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ALEXNALDO CERQUEIRA DA SILVA FUSÕES E POLÍTICAS DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA: O CASO AMBEV SALVADOR 2002

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ALEXNALDO CERQUEIRA DA SILVA

FUSÕES E POLÍTICAS DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA: O CASO AMBEV

SALVADOR 2002

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ALEXNALDO CERQUEIRA DA SILVA

FUSÕES E POLÍTICAS DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA: O CASO AMBEV

Monografia apresentada no curso de graduação de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Ciências Econômicas

Orientador: Prof. Dr. Oswaldo Ferreira Guerra

SALVADOR 2002

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“O temor no Senhor é o princípio de toda a sabedoria” Provébios 1.1

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço ao Deus eterno e imortal invisível, mas real, ao único digno de

toda hora, glória e louvor.

A minha família, meu pai Raimundo Vieira da Silva (In Memorian), saudades, e a Mª

Helena Cerqueira da Silva, uma guerreira que me ensinou tudo sobre caráter, decência e

amor. Também aos meus irmãos, os quais enobrece o significado da palavra família.

Também gostaria de agradecer àqueles que foram igualmente importantes para a

viabilização deste trabalho. Ao mestre Professor Oswaldo Ferreira Guerra, que sem sua

orientação seria impossível a finalização desta monografia. Destacando sua dedicação,

brilhantismo e estímulo.

Aos meus amigos Clécio Costa Cruz, Aderbal de Oliveira Damasceno e a Cláudia Sá

Malbouisson, pela amizade, companheirismo e pelos valiosos comentários que agregaram

valor a mim e ao meu trabalho.

Como não poderia deixar de mencionar, agradeço a todos que direta ou indiretamente me

ajudaram a realização desta tarefa. Pessoas como o Pr. Alex da Silva Bonfim, meu líder e

amigo, e Cecília Mª Barbosa Amaral, companheira de todas as horas, com quem propus

passar o resto de meus dias.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................5

2. REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA E AS FALHAS DE MERCADO ........7

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DEFESA DA CONCORRÊNCIA NOS EU A E

NO BRASIL ............................................................................................................15

3.1 A DEFESA DA CONCORRÊNCIA NOS EUA...............................................15

3.2 DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL: A ATUAÇÃO DO CADE.. 22

4. O CASO DA FUSÃO DA BRAHMA COM A ANTACTICA E A CRIAÇ ÃO

DA AMBEV ............................................................................................................30

4.1 A AMBEV.........................................................................................................30

4.2 A ANÁLISE DA SEAE E DA SDE..................................................................32

4.3 O POSICIONAMENTO DO CADE..................................................................44

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................50

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1 INTRODUÇÃO

A abertura econômica, iniciada nos anos 90, decorrente do processo de globalização, tem

modificado significativamente a estrutura industrial brasileira, forçando-a a caminhar em

direção a uma reestruturação produtiva. Neste movimento tem chamado atenção o aumento

das fusões e aquisições (F&A) entre empresas, com a finalidade de obter ganhos de escala

e maior poder de mercado. Repete-se no Brasil o processo de centralização do capital

observado em outras economias.

Diante disto, a pergunta que se faz é: As fusões, ao concentrarem mercados e reduzirem a

concorrência, devem ser impedidas pelos órgãos de defesa da concorrência? A resposta à

esta questão não é simples. Existem dois fatores importantes que atuam sobre o mercado

quando este se concentra. De um lado, as empresas reunidas ganham escala de produção,

ativos específicos físicos e humanos, criando a possibilidade de redução dos custos de

produção e, conseqüentemente, dos preços. De outro, a fusão eleva o poder de mercado da

empresa, poder esse quando usado abusivamente traz prejuízo à sociedade. Qual desses

fatores predomina? A fusão comprometerá ou não a concorrência do setor em questão? Ela

comprometerá ou não a eficiência econômica?

Conforme Farina (1994), não é fácil responder a tais questões, pois está longe de ser trivial

a associação entre estruturas de mercado concentradas e distorções na alocação de

recursos. Esta difícil associação ocorre não só pela necessidade de um tratamento teórico

mais consistente, como também pela escassez de instrumentos de aferição do nível ótimo

de produção que seja compatível com a eficiência econômica. Ou seja, distinguir entre

ações predatórias, que são aquelas que visam restringir a concorrência, e as que buscam

maior eficiência econômica, em qualquer das suas acepções, é uma árdua tarefa.

Posto isto, o objetivo desta monografia é duplo: apresentar algumas contribuições teóricas

que visam orientar o comportamento dos órgãos antitrustes, quando tratam de avaliar se

uma maior concentração de mercado resultará em perdas de eficiência econômica; e

examinar se existe aderência entre o comportamento desses órgãos e as contribuições

formuladas. Para tanto, a monografia possui, além dessa introdução e das considerações

finais, mais três capítulos. O segundo capítulo é dedicado à apresentação das contribuições

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teóricas que versam sobre a defesa da concorrência. O terceiro capítulo apresenta um breve

histórico da ação antitruste nos EUA, e no Brasil com destaque para a atuação dos órgãos

brasileiros de defesa da concorrência: A Secretaria de Acompanhamento Econômico

(SEAE) do Ministério da Fazenda, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e o Conselho

Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça.

O quarto capítulo examina um caso concreto de fusão, o mais rumoroso da recente história

econômica brasileira: a fusão entre a Brahma e a Antarctica que resultou na criação da

American Beverage Company (AmBev). Neste exame se enfatizará as motivações de tal

fusão e a análise realisada pelos órgãos brasileiros.

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2 REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA E FALHAS DE MERCADO

A adoção de políticas de competição, assim como de outras políticas de regulação, é

tradicionalmente justificada, em termos teóricos, pela existência das chamadas falhas de

mercado que, quando ocorrem, impedem o sistema econômico de ser eficiente, tal como

descrito no modelo de concorrência perfeita. Para tal, os seguintes supostos deveriam ser

satisfeitos:

• Informação completa

• Grande número de firmas

• Inexistência de barreiras à entrada

• Homogeneidade do produto

Nessas circunstâncias, obter-se-ia eficiências nas suas três dimensões: produtiva, alocativa

e distributiva. A primeira está relacionada com a operação da firma num nível de produção

próximo o bastante do rendimento máximo permitido teoricamente por uma tecnologia

dada.Isto no modelo de concorrência perfeita ocorre no ponto mínimo da curva de custo

médio de longo prazo, onde ela é tangenciada pela curva de demanda perfeitamente

horizontal enfrentada pela firma representativa. Já a eficiência alocativa, que tem caráter

estritamente econômico, representa a maximização da utilidade do consumidor,

incrementando, mesmo que circunstancialmente, o bem-estar social, ao igualar os preços

aos custos marginais de produção (P = Cmg). Em sua dimensão distributiva a eficiência é

vista como a capacidade de eliminação, via concorrência ou outros meios, das rendas

monopolistas por parte de agentes individuais.

Entretanto, na moderna sociedade predominam estruturas de mercados concentradas onde

a concorrência é imperfeita. Com isto, gera-se problemas de eficiência e perda de bem

estar social. Segundo Farina (1994, p. 79) estes desvios de eficiência podem ser definidos

por quatro razões básicas:

a) Existência de bens públicos;

b) Assimetria de informação;

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c) Presença de externalidades;

d) Monopólio natural

e) Poder de mercado.

A primeira associa-se à incapacidade do mercado ofertar mercadorias que sejam

valorizadas por muitos consumidores, dado que a firma não tem como dispor de elementos

para cobrar de cada consumidor e nem incentivos para ofertar tais bens (não-

exclusividade). Isto porque o consumo por parte dos indivíduos não reduz a capacidade dos

outros usufruírem o bem ou serviço, como é o caso dos parques e vias públicas (não

rivalidade).

A segunda falha que justificaria a regulação estatal seria a existência de informação

incompleta. Esta falha está vinculada ao fato dos agentes envolvidos nas transações

disporem de quantidade e qualidade diferenciada de informação. Esta ocorrência se

contrapõe à visão tradicional da concorrência perfeita que assume informação completa e

racionalidade ilimitada. Este tipo de falha justifica a regulação na comercialização de

remédios, alimentos e na segurança do trabalho, entre outros.

As externalidades ocorrem sempre que o cálculo privado seja diferente do cálculo social da

produção ou do investimento, impedindo que seus valores sejam computados como custos

ou benefícios privados. Ou seja, os efeitos da produção ou consumo não se refletem em

preços de mercado e, portanto, tornam-se externos ao agente tomador de decisão. Um

exemplo típico é o da poluição provocada por uma planta industrial. Na falta de regulação,

o custo social é mais elevado do que o custo privado. As externalidades deste tipo

fornecem a razão econômica para a regulamentação ambiental.

Finalmente, a falha de mercado associada à presença de um elevado poder de mercado, que

será a preocupação desta monografia, caracteriza-se pela possibilidade das firmas, num

mercado específico, fixarem preços acima dos seus custos marginais de produção de

maneira persistente. Neste caso, os preços estariam acima e as quantidades produzidas

abaixo do nível de eficiência. De acordo com Carrera-Fernandez (2000, p.321), o poder de

monopólio, ou mark-up relativo pode ser expresso da seguinte forma:

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PM = [ p(y) – Cmg ]/ p(y) = 1/ ε

Onde p(y) é o preço em função da produção, Cmg é o custo marginal e ε representa a

elasticidade preço da demanda. Sendo assim, o poder de monopólio é função inversa do

valor absoluto da sua elasticidade preço da demanda. Ele será tanto maior quanto menos

elástica for a demanda. Numa situação de concorrência perfeita, na qual a demanda

enfrentada pela firma é perfeitamente horizontal, PM = 0. Em estruturas de mercado

oligopólicas, predominantes no capitalismo, 0≤ PM ≤ 1.

O pequeno número de empresas, característico do oligopólio, pode dar margem a três tipos

de comportamentos que o distanciam do ideal da concorrência perfeita. O primeiro é a

possibilidade dessas empresas atuarem de maneira conjunta, de maneira a maximizar o

lucro agregado. O segundo está relacionado a um conjunto de práticas de restrição da

concorrência, seja para restringir a concorrência efetiva, seja para limitar a concorrência

potencial. E o terceiro tipo de comportamento está vinculado à postura da firma com

relação aos seus consumidores e fornecedores e à prática de discriminação de preços.

Pode-se usar o modelo estático-comparativo da teoria microeconômica tradicional para

comparar uma situação de monopólio com a de um mercado competitivo, supondo-se que a

curva de oferta do mercado competitivo seja igual a curva de custo marginal do

monopolista.

O gráfico de Williamson (1968), com base na análise das perdas de bem-estar de “peso

morto”, associado ao exercício de poder de monopólio em preços, descreve claramente tal

situação. Supondo um caso extremo de uma fusão que gere um monopólio, mas que

também implique (dada a presença, por exemplo, de fortes economias de escala) redução

nos custos marginais - supostos constantes - para c1 < c0, o preço cobrado seria P(c1), onde

p(c1) > c0 por hipótese. Nesse caso, os consumidores serão prejudicados com a perda de

excedente na magnitude dada pela área (A + B), enquanto que o consórcio obterá lucros

medidos pela área (A + C). O resultado líquido sobre o nível de bem estar social será,

portanto, dado pela magnitude (C - B), onde a área C representa a redução de custos

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derivada da fusão e B representa a perda de “peso-morto” (deadweight loss) associada ao

preço de monopólio 1.

Gráfico 1 Poder de Mercado e Eficiências

Preço

P (c1) Demanda

A B c0 c1 C

Rmg

0 qm q0 q1 Produção Fonte: Possas (1996, p. 107)

A argumentação anterior sistematiza, em termos da análise de equilíbrio parcial, um dos

principais pontos utilizados para justificar políticas de defesa da concorrência (antitruste).

Seria necessário desenvolver mecanismos regulatórios que inibam o exercício do poder de

mercado e garantam, para o sistema econômico como um todo, maiores níveis de

eficiência alocativa, produtiva e distributiva.

O modelo Estrutura-Conduta-desempenho (E-C-D), cujas bases foram lançadas por Mason

(1939), presta-se igualmente, para orientar essas políticas. Ele apresenta uma crítica clara a

microeconomia marshalliana, quanto a postura passiva da firma em estruturas de mercado

concorrenciais, algo bem distinto dos mercados imperfeitos nos quais as firmas são ativas

1 Williamson (1968) demonstra que pequenas reduções de custo unitário (c0 - c1) são suficientes para que o resultado líquido seja positivo, de modo que a fusão produz maior eficiência econômica e ganhos de bem estar para a sociedade. De acordo com o autor, uma modesta redução nos custos - por exemplo, de 2% - é suficiente para contrabalançar aumentos relativamente grandes de preços (por exemplo, de 10%), mesmo que a elasticidade-preço da demanda seja bastante elevada, como, por exemplo, 2. No entanto, esses resultados são bastante sensíveis à prévia existência de poder de mercado.

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na formulação de suas estratégias. O modelo explicita uma relação causal que parte da

estrutura de mercado na qual a firma se insere, segue em direção à conduta e termina por

impactar o desempenho.

Esse modelo pode ser visualizado no Diagrama 1, a partir da síntese do mesmo feita por

Scherer & Ross, apud Azevedo (1998, p. 210). A estrutura é determinada pelas condições

básicas de oferta e demanda, tais como elasticidade, grau de substitubilidade do produto,

distribuição de renda, matéria-prima, propriedades organolépticas2 e físicas do produto,

tecnologia etc. Resulta dessas condições o número de concorrentes, a diferenciação do

produto, as barreiras à entrada e à saída, o grau de verticalização e a estrutura de custos.

Essas características, por sua vez, influenciariam a formulação das estratégias (conduta)

empresariais e estas o desempenho do sistema econômico.

O efeito causal de primeira ordem é representado pelas linhas cheias, enquanto as linhas

pontilhadas representam o efeito causal de segunda ordem. Com elas se admite a

possibilidade de efeitos bidirecionais. O desempenho econômico costuma afetar as

estruturas de mercado e as estratégias das firmas, introduzindo um elemento de

expectativa, pois caso os resultados econômicos não sejam favoráveis, as firmas poderão

reformular suas condutas frente ao mercado. Um outro exemplo: investimentos em P&D

(conduta) podem influenciar positivamente as condições de oferta, via inovação

tecnológica, modificando a estrutura de mercado.

2 Definidas como aquelas que tem relação com os sentidos como, peso, cor, gosto. São características intrínsecas do produto que não estão relacionadas com suas propriedades químicas.

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DIAGRAMA 1

Modelo Estrutura-Conduta-Desempenho

Condições Básicas

Oferta Demanda

Matérias Primas Elasticidade-Preço Tecnologia Substitubilidade Sindicalização Taxa de Crescimento Durabilidade do Produto Sazonalidade Valor/Peso Sistema de Compras Ética dos Negócios Sistemas de Vendas Marco Legal

Estrutura de Mercado Número de concorrentes Grau de diferenciação Barreiras à Entrada Estrutura de Custos Política Pública Grau de Integração Vertical Grau de Diversificação Taxas e Subsídios Pol. Comercio Exterior Regulação Controle de Preços Conduta Pol. Antitruste Política de Preços Estratégia de Produto e P&D Táticas Legais Fusões & Aquisições (F&A) Desempenho Eficiência Produtiva e Alocativa Progresso Técnico Pleno Emprego Equidade Sócio-Econômica

Fonte : Adaptado de Azevedo ( 1998, p.210)

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Uma outra ilustração de encadeamento causal de 2ª ordem é o caso da fusão a ser tratada

neste trabalho. A conduta adotada pelos empresários da Brahma e da Antarctica, frente às

novas condições de mercado, impactará o desempenho da nova empresa e modificou

significativamente o mercado mundial de cerveja, dado que a AMBEV tornou-se 4ª maior

companhia de cerveja do mundo e a 5ª maior de bebidas, em 2000, se incluirmos a linha de

refrigerante.

O modelo estrutura-conduta-desempenho foi pensado não apenas para destacar o papel

ativo das firmas, mas, principalmente, para orientar as políticas públicas voltadas à

inibição de condutas danosas à concorrência. Criou-se, assim, uma quase convicção de que

estruturas concentradas significavam elevado poder de mercado e, conseqüentemente,

danos à eficiência econômica.

Como destaca Fontenele (1995), os rumos tomados pelo modelo E-C-D começaram a

desagradar vários economistas, devido à vinculação direta feita pelo mesmo entre poder de

mercado e necessidade de intervenção governamental. Identificada uma indesejável

concentração, caberia ao poder público atuar sobre a estrutura e/ou conduta das empresas,

de sorte a evitar um desempenho danoso ao sistema econômico. Esta ação terminaria por

afetar as condições básicas de oferta e demanda como mostram as linhas pontilhadas no

Diagrama 1.

A teoria dos mercados contestáveis, desenvolvida por Baumol et.alli (1982), ao realçar o

papel da concorrência potencial, vem se contrapor a esses rumos. A idéia básica é que

mesmo em mercados concentrados, a possibilidade de entrada de novos concorrentes

disciplinaria as ações das firmas estabelecidas e impediria, de certo modo, o exercício do

poder de monopólio e a geração de ineficiências.

Um mercado é dito perfeitamente contestável se:

“[...] Os concorrentes potenciais têm acesso a tecnologia disponível e podem

recuperar seus custos de entrada, caso posteriormente decidam abandonar a

indústria[...]. Note-se que esta hipótese pressupõe, ainda que não

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exclusivamente: a) a ausência de custos irrecuperáveis ( sunk costs )3 , tais como

investimentos em ativos específicos; b) que a tecnologia seja um bem livre; c) a

inexistência de ações de retaliação contra os novos entrantes por parte das

empresas já presentes na indústria”.(POSSAS et al. 1998, p. 1317).

A ausência de custos irrecuperáveis significa a não existência de barreiras à saída. Ou seja,

as firmas estabelecidas podem abandonar o mercado sem que com isso incorram em

custos. Dizer que a tecnologia é um bem livre pressupõe a não existência de restrição

institucional, vantagens absoluta de custos ou qualquer outra barreira à entrada, embora se

admita a ocorrência de economias de escala. Quanto à última hipótese, admite-se que o

tempo de reação da firma estabelecida é superior ao tempo que os potenciais entrantes

levam para realizar o lucro e depois sair, tática conhecida como hit-and-run (bater e

correr).

Trata-se obviamente de hipóteses teóricas, difíceis de serem observadas na realidade. Os

defensores do modelo sugerem que ele seja imaginado como algo ideal. Os formuladores

de políticas públicas teriam um outro parâmetro de avaliação, distinto da concentração de

mercado: o grau de contestabilidade. Evitava-se, assim, associar, automaticamente,

concentração de mercado com ineficiência econômica. Ou seja, a referência normativa

para as políticas de defesa da concorrência não seria a concorrência perfeita e sim a

contestabilidade perfeita. Os órgãos antitrustes deveriam, pois, sempre avaliar o grau de

contestabilidade dos mercados, modificando até mesmo as jurisprudências quanto aos atos

de concentração, sobretudo ao avaliar as fusões e aquisições (F&A).

Feito estes breves comentários teóricos, examina-se, a seguir como a legislação antitruste

se desenvolveu ao longo do tempo nos EUA e no Brasil.

3 Sunk Costs são aqueles investimentos que podem produzir um fluxo de receitas ao longo de um amplo horizonte de tempo, mas que não são inteiramente reversíveis ou reutilizáveis para outras finalidades. Note-se que custos fixos são sunk costs no curto prazo.

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3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DEFESA DA CONCORRÊNCIA NOS

EUA E NO BRASIL .

3.1 A DEFESA DA CONCORRÊNCIA NOS E.U.A.

Atualmente, com o avanço das F&A, as agências governamentais destinadas a prevenir a

formação de cartéis e trustes, são cada vez solicitadas a cumprir com o seu papel e buscar

soluções muito mais criativas do que a simples aprovação ou rejeição de determinados atos

de concentração.

Usualmente, as políticas de defesa da concorrência visam prevenir práticas que venham

prejudicar a livre iniciativa restringindo a concorrência e evitar atos de concentração que

tenham o mesmo objetivo. No primeiro caso, a autoridade trata de influenciar as condutas

das firmas, a fim de estimular a concorrência. No segundo, a agência reguladora exerce um

controle de caráter estrutural, permitindo ou proibindo os atos de concentrações horizontais

e/ou verticais.

Neste contexto, a política antitruste tem sido uma das armas mais importantes usadas pelo

Estado no intuito de tentar harmonizar o interesse público e o privado. A Lei Sherman,

norte-americana, data de 1890. Ela representava uma norma de regulação baseada num

sistema de penalidades, na qual se declarava ilegal as tentativas de coalizão (cartelização)

dos mercados através de acordos e práticas concentradoras.

O processo de centralização do capital que caracterizou a economia americana naquele

período impôs novas formas de organização dos mercados, com redução da concorrência

via preços e, na época, parecia ameaçar os dogmas da sociedade americana. Ao manter

mercados abertos e o poder de monopólio desconcentrado, a intervenção antitruste

promoveria as oportunidades econômicas individuais, preservaria os pequenos negócios e

protegeria os direitos individuais (Santacruz, 2000, p.9).

A lei Sherman se mostrou útil como instrumento de controle da coalizão em indústrias nas

quais o número de produtores era numeroso. Nessas, uma coalizão criava evidências claras

de sua existência. Entretanto, sua utilidade era limitada em indústrias oligopolistas. Por

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serem tão pouco numerosas, as firmas podiam manter uma coalizão tácita sem gerar

evidências. Nessas indústrias, a coalizão pode não ser mais palpável do que o

reconhecimento, por parte dos concorrentes, de que preços e lucros são mutuamente

dependentes, trazendo à tona a interdependência, marca registrada dos mercados

oligopolizados. Isso se traduz em prejuízo para o consumidor.

Dado a insatisfação, e até mesmo a dúvida quanto a eficácia da lei Sherman, cujo impacto

ficou aquém das expectativas até mesmo de seus defensores, aprovou-se em 1914 a lei

Clayton destinada a inibir práticas que ocasionassem a redução substancial da

concorrência. Sua execução coube à Federal Trade Commission (FTC), Comissão Federal

de Comércio criada por ocasião da lei Clayton. Seu avanço está, sobretudo, na proibição de

mecanismos sutis de exercício de poder de monopólio, tais como as diversas formas de

discriminação de preços4 e acordos vinculados de distribuição com exclusividade, sempre

que estes acordos tiverem por fim restringir a concorrência.

O que desperta mais atenção na lei Clayton, para os objetivos dessa monografia, é a Seção

7, que proíbe as fusões que possam resultar em redução do grau de competitividade. Essa

seção foi inicialmente evitada, até que, em 1950, foi elaborada uma emenda (a Lei Celler-

Kefauver) que reforçou o papel do Departamento de Justiça e da FTC nos processos contra

a realização de F&A.

Segundo Stigum & Stigum (1973, p. 290), a lei que criou a FTC não tinha, inicialmente, o

objetivo de ser uma lei antitruste. E ganhou esse status pelo fato dos tribunais

interpretarem essa proibição como uma proibição de acordos restritivos ao comércio. A lei

Clayton vem sofrendo importantes modificações ao longo dos anos, ampliando e

complementando os alcances da lei Sherman, e possibilitando a punição de condutas

capazes de afetar a concorrência. Ela evita estabelecer regras detalhadas para o

funcionamento dos mercados, sendo passíveis de punição apenas aquelas que apresentem

risco do exercício do poder de mercado e conseqüente perda de eficiência. A questão é:

Quando é que isto ocorre?

4 A discriminação de preços pode assumir três formas, A de preços de 1º grau é a cobrança de um preço que cada cliente estaria disposto a pagar (preço de reserva). A do 2º grau é a cobrança de preços diferentes para quantidades diferentes, podendo tornar maior o bem-estar dos clientes. E a de 3º grau, forma predominante, é

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Antes da Segunda Guerra Mundial, as fusões eram geralmente horizontais e verticais.

Porém, após a Segunda Guerra, fusões resultando em conglomerados passaram a ser mais

freqüentes, dado a busca pela diversificação produtiva5. Somente em 1968, a Divisão

Antitruste do Departamento de Justiça editou seu primeiro guia para o tratamento de F&A,

conhecido como Merger Guidelines. Ele passou a representar o principal referencial

analítico utilizado pela FTC para julgar atos que pudessem causar danos à concorrência.

O primeiro Merger Guidelines baseou-se no modelo E-C-D e utilizava dois indicadores,

considerados, de acordo com Bello (1997, p. 364), pouco representativos, dados os

avanços teóricos nos estudos da Organização Industrial nos anos 70.

Em vista disto, o número de indicadores utilizados na avaliação dos atos de concentração

foi ampliado para cinco. Segundo Maia (1999, p. 95) os procedimentos adotados passaram

a:

1º. Examinar o aumento do grau de concentração com o processo de

fusão;

2º. Verificar, a luz do grau de concentração e de outros fatores relevantes,

se existe risco à concorrência;

3º. Avaliar a intensidade das barreiras à entrada. Elas devem ser capazes

de atenuar os efeitos negativos da fusão;

4º. Observar se os ganhos de eficiência podem advir de outra forma;

a cobrança diferenciada pelo tipo de demanda, seja por faixa etária, seja por classe de consumidores (Pindyck; Rubinfeld, 1994, p. 672). 5 Entende-se por fusão horizontal, aquela a qual uma empresa adquire outra que produz um produto idêntico ou quase idêntico ao seu. Na fusão vertical, uma empresa adquire outra que lhe fornece fatores de produção ou compra seus produtos finais. A formação de conglomerados resulta, geralmente, de fusão entre empresas que fabricam um produto sem qualquer relação tecnológica ou de mercado.

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5º. Definir o mercado relevante6, sob a ótica do produto, da área

geográfica e dos produtos substitutos.

Para Bello (1997, p. 367), a incorporação de outras contribuições da teoria da Organização

Industrial deu consistência e garantiu um maior entrosamento da política antitruste com as

doutrinas jurídicas, eliminando o que chamou de “fraqueza intelectual” da política anterior,

apoiada em conceitos distorcidos a respeito da grande firma. Esta reformulação na Merger

Guildelines ocorreu em 1992.

Dos cinco procedimentos listados, o primeiro a ser seguido é a definição do mercado

relevante, que poderá vir a ser objeto do exercício do poder de monopólio. Para tal, o

Horizontal Merger Guidelines do FTC/E.U.A (1992) analisa as possíveis respostas dos

consumidores diante de um aumento de preços de um certo produto - normalmente 5% ou

10% conforme o caso - realizado por um monopolista hipotético naquele mercado. Esse

aumento poderia não ser lucrativo, caso os consumidores substituíssem o produto cujo

preço for elevado e/ou passassem a comprar o mesmo produto de outros vendedores

localizados em outras áreas.

Ou seja, a delimitação do mercado relevante é feita, basicamente, em termos de

substitubilidade entre produtos, do ponto de vista do consumidor, tecnicamente definida

pela elasticidade preço da demanda (dimensão produto) e de custos e facilidade de acesso

por parte de concorrentes a uma área geográfica definida (dimensão geográfica).

Às firmas identificadas no mercado relevante são somadas as possíveis entrantes não

comprometidas (uncommitted), que se sentem convidadas a entrarem nesse mercado em

decorrência do aumento de preço, passando a produzir aquele produto em passo acelerado

no mercado relevante. Desta forma, a análise da concorrência potencial já está incluída na

análise do mercado relevante.

6 O mercado relevante, conceito especificamente utilizado na análise antitruste, é definido como o menor mercado, em termos de produto e geográfico, no qual o poder de mercado é possível, por meio de ações coordenadas ou unilaterais das empresas. (Possas, 1996, p.05).

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19

Definido o mercado relevante, se faz necessário analisar o grau de concentração deste

mercado e verificar os impactos de uma eventual fusão. O índice mais utilizado é o de

Hefindahl-Hirschman (HHI), definido por:

n

HHI = Σ Yi2

I=1

Ele é a soma dos quadrados da participação de cada firma em relação ao tamanho total da

indústria. Ele considera, em seu calculo, a participação de todas as empresas na oferta

global de mercado, onde n é o número de empresas e Yi é a quota de mercado da i-ésima

empresa. O limite inferior desse índice corresponde a uma situação perfeitamente

concorrencial, isto é, HHI = 0. Um outro estremo, um monopólio, Yi corresponderia a

100, equivalendo dizer que HHI = 10.000, isto indica um alto grau de concentração. Em

termos teóricos, ele mede a desigualdade da distribuição do poder de mercado entre as

empresas participantes e não apenas o poder de mercado nas mãos das n maiores

empresas, tendo, com isso, um maior conteúdo informativo7. De acordo com Maia (1999,

p. 96), os critérios utilizados no Guidelines são os seguintes:

• HHI < 1000 – o mercado é considerado não concentrado, não havendo, portanto,

efeitos prejudiciais à concorrência;

• 1000 < HHI < 1800 – o mercado é classificado como relativamente concentrado.

Se a fusão produzir uma elevação maior que 100 pontos, num mercado

relativamente concentrado, considera-se que a ação oferece risco à concorrência;

• HHI > 1800 – considera-se que estes mercados já são muitos concentrados,

todavia, as fusões que elevem o índice em menos que 50 pontos, não representarão

ameaça à concorrência.

O índice HHI é uma tentativa de aproximar a estrutura de mercado a alguma medida de

concentração, não sendo considerada sem agregar outros elementos de análise8.

7 Para uma análise técnica do HHI e também de outras medidas de concentração industrial ver Resende (1994). 8 Maia (1999) propõe a inclusão de elementos como disponibilidade de informação relativa às condições de entrada, tamanho da firma, e heterogeneidade do produto e conhecimento da demanda.

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20

O passo seguinte é avaliar as condições de entrada, consideradas pelo Merger Guidelines

como fator decisivo, pois elas condicionam fortemente o exercício do poder de

monopólio.Visando determinar as condições e os efeitos de entrada, o Guidelines

estabelece uma metodologia de três testes. Ela observa se:

• A oferta do potencial entrante pode afetar o mercado no curto prazo;

• O potencial entrante poderá, no longo prazo, cobrar preços que vigoravam antes da

fusão;

• A estrutura do mercado garantirá, após a fusão, preços que se situem nos níveis

cobrados anteriormente à fusão.

São testes de oportunidade (timeliness), probabilidade (likelihood) e suficiência

(sufficiency).

O primeiro teste busca avaliar se o impacto da entrada se dá a tempo de contrabalançar os

efeitos negativos da fusão. Caso esses impactos só ocorram no longo prazo, a entrada não

terá os resultados desejados.

O segundo visa testar a lucratividade da firma entrante. Ele supõe que com a fusão

ocorrerão pressões para aumentos de preços. A nova entrada elevaria a oferta e, portanto,

reduziria os preços aos níveis anteriores à fusão. Logo, são estes que devem ser levados em

conta para calcular a lucratividade para a entrante.

Por último, o teste de suficiência tem o intuito de assegurar que, garantidas as condições de

oportunidade e probabilidade, as entradas sejam na escala necessária a permitir que os

preços permaneçam nos patamares anteriores à fusão. A preocupação é que as entradas

possam não ser suficientes, dadas as dificuldades associadas à disponibilidade de ativos

tangíveis e intangíveis, para atender ao volume de vendas necessário àquele mercado.

O que se deseja com essa metodologia é garantir que as possíveis entradas, e seus efeitos

pró-concorrência sejam devidamente considerados na análise dos atos de concentração.

Lawrence White (1987) defende a idéia que, embora haja dificuldade na quantificação

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dessas barreiras, as fusões em mercados passarem por esses testes deveriam ser aprovadas

sem restrições. Outros autores como Fisher (1987), citado por Bello (1997), propõem que

se as barreiras à entrada forem pequenas, a fusão deveria ser aprovada.

Por último, a análise dos ganhos de eficiências. Assume-se que uma F&A, bem como uma

conduta anticompetitiva, pode ser aceitável, se o efeito pró-eficiência proveniente da

redução de custos, ou equivalente benefício à eficiência alocativa, não for menor que o

efeito de perda de bem-estar de “peso morto” (Possas et al. 1997, p. 05).

Procura-se avaliar em que medida as eficiências econômicas, cujas raízes, em geral, têm

origem nas visões tradicionais das características da tecnologia, tais como economias de

escala e escopo, eventualmente geradas, podem contrabalançar os efeitos anticompetitivos,

derivados do aumento de poder de mercado, por sua vez pressuposto a partir do incremento

do grau de concentração e manifesto num suposto futuro aumento de preços que reduza o

excedente do consumidor.

Para Bello (1997, p. 367), a Guidelines limita-se a ressaltar que os ganhos de eficiência

devem resultar da transação e que devem ser maiores quanto maior for o risco à

competição, sugerindo apenas alguns tipos de ganhos, como os já supracitados. O autor

também cita outros estudiosos que ressaltaram o caráter polêmico das alegações de ganhos

de eficiência, como Salop (1987), White (1987), Fisher (1987) e Schmalensee (1987).

Tudo indica que a FTC não se preocupa com os efeitos que esses ganhos têm sobre o grau

de competição, mas sim sob o bem-estar, na medida em que quanto mais aberta for a

economia, menor seria o poder de mercado e maior o ganho de eficiência decorrente do

aumento do tamanho das firmas.

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22

3.2 DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL

A história da legislação antitruste no Brasil desenvolveu-se através de uma série de

projetos de lei, regulamentos e medidas provisórias que resultaram nas seguintes leis:

• Lei 1.521/51 que trata dos crimes contra a economia popular;

• Lei 4.137/62 que criou o CADE e regula o abuso de poder econômico;

• Lei 8.002/90 que reprime as infrações contra os direitos do consumidor;

• Lei 8.137/90 que define os crimes contra a ordem econômica e tributária e

as relações de consumo;

• Lei 8.884/94 que transformou o CADE em autarquia, fortalecendo-o no

monitoramento das práticas dos setores oligopolizados e centralizando as

ações do governo nessa área9.

Além dessas, a Lei 8078 de 1990 conhecida como Código de Defesa do Consumidor, veio

proteger os interesses dos consumidores e reforça os instrumentos legais de defesa

econômica.

A pouca idade da legislação brasileira, na opinião de Santacruz (2000), é considerada um

aspecto positivo, por ter permitido a incorporação dos avanços da literatura da Organização

Industrial.

Apesar de criado em 1962, o CADE teve uma atuação acanhada até a primeira metade da

década de 90. Somente com a edição da Lei nº 8.158, de 8 de janeiro de 1991, e,

posteriormente, da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, que a substituiu, o órgão ganhou

condições políticas e estruturais para cumprir suas funções. A nova legislação conferiu ao

CADE maior autonomia, na medida em que suas decisões não podem ser revistas por

nenhuma instância do poder executivo, e ao mesmo tempo, delegou-lhe maior

responsabilidade, na medida que ele passa a ser responsável pela prevenção do abuso do

poder econômico.

9 Esta lei revogou as Leis 4137/62, 8002/90 e 8158/91.

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O CADE tem três funções fundamentais: reprimir práticas anticompetitivas (função

repressiva); controlar as estruturas de mercado (função preventiva); e difundir a cultura da

concorrência (função educativa). Essas funções convergem para o objetivo de assegurar a

manutenção de um ambiente concorrencial na economia brasileira (Santacruz, 2000, p. 3).

Ele funciona como um tribunal administrativo, julgando as acusações de infração à ordem

econômica (função repressiva) e autorizando ou não operações de fusão e aquisição (F&A)

ou constituição de joint-ventures (função preventiva). Contribuem para investigação dos

casos trazidos ao CADE, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça

(SDE) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE),

que emitem pareceres nas suas áreas de atuação. Os processos contra práticas

anticompetitivas são abertos pela SDE, geralmente apoiados em informações fornecidas

pela SEAE e, depois, encaminhados ao CADE para julgamento em última instância.

Na prática, tanto aqui quanto nos EUA, tem prevalecido a função repressiva, apoiada no

controle do grau de concentração, dada a dificuldade encontrada para monitorar as

estruturas de mercado que poderia subsidiar uma ação preventiva.

No que diz respeito à ação repressiva, a legislação brasileira antitruste contém proibições

genéricas, tipificadas no artigo 20 da Lei 8884/94, tais como:

• Limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a

livre iniciativa;

• Dominar o mercado relevante de bens e serviços;

• Aumentar arbitrariamente os lucros e;

• Exercer de forma abusiva posição relevante10.

Evidentemente que a legislação excetua a conquista do mercado resultante de um processo

fundamentado na maior eficiência dos agentes econômicos. Ou seja, se uma firma produz

bens de melhor qualidade com custos menores e tende a dominar o mercado via vantagens

absolutas de custos, a concentração é considerada um prêmio à competência e à eficiência.

10 O conceito de posição relevante, especialmente utilizado na área antitruste, parte do referencial que a empresa possua participação relativa igual ou superior a 20% do mercado específico.

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A análise de condutas abusivas apresenta uma enorme dificuldade. Um mesmo tipo de

estratégia comercial pode ter efeitos anticompetitivos ou não. Por essa razão, a legislação

brasileira (e mundial) tem adotado o procedimento investigatório conhecido como “regra

da razão”, ou também chamado razoabilidade. Ele vem substituindo, progressivamente, o

critério de ilegalidade “per se” na jurisprudência internacional, notadamente nos E.U.A.,

no tratamento de práticas horizontais e verticais, e exige avaliações caso a caso11.

A legislação de defesa da concorrência também considera lícitas as ações que estimulam o

progresso técnico, a diferenciação de produtos, a busca da redução de custos, a

competitividade do país etc., mesmo que isso implique na eliminação de concorrentes.

Afinal, como diz a máxima antitruste, o objetivo é a defesa da concorrência (do bem-estar

do consumidor) e não dos concorrentes (das empresas no mercado). Ou seja, caso a ação

de uma firma implique a saída de concorrente do mercado, sem prejuízo para a eficiência

econômica, ela pode ser considerada legal do ponto de vista da concorrência.

Em resumo, apenas as ações comerciais redutoras de eficiência econômica devem ser

combatidas. Sendo assim, uma ação de mercado só pode ser considerada uma conduta

anticompetitiva se a firma investigada tiver poder de mercado e suas ações forem redutoras

de bem-estar social.

Um outro artigo, o de número 54 da mesma lei 8.884/94, prevê atos que possam limitar a

livre concorrência ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens e serviços.

Todos os processos de F&A de empresas com faturamento bruto igual ou superior a R$

400 milhões, ou que acarretem o domínio de 20% do mercado relevante, deverão ser

submetidos ao CADE. Cabe salientar que este percentual é baixíssimo, dada a parcela de

mercado que as empresas de porte tendem a possuir após as fusões.

Pretende-se, com isso, impedir ou atenuar os efeitos de operações de F&A que, por

exemplo, concentrem mercados e criem ou elevem barreiras à entrada de novos

11 A aplicação do critério da razoabilidade, nos permite concluir que o fato de uma empresa possuir posição dominante num mercado relevante constitui condição necessária, porém não suficiente, para considerar uma conduta prejudicial à concorrência. Para tanto, é necessário avaliar seus efeitos anticompetitivos e ainda ponderá-los vis-à-vis seus possíveis benefícios (eficiências) compensatórios.

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concorrentes. A idéia é que se isto não for feito, crescem as chances de aumentos de preços

ou de imposição de condições comerciais desfavoráveis aos clientes e fornecedores,

acarretando uma drenagem na renda destes e uma diminuição no lançamento de novos e

diferentes produtos.

A metodologia de análise referente a atos de concentração, exposta nos diagramas 2 e 3, é

realizada de acordo com o Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração (Guia)12

que expõe os principais procedimentos recomendados pela SEAE e sistematiza o

conhecimento gerado ao longo dos anos. Inicialmente, identifica-se as empresas envolvidas

na operação. A partir daí, tem-se início a procedimento definindo o(s) mercado(s)

relevante(s), para que seja possível avaliar os impactos sobre o grau de concentração

(Etapa I). Em seguida, se busca determinar a parcela de mercado sob o controle das

empresas envolvidas na concentração (Etapa II). Os atos que não gerarem o controle de

uma parcela de mercado suficientemente elevada obterão, já nessa etapa, parecer favorável

do SEAE, sendo dispensável a continuação da análise. Caso contrário, o ato será objeto de

análise nas etapas subseqüentes.

O próximo passo (Etapa III) é examinar a probabilidade de exercício de poder de mercado,

seja por aumento de preços, seja por restrição da oferta. O guia define condições

suficientes para que o exercício de poder de mercado seja considerado improvável. Se

alguma dessas condições for satisfeita, conclui-se pela recomendação da aprovação do ato

já nessa etapa de análise, ainda que a parcela de mercado das empresas envolvidas seja

suficientemente elevada. Caso nenhuma dessas condições seja satisfeita, conclui-se que o

exercício de poder de mercado tem probabilidade não nula de acontecer, isto é, que

provavelmente o ato gerará prejuízos para a economia. Nesse caso, a análise continuará na

etapa seguinte.

A Etapa IV refere-se ao exame dos benefícios econômicos gerados pela fusão. São

considerados benefícios econômicos as economias de escala, de escopo e de custos de

12 Este guia consiste numa metodologia sistematizada em etapas para a análise econômica de atos de concentração, de forma a garantir a consistência entre o controle de concentrações e os fundamentos econômicos, e reduzir a variabilidade das análises empreendidas. Foi adotado pela SEAE por meio da Portaria nº 39, de 29 de junho de 1999.

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transação e a introdução de uma nova tecnologia, entre outros. Considerados os custos e os

benefícios gerados para a economia, na Etapa V será avaliada a relação entre custos e os

benefícios derivados da concentração. Quando os benefícios forem maiores que os custos,

conclui-se pela recomendação da aprovação, se ocorrer o inverso, o parecer será contrário

à concentração ou a aprovará sob determinadas condições.

DIAGRAMA 2

Etapas da Análise dos Atos de Concentração

Parecer

Favorável

NÃO % de mercado < 20% e C4<75%

e % demercado<10

Parcela de Mercado

Substancial

Exercício de poder de mercado é provável (Probabilidade de

exercício de poder de mercado não é

praticamente nula)

Definição do Mercado Relevante

Ver detalhe Diagrama 3

Parecer Favorável

NÃO

Eficiências

Custos do exercício de poder de mercado são

maiores que as eficiências geradas

NÃO Parecer Favorável

SIM

Parecer Negativo

ETAPA I

ETAPA V

ETAPA IV

ETAPA III

ETAPA II

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Fonte : Guia (1994, p.9)

SIM

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28

DIAGRAMA 3

Detalhe da Etapa III - Exercício de Poder de Mercado

Fonte : Guia (1994, p.10)

SIM

NÃO

As importações são um antídoto efetivo

contra o exercício do poder de mercado?

SIM A probabilidade de exercício de poder de mercado é “praticamente nula".

NÃO

SIM A probabilidade de exercício de poder de mercado é "praticamente nula".

A entrada é "fácil" e

"suficiente"?

A probabilidade de exercício de poder de mercado é "praticamente nula".

NÃO

NÃO

A probabilidade de exercício unilateral de poder de mercado Não é nula.

Existem condições para a coordenação de

decisões?

A probabilidade de exercício COORDENADO de poder de mercado é "praticamente nula".

A probabilidade de exercício coordenado de poder de mercado Não é "praticamente nula".

Existem competidores

efetivos no mercado?

SIM

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Como se vê, a legislação brasileira tem evoluído na direção instrumentos analíticos

capazes de fornecer uma orientação, senão precisa, mas segura, para o exame de atos de

concentração econômica horizontais por parte das autoridades responsáveis pela defesa da

concorrência. Conceitos como os de mercado relevante, barreiras à entrada, graus de

concentração, concorrência potencial, ritmo do progresso técnico, eficiências produtivas e

ambiente competitivo, adicionados à história das empresas e de seus setores de atividade,

bem como às diretrizes da política industrial, dão ao CADE um razoável grau de segurança

na elaboração de suas análises e conclusões.

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4 A FUSÃO BRAHMA E ANTARCTICA

4.1 A CRIAÇÃO DA AMBEV

Depois de uma verdadeira guerra de quase um século, as arqui-rivais Antarctica e Brahma

resolveram deixar de lado sua agressiva disputa pelo consumo de cerveja e refrigerante.

Em março de 2000, elas se fundiram e criaram a American Beverage Company (AmBev).

A megafusão resultou na maior empresa privada nacional, com um faturamento de R$

10.300 bilhões. Uma visão geral das duas empresas é apresentada na quadro1.

QUADRO 1

A Brahma e a Antarctica em 1999

BRAHMA ANTARCTICA

Faturamento: R$ 7 bilhões

Lucro Líquido : R$ 329,1 milhões

Nº de Fábricas: 28

Nº de Funcionários: 9.700

Prod.de Cerveja: 4,3 bilhões de litros

Prod.de Refrigerante: 1,2 bilhões de litros

Valor de Mercado: R$ 7 bilhões

Faturamento: R$ 3,3 bilhões

Lucro Líquido : R$ 642,1 milhões

Nº de Fábricas: 22

Nº de Funcionários: 6.800

Prod.de Cerveja: 2,1 bilhões de litros

Prod.de Refrigerante: 1,2 bilhões de litros

Valor de Mercado : R$ 500 milhões

Marcas Marcas

Brahma, Malzbier, Miller, Skol, Caracu e

Carlsberg.

Antarctica, Bavária, Bohemia, Budweiser,

Kronenbier, Serramalte, Original, Polar e

Niger.

Fonte: Chiavenato (2000, p.17).

Segundo Chiavenato (2000), um dos objetivos da AmBev é a ampliação dos mercados já

explorados pelas sócias no Mercosul. Um outro objetivo é se antecipar à competição

provocada pela futura integração dos 34 países americanos na ALCA (Área de Livre

Comércio das Américas), abrindo filiais em toda a América Latina e nos EUA. Com a

fusão a AmBev se tornou a 5º maior produtora de bebidas do mundo e a 4ª cervejaria do

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mundo, vindo logo atrás da americana Anheuser-Bush, fabricante da Budweiser com 14,07

bilhões de litros, da holandesa Heineken, com 8,19 bilhões de litros, e da americana Miller

com 7,33 bilhões de litros. Um último objetivo teria sido evitar a compra da Antarctica por

um concorrente estrangeiro. Isto porque, segundo um estudo da Brahma, além de

problemas gerenciais, a Antarctica iria perder 8% de seu mercado, quase 1/3 do que

detinha na ocasião, em 1999, o que a enfraqueceria bastante frente aos demais rivais

(Jardim, 1999, p.129).

As reações à fusão foram imediatas. A Schincariol, logo após o anúncio de intenção da

fusão, anunciou que não a temia e que estaria preparada para concorrer. Mas a Kaiser, por

meio de nota oficial veiculada nos principais jornais do país, declarou seu repúdio à fusão e

à possível restrição da concorrência. Em anúncio publicado na Folha de São Paulo do dia

02/07/1999, a empresa afirmava: “a anunciada fusão entre a Brahma e a Antarctica, se

concretizada, concentrará em uma única empresa 70% do setor, fato inaceitável em

qualquer economia do mundo moderno”.

Alguns analistas discordavam da avaliação da Kaiser. Jardim (1999, p.131), por exemplo,

considerava que “no caso das cervejarias, pode ficar a impressão de que a fusão massacra a

concorrência, mas as guerras são travadas em escala mundial. Sendo assim, da mesma

maneira que a Ambev vai tentar vender cerveja no estado do Alabama, nos EUA, a

holandesa Heineken vai querer o mercado do interior de São Paulo”.

A rigor, o setor cervejeiro em todo o mundo é marcado por grandes concentrações de

capital e de mercado, com as grandes companhias detendo, geralmente, mais de 70% das

vendas, sendo o restante do mercado disputado por pequenas e médias, caracterizando o

que Steindl (1952) chama de oligopólio competitivo em sua tipologia. Nesse sentido, a

ação da Antarctica e da Brahma poderia até beneficiar as empresas menores instaladas no

mercado brasileiro, pois se uma grande empresa estrangeira quiser disputar o mercado

nacional, terá que buscar uma aliança com uma marca já existente, como a Kaiser ou a

Schincariol, por exemplo.

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Os que se opunham acreditam que este possível benefício seria, justamente, o fim da

pequena e média empresa. Elas seriam engolidas, eliminadas do mercado, deixando de

atuarem como fator de equilíbrio do sistema, ou seja, moderadoras do poder de monopólio.

Uma vez caracterizado esse maior poder de monopólio, as grandes empresas poderiam usar

o mecanismo de discriminação de preços entre os mercados interno e externo. Como a

elasticidade de demanda é menor no mercado interno, elas poderiam cobrar mais caro do

consumidor local e diminuir os preços de exportação, com o fim de alcançar novos

mercados.

Neste tiroteio de argumentações, qual o posicionamento adotado pelos órgãos reguladores

da concorrência no Brasil? Inicialmente, serão analisados os pareceres da SEAE e da SDE.

4.2 A ANÁLISE DA SEAE E DA SDE

A análise dos atos de concentração de natureza horizontal é realizada de acordo com o

Guia que, em resumo, adota os seguintes procedimentos: (i) estima as participações das

empresas no mercado relevante; (ii) avalia o nível das barreiras à entrada; e (iii) examina

as eficiências econômicas geradas pela operação.

Relembrando, no que diz respeito à análise do mercado relevante considera-se as linhas de

produtos das empresas envolvidas na operação. Do ponto de vista do consumidor, a

presente operação envolve os seguintes mercados relevantes de produto: cervejas,

refrigerantes, águas, chás, isotônicos e sucos. Em que pese o ato envolver todos os

produtos mencionados acima, há concentração econômica apenas nos mercados de

cervejas, refrigerantes e águas. Os mercados de chás, isotônicos e sucos não são afetados

pela operação, pois os dois primeiros são produzidos apenas pela Brahma e o último

apenas pela Antarctica. (ATO DE CONCENTRAÇÃO nº 08012.005846/99-12).

No caso específico do mercado de refrigerantes e águas, a concentração decorrente não é

desprezível, como aponta o parecer da SEAE, à fl. 791 dos autos. Todavia, no caso dos

refrigerantes, a concentração é significativa, superando o patamar de 20% de participação

no mercado relevante. No entanto, adotar-se-á aqui o entendimento constante do parecer da

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SEAE, tanto no que tange à definição do mercado relevante de produto, como o de

refrigerantes, quanto à sua conclusão de que o exercício do poder de mercado pela AmBev

não é provável nesse mercado. Poderiam ser feitas algumas considerações adicionais sobre

o comportamento do mercado de refrigerantes por canais de distribuição, o processo de

substituição entre embalagens retornáveis e descartáveis por que passou, bem como o

poder detido pelo maior concorrente (Coca-Cola). No entanto, tais considerações não

levariam a uma conclusão distinta daquela apontada no parecer da SEAE e da SDE.

Assim sendo, o impacto da operação nesses mercados não será capaz de gerar efeitos

anticoncorrenciais que mereçam uma análise mais detida neste trabalho. Principalmente no

mercado de refrigerante, duas razões básicas permitem esta conclusão: (i) as tubaínas13

vêm progressivamente conquistando participação de mercado em função de seu

posicionamento de preço, conforme demonstra o gráfico 2; e (ii) a mudança de estratégia

de empresas tradicionais no ramo - como a ANTARCTICA e a COCA-COLA - diante do

aumento participativo das tubaínas, que tem provocado uma queda dos preços.

GRÁFICO 2

Evolução da Participação de Mercado das Tubaínas

Fonte: AC Nielsen (Apresentação SEAE/SDE/CADE 24/08/99)

13 O mercado de tubaínas refere-se àqueles refrigerantes que visam níveis mais baixos de renda e onde a competição se dá predominantemente via preço. Apesar de serem de menor expressão no mercado como um todo, esses produtores, juntos possuem uma boa fatia do mercado.

9% 9% 9% 9% 10%13%

17% 18% 18%21%

26%

33%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 AM 99

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Ao definir o mercado relevante de produto, os pareceres levaram em consideração: (i) a

baixa elasticidade-cruzada entre cervejas e outras bebidas alcoólicas e não-alcoólicas (ii) a

alta elasticidade-cruzada entre as diversas cervejas de diferentes tipos; (iii) a irrelevância,

para os resultados da análise de uma eventual segmentação do mercado por categorias; e

(iv) as considerações acerca das preferências dos consumidores em relação a tipos de

embalagem e de consumo. Diante disto, os pareceres concluíram que o mercado que

sofreria mais diretamente os impactos da fusão seria somente o mercado de cerveja.

Definido o mercado relevante em termos de produto, tratou-se de delimitar o mercado

geográfico relevante, tomando-se como o fator mais importante o custo de transporte,

tendo em vista que o mesmo possui uma participação expressiva na composição do preço

final dos produtos. Diante desse fato, admitiu-se, implicitamente, que um raio de 500 Km

em relação à localização das plantas é o raio máximo que torna viável a oferta do produto,

a preços rentáveis (SEAE. fl 58, p.16). Com base nisto, o mercado nacional foi dividido em

5 áreas listadas nas tabelas a seguir. Nessas mesmas tabelas estão indicadas as

participações das empresas mais importantes antes e depois da fusão.

TABELA 1 Participação1 no Mercado 1 Antes e Depois da Fusão-1999

(em volume)

Fonte: SEAE. ATO DE CONCENTRAÇÃO n.º 08012.005846/99-12. 1 – Média da série de participação de mercado de abril/maio de 1996 a abril/maio de 1999 dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Base: 1998

Empresa

Antes Depois - 65,1

Antarctica 23,8 - Skol 22,2 - Kaiser 21,4 21,4 Brahma 19,1 - Outros 7,7 7,7 Schincariol 5,8 5,8 Total Mercado 1 100,0 100,0

Participação de Mercado %

AMBEV

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TABELA 2 Participação2 no Mercado 2 Antes e Depois da Fusão-1999

(em volume)

Fonte: SEAE. ATO DE CONCENTRAÇÃO n.º 08012.005846/99-12. 2-Média da série de participação de mercado de abril/maio de 1996 a abril/maio de 1999 dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Distrito Federal e Goiás. Base: 1998

TABELA 3 Participação3 no Mercado 3 Antes e Depois da Fusão-1999

(em volume)

Fonte: SEAE. ATO DE CONCENTRAÇÃO n.º 08012.005846/99-12.

3-Média da série de participação de mercado de abril/maio de 1996 a abril/maio de 1999 dos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Base: 1998

Empresa

Antes Depois AMBEV - 73,8Skol 28,3 - Brahma 23,8 - Antarctica 21,7 - Kaiser 14,3 14,3Outros 11,9 11,9Total Mercado 2 100,0 100,0

Participação de Mercado %

Empresa

Antes Depois AMBEV - 75,7Antarctica 19,6 - Skol 37,0 - Kaiser 13,3 13,3Brahma 19,1 - Outros 11,0 11,0Total Mercado 3 100,0 100,0

Participação de Mercado %

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TABELA 4

Participação4 no Mercado 4 Antes e Depois da Operação -1999 (em volume)

Fonte: SEAE. ATO DE CONCENTRAÇÃO n.º 08012.005846/99-12.

4-Média da série de participação de mercado de abril/maio de 1996 a abril/maio de 1999 dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba, Sergipe, Alagoas e Bahia. Base: 1998

TABELA 5 Participação5 no Mercado 5 Antes e Depois da Operação-1999

(em volume)

Fonte: SEAE. ATO DE CONCENTRAÇÃO n.º 08012.005846/99-12. 5-Média da série de participação de mercado de abril/maio de 1996 a abril/maio de 1999 dos estados do Amazonas, Roraima, Acre e Rondônia.

Base: 1998

Empresa

Antes Depois AMBEV - 91,8 Antarctica 73,4Kaiser 8,2 8,2 Brahma 18,4Total Mercado 5 100,0 100,0

Participação de Mercado %

Empresa

Antes Depois AMBEV - 81,8 Antarctica 42,1 - Brahma 30,7 - Kaiser 10,3 10,3 Skol 9,0 - Schincariol 6,7 6,7 Outros 1,20 1,20 Total Mercado 4 100,0 100,0

Participação de Mercado %

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O exame das tabelas acima permite concluir que a AmBev passaria a deter uma parcela de

mercado suficientemente elevada para tornar possível o exercício do poder de mercado

relevante de cerveja, sobretudo nas áreas 4 e 5, com 81,8% e 91,8% de participação,

respectivamente.

Analisando o Brasil como um todo, é possível perceber uma sensível redução da

concorrência em virtude da operação em exame. Utilizando-se os índices C314 e HHI para

o ano de 1998, verifica-se que o primeiro passa de 87,9% para 95,3% o que indica que não

há outros concorrentes expressivos no mercado. Quanto ao HHI, ocorre uma elevação de

2.423 pontos. Como já mencionado, um HHI superior a 1800 pontos indica um mercado

concentrado. Quanto mais longe de zero estiver a situação inicial, mais grave é o aumento

do HHI em termos concorrenciais15. Assim, o aumento do HHI nesse caso surge como um

indicador muito sério de redução da concorrência. Combinando os dois índices, conclui-se

que há um grande aumento da concentração sem um número razoável de agentes para

restaurar a situação anterior de competição. Contudo, não se trata aqui de um mercado

apenas, mas de cinco mercados relevantes. Ou seja, é preciso avaliar a variação do HHI

em cada um deles, algo exposto na Tabela 8.

Tabela 6

Índices de Grau de Concentração no Mercado de Cerveja - Brasil (1998)

C3 antes C3 depois HHI antes HHI depois ∆ HHI Mercado 1 65,1 86,5 2.823 4.789 1.966 Mercado 2 73,8 88,1 3.531 5.792 2.261 Mercado 3 19,6 89,0 3.829 6.028 2.199 Mercado 4 80,8 90,6 3.411 6.660 3.249 Mercado 5 100,0 100,0 5.793 8.494 2.701 BRASIL 87,9 95,3 3.130 5.553 2.423

Fonte: SEAE. ATO DE CONCENTRAÇÃO n.º 08012.005846/99-12. Base: 1999

14Este índice de concentração considera apenas a participação relativa das maiores firmas no total do mercado, sendo tipicamente calculado a participação das quatro ou oitos maiores. A razão de ter sido calculado das três e não das quatro maiores foi que este praticamente não se alteraria, visto que o quinto fabricante (quando há), no caso específico do mercado de cervejas, é sempre muito menor que todos os demais. O de maior peso proporcional é a Cerpa, que atinge menos de 3% do Mercado 4. 15 Ou seja, dadas duas situações em que ocorra uma elevação semelhante no HHI, o efeito mais danoso da operação, em termos concorrenciais, será naquele mercado que originalmente já era mais concentrado.

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Como se pode ver, em todos os mercados listados na Tabela 6 há problemas bastante sérios

em termos de redução da concorrência, uma vez que em todos eles, a elevação do HHI é

extremamente significativa. Embora a utilização desses índices não seja conclusiva, pois

há outros fatores como as importações, a serem analisadas, é inegável que eles servem

como um indicativo das condições efetivas de competição.

Tradicionalmente, as importações são consideradas um fator inibidor do poder de

monopólio, pois criam um ambiente de maior contestabilidade. A tabela abaixo mostra a

evolução das importações de cervejas no Brasil entre 1993 e 1998. A maior participação

das importações no consumo aparente ocorreu em 1995 e 1996 (Plano Real).

TABELA 7

Importações de Cerveja de Malte – Brasil (1999)

Fonte: Nielsen e Secex . Elaboração SEAE

A baixa participação das importações no mercado brasileiro pode ser explicada: (i) pela

elevada alíquota do imposto de importação (23% em 1999) (ii) pelo alto custo do

transporte do produto; (iii) pela preferência do consumidor brasileiro pela embalagem tipo

retornável; e (iv) por outras preferências relativas às propriedades organolépticas do

produto nacional. Não há evidências de que esses fatores se alterem em curto prazo,

tornando mais fácil a importação de cerveja no futuro. Mesmo a tão defendida redução

tarifária, num cenário macroeconômico de vulnerabilidade externa, não é fácil. Logo, não

é possível considerar as importações como um antídoto ao exercício unilateral do poder de

mercado.

US$ x mil

AnoProdução Doméstica Importação (M)

Consumo Aparente (CA) M/CA %

1993 4.523.844 5.342 4.489.677 0,12%1994 5.671.808 19.279 5.638.959 0,34%1995 8.572.099 87.904 8.618.381 1,02%1996 9.007.542 89.599 9.042.037 0,99%1997 8.821.185 46.781 8.826.648 0,53%1998 8.707.405 10.581 8.691.329 0,12%

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Com respeito à entrada de novos competidores, ela é considerada fácil quando existe uma

alta probabilidade de ocorrer num período igual ou inferior a 2 anos e, também, quando as

escalas mínimas viáveis são inferiores às oportunidades de venda16. Segundo o parecer,

dependendo da complexidade do projeto, o prazo para implantação e desenvolvimento de

um produto é de 10 a 24 meses, sendo que a escala mínima eficiente de 3 milhões de

hectolitros/ano corresponde a um investimento necessário de R$ 180 milhões.

Nesse sentido, o custo de entrada não parece ser elevado. De fato, os insumos necessários à

fabricação da cerveja, tais como o malte, rótulos, rolhas, maltose, latas, garrafas e a

tecnologia de produção são, relativamente, de fácil acesso para os entrantes. Também os

custos irrecuperáveis no âmbito do processo de produção– sunk costs – não aparentam ser

muito altos. Há, entretanto, duas exceções: (i) a fixação da marca; e (ii) a distribuição.

Estes dois aspectos estão, inclusive, interrelacionados.

Conforme o parecer do SEAE (fl.110, p.36), as empresas líderes, no período 1989-96,

gastaram, em média, a seguinte parcela do faturamento líquido anual em publicidade:

Brahma (2,9%), Skol (2,6%), Antarctica (3,3%) e a Kaiser (5,8%). A fixação da marca é

um requisito para a entrada no segmento de níveis mais altos de renda (high-end), mas não

no segmento mais baixo de renda (low-end), no qual a variável chave da concorrência é o

preço (e não a marca).

Ainda que as margens no segmento mais baixo tendam a ser menores, não há, a princípio,

qualquer razão para que a entrada nesse segmento seja economicamente desinteressante. A

fixação da marca não precisa ser considerada, portanto, um requisito e, como tal, um custo

de entrada na indústria de cerveja como um todo. A história comercial da Schincariol é

bastante ilustrativa, com respeito às possibilidades de posicionamento e reposicionamento

das marcas na indústria de cerveja. Nos últimos dez anos, a empresa aumentou sua

participação na indústria de cerveja com a estratégia de posicionamento no mercado low-

end. Nesse período, a marca Schincariol passou de 0,2% para 7,5% da indústria de cerveja.

Consolidada sua participação nesse segmento, a empresa iniciou, em 1999, uma estratégia

de reposicionamento da marca com expressivo esforço em publicidade, em particular na

televisão, e nos horários nobres da emissora de maior audiência (Ato de Concentração

nº83/96).

16 Ver Guia, Op. Cit. item 60.

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As despesas com distribuição17 ocorrem de duas maneiras alternativas: por meio da

montagem de uma rede de distribuição própria (verticalização), como é o caso da Kaiser;

ou acessando redes de distribuidores existentes (terceirização), no caso da Brahma e da

Antarctica. A maior dificuldade para uma estratégia de verticalização é o acesso aos pontos

de venda. Para ambas, o obstáculo principal são os contratos de exclusividade.18

A primeira dificuldade é agravada pela extensão territorial brasileira, já que o consumidor

encontra-se disperso. O consumidor brasileiro mediano prefere cerveja em embalagens

retornáveis (vidro de 600ml) e tem por hábito consumi-la nos locais de venda a frio –

bares, restaurantes, lanchonetes. Atingir esses pontos de venda a frio, que somam

aproximadamente 1 milhão de estabelecimentos dispersos ao longo do país, é um requisito

essencial para esse negócio. Nesse sentido, o acesso a esses pontos de venda pela empresa

entrante talvez seja um serviço mais importante do que a distribuição de cerveja

propriamente dita.

Já a exclusividade de distribuidores, com empresas como a Antarctica e a Brahma, tem

duração média aproximada de 5 anos. Os contratos são exclusivos em pelo menos um

sentido: o de garantir o monopólio da marca para o distribuidor em uma determinada área

(restrição territorial). Entretanto, o efeito desses contratos não pode ser considerado, a

princípio, anticompetitivo. Ao contrário, esses contratos, aparentemente, corrigem falhas

de mercado típicas, permitindo a diluição dos custos fixos do distribuidor19 e eliminado o

problema de free-riding (carona) associado ao esforço de promoção do produto. A tabela

abaixo mostra o alcance ponderado da distribuição de cerveja.

17 Além de gastos com veículos para cobrir o número de pontos de venda e a extensão territorial do país, os custos de distribuição incluem ainda outras despesas tais como sistemas de logística, aluguel de armazéns, de equipamentos para manuseio de carga (como empilhadeiras) etc. 18 A exclusividade proíbe, contratualmente, a prestação de serviço a terceiros. 19Isso ocorre pelas seguintes razões: (i) o investimento mínimo necessário em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, são da ordem de US$ 18 milhões, na forma de armazém, empilhadeiras, caminhões e outros veículos; (ii) a escala mínima de viável seria de 236 mil hl/ano; e (iii) uma redução de 40% no volume distribuído implicaria um aumento de 50% no custo de distribuição por hl.(Ato de Concentração Op.Cit.pg. 37).

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TABELA 8

Canais de Distribuição (em percentual)

EMPRESAS ÁREAS AC NIELSEN1

BRASIL I II III IV V VI VII

COMPANHIA BRAHMA 85 66 91 93 88 94 89 92

ANTARCTICA+BAVÁRIA 76 74 69 73 82 76 85 75

KAISER+HEINEKEN 51 31 45 20 90 73 64 27

SCHINCARIOL 36 31 30 56 27 56 29 32

CINTRA 5 - 6 9 2 17 1 7

BELCO 4 1 1 1 1 16 2 15

CERPA 0 - - 1 1 0 0 1

OUTROS FABRICANTES, NAC. 17 4 20 32 5 18 27 25

OUTROS FABRICANTES, INTER. 1 0 0 1 0 0 4 0

Fonte: Dados Nielsen – Consumo Local Brasil – Distribuição Numérica – AgoSet/1999

1- As áreas AC Nielsen são: I) CE, RN, PB, PE, AL, SE, BA; II) MG, ES, RJ (exceto Grande Rio); III) Grande Rio; IV) Grande São Paulo; V) Interior de São Paulo; VI) PR, SC, RS; VII) MS, GO, DF.

Da tabela 8, conclui-se que as empresas agrupadas apresentam abrangência de distribuição

muito mais elevada do que as demais empresas e que os pequenos fabricantes (Cintra,

Belco e Cerpa) possuem penetração muito reduzida na distribuição de seus produtos para o

mercado.

Aqui, é fundamental ressaltar que com a fusão, a AmBev passou a ter as três maiores redes

de distribuição de cerveja. Ainda segundo o parecer do SDE, as três redes em conjunto,

Antarctica, Brahma e Skol, possuem quase 800 distribuidoras, onde é necessário um

elevado investimento em capital. (SDE. fl 304, p.97)

Diante de todo o exposto, em função da experiência das empresas cervejeiras nacionais, do

investimento necessário para se organizar uma rede de distribuição, bem como da história

recente da entrada de cervejarias estrangeiras no mercado brasileiro, sempre através de

parcerias, constata-se que a ausência de uma eficaz rede de distribuição constitui uma

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enorme dificuldade de novas empresas se estabelecerem no mercado como concorrentes

efetivas.

Enfim, os gastos com publicidade são um obstáculo à entrada apenas no segmento high-

end no mercado de cerveja e a distribuição, via terceirização ou verticalização, pode ser

uma barreira à entrada transponível.20

Por fim, a análise das eficiências. O primeiro dos requisitos é que pelo menos uma de três

condições seja cumprida, a saber: (i) aumentar a produtividade; (ii) melhorar a qualidade

de bens ou serviços; ou (iii) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou

econômico. Sendo suficiente para se considerar atendido o princípio legal, que apenas uma

das três exigências seja cumprida, a análise se fixará na primeira e terceira condições,

tendo por base o que Brahma e a Antarctica apresentaram como eficiências decorrentes da

operação.

A análise das eficiências depende absolutamente das informações prestadas pelas empresas

envolvidas e demais agentes econômicos participantes do mercado em análise. Com efeito,

na maioria das vezes, são as próprias empresas participantes da operação que dispõem da

maioria das informações necessárias à análise do ato. O órgão antitruste, diante dessa

assimetria de informação entre autoridades e agentes econômicos, deve procurar analisar o

grau de confiabilidade destas informações21.

Como se não bastasse isto, o exame antitruste das eficiências é agravado pelo caráter

confidencial das informações. Assim sendo, este trabalho apresenta somente o parecer da

SDE sobre a apreciação das eficiências e a fusão como um todo.

(i) Após analisar todas as eficiências alegadas pelas requerentes, a SDE

concluiu pelo preenchimento do requisito legal esculpido no art. 54, § 1o,

20 Baseado na história comercial recente da Schincariol, o parecer da SEAE diz que nos últimos 10 anos, a empresa aumentou sua participação de mercado com base em uma única planta no interior de São Paulo e com um reduzido investimento em marca. Essa experiência parece sugerir, portanto, que as questões relativas à distribuição, embora se constituam em obstáculo à entrada, não são suficientes para torná-la intransponível. 21 A credibilidade das informações é tão relevante que o artigo 55 da Lei de Defesa da Concorrência estatuiu a possibilidade de revisão da decisão de aprovação tomada pelo CADE, caso esta tenha sido baseada em

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inciso I, da Lei de Defesa da Concorrência. As economias decorrentes da

operação devem ser significativas, apesar de bastante inferiores aos valores

alegados pelas requerentes;

(ii) Contudo, não há nenhum indício de que as eficiências advindas da operação

serão divididas eqüitativamente entre as requerentes e seus consumidores.

Ao contrário, todos os indícios, incluindo a história recente da Brahma,

levam a crer que as eficiências serão, na medida do possível, apropriadas

pelas requerentes. Portanto, não está preenchido o requisito do art. 54, § 1o,

inciso II, da Lei de Defesa da Concorrência;

(iii) Também, conforme o parecer, não foi preenchido o requisito do inciso III

do mesmo dispositivo legal, tendo em vista que a operação reduz

significativamente a concorrência no mercado relevante de cervejas,

eliminando a rivalidade entre as duas maiores concorrentes;

(iv) Finalmente, o parecer considerou inaplicável ao presente caso o § 2o do

artigo 54, uma vez que: a) houve o descumprimento de três incisos do § 1o;

b) há elevada probabilidade de prejuízos ao consumidor e c) a operação não

é necessária por motivo preponderante da economia nacional e do bem

comum.

Diante do exposto, a partir da análise dos pareceres dos SEAE e da SDE, pode-se afirmar

que a dinâmica concorrencial no mercado brasileiro de cervejas é extremamente complexa,

sendo influenciada por inúmeros fatores, dentre os quais merecem destaque: a

diferenciação entre marcas; a capilaridade da rede de distribuição; a diversidade de

estruturas de oferta e demanda de acordo com os canais de consumo; as elevadas barreiras

à entrada; e a irrisória participação das importações. Todos esses fatores são indissociáveis,

devendo ser examinados em conjunto para que se possa compreender corretamente o

funcionamento do mercado, bem como verificar o impacto da presente operação.

informações falsas. Para uma discussão a respeito das dificuldades metodológicas e fontes de dados inconsistentes ver Comin (1996,p.65).

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Esses pareceres concluíram que: (i) nos mercados relevantes de chás, sucos, isotônicos,

águas e refrigerantes, a operação deve ser aprovada, sem restrições; (ii) no mercado

relevante de cerveja, no entender desses órgãos, a operação não atende aos requisitos legais

do artigo 54 da Lei nº 8.884/94, não devendo ser aprovada da forma como foi apresentada.

Assim sendo, passa-se a examinar qual seriam as medidas necessárias para adequar a

operação aos parâmetros desejáveis, através do julgamento do órgão regulador (CADE).

4.2 O POSICIONAMENTO DO CADE

Uma das questões mais difíceis na análise antitruste é identificar o remédio suficiente à

adequação da operação aos parâmetros legais. Nesse sentido, é fundamental que a decisão

seja bastante ponderada, evitando excessos em duas direções: de um lado, a intervenção

demasiada, que extrapolaria as medidas necessárias à eliminação do dano; de outro, a

intervenção tímida que acabaria por piorar o problema sem solucioná-lo.

A fusão entre a Brahma e a Antarctica, duas importantes concorrentes no mercado

brasileiro de bebidas, gerou polêmicas dentro e fora do sistema de defesa da concorrência e

mobilizou a opinião pública em geral. De um lado, uns defendiam a fusão alegando que

somente empresas suficientemente grandes estariam em condições de competir numa

economia globalizada, de sorte que ela deveria ser aprovada de forma integral. De outro,

opositores do ato argumentavam que a participação de mercado da nova empresa seria

danosa à livre concorrência, de tal maneira que a concentração não deveria ser aprovada.

A decisão do CADE surpreendeu a todos, sobretudo por sua decisão ter ignorado dois

pareceres anteriores com restrições duras à fusão entre a Brahma e a Antarctica, optando

por uma decisão mais branda22, como exposta a seguir. O CADE exigiu a viabilização da

entrada de uma nova empresa, no prazo de 8 (oito) meses a contar da data da assinatura do

22A decisão do Cade não seguiu os pareceres técnicos emitidos por órgãos do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda. Para evitar o monopólio, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) recomendou a venda de uma das três principais cervejarias controladas pela AmBev (Brahma, Antarctica ou Skol). A Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) também sugeriu a venda da marca Skol. Ambos pareceres contemplam somente o mercado de cerveja, por entenderem que nesse mercado existe grande probabilidade de atuação de uma posição dominante no mercado relevante.

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termo de compromisso de desempenho entre a AMBEV e o CADE. Para tal, o órgão

determinou:

(a) alienação da marca Bavária23, bem como a transferência dos contratos de

fornecimento e distribuição relacionados a esta marca.

(b) Alienação de 1 (uma) unidade fabril para a produção de cerveja, localizada em cada

um dos mercados relevantes geográficos, a saber: 1 (uma) fábrica na Região Sul,

localizada em Getúlio Vargas-RS, com capacidade instalada de 607 mil hl, de

propriedade da Antarctica; 1 (uma) fábrica na Região Sudeste, em Ribeirão Preto-

SP, com capacidade instalada de 2.400 mil hl, sendo 500 mil hl de chop e 1900 mil

hl de cerveja, de propriedade da Antarctica,; 1 (uma) fábrica na Região Centro

Oeste, localizada em Cuiabá-MT, com capacidade de 700 mil hl, de propriedade da

Brahma; 1 (uma) fábrica na Região Nordeste, localizada em Camaçari-BA, com

capacidade instalada de 2.900 mil hl, de propriedade da Brahma; e 1 (uma) fábrica

na Região Norte, localizada em Manaus-AM, com capacidade instalada de 487 mil

hl, de propriedade da Brahma;

(c) Compartilhamento da rede de distribuição da AmBev com o comprador, em todas

as regiões do País, durante o prazo de 4 (quatro) anos, prorrogável por mais 2 (dois)

anos, devendo: i) disponibilizar rede de distribuidores, de forma a assegurar

plenamente a distribuição da(s) marca(s) de cerveja do comprador, em quaisquer

pontos de venda no território nacional onde a AMBEV estiver presente; ii)

disciplinar, em contrato específico firmado entre a AMBEV e comprador, a

distribuição compartilhada dos produtos da AMBEV e do comprador, assegurando-

se igualdade de condições na distribuição dos produtos, igualdade nos custos de

distribuição incorridos pela AMBEV e pelo comprador, e a mais ampla distribuição

dos produtos do comprador referentes ao mercado de cervejas; iii) dispensar o

comprador, expressamente, do pagamento da comissão de distribuição à AMBEV,

nos primeiros 4 (quatro) anos;

23 Segundo alguns analistas de mercado, considerar a marca Bavária como significativa não seria adequado. Ela seria uma marca decadente, devido a sua participação no mercado, que já chegou a 7% em 1997, ter caído para 4,2% em 1999, de acordo com a AC Nielsen (Nassif, 2000, p.3).

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(d) O atendimento das medidas previstas nos itens (a), (b), e (c) acima, que viabiliza a

entrada de uma nova empresa em escala nacional, deverá ser feito por empresa

independente, que tenha condições tanto de manter o negócio em funcionamento,

como também potencial para competir em igualdade de condições, no mercado

nacional, até o término do prazo de compartilhamento da distribuição, não podendo

esta empresa independente deter mais de 5% de participação do mercado brasileiro

de cerveja;

(e) Deverá a AMBEV comprometer-se a manter o nível de emprego, sendo que as

dispensas associadas à reestruturação empresarial devem vir acompanhadas de

programas de recolocação e re-treinamento, os quais deverão ser supervisionados

pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no âmbito de convênio com o CADE.

Ou seja, na tentativa de criar uma jurisprudência, o CADE optou pela aprovação

condicional. Em troca da autorização da fusão, o órgão antitruste ordenou a venda da

marca Bavária e cinco fábricas espalhadas pelo país para um único comprador. Além disso,

a companhia será obrigada a distribuir os produtos da nova concorrente por quatro anos. O

CADE determinou ainda que o potencial comprador não poderá deter mais de 5% da

participação do mercado atual. Essa decisão exclui a Kaiser e a Schincariol, com markets-

shares respectivamente de 15% e 8%, dos possíveis compradores24, e abriu uma

oportunidade para marcas como Cintra, Belco e Malta, pouco conhecidas no mercado

nacional, apesar de se fazerem presentes.

Dessa forma, o CADE entendeu que estes elementos seriam suficientes para garantir a

sobrevivência e a expansão de um novo concorrente. A solução adotada acabaria com a

dificuldade que uma nova empresa teria com os investimentos na marca e na distribuição,

tendo até a possibilidade de chegar a 20% de participação no setor. No entender do CADE,

a existência de quatro companhias, com capacidade de competir no mercado, garantiria a

eficiência do mesmo.

24 Dinheiro, 2000, p. 74.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As idéias expostas nesta monografia procuraram delinear um quadro de referência teórico e

aplicado para a análise de um processo de fusão por parte de órgãos que tenham por

objetivo defender a concorrência.

A criação de um ambiente concorrencial é essencial para melhoria da competitividade

industrial, como destaca Porter (1993). No entanto, a ação de órgãos em busca desse

ambiente, não pode ter por base concepções antigas e superadas sobre o que venha ser

concorrência, que há muito deixou de ser sinônimo de atomismo. As definições de

mercado relevante e a condição de entrada são essenciais para que a análise do grau de

competição seja feita adequadamente. É igualmente importante adequar a legislação e a

prática da defesa da concorrência de maneira contínua, dando maior destaque na

contestabilidade dos mercados, reduzindo a ênfase no grau de concentração.

A política de defesa da concorrência, sobretudo na análise de atos de concentração

horizontais, deve julgar tais atos a partir de parâmetros bem definidos, a fim de poder

contribuir no processo de reestruturação produtiva, conduzindo as etapas finais desse

processo.

É importante ressaltar que apesar da aplicação da lei antitruste, possuir um caráter

predominantemente defensivo, existem várias possibilidades de políticas que podem visar

tanto à conformação de ambientes competitivos como também ao fortalecimento da

competitividade, no sentido de capacidade para concorrer, das empresas. Ambiente e

agentes são necessários para haver, de fato, a concorrência cujos efeitos são

reconhecidamente positivos no ponto de vista do interesse social.

No caso norte-americano, a legislação pertinente tem sido complementada por Guidelines

estabelecidas sucessivamente pela agência competente (FTC), buscando consolidar a

percepção corrente da questão. Na situação brasileira, o processo de abertura econômica

evidencia que na maior concentração pode, não necessariamente, implicar em práticas

anticompetitivas, uma vez que o mercado ganha contornos de contestabilidade. Nesse caso

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o processo de concentração torno-se indispensável para a própria sobrevivência da

indústria local.

No caso específico da AmBev, observou-se alguns resultados interessantes. Na análise do

mercado relevante de produto, constatou-se que o mercado relevante de cerveja é

profundamente afetado pela fusão, pois a nova empresa deterá mais de 70% do mercado

nacional. A dinâmica concorrencial é muitíssimo afetada pelos canais de distribuição,

tendo em vista a dificuldade de organizar uma rede de distribuição capilar num território de

proporções continentais. Também se constatou que a relação entre distribuidores e

fabricantes é assimétrica, marcada por um controle externo por parte dos fabricantes, via

contratos de exclusividade, aumentando assim as barreiras à entrada.

Diante de todo exposto existe evidência de uma alta probabilidade de que ocorra abuso do

poder de mercado, tendo em vista a união, sob um único comando, das três maiores marcas

do mercado e das três maiores redes de distribuição de cerveja.

Como visto na monografia, a decisão do CADE, no julgamento no caso AmBev, foi

condicional. O órgão optou por impor salvaguardas que buscassem reduzir barreiras à

entrada da concorrência, atenuar o desemprego, estimular as eficiências e minimizar

eventuais perdas para os consumidores. Apesar do CADE ter demonstrado estar apoiado

em sólido aparato institucional, no que se refere a simplicidade e rapidez no processo,

prevaleceu na decisão política.

Nesse sentido, a atuação do sistema de defesa da concorrência é decisiva. Ela é um

instrumento de ação governamental que interfere diretamente em decisões cruciais de

investimentos, e sua atuação pautará o processo de reestruturação da indústria brasileira,

tendo assim, a responsabilidade de conduzir as etapas finais deste processo. É uma grande

responsabilidade. Portanto, é inadiável um debate amplo sobre critérios objetivos para

atuação dos órgãos de defesa da concorrência.

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