EXEGESE DE MATEUS 6

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1 FTCB FACULDADE TEOLÓGICA CRISTÃ DO BRASIL MESTRADO EM BÍBLIA – NOVO TESTAMENTO Disciplina: Grego (Exegese do NT Grego) EXEGESE DE MATEUS 6:1 “Cuidem em não praticar a vossa justiça diante dos homens a fim de serdes vistos por eles; do contrário, não tendes recompensa junto ao vosso Pai nos céus”. Aluno: Walter Leal Guedes Brasília, Fevereiro de 2008 Professor: Sebastião Veiga Gonçalves

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- Trabalho apresentado na Disciplia de Exegese do Novo Testamento, do Curso de Mestrado em Bíblia - Novo Testamento, da FTCB (Faculdade Teológica Cristã do Brasil), em dezembro de 2007.

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Page 1: EXEGESE DE MATEUS 6

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FTCB – FACULDADE TEOLÓGICA CRISTÃ DO BRASIL

MESTRADO EM BÍBLIA – NOVO TESTAMENTO

Disciplina: Grego (Exegese do NT Grego)

EXEGESE DE MATEUS 6:1

“Cuidem em não praticar a vossa justiça diante dos homens a fim

de serdes vistos por eles; do contrário, não tendes recompensa junto ao

vosso Pai nos céus”.

Aluno:

Walter Leal Guedes

Brasília, Fevereiro de 2008

Professor:

Sebastião Veiga Gonçalves

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Grego (Exegese do NT Grego)

EXEGESE DE MATEUS 6:1

Por:

Walter Leal Guedes

Sob a orientação do professor Sebastião Veiga Gonçalves

Brasília, fevereiro de 2008.

Esta obra, denominada “Exegese”, é

caracterizada pela investigação acurada das idéias do

texto grego eclético. Trata-se de um modelo de

exegese, não sendo determinante como única forma

de análise exegética, contendo, ainda, uma análise

teológica. É de grande valia para a análise popular

bem como sua aplicação no dia a dia da Igreja,

considerando uma adequada associação do texto

grego eclético e sua tradução literal com os textos

bíblicos mais comuns em nossos dias.

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SUMÁRIO

ANÁLISE LINGÜÍSTICA ...................................................................................... 04

Texto Grego (Eclético) ........................................................................................ 04

Delimitação do Texto ......................................................................................... 04

Posicionamento no Contexto .............................................................................. 04

ANÁLISE MANUSCRITOLÓGICA ..................................................................... 07

Leituras Variantes .............................................................................................. 07

Comentário Acerca das Leituras Variantes ..................................................... 07

ANÁLISE MORFOLÓGICA ................................................................................. 09

Classificação Gramatical e Tradução ............................................................... 09

Considerações Gramaticais ................................................................................ 10

ANÁLISE SINTÁTICA .......................................................................................... 12

Diagramação da Relação Sintática de Mateus 6:1 ........................................... 12

Comentário da Relação Sintática ...................................................................... 12

Comentário Conclusivo da Análise Sintática ................................................... 15

Tradução Literal ................................................................................................. 16

Outras Traduções Bíblicas ................................................................................. 16

Comentários sobre as Traduções ...................................................................... 17

REFERÊNCIAS (Bibliografia) ............................................................................... 22

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EXEGESE DE MATEUS 6:1

“Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos

por eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste.”

ANÁLISE LINGÜÍSTICA

Texto Grego (Eclético)

P ro se,ce t e Îd e.Ð t h .n d i ka i o su,n hn um̀ w/n m h. p o i ei /n e;m p ro sqe n t w/n a vn qrw,p wn p ro .j to . qe a qh/n a i a uvt o i/j\ e iv d e. m h, g e ( m i sqo.n ouvk e ;ce t e p a ra . t w/| p a t ri. um̀ w/n t w/| e vn t o i/j o uvra n oi /j Å

Delimitação do Texto

As razões do estudo da perícope buscam adequada compreensão:

• A cerca da necessidade de uma introdução a advertências quanto à forma

adequada de se exercer a religiosidade;

• Da necessidade de ligação entre a disposição da Lei lida e ouvida (5:21-48) e as

atitudes práticas, doravante, em relação às três bases da prática da justiça

(religião) para os judeus, que eram as esmolas (6:2-4), a oração (6:5-15) e o

jejum (6:16-18);

• Sobre como ligar a determinação feita no trecho, percebida por meio do verbo

P ro se,ce t e (preocupe-se com; cuide de; atente para [a]) no imperativo aos

variados modos práticos do exercício da justiça;

• Do motivo de haver, tão somente em um versículo, tão bem esclarecida

instrução prática sobre o modo de vida cristão, contendo uma instrução

detalhada em forma de imperativo proibitivo, um detalhamento sobre a

motivação errada para a prática da religiosidade e a conseqüente “recompensa”

pela má conduta diante de Deus, ainda que agradável aos homens.

Posicionamento no Contexto

• Quanto “à perícope” anterior: após proferir, em meio ao famoso Sermão do

Monte, a lista das “Bem aventuranças”, seguida das instruções ao modo de vida

dos discípulos (e especialmente deles, cof. 5:1-2) como sal da terra (5:13), luz

do mundo (5:14-16), cumpridores da Lei e dos ensinos dos profetas (5:17-20), e

as instruções orais a cerca do homicídio (5:21-26), do adultério (5:27-32), dos

Segundo versão de ARA

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juramentos (5:33-37), da vingança (5:38-42) e do amor ao próximo (5:43-48),

mais precisamente no versículo 5:48, o Senhor determina aos discípulos o que

para nós, hoje, se requerido por alguém, pode soar com ar de grande

pretencionismo, de arrogância até, ou seja, é exigida deles perfeição, mas não

qualquer perfeição, se não, tal qual à perfeição do Pai do Céu. E é com relação a

todo esse trecho (cap. 5) que o versículo 6:1 atua como um desfecho realmente

perfeito, em outras palavras, embora todas as atitudes práticas determinadas

anteriormente digam respeito às relações entre os homens, é para com Deus que

a verdadeira justiça deve ser exercitada.

• Quanto “à perícope” posterior1: o texto delimitado introduz, como já dito, por

meio de uma severa determinação proibitiva, uma seção de determinações

pormenorizadas a respeito da conduta adequada dos discípulos de Jesus quanto à

prática da esmola, da oração e do jejum (pilares da religiosidade judaica).

Anteriormente, pois, o Senhor já havia instruído aos discípulos quanto à

necessidade de que sua justiça excedesse, “em muito”, a dos escribas e fariseus

(5:20). Agora, ao darem esmolas, não devem alardear o feito como costume dos

hipócritas2 (6:2). Na oração, do mesmo modo, ao discípulo é instruído que o

faça em secreto, de modo a não ser visto pelos homens, mas tão somente por

Deus, diferentemente do que é comum entre os hipócritas (5:6-8). Na prática do

jejum, de igual modo, o discípulo tem de proceder contrariamente aos

hipócritas, que fazem questão de demonstrar a todos os homens que o estão

fazendo (6:16-18). A afirmação de Jesus, por três vezes (6:2,5,16), de que

“certamente eles (os hipócritas) já receberam a recompensa” em virtude da

forma como sua justiça é praticada combina, perfeitamente, com a exposição da

conseqüência pelo exercício inadequado da justiça feita em 6:1, ou seja, Jesus

afirma, com outros termos, que esses hipócritas “não têm recompensa junto do

Pai Celeste”. Praticam uma justiça, ou exercem uma religiosidade inútil. E não

só inútil, mas prejudicial.

1 As expressões – “à perícope” – encontram-se entre aspas, nos dois itens, referente à anterior e à

posterior, pelo fato de a ligação do trecho delimitado não se desligar definitivamente de todas as perícopes relacionadas com o tema tratado em 6:1. Portanto, a relação não se limita às perícopes imediatamente anterior e posterior, mas sim, a um considerável conjunto de perícopes que não convém (nem podem) ser desvinculadas uma da outra.

2 “Hipócritas” são todos os religiosos judaicos que procedem inapropriadamente tal qual referido por

Jesus.

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• Na perícope delimitada espera-se encontrar suficiente conteúdo que justifique a

avaliação de um versículo só, privilegiando o que há gramaticalmente

justificável, para que seja comprovada a existência de uma importante e

particular ordenança. Ainda, fazer a devida associação dessa ordenança com o

restante do exposto em todo o Sermão do Monte, por todo o Primeiro Grande

Discurso do Evangelho de Mateus e, não negligenciando a sua importância

relacionada com todo o Evangelho de Mateus, numa instância mais imediata, e

com todo o Novo Testamento, numa instância mais ampla. E tudo isso buscando

harmonizar a perícope em questão com todo o contexto bíblico, ou seja, a Bíblia

considerada de Gênesis a Apocalipse.

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ANÁLISE MANUSCRITOLÓGICA

Leituras Variantes

• Texto Eclético – NA 273

P ro se,ce t e Îd e.Ð t h.n di ka i o su,n hn um̀ w/n m h. p oi ei /n e;m p ro sqe n t w/n a vn qrw,p wn p ro.j to. qe a qh /n a i a uvt oi/j \ e iv d e . m h , g e ( m i sqo.n o uvk e ;ce te p a ra. t w/| p a t ri. um̀ w/n t w/| evn t o i/j o uvra n o i/j Å

• Textus Receptus4

P ro se,ce t e d e. t h.n e vl e hmo su,n hn um̀ w/n m h. p o ie i/n e ;m p ro sqe n t w/n a vn qrw,p wn ( p ro.j t o. qe a qh /n a i a uvt oi /j \ e iv d e. m h ,g e ( mi sqo .n o uvk e ;ce t e pa ra. t w/| p a t ri. um̀ w/n t w/| evn t o i/j o uvra n o i/j Å

Comentário Acerca das Leituras Variantes

A uma grossa vista não se vê considerável diferença entre um texto e outro, nem

mesmo quanto à pontuação bem como a acentuação no Textus Receptus.

O primeiro diferencial é percebido no fato de a conjunção δε, no Texto Eclético,

estar entre colchetes. Nestle-Aland e UBS usam esse recurso, ou seja, apresentam

fragmentos de palavras ou palavras inteiras, entre colchetes, indicando que a posição de

tais palavras no texto é questionada. δε é uma conjunção adversativa, pospositiva,

também usada aditivamente como “e” (Mt 1:2-16, na Genealogia, várias vezes);

também como “mas”, onde o Léxico até sugere sua aplicação em Mt 6:1. Pode indicar

apenas transição como “ora” ou “então” (conf. Mc 5:11; Lc 3:21; 1ªCo 16:12); “isto

é” (Rm 3:22; 1ªCo 10:11; Fp 2:8); e ainda há outras possibilidades. Deste modo,

considerando o motivo de utilização dos colchetes, ou seja, a dúvida quanto à posição

da palavra na frase, é possível que se admita que ela ficaria bem abrindo o versículo,

3 Novum Testamentum Graece Nestle-Aland, 4ª edição, também conhecido como NA27 (27ª edição da

UBS [United Bible Societes]), o texto grego mais aceito e recomendado nos círculos acadêmicos.

4 “Em 1516, Erasmo de Rotterdam publicou um texto grego (chamado Textus Receptus), do Novo

Testamento que, apesar de muitas imperfeições e limitações, foi usado para as futuras e famosas

traduções de Lutero (alemão), Tyndale (inglês), Pierre Olivetan (francês), Nicolaas van Winghe

(holandês, católico), Giovani Diodati (italiano). Até os autores da conhecida versão para o espanhol,

Casiodoro de Reina e Cipriano de Valera; bem como o autor da tradicional versão para a nossa língua

(cerca de 200 anos mais tarde), João F. de Almeida (português), serviram-se do Texto Receptus (e da

leitura de traduções em outras línguas), para a produção de suas obras”.

http://www.bibliakingjames.com.br/asp/historia.asp

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embora conjunções não sejam os tipos de palavras mais adequados para se iniciar uma

sentença. Todavia, entendendo que Mt 6:1 sucede a uma seqüência de instruções para a

vida dos discípulos, após tantas ordenanças, uma sentença do tipo “Então, cuide em...”,

ou ainda “Ora, atente para...” não pode ser desprezada.

Por fim, e bem mais relevante, destaca-se a utilização da palavra e vl e hm osu,n hn

(esmola; com 13 ocorrências no N.T., além desta variante textual) pelo Textus Receptus,

enquanto o Texto Eclético empregou d i ka i o su,n hn (justiça; com 91 ocorrências no N.T.,

mais 3 variações textuais). Em destaque, na transcrição dos textos gregos, acima, as

palavras foram sublinhadas. O que o tradutor para os Textus Receptus fez foi uma

substituição do termo justiça por esmola. Numa superficial avaliação, pela concordância

do termo com sua posterior ocorrência no versículo seguinte, a aplicação do termo

esmola parece ser adequada. Todavia, isso quebra definitivamente a ligação do trecho

(6:1) com o restante do texto previamente estabelecido aqui, ou seja, com as perícopes

6:2-4; 5-8; 16-18, respectivamente. Ora, nossa perícope previamente demarcada (6:1)

diz respeito ao trato dos judeus para com o que consideravam ser a forma mais

adequada de praticarem sua religiosidade, baseada na esmola, na oração e no jejum.

Com o emprego do termo esmola ao invés de justiça a ligação de 6:1 passa a limitar-se

tão somente ao trecho subseqüente que se refere às esmolas (6:2-4), desvinculando-se

completamente dos trechos reservados para tratar da oração e do jejum. Ainda, o

isolamento das perícopes (6:5-8; 16-18) faria delas intervalos de esclarecimentos um

tanto quanto sem sentido. Não que as instruções a esse respeito não continuassem

válidas, mas as deixariam sem uma razão lógica se considerados critérios técnicos

mínimos para a elaboração de uma narrativa, ou de uma “pregação”, o que parece ser o

caso dos sinóticos. Assim, para todo o restante deste trabalho, tudo quanto será

considerado diz respeito à avaliação de acordo com o Texto Eclético (d i ka i o su,n hn =

justiça), entendendo que o emprego do termo esmola pelo Textus Receptus é

completamente inapropriado para o texto em questão.

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ANÁLISE MORFOLÓGICA

Classificação Gramatical e Tradução

p ro se,ce t e – verbo, imperativo, presente, ativo, 2ª pés. plural para p ro se ,cw; cuide em.

Îd e.Ð – conjunção coordenativa (ou adversativa) para d e; mas, ora.

t h .n – artigo definido, acusativo, feminino, singular para o;̀ a.

d i kai o su,n hn – substantivo acusativo, feminino, singular para d i ka i o su,n h; justiça.

um̀ w/n – pronome genitivo, feminino, na 2ª pessoa do plural para su,; vossa.

m h . – partícula negativa para m h ,; não.

p o ie i/n – verbo infinitivo, presente, na voz ativa para p o i e,w; fazer.

e ;m p ro sqe n – preposição genitiva para e ;m p ro sqe n; à vista de.

t w/n – artigo definido, genitivo, masculino, plural para o `` ``; os.

a vn qrw,p wn – substantivo genitivo, masculino, plural para a ;n qr wp o j; homens.

p ro .j – preposição acusativa para p ro ,j; para.

t o. – artigo definido, acusativo, neutro, singular para o `` ``; o.

qe a qh /n a i – verbo infinitivo, aoristo, na voz passiva, acusativo para qe a ,o m ai; ser visto.

a uvt o i/j – pronome masculino, dativo, na 3ª pessoa do plural para a uvt o ,j; (por) eles.

e iv – conjunção subordinativa para e i vv vv; se.

d e. – conj. subordinativa (coordenativa) para e i vv vv; e.

m h , – partícula negativa para m h ,; não.

g e – partícula enfática, enclítica sentencial para g e ,5;

m i sqo .n – substantivo acusativo, masculino, singular para m i sqo ,j; pagamento.

o uvk – partícula negativa (advérbio de negação) para o uv; não.

e ;ce t e – verbo presente do indicativo, na voz ativa, da 2ª pessoa do plural de e ;cw; tendes.

p a ra. – preposição dativa para p a ra ,; com.

t w/| – artigo definido, dativo, masculino, singular para o;̀ o.

p a t ri. – substantivo dativo, masculino, singular para p a t h,r; Pai.

um̀ w/n – pronome genitivo, na 2ª pessoa do plural para s u,; vosso.

t w/| – artigo definido, dativo, masculino, singular para o;̀ o.

e vn – preposição dativa para e vn; em.

t o i/j – artigo definido, dativo, masculino, plural para o;̀ os.

o uvra n o i/j– substantivo dativo, masculino, plural para o uvra n o ,j; céus.

5 g e , g e , g e , g e , freqüentemente pode deixar de ser traduzida. As traduções mais freqüentes, no entanto, são

ainda que, pelo menos; mesmo assim, por certo; se de fato, assim como, se é que; de outra forma; pelo

contrário; para não dizer, quanto mais. Sempre associada a outras partículas, sentenças ou pronomes.

Toda a sentença eiv d e . mh , g e,

literalmente, se e não..., melhor traduz-se por: do contrário.

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Considerações Gramaticais

O verbo p ro se ,ce t e (cuide em [para]; guardai-vos, tenham o cuidado, prestem

atenção) no imperativo expressa uma ordem. É compreensível, em meio a uma seção

inteira de instruções relacionadas ao viver cristão, que uma “determinação”, nesses

termos, seja feita. Dos outros três verbos da perícope, o segundo, p o ie i/n (fazer)

encontra-se em sua forma infinitiva, preservando o tempo presente e a voz ativa com

relação ao sujeito, sendo indispensável a sua análise em conjunto com o substantivo

relacionado (d i ka i o su,n hn = justiça), para que não fique sem sentido; o terceiro,

qe a qh /n a i (ser visto), também na sua forma infinitiva, é alterado por ser um aoristo, bem

como, por ser conjugado na voz passiva com relação ao sujeito, sendo o único verbo da

sentença exprimindo o fato de o sujeito sofrer a ação, motivo pelo qual merece destaque

pela ênfase no interesse que o sujeito deve desprezar por ser a parte condenável de toda

a advertência que está sendo feita (agir de determinado modo com o fim de ser visto

[com bons olhos; ser agradáveis] pelos homens e não por Deus, que é o Verdadeiro

Recompensador); o quarto e último verbo da perícope, e ;ce t e (tendes), trás de volta o

presente na voz ativa, sendo o presente do indicativo, indicando uma ação contínua ou

num estado incompleto, chamada ainda de ação durativa ou linear (o Pai que está nos

céus é o Recompensador agora e eternamente). Ainda cabe outra consideração quanto

ao emprego do verbo e ;c e t e (no presente do indicativo); a qualidade da ação, que é a

idéia dos tempos verbais, segundo o estudo gramatical da língua grega, dá conta de que

mesmo no indicativo a idéia temporal é secundária. Normalmente, o tempo presente

indica uma ação incompleta ou continuada, carecendo de uma avaliação associada ao

contexto de sua escrita ou de sua fala, podendo ser denominada de ação durativa ou

linear. Assim, o “não tendes” do texto pode significar, se avaliado em um contexto

mais amplo, que os hipócritas tanto não têm recompensa de Deus agora como não terão

posteriormente, também.

Ainda, com relação ao verbo p ro se ,cw (p ro se ,ce t e em seu modo imperativo, no

tempo presente e na voz ativa para a 2ª pessoa do plural, como está em nossa perícope),

que pode significar prestar atenção, estar preocupado com, cuidar de, dar atenção a,

ser cuidadoso, estar vigilante, consideradas suas possíveis variações, percebe-se uma

quantidade significativa de seu emprego nos sinóticos, exclusivamente por Mateus e

Lucas (10 vezes, sendo 6 delas em Mateus). Mateus emprega este verbo no imperativo

por cinco vezes, todas elas em instruções dadas pelo próprio Jesus a seus discípulos

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(6:1; 7:15; 10:17; 16:6,11). Ora, tão incisiva instrução de cautela, em forma de

determinação, assevera a vigilância que se faz necessária para que, especificamente no

caso que estamos avaliando, no decurso da prática de nossa religião, não caiamos no

relaxo ou na armadilha de ver algo interessante em agirmos para demonstrar nossa

justiça para as pessoas que nos cercam, quando só devemos demonstrar tal empenho ao

Pai do céu, que é quem verdadeiramente recompensa aos fiéis por suas obras de justiça.

O sujeito do texto em questão está oculto, embora não tenhamos dúvida de se

tratarem dos discípulos de Jesus (5:1-2). A eles (os discípulos) é feita a recomenda. E a

asseveração da ordenança se destaca, também, pela repetição do advérbio de negação

por três vezes na perícope (m h , duas vezes; e o uvk uma vez). Essas negativas enfatizam a

ordenança e a eventual conseqüência de sua desobediência, afirmando literalmente:

“não façam... se não... não receberão!” – o que faz do texto em questão um trecho

auto-explicativo e que não suscita divergências consideráveis de interpretação.

O objeto direto do texto t h.n d i ka i o su,n hn [um̀ w/n] (a vossa justiça),

adequadamente relacionado ao imperativo p ro se,c e t e, amparados pelo verbo secundário

(subordinado ou auxiliar) p o i ei /n e sua partícula de negação m h ., traduzível por “cuide em

não fazer a justiça [vossa]”, apontam a raiz do texto, sobre a qual, o restante da

sentença irá se basear para o desenvolvimento de toda a idéia. Todavia, a esse respeito,

esse estudo receberá uma atenção maior na análise sintática, mais adiante.

Page 12: EXEGESE DE MATEUS 6

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ANÁLISE SINTÁTICA

Diagramação da Relação Sintática de Mateus 6:1

Comentário da Relação Sintática

O versículo em questão é dividido em duas partes (frases). No caso, aqui, o que

caracteriza essa divisão são as colocações dos verbos p ro se ,c e t e e e;ce t e,

respectivamente, abrindo cada uma das frases da perícope. E isto o diagrama a cima

evidencia bem. Se a frase inicial do texto abre com a determinação “cuide para”, a

frase complementar abre com o “tendes”, deixando claro que o que cumpre ou não a

determinação feita tem ou não uma recompensa pela obediência ou desobediência à

determinação. Analisemos, então, cada uma das frases:

Î de ,Ð

(X)

pro se ,ce te

e ;ce te mi sq o ,n

de ,

o u vk

po i e i /n

para, tw/| patri ,(X) $ pro se ,ce te %

e i v

th.n di k ai o su ,nhn

mh,

pro ,j to ,

u m̀w/nmh,

u m̀w/n

q e aq h/nai

tw/|

ge

e ;mpro sq e n tw/n avn q rw,pwnau vto i /j

e vn to i /j o u vrano i /j

Î de ,Ð

(X)

pro se ,ce te

e ;ce te mi sq o ,n

de ,

o u vk

po i e i /n

para, tw/| patri ,(X) $ pro se ,ce te %

e i v

th.n di kai o su ,nhn

mh,

pro ,j to ,

u m̀w/nmh,

u m̀w/n

q e aq h/n ai

tw/|

ge

e ;mpro sq e n tw/n avn q rw,pwnau vto i /j

e vn to i /j o u vrano i /j

P ro se,ce t e Îde .Ð th .n di ka i o su,n hn um̀ w/n m h. p o i ei /n e;m p ro sqe n t w/n avn qr w,p wn p ro.j t o.

qe a qh /n a i a uvt o i/j \ / Cuide para não fazer a vossa justiça diante dos homens a fim de

serdes vistos por eles;

Algumas observações precisam ser feitas.

• O verbo no imperativo está determinando e justificando a razão de existência da instrução;

• A ocorrência de um verbo (p o i ei/n) auxiliar antes do objeto direto;

Page 13: EXEGESE DE MATEUS 6

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• O objeto direto na frase (d i ka io su,n hn) está acompanhado de um elemento

especificador (u m̀ w/n) que não permite confundir a justiça em questão com

nenhuma outra, ou seja, trata-se da justiça vossa, melhor dizendo, da justiça dos

discípulos. É essa justiça que os discípulos têm de ter o cuidado de não praticar

de modo condenável. Essa, como uma terceira forma de prática de justiça

(sabemos que há uma justiça de Deus; conf. 5:20, onde se vê que há uma justiça

dos escribas e fariseus e, essa “terceira” que deve ser praticada de modo a ser

superior à “segunda”). Esse trecho das escrituras ecoa no restante dela levando-

nos ao entendimento de que podemos ser justos sim, que tanto podemos quanto

devemos praticar atos de justiça sim, sendo que o condenável é a exposição de

tais práticas com o intuito de nos auto-promover, requerendo algum mérito pela

manifestação pública desses atos, que só devem ser percebidos por Deus;

• O verbo auxiliar que precede o objeto direto carrega uma partícula de negação

(m h .) que ampara e justifica a determinação que abre a frase (não fazer), além de

ligá-lo a uma explicação pormenorizada, nada genérica, sobre o “como ou o

onde não fazer”, ou seja, diante dos homens. No diagrama, nota-se o

apontamento de tal classificação por meio de um modificador sem idéia verbal,

antes, o modificador serve para esclarecer que algo (a justiça dos discípulos) não

pode ser feita de certa forma (diante dos homens);

• Ainda ligado ao verbo auxiliar, dessa vez por um modificador semi-verbal (já

que trás consigo outro verbo – infinitivo – na sentença [qe a qh /n ai = serdes

vistos]), o modificador trás a idéia de que há uma intenção a ser evitada diante

dos homens, quanto à prática da justiça, trata-se de não fazer diante dos homens

com o fim de ser visto por eles;

Sendo assim, a frase: “Cuide para não fazer a vossa justiça diante dos homens a

fim de serdes vistos por eles” – constitui-se na parte notória e primordial da perícope.

Nela, estão contidas a determinação proibitiva a ser cumprida e a especificação a

respeito do que é o ato condenável. A justiça tem de ser feita pelos discípulos. E tem de

ser bem feita, de modo a exceder, e em muito, a dos religiosos hipócritas comuns à

época e ao local em questão.

Se a primeira frase da perícope, então, traz a determinação, a segunda, que

passaremos a ver agora, traz a conseqüência da obediência ou não à determinação:

Page 14: EXEGESE DE MATEUS 6

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Vamos às considerações:

• O ponto alto após o pronome a uvt o i/j \ (por eles) marca o final da primeira frase

da perícope;

• A partir daí, todo o conteúdo compõe a segunda frase; a conjunção subordinativa

d e. (e), que segundo o diagrama é coordenativa, ligando a primeira à segunda

frase, precisa ser associada à outra conjunção subordinativa e i v (se) e à partícula

de negação m h , (não), que por sua vez carrega consigo a partícula enfática

sentencial g e que embora não sendo traduzida aqui, pelo diagrama, nota-se a

ênfase e o cuidado em preservá-la, como asseveradora da negativa. Pelo

diagrama, todavia, é necessário certo esforço para reunir as quatro partículas,

separadas pelo único verbo da frase (e ;ce t e) e a providencial repetição gráfica do

sujeito oculto [(X) = os discípulos] e do imperativo da perícope (p ro s e ,ce t e).

Como visto mais a cima, a reunião das quatro partículas de forma coordenada,

considerando o contexto da frase como um todo, justifica uma tradução que

sugere “se não” ou, como sendo preferida aqui, “do contrário”;

• O único verbo da frase (tendes) liga o objeto direto da frase que ficou isolado

(recompensa). Todavia, o verbo, carrega dois modificadores no diagrama, o

primeiro sem idéia verbal, e o segundo com modificador verbal. No segundo

caso, o conectivo e iv (se), que passa pela simbólica repetição do sujeito e do

imperativo do texto liga-o à enfática negativa m h , g e, não para que tenha ares de

ação condicional hipotética, mas consecutiva, o que equivale dizer que,

invariavelmente, se o sujeito não agir conforme o que está sendo determinado,

Î de ,Ð

(X)

pro se ,ce te

e ;ce te mi sq o ,n

de ,

o u vk

po i e i /n

para, tw/| patri ,(X) $ pro se ,ce te %

e i v

th.n di kai o su ,nhn

mh,

pro ,j to ,

u m̀w/nmh,

u m̀w/n

q e aq h/n ai

tw/|

ge

e ;mpro sq e n tw/n avn q rw,pwnau vto i /j

e vn to i /j o u vrano i /j

A segunda frase da perícope, então, diz:

e iv d e. m h , g e ( mi sqo .n o uvk e ;ce t e p a ra . t w/| p a t ri . um̀ w/n t w/| e vn t oi/j o uvra n o i/j Å / “do

contrário, não tendes recompensa junto ao vosso Pai que está nos céus”.

d e.

Page 15: EXEGESE DE MATEUS 6

15

uma pré-determinada conseqüência será inevitável. Já o primeiro modificador,

sem idéia verbal, modifica a sentença tendes recompensa para não tendes

recompensa, pela ligação ao advérbio de negação (segundo o diagrama) o uv k.

• A expressão p a ra. t w/| p at ri. (junto ao Pai) complementa o modificador, ou seja,

para os discípulos é enfatizado que eles não têm recompensa junto ao Pai, ainda

que possam vir a ter entre os homens diante os quais os atos de justiça sejam

praticados. Mas, o Pai também é sucedido de outro modificador, também sem

idéia verbal;

• Primeiro, o Pai ao qual Jesus se refere não é qualquer pai; certamente não se

trata do pai dos hipócritas (conf. Jo 8:44), antes, trata-se do Pai dos discípulos

([um̀ w/n] vosso Pai). Mas, para que esse Pai ainda não seja confundido com o pai

natural de cada discípulo, o modificador no diagrama liga o Pai à pormenorizada

informação de que se trata do Pai t w/| e vn t oi/j o uvra n o i/j (que está nos céus).

Comentário Conclusivo da Análise Sintática

Pela predominância de verbos na voz ativa (dos quatro, três deles estão na voz

ativa), entende-se que o próprio sujeito (ainda que oculto), os discípulos, exerçam as

ações contidas na instrução de Jesus. São eles que têm de cuidar, que têm de fazer

adequadamente e que têm de ter conforme seu procedimento. A instrução do Senhor é

dada, mas são os discípulos que se encarregam de executar a ordem tal qual o estipulado

pelo Mestre.

De modo intrínseco, no entanto, há que se esperar uma ação de Deus (o Pai dos

discípulos que está nos céus), e os modificadores sem idéia verbal que estão presentes

no diagrama servem perfeitamente para dar essa idéia. Esses modificadores, ligados um

ao outro, que por sua vez estão ligados ao verbo e ao objeto direto da segunda frase

(tendes recompensa), nem teriam maiores razões de existência, se não, para deixar claro

que a recompensa verdadeira e útil que se pode esperar será a entregue pelo Pai que está

nos céus, e não pelos homens eventualmente expectadores dos discípulos quando do

exercício de sua religiosidade.

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Tradução Literal

“Cuide em ora a justiça vossa não fazer à vista de os homens para o ser vistos

por eles se e não pagamento não tendes com o Pai vosso o em os céus.”

(Conforme o Novo Testamento Interlinear)6:

“Tende cuidado de a justiça vossa não fazer diante de as pessoas para serdes

vistos por elas; se e não (=do contrário), recompensa não tendes junto a o Pai vosso o

(que está) em os céus.”

Outras Traduções Bíblicas

ARA – Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste.

ARC – Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus.

ACF – Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus.

NTLH – Tenham o cuidado de não praticarem os seus deveres religiosos em público a fim de serem vistos pelos outros. Se vocês agirem assim, não receberão nenhuma recompensa do Pai de vocês, que está no céu.

BJ – Guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles. Do contrário, não recebereis recompensa junto ao vosso Pai que está nos céus.

TEB – Guardai-vos de praticar vossa religião diante dos homens para atrair os seus olhares; do contrário, não haverá nenhuma recompensa para vós da parte do vosso Pai que está nos céus.

TVAMS7 – Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles, doutra sorte não sereis remunerados pelo vosso Pai, que está nos céus.

BEP8 – Prestem atenção! Não pratiquem a justiça de vocês diante dos homens, só para serem elogiados por eles. Fazendo assim, vocês não terão a recompensa do Pai de vocês que está no céu.

NVI – “Tenham o cuidado de não praticar suas ‘obras de justiça’ diante dos outros para serem vistos por eles. Se fizerem isso, vocês não terão nenhuma recompensa do Pai celestial.

NIV – "Be careful not to do your 'acts of righteousness' before men, to be seen by them. If you do, you will have no reward from your Father in heaven.

RVR959 – Guardaos de hacer vuestra justicia delante de los hombres para ser vistos por ellos; de otra manera no tendréis recompensa de vuestro Padre que está en los cielos.

6 Novo Testamento Interlinear. Sociedade Bíblica do Brasil. 1ª Ed. 2004.

7 Tradução da Vulgata Anotada pelo Pe. Matos Soares. 5ª ed. No Brasil, 1957.

8 Bíblia Edição Pastoral. Editora Paulus.

9 Reina Valera Edição Revisada 1995.

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Comentário sobre as Traduções

A fim de partirmos para um comentário que vise apresentar o que seja mais

próximo do que se acredita ter sido escrito originalmente, após considerar os contextos

imediatos e mais amplos que circundam a perícope, antes de comentar as versões

bíblicas mais comuns, vejamos, mais uma vez, uma tradução literal conforme a tradução

léxica das palavras do texto grego eclético, associadas às análises lingüística,

manuscritológica, morfológica e sintática:

“Cuidem em não praticar a vossa justiça diante dos homens a fim de serdes

vistos por eles; do contrário, não tendes recompensa junto ao vosso Pai nos céus”.

Crendo ser essa a tradução mais literal possível segundo o cruzamento das

informações de que dispomos, vejamos as coincidências e discordâncias relacionadas às

onze traduções bíblicas que apresentamos a cima.

Das onze versões apresentadas, sete iniciam a perícope com o imperativo

guardai-vos; duas com tenham o cuidado (igual à NIV “be careful” = seja cuidadoso);

e, apenas uma um tanto destoante, a Edição Pastoral, que abre a perícope com o

imperativo excessivamente enfático “prestem atenção!” (com exclamação mesmo).

Assim, pois, para com a proposta tradução literal que abre o verso com o cuidem, não há

uma considerável discrepância que suscite algum debate, já que teologicamente o texto

não sofre qualquer ingerência e os vocábulos empregados surgem como sinônimos, em

português, para o termo grego utilizado pelo autor.

O outro termo a ser considerado diz respeito ao emprego da palavra justiça por

cinco das onze versões; religião e deveres religiosos por duas versões; e, boas obras e

atos de retidão por outras duas. Até aí não surge grande motivo para debates, a menos

que não se considere como atos de justiça ou de retidão e boas obras um bom sinônimo

para religiosidade. E não é o que parece. Pelo contrário, todos esses termos ligam-se

adequadamente à esmola, à oração e ao jejum, que são os pilares da religiosidade dos

judeus, para quem o Senhor Jesus está dirigindo suas instruções, uma vez que não se

contava nenhum gentio entre seus discípulos. Porém, duas das onze versões (ARC e

ACF), priorizando a informação colhida no Textus Receptus, empregaram a palavra

esmola como sendo o ato a não ser praticado diante das pessoas. Como visto mais

acima, tal palavra liga a perícope delimitada à instrução quanto a dádiva de esmola (Mt

6:2-4), mas não a liga à instrução quanto à oração (Mt 6:5-8) nem quanto à instrução

relacionada ao jejum (Mt 6:16-18). Os motivos pelos quais essa ligação se faz

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necessária já foram comentadas mais a cima, todavia, reforça-se a máxima de que as

instruções do Mestre para com a vida de oração e jejum praticamente perderiam seu

sentido, caso fossem separadas da perícope aqui analisada. Isso faz com que essas duas

versões (ARC e ACF), ao menos com relação a esse trecho das Escrituras, nos sejam

consideradas menos apropriadas.

Das onze versões examinadas, nove falam que é diante dos homens que não se

deve praticar a justiça. A NTLH diz que os atos não devem ser praticados em público; e

a NVI diz que é diante dos outros. Como o termo grego empregado é a vn qrw,p wn, que

pode ser traduzido por pessoas, seres humanos, dentre outros termos semelhantes, não é

notada, aqui, uma disparidade considerável para que se debata a possibilidade de

interpretações dúbias.

Nove das onze versões sugerem que o condenável é a intenção de serem vistos

pelas pessoas, quando da prática da justiça. Mas, a TEB condena a prática da justiça

para atrair os seus olhares, ou os olhares dos homens, claro. Realmente, a tentativa de

atrair os olhares dos homens para que fosse prestada a devida (ou indevida) atenção

quando do exercício da prática religiosa é que foi condenado por Jesus deliberadamente.

Os “toques de trombetas” (6:2) no momento de dar esmolas, as orações “em pé nas

sinagogas e nos cantos das praças” (6:5), bem como os “rostos contristados e

desfigurados” quando dos momentos de jejum (6:16), claramente identificados por

Jesus como sendo com o mero fim de atrair os olhares das demais pessoas, é que lhes

valeu o adjetivo de hipócritas e de terem suas atitudes condenadas e utilizadas como “o

modelo” de como não se deve proceder, para que a justiça dos discípulos de Jesus

viesse a exceder em muito a dos escribas e fariseus. Assim, embora sendo a tradução da

TEB, aqui, um pouco destoante da maioria das versões (9 de 11), há que se admitir que

ela trouxe, ao invés de discórdias e discussões, uma ótima contribuição para

compreensão da instrução de Jesus que leva em conta toda a prática da religiosidade,

abrangendo a esmola, a oração e o jejum, com a mesma instrução e, conseqüentemente,

com a mesma advertência quanto à punição. Se observada a fidelidade lingüística, a

TEB pode ser acusada de ter agido de modo a priorizar mais a questão teológica do que

a gramatical, já que os termos gregos da perícope não apresentam nenhuma expressão

que se traduza por “atrair”. Mas, a Edição Pastoral foi ainda mais além. Onde a

maioria traduziu “para serem vistos”, ela traduziu por “para serem elogiados”. Assim,

se a TEB terá dificuldades para justificar o emprego de atrair, o que dizer das

dificuldades da BEP para justificar o emprego de elogiados? O que a Bíblia Edição

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Pastoral fez foi uma espécie de “adiantamento” de interpretação de expressão. Sim, pois

se a preocupação dos hipócritas é, antes, a de chamar a atenção dos presentes para que

os vejam exercendo a sua justiça, o mínimo que se pode esperar é que eles almejem

algum reconhecimento do público em virtude das obras demonstradas. O termo grego

traduzido por serdes vistos (qe a qh /n a i, de qe a,o m a i), não sugere essa possibilidade de

tradução (elogiados), assim, as questões de traduções, lingüísticas e gramaticais, mais

uma vez, foram negligenciadas para que a questão teológica ganhasse a primazia. É

preciso admitir, ainda, que o só esperar elogios das pessoas pode significar pouco,

estendendo-se à espera de alguma recompensa material, moral, política, “eclesiástica” e

etc. Daí, pela fertilidade da mente humana, as possibilidades de adendos e substituições

de umas palavras, no grego, para outras no português, afim de “melhorar” o

entendimento da Escritura pode vir a nos distanciar demais do que os autores canônicos

inicialmente redigiram. Não é uma heresia a tradução da BEP, longe disso. Até,

semelhantemente à TEB, traz uma boa contribuição para interpretação do texto avaliado

em um contexto mais amplo. Todavia, isso não apaga o fato de o tradutor ter feito não

somente uma tradução textual, mas sim, apresentado sua interpretação – pessoal – do

texto em questão. Nessas empreitadas, às vezes eles agem bem, mas às vezes, nem

tanto.

Passando para a segunda parte do versículo, temos que das onze versões, cinco

delas abrem a sentença com as expressões doutra sorte, ou do contrário; quatro dizem

se agirem assim, ou fazendo assim; mas duas delas (ARC e ACF), de modo até

“desafinado”, abrem a frase com “aliás”, no que leva os leitores a crerem que, com

relação à primeira parte da perícope, é certo que os discípulos agiram exatamente como

Jesus lhes instruiu para não agirem. Essa opção do tradutor, semelhante a outras tantas

opções de outros tantos tradutores, servem para que captemos as suas intenções, melhor,

para que o flagremos colocando na tradução o que venha ser a sua interpretação

pessoal10. Neste caso, especificamente, o que se pode dizer é que a interpretação foi, no

mínimo, desastrosa. Diferentemente de outros casos analisados mais a cima, aqui, o

emprego de uma simples palavra trás uma modificação de sentido ao texto. Como já

dito, é válido repetir, o emprego de “aliás” para abrir essa segunda parte do versículo

colocou a primeira parte como sendo uma advertência inútil. Talvez, e isso é tão

10

Quando se diz pessoal, como aqui, referindo-se à interpretações de textos bíblicos, não necessariamente a referência é feita a uma pessoa em especial, particularmente. Antes, e é o que ocorre na maioria das vezes, a referência é feita a um grupo de tradutores.

Page 20: EXEGESE DE MATEUS 6

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especulativo quanto a tentativa de concertar a tradução feita, se ao final da frase, ou no

início dela, a expressão “agindo assim” fosse adicionada – ou não fosse negligenciada

– tal falta, tão grave, não viesse a ser observada. Trata-se, aqui, de um aparato

dificultador para a interpretação do texto bíblico, onde se vê a possibilidade até da

manutenção, por parte de alguns, da personificação de um Deus irado, castigador, contra

a qual – personificação – Martinho Lutero se levantou. Isso pela interpretação, se

considerado literalmente o exposto por essas duas versões, de que, independente da

forma de agir para com a instrução dada pelo Mestre, de qualquer modo, “aliás”, a

devida punição já está previamente estabelecida. De mais desanimador, ainda, é a

constatação de que, ao menos a ARC, é uma das versões bíblicas mais populares do

Brasil nos dias atuais, principalmente entre os crentes ligados aos grupos chamados de

Pentecostais.

Agora, bem mais polêmica, ainda, é a frase que se segue, onde m i sqo .n o uvk e ;ce t e

traduz-se literalmente por recompensa não tendes (ou, não tendes recompensa). Quanto

ao termo recompensa, usado por sete das onze versões, ou galardão, usado por outras

três, ou ainda, remuneração por uma delas (Pe. Matos Soares), não há qualquer

problema, já que recompensa, galardão ou remuneração são sinônimos perfeitos. O

problema aqui é bem mais sério, e diz respeito ao tempo verbal empregado pelas onze

traduções analisadas para o verbo “ter”, que se no grego está no tempo presente – do

indicativo – nas versões que estudamos aqui aparece no futuro. Certamente há uma

fortíssima influência de cunho escatológico para justificar esse caso. No passado, tanto

para teólogos europeus quanto norte americanos, a hoje falida linha Pós-milenista era

fortemente considerada, sendo que, atualmente – e já há bastante tempo – as linhas Pré-

milenista e Dispensacionalista é que são praticamente dominantes. O que se conclui

disso é que, inevitavelmente, todos esses intérpretes ou grupos de intérpretes

priorizavam a idéia de recompensa estritamente pós morte em relação à obediência ou

não às instruções bíblicas. A tradução que dá conta de uma recompensa que os

discípulos “não terão”, da parte do Pai que está no céu, destoa, por exemplo, da

declaração de Jesus afirmando: “Em verdade vos digo que eles já receberam a

recompensa.” repetida por três vezes (6:2, 5, 16), respectivamente, relacionada à forma

errada de se praticar a esmola, a oração e o jejum. Assim, em se traduzindo a declaração

do grego, literalmente como foi escrito, teremos que o Pai que está nos céus está

recompensando os hipócritas no exato momento em que eles estão procedendo

inadequadamente. O verbo e;ce t e (tendes) no presente do indicativo, como já abordado

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mais a cima, indica uma ação contínua ou num estado incompleto (durativa ou linear),

que muito bem pode indicar, para o caso em questão, uma recompensa que os discípulos

receberão futuramente, porém, mais que isso, ele também indica que tal recompensa já

pode estar sendo entregue – ou não – exatamente no momento da obediência – ou

negligência – do discípulo para com a ordem dada pelo Senhor. Atualmente, pois, muito

provavelmente só os Amilenistas fariam questão de preservar para o texto o verbo

tendes no presente do indicativo, crendo estarem os discípulos sendo recompensados

imediatamente, pelo Pai que está nos céus, por meio de bênçãos espirituais (não

necessariamente materiais, naturais ou palpáveis, conforme Ef 1:3) instantaneamente,

primeiro e, futuramente também, preservando a noção escatológica geral que possa

prever tal recompensa para a Glória futura depois do fim dos tempos, não

exclusivamente, mas tão somente admissível tanto quanto as recompensas imediatas. É

bem verdade que o Néo-pentecostalismo pendeu para um extremo bem mais

“agressivo”, transformando em algo absolutamente imediato, material e palpável as

recompensas pela “adequada” prática da religiosidade ou demonstração de “fé”, o que é

outro equívoco (este, bem mais prejudicial que o primeiro). De qualquer forma, para

isso (melhor interpretação), especificamente, recursos como a exegese estão à

disposição dos elaboradores de sermões, ou seja, para que ao se depararem com textos

como este, onde a totalidade das versões correntes levam à crença de que o que temos

nos está sendo colocado de modo indiscutível, ainda cabe uma mais acurada

investigação. Assim, no caso analisado aqui, tendo que todas as nossas versões

modernas possíveis apresentam as recompensas pela desobediência somente para o

futuro (talvez pós morte), advertências precisam ser feitas para que se entenda que o

texto em questão, comparado com outros tantos, dão contas de que as recompensas

tanto pela obediência quanto pela desobediência, podem ser recebidas imediatamente

também, ainda que essas possam nos passar despercebidas, não sendo vistas, tocadas,

sentidas ou ouvidas, ou seja, tratando-se tão somente de bênçãos espirituais – ou a falta

delas – nos céus.

O final do versículo não suscita divergências quanto à tradução, apresentando

como O Recompensador o Pai que está nos céus, ou seja, Deus. E fecha-se toda a

sentença da perícope com a máxima de que a religiosidade não pode ser praticada com o

fim de se mostrar para as pessoas no intuito de aguardar qualquer recompensa da parte

delas, se não, de Deus, e tanto para o futuro quanto imediatamente.

Page 22: EXEGESE DE MATEUS 6

22

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