Hemocromatose 1

18

Click here to load reader

Transcript of Hemocromatose 1

Page 1: Hemocromatose 1

António Pacheco

Projecto Tutorial

Hemocromatose Hereditária

1º Ano da Licenciatura em Bioquímica

2005/2006

Page 2: Hemocromatose 1

Índice

Introdução .............................................................................................................................. 1

Hemocromatose Hereditária .................................................................................................. 2

Metabolismo do Ferro ............................................................................................................ 4

Toxicidade do Ferro ............................................................................................................... 7

Falhas no Metabolismo do Ferro ........................................................................................ 8

Hemocromatose neonatal .............................................................................................. 8

Hemocromatose tipo 1 ................................................................................................... 9

Hemocromatose tipo 2 ................................................................................................. 10

Hemocromatose tipo 3 ................................................................................................. 12

Hemocromatose tipo 4 ................................................................................................. 12

Conclusão/ Discussão ......................................................................................................... 14

Referências bibliográficas .................................................................................................... 15

Page 3: Hemocromatose 1

1

Introdução

Este trabalho foi realizado no âmbito do curso de Bioquímica, 1º ano, no Instituto Superior

de Ciências da Saúde do Norte, sob a orientação do Prof. Doutora Elsa Cardoso. Tem como

tema, a Hemocromatose Hereditária.

Este é um tema que na minha opinião é interessante de ser estudado, quer pessoalmente,

quer como estudante de bioquímica que sou. E digo pessoalmente porque a doença implica,

por parte de todos aqueles que se dedicam ao seu estudo, uma grande disponibilidade para

a investigação e no meu caso especifico tive a oportunidade de aprofundar ainda mais as

minhas capacidades neste ramo. E enquanto estudante de Bioquímica, porque a minha

compreensão da hemocromatose hereditária e do metabolismo do ferro humano em geral,

ficou muito mais completa e despertou-me o interesse para futuras investigações ligadas a

esta área.

Neste trabalho pretendo, então, fundamentar o que é a hemocromatose hereditária e os

seus vários tipos existentes.

Neste sentido estruturei o meu trabalho essencialmente em três partes: começo por fazer

uma breve introdução à hemocromatose hereditária, onde apresento as principais

características da doença; depois procedo à descrição do metabolismo do ferro numa

perspectiva global e, por último vou fazer a análise de cada tipo de hemocromatose

separadamente.

Um aspecto que acho que devo focar tem a ver com a dificuldade que tive em encontrar

bibliografia diversificada sobre a doença.

Feita a referência a esta barreira, optei por me basear em alguns artigos de revisão que

abordavam o tema em questão.

Perante o exposto, apenas posso dizer que este foi um trabalho de grande interesse para a

minha experiência pessoal e de conhecimento alcançado nesta área.

Page 4: Hemocromatose 1

2

Hemocromatose Hereditária

O termo hemocromatose, do grego "haima" (sangue) e "chromatos" (cor), foi criado em 1889

por Von Recklinghausen, para designar o depósito de ferro em células do parênquima de

vários órgãos, principalmente o fígado, causando lesão celular e prejuízo funcional.

A Hemocromatose Hereditária (HH) é uma doença autossómica recessiva, afecta o

metabolismo do ferro, tendo como resultado, o excesso de absorção de ferro pelas células

que revestem o tracto gastrointestinal. O excesso de ferro absorvido pode levar a uma

acumulação de ferro em tecidos e órgãos (fígado, coração, pâncreas, glândula pituitária) e

consequente disfunção e insuficiência desses órgãos. Deste modo, a doença pode causar

complicações sérias como cirrose, hepatomas, diabetes, cardiomiopatia, artrite e

hipogonadismo gonadotrófico.

A Hemocromatose hereditária é uma doença com vários graus de severidade, enquanto

resultado da desordem e sobrecarga de ferro no organismo, em que pode resultar mutações

em vários genes, originando assim vários tipos de Hemocromatose Hereditária (Tabela 1).

Page 5: Hemocromatose 1

3

Tabela 1: Avaliação comparativa das desordens classificadas como Hemocromatose Hereditária.

Designação Hemocromatose

Neonatal Hemocromatose

Tipo 1 Hemocromatose Tipo 2 Hemocromatose

Tipo 3 Hemocromatose

Tipo 4

Gene (s) afectado (s) ? HFE HFE2 HAMP TfR2 SLC40A1

Proteína Afectada ? HFE Hemojubilina Hepcidina TfR2 Ferroportina

Localização cromossómica ? 6p21.3 1q21 19q13.1 7q22 2q32

Função ?

Interage com o receptor

transferrina 1, provavelmente

facilita a captação de ferro;

possivelmente envolvido na

modelação da hepcídina

Desconhecida; possivelmente na

modelação da hepcídina

Baixa regulação de ferro através de enterócitos e

macrófagos.

Possível captação de ferro por hepatócitos.

Exportação de ferro dos enterócitos, macrófagos ou

hepatócitos.

Padrão de Hereditariedade ? Autossómica

recessiva Autossómica

recessiva Autossómica

recessiva Autossómica

recessiva Autossómica dominante

Page 6: Hemocromatose 1

4

Metabolismo do Ferro

Ferro é um elemento paradoxal, indispensável a todas as formas de vida, essencialmente

para assegurar o transporte de oxigénio e catalisar reacções de transferência de electrões,

de fixação de nitrogénio ou de síntese ADN, mas também tóxico, por causa de sua

capacidade para reagir com o oxigénio.

Os organismos vivos desenvolveram um grande número de proteínas que permitem

transportar o ferro dentro de fluidos biológicos ou através das membranas celulares, pelo

que, se encontra facilmente em reserva sob uma forma não tóxica. Ao contrário da ferritina,

uma proteína de armazenamento do ferro muito conservada, os sistemas de aquisição de

ferro evoluiu consideravelmente entre as espécies (Nelson, 1999).

O ferro ingerido através dos alimentos geralmente está no estado ferroso (Fe+2). Em

contacto com o ácido gástrico no estômago, ele é rapidamente oxidado, passando para o

estado férrico (Fe+3). Neste último estado, ele é mantido insolúvel pela acidez e por agentes

como, o ascorbato, para depois ser absorvido pelas células da mucosa intestinal na região

do duodeno e na região proximal do jejuno. Esse ferro absorvido é acoplado à transferrina

na circulação sanguínea e transportado para outras células do corpo. Quando a produção

de ácido gástrico é quebrada, parte do ferro pode não passar para o seu estado férrico e

consequentemente a absorção do ferro será reduzida. Além disso, o ferro, no seu estado

ferroso (Fe+2), é altamente tóxico devido à produção de radicais livres ao reagir com outras

substâncias.

A aquisição e o controlo de ferro no organismo é realizado nos enterócitos do (Figura 1).

O enterócito maduro da vilosidade do duodeno, absorve o ferro da comida e assegura a

transferência para o citoplasma. A ferri-redutase (Dcytb), uma membrana redutora, reduz o

Fe (III) em Fe (II) (Mckie et al, 2001), o ferro depois de reduzido, é transportado através da

membrana plasmática por Nramp2/DMT1 (Gunshin et al, 1997; Canonne-Hergaux et al,

1999; Fleming et al, 1997). Posteriormente, na parte basal do enterócito, o ferro é exportado

pela ferroportina para o plasma. Aqui, o ferro é novamente oxidado pela hefastina (Vulpe et

al, 1999) e ligando-se à transferrina plasmática (Apo Tf), que o transporta pela circulação

sanguínea até às demais células do corpo.

Page 7: Hemocromatose 1

5

O organismo de um ser humano adulto contém aproximadamente 4g de ferro do qual mais

de metade está associado à hemoglobina dos eritrócitos circulantes. A fagocitose dos

glóbulos vermelhos pelos macrófagos assegura uma reciclagem eficiente dos átomos de

ferro para o plasma (Knutson e Wessling-Resnick, 2003): assim, são aproximadamente

25mg de ferro diariamente. Este mecanismo atinge principalmente os macrófagos do baço e

da medula óssea e do fígado. Após o catabolismo do grupo heme, assegurado pela heme-

oxigenase, o ferro livre pode ser incorporado pela molécula de ferritina ou pode ser reciclado

para o protoplasma. Os mecanismos de reciclagem são pouco conhecidos, mas a proteína

ferroportina/IREG1/MTP1, uma proteína transmembranar, exporta o Fe (II), que tem um

papel importante neste processo (McKie et al, 2000; Abboud e Haile, 2000; Donovan et al

2000; Montosi et al, 2001; Devalia et al, 2002). O ferro ferroso é então oxidado pela

céruloplasmina (Harris et al, 1999) e fixado pela transferrina.

É provável que a ceruloplasmina esteja igualmente implicada nas trocas de ferro entre

vários tecidos.

Figura 1: Esquema de como funciona a aquisição e a reciclagem do ferro no organismo

(principalmente no baço e no fígado). [Figura adaptada de Beaumont, 2004].

Durante a migração ao longo das vilosidades do duodeno, as células da cripta diferenciam-

se e expressam as proteínas de transporte e de transferência de ferro, para um nível

Apo Tf Fe (III)

Fe (II)

Fe (III)

Ferroportina

Ferroportina

Hefastina

Fe (II)

Ferritína

Fe (III) – Tf

Glóbulos Vermelhos

Heme Oxigenase

Fe (II)

Heme Oxigenasse

Ceruloplasmina

Fe (II)

Fe (III) Apo – Tf Fe (III) – Tf

Enterócito

Macrófago

Medula

Óssea

Tracto Intestinal

Nramp2/DMT1

Dcytb

Page 8: Hemocromatose 1

6

variável de acordo com as necessidades assentes de ferro do organismo. Esta programação

depende de sinais, emitidos pelo organismo, cuja natureza molecular é ainda imprecisa.

A molécula de HFE interage com o receptor da transferrina e controla a quantidade de ferro.

Quando a proteína sofre uma mutação, como é no caso da hemocromatose, o duodeno

recebe um sinal de deficiência de ferro pelo que continua a manter elevada a absorção

deste metal. Um outro modelo propõe que, na ausência de HFE funcional, a normal

activação da síntese de hepcidina (no intestino) depois do aumento das reservas de ferro

não aconteça, originando o desenvolvimento de uma sobrecarga. A hormona sintetizada

pelo fígado que é segregada para o plasma e que regula a absorção do ferro.

Figura 2: Esquema simplificado do ciclo de ferro normal no corpo humano.

Aproximadamente 1 a 2 mg de ferro são absorvidos e perdidos pelo corpo diariamente. A

sua perda dá-se pela pele e pelas próprias células da mucosa do tracto gastrointestinal.

Como já referi acima, o corpo do homem adulto normal, o ferro total presente é da ordem de

4 g, sendo que aproximadamente 3 mg circulam pelo plasma acoplado à transferrina.

Consequentemente, uma pequena fracção desse ferro é utilizada pelo organismo, sendo

esse quantitativamente mais importante para o organismo que aquele absorvido pelo tracto

gastrointestinal (Cardoso, 2000).

Page 9: Hemocromatose 1

7

A transferrina plasmática é uma glicoproteína que tem domínios com N e C terminais, aos

quais o ferro é ligado. Em condições normais, um terço desses domínios é preenchido com

Fe+3. Aproximadamente 80% do ferro ligado à transferrina em circulação é transportado para

a medula óssea. O ferro hapático está presente nas células reticuloendoteliais e nos

hepatócitos. As células reticuloendoteliais adquirem ferro pela fagocitose e destruição das

hemácias ou glóbulos vermelhos. Estas células extraem o ferro da hemoglobina, e este

retorna para a circulação através da transferrina.

A produção de hemácias envolve o funcionamento coordenado dos rins e da medula óssea.

Nos primeiros são produzidos eritropoietina por hipóxia (baixo nível de oxigénio). Essa

hormona circula através da corrente sanguínea e na medula óssea, activa a produção de

hemácias.

Toxicidade do Ferro

Quando o ferro que circula pelo corpo se apresenta em sobrecarga, a transferrina, seu

principal veículo de transporte está saturada, ou seja, todos os sítios de ligação são

preenchidos com ferro. Neste caso, o excesso desse metal é transportado pela albumina,

citracto, aminoácidos e açúcar, que estabelecem ligações fracas com o ferro. Esses átomos

de ferro não ligados à transferrina são depositados nos tecidos não hematopoéticos,

particularmente o fígado, os órgãos endócrinos e, preferencialmente, o coração. É nessa

fase de saturação que o ferro passa a ficar tóxico para o organismo (Fosburg e Nathan,

1990).

O ferro tem um papel importante na reacção química que envolve o deslocamento de

electrões entre moléculas. Esse processo ocorre pela produção de energia gerada através

da oxidação controlada de hidratos de carbono, proteínas e lípidos. Daí a importância da

troca do metal ser bem regulada no organismo.

A capacidade de armazenamento do ferro na molécula de ferritina aumenta em pacientes

que recebem múltiplas transfusões de sangue, como os que sofrem de anemia crónica.

Nesse caso, o ferro livre não ligado à ferritina é acumulado nos tecidos e no sangue e o livre

pode catalizar a formação de compostos que são prejudiciais ao organismo, como a

formação do radical hidróxido (•OH), a partir de compostos como o peróxido de hidrogénio.

O radical hidróxido é altamente reactivo e ataca lípidos, proteínas e DNA (Imlay et al, 1988).

Page 10: Hemocromatose 1

8

A reacção inicial com cada uma destas moléculas é a formação de peróxidos que podem

interagir com outras moléculas.

Quando o fígado está sobrecarregado de ferro, os hepatócitos (células do fígado que mais

armazenam ferro) são bombardeados por uma espécie de oxigénio reactivo, que os leva à

morte. O seu espaço é preenchido por fibroblastos que produzem colagénio, originando

fibrose e, eventualmente, cirrose. Dessa mesma forma, as células cardíacas também são

destruídas pela sobrecarga de ferro, levando a graves anomalias no funcionamento do

coração, como as arritmias.

Falhas no Metabolismo do Ferro

São descritas mudanças genéticas em diferentes tipos de hemocromatose como:

• Hemocromatose neonatal;

• Hemocromatose tipo 1;

• Hemocromatose tipo 2;

• Hemocromatose tipo 3;

• Hemocromatose tipo 4.

Hemocromatose neonatal

A hemocromatose neonatal é um distúrbio hereditário no armazenamento de ferro que

começa antes do nascimento. Como os outros tipos de hemocromatose, o ferro em excesso

é depositado no fígado, pâncreas, coração, glândulas endócrinas, e outros tecidos.

Hemocromatose neonatal progride rapidamente e é caracterizado pelo dano do fígado, que

é aparente ao nascimento ou no primeiro dia de vida.

Bebés com hemocromatose neonatal são frequentemente nados-mortos, prematuros, ou

com menor peso que outros bebés de termo. A doença do fígado é geralmente aparente ao

nascimento, até mesmo em crianças premaduras. Outros sintomas incluem baixo nível de

Page 11: Hemocromatose 1

9

açúcar no sangue e acumulação de fluído (ascites) no abdómen. É de salientar ainda não foi

descoberto o gene responsável por este tipo de hemocromatose.

Hemocromatose tipo 1

A hemocromatose tipo 1 é um dos distúrbios genéticos mais comuns e afecta

frequentemente Caucasianos. È a forma mais comum de hemocromatose.

Normalmente os sintomas da hemocromatose tipo 1, normalmente, começam nos anos

quarenta nos homens e depois de menopausa nas mulheres. Muitos pacientes não

apresentam qualquer sinal ou sintomas (assintomático) no início da doença. Os primeiros

sintomas podem incluir fadiga, dor abdominal e impotência. Sintomas posteriores incluem

artrite, doença do fígado, diabetes, anomalias no coração e pigmentação da pele (tonalidade

bronzeada).

O gene que está mutado na hemocromatose tipo 1 é o HFE, embora a sua função normal

não esteja ainda completamente entendida. O gene HFE está localizado no braço curto (p)

do cromossoma 6 na posição 21.3 (6p21.3). O produz uma proteína (HFE) que interage com

outras proteínas na célula, ajudando a controlar a quantidade de ferro que é absorvido pela

alimentação. Uma mutação produz uma proteína da HFE anormal que não pode interagir

correctamente com proteínas da superfície da célula, nomeadamente com o receptor de

transferrina. Assim, perde-se o controle da absorção férrea, originando um excesso de

depósitos de ferro, que podem levar à hemocromatose (Feder et al, 1996).

No gene HFE, foram descritas várias mutações, embora na maioria dos casos de

hemocromatose sejam apenas duas mutações responsáveis pela perda da função da

proteína e sobrecarga de ferro nesta doença. Estas duas mutações comuns causam uma

substituição incorrecta de um aminoácido (o material de construção de proteínas) que faz

com que a proteína da HFE não funcione de um modo normal. A mutação mais comum

substitui uma cisteína por uma tirosína na posição 282 na cadeia polipeptídica (C282Y ou

Cys282Tyr), outra substitui uma histidína por aspartato na posição 63 (H63D ou His63Asp),

como o representado na Figura 3. No caso da mutação C282Y, a proteína alterada não é

enviada para a superfície da célula (Feder et al, 1996). Foi sugerido que a proteína alterada

envie falsos sinais que o corpo tem baixos níveis de ferro, resultando numa absorção férrea

anormalmente aumentada que conduz a hemocromatose.

Page 12: Hemocromatose 1

10

Figura 3: Representação da proteína HFE com as respectivas posições das mutações.

Este tipo de hemocromatose é herdada num padrão autossómico recessivo, ou seja,

significa que as duas cópias do gene em cada célula estão alteradas. Frequentemente, os

pais de um indivíduo com um distúrbio recessivo autossómico são transportadores de uma

cópia do gene alterado mas não evidência sintomas do distúrbio.

Hemocromatose tipo 2

A hemocromatose tipo 2 e causada por mutação no gene HAMP ou HFE2.

O gene HAMP e HFE2 parecem ter um papel regulador na absorção do ferro durante

digestão. Quando estes genes são alterados, absorção deste metal não é controlada

correctamente e é absorvido muito ferro. O ferro em excesso é armazenado nos órgãos e

tecidos que podem conduzir à lesão de órgão

O gene de HAMP (do inglês "peptide antimicrobial hepcidina") instrui células para produzir

uma pequena proteína chamada hepcidina, que foi identificada originalmente como tendo

propriedades antimicrobianas. Os investigadores descobriram recentemente que a hepcidina

tem um papel na hemeostase do ferro, ou seja, mantém os níveis de ferro nos seres

Membrana Plasmática

HOOC

Cys282 Tyr

α1 α2

α3

Região

Extracelular

Citoplasma

HOOC

His63 Asp Cadeia Pesada α

β2 - Microglobulina NH2 NH2

Page 13: Hemocromatose 1

11

humanos. Acredita-se actualmente que em situações normais, a hepcidina no sangue iniba

a absorção do ferro pelo intestino delgado em resposta ao elevado armazenamento de ferro

no corpo. Os investigadores propuseram que a produção da hepcidina no fígado aumenta

quando as células do fígado estão sobrecarregadas de ferro. Desta maneira, o

armazenamento de ferro é detectado e a absorção do ferro é ajustado para reflectir as

necessidades do corpo da pessoa.

A hemocromatose tipo 2, causada por mutações no gene HAMP, pode resultar numa

proteína não funcional da hepcidina. O gene HAMP está localizado no braço longo (q) do

cromossoma 19 na posição 13.1 (13q13.1). Os indivíduos que herdam mutações no gene

HAMP são afectados por um tipo severo de hemocromatose juvenil. Os sintomas deste tipo

do hemocromatose são exibidos mais cedo do que sintomas do tipo mais comum

hemocromatose (tipo 1). As pessoas com mutações HAMP são incapazes de inibir a

absorção do ferro e tornam-se assim sobrecarregadas de ferro no corpo, que pode conduzir

aos danos do órgão.

O gene de HFE2 codifica para uma proteína chamada hemojuvelina. O gene HFE2 está

localizado no braço longo (q) do cromossoma 1 na posição 21 (1q21). Esta proteína é

sintetizada no fígado, coração, e músculos usados para movimento (músculos esqueléticos).

Investigadores descobriram recentemente que a hemojuvelina mantém o equilíbrio do ferro

no corpo. Embora sua função exacta permanece obscura, a hemojuvelina parece regular os

níveis da hepcidina. Hepcidina como referi anteriormente, também tem um papel

fundamental que é manter os níveis de ferro no corpo.

Foram identificadas mais de 20 mutações HFE2 que podem causar o tipo 2 da

hemocromatose. A maioria destas mutações indica um único aminoácido na hemojuvelina. A

mais frequente é a substituída de uma glicínia por uma valina na posição 320 na cadeia da

proteína de aminoácidos (Gly320Val). Uma mudança nos aminoácidos pode alterar

propriedades da hemojuvelina, tal como a interacção com outras proteínas. Por outro lado,

as mutações no gene HFE2 produzem uma proteína alterada da hemojuvelina que deixa de

funcionar correctamente. Como consequência, os níveis de hepcidina da proteína são

reduzidos e os equilíbrios do ferro são perturbados. Muito ferro é absorvido durante a

digestão, conduz para que ferro sobrecarregue e danifique a tecidos e órgãos no corpo.

Page 14: Hemocromatose 1

12

Hemocromatose tipo 3

Uma mutação no gene TfR2 causa a hemocromatose tipo 3. A proteína produzida pelo gene

TfR2 (receptora de transferrina 2) a sua função no metabolismo do ferro é alvo de

investigação científica (Camaschella et al, 2000). O gene TfR2 está localizado no braço

longo (q) do cromossoma 7 na posição 22 (7q22) (Kawabata et al, 1999). Estudos sugerem

que esta proteína transporta transferrina em células do fígado e contribui para detectar os

níveis de armazenamento do ferro no corpo. Existem duas formas de TFR2: uma proteína

na superfície da célula (alfa) e uma proteína a permanecer dentro da acumulação (beta). A

versão de alfa da proteína TFR2 é encontrada principalmente no fígado e nos glóbulos

vermelhos. Encontra-se também no baço, no pulmão, no músculo, e nos tecidos da próstata.

A forma beta é produzida em baixos níveis em todos os tecidos.

Na Hemocromatose tipo 3, foram identificadas diversas mutações diferentes no gene TfR2,

que podem afectar a produção da forma alfa ou beta, ou ambos. Às vezes as proteínas

estão completamente ausentes; noutros exemplos, as proteínas anormais que são

incapazes de funcionar correctamente são produzidas. Porque as mutações neste gene

conduzem para sobrecarga de ferro e os problemas de saúde associados com ela, é

provável que esta proteína tenha um papel na absorção do ferro no fígado e possivelmente

em alguns outros tipos da célula.

Hemocromatose tipo 4

A hemocromatose tipo 4 é clinicamente semelhante aos outros tipos de hemocromatose,

nomeadamente a presença de excesso de ferro nos tecidos do corpo e órgãos,

particularmente no fígado. A Hemocromatose tipo 4 é caracterizada por um padrão de

hereditariedade dominante, significa que, o distúrbio é encontrado em cada geração de uma

família. Um critério que distingue a hemocromatose tipo 4 é a acumulação prematura do

ferro em células especializadas, chamadas células de reticuloendoteliais (macrófagos)

dentro do fígado, baço, e medula óssea. O distúrbio é considerado raro, mas foi descrito em

vários grupos étnicos diferentes.

O gene característico deste tipo de hemocromatose é o SLC40A1. O gene SLC40A1 está

localizado no braço longo (q) do cromossoma 2 na posição 32 (2q32). Este gene produz

uma proteína chamada o ferroportina 1. Esta proteína tem um papel essencial no

regulamento do ferro no corpo. A ferroportina 1 é a proteína que transporta o ferro para a

Page 15: Hemocromatose 1

13

circulação sanguínea depois de ter sido absorvido no intestino. Na circulação, o ferro liga-se

a um outro transporte, a proteína chamada transferrina que o carregará até aos tecidos e

órgãos do corpo. A ferroportina 1 transporta também o ferro para fora das células

especializadas chamadas células reticuloendoteliais (macrófagos) que se encontram no

fígado, no baço, e na medula óssea. O equilíbrio do ferro no corpo é regulado pela

quantidade de ferro armazenado e libertado destas células.

Page 16: Hemocromatose 1

14

Conclusão/ Discussão

A Hemocromatose hereditária foi considerada como uma desordem monogenética que se

caracteriza pelo excesso de ferro depositado nos tecidos que inevitavelmente causam o

dano do órgão. Esta visão foi quebrada por uma identificação fenotípica semelhante,

associada a mutações em pelo menos cinco genes diferentes. No entanto ainda estão por

descobrir genes que descontrolam o metabolismo normal do ferro.

A natureza poligenética da hemocromatose hereditária tem sido exagerada pelas

nomenclaturas e classificações actuais. A divisão da doença em subtipos fundados

exclusivamente em critérios genéticos pode estar a substituir situações clínicas, uma vez

que esta aproximação obscura pode estar a unificar características clínicas e

patofisiologicas que definem a hemocromatose hereditária.

Estas características envolvem um acumulo progressivo no compartimento do ferro do

plasma, que aparentemente é causado pela libertação de ferro imprópria por enterócitos e

macrófagos; os depósitos progressivos do ferro parênquimal são um severo potencial para o

dano do órgão. As mutações subjacentes são largamente responsáveis por variações neste

tema, e alguns fenótipos são mais apropriados que outros, devido à influência de vários

factores.

Assim sendo, apesar da hemocromatose hereditária estar dividida em vario tipos, a

hemocromatose tipo 1 é a mais estudada, ficando todos os outros tipos de hemocromatose

um pouco esquecidos, apesar do conhecimento acerca desta doença estar a evoluir ao

longo tempo.

Page 17: Hemocromatose 1

15

Referências bibliográficas

Abboud S, Haile D.J., (2000). A novel mammalian iron-regulated protein involved in

intracellular iron metabolism. J Biol Chem; 275: 19906-19912.

Beaumont, C., (2004). Mécanismes moléculaires de l’heméostasie du fer. Medicine/

Sciences, 20: 68-72.

Camaschella, C., Roetto, A., Cali, A., et al, (2000). The gene TFR2 is mutated in new type of

haemochromatosis mapping to 7q22. Nat. Genet; 25: 14-15.

Canonne-Hergaux F., Gruenheid S., Ponka P., et al, (1999). Cellular and subcellular

localization of the Nramp2 iron transporter in the intestinal brush border and regulation by

dietary iron. Blood; 93: 4406-4417.

Cardoso, Elsa, (2000). Lymphocytes in the liver and hepatic iron toxicity: Human and animal

models of iron overload. ICBAS; pp: 10-11 [dissertation].

Devalia V, Carter K, Walker AP, et al, (2002). Autosomal dominant reticuloendothelial iron

overload associated with a 3-base pair deletion in the ferroportin 1 gene (SLC11A3). Blood;

100: 695-697.

Donovan A, Brownlie A, Zhou Y, et al, (2000). Positional cloning of zebrafish ferroportin1

identifies a conserved vertebrate iron exporter. Nature; 403: 776-781.

Feder, J.N., Gnirke, A., Thomas, W., et al, (1996). A novel MHC class I-like gene is mutated

in patients with hereditary haemochromatosis. Nat. Genet; 13: 399-408.

Fleming M.D., Trenor C.C. III, Su M.A., et al, (1997). Microcytic anaemia mice have a

mutation in Nramp2, a candidate iron transporter gene. Nat Genet; 16: 383-386.

Fosburg MT, Nathan DG, (1990). Treatment of Cooley’s Aemia. Blood; 76: 435-444.

Page 18: Hemocromatose 1

16

Gunshin H, Mackenzie B, Berger UV, et al, (1997). Cloning and characterization of a

mammalian protoncoupled metal-ion transporter. Nature; 388: 482-488.

Harris ZL, Durley AP, Man TK, et al, (1999). Targeted gene disruption reveals an essential

role for ceruloplasmin in cellular iron efflux. Proc Natl Acad Sci USA; 96: 10812-10817.

Imlay J.A., Chin S.M., Linn S., (1988). Toxic DNA damage by hydrogen peroxide through the

Fenton reaction in vivo and in vitro. Science; 240: 640-642.

Kawabata, H., Yang, R., Hirama, T., et al, (1999). Molecular cloning of transferrin receptor 2.

A new member of the transferrin receptor-like family. J. Biol. Chem; 274: 20826-20832.

Knutson M, Wessling-Resnick M., (2003) Iron metabolism in the reticuloendothelial system.

Crit Rev Biochem Biol; 38: 61-88.

McKie AT, Barrow D, Latunde-Dada GO, et al, (2001). An iron-regulated ferric reductase

associated with the absorption of dietary iron. Science; 291: 1755-1759.

McKie AT, Marciani P, Rolfs A, et al, (2000). A novel duodenal iron-regulated transporter,

IREG1, implicated in the basolateral transfer of iron to the circulation. Mol Cell; 5: 299-309.

Montosi G, Donovan A, Totaro A, et al, (2001). Autosomaldominant hemochromatosis is

associated with a mutation in the ferroportin (SLC11A3) gene. J Clin Invest; 108: 619-623.

Nelson N., (1999). Metal ion transporters and homeostasis. EMBO J; 18: 4361-71.

Vulpe CD, Kuo YM, Murphy TL, et al, (1999). Hephaestin, a ceruloplasmin homologue

implicated in intestinal iron transport, is defective in the sla mouse. Nat Genet; 21:195-199.