém o aceite expresso, pois, como vimos, o título fica circulando por um modo virtual, até que ele é apontado ao protesto, que supre o aceite expresso juntamente com o comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação de serviços), desprende-se de sua causa originária e abre espaço para a autonomia, donde decorrerem a abstração e a inoponibilidade das exceções. Enquanto o aceite tácito ou presumido não se verifica, o devedor, no prazo de 3 dias para o cartório efetuar o protesto da Duplicata, pode alegar as defesas (ou exceções) baseadas na relação jurídica que deu causa à emissão do título, mas isto porque ainda não havia o aceite. Na verdade, nesses casos virtuais, o título só se completa com o protesto. É porque o devedor não recebeu antes o título para dar o aceite. Na prática da Duplicata ninguém manda mais para aceite. Entrega a mercadoria, pega o canhoto, comunica ao banco, o qual envia o boleto. Se não há pagamento, o protesto é pedido via on-line e ele é efetuado, suprindo o aceite; e é neste momento que poderá o devedor alegar que suas defesas. Com a apresentação das razões pelas quais não realiza o pagamento, amparadas que devem estar no art. 8º da Lei de Duplicatas (Lei nº 5.474/68), o título fica capenga, não se completa o aceite presumido e ele passa a estar carente de força executiva para a cobrança.

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Imaginemos uma situação ideal, segundo a doutrina: eu encaminho para você, uma Duplicata. Você recebe a mercadoria e logo depois eu envio a cártula para que seja dado o aceite. O título é aceito. Depois disso o título se desprende da causa original, não podendo ser alegado que a mercadoria estava com defeito, que o serviço não foi prestado etc.

Nos títulos causais ou cambiariformes, a causa só é importante no primeiro momento. Depois se desvincula. Sobre esse problema da causa e da inoponibilidade o STJ editou duas súmulas. A mais recente tem a ver com a abstração, que é a súmula 258: A Nota Promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquedez do título que a originou. Essa súmula diz que se o título de crédito tiver uma vinculação expressa a um determinado contrato ou a uma determinada relação jurídica, isto afeta a abstração e conseqüentemente prejudica a autonomia.

Então se eu pego um cheque, uma nota Promissória, e a vinculo a um contrato X que as partes assinaram em tal data, isso quebra a abstração; o título, ao ser endossado, passa a ser transferido junto com a sua causa, junto com a relação jurídica fundamental.

Agora a partir do momento em que o cheque está adstrito, vinculado relação a jurídica específica, quando eu recebo o Cheque com endosso não posso alegar que desconheço essa relação. É uma conveniência da pessoa receber um título de crédito. Ninguém é obrigado a receber título de crédito. Logo, se aceita receber o título com a causa expressamente vinculada a ele, então estará permitindo que o devedor do título alegue a sua causa, que alegue, para quem recebeu o título, os argumentos de defesa que ele tinha lá contra o credor originário da relação jurídica.

O prof. Luiz Emygdio a Rosa Junior diz que se você endossa um título e esse está vinculado pelas partes à sua causa isso gera uma aquisição derivada e esta é sempre limitada, enquanto que a aquisição originária é plena, total. Como no usucapião, por exemplo, aquele que adquire a propriedade no usucapião adquire a propriedade plena, sem quaisquer restrições ou gravames. Já se a pessoa compra um bem e este tem algum tipo de gravame, vai comprar bem junto com o ônus, porque a compra e venda é uma aquisição derivada, ao contrário da usucapião que é originária. Então o endosso comum, sem vinculação do título, gera uma aquisição originária e o endosso com vinculação expressa no título de sua causa, gera uma aquisição derivada, que é limitada.

Retornando a Súmula 258 temos que se você vai a um banco, e a modalidade mais comum de contrato bancário é o contrato de abertura

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de crédito, é o mais vulgar da prática bancária. Aí o banco pega a Nota Promissória e a vincula ao contrato como garantia das obrigações contratuais.

Para entender essa Súmula temos que entender a súmula 233, que diz que o contrato de abertura de crédito não é título executivo. Tanto não é que depois a súmula 247 enuncia que é título monitório, que é aquele carece de executividade, não é título executivo. Se esse contrato não é título executivo, não pode ser cobrado pela via expedida da ação e processo de execução. Se há a vinculação entre o contrato e o título, a iliquidez (indefinição jurídica do montante a pagar), a falta de executividade do contrato, nas palavras do STJ, vai contaminar o título de crédito atrelado ao contrato; se o principal não tem força executiva a nota promissória vinculada a ele também fica despida da mesma força executiva.

Isso serve para qualquer contrato que possua uma vinculação.

Por exemplo: a nota promissória vinculada a contrato de honorários advocatícios. Esse contrato é título executivo (art. 24 da Lei nº 8.906/94 - Estatuto da OAB). A nota promissória, nesse caso, não perde a executividade, porque está atrelada a um contrato que possui força executiva. Porém com essa vinculação perde apenas a abstração. Se os serviços não tiverem sido prestados, o devedor pode alegar que não fará o pagamento, mesmo que o título tenha entrado em circulação por via de endosso. Veja como decidiu o Tribunal de Justiça paulista:

Endosso - questionamento da causa debendi. Ainda que de boa-fé , o endossatário de notas promissórias das quais constem expressa vinculação ao contrato, fica sujeito à exceções que dispõe o emitente com base no ajuste. Os títulos em hipótese tais perdem a natureza abstrata que lhes é peculiar, sendo oponível ao portador, mesmo nos casos que tenham havido circulação por endosso. Recusa fundada em desconstituição da causa debendi. Portanto o art 17 da Lei Uniforme de Genebra não incide como meio proibitivo do longo alcance da ação de rescisão contratual. Acórdão da 3ª Câmara Cível- TJ-SP- AI 243.961-4/2 - Rel. Des. Ênio Zuliani Des. Afrânio Jurani. Julgado em 28/05/2002.

Indo um pouco mais além, é correto sustentar não pode ser considerado de boa-fé o endossatário que já conhece a relação jurídica fundamental. Isso afasta a boa-fé. O simples conhecimento da relação afasta tal alegação, porque ele sabe, tem ciência dos problemas que poderiam afetar aquela relação.

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Essa inoponibilidade das exceções é em relação ao endossatário de boa-fé. Não se refere à discussão da relação jurídica do contrato entre as próprias partes diretamente contratantes. Então, se a Nota Promissória nunca circulou com endosso, mesmo que não haja expressa vinculação do título, é possível que as partes diretamente relacionadas como título discutam entre elas a causa debendi.

Então, se eu tenho um contrato e esse tem uma Nota Promissória, onde consta vinculação expressa a tal contrato, e se o credor quiser executar a promissória, o devedor pode, uma vez que o título anda não circulou, não foi efetivado o endosso, levantar a discussão da causa. Entre as partes diretamente relacionadas não se aplica a inoponibilidade das exceções; só se aplica quando da circulação do título.

Por que perante as partes originárias é possível alegar a defesa fundada em relação causal? Por vários motivos.

1º) Porque o título prescrito não impede que seja cobrado por ação monitória ou, antes mesmo da introdução em nosso direito da ação monitória, por ação de locupletamento sem causa. Mesmo no título prescrito se pode argüir na relação jurídica fundamental.

2º) Entre as próprias partes, se o título não circulou, seria um absurdo exigir que o devedor pagasse ao credor para depois ele cobrar do próprio credor em outra ação. Até por economia processual.

3º) Porque perante o endossatário de má-fé é possível alegar exceções pessoais.

Ou seja, embora as relações do título se tornem independentes, o pagamento do título encerra a relação jurídica fundamental. Então o não pagamento do título pode deixar em aberto a relação jurídica fundamental. Se o título está restrito às partes iniciais é possível suscitar os problemas havidos nesta relação fundamental que propiciou, criou, gerou o título. DESAFIO (Cespe-1997)

O jurista italiano Cesare Vivante definiu título de crédito como o documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele mencionado. Esta definição tornou-se clássica por indicar duas das várias características aplicáveis aos títulos de créditos. Acerca das características dos títulos de credito, julgue os itens a seguir.

1. A literalidade está relacionada ao fato de que o credor de título de crédito somente pode exercer os seus direitos mediante a

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apresentação do título ao devedor. (errado. Trata-se da cartularidade) 2. A inoponibilidade de exceções em embargos propostos contra ação cambial é decorrência do princípio da autonomia das relações jurídicas. (certo, uma vez que o devedor, ao apresentar sua defesa na ação de cobrança executiva do título, não pode opor ao endossatário de boa-fé argumentos pertinentes à relação jurídica originária) 3. A afirmação de que os títulos de crédito valem pelas informações nele mencionadas está vinculada a sua cartularidade. (errado. Trata-se da literalidade) 4. A abstração é a principal característica da duplicata mercantil. (errado, porque a duplicata é título causal ou cambiariforme, que somente pode ser emitido diante da situação expressamente prevista em lei: compra e venda de mercadorias ou prestação de serviços) 5. Em decorrência da autonomia das relações jurídicas, o avalista de um título de crédito não pode alegar defeito de forma. (errado. O avalista pode opor as exceções reais ou relacionadas às questões formais do título)

Classificação dos Títulos de Crédito

Quanto à estrutura:

São ordem de pagamento: o cheque, a letra de câmbio e a duplicata.

No cheque , o emitente dá ordem ao banco, para que este pague a quem apresentar o cheque.

Na letra de câmbio, quem cria o título é o credor. Ele é quem emite, saca, coloca em circulação e dá uma ordem ao devedor para que ele pague à pessoa que está mencionada na letra de câmbio. O devedor-sacado só se vincula a partir do aceite (a duplicata é a única hipótese em que há possibilidade de suprimento do aceite pelo protesto mais aquele recibo da entrega da mercadoria). Nos demais títulos que sejam ordem de pagamento, a vinculação ocorre após o aceite, salvo o cheque, que já é emitido pelo devedor.

Pergunta-se ? O cheque pré-datado é uma promessa? O cheque pré-datado (na verdade, “pós-datado”) não é que se torne promessa, que a ordem seja desnaturada. Ele continua como uma ordem de pagamento à vista. O problema do cheque pós-datado (nomenclatura correta) é porque ele deixa de ser um instrumento de pagamento à vista em função do ajuste realizado entre o credor e o devedor. Mas se o credor descumprir o ajuste e apresentar o cheque ao Banco, este efetuará normalmente o pagamento. A combinação para depositar o cheque

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posteriormente não tem validade perante o direito dos títulos de crédito, por isso que o Banco não só pode como deve pagá-lo.

Qual é então a preocupação do cheque? Porque existe a fraude ao pagamento por meio de cheque (art. 171 CP)? Por que é crime? A explicação reside na tutela do cheque como instrumento de pagamento à vista. O cheque só cumpre a função inicial se servir de instrumento de pagamento à vista. Então, quando as partes acordam o pagamento do cheque para data futura, estão descaracterizando o cheque como instrumento de pagamento à vista. Ele passa a ser tratado apenas entre as partes como uma promessa de pagamento futuro. É isso que descaracteriza o crime de estelionato, que busca proteger o cheque enquanto instrumento que permita ao credor receber imediatamente a quantia nele representada mediante a sua pronta apresentação ao Banco. Mas se é o próprio credor que não quis receber o cheque como instrumento de pagamento à vista, logo não há a caracterização do crime.

Mas ele não fica descaracterizado como título de crédito? Não. O que fica descaraterizado é tão somente a tutela penal, e não o título. Essa tutela penal existe para não desestimular a utilização do cheque como instrumento de pagamento. É uma garantia maior de que o cheque será pago imediatamente. Mas se o próprio credor aceita que o cheque não seja pago imediatamente, ele mesmo está desvirtuando essa natureza do cheque de pagamento à vista.

A Duplicata é um título criado pelo próprio credor. O credor emite e deveria enviar para aceite, o que não mais ocorre porque dá trabalho. O que ocorre é o suprimento do aceite, que se dá pelo comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços e pelo protesto.

Promessa de pagamento: nota promissória, cédula de crédito bancário, cédula de crédito industrial e rural.

Observa-se na Nota Promissória a inscrição: “prometo pagar ...” É o próprio devedor que emite, e, ao emitir, já se vincula e se obriga ao pagamento.

A Cédula de crédito bancário veio para substituir os contratos de abertura de crédito. Dispõe o art. 26 da Lei nº 10.931/04: art. 1º : Cédula de crédito bancário é título de crédito emitido por pessoa física em favor de instituição financeira ....

Na prática, quem prepara, quem elabora, é o banco, mas consta na redação da Cédula de Crédito Bancário: “ Prometo pagar à instituição financeira...” como se quem estivesse criando o título fosse o próprio

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devedor. É promessa de pagamento, assim como a Cédula de crédito industrial (muito usada pelo BNDES em seus financiamentos), conforme o Decreto Lei 413/69, e Cédula de crédito rural e comercial. DESAFIO (Esaf-1992) A nota promissória se distingue da letra de câmbio por (PFN 92): a) Usualmente vir ligada a contratos de financiamento; b) Ser promessa de pagamento; c) Ser título a vista de apresentação; d) Admitir cláusula de juros moratórios; e) Representar obrigação líquida. Resposta correta: letra “b” pelos fundamentos acima.

Quanto à circulação: podem ser nominais (à ordem, não à ordem), nominativos e ao portador.

Nominais são aqueles que levam o nome do beneficiário ou tomador. Pode-se identificar o beneficiário ou constar a expressão “ou à sua ou ordem”, que significa que ele pode ser endossado. “À ordem” admite endosso em preto (que indica o nome do endossatário) ou em branco, quando não se menciona o endossatário e o título passa a circular ao portador.

Endosso em branco - é o título que vira ao portador. Você endossa sem indicar o beneficiário, o endossatário.

Endosso em preto - há identificação da pessoa a quem está se endossando.

Na prática, quando se recebe um cheque nominal raramente alguém faz o endosso em preto. Simplesmente se assina atrás, deixando de indicar o nome do beneficiário no momento do endosso. O título acaba circulando ao portador e, no ato de sua apresentação, quem o detém insere o nome do beneficiário.

O título com a cláusula “não à ordem” é aquele em que está proibido o endosso. Quando eu dou um cheque para alguém pagar uma conta por mim, Ronald, costumo tomar algumas providências: cruzo o cheque (para que somente seja depositado em conta bancária) e escrevo no verso a que ele se refere (porque se posteriormente for endossado a causa estará atrelada ao título, não se aplicando a inoponibilidade das

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exceções) e risco onde está grafado “ou à sua ordem”, escrevendo “não à ordem”. Com isso se proíbe a transferência por endosso. O que no máximo pode ocorrer é uma cessão de crédito, mas não o endosso. Se este ocorrer esse será irregular. Cessão de crédito é diferente de endosso? Sim. Na cessão de crédito o devedor pode alegar as exceções pessoais. No endosso, não. Mas adiante veremos quais são as diferenças entre cessão de crédito e endosso.

Mesmo que se coloque o beneficiário, no cheque nominal, por exemplo, nada impede que, em havendo perda na rua, falsifiquem a assinatura do credor e seja o cheque passado para terceiros. Este poderia alegar que é endossatário de boa-fé, o que obrigaria ao pagamento normal do cheque. A melhor solução então é proibir que o endosso seja feito (riscar o “ou à sua ordem”, que está em letras miúdas e colocar atrás do cheque a causa para vinculá-lo).

DESAFIO

(Cespe-1997)

A disciplina que rege os títulos de crédito norteia-se por uma série de princípios, como os princípios de literalidade, autonomia, abstração e inoponibilidade das exceções pessoais. De acordo com tais princípios julgue os itens seguintes.

Considere a seguinte situação: firmado um contrato entre A (obrigação de pagar) e B (obrigação de entregar coisa certa), A emitiu nota promissória consignando a promessa de pagar; B endossou a nota para C; executado por inadimplência, A defendeu-se, recusando o pagamento a C, alegando não ser obrigado em face do descumprimento do contrato por parte de B. Nesse caso, é correta a decisão do juiz que acata a defesa de A e indefere o pedido de C. (Errado, em face da vedação a que o devedor oponha ao endossatário de boa-fé argumentos de defesa baseados na relação que o primeiro tenha mantido com o credor originário do título)

Considere que seja emitida uma nota promissória por A em favor de B, e este a endosse para um C, que, por sua vez, apresenta o avalista X, endossando, em seguida, o título a D. Se for executado, o X pode se recusar ao pagamento, alegando que sua obrigação, por ser vinculada à de C, é invalida. (Errado, porque todas as obrigações afirmadas no título são autônomas e independentes uma das outras. O aval pode ser válido, embora inválida a obrigação avalizada)

O avalista que também é fiador do contrato ao qual está vinculada nota promissória obriga-se nos termos do contrato. (Certo, nos termos da Súmula 26 do STJ)

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Nominativos: Previstos no Cód. Civil de 2002 (arts. 921 e 922). Em primeiro lugar, são nominativos os títulos emitidos em favor de certa pessoa e que constem em registro do emitente. Em segundo lugar, se transmitem mediante termo, em registro do emitente, assinado pelo proprietário e pelo adquirente. É o mecanismo próprio de transferência dos valores mobiliários, como as ações das companhias.

Como é que se transfere ação? Não basta só um contrato, é preciso que as ações sejam levadas para a companhia para o registro no livro de transferência. Antes disso, essa transferência de propriedade não se consuma.

Na verdade, a ação de S.A. não é título de crédito, mas título de participação. Então se instituiu, de forma anômala e atípica, uma forma de transferência de título de crédito própria para valores mobiliários e outros títulos negociados em mercados, onde não estão presentes aqueles atributos de cartularidade, literalidade e autonomia. DESAFIO (Badesc/Fepese-2005) A propósito dos títulos de crédito, assinale a alternativa correta de acordo com o Código Civil. a) O possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor, salvo se o titulo tiver entrado em circulação contra a vontade do emitente. b) Ressalvada cláusula expressa em contrário, inserida no endosso, o endossante responde pelo cumprimento da prestação constante do título, c) É permitido o aval parcial para garantir o pagamento de titulo de crédito que contenha obrigação de pagar soma determinada. d) Qualquer negócio ou medida judicial, que tenha por objeto título nominativo, só produz efeito perante o emitente ou terceiros, uma vez feita a competente averbação no registro do emitente. Resposta correta: letra “d”, em virtude do art. 926 do Cód. Civil. A letra “a” está errada diante do art. 905 e seu parágrafo do Cód. Civil. A letra “b” está errada, porque contraria o art. 914 do Cód. Civil. Está errada a letra “c”, uma vez que o Cód. Civil veda o aval parcial (art. 897, § único)

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Ao portador: foram extintos pela Lei nº 8.021/90, na época do Collor. Paradoxalmente, Collor proibiu os títulos ao portador no Brasil para permitir a identificação de credores e combater a informalidade. Mas o Cód. Civil de 2002 reintroduziu o título ao portador ao prevê-lo no art. 904, embora dependente de lei especial autorizadora (art. 907). Sem ela, será nulo o título emitido sob a forma ao portador. Quando admitido, o título ao portador se transfere por simples tradição manual ou entrega física.

Ocorre que o cheque ou qualquer título de crédito pode ser emitido em branco ou com omissões, completando-se posteriormente o preenchimento. Nesse sentido já era a redação da Súmula 387 do STF e agora consta expressamente do art. 891 do Cód. Civil de 2002. Assim, nada impede que o título seja emitido e entregue sem indicar o beneficiário, o qual é inserido posteriormente. Diante disso, termina sendo possível os títulos ao portador. Tal solução foi admitida no STJ (Resp 204.595): CHEQUE. ENDOSSO EM BRANCO. ARGÜIÇÃO DE NULIDADE DO TITULO E DE LEGITIMIDADE DO CREDOR. EXIGÊNCIA LEGAL DE QUE O BENEFICIÁRIO SEJA IDENTIFICADO. LEIS Nos 8.021, DE 12-4-90, E 8.088, DE 31-10-90. Satisfeito pelo credor o requisito de identificação para fins de controle fiscal, não há falar em nulidade do título ou legitimidade de parte.

Aliás, tal linha de raciocínio foi desenvolvida pelo prof. Fábio Ulhoa Coelho, citado na decisão do STJ. Para o citado professor (...) nada impede que se pratique o endosso em branco, aquele que não identificou o endossatário e que transforma a letra de câmbio em título ao portador; nada obsta, também, que a letra circule, a partir de então, por mera tradição, que é o ato próprio de circulação dos títulos a portador. Contudo, para obedecer ao ditame legal de identificação da pessoa para quem o título é pago, o endosso deve necessariamente ser convertido em endosso em preto, no vencimento. Esse procedimento é inteiramente harmonizado com o previsto pela Lei Uniforme (LU, artigo 14), com a lei cambial interna (Dec. Nº 2.044/08), o artigo 19 da Lei nº 8.088/90 e a Súmula 387 do STF, além de se traduzir num mecanismo que atende aos objetivos de controle fiscal da lei do Plano Collor.2 DESAFIO (Esaf-1992) 2 Curso de Direito Comercial, vol. 1, 2º ed.. São Paulo: Saraiva,1999, pp. 402/403.

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A circulação de títulos de crédito ao portador decorre, após 1990, no Brasil, de (da): a) Estarem incompletos; b) Costume; c) Fraude; d) Simulação; e) Forma do título. Resposta correta: letra “a”, conforme decisão acima do STJ e da doutrina de Fábio Ulhoa Coelho.

Quanto à causa de emissão: títulos abstratos ou não causais podem ser criados a partir de qualquer relação jurídica, sem que a sua emissão esteja condicionada a alguma situação prevista em lei.

A letra de cambio e a nota promissória, podem ser sacadas diante que qualquer hipótese. Por exemplo, uma letra de câmbio pode ser sacada para documentar que uma pessoa bateu no meu carro e está me devendo. Saco contra ela uma letra de câmbio e ela a aceita. Outro exemplo: contraio uma dívida com um amigo e emitido em favor dele uma nota promissória.

Os títulos causais ou cambiariformes são aqueles que somente podem ser criados a partir da ocorrência de uma situação expressa e legalmente prevista.

Nos títulos causais a lei prevê uma determinada situação para a criação dos títulos e apenas diante dessa situação é que está autorizada a emissão. Mas depois de criado e completo o título, aquela causa originária dele se desprende. É um exemplo a duplicata, que, nos termos do art. 2º da Lei de Duplicatas (Lei nº 5.474/68) só pode ser emitida, criada, diante de uma compra e venda de mercadorias ou uma prestação de serviços (duplicação da fatura/nota fiscal). Porém, uma vez completa e aceita, a duplicata se desvincula da causa que lhe deu origem quando entra em circulação por via de endosso.

Observação. As duplicatas são muito cotadas porque são mais fáceis de serem cobradas. Não requerem aceite expresso, podem ser protestadas por via eletrônica. Por isso os credores muitas vezes querem emiti-las mesmo fora das hipóteses que a lei prevê. A emissão de duplicata no contrato de leasing (contrato complexo, ou misto, que envolve uma compra e venda, uma prestação de serviços, uma locação, várias obrigações) não é uma hipótese prevista pela lei para a emissão desse título. O STJ já decidiu nesse sentido (Resp 45792-0). Numa prova do

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24º Concurso para o Ministério Público do Rio de Janeiro, perguntou-se se Duplicatas vencidas, protestadas e não pagas, representativas de contrato de Leasing constituem título executivo extrajudiciais idôneos a embasar pedido de falência. A resposta é dada pela referida decisão do STJ (Resp 45792-0):

Falência. Emissão de duplicatas com base em contrato de "leasing". Inidoneidade.As duplicatas representativas de prestações do contrato de "leasing", ainda que com expressa previsão na avença, não Constituem títulos idôneos a embasar pedido de falência, por não corresponderem a venda de bens, nem tampouco a uma efetiva prestação de serviços. Recurso especial conhecido, em parte, e provido.

E ao invés da duplicata, poderia o devedor emitir em favor do credor uma nota promissória para comprovar o crédito decorrente de contrato de compra e venda de mercadorias ou de prestação de serviços ? Sim, porque a proibição se dá somente na emissão desse título pelo credor, não impedindo a emissão de uma nota promissória pelo devedor. A letra de câmbio é um título emitido pelo credor. Nesse caso, ele não poderia substituir a duplicata pela letra de câmbio. Mas a promissória é emitida pelo devedor e, em tal ordem, não haveria proibição de a duplicata ser substituída por ela. O STJ confirma esse entendimento em um acórdão de outubro de 2002: Comercial. Venda de mercadorias. Emissão de nota promissória e Duplicata. Cobrança via executiva da primeira. Possibilidade. Lei n. 5.474/68, art. 2º. Interpretação. I. A restrição contida no art. 2º da Lei n. 5.474/68 refere-se apenas à emissão de qualquer outro título, que não a duplicata, "para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador", não obstando, todavia, que o devedor emita nota promissória comprometendo-se a pagar o débito decorrente da compra e venda mercantil realizada entre as partes.II. Hígida, pois, a execução baseada nas notas promissórias assim emitidas.III. Recurso especial não conhecido. Resp 136.637/SC - Ministro Aldir Passarinho - Data da Decisão 05/09/2002 -4ª Turma.

DESAFIO (Cespe-2004) Em relação aos títulos de crédito, julgue os itens a seguir.

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O título de crédito abstrato dá origem a obrigações desvinculadas da causa que o gerou. Assim, nas obrigações cambiais, a causa que lhes deu origem não constitui meio de defesa. O gabarito considerou certa a assertiva. Mas se lembre de que entre as partes diretamente relacionadas é possível discutir a causa originária da dívida, conforme os três argumentos apontados quando examinamos o princípio da autonomia. (Esaf-1998) Nos títulos de crédito causais, como a duplicata mercantil por exemplo, a) Inexiste abstração da obrigação cambiária. b) A literalidade do título está vinculada à operação subjacente. c) A circulação não se faz via endosso do título. d) A circulação da duplicata corresponde à cessão de crédito civil. e) A apresentação a protesto depende de aceite. Resposta correta: letra “b”, uma vez que o título causal deve espelhar, refletir, as condições do negócio que lhe deu origem.

Legislação Aplicável

Com o advento do Cód. Civil de 20002, qual é, afinal, a legislação aplicável com referência aos títulos de crédito?

O Brasil desde o século passado tem uma legislação sobre o tema, o Decreto de 2.044/1908, que era aplicado até que a promulgação da Convenção de Genebra, a Lei Uniforme de Genebra, na década de 60. Foi admitida no país com reservas, pois determinados artigos foram objeto de possível exclusão pela lei brasileira (sem que isso tenha implicado em denúncia da Convenção) para que continuássemos a legislar sobre o assunto. Veio então uma discussão de qual lei se aplicar: a Convenção ou o Decreto? Em 1971 o Supremo julgou um recurso extraordinário no qual afirmou a adoção do monismo moderado (teoria segundo a qual os tratados se incorporam ao sistema jurídico nacional na mesma hierarquia das leis ordinárias), estando em vigor o diploma (lei ou tratado) de cronologia posterior.

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Portanto a Lei Uniforme está em vigor em certas partes, bem como o Decreto de 2.044/1908. É necessário verificar se o artigo que se esteja estudando foi ou não matéria de reserva e se há legislação posterior à Lei Uniforme. Essa mesma discussão em torno da aplicação do tratado ou da lei ocorreu com o Código de Defesa do Consumidor com relação a responsabilidade civil área. As companhias empresas áreas não querem pagar indenização por dano moral porque não há previsão no Pacto de Varsóvia, Convenção Internacional que regula o transporte aéreo. O STJ afirma a adoção do monismo moderado, valendo as disposições do CDC sobre o Pacto por ser lei mais nova.

Além disso temos ainda algumas outras leis sobre títulos de crédito: a Lei de Duplicatas, Lei do Cheque a Lei de Protestos. E o Cód. Civil de 2002 veio sistematizar as normas gerais existentes e reger os títulos impróprios, como os representativos de mercadorias (art. 894). Entretanto, o Cód. Civil de 2002 somente se torna aplicável quando não contrariar dispositivos de leis especiais (art. 903 do Cód. Civil). Vale dizer, na incompatibilidade entre o Cód. Civil e as leis especiais em matéria de títulos de crédito, prevalecem estas, em virtude de norma expressa do próprio Cód. Civil. Ao interpretar o citado art. 903, o Enunciado 52 da I Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal deixou certo que, por força da regra do art. 903 do Código Civil, as disposições relativas aos títulos de crédito não se aplicam aos já existentes.

Sucede que vários dispositivos do Cód. Civil contrariam as leis especiais, principalmente a Lei Uniforme. Realmente, a Lei Uniforme admite a cláusula de juros remuneratórios na letra de câmbio à vista ou a tempo certo de vista (art. 5º), o aval parcial (art. 30), a cláusula proibitiva de endosso (art. 11), a cláusula pela qual o endossante não responde pelo pagamento (art. 15). A seu turno, o Cód. Civil rejeita todas essas pactuações no título de crédito (arts. 890, 897, § 2º, e 914). O que afinal regerá o tema ? Os títulos de créditos de existência anterior ao Cód. Civil se regulam pelas leis especiais. O Cód. Civil incidirá nos títulos novos, os que vierem a ser criados, e quando houver compatibilidade. Verifica-se a compatibilidade entre a Lei Uniforme e o Cód. Civil (art. 889, § 3º), por exemplo, a respeito da possibilidade de serem criados títulos virtuais, mesmo para os anteriores ao estatuto civil de 2002.

DESAFIO

(Esaf-2006)

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Com base no que dispõe o Código Civil Brasileiro sobre Títulos de Crédito, julgue os itens a seguir, assinalando, ao final, a opção com a resposta correta. ( ) A omissão de algum requisito legal que tire do documento sua validade como título de crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe deu origem. ( ) Invalida o título de crédito a cláusula que exclua ou restrinja direitos e obrigações além dos limites fixados em lei. ( ) O pagamento de título de crédito, que contenha obrigação de pagar soma determinada, pode ser garantido por aval, total ou parcial. ( ) O aval posterior ao vencimento do título de crédito não produz efeitos. ( ) O pagamento parcial do título não pode ser recusado pelo credor, se no seu vencimento. a) V, F, F, F, F b) V, F, V, V, V c) F, V, F, V, V d) V, F, F, F, V e) V, V, V, F, F Resposta correta: letra “d”. Vide arts. 888, 890, 897 § único, 900 e 902 § 1º

Endosso e Cessão de Crédito

Endosso é o mecanismo próprio de transferência de um título de crédito. Aquele que transfere o título é o endossante ou endossador. Na outra ponta está o endossatário, que recebe o título.

O endosso pleno ou translativo (ou translatício), além de transferir a titularidade do crédito, torna o endossante um coobrigado ao pagamento do título (Lei Uniforme, art. 15). No endosso impróprio, o endossante apenas transfere a posse do título para fins de cobrança (endosso-mandato, arts. 18 da Lei Uniforme e 917 do Cód. Civil) ou de constituição de um direito de penhor (arts. 19 da Lei Uniforme e 918 do Cód. Civil), que é um direito real de garantia.

A circulação de um título por via de endosso pode ser proibida com a inserção da cláusula “não à ordem”, conforme o art. 11 da Lei Uniforme, caso que a eventual transferência se regerá pelas regras da cessão civil de crédito. Porém, o art. 890 do Cód. Civil veda a cláusula proibitiva de endosso.

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Denomina-se direito de regresso cambial o direito que o credor possui de cobrar o título dos coobrigados indiretos, isto é, do sacador, dos endossantes e dos avalistas dos endossantes. Para tanto, será necessário que o credor promova o protesto do título no tempo hábil, que significa requer o protesto, em regra, no primeiro dia útil após o vencimento do título. Se o credor obtiver o pagamento do 4º endossante, este, em ação regressiva comum, poderá cobrar o título dos endossantes anteriores (3º, 2º, 1º), dos avalistas desses endossantes, do devedor principal e de seu avalista. Não poderá dirigir a cobrança contra os endossantes que lhe são posteriores, como o 5º, 6º etc..

Se o endosso for efetuado após o protesto ou após o vencimento do prazo para o protesto, chama-se póstumo e terá os efeitos de uma cessão civil de crédito, nos termos do art. 29 da Lei Uniforme. Não se pode exercer, com base no endosso póstumo, a ação cambial típica do direito dos títulos de crédito, com os seus atributos ou princípios, pois eles não estão presentes na cessão de crédito.

Daí então se perguntar quais são as diferenças entre o endosso e a cessão civil de crédito. Veja abaixo.

Endosso Cessão de crédito

É um instituto típico do direito comercial

É um contrato, um instituto regulado pelo direito civil.

O endosso é declaração unilateral de vontade.

A cessão de crédito é um contrato e como contrato é negócio jurídico bilateral.

O endosso gera uma aquisição autônoma e originária do título, porque o que se transmite com o endosso é o título e não a relação jurídica causal. É apenas o crédito incorporado ao título, e não a relação jurídica que proporcionou o surgimento do título.

A cessão de crédito gera uma aquisição derivada de um crédito causal.

Inoponibilidade de exceções, pois é gerado por uma relação originária.

Na cessão de crédito há uma transmissão da relação jurídica causal, é uma relação derivada, logo admite a alegação de exceções pessoais.

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Por último, no endosso não há a necessidade de notificação do devedor, ele se perfaz independentemente de notificação do devedor.

Já a cessão de crédito só se torna eficaz para o devedor quando ele é notificado. Isto se dá devido ao princípio da cartularidade, já que o devedor só está obrigado a pagar a quem lhe exibir o título.

Essas diferenças respondem ao questionamento feito no 22º concurso para Juiz de Direito do Rio de Janeiro e no 2º concurso para Procurador do Município do Rio de Janeiro.

O endosso se perfaz pela assinatura do beneficiário no verso do título ou no anverso (frente) do próprio título (art. 910 do Cód. Civil). Como se identifica se uma assinatura e aval ou é endosso? Se eu tenho uma assinatura no verso do título e essa assinatura é do beneficiário do título, então corresponde ao endosso. Mas se eu tenho no verso do título uma assinatura que não é do beneficiário, então é aval. A regra é de que não há assinaturas inúteis no título de crédito, toda assinatura tem uma função. Se a assinatura no verso do título não é do beneficiário ou do sacado-aceitante, só pode ser de avalista.

Se o endosso gera uma aquisição originária e autônoma, decorre daí a inoponibilidade de exceções pessoais. O endossatário não pode se utilizar das alegações de defesa baseadas na relação causal que tinha o com endossante, porque o endosso transfere apenas o título e não a relação jurídica que proporcionou seu surgimento.

Já na cessão de crédito há uma transmissão da relação jurídica causal que passa agora para o cessionário do crédito. Toda a aquisição derivada é limitada, mas toda aquisição originária é plena, não tem restrições. A limitação se dá quanto aos aspectos da relação jurídica de onde o crédito surgiu.

Quando se faz uma cessão de crédito se transfere o crédito com todas as limitações, problemas, questionamentos, aspectos da relação jurídica onde esse crédito surgiu. E aí o devedor pode opor ao cessionário os argumentos de defesa que ele devedor tinha contra o cedente do crédito.

Vamos imaginar que o locador queira ceder o crédito decorrente do contrato de locação para terceiros. Na hora em que o cessionário (aquele que recebe o crédito) vai cobrar, o locatário pode dizer, por exemplo, que não vai pagar o aluguel porque o imóvel ficou mais de 15

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dias fechado por causa de obras feitas pelo Poder Público e diz a lei do inquilinato que fica, naquele caso, desobrigado de pagar aluguel.

Quanto ao devedor do título endossado, deverá pagar àquele que apresentar o título e que se encontra em último lugar na cadeia de endossos, e eventualmente cobrar a responsabilidade junto ao endossante com o qual mantinha relação jurídica direita. Já na cessão de crédito, para que o devedor saiba para quem ele deve pagar, deverá haver a notificação. Caso contrário, a cessão não se torna eficaz contra ele.

DESAFIO

(Cespe-1997)

A disciplina que rege os títulos de crédito norteia-se por uma série de princípios, como os princípios de literalidade, autonomia, abstração e inoponibilidade das exceções pessoais. De acordo com tais princípios julgue os itens seguintes.

Considere que seja constituída cadeia cambial em letra de cambio, ligando em seqüência A, B, D, E, F e G, e que, em ação regressiva, G cobre de D, que não paga. Diante disso, G pode, ainda, cobrar de E e de F. (Certo, porque o endossante pode cobrar o título dos endossantes que lhes são anteriores na cadeia de endossos, mas não dos posteriores, que neste caso não existem)

(Cespe-1997)

O endosso é o meio próprio de transferência de títulos de crédito, consistindo na assinatura do seu titular lançada no próprio título. Acerca do endosso, julgue os itens seguintes. 1. É o meio pelo qual se transfere a propriedade de títulos com a clausula não à ordem. (Errado. Nos títulos não à ordem somente são transferidos com as regras da cessão de crédito) 2. É nulo o endosso parcial. (Correto, conforme art. 912 do Cód. Civil e art. 12 da Lei Uniforme) 3. A legislação uniforme em relação a letra de câmbio e a nota promissória admite endosso sem garantia. (Correto, segundo o art. 15, caput, da Lei Uniforme)

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4. São modalidades de endosso impróprio o endosso – caução e o endosso – mandato.(Correto. Vide arts. 917 e 918 do Cód. Civil e arts. 18 e 19 da Lei Uniforme) 5. Letras de câmbio são endossáveis ainda que não contenham a clausula à ordem expressa. (Correto, na forma do art. 11 da Lei Uniforme)

Aval e Fiança

O aval é um garantia autônoma prestada em um título de crédito, destinada a segurar o cumprimento de uma obrigação cambial. Em razão da autonomia das obrigações cambiais, nada impede de o aval ser válido e a obrigação avalizada ser nula ou anulável. Tem como requisitos a emissão de um título de crédito no qual é dado (o aval é prestado apenas em título de crédito) e capacidade de seu prestador ou dador. As pessoas casadas não podem, salvo no regime da separação absoluta, prestar aval ou fiança sem o consentimento do cônjuge (art. 1.647, inc. III, do Cód. Civil). O avalista equipara-se, em sua posição jurídica, ao avalizado. São coobrigados no mesmo grau, solidários, não havendo beneficio de ordem. Em regra, o aval não é prestado de forma parcial, pois as obrigações cambiais não devem ser condicionadas ou limitadas. Contudo, a Lei Uniforme, em seu art. 30, e a Lei do Cheque, em seu art. 29, admitem o aval limitado à certa quantia. Em sentido oposto, o Cód. Civil não admite aval parcial (art. 897, § único). O aval pode ser em preto ou em branco: em preto indica-se o avalizado; em branco (sem indicação), abaixo de quem se assina ou isoladamente no titulo, o aval é dado para a garantia da dívida do aceitante, principal devedor. Não estando ainda aceito o título, garante-se o sacador/emitente. Na hipótese de existirem diversos avais em um título de crédito, importa saber se são simultâneos ou sucessivos. - Simultâneos: avalistas que em conjunto se obrigam cambialmente, havendo solidariedade interna (entre os avalistas) e externa (entre os avalistas e demais coobrigados. Os avais branco (sem indicação da pessoa avalizada) e superpostos (um sobre o outro) se consideram simultâneos (Súmula STF nº 189).

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- Sucessivos: avais concedidos em ordem sucessiva, produzindo apenas solidariedade externa. O avalista que pagar o título só poderá exigir o reembolso dos que lhe são anteriores. Na realidade, o problema entre os avais simultâneos e sucessivos restringe-se às relações internas entre os avalistas, porque frente ao portador do título as obrigações são autônomas e exigíveis quaisquer deles. Todavia, se se quiser assegurar o direito de regresso cambial contra os avalistas do endossante, no aval sucessivo, o protesto do título deverá ser promovido em tempo hábil. O avalista que pagar o título tem o direito de se ressarcir junto ao avalizado e/ou aos demais avalistas pelas respectivas quotas, se simultâneos, ou integralmente dos avalistas anteriores, se sucessivos. Regendo-se as relações entre os avalistas no mesmo plano pela solidariedade civil poderá ser exigido o ressarcimento integral do avalista a quem interessar a dívida na sua totalidade (art. 285 do Cód. Civil). O aval dado posteriormente ao vencimento tem os mesmos efeitos do anteriormente dado (art. 900 do Cód. Civil). Idêntica solução foi adotada no art. 12, § único da Lei 5.474/68 (Lei de Duplicatas).

Diferenças entre aval e fiança:

Aval Fiança

O aval também pertence ao direito mercantil

A fiança é comum ao direito mercantil e ao direito civil.

O aval é declaração unilateral de vontade

A fiança é contrato.

O aval é obrigação autônoma, não se admitindo defesas baseadas nas relações entre o avalizado e o credor. Ressalve-se apenas do entendimento do STJ de que, se o título não entrou em circulação, ou seja, se continua entre as partes originárias, o avalista pode alegar em sua defesa exceções pertinentes à relação jurídica causal.

A fiança, por outro lado, gera uma garantia acessória. Essa acessoriedade da fiança faz com que, se o contrato principal for nulo ou anulável, a fiança siga a mesma sorte. Como a fiança é acessória, se o fiador for acionado ele pode alegar defesas pessoais dele e também pode as defesas do afiançado.

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Naquele mesmo exemplo do contrato de locação, mencionado quando do exame do endosso, se o locador tentar executar o contrato contra o fiador este pode alegar que não irá pagar a dívida porque o imóvel estava impossibilitado de ser utilizado pelo inquilino. Ele pode alegar as defesas que competiriam ao devedor principal.

Esta acessoriedade está prevista no art. 837 do Cód. Civil: O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.

Uma distinção que existia e agora, com o Cód. Civil de 2002, desapareceu é que o aval não exigia a outorga do cônjuge e a fiança, para ser válida, exigia a outorga. O art. 1647, inciso III, exige a outorga do cônjuge se forem casados por qualquer regime diferente da separação absoluta.

Muitas vezes o sócio administrador presta aval em favor da sociedade da qual ele é parte. A dívida não é paga e se executam e se penhoram os bens do sócio. Nesse caso era muito comum a mulher alegar que só poderia ser comprometida a meação do marido, mas para o STJ o aval dado por um dos cônjuges só irá comprometer a meação daquele que deu o aval, porém se o aval dado tiver beneficiado a família então a meação do outro cônjuge responde. Para o STJ presume-se o benefício da família quando o aval é dado em favor da sociedade em que ele cônjuge é sócio e de onde ele tira os ganhos para o sustento da família.

DESAFIO

(TRT/20ª Reg-2004)

De acordo com o Código Civil de 20002, o pagamento de título de crédito, em geral, que contenha obrigação de pagar soma determinada: (a) não pode ser garantido por aval; (b) pode ser garantido por aval parcial, sendo dado no verso ou no anverso do próprio título; (c) pode ser garantido por aval parcial, uma vez dado no verso do próprio título, não sendo válido quando dado no anverso; (d) pode ser garantido por aval, vedado que este seja parcial, devendo ser dado apenas no anverso do próprio título, para a sua validade;

(e) pode ser garantido por aval, vedado que este seja parcial, sendo dado no verso ou no anverso do próprio título, bastando, neste último caso, a simples assinatura do avalista para a sua validade.

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Resposta correta: letra “e”, nos termos no art. 887, § único, e art. 898, do Cód. Civil

(Cespe-1998)

Determinada letra de câmbio foi emitida pela sociedade comercial A contra a sociedade B, sendo indicada como beneficiária do título a sociedade C. O título recebeu o aval da sociedade D. A letra foi endossada pelo beneficiário em favor da sociedade E. Não tendo sido efetuado o pagamento do título em seu vencimento, o endossatário – sociedade E – propôs ação executiva contra as sociedades A, B, C e D. Em face dessa situação, julgue os seguintes itens.

1. A sociedade comercial D, avalista da letra, somente poderá ser executada após a execução do seu avalizado. (Errado, porque o avalista assume a mesma posição jurídica do avalizado e pode ser cobrado sem o benefício de ordem, isto é, sem poder exigir que primeiro seja executados os bens do avalizado) 2. Na ausência de indicação expressa em favor de quem foi dado o aval prestado pela sociedade D, presume-se que este tenha sido prestado em favor da sociedade A, sacadora da letra. (Correto. Quando não se indica o avalizado, presume-se que o aval tenha sido dado para garantir o devedor principal) 3. A sociedade B, caso não tenha aceitado pagar a letra, não terá qualquer responsabilidade pelo seu pagamento.(Certo. A obrigação do sacado somente se verifica quando ele aceita o título) 4. A sociedade C, endossante, não terá responsabilidade pelo pagamento do título, salvo se, ao efetuar seu endosso, tiver expressamente indicado que terá responsabilidade pelo seu pagamento. (Errado, pois o endosso gera a co-responsabilidade do endossante pelo pagamento do título) 5. A sociedade A, emitente da letra, somente poderá ser executada após o protesto do título, salvo se constar determinação expressa em sentido contrário no próprio título. (Certo, na medida que se exige o protesto para preservar o direito de o credor poder cobrar o título do sacador, dos endossantes e dos avalistas daqueles)

(Cesppe-1997)

O aval pode ser entendido como o ato por meio do qual determinada pessoa passa a responder, em face de determinado título de crédito, nas mesmas condições que a pessoa por ele avalizada. Observa-se, portanto, certa semelhança em seu funcionamento, quando comparado com a fiança. A propósito das peculiaridades desses dois institutos, julgue os itens a seguir.

1. A validade tanto do aval quanto da fiança depende de outorga do cônjuge. (Em 1997, época da prova, estava certa a afirmação. Contudo, de acordo com o art. 1.647, inc. III, do Cód. Civil, a outorga é exigida de ambos os cônjuges, salvo no regime da separação absoluta) 2. O aval possui natureza de ato unilateral de vontade.(Certo, conforme observamos nas diferenças entre o aval e a fiança) 3. O benefício de ordem é comum a ambos os institutos. (Errado, porque o aval é autônomo e o avalista tem a mesma posição jurídica do avalizado, sem a possibilidade de invocar o benefício de ordem)

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4. O aval, assim como a fiança, possui natureza contratual. (Errado. O aval é declaração unilateral de vontade, logo não pode ser contrato. Já a fiança constitui um contrato) 5. O avalista pode ser demandado independentemente de o avalizado ter sido demandado. (Correto, já que não há benefício de ordem e eles, avalista e avalizado, são devedores solidários)

Letra de Câmbio

A letra de câmbio é título de crédito abstrato, consistente numa ordem de pagamento que o credor (sacador) dirige ao devedor (sacado), para que este pague ao próprio credor ou a um terceiro (tomador). Foi considerada, pela sua estrutura, como o título padrão que serve de base para o estudo dos títulos de crédito em geral.

A letra de câmbio contém a palavra “letra” inserta no próprio texto do título, a ordem pura e simples (incondicional) de pagar determinada quantia, o nome daquele que deve pagar (sacado), a época do pagamento, a indicação do lugar em que deve ser efetuado o pagamento, nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a indicação da data e do lugar em que é sacada emitida, a assinatura do sacador (art. 1º da Lei Uniforme). No art. 2º são relacionados os requisitos supríveis ou não-essenciais, que consistem no vencimento, no local de pagamento e no local do saque. Os demais constantes do art. 1º são requisitos essenciais.

A vinculação do sacado ao título de crédito somente se dá com o aceite. Pendente este, o sacado ainda não é devedor, condição que assume após dar o seu aceite, quando passa a denominar-se aceitante e se obriga como devedor direto. Ninguém é obrigado a se vincular ao título pelo aceite. Ele é facultativo, salvo na duplicata, em que se torna obrigatório, se não tiverem ocorrido quaisquer das circunstâncias previstas no art. 8º da Lei nº 5.474/68. Uma vez que o aceite não é obrigatório, em regra, poderá ser dado total ou parcialmente.

Nota Promissória

Conceitua-se a Nota Promissória como o título de crédito abstrato pelo qual uma pessoa (emitente) promete (daí promissória) efetuar o

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pagamento a outra (beneficiário). Os requisitos da Nota Promissória vêm estampados no art. 75 da Lei Uniforme.

Nos termos do art. 77 da Lei Uniforme, são aplicáveis às Notas Promissórias, no que não contrariar a natureza desse título, as disposições relativas às Letras de Câmbio. Convém lembrar que a Letra de Câmbio é uma ordem de pagamento e a Nota Promissória, promessa de pagamento. O emitente é equiparado ao aceitante na Letra de Câmbio. Assim, não há aceite e suas implicações na Nota Promissória, pois o emitente, ao dar vida ao título, já firma a promessa de pagá-lo. Na Letra de Câmbio, existem 3 figuras intervenientes obrigatórias, que são o sacador, o sacado (que com o aceite se torna aceitante) e o tomador ou beneficiário (que pode coincidir com o sacador ou ser um terceiro). A seu turno, concorrem na Nota Promissória apenas 2 figuras intervenientes obrigatórias, que são o emitente e o beneficiário. A Nota Promissória jamais é emitida em favor de terceira pessoa.

Duplicata

Você certamente já ouviu falar muito da duplicata.

Pois é, na lição do prof. Rubens Requião, a Duplicata é “um título de crédito formal, circulante por meio de endosso, constituindo um saque fundado sobre crédito proveniente de contrato de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços, assimilando aos títulos cambiários por força de lei”.3 A Duplicada pode, assim, ser mercantil ou de prestação de serviços, correspondendo a um título cambiariforme, isto é, que possui causa específica de emissão, situando-se à margem do atributo da abstração, embora se lhe apliquem as normas de direito cambiário.

É um título genuinamente brasileiro de larga utilização, a ponto de a Duplicata ser chamada por Tullio Ascarelli de “príncipe do direito brasileiro”, em razão de sua contribuição para o desenvolvimento do comércio nacional. A duplicata recebeu essa denominação porque consiste na cópia, na reprodução, da fatura, que é o documento 3 Curso de Direito Comercial, 2º vol. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 428.

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obrigatoriamente emitido nas vendas com prazo de pagamento superior a 30 dias contados da entrega das mercadorias - a venda, por isso, presume-se à vista até 30 dias – ou quando emitida nota fiscal-fatura, por força do Convênio de Criação do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais, de 15.12.70, ou, no caso de prestação de serviços, da fatura facultativamente expedida depois de executado o serviço (Lei de Duplicatas, art. 1º c/c art. 3º, § 2º, e art. 20, § § 1º e 2º).

Recorre-se com freqüência à afirmação de que a duplicata constitui a letra de câmbio comercial brasileira, em confronto com a letra de câmbio propriamente dita, de caráter eminentemente financeiro. Rege a duplicata a Lei n.º 5.474/68 (Lei de Duplicatas - LD) e, subsidiariamente, a legislação sobre letras de câmbio (LD, art. 25), bem como demais normas que disponham sobre títulos de crédito e protestos, como a Lei n.º 9.492/97. Acrescente-se que, em virtude do disposto no art. 27, da Lei de Duplicatas, a Resolução n.º 102/68, do Conselho Monetário Nacional, estabeleceu o modelo padronizado para as duplicatas. Aplicam-se à duplicata os dispositivos cabíveis da letra de câmbio sobre emissão, circulação e pagamento (LD, art. 25), explicando-se daí as semelhanças estruturais entre dois títulos. Contudo, o prof. Luiz Emygdio da Rosa Junior aponta, com propriedade, as seguintes diferenças entre elas:4 a) a letra de câmbio é título de crédito próprio e abstrato; a duplicata

é título impróprio e causal (cambiariforme); b) na letra de câmbio o aceite é facultativo; na duplicata o aceite é

obrigatório, somente admitindo sua recusa especificamente diante de vícios, divergências nos prazos e condições ou não-recebimento das mercadorias ou sua avaria (LD, arts. 7º , 8º e 21);

c) o aceite na letra de câmbio somente ocorre de modo expresso; na letra de câmbio pode dar-se de modo tácito ou presumido (LD, art. 15, incs. I e II);

d) o beneficiário da letra de câmbio pode ser o próprio sacador ou terceiro; na duplicata o beneficiário é sempre o sacador, por se cuidar de título causal;

e) a letra de câmbio nasce com três figuras intervenientes distintas (sacador, sacado e tomador), embora possam ser coincidentes; a duplicata admite apenas as figuras do sacador e sacado;

4 Títulos de Crédito, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 639-640.

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f) a letra de câmbio pode apresentar vencimento à vista, a tempo certo de vista, a dia certo e a tempo certo de data; o vencimento da duplicata será exclusivamente com data certa ou à vista (LD, art. 2º, § 1º, inc. III).

Os requisitos da duplicata acham-se previstos no § 1º, do art. 2º, da Lei de Duplicatas e são considerados essenciais, já que essa lei não menciona os requisitos supríveis, ao contrário do diploma aplicável às letras de câmbio e notas promissórias, a Lei Uniforme de Genebra. São, então, seus requisitos: a) a expressão “duplicata”, data de emissão e número de ordem,

conforme escrituração efetuada no Livro de Registro de Duplicatas, de adoção obrigatória somente no caso de serem emitidas duplicatas;

b) número da fatura ou nota-fiscal fatura a que corresponder; c) data certa do vencimento ou de menção de ser o título à vista,

embora o art. 11 da Lei de Duplicatas permita a sua prorrogação mediante declaração do vendedor ou do endossatário;

d) nome e domicílio do comprador e do vendedor, restringindo-se a emissão de duplicatas às partes domiciliadas em território brasileiro (art. 1º da LD);

e) importância a pagar em moeda nacional, em algarismos e por extenso, vedado o saque em moeda estrangeira, por serem inaplicáveis o Decreto-Lei 857/69 e as Leis 9.069/95, art. 28, e 10.192/2001 art. 1º e 2º. Do ponto de vista exclusivamente cambial, tem sido proclamado que não representa ofensa à literalidade a estipulação da soma a pagar segundo índices oficiais ou publicamente conhecidos, desde que a apuração do valor dependa de simples cálculos aritméticos;

f) praça de pagamento; g) cláusula “à ordem”, a fim de que necessariamente a duplicata possa

vir a ser objeto de endosso, admitindo-se, contudo, a cláusula “sem responsabilidade”, pela qual o endossante não se tornará devedor cambiário;

h) declaração do reconhecimento de sua exatidão e obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite;

i) assinatura do emitente, de próprio punho, por intermédio de procurador com poderes especiais ou por chancela mecânica (Lei n.º 6.304/75).

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Ao contrário do que sucede com a letra de câmbio, na duplicata o aceite é obrigatório, tendo em conta a estrita vinculação à sua causa, baseada em um contrato verdadeiro e já cumprido. A recusa de aceite somente é admissível diante de avaria ou não-recebimento de mercadorias, vícios de qualidade ou quantidade, divergência no preço ou nos prazos. O aceite da duplicata pode ocorrer das seguintes formas: a) aceite expresso ou ordinário, resultante de assinatura lançada no

título pelo comprador; b) aceite por comunicação, resultante de retenção da duplicata pelo

sacado, autorizado por instituição financeira cobradora, e de comunicação escrita do aceite (LD, art. 7º, § 1º);

c) aceite tácito ou presumido, resultante da prova de recebimento das mercadorias, da falta de recusa justificada do aceite, no prazo de 10 dias, e do protesto do título (LD, art. 15, inc. II).

A cobrança judicial da duplicata ou triplicata, aceita, protestada ou não, será processada pela forma de ação de execução, garantindo-se ao credor a penhora dos bens do devedor para a imediata satisfação do crédito (LD, art. 15). Para cercar-se da mesma força executiva, a duplicata não aceita precisa estar protestada - mediante exibição do título ou por indicação do credor - acompanhada da prova da entrega da mercadoria e o devedor não haver recusado motivada e tempestivamente o aceite (LD, art. 15, inc. II, alíneas “a”, “b” e “c”). Demorou a jurisprudência a pacificar que também a duplicata de serviços, sem aceite expresso, mas desde que protestada e comprovada a prestação dos serviços, adquire força executiva (Súmula 248 do STJ).

DESAFIO

(TJDF-2003)

Assinale a alternativa incorreta. Com relação às duplicatas, pode-se afirmar que:

(a) pode ser recusado o aceite desde que não corresponda a serviçosprestados; (b) o seu protesto pode ser feito mediante simples indicação do credor, sem exibição do título ao cartório; (c) o aval dado posteriormente ao vencimento do título, não produz os mesmos efeitos que o prestado anteriormente; (d) o protesto da duplicata mercantil não aceita é requisito essencial para a propositura da competente ação executiva contra o devedor principal.

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Resposta correta: letra “c”, uma vez que, pelo art. 12, § único, da Lei nº 5.474/68, o aval posterior ao vencimento produz o mesmo efeito que o prestado anteriormente. Na letra “a”, o art. 21, inc. I, da Lei nº 5.474/68, realmente prevê que o aceite possa ser recusado nesse caso. Na letra “b”, o art. 13, § 1º, da mesma lei, permite o requerimento do protesto mediante simples indicações dos dados relativos ao título. Na letra “d”, o protesto mais o comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação dos serviços são indispensáveis para a cobrança da duplicata por ação e processo de execução (art. 15, inc. II, alínea “a”, da Lei nº 5.474/68)

Cheque

O Cheque é uma ordem de pagamento à vista que uma pessoa (emitente) dirige contra um banco ou instituição financeira equiparada (sacado), para que pague à pessoa indicada, que poderá se o próprio emitente ou terceira pessoa. É regulado por lei própria, a Lei nº 7.357/85. Será sempre considerado ordem de pagamento à vista, uma vez que o art. 32 da Lei do Cheque considera não escrita qualquer menção em contrário. O Cheque cumpre a função de instrumento de pagamento, ao passo que a Letra de Câmbio, o título de crédito por excelência, exerce a função de instrumento circulatório do crédito.

O Cheque possui algumas particularidades, como, por exemplo, ser passível de sustação. Dois institutos que se confundem são a revogação ou contra-ordem e a oposição ao pagamento ou sustação propriamente dita.

O caput do art. 35 da Lei do Cheque trata da revogação ou contra-ordem: O emitente do cheque pagável no Brasil pode revogá-lo, mercê de contra-ordem dada por aviso epistolar ou por via judicial ou extrajudicial, com as razões motivadoras do ato. O emitente do Cheque pode revogá-lo por contra-ordem. O banco é o mandatário do cliente/ emitente do Cheque, porque o emitente quando emite o cheque (pague-se a fulano a quantia de...) dá uma ordem ao banco sacado para que pague ao beneficiário. Como mandatário, o banco é obrigado a seguir as instruções do mandante, permitindo a Lei do Cheque que o emitente do cheque dê uma contra-ordem.

Entretanto essa contra-ordem (ou revogação) só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação do Cheque. O prazo de

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apresentação do cheque é de 30 dias, se passado na mesma praça, e 60 dias se for passado em estado diferente ou no exterior, sempre da data da emissão, mesmo que o cheque seja emitido com data futura (pós-datado).

O que vale é a data mencionada no cheque. Isto vai ter efeito para fins de prescrição, pois a prescrição, que é de seis meses, se conta do término do prazo de apresentação e esta data vai se dar a partir de 30 ou 60 dias contado da data mencionada no cheque como sendo da emissão.

No cheque pós-datado, mesmo que o credor tenha apresentado em data anterior a mencionada no título, o prazo só começará a contar da data prevista no título. Para o STJ este é o único efeito cambial do cheque pós-datado, postergar a data de apresentação do cheque e, por conseqüência, o prazo de prescrição.

O art. 36 trata da oposição ou sustação ao pagamento do cheque: Mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em relevante razão de direito. O § 2o do art. 36 diz ainda que não cabe ao banco julgar as razões para a sustação do cheque.

A contra-ordem só vale para após o prazo de apresentação e somente pelo emitente. Por sua vez, a sustação ou oposição ao pagamento pode ser feita dentro do prazo de apresentação e pelo emitente ou pelo portador legitimado.

No caso do cheque administrativo o banco retira o valor da conta do correntista e emite o cheque administrativo. Mas se o cheque é perdido poderia ele pedir a sustação do cheque? O correntista não é nem o emitente e nem o beneficiário/portador. O STJ entende que sim, pois aquele que pede ao banco que emita o cheque administrativo (como o dinheiro sai da conta dele) é equiparado ao emitente e pode fazer a oposição ao pagamento.

Se o cheque não for pago, o portador legitimado dispõe, enquanto não houver prescrição nos prazos mencionados, de ação de execução contra o emitente e seu avalista e também contra o endossante e seus avalistas, dependendo, nesta segunda hipótese, de protesto efetuado dentro do prazo de apresentação ou de declaração do banco (aquele carimbinho indicativo) de insuficiência de fundos (art. 47 da Lei do Cheque).

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DESAFIO (Esaf-1997) O diretor de uma empresa sofreu assalto, tendo sido obrigado a assinar vários cheques e entregá-los aos assaltantes. Depois de solto, dirigiu-se imediatamente ao banco sacado, tendo solicitado que aqueles cheques fossem sustados. O gerente do Banco informou que o pedido de sustação, para ser eficaz, dependeria da apresentação de boletim de ocorrência. A vítima, no entanto, insistiu em que o banco recebesse mediante protocolo seu pedido de sustação, enquanto tomava as providências relacionadas com o boletim de ocorrência, o que foi feito. No dia seguinte, de posse do documento emitido pela Delegacia de Polícia, foi ao banco para entregá-lo, tendo sido informado de que alguns cheques já haviam sido pagos por compensação bancária. Diante desses termos, pode-se dizer que: a) O banco estaria obrigado a indenizar o seu cliente, pois, tendo em mãos pedido de sustação, não lhe caberia julgar as razões determinantes do pedido de sustação; b) O banco agiu corretamente em exigir a prova dos fatos alegados, consubstanciada no boletim de ocorrência, para o fim de não se ver envolvido em questões entre terceiros; c) O banco excedeu-se em seus direitos ao exigir a cópia do boletim de ocorrência, mas seu procedimento não lhe traria conseqüências jurídicas, uma vez que a sustação dos cheques, segundo a lei, somente seria eficaz após passado o prazo de validade daqueles títulos; d) O banco estava correto na exigência do boletim de ocorrência, mas confundiu os institutos da sustação e da revogação ou contra-ordem, somente neste último caso aplicável a regra da eficácia daquela condicionadamente ao transcurso do prazo de apresentação; e) Nem o cliente nem o banco estavam corretos em seu procedimento, porque o primeiro deveria acionar, inicialmente, o sistema centralizado de Telecheque, comunicando a ocorrência, para tanto devidamente orientado por aquela instituição financeira, a qual, em seguida, faria a sustação requerida. Resposta correta: letra “a”, conforme o art. 36 e seus parágrafos, da Lei do Cheque.

(TJ/DF-2003)

Assinale a alternativa correta. Com relação ao cheque, pode-se afirmar que: (a) após o prazo de 30 ou 60 dias, pode ser apresentado ao banco sacado, mesmo que prescrito;

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(b) emitido em moeda estrangeira, será pago em moeda nacional, de acordo com o câmbio de sua emissão, por ocasião de apresentação; (c) o sacador ou portador pode proibir o seu pagamento em dinheiro, desde que coloque no mesmo a expressão «para levar em conta» ou outra semelhante; (d) a morte do emitente ou sua incapacidade superveniente à emissão, invalida os efeitos do cheque. Resposta correta: letra “c”. Vide arts. 26, § único, 33, 37, 42 e 46 da Lei 7.357/85. (OAB/Paraná-2005) Sobre o cheque, assinale a incorreta: a) o cheque é emitido contra banco, ou instituição financeira que lhe seja equiparada, sob pena de não valer, de forma alguma, como cheque; b) pode-se estipular no cheque que seu pagamento seja feito com cláusula —não à ordem“ a pessoa nomeada, ou mesmo, com ou sem cláusula expressa —à ordem“ e, ainda, ao portador; c) aquele que assina cheque como mandatário ou representante, sem poderes para tal, ou excedendo os que lhe foram conferidos, obriga-se pessoalmente; d) a morte do emitente ou sua incapacidade superveniente invalidam os efeitos do cheque. Resposta a ser marcada: letra “d”. Vide arts. 3º, 8º (mas com a limitação constante do art. 2º da Lei nº 8.021/90 e do valor atual de R$ 100,00), 14, 37, da Lei do Cheque.

Protesto

Fala-se bastante no instituto do protesto. Certamente alguém próximo a você já requereu a efetivação do protesto ou teve conta si um pedido dessa natureza. E quanto transtorno não causa aos que têm apenas o seu nome apontado no Cartório de Protestos ? A informação negativa acaba constando de diversos cadastros de devedores. Muita dor de cabeça ! Compreende-se por protesto “o ato formal e solene pelo qual se comprova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida” (Lei de Protesto, art. 1º - Lei n.º 9.492/97). O prazo normal para requerer o protesto é no primeiro dia útil seguinte ao do vencimento do título. No caso de Duplicata, o

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protesto por falta de pagamento deve ser efetuado no prazo de 30 dias a contar do vencimento (art. 13, § 4º, da Lei de Duplicatas – Lei nº 5.474/68). A falta de protesto acarreta a perda do direito de regresso cambial, isto é, decai o portador do direito de cobrar a duplicata do sacador, dos endossantes (o sacador também pode ser endossante) e dos avalistas dos endossantes (art. 53 da Lei Uniforme). Como é de regra, o protesto não é necessário para a cobrança cambial do aceitante e de seus avalistas. Há dois casos em que o protesto é necessário (impropriamente se diz que é obrigatório): a) para a efetivação do direito de regresso cambial, a fim de que o credor possa cobrar o título do sacador, endossantes e avalistas dos endossantes, e b) para fins específicos de falência, caso em que passa a ser condição da ação falimentar (art. 23 da Lei nº 9.492/97 e art. 94, inc. I, da Lei de Falências – Lei nº 11.101/05). Embora a Lei nº 9.492/97 não preveja um livro especial para os protestos com fins falimentares, estes continuam existindo, sendo todos os protestos lavrados em livro único, para facilitar a consulta e a emissão de certidões (STJ - Resp 418.371-SP). Surge a questão de se saber de quem é a responsabilidade pelo cancelamento do protesto, quando o título termina sendo pago, mas somente após haver sido protestado. Na voz do STJ, cabe ao devedor providenciar o cancelamento de protesto de título junto aos cartórios, e não ao credor. O STJ afirmou que deve ser aplicado o art. 26 da Lei 9.492/97, em consonância com o art. 325 do Código Civil, para elucidar a responsabilidade. A Lei fala, primeiramente, que qualquer interessado deve proceder ao cancelamento e, qualquer interessado, engloba, por óbvio, o devedor. O novo Código Civil, por sua vez, assinala claramente que as despesas com o pagamento e a quitação do débito presumem-se a cargo do devedor (Resp 442.641). DESAFIO (Esaf-2001) O endossante de um título de crédito responde pelo crédito nele representado: a) Somente diante do endossante direto e de seu avalista. b) Uma vez protestado o título e pelas obrigações dele emergentes. c) Desde que o devedor principal não possa ser encontrado, caracterizando-se tal fato pelo protesto. d) Respeitado o prazo de prescrição de cinco anos. e) Da mesma forma que o avalista do aceitante.

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Resposta correta: letra “b”. Neste caso, o protesto é necessário para a assegurar ao credor o direito de exigir o título do sacador, dos endossantes e dos avalistas deles, dentro do que se chama “direito de regresso cambial”. Parabéns por haver completado mais essa etapa! Você deve ter reparado que nós demos muita ênfase à Teoria Geral dos Títulos de Crédito. Ela é a chave para compreender o assunto. Toda a regulamentação dos títulos em espécie é, no fundo, mero desdobramento dessa Teoria Geral. Dominando-a, você terá maior facilidade no estudo e na solução das questões de provas e concursos. Continue firme e nunca desista, nunca, nunca, nunca, como dizia Winston Churchill. Até a nossa aula 5, que tratará dos institutos falimentares: falência e recuperação das empresas.

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AULA 5 - FALÊNCIA, RECUPERAÇÃO E REGIMES SANEADORES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

SUMÁRIO I. Noções Gerais II. Pressuposto Subjetivo da Falência III. Princípios da Falência IV. Caracterização do Estado Falimentar V. Efeitos da Falência VI. Classificação dos Créditos VII. Espécies de Recuperação VIII. Objetivo da Recuperação IX. Excluídos da recuperação X. Período de Observação XI. Meios de Recuperação XII. Crimes Falimentares XIII. Liquidação Extrajudicial XIV. Intervenção XV. Administração Especial Temporária (RAET)

Olá ! Bem-vindo à nossa aula 5, na qual discutiremos as instituições falimentares.

O risco de insucesso empresarial é inerente a toda atividade econômica de produção e circulação de riquezas. É, na verdade, tão comum que conta com uma minuciosa regulamentação legal que vai ao ponto extremo de afastar do mercado o devedor em irremediável estado de crise. Na sua forma mais brada, procura encontrar meios de superar a crise econômico-financeira do devedor, em nome do princípio da preservação ou continuidade da empresa, a qual gera negócios, movimenta a economia, paga tributos, distribui renda, emprega pessoas, transcendo o interesse individual dos próprios titulares ou sócios para assumir uma dimensão difusa, objeto de proteção pela sua essencialidade social. No primeiro caso, temos a falência, que significa a liquidação (venda) dos bens do devedor para pagamento aos credores, mas buscando garantir que esses bens continuem cumprindo destinação produtiva. No segundo caso, depara-se com a recuperação, que pode ser judicial ou extrajudicial. Sem dúvida, a novidade na matéria fica reservada para a

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recuperação, instituto inteiramente desconhecido entre nós até o advento da Lei nº 11.101/05, que também traça regras originais sobre a falência. O novo e moderno instituto jurídico vem à tona para atender às peculiaridades e necessidades das empresas viáveis em situação de crise, implementado por um esforço criativo e compartilhado dos credores para assegurar a sua continuidade, como já ocorre em países como Estados Unidos, Itália , Portugal, Espanha, França.

Realmente, a Lei nº 11.101, de 09.02.2005, dispõe sobre a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, revogando o Decreto-Lei nº 7.661/45, a antiga lei de falências. Após quase doze anos de tramitação legislativa, a nova lei traz como ponto central a recuperação judicial e extrajudicial, em substituição à antiga concordata, para propiciar a execução de planos de reerguimento de empresas consideradas passíveis de saneamento econômico-financeiro. Foram mantidas as linhas principais da tradicional falência, alterando-lhe em aspectos que objetivam obter celeridade e simplicidade para a marcha do processo e facilitar a liquidação ou realização dos ativos do falido. Assim, na falência as principais inovações foram a nova ordem de classificação dos créditos e a forma de liquidação dos bens, que passa a ser imediatamente após a arrecadação e com primazia para a alienação em bloco da empresa, sem a ocorrência de sucessão tributária e trabalhista, além de novas definições sobre os crimes falimentares e sua prescrição.

A nova lei de falências e de recuperação está inserida no bojo das reformas necessárias para criar condições efetivas e adequadas para o crescimento de longo prazo.Na avaliação do FMI, apresentava-se fundamental a edição da lei para uma nova política de crédito no país e para a redução dos juros na economia. O diploma legal passa a ser um relevante instrumento que rege o mercado de crédito no país, constituindo um novo marco regulatório das relações entre credores e devedores. Ainda no campo do crédito, foram aprovadas as seguintes medidas: a Emenda Constitucional 40/2003, que retirou a limitação dos juros constante do art. 192 da redação original do Texto Maior; a Lei 10.820/2003, que autorizou a consignação em folha salarial como meio de pagamento irretratável; a Lei 10.931/2004, que regulamenta a Cédula de Crédito Bancário, altera a sistema da alienação fiduciária, reformula o crédito imobiliário e trata do patrimônio de afetação; a Lei 11.079/04, que trata das Parcerias Público Privadas.

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Os regimes saneadores das instituições financeiras são sucedâneos da falência e das medidas de recuperação aplicáveis no âmbito do mercado financeiro (vide art. 53 da Lei nº 6.024/74), o qual se preocupa com o risco sistêmico de abalo na confiança do crédito. A repercussão de uma instituição financeira em crise pode levar a uma retirada em massa dos depósitos e o cancelamento de contas dentro de um clima de histeria e de comoção popular. É bom lembrar que as instituições financeiras lidam basicamente com recursos obtidos juntos ao público investidor (poupança popular), cujos interesses e expectativas estariam seriamente comprometidos sem a instituição de mecanismos extrajudiciais preventivos, conduzidos por pessoa ou entidade especializada, nomeados pela autoridade administrativa que regulamenta o setor. O objetivo desses regimes é tentar recuperar econômica e financeiramente e reorganizar a instituição financeira em estado patológico, antes de partir para a dramática solução da falência. Bem, feita esta breve introdução ao assunto, é chegada a hora de trabalharmos mais detalhadamente.

Noções Gerais

A falência constitui um processo judicial de execução coletiva, no qual os bens do devedor empresário (pessoa física/empresário individual ou pessoa jurídica) são arrecadados e vendidos, para distribuição de seu produto proporcionalmente entre todos os credores, preservando a utilização produtiva dos ativos da empresa, a ser alcançada dentro do menor tempo possível e de forma economicamente eficiente. Deverá ser observado, quanto aos credores, tratamento igualitário dentro de uma mesma classe. A nova Lei de Falências e de Recuperação abandonou a precípua finalidade, “liquidatória-solutória” dos bens e das dívidas do falido, típica do direito anterior, ao preocupar-se com a preservação da atividade da empresa (art. 75), separando-a do sujeito a que exerce e priorizando a alienação do negócio em bloco (art. 140). A extinção da unidade produtiva passa a ser uma finalidade secundária, cuja ocorrência está condicionada ao insucesso das tentativas de mantê-la em atividade. Uma vez que ninguém pode ser preso simplesmente por deixar de pagar uma dívida, salvo no caso de devedor de alimentos (pensão alimentícia) e do depositário infiel (CR/88, art. 5º inc. LXVII), o que garantirá o pagamento aos credores do devedor falido ?

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O princípio da responsabilidade patrimonial, previsto nos arts. 591 do CPC e 391 do Cód. Civil, indica que a garantia legal genérica dos credores consiste no patrimônio do devedor, sobre o qual atua a sanção jurídica por meio da execução judicial forçada. A curso normal da execução individual ou singular (um credor executando o devedor) pressupõe que os bens do devedor bastem para a satisfação dos credores. Nos casos em que os bens do devedor sejam insuficientes para atendê-los, afasta-se a execução singular para dar lugar à instauração de uma execução coletiva ou por concurso universal de credores (vários credores executando o devedor comum e no mesmo processo). A falta cumprimento das obrigações, aliada à ausência de bens que as garantam, provocam um sentimento de desconfiança e uma instabilidade que abalam a circulação de riquezas na economia. O crédito é a mola mestra que impulsiona a circulação de riquezas ou, no dizer do Desembargador Fluminense Sylvio Capanema de Souza, é a ponte que liga a economia ao direito e o seu pilar de sustentação são as garantias que o asseguram. Se o credor é aquele que acredita, crê, confia (etimologicamente, credere, creditum) na promessa de pagamento futuro feita pelo devedor, a inidoneidade patrimonial para cumprir com as obrigações trai essa confiança e inibe a concessão do crédito. Surge então a falência para eliminar os efeitos da função anormal do crédito, de modo a prestigiar os valores relacionados à credibilidade e confiança do mercado. Com ela se realiza partilha os bens do devedor entre todos os seus credores afetados pela ruptura do crédito e se preserva a segurança que deve reinar na atividade negocial. Não fosse o regime instituído com a falência, os credores que promovessem a cobrança individual de seus créditos, de forma independente, isolada, receberiam segundo a ordem das respectivas penhoras, com favorecimento àqueles cujos processos tenham tramitado mais rapidamente e em evidente prejuízo aos demais que igualmente confiaram na idoneidade do devedor. Ajustam-se a essa perspectiva as disposições contidas nos arts. 612 e 711 do CPC, pelas quais se exige a pluralidade de penhoras em execuções singulares contra um mesmo devedor, sendo o apurado das arrematações distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações. Vale aqui o brocardo prior in tempore, potior in jure (o direito do primeiro é mais forte), a sinalizar que a anterioridade da penhora constitui fator decisivo para receber precedentemente, em sede de execução singular. Mas insto ocorre nas execuções individuais. Na falência é outra história.

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Diferencia-se a falência da insolvência civil em razão do cabimento, naquela, do meio preventivo da recuperação (Lei de Falências e de Recuperação, arts 47 e 161); pela extinção das obrigações, que pode ocorrer mais facilmente na falência mediante o pagamento de mais de 50% dos créditos quirografários (art. 158); pela imposição de certos deveres pessoais ao falido (arts. 102 e 104); pela existência de crimes falimentares (arts. 168 a 178); pela amplitude da universalidade do juízo falimentar, que determina a suspensão (art. 6º) de ações e execuções sobre direitos e interesses da massa e o torna, em princípio, competente e indivisível (arts. 76 e 115) para todas as demandas, não havendo dispositivo dessa magnitude na insolvência, limitada às execuções individuais (CPC, art. 762, § 1º); e, finalmente, por ser a falência presumida (art. 94) e a insolvência carecer de comprovação, resultando de efetivo desequilíbrio patrimonial (CPC. art. 748). Ademais, a falência é privativa do empresário individual e da sociedade empresária. Aquele que não ostenta a qualidade de empresário, pouco importando se pessoa física ou jurídica, está sujeito ao processo de insolvência civil. O pedido de auto-insolvência civil pode constituir um importante instrumento para a reorganização da vida financeira do devedor. Significa o fim das cobranças pulverizadas e determina o realinhamento de todas as dívidas. A sentença que declara o encerramento da insolvência é o termo inicial do prazo de cinco anos para a extinção das obrigações do devedor (CPC, art. 778). Transcorrido esse prazo, o devedor é considerado quites com suas dívidas anteriores e reingressa no estado de normalidade financeira. De todo modo, a falência não convém à comunidade, por maiores que sejam os méritos da nova legislação na busca de evitá-la e de preservar a fonte produtiva. Como disse o Min. Aliomar Baleeiro, o STF, “Não há interesse social em multiplicar as falências, provocando recessões e desemprego numa época em que todas as nações do mundo lutam precisamente para afastar esses males. Uma falência pode provocar reflexo psicológico sobre a praça, e todas as nações do mundo procuram evitar o colapso das empresas, que tem como conseqüência prática o desemprego em massa nas populações”.1. Mesmo com a mudança de perspectiva, a falência continua sendo um processo traumático de elevado custo social para cuja superação se exige enorme esforço compartilhado. Talvez por isso a nova lei enuncie, em sua ementa e no 1 em Jornal do Commmercio 86/349, citado no Informativo Semanal Coad 43/2001

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art. 1º, que trata da recuperação, em suas formas judicial e extrajudicial, para somente após mencionar a falência. As noções expostas relacionam-se com o conceito jurídico de falência. Para a caracterização da quebra, sob o prisma jurídico, basta o não pagamento de uma obrigação positiva e líquida em seu vencimento, sem justificativa relevante, a existência de uma execução frustrada ou a prática de atos indicativos do estado de falência. Do ponto de vista estritamente econômico, a falência pode ser identificada em um balaço patrimonial e independe de um processo ou de declaração judicial, consistindo em um estado de desequilíbrio patrimonial em que o montante do passivo do devedor supera o de seus ativos.

Pressuposto Subjetivo da Falência

O que vem a ser pressuposto subjetivo dos institutos falimentares ? É a qualidade exigida da pessoa que a eles possa ser submetida. Significa dizer quem está sujeito à falência e a recuperação. O fundamento legal está basicamente nos arts. 1º, 2º, 96, 197, 198 e 199, da Lei nº 11.101/05. Deve ser devedor empresário pessoa física - empresário individual, aquele que não é sócio de ninguém - , sociedade empresária ou alguém legalmente equiparado a empresário, como acontece com o espólio (bens deixados pelo falecimento de uma pessoa) e com aquele que já deixou de exercer a atividade empresária, mas que ainda conserva obrigações daquele período. Aqui vamos precisar retomar as noções de empresário e sociedade empresária, examinados na nossa aula demonstrativa. É bom que você volte a elas e só prossiga após a certeza de que tenha obtido boa fixação. A falência é um instituto privativo do empresário, seja ele de fato ou de direito, não se aplicando ao devedor estranho à atividade econômica organizada, o qual se submete ao processo de insolvência civil, cujas diferenças já foram mencionadas. A sociedade que, a despeito da solenidade do registro e da declaração dos próprios sócios de que não tem natureza empresária, praticar atos de empresa está sujeita à decretação judicial de falência. Na realidade, o critério principal para determinação da qualidade de empresário é estrutural ou funcional, apurável empiricamente, não sendo decisivo nem o registro nem a

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afirmação contida no ato constitutivo, o quais geram apenas uma presunção juris tantum (presunção relativa, que admite prova em contrário). Por um critério formal, as sociedades por ações será sempre empresárias (art. 982, § ú. do Cód. Civil). De acordo com os enunciados de nºs 198 e 199, aprovados na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, o registro do empresário na Junta Comercial é requisito que delineia sua regularidade, e não sua caracterização, nada impedindo que ao empresário desprovido de registro sejam aplicadas as normas do regime empresarial. A lei estende o instituto da falência ao espólio do devedor empresário até 1 ano após a sua morte (art. 96, § 1º); ao empresário que tenha cessado o exercício de sua atividade até 2 anos (art. 96, inc. VIII), aos proibidos de comerciar que violam essa proibição; às empresas de incorporação e construção de imóveis (Leis nº 4.591/64 e 4.068/62); às empresas de trabalho temporário que se constituam sob a forma de S/A (Lei 6.019/74); e a todas as sociedades constituídas sob a forma de S.A. (art. 982, § ú, do Cód. Civil). Caso a S.A. esteja extinta com a liquidação e partilha de seu patrimônio, a lei proíbe a decretação da falência. (art. 96, § 1º). Em que pese a nova lei não impor o requisito mínimo de 18 anos para a falência do devedor pessoa física, acredita-se que esse limite etário permaneça de forma imanente, uma vez que os crimes falimentares compõem o sistema, ocorrendo a maioridade penal somente aos 18 anos (CR/88, art. 228). Nem se argumente que o menor de 18 anos e legalmente antecipado estaria sujeito às medidas sócio-educativas do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Elas se referem a condutas infratoras decorrentes de violações de deveres jurídicos genéricos, não ligados ao exercício de atividades profissionais, para as quais se exigem requisitos de atendimento prévios. Possuem fundamentos, finalidades, prazos e conseqüências inteiramente distintos. Não se assemelham, nem de longe, à punição por crimes falimentares e seus efeitos, inclusive no tocante à inabilitação para o exercício da atividade empresarial. De toda sorte, não se pode deixar de censurar o enunciado nº 197, aprovado pela III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (no qual estivemos presentes e que no momento divergimos), que admite a figura do empresário pessoa física, menor de 16 e menor de 18 anos, se reunidos os requisitos dos arts. 966 e 976 do Cód. Civil, propiciando a aceitação de sua falência. As sociedades simples não foram mencionadas na nova lei de falências e de recuperação. Elas desenvolvem, isoladamente, atividade econômica

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sem relevante expressão e, por isso, foram intencionalmente excluídas do sistema de execução coletiva próprio do empresário e das sociedades empresárias. Note-se que a versão do Projeto aprovada inicialmente na Câmara dos Deputados previa explicitamente a submissão das sociedades simples aos institutos falimentares, mas em boa hora o Senado corrigiu o equívoco e as excluiu do âmbito da lei concursal. Trata-se, portanto, de silêncio eloqüente, porquanto não há interesse social e jurídico em preservar ou falir pequenas estruturas de inexpressivo significado econômico, de nenhum ou poucos empregados e que caminham nos limites as economia de subsistência, geralmente constituídas para trabalho dos próprios sócios. Relembre-se que manter unidades (im)produtivas que não adicionam valor à economia torna-se mais oneroso à coletividade (fisco, financiadores, trabalhadores, fornecedores, contribuintes) do que encerrá-las definitivamente. Também não se aplica a nova Lei de Falências e de Recuperação às sociedades de economia mista e empresas públicas (art. 1º, inc. I). Apesar da revogação expressa do art. 242 da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) pela Lei nº 10.303/2001 e da atual redação do art. 173 da Constituição Federal, essas entidades, quanto à sua existência, estão submetidas exclusivamente ao direito público (reconhecimento, em lei, de um “relevante interesse coletivo” ou de um “imperativo de segurança nacional”) e, quanto ao seu funcionamento, submetem-se apenas parcialmente ao direito privado. Invocamos aqui os ensinamentos do prof. Marcos Juruena Souto, em palestra proferida na Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, por ocasião do Seminário “Novo direito societário – o Código Civil de 2002 e a reforma da Lei de sociedades anônimas”. Enquanto as sociedades genuinamente privadas surgem da autonomia de vontade, as sociedades de economia mista e empresas públicas dependem de lei que autorize sua criação. Pelo princípio paralelismo das formas, a mesma fonte criadora destas últimas entidades deve estar presente nas hipóteses de sua extinção. Não pode a vontade particular dos credores, com o pedido de falência ou com a recuperação condicionada à aprovação deles, suprimir aquilo que a lei, fruto de uma vontade política e sob a égide do direito público, concedeu em dado momento e reputou relevante. Em relação ao seu funcionamento, a equiparação às demais pessoas jurídicas privadas não é total, pois em seu tráfico negocial estão sujeitas à licitação, ao concurso público, ao controle financeiro e orçamentário, ao contraste dos atos por meio da ação popular e da ação civil pública.

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Com pequenas variações de entendimento, mesmo após a revogação do art. 242 da lei do anonimato e antes edição da nova Lei de Falências e de Recuperação, Emerson Kapaz (Deputado relator da Lei nº 10.303/01, que revogou o citado art. 242), Luiz Leonardo Cantidiano (ex-Presidente da CVM) e Hamilton dos Santos Carvalho Filho (Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro) já sustentavam semelhante ordem de idéias. De qualquer modo, a discussão perde fôlego diante da expressa determinação legal de que as sociedades de economia mista e as empresas públicas não são legitimadas passivas para a falência e para a recuperação. Ainda por força do artigo 2º da Lei de Falências e de Recuperação, prevê o inciso II a exclusão das instituições financeiras propriamente ditas e equiparadas, das seguradoras, das cooperativas de crédito, de consórcio de bens, das entidades de previdência complementar e de operadores de planos de saúde, cujos regimes saneadores seguem as disciplinas da Lei nº 6.024/74, DL nº 2.321/87, Lei nº 9.447/97, DL nº 66/76, Lei Complementar nº 109/01, Lei nº 10.190/01 e Lei 9.961/00. Esta última prevê o procedimento da direção fiscal ou técnica a ser imposto pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Não obstante, dispõe o art. 197 da Lei 11.101/05 que, enquanto não forem editadas novas leis para as instituições financeiras e equiparadas, ocorrerá a aplicação subsidiária da nova Lei de Falências e de Recuperação. Neste último caso foi incluído o Banco Santos, que estava em liquidação extrajudicial, posteriormente transformada em falência já na vigência da Lei nº 11.101/05. O ordenamento pátrio nunca admitiu a falência, de forma absoluta, de companhias de seguro (DL nº 73/66); de sociedades de capitalização (DL nº 261/67); sociedades anônimas de previdência aberta (Lei nº 6.435/77); e de cooperativas. Novidade introduzida pela Lei nº 10.190, de 14.02.2001, refere-se à possibilidade de serem declaradas falidas as sociedades seguradoras, de capitalização e entidades de previdência aberta, quando, decretada a liquidação extrajudicial ou a intervenção, houver sido praticado de crime falimentar ou seus ativos não forem suficientes para o pagamento de pelo menos metade do passivo quirografário - a exclusão da falência foi, portanto, relativizada. Outra inovação trazida pela Lei nº 11.101/05 foi submeter à sua égide as empresas aéreas e de infra-estrutura aeroportuária, antes situadas relativamente à margem dos institutos falimentares. De fato, o art. 187 do Código Brasileiro de Aeronáutica impedia que elas impetrassem concordata ou tivesse sua falência requerida por credores. Aliás, às vésperas da aprovação da Lei nº 11.101/05, a Justiça Paulista rejeitou

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23 requerimentos de falência formulados conta a VASP (cf. Jornal do Commercio de 15.01.05, p. B-3). Na mudança de diretriz, o art. 199 da nova Lei de Falências e de Recuperação afasta para tais empresas a proibição genérica do art. 198 de que os interditos à concordata possam lançar mão da recuperação, prevendo igualmente que os arrendadores nos contratos de leasing não serão atingidos pela recuperação ou falência delas. As usinas de açúcar sujeitam-se, previamente, à intervenção provisória (DL nº 3.855/41), para depois poderem falir.

Princípios da Falência

Você sabe o que são princípios jurídicos ? São proposições genéricas, abstratas, condicionantes do conjunto de normas. São eles que dão a configuração do sistema jurídico, servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello.2 E, na falência ? Quais são ? Vamos arrolá-los abaixo. a) Isonomia ou igualdade de tratamento entre os credores. b) Universalidade de bens e de juízo. c) Unidade de juízo. A paridade ou isonomia de tratamento entre os credores com idêntico título legal de preferência chama-se par conditio creditorum ou igualdade de armas entre os credores. Recorda Theophilo de Azeredo Santos3 que “coube a Francisco Salgado de Samoza, em 1686, em obra publicada em Veneza, `Labyrinthus Creditorum Oncorrentium´ explicar a razão da presença do Estado nesse processo: permitir o cumprimento daquele princípio fundamental, evitando conluios fraudulentos em prejuízo dos credores e a subtração de valores da massa ativa”. Para se precaver contra a injustiça de uns credores receberem e outros não, quando o patrimônio do devedor comum não se mostre suficiente à satisfação de todos eles, entra em cena o mecanismo jurídico da 2 Curso de Direito Administrativo, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, pp. 543-544. 3 Boletim Informativo ABERJ/SBERJ Ano 2, nº 10, março de 2005.

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falência. Baseia-se na liquidação da totalidade dos bens do devedor e no pagamento aos credores em condições de igualdade, observadas as categorias dos respectivos créditos. Nesse contexto é que vem à lume o brocardo par conditio creditorum, o qual incide na execução coletiva contra devedor insolvente (CPC, arts. 748 a 753), no processo de falência (Lei de Falências e de Recuperação, art. 126) e na liquidação extrajudicial (Lei 6.024/74, art. 34). Mesmo entre os créditos com idêntico privilégio de recebimento, se não houver uma execução coletiva instaurada, acabaria tendo precedência aquele que obteve a primeira penhora do bem sobre o qual recaem penhoras decorrentes de execuções promovidas por distintos credores. Noticia o Boletim Informativo Juruá nº 386 que a 1ª Turma do TRF da 4ª Região proclamou que não há preferência do crédito de FGTS sobre o crédito trabalhista, “relativamente ao produto da arrematação, ao fundamento de que, inexistindo relação de preferência entre os créditos de natureza trabalhista e os relativos ao FGTS (art. 2º, § 3º, da Lei nº 8.844/94), aplica-se, na hipótese de concurso entre estas duas espécies creditícias, o critério geral da anterioridade da penhora na forma do art. 711 do CPC. (Ag. de Inst. 2004.04.01.030093-9)”. O tratamento parificado somente ocorreria em caso de falência, situação em que desapareceria a precedência informada pelo critério de anterioridade da penhora. Como não determina a liquidação de todos os bens, a execução singular abrange uma parcela do patrimônio do devedor (singularidade objetiva) e um ou alguns dos credores (singularidade subjetiva). A seu turno, a falência tem em mira a totalidade do patrimônio do devedor (universalidade objetiva) e de seus credores (universalidade subjetiva), na forma dos arts. 108 e 115. Daí derivam os conceitos de massa falida ativa e passiva, formada pelo conjunto de relações jurídicas de caráter econômico titularizadas pelo falido e compreendidas na falência. Não se arrecadam na falência os bens absolutamente impenhoráveis (art. 108, § 4º) nem aqueles que, por expressa determinação legal, constituírem patrimônio separado, que não participarão da integração da massa. Neste último caso, citem-se o patrimônio de afetação imobiliária (Lei de Falências e Recuperação, art. 119, inc. IX; e Lei nº 4.591/64, art. 31-A, com a red. dada pela Lei nº 10.931/04), o fundo de garantia das Bolsas de Valores, cuja finalidade exclusiva é a de ressarcir danos causados os investidores (Resolução CMN nº 2690, de 28.01.2000, art. 40), o patrimônio especial das entidades que prestam serviços de compensação e liquidação pertencentes ao Sistema Brasileiro de Pagamentos (Lei nº 10.214/01, art. 5º) e o patrimônio

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separado dos fundos de investimentos constituídos por entidades de previdência complementar e por seguradoras (Lei nº 11.196/05, arts.76/78). São impenhoráveis as garantias oferecidas pelos participantes do Sistema Brasileiro de Pagamentos, bem como não é afetado pela falência o adimplemento das obrigações assumidas no âmbito das câmaras ou de serviços de compensação (Lei 10.214/01, arts. 6º e 7º). Consoante a Súmula 308 do STJ, “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”, com o que deve o bem ser excluído da falência da construtora. Nesse caso, o direito real de hipoteca fica sub-rogado nas prestações devidas pelos adquirentes. Em conseqüência da decretação da falência, todas as ações e execuções individuais ficam suspensas (arts. 6º), passando o juízo da falência a ser o único competente para apreciar todas as ações de caráter econômico que envolvam bens e interesses da massa falida (art. 76). Consiste a unidade, ou indivisibilidade, em que no juízo da falência devem ser decididas, em princípio, todas as questões que interessem à massa. Universalidade, por sua vez, significa que todos os bens do devedor e todos os credores ficam submetidos à atração exercida pelo juízo da falência. É o que se denomina vis attractiva (força atrativa) do juízo universal. Excetuam-se legalmente as seguintes ações (art. 76):

a Reclamações Trabalhistas, que, inclusive, terão prioridade na

tramitação perante a Justiça do Trabalho (CF/88, art. 114; CLT, art. 768). Após acalorado debate, firmou-se a definitivamente a tese de que as reclamações processam-se perante a Justiça do Trabalho, remetendo-se as providências de execução para o juízo falencial, conforme se depreende da seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça: Competência. Justiça do Trabalho. Falência. “Decretada a quebra, as reclamatórias trabalhistas prosseguirão na Justiça do Trabalho, mas os atos de execução de seus julgados iniciar-se-ão ou terão seguimento no juízo falimentar, ainda que já efetuada a penhora. Aprazada data para arrematação no Juízo trabalhista, esta ali será realizada, mas o produto irá para a massa, a fim de processar-se o concurso entre os credores trabalhistas. Conflito conhecido e julgado competente o Juízo da falência”. (STJ, Confl. de Comp. 10014-3, PR, Rel: Min. Ruy Rosado de Aguiar, Julg. em 30/11/94, D.J. 06/02/95);

a Execuções fiscais, distinguindo-se as ajuizadas antes da falência, com

penhora realizada antes da quebra, daquelas aforadas após a

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decretação a falência. Cuidando-se, a seu turno, de execução fiscal ajuizada anteriormente à quebra, já proclamava a jurisprudência, interpretando os arts. 5º e 29 da Lei nº 6.830/80, que os bens já penhorados não seriam arrecadados pelo juízo falimentar, na forma da Súmula 44 do Tribunal Federal de Recursos (TFR): “Execução Fiscal. Superveniente Falência do Devedor. Prosseguimento da Execução na Forma da Súmula 44/TFR, 1ª Parte. Ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação no Juízo falimentar (Súmula 44/TFR, 1ª parte). Como corolário disso, o produto da arrematação levada a efeito em execução fiscal que prosseguiu a despeito da falência superveniente do devedor, se destina à Fazenda Pública, salvo se, nos próprios autos, outro credor requerer a instauração de concurso de preferência, e for bem sucedido.” (STJ - Resp 103049, RS, Rel: Min. Ari Pargendler, Julg. em 13/10/98, D.J. 16/11/98). Na execução fiscal proposta durante a falência, prossegue a mesma súmula, o juiz ordenará a penhora no rosto dos autos, a fim de assegurar o pagamento à fazenda pública.

Sobre a penhora no rosto dos autos e a reserva de crédito, expressou o TRT da 3ª Região que inexiste diferença ontológica entre elas, já que tanto uma quanto a outra visam a assegurar a execução promovida em outro processo. (TRT-3ªR. - Ac. unân. da 3a T., publ. em 4-9-2004 - AG-PET 00836-2001-026-03-04 -Rel. Juiz Ricardo Marcelo Silva).

Mais recentemente, a Corte Especial do STJ afirmou, pela voz da maioria, que o produto arrecadado com a alienação de bem penhorado em Execução Fiscal, antes da decretação da quebra, deve ser entregue ao juízo universal da falência. (Resp 188.148/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 27/05/2002). Essa orientação foi confirmada pela Primeira Seção do Tribunal, no EREsp. 444.964/RS. No mesmo aresto leading case, definiu o STJ que os créditos fiscais não estão sujeitos a habilitação e verificação (aptidão para participar do rateio) no juízo alimentar, mas não se livram de classificação, para efeito de disputa relativa à ordem preferencial. Ganha novos contornos a tese jurídica contida na Súmula 44 do TFR, uma vez que seu enunciado não impede que no juízo da execução fiscal sejam alienados os bens arrecadados e transferido o produto da arrematação ao juízo falencial, para melhor realizar o princípio isonômico da falência. É dizer que o dinheiro resultante dos bens penhorados na execução fiscal será remetido ao juízo da falência, para que seja incorporado à massa e distribuído de acordo com a hierarquia dos créditos. O Min. Humberto Gomes de Barros ressalta que a lógica equivocada contida no referido Resp. 103049 – confronto das preferências no próprio juízo da

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execução fiscal -, além de pulverizar a massa falida e esvaziar o juízo universal, obriga a uma peregrinação pelas varas da fazenda pública, em busca de execuções fiscais onde existam bens capazes de viabilizar o incidente, trabalho que seria inglório, irracional e insano.

b Ações não reguladas na Lei de Falências e de Recuperação em que a

Massa Falida for Autora ou Litisconsorte Ativa; c Ações pelas quais se exigem obrigações ilíquidas (responsabilidade

civil) propostas anteriormente à falência, as quais prosseguirão no juízo em que houverem sido ajuizadas (art. 6º, § 1º).

Além disso, não são reclamáveis na falência as obrigações a título gratuito (comodato, doações, fianças e avais de favor) e as despesas incorridas pelos credores para tomar parte nos processos de falência ou de recuperação, salvo as custas do litígio contra o devedor (art. 5º). Multas por infração às leis penais e administrativas não eram admitidas na falência, mas agora foram consideradas créditos concursais subquirografários (art. 83, inc. VII). As Súmulas 191, 192 e 565 do STF resultaram, portanto, prejudicadas. Identicamente, não são cobradas na falência as penas convencionais dos contratos unilaterais (art. 83, § 3º), neles figurando o falido como devedor, que decorram do simples fato da falência ou cuja exigibilidade esteja condicionada ao ingresso em juízo e este não se tenha verificado antes da quebra. O Superior Tribunal de Justiça encampa referido entendimento: Falência. Habilitação de Crédito. Multa Contratual. Inclusão no Cálculo. “Nos termos da jurisprudência da 4ª Turma do STJ, a multa contratual somente não integra o valor de crédito habilitado em falência quando se refere a obrigação cujo vencimento tenha ocorrido por força da decretação da falência ou quando, vinculada sua cobrança à necessidade de ingresso em juízo, este não se tenha verificado até o momento da decretação”. (STJ, Rec. Esp. 86586, MS, Rel: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Julg. em 25/03/97, D.J. 12/05/97). Adotando-se as mesmas razões, não são exigíveis da massa falida as penas pecuniárias por descumprimento das normas de proteção ao trabalho cuja ocorrência se dê em função da falência. Para coroar a fixação dessa tese, amplamente aceita, confira o enunciado da atual redação da Súmula 388 do TST: A massa falida não se sujeita à penalidade do art. 467 nem à multa do § 8º do art. 477, ambos da CLT. Ocorre que, diferentemente do sistema anterior, em que o juiz da falência poderia considerar inaptas certas rubricas pecuniárias para

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exigi-las da massa, embora até mesmo reconhecidas por sentença em outro processo, a nova Lei de Falências e de Recuperação determina que todos os valores consagrados na sentença trabalhista sejam admitidos ao rateio (art. 6º, § 2º, parte final). Coerentemente com o § 2º do art. 83, pelo qual não se admite cobrar da massa os valores decorrentes do direito de sócio em sua parcela do capital na liquidação da sociedade, o inc. II do art. 116 determina a suspensão do exercício e o recebimento atinente ao direito de retirada do sócio dissidente. O reembolso do sócio ou acionista dissidente será efetivado juntamente com a partilha do acervo líquido remanescente entre os demais sócios, após o pagamento de todos os credores (art. 153). Além dos consagrados princípios, determina o § único do art. 75 que o processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual. Coerente com essas diretrizes, edita o art. 79 que os processos de falência e os seus incidentes preferem a todos os outros na ordem dos feitos, em qualquer instância. Em integrada harmonia, dispõe a CLT, art. 786, que terá preferência em todas as fases processuais o dissídio cuja decisão tiver de ser executada perante o Juízo da falência. Caracterização do Estado Falimentar

O estado falimentar requer o pressuposto objetivo da insolvência presumida (não precisa ser real e concreta) ou confessada (manifestado expressamente pelo próprio devedor). Decorre a insolvência presumida da simples impontualidade injustificada no pagamento de obrigação que enseja a cobrança por título executivo devidamente protestado, cujo valor ultrapasse 40 salários mínios (art. 97, inc. I), de uma execução frustrada (art. 97, inc. II) ou da caracterização dos chamados atos de falência (art. 97, inc. III). Além dos títulos executivos mencionados na legislação extravagante e aqueles constantes dos arts. 584 e 585 do CPC, cite-se, igualmente, a duplicata sem aceite, desde que acompanhada do instrumento de protesto, do recibo de entrega da mercadoria e o sacado (devedor) não tenha justificadamente recusado o protesto em tempo hábil (10 dias). A duplicata terá assim eficácia executiva, conforme o disposto na Lei nº 5.574/68, arts. 7º, 8º e 15. Idêntico tratamento é reservado à duplicata

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de serviços (Súmula 248 do STJ). Nós já vimos isso por ocasião do estudo dos títulos de crédito. Indaga-se, mais, se os contratos bancários de abertura de crédito, assinados pelo devedor e por duas testemunhas, constituem título executivo e, desse modo, se ensejariam pedido de falência. Expressa a Súmula 233 do STJ: “O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato de conta-corrente, não é título executivo”. O STJ alterou sua jurisprudência (Resp. 170279-RS) e editou a Súmula 258, passando a afirmar que contratos desprovidos de liquidez contaminam os títulos de crédito a eles vinculados, o que lhes retira a eficácia executiva autônoma. Para alcançar o piso superior a 40 salários mínimos, necessário ao pedido de falência baseado no inc. I do art. 94, permite a lei que os credores se reúnam em litisconsórcio (litígio ou processo conjunto de vários partes) para formulá-lo (art. 94, § 1º). Antes da nova lei, não se exigia um valor mínimo para fundamentar o pedido de falência a partir da impontualidade injustificada. A nova lei retirou o inciso I do art. 2º da lei revogada e o transformou em hipótese destacada (art. 94, inc. II) para a caracterização do pressuposto objetivo da falência. Trata-se da falência frustrada, a qual ocorre quando o devedor é executado por dívida liquida de qualquer valor e não paga, não deposita nem nomeia bens à penhora no prazo legal. No sistema anterior, o depósito elisivo era admitido apenas para a falência baseada na impontualidade, embora a jurisprudência viesse estendendo para a execução frustrada. Ponto relevante na nova lei foi a expressa previsão legal que também a essa hipótese se aplica o mecanismo do depósito elisivo (art. 98, § único). Na enumeração dos atos de falência, constante do inc. III do art. 97, não foi incluída a circunstância de o devedor convocar credores com a finalidade de lhes propor dilação, remissão de créditos ou cessão de bens, prevista no art. 2º, inc. III, da lei revogada. Isto porque a nova Lei de Falências e de Recuperação criou a figura da recuperação extrajudicial (art. 161), na qual o devedor pede a homologação judicial de um plano concertado previamente com os credores, o que se mostraria inviabilizado se fosse mantido como ato de falência. Em virtude da introdução do meio preventivo da recuperação, passou a ser considerado ato de falência o descumprimento das obrigações assumidas no plano de recuperação judicial, desde que ocorridas dentro

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do biênio da concessão da medida (arts. 61, § 1º; 73, inc. IV; e 94, inc. III, “g”). O ato de falência consistente em transferência de estabelecimento sem a observância de certas cautelas legais (art. 98, inc. III, “c”) há de ser conjugado com o art. 1.145 do Cód. Civil (Lembra-se das cautelas exigidas para a alienação do estabelecimento, na nossa aula 2 ?). Segundo este dispositivo, se o alienante do estabelecimento não permanecer com bens suficientes para honrar suas obrigações, a eficácia (oponibilidade aos credores) da transferência depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento deles de modo expresso ou tácito, quando forem notificados e não se opuserem no prazo de trinta dias. Há, para a caracterização da falência, a necessidade de sentença (pressuposto formal), que terá natureza preponderantemente constitutiva, criando um novo regime ao qual se submeterá o falido, embora reconheça um estado econômico de fato preexistente. A falência constitui uma execução coletiva. Contudo, antes da sentença que pronuncia a falência desenvolve-se no processo a atividade cognitiva (ação pré-falimentar) de solução da controvérsia sobre o estado patrimonial do devedor. Normalmente, indica a processualística que a sentença é o ato que põe fim ao processo e esgota o ofício jurisdicional (CPC, arts. 162, § 1º, e 463). A sentença é o ato judicial que extingue a relação processual, decidindo ou não a lide. Mas na falência é a expressão de vontade do Estado-juiz que inaugura o processo de execução concursal e projeta a partir daí efeitos sobre os bens, pessoa, contratos e credores do falido. Waldemar Ferreira, Miranda Valverde, Pontes de Miranda, Anco Valle, assim como significativa doutrina, reconhecem a natureza predominantemente constitutiva da sentença de falência. Na discussão obre a natureza das sentenças, deve-se ater ao critério da força preponderante que ela encerra, porque todas as sentenças contêm uma face declaratória e condenatória. Repare-se que a nova lei evita o verbo declarar para se referir à ação de julgar a falência e o substitui por decretar, que traz em seu étimo a idéia de caráter de algo decisivo, terminante. Aduz, no particular, José da Silva Pacheco4 que: “Praticadas as diligências necessárias profere o juiz a sua decisão, que poderá não ser a primeira, nem tampouco a última, nesse processo de falência. Essa decisão é no sentido de declarar ou não a falência, de 4 Processo de falência e concordata. 10ª ed. Forense, 1999, p. 36/37

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declarar aberta ou não a falência. Que, na verdade, o juiz declara, não há a menor dúvida. Contudo, não só declara, mas também constitui um novo estado, uma nova situação jurídica, se decreta a falência.” Por isso, malgrado as concepções de que a sentença de falência teria natureza condenatória (forma o título para a execução coletiva) e declaratória (pronuncia-se sobre o pretérito estado econômico), prevalece doutrinariamente a sua maior carga eficacial constitutiva, em razão do novo status imposto ao devedor, seus bens e relações.

Efeitos Falência

Uma vez proferida, a sentença de falência produz conseqüências jurídicas de diversas ordens, que se projetam sobre a pessoa do falido, seus bens, seus credores e seus contratos. a) Quanto à pessoa do falido, seus administradores seus sócios de responsabilidade ilimitada (art. 190), são impostos, entre outros, os deveres de não se ausentar do lugar onde se processa a falência, sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador; manifestar-se sempre que for determinado pelo juiz; prestar informações exigidas pelo juiz, (art. 104). O falido fica inabilitado para exercer atividade empresarial a partir da sentença de falência até a extinção das obrigações (art. 102), observada a duração qüinqüenal dos efeitos da condenação criminal, cessada pela reabilitação penal (art. 181, § 1º). As correspondências do falido são recebidas pelo administrador judicial, que lhe entregará as que não interessarem à massa (art. 22, III, “d”). A sentença de falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis (lembra-se da aula 3 ?) também acarreta a falência os destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos em relação à sociedade falida, quando tenham se retirado da sociedade ou dela sido excluído há menos de 2 anos e existam dívidas pendentes desse período (art. 81).

O falido não é considerado interdito, podendo continuar a praticar todos os atos da vida civil de natureza não patrimonial, dirigindo-se as restrições nesse campo à administração e disposição dos bens e interesses relativos à massa. Por conta disso, a lei comina a sanção de ineficácia, declarável inclusive de ofício, para os atos os atos de transmissão de bens após da decretação da falência, que tenha

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praticado ou venha a praticar com infração a essa regra, não se indagando se agiu de boa ou má-fé (art. 129, inc. VII, e § único). Ademais, o falido, como conserva sua capacidade, está autorizado a fiscalizar a administração da falência, requerer providências necessárias para a conservação de seus direitos ou bens arrecadados, intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada, e interpor recurso de decisões, na forma do § único do art. 103 da Lei de Quebras; b) Quanto aos bens, tornam-se indisponíveis e são arrecadados os bens do falido e de seus sócios de responsabilidade solidária e ilimitada, se houver, a depender do tipo societário em causa (arts. 108, 77 e 81). Os sócios solidária e ilimitadamente responsáveis que se tenham retirado da sociedade há menos de 2 anos também são atingidos, salvo se extintas as obrigações existentes à época da retirada (§ 1º do art. 81). Para evitar a mistura dos patrimônios, o administrador judicial procederá logicamente à arrecadação por meio inventário em separado para a sociedade e para cada um dos sócios solidários. Não se arrecadam os bens considerados absolutamente impenhoráveis nem aqueles integrantes do patrimônio de afetação. (Lei Fal. e Rec., art. 108, § 4; e art. 119, IX). (Ao falarmos do princípio da universalidade e o seu enfoque objetivo, apontamos os casos de bens que não são arrecadados. Convém recordar. Aliás, como diz um amigo meu, recordar é viver !). A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis (ex.: art. 1.052 do Cód. Civil), será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil. (art. 82). Não se trata de aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, mas do regime de responsabilidade própria e direta decorrente da estruturação legal de certas sociedades. A pretensão responsabilizatória se extingue no prazo de 2 anos a contar do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência. Para a efetividade do processo, o juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização (§ § 1º e 2º do citado art. 82). c) Quanto aos credores, ocorre a instituição de um juízo universal ao qual todos concorrem; o vencimento antecipado das dívidas do falido,

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salvo as sob condição suspensiva, o término da fluência dos juros, salvo se os ativos da massa comportarem, exceto os referentes às debêntures e aos créditos com garantia real, que por eles responderão exclusivamente; conversão dos débitos em moeda estrangeira para a moeda nacional pelo câmbio do dia da decisão (arts. 77, 115 e 124); a suspensão da prescrição de obrigações a cargo do falido (art. 6º); a ineficácia de certos atos praticados pelo falido dentro do termo legal (arts. 99, II; e 129). Os credores devem habilitar seus créditos no prazo de 15 dias a contar da publicação da sentença (Lei Fal. e Rec., art. 7º). Constitui a habilitação o procedimento legal de cobrança do devedor falido, por isso que se afigura indevido o cancelamento da assinatura de linha telefônica por falta de pagamento das respectivas contas pelo débito incluído na falência (STJ - Rec. em Mand. Segurança 9.314-SP, Rel. Min. Garcia Vieira - J. em 02.02.99, DJ de 22.03.99); Entende-se por termo legal a data fixada pelo juiz na sentença de falência, em que teoricamente se teria caracterizado o estado de falência e que pode retroagir até 90 dias do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1º protesto válido (art. 99, inc. I). Dentro do termo legal, certos atos são ineficazes (inoponibilidade relativa), não produzindo efeitos em relação à massa, independentemente de intenção de fraude, e se expõem à declaração judicial dessa circunstância de ofício, alegada em defesa ou pleiteada em ação própria ou incidentalmente (art. 129 e seu § único). O termo legal não se confunde com o chamado período suspeito, que compreende o lapso de 2 anos anteriores à declaração de falência, dentro do qual os atos praticados a título gratuito também são ineficazes em relação à massa (art. 129, incs. IV e V). Ao se referir a atos ineficazes, seu significado é o de atos que, embora não produzam efeitos apenas relativamente à massa falida, produzem todos os demais, como, por exemplo, obrigar um outro devedor que tomou parte no ato ou negócio, vincular um avalista, um fiador, que assim terão de cumpri-lo normalmente. d) Quanto aos contratos, a falência não resolve de pleno direito os contratos bilaterais, os quais poderão ser executados pelo administrador judicial, se contribuir para a redução ou evitar o aumento do passivo da massa ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê de Credores (art. 117 e seus §§). Aqui se coloca a questão dos contratos de trabalho mantidos com o falido, os quais, por serem bilaterais, não se extinguem automaticamente com a falência. O contratante poderá interpelar o administrador judicial (que substitui o antigo síndico), no prazo de 90 dias de sua nomeação, para

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se manifestar a respeito no prazo de 10 dias, cujo silêncio acarretará a rescisão e o valor da indenização respectiva será apurado em processo ordinário e constituirá crédito quirografário. Mediante autorização do Comitê de Credores (o Comitê está previsto partir do art. 26 e pode ser considerado uma assembléia de credores em miniatura), o administrador poderá cumprir contratos unilaterais, se esse fato reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário para a manutenção e preservação de seus ativos (art. 118). O mandato (procuração) outorgado pelo devedor antes da falência, para a realização de negócios, cessará seus efeitos com a decretação da falência, cabendo ao mandatário (procurador) prestar contas dos atos praticados. Já o mandato outorgado para representar o devedor judicialmente continuará em vigor até ser revogado pelo administrador judicial. Se for o falido que houver recebido mandato antes da falência, cessa o mandato ou o contrato de comissão (vide arts. 693 e seguintes do Cód. Civil), salvo se os que sejam estranhos à atividade empresarial (art. 120 e parágrafos). Em determinados contratos serão observadas as regras abaixo (art. 119):

I – o vendedor não pode obstar a entrega das coisas expedidas ao devedor e ainda em trânsito, se o comprador, antes do requerimento da falência, as tiver revendido, sem fraude, à vista das faturas e conhecimentos de transporte, entregues ou remetidos pelo vendedor (isto se chama stoppage in transitu);

II – se o devedor vendeu coisas compostas e o administrador judicial resolver não continuar a execução do contrato, poderá o comprador pôr à disposição da massa falida as coisas já recebidas, pedindo perdas e danos;

III – não tendo o devedor entregue coisa móvel ou prestado serviço que vendera ou contratara a prestações, e resolvendo o administrador judicial não executar o contrato, o crédito relativo ao valor pago será habilitado na classe própria;

IV – o administrador judicial, ouvido o Comitê, restituirá a coisa móvel comprada pelo devedor com reserva de domínio do vendedor se resolver não continuar a execução do contrato, exigindo a devolução, nos termos do contrato, dos valores pagos;

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V – tratando-se de coisas vendidas a termo, que tenham cotação em bolsa ou mercado, e não se executando o contrato pela efetiva entrega daquelas e pagamento do preço, prestar-se-á a diferença entre a cotação do dia do contrato e a da época da liquidação em bolsa ou mercado;

VI – na promessa de compra e venda de imóveis, aplicar-se-á a legislação respectiva;

VII – a falência do locador não resolve o contrato de locação e, na falência do locatário, o administrador judicial pode, a qualquer tempo, denunciar o contrato;

VIII – caso haja acordo para compensação e liquidação de obrigações no âmbito do sistema financeiro nacional, nos termos da legislação vigente, a parte não falida poderá considerar o contrato vencido antecipadamente, hipótese em que será liquidado na forma estabelecida em regulamento, admitindo-se a compensação de eventual crédito que venha a ser apurado em favor do falido com créditos detidos pelo contratante;

IX – os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação específica, obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus bens, direitos e obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até o cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo a favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer.

Classificação dos Créditos

De início, é preciso distinguir os credores do falido dos credores da massa falida. Os primeiros são aqueles por créditos constituídos antes da decretação da falência, enquanto os segundos se originam posteriormente e desfrutam de posição privilegiada, devendo ser pagos com prioridade e independentemente de habilitação. Os primeiros formam os créditos concursais (art. 83) e, os segundos, os créditos extraconcurais (art. 84). Abre-se um parêntese para relembrar que os reclamantes com direito à restituição (art. 85 a 93) ainda que ela se dê em dinheiro, sempre serão atendidos com prioridade sobre qualquer credor, à consideração de que a restituição refere-se coisa de terceiro em poder da massa. Não se

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trata propriamente de crédito, mas de direito de terceiro nas mãos da massa e que esta deverá restituir a quem pertencer. Na restituição em dinheiro, quando se verificar ausência de saldo suficiente para satisfazer a todos os reclamantes, será observado rateio entre eles. É fora de dúvida que os créditos contra a massa, isto é, os créditos extraconcursais, merecem ser concebidos como molas propulsoras do próprio processo falimentar. Tornam-se necessários à sua condução e andamento e se constituem em pressuposto para viabilizar os pagamentos aos credores do falido. Daí terem justificada prevalência sobre os créditos anteriores à decretação da quebra.

Ao tratar do pagamento aos credores, dispõe o art 149 que, realizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais, e consolidado o quadro-geral de credores, as importâncias recebidas com a realização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores, atendendo à classificação prevista no art. 83, respeitados os demais dispositivos desta Lei e as decisões judiciais que determinam reserva de importâncias.

Pois é, no processo de falência os créditos recebem uma classificação baseada na sua origem e natureza e, partir daí, uma ordem ou hierarquia de pagamento.

Finalizado o processo de habilitação, o administrador judicial será responsável pela consolidação do quadro geral de credores, fundamentado nas habilitações de crédito e no resultado de seus julgamentos. O quadro-geral, assinado pelo juiz e pelo administrador judicial, mencionará a importância e a classificação de cada crédito na data do requerimento da recuperação judicial ou da decretação da falência, será juntado aos autos e publicado no órgão oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, contado da data da sentença que houver julgado as impugnações (art. 18).

A ordem atual da classificação dos créditos concursais na falência é a seguinte (art. 83)

I - os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho, estes sem limite de valor e referentes às ações indenizatórias movidas contra o empregador quando houver dolo ou culpa de sua parte (CR/88, art. 7º, inc. XXVIII). Repare o seguro de acidentes de trabalho é pago pelo INSS, e não pelo empregador ou pela massa; II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;

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III - créditos tributários (apenas os créditos de natureza tributária, e não qualquer crédito da dívida ativa, como era antes), independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias (as multas tributárias e administrativas passaram a ser exigíveis, mas classificadas como crédito sub-quirografário, situado mais abaixo; fica prejudicada a Súmula 565 do STF); IV - créditos com privilégio especial, a saber: a) os previstos no art. 964 da Lei nº 10.406, de 10/01/2002(Cód. Civil); b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; V - créditos com privilégio geral, a saber: a) os previstos no art. 965 da Lei 10.406, de 10/01/2002(Cód. Civil); b) os previstos no parágrafo único do art. 67; c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; VI - créditos quirografários, a saber: a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo; b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo; VII - as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias (fica prejudicada a Súmula 565 do STF, que é anterior à Lei nº 11.101/05); VIII - créditos subordinados, a saber: a) os assim previstos em lei ou em contrato (exemplo de crédito subordinado está no art. 58, § 4º, da Lei das S/A, o que examinamos na aula 3, permitindo ainda a lei a previsão de subordinação em contratos); b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício (embora a lei não diga expressamente, são os créditos decorrentes da qualidade de sócio ou de administrador, e não qualquer crédito titularizado por essas pessoas. Vide nosso artigo publicado no jornal Valor Econômico de 05.09.05, disponível em: http://www.valoreconomico.com.br/valoreconomico/285/legislacaoetributos/legislacaoetributos/O+credito+do+socio+na+nova+Lei+de+Falencias,sharp,,86,3251664.html). § 1º - Para os fins do inciso II do caput do artigo, será considerado como valor do bem objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado.

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§ 2º - Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade. § 3º - As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência. § 4º - Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários. Não é que seja proibida, mas a cessão do crédito retira o privilégio conferido a essa espécie de crédito. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa (art. 151). Pelo art. 67, serão considerados extraconcursais, em caso de falência, e pagos com precedência sobre aqueles constantes do art. 83, os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83. A lei também define como extraconcursais os créditos extraconcursais, pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83, os relativos a remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência (art. 84). Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho (art. 141, II). Em ocorrendo a arrematação, os empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior (art. 141, § 3º).

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DESAFIO (MPT-2006) Assinale a alternativa CORRETA: I - pela nova lei de falência, n° 11.101/2005, tanto o crédito trabalhista quanto aqueles decorrentes de acidente do trabalho continuam privilegiados em relação aos demais até o limite de 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos por credor; II - a responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada será apurada no próprio juízo da execução do crédito, sendo posteriormente noticiado no juízo da falência; III - a falência pode ser requerida pelo credor em relação ao devedor que, ao ser executado por quantia líquida, deixa de pagar, de realizar qualquer depósito ou mesmo de nomear bens à penhora dentro do prazo legal; IV - os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial, vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa. a) todas as assertivas estão corretas; b) apenas as assertivas III e IV estão corretas; c) apenas as assertivas II e IV estão corretas; d) apenas a assertiva I está incorreta. Resposta correta: letra “b”. Vide arts. 83, in. I; 82; 94, inc. II; e 151, da Lei nº 11.101/05

DESAFIO (Fepese-2005) Assinale a alternativa correta, de acordo com a Lei Federal n° 11.101/2005. a) Na falência, os créditos decorrentes de acidentes de trabalho têm precedência, para fins de pagamento, sobre todos os demais, inclusive os créditos considerados como extraconcursais. b) Na falência, os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 300 (trezentos) salários mínimos por credor, têm precedência sobre os créditos tributários.

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c) Na falência, os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários. d) A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis não acarreta a falência destes. Resposta correta: letra “c”. Vide art. 83 da Lei nº 11.101/05 e seu § 4º.

Espécies de Recuperação

Como medida preventiva da falência, estabelece o art. 47 da Lei nº 11.101/05 que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

DESAFIO

(Bacen/FCC-2005)

São sociedades que estão legitimadas para o processo de recuperação judicial de que trata a Lei n° 11.101/05:

(A) Cooperativas de crédito e companhias seguradoras. (B) Sociedades de economia mista e companhias concessionárias de serviço público. C) Companhias prestadoras de serviços médico-hospitalares e companhias privadas exploradoras dos serviços de telecomunicações. (D) Sociedades de arrendamento mercantil e operadoras de planos privados de assistência à saúde. (E) Instituições financeiras e sociedades limitadas exploradoras de atividade industrial. Resposta correta: letra “c”. Vide arts. 1º, 2º, 197, 198, da Lei nº 11.101/05; e art. 53 da Lei nº 6.024/74.

Dispõe o art. 48 que poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

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I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de micro e pequena empresa; IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes falimentares. Adita o parágrafo único que a recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente. DESAFIO (Cespe-2006) Julgue os itens seguintes, com base nos princípios gerais do direito comercial, na legislação e na doutrina dominante. O pedido de recuperação judicial, conforme a nova Lei de Falências Lei nº 11.101/2005 – poderá ser requerido pelo devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de cinco anos, no mínimo, e, entre outros requisitos, não tenha, no prazo de cinco anos, obtido concessão de recuperação. (errado. Vide art. o caput do art. 48 da Lei nº 11.101/05) O devedor apresenta seu pedido e recuperação e tem até 60 dias, após o da publicação de seu deferimento de seu processamento, sob pena de falência, para apresentar um plano detalhado de recuperação, esclarecendo de que forma irá recuperar-se e pagar seus credores. O plano deverá conter a descrição pormenorizada dos meios de recuperação, demonstração de sua viabilidade econômica e laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos, subscrito por profissional habilitado ou empresa especializada (art. 53). Compete à Assembléia Geral de Credores, na recuperação judicial, entre outros, aprovar, rejeitar ou modificar o plano de recuperação (art. 35, inc. I). A sua composição obedece às seguintes classes de credores (art. 41): a) credores titulares de créditos decorrentes da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes do trabalho, b) titulares de

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créditos com garantia real e c) titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, privilégio geral e subordinados. A recuperação judicial abrange todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos (art. 49), ressalvados os casos de exclusão adiante examinados. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial (art. 54) . Na mesma linha, a Súmula 309 do STJ outorgou caráter de subsistência apenas aos alimentos vencidos no trimestre anterior à citação, em sintonia com o Decreto-Lei 368/69 – mora salarial contumaz.

A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida. Mas as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ficando ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica (art. 6º).

Em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito ao procedimento de recuperação judicial deverá ser acrescida, após o nome empresarial, a expressão "em Recuperação Judicial", devendo o juiz determinar ao Registro Público de Empresas a anotação da recuperação judicial no registro correspondente (art. 69).

Prevê a lei a recuperação extrajudicial, pela qual o devedor que preencher os requisitos do citado art. 48 poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial. O plano não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos. Outrossim, o devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial se houver obtido recuperação judicial, ou homologação de outro plano de

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recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos, ou se estiver pendente pedido de recuperação judicial, tudo conforme o art. 161.

A recuperação extrajudicial não abrange os titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, o crédito decorrente de adiantamento de contrato de câmbio destinado a exportação, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, o qual não terá seu crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão das ações e execuções, a venda ou retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Para as microempresas e empresas de pequeno porte, a lei estabelece uma mecanismo facultativo, em lugar da recuperação judicial e extrajudicial, denominado pelo art. 71 de plano especial de recuperação judicial. Referido plano estará limitado às seguintes condições (art. 71): I – abrangerá exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3o e 4o do art. 49 desta; II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas; III – preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial; IV – estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados. V - não acarretará a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.

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DESAFIO (ESAF-2006) Considerando a legislação vigente, assinale a opção correta. a) Na falência, são exigíveis as despesas que os credores fizerem para tomar parte na recuperação judicial ou na falência, incluindo as custas judiciais decorrentes de litígio contra o devedor. b) A decretação da falência interrompe a prescrição. c) O administrador judicial será remunerado em valores fixados pelo juiz, considerando o grau de complexidade do trabalho, entre outros itens, e, se substituído durante o processo, terá sempre direito à remuneração proporcional ao trabalho realizado. d) Quem requerer a falência de outrem por dolo será condenado a indenizar o devedor, em ação própria após o trânsito em julgado da decisão que julgar improcedente o pedido de falência. e) As microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar plano de recuperação judicial, que abrangerá apenas os créditos quirografários. Opção correta: letra “e”, em razão do art. 70 e seguintes da Lei nº 11.101/05 (Lei de Falências e de Recuperação). A letra “a” está errada em função do art. 5º, inc. II, da Lei de Falências. A letra “b” está errada diante do art. 6º da Lei de Falências. A letra “c” está errada por contrariar os §§ 3º e 4º do art. 24 da Lei de Falências. A letra “d está errada, porque o art. 101 da Lei de Falências determina que a condenação do requerente que dolosamente requerer a falência será imposta na própria sentença que rejeitar o pedido de quebra.

Objetivos da Recuperação

Busca a nova Lei de Falências proteger as unidades produtivas viáveis e eliminar as inviáveis, mediante mecanismos mais ágeis de realização de

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seus ativos com vistas à satisfação dos credores. Prevalecia, na antiga lei falimentar, uma finalidade “liquidatória-solutória”, o que, consoante as modernas concepções, somente deveria ocorrer em caso de total inviabilidade da empresa. O substrato propulsor da nova lei repousa no princípio da preservação da empresa, diante da necessidade de serem salvaguardados os múltiplos interesses nela envolvidos, como trabalhadores, consumidores, fisco, comunidade, tráfico negocial, em atendimento ao art. 170, III, da CR/88. O valor prestigiado direciona-se à conservação da atividade econômica organizada, e não própria e necessariamente ao empresário ou à sociedade empresária. Na situação de crise da empresa, que revela o seu estado patológico, a nova lei toma posição em favor da preservação do negócio em lugar de simplesmente vender todos os bens e satisfazer os credores. De acordo com o art. 47, “A recuperação tem por objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à ordem econômica”. A empresa, embora posta em marcha a partir da livre iniciativa, transcende o interesse individual de seus titulares para assumir uma dimensão difusa, objeto de proteção pela essencialidade social. O prof. Paulo Penalva Santos, citando a Exposição de Motivos do Decreto-Lei português nº 132/93, adverte que a recuperação não pode ser vista como uma solução de caridade evangélica como mecanismo indiscriminado para preservar qualquer empresa. Somente deve abranger aquelas que apresentem viabilidade, isto é, capacidade para remunerar adequadamente os capitais investidos pelos sócios ou acionistas. Em sua perspectiva, apenas “a real viabilidade econômica da empresa em dificuldade é que pode legitimar a aplicação de um programa de recuperação”. Entende-se por crise econômica o momento de ruptura que acarreta uma retração do mercado da empresa, gerado por diferentes causas, de ordem particular ou geral, assim como a insuficiência de bens no ativo para atender aos credores, delineando um quadro de patrimônio líquido negativo. Já a crise financeira revela uma dificuldade episódica de satisfazer as obrigações, embora pressupondo que o montante do ativo seja maior do que o do passivo.

Excluídos da Recuperação Judicial

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Submetem-se aos efeitos da recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos (art. 49).

Estão, porém, excluídos do processo de recuperação judicial o crédito tributário, os decorrentes de adiantamento de contrato de câmbio destinado a exportação e o do titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, que não terão seus créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva.

Após a aprovação do plano de recuperação judicial, o devedor deverá apresentar as certidões negativas de débitos tributários (art. 57). As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional (art. 68).

DESAFIO (Bacen/FCC-2005) NÃO estão sujeitos aos efeitos do plano de recuperação judicial os créditos: (A) trabalhistas e os créditos relativos a operações garantidas por alienação fiduciária de bens móveis ou imóveis. (B) titularizados pelo arrendador mercantil e pelo promitente vendedor de bem imóvel cujo contrato contenha cláusula de irrevogabilidade. (C) garantidos por hipoteca, assim como os fiscais e trabalhistas. (D) relativos a operações de empréstimos bancários realizados nos 15 dias anteriores ao ajuizamento do pedido de recuperação. (E) decorrentes de fornecimento de matéria-prima ainda não vencidos na data do deferimento do processamento do pedido de recuperação. Resposta correta: letra “b”. Vide o arts. 6º, § 7º, 49,

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Período de Observação

O período de observação (stay period) constitui-se num lapso temporal de 180 dias concedido pela lei para a apresentação do plano de recuperação e a deliberação sobre ele pela assembléia de credores. Nesse período é analisada a viabilidade da continuidade dos negócios do empresário e no seu curso o credor não pode vender ou retirar do estabelecimento do devedor bens de capital essenciais a sua atividade empresarial, dado que poderia trazer ainda mais dificuldades econômicas e financeiras.

Já foi visto que o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. Entretanto, essa suspensão em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial (§ 4º do art. 6º).

Mesmo durante o período de observação, é permitido pleitear diretamente perante o administrador judicial a habilitação, exclusão ou a modificação de créditos derivados da legislação do trabalho, mas, após o fim da suspensão, as execuções trabalhistas poderão ser normalmente concluídas, ainda que o crédito já esteja inscrito no quadro-geral de credores (§ 5º do art. 6º).

Meios de recuperação

O art. 50 apresenta 16 meios exemplificativos de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso:

I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;

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II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;

III – alteração do controle societário;

IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;

VI – aumento de capital social;

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;

IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;

X – constituição de sociedade de credores;

XI – venda parcial dos bens;

XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

XIII – usufruto da empresa;

XIV – administração compartilhada;

XV – emissão de valores mobiliários;

XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor. Está prevista a ausência de sucessão na recuperação nos seguintes termos (art. 60): se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art.

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142, e o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus, não havendo sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141.

Crimes falimentares

De um modo geral, a nova lei é mais rigorosa no trato da questão penal. tipifica novos crimes e aumenta as penas, dando estabelecendo a prisão preventiva do devedor e/ ou de seus representantes.

Em primeiro lugar, a sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial é condição objetiva de punibilidade (art. 180). Sem ela o fato não é punível.

Em segundo lugar, dispõe que a prescrição será regida pelo Cód. Penal, e não mais pelo prazo fixo de 2 anos, como era antes, começando a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial (art. 182).

No sistema anterior, havia a fase do inquérito judicial e a outra fase era a processual. O juiz da falência presidia as investigações, dentro de um inquérito chamado judicial. Não mais existe o inquérito judicial e o juiz, sempre que vislumbrar. O Ministério Público será intimado da sentença de falência ou que concede a recuperação judicial, cabendo-lhe a promoção da ação penal respectiva ou a requisição da abertura de inquérito policial. (art. 187).

Competirá ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal Lei (art. 183).

São tipificados como crime as seguintes condutas: Fraude a Credores Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Aumento da pena

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§ 1o A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente: I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos; II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros; III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado; IV – simula a composição do capital social; V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios. Contabilidade paralela § 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação. Concurso de pessoas § 3o Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua culpabilidade. Redução ou substituição da pena § 4o Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de pequeno porte, e não se constatando prática habitual de condutas fraudulentas por parte do falido, poderá o juiz reduzir a pena de reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas penas restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou pelas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas. Violação de sigilo empresarial Art. 169. Violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condução do devedor a estado de inviabilidade econômica ou financeira: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Divulgação de informações falsas

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Art. 170. Divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Indução a erro Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Favorecimento de credores Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio, possa beneficiar-se de ato previsto no caput deste artigo. Desvio, ocultação ou apropriação de bens Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens Art. 174. Adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira, receba ou use: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Habilitação ilegal de crédito Art. 175. Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado:

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Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Exercício ilegal de atividade Art. 176. Exercer atividade para a qual foi inabilitado ou incapacitado por decisão judicial, nos termos desta Lei: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Violação de impedimento Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Omissão dos documentos contábeis obrigatórios Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios: Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

Liquidação Extrajudicial

Você certamente já ouviu falar ou acompanhou algum caso de decretação dos regimes saneadores das instituições financeiras. Episódios como Banco Santos, Banco Econômico, Banerj, Consórcio Goodway, Coroa-Brastel, Meridional, Nacional, Bamerindus, Interunion etc.. Em maio de 2002 havia 112 liquidações extrajudiciais em andamento no Banco Central. A notícia abaixo, publicada na manchete no Jornal do Commercio RJ de 13.11.04, ilustra bem os fundamentos para a decretação da liquidação, alguns efeitos e os possíveis desdobramentos da medida.

Jornal do Commercio - Manchete - 13.11.04 BC intervém no Banco Santos e na Santos Corretora

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O Banco Central decretou ontem à noite intervenção no Banco Santos S/A e na Santos Corretora de Câmbio e Valores Mobiliários S/A.Segundo o BC, a intervenção foi decretada por quatro motivos: 1) comprometimento da situação econômica e financeira das duas instituições; 2) deterioração da situação de liquidez de ambas;3) infringência das normas que regem a atividade bancária; e 4) inobservância de determinações do BC. Ontem mesmo, o Banco Central nomeou o chefe do seu Departamento de Supervisão Indireta, Vânio César Pickler Aguiar, interventor no banco e na corretora. Os bens de Edemar Cid Ferreira, controlador das duas instituições, e dos diretores nos últimos 12 meses foram postos em indisponibilidade pelo BC. Três desfechos são possíveis para o processo de intervenção: ou é transformada em liquidação, ou o BC decreta a falência do banco e da corretora, ou as duas instituições são autorizadas a voltar a funcionar, caso as irregularidades sejam sanadas. Bem, ocorre que certas sociedades estão sujeitas ao um procedimento especial de execução coletiva, a liquidação extrajudicial, decreta pelo Banco Central, Supep, Secretaria de Previdência Complementar, pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. O diploma legal básico que rege o tema é a Lei nº 6.024/74. De acordo com o art. 34, aplicam-se à liquidação extrajudicial a lei de falências, no que couber, sendo o liquidante equiparado ao síndico e o Banco Central, ao Juiz. As instituições financeiras federais não se submetem à liquidação, uma vez que tudo se passa na mesma esfera de Poder e, nesse caso, a União poderá adotar qualquer outra medida ou determinar a sua dissolução. A sistemática da liquidação extrajudicial, da intervenção e a administração especial temporária , chamados regimes saneadores das instituições financeiras, exclui a impetração de concordata (art. 53 da lei 6.024/74) Aliás prevê a Lei de Falências e de Recuperação (art. 198) que os devedores proibidos de requerer concordata, nos termos da legislação específica em vigor na data da publicação dessa lei, ficam proibidos de requerer recuperação judicial ou extrajudicial. Na hipótese de lesão praticada pela autoridade administrativa, caberá o controle dos atos pelo Poder Judiciário. Estão sujeitas à liquidação e aos demais regimes saneadores especiais: - Instituições financeiras propriamente ditas - Cooperativas de crédito. - Consórcios - Companhias de seguro - Distribuidoras e corretoras de valores

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- Sociedades de capitalização - Empresas de leasing - Entidades privadas de previdência complementar (arts. 44 e 47 da Lei

Compl. 109/2001) - Empresas com integração e atividades ou vínculo de interesses com

as acima descritas (art. 51 da Lei 6.024/74) - Operadoras de planos privados de assistência à saúde. As hipóteses de decretação do regime da liquidação extrajudicial são, na forma do art. 15 da Lei 6.024/74:

I - ex officio :

a) em razão de ocorrências que comprometam sua situação econômica ou financeira especialmente quando deixar de satisfazer, com pontualidade, seus compromissos ou quando se caracterizar qualquer dos motivos que autorizem a declararão de falência;

b) quando a administração violar gravemente as normas legais e estatutárias que disciplinam a atividade da instituição bem como as determinações do Conselho Monetário Nacional ou do Banco Central do Brasil, no uso de suas atribuições legais;

c) quando a instituição sofrer prejuízo que sujeite a risco anormal seus credores quirografários;

d) quando, cassada a autorização para funcionar, a instituição não iniciar, nos 90 (noventa) dias seguintes, sua liquidação ordinária, ou quando, iniciada esta, verificar o Banco Central do Brasil que a morosidade de sua administração pode acarretar prejuízos para os credores;

II - a requerimento dos administradores da instituição - se o respectivo estatuto social lhes conferir esta competência - ou por proposta do interventor, expostos circunstanciadamente os motivos justificadores da medida.

Em resumo, as hipóteses da liquidação estão relacionadas a comprometimento econômico-financeiro e a sanção administrativa. Constituem efeitos da liquidação extrajudicial, na forma dos arts. 18, 36 e 50 da Lei nº 6.024/74.

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a) indisponibilidade de bens dos administradores e controladores, estes pela Lei nº 9.447/97; b) suspensão das ações e execuções sobre o acervo das entidades liquidandas; c) vencimento antecipado das obrigações; d) inexigibilidade das cláusulas penais dos contratos unilaterais vencidos em razão da liquidação; e) término da fluência dos juros, salvo após o pagamento integral do passivo; f) interrupção da prescrição; g) inexigibilidade de penas pecuniárias por infração de leis penais ou administrativas; h) perda do mandato dos administradores e membros do Conselho Fiscal.

A indisponibilidade de bens atinge a todos aqueles que tenham exercido as funções de administrador nos doze meses anteriores à decretação do regime, não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até apuração e liquidação final de suas responsabilidades (art. 36).

Mediante proposta do Banco Central do Brasil, aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, a indisponibilidade prevista neste artigo poderá ser estendida (§ 2º do art. 36):

a) aos bens de gerentes, conselheiros fiscais e aos de todos aqueles que, até o limite da responsabilidade estimada de cada um, tenham concorrido, nos últimos doze meses, para a decretação da intervenção ou da liquidação extrajudicial,

b) aos bens de pessoas que, nos últimos doze meses, os tenham a qualquer título, adquirido de administradores da instituição, ou das pessoas referidas na alínea anterior desde que existam seguros elementos de convicção de que se trata de simulada transferência com o fim de evitar os efeitos desta Lei.

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Mas estaria eventual credor impedido de requerer a penhora sobre os bens alcançados pela indisponibilidade ? Prevalece o entendimento de que não. O que o artigo 36 da Lei nº 6.024 veda é a alienação ou oneração dos bens por ato do próprio administrador da instituição financeira, mas não a penhora por interesse e a requerimento do credor (STJ – Resp 113.039-MG).

O término da liquidação ocorrerá diante dos seguintes casos (art. 19):

a) quando os interessados apresentarem garantias satisfatórias, a critério do Banco Central, e retomarem as atividades;

b) se a liquidação extrajudicial for transformada em liquidação ordinária;

c) com a aprovação das contas do liquidante e baixa no registro público competente;

d) se for decretada a falência da entidade.

Será decretada a falência a requerimento do liquidante, desde que autorizado pelo Banco Central, quando os ativos da entidade liquidanda não forem suficientes para cobrir pelo menos a metade do valor dos créditos quirografários, ou quando houver fundado indício de crimes falimentares (art. 21).

Com o término da liquidação extrajudicial, extingue-se também a legitimidade ativa do Ministério Público para oficiar, como parte ou como fiscal da lei, nos processos de entidades submetidas a esse regime, quando a empresa retoma a autogestão de seus negócios e cessa a atuação do Banco Central. Neste caso, desaparece o objeto que o ligava à defesa de interesses da instituição financeira liquidanda. Tal é o entendimento do STF (RE nº 166.776-SP, rel. Min. Maurício Corrêa, 2.3.99. Precedente citado: RE 78.104-SP publ. DJU de 28.6.74).

Haverá responsabilidade civil dos administradores e membros do Conselho Fiscal de instituições financeiras, salvo prescrição extintiva, pelos que tiverem praticado ou omissões em que houverem incorrido

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(art. 39). Mas respondem solidariamente os administradores de instituições financeiras pelas obrigações por elas assumidas durante a sua gestão até que se cumpram (art. 40). Segundo o entendimento do STJ, majoritariamente aceito (Fábio Ulhoa Coelho, por exemplo, pensa diferente), a responsabilidade examinada é de dupla natureza. Pelo art. 39 é de natureza subjetiva (baseada em dolo ou em culpa) e tem como pressuposto o ato ilícito direta e pessoalmente praticado pelo administrador. Não é solidária nem subsidiária. No caso do art. 40, a responsabilidade define-se pela teoria objetiva (independentemente de culpa) e é subsidiária em relação à instituição financeira, porém solidária entre os administradores relativamente às obrigações assumidas durante a sua gestão, pelo simples fato de haverem exercido a função. (Resp 21245-SP).

O art. 45 prevê o seqüestro (na verdade “arresto”) dos bens dos administradores como medida destinada a garantir a efetivação da responsabilidade dos administradores. Como a indisponibilidade dos bens de que trata o art. 36 é provisória, depende da posterior propositura de ação cautelar de arresto para concretizá-la em termos definitivos (TJ-SP – AI 88.735-4/2-00). A indisponibilidade e o arresto convivem harmonicamente, não caracterizando dois meios jurídicos para atingir o mesmo fim. E nada impede que o arresto incida sobre os bens indisponíveis. Note-se que a indisponibilidade alcança somente os bens objeto de registro em nome do administrador e o arresto pode abranger outras espécies de bens. Assim decidiu o STJ: Além de a indisponibilidade apenas se concretizar sobre os bens passíveis de registro, recomendando-se por isso o arresto dos demais, para a real "efetivação" da medida (Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, "Liquidação extrajudicial de Instituições Financeiras, Revista de Direito Mercantil, 60/24), o arresto pode ser decretado como medida cautelar comum, sempre que reunidos os pressupostos previstos no Código de Processo Civil. É preciso ter presente que o interesse predominante é o de proteção ao lesado, indispensável para que se mantenha a confiança no sistema. (Recurso Especial nº 21.245-9-SP) DESAFIO (Cespe-2002) Acerca do direito falimentar, julgue os itens que se seguem.

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Instituições financeiras não podem falir, sendo-lhes aplicáveis exclusivamente os institutos da liquidação e da intervenção extrajudicial. (errado. Vide art. 21 da Lei nº 6.024/74 e art. 197 da Lei nº 11.101/05 – Lei de Falências)

DESAFIO

(Esaf-2004)

As instituições financeiras privadas:

a) Quando estão sob liquidação extrajudicial proporcionam aos seus credores melhores possibilidades de recuperação dos prejuízos do que na falência porque os seus administradores são solidariamente responsáveis com o prejuízo apurado.

b) Jamais podem ter sua falência decretada, pois se sujeitam a um regime especial a cargo do Banco Central do Brasil.

c) Podem pedir recuperação* desde que não recebam depósitos do público.

d) Sob regime de intervenção continuam em funcionamento normal, limitado o interventor a permitir a movimentação de recursos até o limite de R$ 20.000,00 por cliente.

e) Sob liquidação extrajudicial ficam imunes a quaisquer ações individuais de credores, que devem recorrer ao juízo universal.

Resposta correta: letra “a”. Vide arts. 18; 21, alínea “b”; 39, 40 e 53 da Lei 6.024/74. Vide também art. 198 da Lei nº 11.101/05. Na liquidação não há juízo universal, uma vez que a a medida é decretada extrajudicialmente pelo Banco Central e é conduzida pelo liquidante.

*adaptado à Lei nº 11.101/05. O texto original mencionava “concordata”.

Intervenção

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A finalidade específica da intervenção consiste na recuperação econômico-financeira e reorganização da instituição financeira. Essa finalidade está bem traduzida no art. 6º da Lei nº 9.447/97, o qual dispõe que

No resguardo da economia pública e dos interesses dos depositantes e investidores, o interventor, o liquidante ou o conselho diretor da instituição submetida aos regimes de intervenção, liquidação extrajudicial ou administração especial temporária, quando prévia e expressamente autorizado pelo Banco Central do Brasil, poderá:

I - transferir para outra ou outras sociedades, isoladamente ou em conjunto, bens, direitos e obrigações da empresa ou de seus estabelecimentos;

II - alienar ou ceder bens e direitos a terceiros e acordar a assunção de obrigações por outra sociedade;

III - proceder à constituição ou reorganização de sociedade ou sociedades para as quais sejam transferidos, no todo ou em parte, bens, direitos e obrigações da instituição sob intervenção, liquidação extrajudicial ou administração especial temporária, objetivando a continuação geral ou parcial de seu negócio ou atividade. A nomeação do interventor recairá sobre pessoa natural (art. 5º) ou pessoa jurídica (art. 8º da Lei nº 9.447/97), que terá amplos poderes de gestão. São hipóteses que autorizam a intervenção (art. 2º):

Será decretada se:

a) ocorrerem prejuízos decorrentes de má administração, com risco para os credores;

b) forem verificadas reiteradas infrações à legislação bancária;

c) ocorrerem os fatores que caracterizam a falência O término da intervenção se dará (art. 7º):

a) se os interessados, apresentando as necessárias condições de garantia, julgadas a critério do Banco Central do Brasil, tomarem a si o prosseguimento das atividades econômicas da empresa;

b) quando, a critério do Banco Central do Brasil, a situação da entidade se houver normalizado;

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c) se decretada a liquidação extrajudicial, ou a falência da entidade.

No tocante ao prazo, a intervenção não excederá a seis 6 meses, podendo ser prorrogado, por decisão do Banco Central do Brasil, uma única vez, até o máximo de outros seis 6 meses (art. 4º).

A intervenção produz os seguintes efeitos (arts. 6º e 50): a) suspensão da exigibilidade das obrigações vencidas; b) suspensão da fluência do prazo das obrigações vincendas; c) inexigibilidade dos depósitos existentes, os quais somente serão liberados quando houver disponibilidade financeira, a critério do interventor; d) suspensão do mandato dos administradores e membros do Conselho Fiscal; e) indisponibilidade dos bens dos administradores. DESAFIO (MP/AP-2005) Assinale a alternativa correta: A intervenção produzirá, desde sua decretação, os seguintes efeitos: (a) exigibilidade das obrigações vencidas; (b) suspensão da fluência do prazo das obrigações vincendas anteriormente contraídas; (c) exigibilidade dos depósitos já existentes à data de sua decretação; (d) O período da intervenção não excederá a seis (6) meses, não podendo ser prorrogado. Resposta correta: letra “b”. Vide art. 6º, alínea “b”.

Administração Especial Temporária

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A liquidação e a intervenção são regimes saneadores disciplinados por uma mesma lei, a Lei nº 6.024/74. Por sua vez, a Administração Especial Temporária (identificado comumente como RAET) conta com lei própria, que na verdade é um Decreto-Lei, o Decreto-Lei nº 2.321/87. Não obstante, aplicam-se à Administração Especial Temporária as disposições da Lei nº 6.024/74, naquilo em que não houver colidência, especialmente as medidas acautelatórias e promotoras de responsabilidade dos ex-administradores (art. 19). As hipóteses que justificam a decretação do RAET são as seguintes (art. 1º) : a) prática reiterada de operações contrárias às diretrizes de política econômica ou financeira traçadas em lei federal; b) existência de passivo a descoberto; c) descumprimento de normas referentes à conta de Reservas Bancárias mantida no Banco Central; d) gestão temerária ou fraudulenta de seus administradores, e) ocorrência das situações descritas no art. 2º da Lei nº 6.024/74, que correspondem aos casos que autorizam o regime da intervenção. O RAET durará pelo prazo inicialmente fixado, podendo ser prorrogado por período não superior ao primeiro (§ único do art. 1º) O RAET acarreta o efeito imediato de perda do mandato dos administradores e membros do conselho fiscal (art. 2º), além da indisponibilidade dos bens dos diretores, membros do conselho de administração e controladores (art. 19). A partir da decretação, o Banco Central fica autorizado a utilizar recursos da Reserva Monetária visando ao saneamento econômico-financeiro da instituição financeira (art. 9º). Ao contrário da liquidação e da intervenção, o RAET não produz efeitos sobre as obrigações e os negócios da instituição financeira. A execução da administração temporária será feita por um Conselho Diretor ou por pessoa jurídica com especialização na área (Ex: Banco Bozano, Simonsen no caso do Banerj) nomeados pelo Banco Central (arts. 3º e 8º).

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DESAFIO (Bacen/FCC-2005) Nas hipóteses de decretação de regime de administração especial temporária, intervenção ou liquidação extrajudicial de instituição financeira, o seu acionista controlador responde a) solidariamente com os ex-administradores da instituição, pelas obrigações por esta assumidas, independentemente de comprovação de culpa, observando-se como limite o montante do passivo a descoberto da instituição. b) solidariamente com os ex-administradores da instituição, pelas obrigações por esta assumidas, apenas nos casos em que restar comprovado que praticou atos contrários à lei ou ao estatuto, observando-se como limite o valor total das suas ações. c) subsidiariamente com os ex-administradores da Instituição, pelas obrigações por sta assumidas, apenas nos casos em que restar comprovado que praticou atos contrários á lei ou ao estatuto, observando-se como limite o do valor total das suas ações. (D) subsidiariamente aos ex-administradores da instituição, pelas obrigações por esta assumidas, independentemente de comprovação de culpa, observando-se como limite o valor total das suas ações. (E) subsidiariamente aos ex-administradores da instituição, pelas obrigações por esta assumidas, apenas nos casos em que restar comprovado que praticou atos contrários à lei ou ao estatuto, observando-se como limite o montante do passivo a descoberto da instituição. Resposta correta: letra “a”. Vide art. 40 da Lei nº 6.024/74 e arts. 1º e 2º, da Lei nº 9.447/97.

Chegamos finalmente ao final da aula 5. Cumprimento você por haver atingido a este ponto. A matéria ainda é nova, em razão da Lei de Falências, que é de 2005, somente entrando em vigor em meados do ano. Fique atento e busque novas questões de concursos futuros para treinar sua capacidade de resolver problemas. Quando ler alguma notícia de jornal que envolva a falência, a recuperação ou os regimes saneadores das instituições financeiras,

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procure identificar seus fundamentos legais e jurídicos a partir da nossa aula e da leitura cuidadosa das leis comentadas. Temos um novo encontro com a aula 6, que termina o nosso curso. Até lá.

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AULA 6 - DIREITO EMPRESARIAL CONTRATUAL

SUMÁRIO I. Teoria Geral dos Contratos Empresariais II. Espécies de Contratos Empresariais III. Aplicabilidade do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor IV. Comércio Eletrônico Desde o momento em que levantamos pela manhã até a hora de dormir, passamos o dia celebrando diversos contratos, ainda que verbalmente, mesmo sem nos darmos conta disso. São contratos de compra e venda (pão, leite, balas, livros), de transporte (metrô, ônibus, barcas), de trabalho, de prestação de serviços públicos, de locação (fitas de vídeo ou de DVDs), de aberturas de contas em banco, de cartões de crédito, de assinatura de tv a cabo ou de provedor de Internet etc. Os contratos são negócios jurídicos bilaterais criadores de obrigações, as quais se definem como relações jurídicas de caráter patrimonial pela qual uma pessoa está adstrita a satisfazer uma prestação (dar, fazer, não fazer) em favor de outra. Em uma civilização que superou os tempos da barbárie, em que cada um obtinha pela força os meios de que necessitava para a sobrevivência, os contratos surgem, contemporaneamente e no cenário econômico globalizado, como instrumentos por excelência de obtenção dos bens econômicos necessários à satisfação humana. Não se pode prescindir dos contratos, ainda mais em meio ao mundo que, após o término da guerra fria, se firmou como capitalista e pregador de um Estado mínimo, que deixou de ser o grande provedor dos cidadãos.

E são os empresários e as sociedades empresárias que, organizando os fatores de produção (insumos, mão-de-obra, capital, tecnologia), exercem a sua atividade de oferecimento de bens e serviços ao mercado por meio da sistemática e coordenada celebração dos mais variados contratos. Organizar os fatores de produção significa basicamente contrair e executar obrigações originadas de contratos. Sem os contratos, os sujeitos empresarias necessitariam de outro mecanismo que tornasse eficientes as trocas econômicas.

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O Cód. Civil desponta como lei básica que regula o cotidiano das pessoas nas suas relações familiares, no trânsito contratual, na titularidade de direitos, constituindo aquilo que se costuma chamar numa visão tradicional de “constituição do homem comum”. Já o Código de Defesa do Consumidor, a seu turno, cumpre a função constitucional de proteger o consumidor nas relações de consumo (CR/88, art. 5º, inc. XXXII; art. 170, inc. V; e art. 48 do ADCT). O empresário e a sociedade empresária celebram diuturnamente tanto contratos regidos pelo Direito Civil e pelo Direito Comercial quanto contratos que sofrem a incidência do Direito do Consumidor. Com a edição do Cód. de Defesa do Consumidor, instituiu-se um complexo de normas revelador de um regramento próprio para a proteção do consumidor, contemplando os sujeitos das relações de consumo, os responsáveis estatais e não-estatais pelo controle sobre os fornecimentos, os princípios aplicáveis, os direitos básicos dos consumidores, os regimes de responsabilidade civil, a vedação de certas práticas comerciais e de certas cláusulas contratuais, as sanções administrativas e penais, e mecanismos e instrumentos processuais inovadores para a defesa do consumidor em juízo. O Cód. do Consumidor tem seu campo de incidência delimitado pela noção de relação de consumo, isto é, o vínculo formado entre o fornecedor e o consumidor, tendo por objeto a circulação de produtos ou serviços para destinação final. Daí por que os conceitos de fornecedor e consumidor sobressaem-se em importância e constituem pedras angulares para a compreensão da temática. A Internet inaugurou uma nova forma de aquisição de produtos e serviços. Caracterizam o chamado comércio eletrônico os contratos celebrados pela rede mundial de computadores, por meio da qual ocorre o envio e a recepção eletrônica de dados. No comércio eletrônico, as trocas econômicas derivam de propostas e de aceitação de negócios feitas no ambiente virtual da Internet. Convido então você a navegar por esse mundo genial dos contratos.

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Teoria Geral dos Contratos Empresariais

Cumpre inegavelmente o contrato a sua função de eficaz instrumento econômico-social, uma vez que se destina a promover a circulação de riquezas idôneas à satisfação das necessidades individuais, ao mesmo tempo em que regula interesses de utilidade social. Paralelamente à sua função econômica, o contrato aproxima os homens e realiza, dentro das relações que abrange, parte da ordem jurídica total, daí não poder ser dissociado de princípios e idéias que a informam. Servindo de instrumento de colaboração entre os homens, para que estes definam seus próprios interesses e supram suas necessidades, os contratos interessam a todos e qualquer abalo em sua estrutura provoca danos a boa circulação de riquezas, com repercussão sobre a economia em geral. Só que enquanto o não-empresário celebra contratos num regime de negócios isolados, sem uma unidade intrínseca entre eles, os empresários e sociedades empresárias celebram os mais variados tipos de contratos dentro do contexto de atos e negócios seqüenciais, coordenados e dirigidos a uma mesma finalidade. Trata-se de uma atividade, que, em direito, traz a idéia de uma série de atos unificados em razão do mesmo objetivo global. Se os contratos são fontes de obrigações, era adequado, como afirma a Exposição de Motivos do Cód. Civil de 2002, que as atividades empresariais ou negociais viessem reguladas logo após o Livro I, da Parte Especial, como um desdobramento natural do Direito das Obrigações. Realmente, a atividade empresarial de se desenvolve mediante a realização de inúmeros e diferentes contratos. Interessam os contratos ao modo de produção capitalista, porque a circulação de bens e serviços se aperfeiçoa na celebração de contratos. O empresário e a sociedade empresária organizam os fatores de produção e para tanto isso utilizam justamente dos contratos. Como exemplos, podemos citar a contrato de compra e venda de mercadorias, de serviços de consultoria de marketing, de transferência de tecnologia, e transporte, de leasing, alienação fiduciária, factoring etc.. No exercício das operações econômicas, as relações jurídicas mantidas pelo empresário dividem-se em intra e interempresariais, correspondendo estas aos chamados contratos empresariais. São os contratos celebrados pelos empresários e sociedades empresárias para a consecução de seus objetivos profissionais. Esses contratos podem ser

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comuns, celebrados entre partes iguais, ou de consumo, quando uma das partes se encontra em situação juridicamente desigual. O Cód. Civil de 2002 unificou parcialmente o Direito Civil e o Direito Comercial, no campo das obrigações e dos contratos, mas essa unidade ocorreu apenas no plano legislativo, sem afetar a autonomia didática, metodológica e interpretativa do estudo em separado dos contratos de empresa. Nesse tratamento unitário das obrigações e dos contratos, dado pelo Cód. Civil de 2002, encontram-se normas comuns que contêm, além das modalidades de obrigações e do pagamento, disposições gerais sobre contratos, sua formação, efeitos e hipóteses de extinção. Embora a aparato legislativo seja o mesmo para os contratos civis e os empresarias, não se pode esquecer que o Direito Civil se mercantilizou, passando inclusive o Cód. Civil a prever contratos considerados comerciais. Assim, continuam sendo observadas as peculiaridades que caracterizam estes contratos e o próprio Direito Comercial. Vigora no Direito Comercial o dinamismo de suas operações, o caráter oneroso presumido, o informalismo (em contraposição ao aspecto solene, ritual, do Direito Civil), o cosmopolitismo (relações contratuais internacionais), a padronização de procedimentos e formulários contratuais (contratos por adesão), a inovação (criação a toda hora de inéditas estruturas contratuais, em oposição ao conservadorismo do Direito Civil). O Cód. Civil de 1916 previa dezesseis espécies de contratos nominados ou típicos, recebendo essa designação por terem padrão e estrutura definida na lei, começando pela compra e venda e se estendendo até a fiança. Por sua vez, o Cód. Civil de 2002 traça a disciplina de vinte contratos, podendo ser destacada a regência dos contratos estimatório e de transporte, entre outros, além de o compromisso e a transação haverem sido deslocados dos meios indiretos de pagamento para os contratos em espécie. Paralelamente ao Código Civil, leis esparsas se encarregam de criar e regulamentar outras espécies contratuais, como o leasing, o franchising e a alienação fiduciária. Partindo do princípio da autonomia da vontade, as partes podem estipular contratos novos, sem previsão legal expressa, chamados contratos inominados ou atípicos (art. 425 do Cód. Civil), servindo de exemplo os contratos de factoring, de aluguel de cofre bancário, de abertura de crédito em conta corrente bancária. Embora esses contratos possam ter alguma regulamentação administrativa, através do Conselho Monetário Nacional ou do Banco Central, o fato é que não existe lei em sentido formal que lhes regule. Com o decorrer do tempo, diante de sua

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difusão, os contratos atípicos tendem a se transformar em típicos, passando a ser contemplados na lei ordinária. Espécies de Contratos Empresariais

Passemos então a examinar os principais tipos ou espécies de contratos empresariais. Compra e Venda Mercantil: contrato pelo qual uma pessoa se obriga a transferir a propriedade de certa coisa a outra, mediante o recebimento de uma soma em dinheiro (Cód. Civil, art. 481). Aperfeiçoa-se a compra venda quando as partes acordarem (consenso) no objeto (coisa) e no preço (soma em dinheiro estipulada), daí a explicação de que se trata de contrato consensual (Cód. Civil, art. 482), uma vez que a entrega (tradição) da coisa passa a ser etapa da execução do contrato, e não de sua formação. A compra e venda civil se distingue da mercantil em razão da qualidade das partes e a finalidade econômica da coisa. Será mercantil se comprador e vendedor forem empresários e a operação se dar para a realização de suas atividades profissionais. O preço e demais obrigações das partes podem variar conforme as suas conveniências, tudo de acordo com o previsto no contrato. Para uniformizar as cláusulas de preço, riscos e transportes das mercadorias nos contratos de compra e venda mercantis entre partes situadas em países diferentes, a Câmara de Comércio Internacional, com sede em Paris, estabeleceu a partir de 1936 uma padronização denominada Incoterms, apontados a seguir a) EXW (Ex Works - local de retirada): o comprador assume a obrigação de retirar as mercadorias no estabelecimento do vendedor, devendo pagar as despesas de transporte, carregamento, seguro e desembaraço alfandegário. b) FCA (Free Carrier - local indicado): o vendedor assume a obrigação de pagar o desembaraço alfandegário para a exportação e a entrega das mercadorias, no local designado ao transportador contratado pelo comprador, o qual arcará com outras despesas. c) FAS (Free Alongside Ship - porto de embarque indicado): o vendedor se obriga a transportar a mercadoria até determinado porto, cabendo ao comprador as despesas com o desembaraço alfandegário para a exportação, embarque, seguros e outras despesas. d) FOB (Free on Board - porto de embarque indicado): o vendedor assume a obrigação de entregar a mercadoria para embarque até certo porto, incluindo o desembaraço alfandegário de exportação, correndo

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por conta do comprador o transporte da mercadoria embarcada e demais despesas. E) CFR (Cost and Freight - porto de destino indicado): o vendedor assume a obrigação das despesas relativas à entrega das mercadorias no porto de destino, ao transporte, embarque e desembaraço alfandegário para a exportação, ficando o comprador com os riscos de perda ou dano no transporte. f) CIF (Cost, Insurance and Freight - porto de destino indicado): o vendedor assume a obrigação com as despesas de transporte até determinado porto, incluindo o seguro da mercadoria e o desembarco alfandegário para a exportação. g) CPT (Carried Paid To… - local de destino indicado): o vendedor assume as despesas com transporte das mercadorias até uma localidade designada, salvo as relativas à perda ou dano destas, que recaem sobre o comprador. h) CIP (Carriage and Insurance Paid To ... - local de destino indicado): o vendedor assume a obrigação das despesas com o transporte até determinada localidade, inclusive as relacionadas com a perda ou dano durante o transporte. i) DAF (Delivered at Frontier - local indicado): o vendedor assuma a obrigação de entregar as mercadorias na fronteira entre dois países, em determinada localidade, arcando com as despesas decorrentes, inclusive o desembaraço alfandegário para exportação. j) DES (Delivered Ex-Ship - porto de destino indicado): o vendedor assume a obrigação relativa a todas as despesas até o atracamento do navio no porto de destino, inclusive as relacionadas ao seguro, ficando o comprador com as despesas de desembaraço para a importação, custos, riscos de desembarque. l) DEQ (Delivered Ex- Quay - porto de destino indicado): o vendedor assume a obrigação de arcar com todas as despesas até o desembarque das mercadorias no porto de destino, colocando-as disponíveis ao comprador no cais acordado, suportando ou não o desembaraço alfandegário para a importação. m) DDU (Delivered Duty Unpaid - local de destino indicado): o vendedor assume a obrigação relativa aos encargos com o transporte das

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mercadorias até determinada localidade no país de importação, ficando os impostos e taxas a cargo do comprador. n) DDP (Delivered Duty Paid - local de destino indicado): o vendedor assume a obrigação de entregar as mercadorias ao comprador no local designado, no país de importação, arcando com as despesas de transporte, seguro e desembaraço para a exportação. Baseado nas peculiaridades do Direito Comercial, encontramos uma disciplina específica da compra e venda mercantil, quando da falência ou insolvência do comprador empresário ou sociedade empresária. Nesse sentido, o vendedor pode exigir, diante a quebra do comprador, uma caução para se assegurar de que, entregando a mercadoria, receberá o preço (art. 495 do Cód. Civil). Na falência, serão ainda observadas as seguintes regras (art. 119 da Lei nº 11.101/05):

I - o vendedor não pode obstar a entrega das coisas expedidas ao devedor e ainda em trânsito, se o comprador, antes do requerimento da falência, as tiver revendido, sem fraude, à vista das faturas e conhecimentos de transporte, entregues ou remetidos pelo vendedor;

II - se o devedor vendeu coisas compostas e o administrador judicial resolver não continuar a execução do contrato, poderá o comprador pôr à disposição da massa falida as coisas já recebidas, pedindo perdas e danos;

III - não tendo o devedor entregue coisa móvel ou prestado serviço que vendera ou contratara a prestações, e resolvendo o administrador judicial não executar o contrato, o crédito relativo ao valor pago será habilitado na classe própria;

IV - o administrador judicial, ouvido o Comitê, restituirá a coisa móvel comprada pelo devedor com reserva de domínio do vendedor se resolver não continuar a execução do contrato, exigindo a devolução, nos termos do contrato, dos valores pagos;

V - tratando-se de coisas vendidas a termo, que tenham cotação em bolsa ou mercado, e não se executando o contrato pela efetiva entrega daquelas e pagamento do preço, prestar-se-á a diferença entre a cotação do dia do contrato e a da época da liquidação em bolsa ou mercado;

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DESAFIO (Cesgranrio-2004) A Câmara de Comércio Internacional publica, desde 1936, um conjunto de regras internacionais para a Interpretação dos termos mais usados no comércio exterior. Segundo essas regras, conhecidas como Incoterms, o único termo dentre os abaixo que contempla exclusivamente o transporte marítimo é o: (A) CIP (Carriage and Insurance Paid to), que significa "Transporte e Seguro Pagos até ...". (B) CPT (Carriage Paid to), que significa “Transporte Pago até...". (C) DAF (Delivered At Frontier), que significa “Transporte pago na Fronteira". (D) FCA (Free Carrier), que significa "Livre no Transportador". (E) CIF (Cost, Insurance and Freight), que significa "Custo, Seguro e Frete". Resposta correta: letra “e”, conforme explicitado acima. DESAFIO (Cesgranrio-2006) A Câmara de Comércio Internacional publica, desde 1936, um conjunto de regras internacionais para a interpretação de termos mais usados no comércio exterior. Segundo essas regras, conhecidas como Incoterms, o único termo, dentre os abaixo, que se refere a transporte principal não pago é: (A) CIP (B) FOB (C) CIF (D) CPT (E) CFR Resposta correta: letra “b”, conforme explicitado acima.

Faturização (Factoring): contrato pelo qual uma pessoa (faturizador) adquire créditos faturados de outra (faturizado), mediante uma comissão ou deságio, para cobrá-los por sua conta e risco (Res. Bacen nº 703/82 e 2.144/95). Segundo o Tribunal de Justiça fluminense, “Entende-se por factoring a operação de natureza contratual pela qual o

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faturizador recebe de outra parte - faturizado - a cessão de créditos oriundos de operação de compra e venda e outra de natureza comercial, assumindo o risco de sua liquidação, por isso, paga ao faturizado valor inferior ao estampado nos títulos de créditos, lucrando com a diferença. (Ap. 17.801/2001) Trata-se de contrato cujo elemento básico é a compra e venda de crédito instrumentalizada por uma cessão civil, não respondendo o faturizado pelo inadimplemento da obrigação cedida (a cessão é pro soluto). O autêntico factoring não constitui contrato bancário típico nem integra o factor ou faturizador o Sistema Financeiro Nacional. Caso o faturizador exija que o faturizado responda pelo pagamento do crédito transferido, ter-se-á operação de financiamento privativa de instituição financeira. DESAFIO (TRT/1ªR-2003) A sociedade cujo objeto social, exclusivo ou não, seja a prática de operações de faturização (factoring): I - não pode praticar operações privativas de instituições financeiras, salvo o desconto bancário; II - pode adquirir cheques pré-datados recebidos pela sociedade faturizada, emitidos pelos clientes desta; III - não pode cobrar juros superiores a 12% (doze por cento) ao ano, salvo se houver autorização específica do Conselho Monetário Nacional; IV - pode adquirir cheques pré-datados emitidos pela própria sociedade faturizada; V - não integra o Sistema Financeiro Nacional. Marque: a) se os itens I e III estão errados e somente o item V está correto; b) se os itens II e V estão corretos e o item IV está errado; c) se estão errados os itens I e II e correto o item III; d) se estão corretos os itens II e IV e errado o item V; e) se corretos os itens I e III estando errado o item IV. Resposta correta: letra “b”, conforme as explicações acima. Lembre-se que o faturizador compra, adquire, créditos recebidos pelo faturizado e não pode se tornar credor dele por créditos cedidos e não pagos pelos respectivos devedores, sob pena de transformar a operação em desconto/endosso bancário de títulos, cuja principal característica é gerar co-responsabilidade do endossante.

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Franquia (Franchising): contrato pelo qual uma pessoa, mediante remuneração, autoriza outra a explorar a sua marca e seus produtos, prestando-lhe permanente assistência técnica (Lei 8.955/94, art. 2º). Proclamou o STJ, citando Adalberto Simão Filho, que a franquia “está conceituada no art. 2º da Lei 8.955/94. O referido contrato é formado pelos seguintes elementos: distribuição, colaboração recíproca, preço, concessão de autorizações e licenças, independência, métodos e assistência técnica permanente, exclusividade e contrato mercantil”. (Franchising, SP, 3. ed., Atlas, 1988, p. 33-55)”. (STJ, Rec. Esp. 221577-MG). Mas isto não significa que o franqueado esteja livre das normas de comercialização e da fiscalização permanente do franqueador. DESAFIO (TRT/14ªR-2003) Franquia ou «franchising» é o contrato pelo qual uma das partes (franqueador ou «franchisor») concede, por certo tempo, à outra (franqueado ou «franchisee») o direito de usar marca, transmitindo tecnologia, de comercializar marca, desenvolvendo rede de lojas, de serviços ou produto que lhe pertence (Maria Helena Diniz).São características deste contrato: (I) exploração de uma marca ou produto sem qualquer interferência do franqueador; (II) onerosidade do contrato; (III) exclusividade do franqueado em certa localidade; (IV) independência do franqueado, inexistindo vínculo empregatício entre ele e o franqueador Assinale a resposta correta: (a) todas as afirmativas estão corretas; (b) apenas as afirmativas II e IV estão incorretas; (c) apenas a afirmativas I e II estão incorretas; (d) apenas a afirmativa III está incorreta; (e) apenas a afirmativa I está incorreta. Resposta correta: letra “e”. Vide explicações acima e art. 2º, parte final, e art. 3º, inc. X, alínea “a”, da Lei nº 8.955/94. Embora o franqueador estabeleça para o franqueado as normas de comercialização, não há vínculo empregatício entre eles.

Arrendamento mercantil (Leasing): contrato pelo qual uma pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, celebra com pessoa física ou

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jurídica, na qualidade de arrendatária, tendo por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela primeira, segundo as especificações da segunda e para o uso próprio desta, à qual se confere a opção de compra do bem ao final do ajuste (art. 1º da Lei nº 6.099/74). O leasing foi introduzido pela legislação tributária, para criar um benefício fiscal, ao permitir que o aluguel do arrendamento seja deduzido da base de cálculo do imposto de renda do arrendatário. Constitui o leasing um contrato misto ou complexo que pode envolver locação, financiamento, compra e venda, prestação de serviços e mandato. São modalidades de leasing: financeiro, onde sobressai a finalidade de financiamento e que somente pode ser contrato com instituição financeira que tenha como objeto principal a prática de operações de arrendamento mercantil; operancional ou rental leasing, no qual o fabricante ou importador é o arrendador, mas desprovida, em princípio, da vantagem tributária (art. 2º, parte final, da Lei 6.099/74); o lease-back ou leasing de retorno (ou retro-leasing), cujo bem já pertencia ao arrendatário, que o vende ao arrendador para em seguida recebê-lo de volta em arrendamento. No self-leasing, a operação não goza de vantagem tributária e ocorre nas hipóteses de arrendamento contratado entre pessoas direta ou indiretamente coligadas ou interdependentes (art. 2º da Lei nº 6.099/74). Pela Súmula 293 do STJ, não descaracteriza o leasing o pagamento antecipado do Valor Residual Garantido (VRG), isto é, do saldo do preço necessário à aquisição do bem, já deduzido dos valores satisfeitos a título de arrendamento. DESAFIO (TRT/23ªR-2004) Sobre arrendamento mercantil («leasing») temos que: (a) a constituição e o funcionamento das pessoas jurídicas que tenham como objeto principal de sua atividade a prática de operações de arrendamento mercantil, denominadas sociedades de arrendamento mercantil, dependem de autorização do Banco Central do Brasil; (b) é permitida a realização de operações de arrendamento mercantil somente com pessoas jurídicas; (c) acessão de contratos de arrendamento, bem como dos direitos creditórios deles decorrentes, a entidades domiciliadas no exterior, depende de prévia autorização do Conselho Monetário Nacional; (d) é vedada às sociedades de arrendamento mercantil a contratação de operações de arrendamento mercantil com administradores da entidade e seus respectivos cônjuges e parentes até o 3º grau;

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(e) a existência de modalidades de arrendamento mercantil se repartem em 3 (três) espécies: marcantil financeiro, mercantil operacional e mercantil administrativo. Resposta correta: letra “a”. Vide arts. 1º, § único; 7º; 16, § 1º; da Lei nº 6.099/74 e Resolução 2.309/96 do Banco Central, que não inclui o leasing administrativo. Na opção “d”, não há previsão legal.

Alienação fiduciária em garantia: contrato pelo qual uma pessoa (fiduciante ou devedor fidiciário) aliena, com finalidade de garantia, a propriedade de um bem a outra (fiduciário ou credor fiduciário), até que a propriedade se extinga pelo pagamento ou pelo inadimplemento. Há atualmente dois sistemas de alienação fiduciária: o primeiro da Lei nº 4.728/65, art. 66-B, restrito às instituições financeiras e à fazenda pública para a garantia de débitos fiscais e previdenciários, sendo o processo judicial regido pelo Decreto-Lei nº 911/69. Completa-se com a Lei nº 9.514/97, art. 22, que prevê a alienação fiduciária de bens imóveis no âmbito das operações de financiamento imobiliário. Esse sistema recebeu as alterações advindas da Lei nº 10.931/04. O segundo tem a disciplina traçada pelo Cód. Civil de 2002, nos artigos 1.361 a 1.368-A. As diferenças entre esses sistemas são: no primeiro o credor somente pode ser instituição financeira própria (tb. equiparada) ou fazenda pública; o objeto concerne tanto a bens imóveis como móveis, fungíveis (substituíveis) ou infungíveis (insubstituíveis); o credor tem a propriedade formal e a posse direta e indireta, reservando-se ao devedor a mera detenção (art. 66-B, § 3º, da Lei nº 4.728/65, com a red. dada pela Lei nº 10.931/04); o meio processual de retomada do bem será ação de busca e apreensão autônoma convolável (passível de conversão) em ação de depósito nos mesmo autos, com medida liminarmente concedida e consolidação plena da propriedade em mãos do credor nos cinco dias após a execução da liminar e expedição de novo documento de propriedade. No mesmo prazo o devedor terá de purgar a mora referente à totalidade da dívida. Caso o bem já tenha sido vendido pelo credor para pagar a dívida e a ação de busca e apreensão seja ao final julgada improcedente, o juiz condenará o credor a pagar ao devedor multa equivalente a 50% do valor originalmente financiado, sem excluir as perdas e danos. No segundo sistema de alienação fiduciária, a regida pelo Código Civil, o credor poderá ser qualquer pessoa; o objeto está limitado a bens móveis infungíveis; o credor terá a propriedade formal e a posse indireta, enquanto o devedor, a posse direta, o que lhe permite argüir indenização e retenção

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de benfeitorias, inadmissível no outro sistema de alienação fiduciária; o meio processual para a retomada do bem será aquele regido pelas ações comuns do CPC. A principal vantagem da alienação fiduciária é que o bem não integra a massa falida quando da falência do fiduciante e pode ser recuperado mediante pedido de restituição dirigido ao juízo da quebra (Lei Fal e Rec. - Lei nº 11.101/05 - art. 85). DESAFIO (Cespe-2002) No que se refere a obrigações e contratos mercantes, julgue os itens a seguir. I. Os contratos de franquia mercantil são contratos atípicos, sendo seu conteúdo e suas regras disciplinadoras regidos pelas cláusulas contratuais e pelos usos e costumes mercantis. (errado. A franquia conta com lei própria e, por isso, é contrato típico) II. No contrato de alienação fiduciária em garantia, o credor fiduciário tem a posse indireta e a propriedade resolúvel do bem; o devedor fiduciário, por seu turno, tem a posse direta e equipara-se a depositário do bem. (o gabarito oficial considerou correto, porque a prova é de 2002, quando não havia a Lei nº 10.931/04, que criou o § 3º do art. 66-B, cujo dispositivo prevê que o credor tem a posse direta e indireta. Cabe o devedor agora a mera detenção da coisa. Mas pelo Cód. Civil, o devedor fiduciante conserva a posse direta) III. Desde que provada a mora, o proprietário fiduciário poderá propor contra o devedor ação de busca e apreensão, que constitui processo autônomo e independe de qualquer procedimento posterior. (correta, considerando a Lei nº 4.728/65 e o Decreto-Lei nº 911/69, ambos com a redação dada pela Lei nº 10.931/04) IV.O lease-back constitui modalidade de operação de leasing que se verifica quando uma empresa vende um bem a outra empresa, que o arrenda imediatamente à vendedora. (correto, conforme explicitado nas acima com relação às modalidades de leasing) O leasing, que constitui operação financeira, pode ter por objeto bens móveis ou imóveis. (certo. Vide art. 66-B, § 3º, da Lei nº 4.728/65, e art. 22 da Lei nº 9.514/97)

Contratos Bancários: os bancos desenvolvem as suas operações através dos contratos bancários, que são acordos celebrados entre um banco (elemento subjetivo) e o cliente com a finalidade de criar, modificar ou extinguir uma intermediação no sistema do crédito. Sua causa é a mobilização do crédito (elemento objetivo). Essa definição

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condiz com a atividade típica dos bancos, relacionadas ao crédito, podendo ser ativas (o banco na posição de credor, emprestando recursos a terceiros) e passivas (o banco na posição de devedor, recebendo recursos de terceiros). Mas, ao lado das atividades típicas ou essenciais, os bancos também realizam atividades atípicas ou acessórias, direcionadas à prestação de serviços, como aluguel de cofre e cobrança de títulos. Assim, as operações bancárias podem ser apenas de moeda e crédito, de serviços, ou mistas, envolvendo moeda e crédito juntamente com prestação de serviços.

Aplicabilidade do Cód. Civil e do Cód. de Defesa do Consumidor

A indagação que mais se formula diz respeito aos eventuais impactos que o Cód. Civil, que é de 2002, possa trazer para o Código de Defesa do Consumidor, cuja promulgação ocorreu em 1990. Cuida-se de saber se há conflitos e antinomias. As atenções se voltam para verificar se o Cód. Civil teria ou não derrogado o Cód. de Defesa do Consumidor. Como você pode perceber, a questão é do relacionamento e da aplicabilidade dos dois diplomas. É oportuno mencionar que o Cód. Civil constitui lei geral e Cód. de Defesa do Consumidor, lei especial. Segundo a regra emanada do art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Cód. Civil - ainda em vigor, já que não houve a edição de nova lei de introdução, que é norma de sobredireito aplicável a todo o ordenamento jurídico, não se restringindo apenas ao direito civil -, a lei geral convive harmoniosamente com a lei especial. No preciso entendimento de Arnoldo Wald “Quando distinguimos as disposições gerais das especiais, vimos que a especial não revoga a geral e que a geral não revoga a especial, salvo se explicitamente a ela se referir, alterando a situação de direito especial” . Ao discorrer sobre o assunto, o grande civilista pátrio Caio Mário da Silva Pereira fundamenta-se no princípio cardeal da incompatibilidade para assinalar que a coexistência de leis gerais e leis especiais não é afetada, “porque umas e outras não se mostram, via de regra, incompatíveis”. Prossegue este jurista com a lição de que “A disposição especial irá disciplinar o caso especial, sem colidir com a normação genérica da lei geral, e, assim, em harmonia poderão simultaneamente vigorar. Ao intérprete cumpre verificar, entretanto, se uma nova lei geral tem o sentido de abolir disposições preexistentes”.

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Pode-se afirmar, portanto, que não há conflito de normas. Cada um dos códigos, Civil e do Consumidor, conserva seu campo próprio de incidência. Realmente, enquanto o Cód. Civil desponta como lei básica que regula o cotidiano das pessoas nas suas relações familiares, no trânsito contratual, na titularidade de direitos, constituindo aquilo que se costuma chamar numa visão tradicional de “constituição do homem comum”, o Cód. de Defesa do Consumidor, a seu turno, cumpre a função constitucional de proteger o consumidor nas relações de consumo (CR/88, art. 5º, inc. XXXII; art. 170, inc. V; e art. 48 do ADCT). O Cód. Civil se baseia em relações paritárias (partes em situação equivalente), pressupondo, ao contrário, o Cód. de Defesa do Consumidor a vulnerabilidade do consumidor perante o fornecedor de produtos ou serviços. A lei procura compensar o mais fraco com uma superioridade jurídica apta a promover o equilíbrio desejado, sempre que os sujeitos das relações jurídicas se encontrarem em situação materialmente desigual. Frise-se que o Código de Defesa do Consumidor não regula as diferentes espécies contratuais, não disciplina qualquer contrato, apenas fazendo referência exemplificativa a alguns deles (ex.: art. 53). Adverte o Desembargador fluminense Sérgio Cavalieri Filho que quem traça o regramento específico dos contratos é o Cód. Civil. Este é o diploma que dispõe sobre a compra e venda, locação, prestação de serviço etc. Incidirá o Código de Defesa do Consumidor sobre quaisquer contratos, previstos seja no Cód. Civil, seja em outros diplomas, quando estiver configurada uma relação de consumo. O mesmo brilhante e Desembargador professor ensina que o Código de Defesa do Consumidor “estabeleceu uma sobreestrutura jurídica, aquilo que o Direito Francês chama de normas de sobredireito, algo que pode ser aplicado sempre que ocorrerem relações de consumo, quer no direito público, quer no direito privado, que no direito material, quer no direito processual”. Impõe-se o conhecimento, análise e interpretação do que se entende por relação de consumo, a fim de distinguir entre a aplicação do Cód. Civil e do Cód. de Defesa do Consumidor. Assim, coexistem no sistema de Direito Privado o Cód. Civil e diversos diplomas que regulam distintos microssistemas, como o Cód. de Defesa do Consumidor, Lei do Inquilinato, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Direitos Autorais, todos sob a unidade e presidência da Constituição da

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República, que confere coerência e integração ao sistema geral de normas. Na mesma linha do Cód. de Defesa do Consumidor, o Cód. Civil, explícita ou implicitamente, incorpora os princípios da boa fé (arts. 113, 187, 422), da interpretação a favor da parte aderente nos contratos de adesão (art. 423), da função social dos contratos (arts. 421 e 2.035, § único), da revisão dos contratos (arts. 317 e 418), da responsabilidade objetiva para os danos causados por atividades habituais que importem riscos a outrem (arts. 927 e 931), como oportunamente faz questão de ressaltar o Des. Sérgio Cavalieri Filho. O Cód. de Defesa do Consumidor, unificando o regime da responsabilidade civil, já havia mitigado o princípio da relatividade (subjetiva) dos efeitos dos contratos. Introduziu a figura do consumidor por equiparação (CDC, art. 17), que nenhuma relação jurídica mantém com o fornecedor. Admitiu que a garantia decorrente da responsabilidade por vício do produto e do serviço (CDC, art. 18) pode ser invocada não só pelo consumidor direto, como também por aquele que tenha feito a aquisição no mercado de segunda mão. A relação fornecedor-adquirente cede lugar para o vínculo gerado a partir do produto e seu atual titular, legitimando terceiro que não travou negócio com o fornecedor a agir diretamente contra ele (José Reinaldo de Lima Lopes, citado pelo Magistrado trabalhista Roberto Norris). A garantia adere ao produto ou serviço, deixando de ser apenas uma responsabilidade entre as partes especificamente ligadas pelo contrato de consumo. O Cód. de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) tem seu âmbito de abrangência delimitado pelas relações de consumo (art. 1º), que têm como elementos de identificação os a) sujeitos (consumidor e fornecedor), b) objeto (circulação de produtos ou serviços) e c) finalidade (utilização final). Como estabelece o dispositivo de abertura, as normas contidas do Código são de ordem pública, cogentes e imodificáveis a critério das partes. DESAFIO (MPF-2000) Empresa Multinacional adquire peças de montagem de terceiros para linha de montagem de tratores. No caso:

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a) trata-se de operação sob a proteção do Código de Defesa do Consumidor; b) trata-se de meras relações comerciais em que incidem as regras de direito comum; c) teriam aplicação as regras do Código de Defesa do Consumidor se, expressamente, no contrato de fornecimento das peças, se fizer constar cláusula de submissão a esse regime; d) o Código de Defesa do Consumidor não regula a relação de aquisição e utilização de produto ou serviço por parte de multinacional, ante a inexistência de correlação de desigualdades entre as partes. Resposta correta: letra “b”, uma vez que a aquisição das peças não se destinou ao usuário final. Vide art. 2º do CDC e teoria finalista sobre o conceito de consumidor. Para a pessoa jurídica ser considerada consumidora, a aquisição deve estar desvinculada da sua atividade empresarial básica. No art. 2º, a definição de consumidor o considera como receptor final dos produtos ou serviços e a ele se equiparam as coletividades indeterminadas de pessoas, como o público alvo de uma campanha publicitária. Para o consumidor pessoa jurídica, a destinação final deve estar desvinculada de sua atividade empresarial básica. A teoria finalista, de maior aceitação, sustenta que consumidor é aquele que utiliza o bem em proveito próprio, satisfazendo uma necessidade pessoal, sem o revender ou empregá-lo na cadeia produtiva. Sylvio Capanema de Souza doutrina que o consumidor é "aquele que se utiliza do produto ou do serviço para o seu próprio interesse ou de sua família, e não para agregá-lo a outro e fazer com que ele continue integrando a cadeia de produção ou de lucro".1 Para a corrente maximalista, adepta à idéia de um novo estatuto para a sociedade de consumo, o campo de incidência do código é ampliado para abranger um número cada vez maior de relações de mercado, caracterizando consumidor quem revela ser o destinatário fático do bem, que o retira do mercado produtor, o utiliza e o consome, como uma fábrica que adquire matéria-prima. Baseia-se a teoria maximalista na mera interrupção do ciclo de distribuição (compra e venda) do produto ou serviço. 1 in Revista da EMERJ, v. 3, n. 10, p. 74

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O art. 17 contempla os bystanders, isto é, os atingidos por qualquer modo por acidentes de consumo, dispensando-lhes idêntico tratamento ao de consumidor. Importa ressaltar que Cód. de Defesa do Consumidor forma um microssistema legislativo aberto e dinâmico em contínuo processo de atualização e reconstituição. Apesar da incidência demarcada pelas relações de consumo, sua técnica avançada permite a equiparação de pessoas (consumidor por equiparação) a situação de consumidor stricto sensu (em sentido específico), quando for constatado o desequilíbrio contratual e a vulnerabilidade perante o fornecedor. Esse campo de aplicação do CDC é ampliado, por exemplo, consoante o disposto nos arts. 2º, § único; 17; e 29. DESAFIO (Cespe-2004) Na defesa dos consumidores, um aspecto primordial é a definição do que é consumidor e fornecedor. Em conformidade com as normas aplicáveis, assinale a opção incorreta com relação a esses conceitos. a) O estado do Tocantins, por ser pessoa jurídica de direito público, não pode ser enquadrado no conceito de consumidor. b) Um mesmo estabelecimento comercial pode ser fornecedor e consumidor em operações distintas. c) A coletividade também pode ser equiparada a consumidor, quando intervier nas relações de consumo. d) Quando uma concessionária de energia elétrica fornece um produto aos cidadãos, submete-se ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). e) Uma indústria asiática que exporta produtos para o Brasil enquadra-se no conceito de fornecedor. Resposta correta (a ser assinalada): letra “a”. Vide arts. 2º e 3º do CDC. Tais dispositivos não impedem que as Pessoas Jurídicas de Direito Público, como destinatárias finais de um produto ou serviço, sejam consideradas consumidoras. No fundo, os destinatários finais dos produtos e serviços contratados pelo Estado são a coletividade, justamente quem ele deve beneficiar, preservar e criar condições para se desenvolver.

Pelo art. 3º, fornecedor é o fabricante, o importador, o intermediário, o vendedor, o prestador de serviços, desde que se trate de pessoas, físicas ou jurídicas, organizadas ou não, que exerçam profissionalmente atividade econômica. Em suma, abrangem todos aqueles que promovam

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a introdução do produto no mercado consumidor. Tal noção não encontra exata correspondência na ciência econômica, mas é definida em função dos valores e dos objetivos que se desejam alcançar em cada ordenamento jurídico. Produto ou serviço é todo bem com conteúdo finalístico. O artigo considera serviço, para efeito de ato de consumo, as atividades bancárias, financeiras, securitárias etc., desde que, evidentemente, estejam presentes os elementos configuradores das relações de consumo, isto é, os sujeitos (consumidor e fornecedor), objeto e destinação final. No caso dos bancos, não é a simples menção legal à atividade bancária que acarreta a inflexível incidência do Código do Consumidor, decorrendo, antes, da contratação com pessoas que possam ser consideradas consumidoras, à luz dos critérios examinados nas notas ao art. 2º supra. Em razão disso, o desconto de duplicatas pelos empresários não é alcançado pelo estatuto consumerista, por corresponder à uma operação intermediária da produção ou do consumo. Se, por outro lado, a parte contratante com o banco for conceituada como consumidora, cabe plenamente a incidência do Código, pois, "Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito, cheques-presentes etc.”.2 Na mesma linha, Nelson Nery Junior, um dos co-autores do Código, ressalta que "Analisando o problema da classificação do banco como empresa e sua atividade negocial, tem-se que é considerado pelo art. 3º, caput, do CDC como fornecedor, vale dizer, como um dos sujeitos da relação de consumo. O produto da atividade negocial do banco é o crédito; agem os bancos, ainda, na qualidade de prestadores de serviço quando recebem tributos mesmo de não clientes, fornecem estratos de contas bancárias, por meio de computador etc. Podem os bancos, ainda, celebrar contrato de aluguel de cofre, para a guarda de valores, igualmente enquadrável no conceito de relação de consumo. Suas atividades envolvem, pois, os dois objetos das relações de consumo: os produtos e os serviços".3 2 Alberto Pasqualloto, in Revista dos Tribunais 666/53 3 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 5ª ed., Forense, p. 372

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E prossegue em sua lição: "O aspecto central da problemática da consideração das atividades bancárias como sendo relações jurídicas de consumo reside na finalidade dos contratos realizados com os bancos. Havendo a outorga do dinheiro ou crédito para que o devedor o utilize como destinatário final, há a relação de consumo que enseja a aplicação dos dispositivos do CDC. Caso o devedor o tome o dinheiro ou o crédito emprestado do banco para repassá-lo, não será destinatário final e portanto não há relação de consumo. Como as regras normais de experiência nos dão conta de que a pessoa física que empresta dinheiro ou toma crédito de banco o faz para sua utilização pessoal, como destinatário final, existe aqui presunção hominis, juris tantum, de que se trata de relação de consumo, quer dizer que o dinheiro será destinado ao consumo".4 Dentre os princípios da Política Nacional de Relações de Consumo assinalados no art. 4º, destacam-se a) a vulnerabilidade do consumidor, que pode ser técnica (desconhecimento das técnicas e processos produtivos empregados pelo fornecedor), econômica (superioridade financeira do fornecedor que acarreta a inferioridade do consumidor) e cultural (ignorância sobre as funções, utilidades e perigos do produto ou serviço) e b) a boa-fé objetiva, que significa um padrão ético de conduta, impondo o dever de lealdade, veracidade, cooperação recíproca, transparência, veracidade, antes, durante e após o contrato. Cumpre a cada uma das partes respeitar as expectativas e interesses demonstrados pela outra. DESAFIO (TJ/MT-2004) Previstos no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, os Princípios a serem atendidos pela Política Nacional das Relações de Consumidor não incluem o(a): (a) incentivo à criação de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços; (b) incentivo à criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; (c) incentivo à veiculação de publicidade destinada ao esclarecimento social acerca dos abusos nas relações de consumo; d) racionalização e melhoria dos serviços públicos Resposta correta: letra “c”. Vide art. 4º do CDC. 4 obra citada.

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São direitos básicos do consumidor (art. 6º): I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX - (Vetado.) X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Os arts. 8º, 9º e 10 tratam da proteção à saúde e segurança do consumidor. Os fornecimentos não podem acarretar riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, salvo os considerados normais e previsíveis, como acontece com fósforos, dedetização e medicamentos, devendo ser acompanhados de informações adequadas, inclusive através de impressos nos próprios produtos. Se os fornecimentos forem potencialmente nocivos ou perigosos, supondo riscos exacerbados, como fumo, bebidas alcoólicas, material radiativo, a informação deve ser ostensiva, clara, explícita, sobre os riscos existentes, podendo ser utilizados sinais, símbolos. Há, portanto, um dever de informar a cargo do fornecedor. Fornecimentos com alto grau de periculosidade ou nocividade não poderão ser introduzidos no mercado de consumo, se o

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fornecedor sabia ou devesse saber de tais riscos. A constatação dos riscos após a introdução no mercado de consumo obriga o fornecedor a divulgar amplamente o fato pela mídia, além de comunicá-lo às autoridades competentes, a exemplo os vários recalls de produtos. A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço é disciplinada nos arts. 12 a 17. Todos os partícipes do ciclo produtivo-distributivo, à exceção, num primeiro momento, dos comerciantes, respondem objetivamente pelos acidentes de consumo, isto é, danos provocados pelo produto ou serviço. Essa responsabilidade independe da existência de culpa do fornecedor (responsabilidade objetiva). Idêntica responsabilidade se prescreveu ao fornecedor de serviços, o qual, entretanto, se for profissional liberal, continuará dependendo da prova de culpa. O Cód. unificou o regime da responsabilidade civil eliminando, no âmbito das relações que abarca, a clássica dicotomia entre as responsabilidades contratual e extracontratual. Há divisão em vícios de qualidade por insegurança e por inadequação e vícios de quantidade. Enquanto estes últimos e os vícios de qualidade por inadequação são disciplinados nos arts. 18 a 20, a título de responsabilidade não pelo fato, mas por vícios do produto ou serviço, os primeiros, vícios de qualidade por insegurança, são tratados, basicamente, nos arts. 12 e 14. Distinguem-se os vícios ou defeitos ora examinados entre defeitos de concepção ou de projeto, de fabricação e de comercialização ou de informação, todos conduzindo ao regime da responsabilidade, salvo os defeitos de concepção pela periculosidade inerente, indissociáveis do fornecimento e, por isso, previsíveis e normais. O mesmo já não ocorre com a periculosidade adquirida, que se refere a produtos que não são intrinsecamente perigosos, mas se tornam em razão de defeitos no projeto, na fabricação ou na comercialização. Reservou-se ao comerciante uma responsabilidade subsidiária, quando não identificados os responsáveis principais, mas atraindo responsabilidade em caráter originário, se não conservar adequadamente produtos perecíveis. Um fornecimento não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ou técnica haver sido introduzido no mercado, em decorrência dos avanços científicos posteriores, para não desestimular o avanço tecnológico. A responsabilidade é excluída diante da prova de que o apontado fornecedor não colocou o produto no mercado, o suposto defeito inexiste ou culpa exclusiva do próprio consumidor ou de terceiro. Embora o Código não tenha feito alusão ao caso fortuito e à força maior, entende-se que se eles forem externos (estranhos ao negócio à organização ou à atividade empresarial), o fornecedor também se exime da

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responsabilidade, por exclusão do nexo causal. O fornecedor que tiver suportado o pagamento da indenização disporá de ação regressiva contra os demais responsáveis, proibida, entretanto, a denunciação da lide, de acordo com o art. 88. DESAFIO (Esaf-2002) Nos acidentes de consumo, o comerciante será responsabilizado pelos danos causados aos consumidores por: A) defeitos decorrentes de manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos; B) condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço; C) não conservar adequadamente os produtos perecíveis; D) exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Resposta correta: letra “c”. Vide art. 13, inc. III, do CDC DESAFIO (Esaf-2002) O fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores, por defeitos na prestação de serviços, exceto se provar a ocorrência de: BBB A) caso fortuito; B) culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro; C) força maior; D) vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude. Resposta correta: letra “b”. Vide art. 14, § 3º, do CDC

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DESAFIO (Cespe-2002) Joaquim adquiriu da empresa Delta um forno de microondas fabricado pela empresa MW. Após a instalação do equipamento, devido a um defeito de fabricação, sofreu curto-circuito que provocou incêndio nas casas de Joaquim e de seu vizinho Luís. Em face dessa situação hipotética, julgue os itens que se seguem. I. O direito de Joaquim de pedir, a seu critério, a devolução da quantia paga ou a entrega de novo equipamento está relacionado à responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto. (errado. As opções mencionadas referem-se à responsabilidade pelo vício do produto, e não pelo fato do serviço. Vide art. 18, § 1º, do CDC) II. A empresa Delta está obrigada a indenizar, independentemente de comprovação de culpa, os prejuízos sofridos por Joaquim em decorrência do incêndio em sua casa. (errado. Na responsabilidade pelo fato do produto, a responsabilidade recai sobre o produtor ou fabricante e só excepcionalmente sobre o comerciante. Vide arts. 12 e 13 do CDC) III. A responsabilidade dos fornecedores pelo vício do produto é contratual, de modo que a empresa MW não poderá ser responsabilizada pelos vícios de qualidade do aparelho. (errado. Essa responsabilidade adere ao produto e assegura o direito à indenização, independentemente de vínculo contratual. Vide art. 12 do CDC) IV. A empresa MW não seria responsabilizada pelo fato do produto, caso fosse comprovada culpa exclusiva de Joaquim na utilização do equipamento. (certo. Vide art. 12, § 3º, inc. III) V. Luís equipara-se a Joaquim no que se refere aos benefícios da aplicação das regras previstas no CDC, relativas à responsabilidade dos fornecedores. (certo. Vide art. 17 do CDC) A responsabilidade por vícios do produto ou do serviço, prevista nos art.s 18 a 21, decorrem do fornecimento viciado. Diferem os vícios de qualidade dos vícios de quantidade. Nos primeiros, os vícios são capazes de tornar os produtos impróprios, inservíveis, ao consumo ou lhes diminuam o valor, consistindo em anomalias que comprometem a sua funcionalidade. Trata-se de imperfeição que ocorre no próprio bem

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de consumo. Os segundos são as disparidades acerca das informações prestadas ou anunciadas pelos fornecedores, salvo as decorrentes de variações normais, considerada a natureza do produto. Todos os fornecedores, sem exclusão, acham-se submetidos ao regime da responsabilidade objetiva por vícios. Apenas em se cuidando de produtos in natura é que a sujeição passiva recai sobre o fornecedor imediato, por razões óbvias. Em caráter primário, o consumidor de produto viciado tem direito à correção da imperfeição, no prazo de 30 dias, que pode ser modificado pelas partes entre um mínimo de 7 e o máximo de 180. dias Como alternativa secundária, o Código lhe permite a substituição por produto idêntico ou similar, a restituição atualizada ou o abatimento proporcional. do preço. O consumidor está autorizado a lançar mão desde logo das referidas alternativas, quando a extensão do vício puder comprometer a qualidade do produto, provocar riscos, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produtos essenciais compostos por diversas partes indissociáveis. Nos vícios de quantidade, os fornecedores devem, segundo a escolha do consumidor, suportar o abatimento proporcional do preço, complementar o peso ou a medida, substituir o produto ou restituir a quantia paga com atualização. Relativamente aos vícios do serviço, o consumidor não se vê obrigado a exigir a correção dos mesmos, como acontece com os vícios do produto, podendo de imediato pretender, alternativamente, reexecução dos serviços, restituição do valor pago ou o seu abatimento. De qualquer modo, nos serviços de reparação de produtos o fornecedor tem de utilizar componentes de reposição novos e adequados ou segundo as instruções do fabricante, salvo autorização contrária do consumidor. Seja qual for a opção escolhida pelo consumidor para a solução dos vícios, não fica afastado o direito à plena indenização das perdas e danos porventura experimentados, tendo em vista o básico direito seu à indenização integral (art. 6º, inc. VI). Desde que atuem como fornecedores de serviços, as entidades e órgãos públicos, por si ou por intermédio de seus desmembramentos ou empresas permissionárias, concessionárias ou autorizatárias, sujeitam-se à disciplina traçada no Código de Defesa do Consumidor (art. 22). Os serviços devem apresentar os predicados de adequação, eficiência, segurança e, quando essenciais, de continuidade, descartando-se a hipótese de sua suspensão, mesmo que em caso de inadimplemento. Todavia, a Lei de Concessões (Lei nº 8.987/95) estabelece, no seu art. 6º, § 3º, inc. II, que não descaracteriza a continuidade do serviço a interrupção motivada pelo inadimplemento do usuário, o que tem sido prestigiado e aplicado pela jurisprudência mais recente.

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No trato da decadência do direito de reclamar das imperfeições dos produtos e serviços que os tornem inservíveis ao fins a que se destinam, o Cód. de Defesa do Consumidor (art. 26) afastou-se inteiramente do regime dos vícios previsto no Cód. Civil. A um, não exige o vínculo contratual para o direito à reclamação dos vícios, podendo formulá-lo perante o fornecedor aquele que tiver adquirido o produto do consumidor, uma vez que a responsabilidade se dá pelo fato da colocação no mercado. A dois, criou distinção entre vícios aparentes (verificáveis de pronto a olho nu, como carro sem rodas, televisão sem tela, casa sem portas), de fácil constatação (através de simples exame, com pequena atividade de experimentação, como ar condicionado que não resfria) e ocultos (imperceptíveis pelo consumidor e que venham a se manifestar posteriormente), o que não ocorre no estatuto civil. A três, ao contrário da clássica divisão em móveis e imóveis, dividiu os bens em duráveis e não duráveis, para efeito da extensão do prazo para reclamação, que passou a ser de 30 dias para os primeiros e de 90 para os últimos. A quatro, a contagem do prazo, nos vícios ocultos, não se inicia na data do negócio, mas no momento em que foram constatados, ainda que em data bem posterior e já fora da garantia contratual. Tais prazos são de decadência e aqui admitem suspensão pela reclamação comprovadamente feita pelo consumidor perante o fornecedor, até a resposta deste, e pela instauração de inquérito civil pelo Ministério Público. Já para a responsabilidade civil pelo fato do produto do serviço ou do produto, isto é, pelos danos gerados pela repercussão externa do fornecimento, atingindo a incolumidade psicofísica ou o patrimônio do consumidor, o prazo é de prescrição e de 5 anos a contar do conhecimento do fato e se sua autoria. Os artigos 29 a 44 regulam as práticas comerciais, que incluem a oferta, a publicidade e o fornecimento abusivo. A publicidade, precisa e por qualquer forma efetuada, obriga o fornecedor e passa a integrar o contrato futuro que vier a ser celebrado. Consagra-se o princípio da vinculação publicitária. A oferta consubstancia proposta de contrato, que significa declaração de uma parte a outra, solicitando-lhe o consentimento para um acordo de vontades. Não obriga o fornecedor, obviamente, a divulgação de mensagens genéricas do tipo "o melhor lugar o mundo é aqui" ou equivalente, que não vinculam concretamente o fornecedor. Diferentemente ocorre quando são anunciadas certas características, especificações ou a localização de certo bem. O dever de informar obriga o fornecedor a observar os seguintes requisitos da oferta: a) veracidade (corretas, autênticas), b) clareza (em linguagem acessível, sob pena de defeito de comercialização), c)

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precisão (exata, pormenorizada, não servindo a cláusula genérica "produto que pode trazer riscos à saúde); d) ostensividade (facilmente encontradas e visíveis a todos) e e) vernacularidade (em ligua pátria, dentro do suficiente para a informação correta ao consumidor, sem prejuízo de utilização de expressões estrangeiras bem consolidadas e de sinais característicos). O fabricantes e importadores devem assegurar o oferecimento de componentes e peças de reposição, enquanto realizarem a introdução do bem no mercado e até depois, por prazo razoável fixado em lei, ou, ajunte-se, segundo prudente critério judicial, considerada a vida útil média do mesmo. Para efeito de eventual responsabilização, determina-se a identificação do fabricante mediante a obrigatoriedade de menção, nas vendas por telefone ou reembolso postal, inclusive pela Internet, como é digno de acrescentar, de seu nome e endereço na embalagem e nos instrumentos relacionados com o contrato de consumo. Há responsabilidade indireta solidária dos fornecedores, por atos danosos praticados por seus prepostos ou representantes autônomos. A recusa de cumprimento à oferta permite ao consumidor exigir, alternativamente, a execução forçada obrigação, outro produto ou serviço equivalente, ou, ainda, a rescisão do contrato com restituição dos valores pagos e perdas e danos. Um elenco meramente exemplificativo - regra introduzida posteriormente, em razão da modificação do caput do art. 39 pela Lei 8.884/84, art. 87 - descreve as práticas que, antes, durante e após a contratação, excedem os limites da atuação do direito ao exercício atividade de fornecimento, sendo consideradas ilícitas per se, independentemente de prejuízo efetivo aos consumidores (fornecimento abusivo): a) vendas casadas. Apesar de não ser restringir-se apenas às vendas, mas a todos os fornecimentos, tal prática é conhecida como "venda casada". Veda a lei o fornecimento condicionado à aquisição de outro produto ou serviço ou a uma quantidade mínima além do interesse legítimo do consumidor. São freqüentes os casos abusivos de bancos que exigem a contratação de seguros para a outorga de crédito ou outros fornecimentos. O consumidor pode exigir a contratação do fornecimento desejado, sem o condicionamento imposto; b) fornecimento recusado. É ilegal a negativa de fornecimento ao consumidor que satisfaça as condições da aquisição, de modo a evitar discriminações e a oposição ao atendimento de pequenas demandas de consumo, como o taxista que se recusa a conduzir o passageiro a

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pequena distância. Pune-se também a conduta como infração à economia popular (art. 2º, II, da Lei nº 1.521/51); c) fornecimento sem solicitação. A norma visa a assegurar que a iniciativa do ato de consumo parte do consumidor e a não transferir para ele o ônus de cancelar ou providenciar a sua devolução. O descumprimento da regra acarreta a gratuidade do fornecimento e infração administrativa; d) aproveitamento abusivo. Tutela-se aqui o consumidor em estado de maior vulnerabilidade contra o fornecedor que busca prevalecer-se dessa situação; e) exigência de vantagem excessiva. Trata-se de formulação ou proposta de vantagem excessiva que ofenda os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertença ou restrinja obrigações fundamentais, ameaçando o objeto ou o equilíbrio do contrato, cujas idéias se acham contidas no art. 51, § 1º, incs. I a III); f) execução de serviços sem orçamento. Todo serviço, ressalvadas a praxe anterior entre as partes, somente pode ser prestado mediante orçamento previamente elaborado e aprovado pelo consumidor, do qual conste as suas especificações completas, com valores e prazo de execução. O orçamento terá validade por 10 dias, salvo acordo em contrário. Se o serviço for executado sem orçamento passa a ser considerado amostra grátis, nos termos do § único, do mesmo art. 39; DESAFIO (Esaf - 2002) Salvo estipulação em contrário, o prazo de validade do orçamento prévio apresentado pelo fornecedor de serviços caduca em quantos dias, a contar de seu recebimento pelo consumidor? A) 10 dias; B) 15 dias; C) 30 dias; D) 45 dias. Resposta correta: letra “a”. Vide art. 40, § 1º, do CDC.

g) divulgação de informações depreciativas. O fornecedor está obrigado a abster-se de repassar informações negativas sobre o consumidor, quanto a ato praticado no exercício regular de seus direitos. A finalidade é prevenir constrangimentos ao consumidor diligente a atento aos seus direitos;

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h) desconformidade com normas técnicas. Cuida-se de proibir a introdução no mercado de consumo de produto ou serviço em desacordo com as normas técnicas. O descumprimento gera a infração administrativa, bem como penal do art. 2º, inc. III, da Lei nº 1.521/51. Isto não significa, contudo, que o fornecedor esteja imune à responsabilidade, se ocorrer acidente de consumo mesmo quando observadas as normas técnicas, já que estas importam apenas um padrão mínimo, não dispensando outras cautelas possíveis; i) recusa de venda direta. Objetiva-se punir a imposição, pelo fornecedor, de um intermediário para a conclusão do negócio de consumo, ressalvados os casos previstos em lei. O art. 51, inc. VIII, considera nula a cláusula contratual que determina a participação de um intermediário; j) majoração de preços sem justa causa. Ainda que se conviva em ambiente de liberdade de preços, não de pode admitir a prática do aumento abusivo de preços. A majoração somente é viável quando presente justa causa que efetivamente interfira na formação dos preços do fornecimento. Não há um critério predeterminado, cabendo as sua análise pela autoridade administrativa e judicial em cada caso concreto; k) reajuste indevido. Empregar fórmula ou índice de reajustamento diverso do da lei ou do contrato constitui ilícito de consumo, acarretando, como sanção, a nulidade da cobrança, restituição dos valores eventualmente pagos, além de responsabilidade administrativa; l) ausência de prazo para o fornecimento. Na contratação, o fornecedor deve estipular o prazo para o cumprimento de sua obrigação, vedando-se o estabelecimento ao depois a seu exclusivo critério; m) descumprimento de controle de preços. Os preços tabelados ou controlados deverão ser respeitados pelos fornecedores. A inobservância gera o direito à restituição dos valores pagos a maior ou ao desfazimento do negócio, além de multa e outras sanções administrativas (art. 55 e ss) e penais (art. 2º, inc. VI, da Lei nº 1.521/51) DESAFIO (Esaf - 2002) Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a: A) dois anos; B) cinco anos; C) um ano; D) sete anos.

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Resposta correta: letra “b”. Vide art. 43, § 1º, do CDC.

Procura o Cód. de Defesa do Consumidor, nos arts. 46 a 54, conceder um sistema de proteção contratual consumidor no âmbito dos contratos já formalizados com os fornecedores. O desequilíbrio entre os fornecedores e os consumidores no campo material, propicia, no campo jurídico, o estabelecimento de uma proteção contratual em favor da parte mais fraca. Não vinculam o consumidor os contratos cujo conteúdo não lhe fora dado conhecer previamente. São inválidas as cláusulas ambíguas, obscuras, em linguagem hermética ou técnica, ou com caracteres minúsculos. Os contratos por adesão conterão termos claros e letras bem visíveis, de modo a facilitar a sua leitura e assimilação pelo consumidor. Não apenas em face de dúvida, mas em qualquer hipótese a interpretação dos contratos será mais favorável ao consumidor. Nas vendas efetuadas fora do estabelecimento do fornecedor, normalmente impulsionadas por sistema de marketing agressivo mediante técnicas de abordagem, é previsto, de modo irrenunciável, o direito de arrependimento pelo consumidor. O arrependimento deve ser exercido dentro do prazo de reflexão de 7 dias a contar do recebimento e independe de o produto mostrar-se bom ou não. Considera-se que esse tempo seja suficiente para o amadurecimento e discernimento para a decisão final sobre o ato de consumo. Decorre a garantia contratual da vontade das partes, as quais, entretanto, não dispõem de liberdade para restringir o alcance da garantia legal outorgada pelo CDC. Cabe ao consumidor fazer a opção entre uma e outra garantia, conforme lhe parecer mais vantajoso. A garantia contratual será fornecida por escrito padronizado entregue ao consumidor no ato do fornecimento, sob pena do crime tipificado no art. 74. Qualquer manifestação escrita do fornecedor o vincula aos seus termos, ensejando execução compulsória e específica da obrigação. DESAFIO (Cespe-2002) Com base nas regras previstas no CDC, julgue os itens a seguir. I. O consumidor que tenha adquirido produto no estabelecimento do comerciante possui o direito de desistir da realização do negócio no prazo de sete dias contados da celebração da avença ou da entrega do produto, ainda que não se verifique qualquer vício de qualidade ou de quantidade no produto. (errado. É fora do estabelecimento. Vide art. 49 do CDC)

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II. Se, em determinado contrato, constar cláusula que venha a ser considerada abusiva, verificar-se-á a anulação do próprio contrato. (errado. A nulidade atinge apenas a cláusula. Vide art. 51 do CDC) III. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado. (certo. Vide art. 53 do CDC) IV. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo. (certo. Vide art. 46 do CDC) V. Considera-se lícita a cláusula prevista em contrato de prestação de serviço que estabeleça a apuração de responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, mediante a verificação de culpa. (certo. Vide art. 14, § 4º, do CDC)

Comércio Eletrônico

O advento da Internet propiciou a criação de um novo e dinâmico ambiente para a realização de negócios, bem nos moldes do informalismo (ausência de maiores formalidades), cosmopolitismo (indiferença às fronteiras), celeridade (rapidez) e inovação que caracterizam o Direito Comercial. Os consumidores recorrem aos estabelecimentos virtuais, identificados pelos “nomes de domínio” (endereço web), para efetuarem a aquisição de bens e serviços. Esse nome de domínio cumpre a função técnica de interconexão (corresponde a um número) dos equipamentos, semelhante à discagem do telefone convencional, e a função de identificação do estabelecimento virtual no espaço da rede. No Brasil, cabe à FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo promover o registro dos “nomes de domínio”, para fins de mero cadastro gerencial, sem natureza constitutiva do definitivo direito à sua utilização. Se houver violação à marca ou nome empresarial de terceiros, o prejudicado poderá exigir do infrator que altere o ¨nome de domínio¨ indevidamente registrado. O Cód. Civil de 2002 considera estabelecimento empresarial todo o complexo de bens reunido pelo empresário ou pela sociedade empresária para o exercício da atividade econômica organizada de fornecimento de bens ou produtos (art. 1.142). Composto por diferentes

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elementos, é ele a base física ou o instrumento da atividade do titular da empresa. As unidades da organização empresarial situadas em locais específicos onde os clientes adquirem produtos ou serviços constituem parcelas do estabelecimento em sentido amplo. O aspecto físico do estabelecimento convencional fica substituído pelo conceito de acessibilidade pela clientela. Convém detalhar mais a compreensão da matéria. Pois bem, com o desenvolvimento do comércio eletrônico (e-commerce), no âmbito do qual a proposta e o contrato ocorrem mediante transmissão e recepção eletrônica de dados, surgiram os estabelecimentos virtuais do empresário destinados a dar execução à sua atividade de fornecimento ao mercado. Alguns fornecedores, inclusive, somente operam por intermédio do site, servindo de exemplo as empresas aéreas na venda de passagens, algumas locadoras de automóveis na reserva dos veículos, compra antecipada de bilhetes de cinema. Indaga-se se o site do fornecedor, por meio do qual são oferecidos produtos e serviços ao mercado, compõe o estabelecimento a que se refere o art. 49 do CDC, para efeito de afastar o direito de arrependimento no prazo de sete dias ali previsto. Busca a norma do referido artigo viabilizar o poder de reflexão contra práticas de marketing agressivas capazes de gerar um envolvimento psicológico do consumidor. O prazo de sete dias é, aliás, conhecido como prazo de reflexão. Para Fábio Ulhoa Coelho,5 a aquisição de produtos ou serviços por meio do website do fornecedor realiza-se dentro do estabelecimento virtual, da mesma forma de quem toma a iniciativa de procurar o estabelecimento físico. Por isso, não há que falar no direito de arrependimento, salvo se o fornecedor se utilizar de uma técnica agressiva de marketing, que prejudique a reflexão do consumidor sobre a necessidade ou conveniência da aquisição. Vejam-se as inúmeras situações em que o próprio consumidor que se acessa o site, sem que seja prévia e desprevenidamente abordado ou instado a fazê-lo, contendo a página eletrônica do fornecedor dados e informações mais detalhados do que as lojas fisicamente instaladas. Nestas não raramente o atendimento é prestado por prepostos despreparados e sempre sujeitos às naturais contingências humanas, como cansaço físico e mental, problemas emocionais, esmaecimento da 5 cf. Curso de Direito Comercial, vol. 3, 3ª ed., São Paulo: Saraiva 2002, p. 49.

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memória, questões culturais e intelectuais etc., o que poder prejudicar o consumidor no momento da decisão do ato de consumo. Nos casos de sites que contenham informações em língua portuguesa, completas, claras, suficientemente precisas sobre as circunstâncias de características, qualidade, quantidade, composição, preço, forma de pagamento, prazos de entrega e de validade dos produtos e serviços podem propiciar ao consumidor uma segurança maior do que aquela gerada por uma aquisição qualquer feita em estabelecimento físico. Assim, não importa o ambiente, se físico ou virtual, do ato de consumo para incidir o direito de arrependimento de que trata o art. 49 do CDC. Mas que do que meio em si utilizado, cumpre acima de tudo assegurar ao consumidor condições que lhe permitam pensar e refletir sobre a necessidade e conveniência de adquirir um bem ou serviço. Contudo, e para efeito de provas e concursos públicos, tem prevalecido a tese de que a aquisição de produtos ou serviços pela Internet recebe o mesmo tratamento jurídico dos negócios de consumo realizados por telefone ou correio, conforme a previsão do artigo 49 do CDC. Convém insistir em que, por esse artigo, o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de até sete dias a contar da data do recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação ocorrer fora de estabelecimento, fazendo jus ao imediato recebimento dos valores que eventualmente já houver pago, monetariamente atualizados.

Ao contrário do que já acontece com países como Espanha e Itália, o Brasil ainda não possui legislação específica para o comércio eletrônico. Não é, por isso, a Internet um universo sem lei nem ordem, sendo aplicadas, enquanto não sobrevém uma lei própria, as normas existentes do Cód. Defesa do Consumidor, do Cód. Civil e da legislação extravagante.

Uma questão de se levanta com freqüência se refere à responsabilidade civil (indenização) dos provedores de Internet em relação às aquisições efetuadas na rede mundial de computadores. Para resolver esse problema, temos, antes de mais, nada que compreender o conceito e as diferenças entre os provedores de acesso, de conteúdo e de endereço eletrônico. Eles prestam serviços de natureza distinta, o que influencia a definição da responsabilidade.

O provedor de acesso é quem está autorizado a disponibilizar aos usuários (pessoas físicas ou jurídicas) o acesso à Internet através de telefone (acesso discado), radiofreqüência, banda larga, ou outro meio

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qualquer. É o provedor que atribui ao usuário o endereço IP para que ele navegue na rede, fornecendo serviços de conexão e de transmissão de informações.

Provedor de conteúdo é aquele que hospeda páginas (estáticas ou dinâmicas) de usuários, sabendo-se que uma página da Internet também tem um endereço IP a ela vinculado, o qual é estático e traduzido em um nome familiar (ex.:www.pontodosconcursos.com.br). Os provedores de conteúdo também podem fornecer serviços interativos como bate-papo (chats) ou jogos. São conhecidos como provedores de hospedagem ou ainda como portais da Internet.

Provedor de endereço eletrônico (ou de “e-mail”) é aquele que disponibiliza ao usuário da Internet uma conta de correspondência eletrônica, concretizada no endereço de e-mail.

Como facilmente se percebe pela descrição acima e pela experiência nossa do dia-a-dia, os provedores de acesso e de correio eletrônico são meros intermediários que viabilizam a transmissão e o recebimento de dados e informações na rede. Portanto, não podem ser responsabilizados pelos atos ilícitos dos fornecedores que deixarem de atender ao direito dos consumidores. Devem, porém, prestar informações corretas sobre a identificação dos fornecedores, para permitir que o consumidor exerça seus direitos, e colaborar com as autoridades competentes nas investigações.

Já os provedores de conteúdo poderão ser responsabilizados pelos atos praticados pela aquisição de bens e serviços contratados com os fornecedores que hospeda, caso não seja remunerado apenas pela veiculação da publicidade e anuncie que possui os melhores produtos, selecione os fornecedores e receba comissão pelos negócios efetuados. Também haverá responsabilidade se, cientes de mau uso ou de irregularidades em seus sites, deixarem de agir para impedir a continuidade dos comportamentos contrários à lei.

Como o patrão responde pelos atos de seus prepostos ou colaboradores (arts. 932, inc. III, e 1.178 do Cód. Civil), e considerando que pertence a ele os instrumentos de trabalho, inclusive o correio eletrônico institucional, a doutrina e a jurisprudência dominantes admitem o monitoramento do empregador do acesso à Internet e das mensagens enviadas pelos empregados. O TRT-SP decidiu que a empresa tem o “direito-dever de manter vigilância sobre tudo o que acontece no local de trabalho. Até porque poderá responder por

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eventuais ações de seus empregados e que atinjam terceiros”. (RO 02771.2003.262.02.00-4). Outro ponto alvo de problemas no comércio eletrônico é o envio de mensagens não-solicitadas, os spam´s. A União Européia calcula que 48% do tráfego mundial de mensagens correspondem a spam. O tempo perdido na limpeza de caixas postais é estimado em US$ 2,8 bilhões em produtividade. Em agosto de 2003 o então Senador Hélio Costa apresentou o Projeto de Lei nº 367/03, que regula a utilização de mensagens eletrônicas comerciais não solicitadas por meio de rede eletrônica. A proposta legislativa autoriza que as mensagens sejam enviadas uma única vez, proibida a repetição sem prévio e expresso consentimento do destinatário. Na falta de lei que discipline o assunto, os questionamentos em torno do spam têm sido analisados de acordo com as normas que protegem a intimidade e a privacidade (CR/88, art. 5º, inc. X), além das que combatem o abuso do direito de informação e de liberdade de expressão (art. 187 do Cód. Civil). Os registros eletrônicos, ainda que impressos fisicamente, são aptos a comprovar um contrato celebrado pela Internet? Uma corrente minoritária, integrada pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do STJ, entende que teria o mesmo peso de uma prova oral. Noutro extremo, a posição majoritária defende que o contrato celebrado por meio de transmissão eletrônica de dados deve ter o mesmo valor de um instrumento contratual materializado em papel. Aliás, a Lei nº 10.520/02 permite a licitação na modalidade pregão eletrônico. Com o término do pregão de ¨viva voz¨ da Bolsa de Valores de São Paulo em 01.10.05, as negociações com valores mobiliários se processam por meio de registros computadorizados. As operações do mercado de câmbio também se realizam da mesma forma. O Banco Central instituiu o SELIC, através do qual, por meios eletrônicos, são executados os contratos de compra e venda de títulos públicos. Até mesmo a declaração de Imposto de Renda é enviada pela Internet. Os contratos então podem ter suporte em instrumento (ou documento) físico (materializado, papelizado) ou virtual (eletrônico, desmaterializado). A Comissão de Direito Comercial Internacional da ONU, a UNCITRAL, formulou e recomendou a aplicação do princípio da equivalência funcional, pelo qual o registro em meio magnético ou eletrônico cumpre a mesma função que o papel, impedindo que seja argüida invalidade do contrato pelo simples fato haver sido celebrado

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por meio virtual ou pela ausência de formalidades não exigidas para a contratação em papel. Os negócios jurídicos realizados por meio da Internet redundam em documentos eletrônicos que registram a manifestação de vontade das partes em meio informatizado. A tecnologia criou mecanismos para substituir a assinatura manuscrita de próprio punho pela assinatura digital, para assegurar a autenticidade do autor da manifestação de vontade no ciberespaço. Existe ainda o sistema de senhas eletrônicas, de leitura da iris ou de impressões digitais (biometricidade) etc.. O método mais utilizado de assinatura digital para emitir a vontade nos contratos eletrônicos é a criptografia assimétrica, também conhecida como criptografia de chaves públicas. Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, edição de 09.09.03, Sandra Gouvêa, mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo explica o funcionamento da assinatura digital pelo sistema de criptografia assimétrica:

A assinatura digital requer que cada signatário possua duas chaves de criptografia (expressas em códigos matemáticos): uma chave privada e uma chave pública. Na prática, a pessoa assina o documento incluindo a sua chave privada secreta no arquivo eletrônico. Automaticamente, o documento eletrônico é codificado e passará a ser ilegível. Além disso, a assinatura digital ficará vinculada àquele documento específico. Depois de receber o documento, o receptor poderá acessá-lo e conferir a identidade do emissor através da chave pública do mesmo que fica arquivada em sites especializados. A criptografia pode ser comparada a um cadeado que possui duas chaves: uma é usada para trancá-lo e outra para abri-lo.

A Medida Provisória nº 2.200/01 instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras (art. 1º) .

Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata a Medida Provisória (art. 10). As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica, produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil, presumem-se verdadeiros em relação aos signatários (§ 1º do art. 10). Ressalva a Medida Provisória que pode ser empregado outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em

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forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento (§ 2º do art. 10).

XXX

Termina aqui o nosso curso. Parabéns por haver alcançado o objetivo de estudar o Direito Comercial. Mas não pare. Lembre-se de que a dedicação deve ser mantida até a aprovação esperada. Agora que você já consegue trafegar com certa tranqüilidade nos domínios do Direito Comercial, a melhor estratégia de estudo é se dispor a resolver questões e provas. Tente fazê-las. Teste seu conhecimento. Vamos ! Se você não souber a resposta na hora, a inquietação do desconhecimento momentâneo, da dúvida, lhe proporcionará a curiosidade de buscar a solução e o colocará em atitude mental predisposta a aprender e fixar a matéria. Mais uma coisa que ouvi e que gosto de repetir sempre: nosso conhecimento aumenta quando passamos a atuar ativamente sobre alguma coisa. Pense nisso. Um forte abraço de sucesso ! Ronald. A. Sharp Junior