INFLUÊNCIAS DA ARTE AFRICANA NA ARTE · PDF fileAfro-Ásia ISSN: 0002-0591...

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  • Afro-sia

    ISSN: 0002-0591

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    Universidade Federal da Bahia

    Brasil

    D'Assuno Barros, Jos

    AS INFLUNCIAS DA ARTE AFRICANA NA ARTE MODERNA

    Afro-sia, nm. 44, 2011, pp. 37-95

    Universidade Federal da Bahia

    Baha, Brasil

    Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77022104002

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    AS INFLUNCIAS DA ARTE AFRICANANA ARTE MODERNA

    Jos DAssuno Barros*

    requentemente, na histria da arte, o encontro com o outro com aquilo que chamamos uma alteridade cultural tem contri-budo para a renovao e a recriao dos parmetros artsticos

    do sistema artstico-cultural original, por vezes levando-o a uma radicalruptura com os princpios estticos e tcnicos precedentes. Isso aconte-ceu, certamente, com a chamada arte moderna europeia, a partir de finsdo sculo XIX, quando o encontro dos artistas europeus com diversasalteridades artsticas permitiu uma completa recriao da arte europeiae de suas possibilidades tcnicas. Neste artigo, examinaremos algunscaminhos da arte moderna ocidental, no sentido de sua renovao, apartir do confronto e da assimilao de algumas dessas alteridades ar-tsticas: aquelas que, oriundas da arte africana ou da arte da Oceania,foram tidas por artes primitivas.

    Os artistas europeus do fim do sculo XIX e do incio do XX,que j vinham experimentando uma significativa renovao de fontestcnicas e estticas com a assimilao das contribuies artsticas vin-das do Oriente (os impressionistas foram pioneiros nesse sentido), fo-ram de fato bastante sagazes em perceber que tinham ainda muito aaprender com as realizaes artsticas africanas. Uma das primeiras

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    * Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

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    correntes da arte moderna a se interessar diretamente pela possibilidadede aprender com as manifestaes artsticas africanas foi a dos fauvistas,sobretudo a partir de Henri Matisse. Este pintor francs, na verdade, jse havia se beneficiado da maneira extremamente significativa de umareapropriao da arte oriental japonesa ou persa que tambm apare-ce de modo fundante na sua obra, embora no seja esse o objeto deestudo do presente ensaio. Da mesma forma, ele tambm assimilariamuito expressivamente essa outra alteridade que adentra o espao damodernidade com especial vigor: a africana.

    O dilogo com as formas africanas de expressar e representar omundo e as expectativas sobrenaturais aparece bastante em uma parterelevante da produo matissiana, que se desenvolve paralelamentequela pintura que o celebrizou, e que se caracteriza essencialmentepelas cores fortes e puras. Referimo-nos escultura de Matisse, quenem sempre to lembrada como sua arte pictrica, mas que ocupacertamente um lugar singular na histria da arte ocidental. A esculturamatissiana especialmente inspirada na estaturia africana particu-larmente a partir de algumas peas que o artista francs adquirira em1906 e revela-se a um dos gneros atravs dos quais as diversas for-mas de expresso africanas puderam penetrar mais decisivamente naarte moderna. O outro gnero, que mais adiante veremos ter incididodiretamente sobre a pintura cubista de Picasso, foi a arte das mscarasritualsticas.

    Mais ainda do que nos modelos artsticos inspirados na arte dassociedades orientais, os principais artistas ligados ao fauvismo, e quese desenvolveram artisticamente sob a inspiradora liderana de Matisse,foram precisamente encontrar na diversidade africana de formas de ex-presso uma arte coirm de tudo o que at ento haviam buscado. quelaaltura, por volta de 1905, j haviam sido apelidados de fauves por umcrtico palavra que significa literalmente selvagens e aceitaramsem maiores problemas o novo rtulo, porque este remetia precisamen-te aos aspectos espontneos e instintivos de sua arte. Maurice Vlaminck um dos primeiros a descobrirem a escultura africana chega mesmo ase referir a uma natureza selvagem, ansiosa por se libertar dentro de simesmo, a partir dos quadros que estava elaborando neste perodo:

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    Intensifiquei todos os meus valores tonais e transpus para uma orques-trao de cor pura cada coisa que senti. Eu era um selvagem sensvel,repleto de violncia. Traduzi o que via instintivamente, sem qualquermtodo, e transmiti a verdade, no tanto artisticamente quanto humana-mente. Apertei, destrocei tubos e tubos de gua-marinha e vermelho.1

    Tambm a cermica negra atraiu os fauves. Algumas peas queMatisse recolhera em uma viagem Arglia passaram a servir de mode-los para algumas de suas naturezas-mortas. So peas que se destacampela simplicidade decorativa, e a sua incluso, como motivos para se-rem pintados entre outros objetos, possui a finalidade de introduzir odecorativo dentro do decorativo. Um exemplo pode ser encontrado naNatureza Morta com Cebolas Rosadas (1906), que dispe em uma mesatrs cermicas argelinas e algumas cebolas. Neste caso, os prprios ele-mentos decorativos inseridos dentro das figuras de cermicas passam aatuar decorativamente com os demais componentes do quadro: ascebolas, o tampo da mesa e os prprios jarros africanos tudo istoapresentado de maneira deliberadamente primitivista, no sentido arts-tico que primitivo assumiria para os artistas modernos.

    O movimento fauvista na sua curta durao que vai de 1904 a1907 pode ser considerado, enfim, o grande precursor da assimilaodas formas e dos recursos expressivos africanos pela arte moderna.Depois disto, cada um dos seus integrantes parece seguir um rumo bemdiferenciado, e j no ser possvel falar propriamente em um movi-mento fauvista. Mas a verdadeira assimilao da alteridade africana como uma espcie de moda que se estende irresistivelmente por toda aEuropa estava apenas nos seus primrdios.

    O perodo mais generalizado de descoberta da arte africana pelosartistas europeus pode ser situado entre 1907 e 1910. A ento recentefundao de uma srie de museus etnogrficos, em diversos pases daEuropa, contribuiu bastante para essa sbita ecloso de um notvel in-teresse de artistas e intelectuais europeus pela arte africana. Mas pre-

    1 Andr Derain, apud Sarah Whitfield, Fauvismo, in Nikos Stangos (org.), Conceitos da artemoderna (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991), p.18.

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    ciso retomar aqui o que tambm poderia ser dito sobre o impulso para aassimilao da arte oriental pelos pintores impressionistas nas ltimasdcadas do sculo XIX. Assim como o oriente artstico veio a encontrarum espao de ressonncia nos ambiente de expectativas dos impressio-nistas, os objetos oriundos de vrias regies africanas tambm vieramao encontro das mais atualizadas preocupaes estticas, que comea-vam a aflorar na vanguarda artstica europeia de incios do sculo XX.Sem esse irresistvel impulso de renovao que emergia criativamenteem uma arte europeia vida de novidades formais e expressivas, a arteafricana teria permanecido, para o europeu comum, uma curiosidade demuseu: mera alteridade tratada com o rigor erudito de um antiqurio,mas no uma fonte autntica para a renovao da prpria arte ocidental.

    No toa que um dos primeiros livros srios sobre a esculturanegra, escrito em 1928 pouco depois dessa espcie de renascenanegra na Europa j assinalava com bastante preciso que as princi-pais razes do interesse da arte moderna por essas tradies residiamno fato de que elas acentuam mais o desenho do que a representaoliteral, apresentando efeitos de formas, qualidades de linha e superfcie,combinaes de massa que so desconhecidas da tradio grega.2 Des-sa maneira, no apenas os artistas, mas tambm os crticos e os estudi-osos, podiam concordar que o interesse pela arte negra no provinha doexotismo ou do estranhamento de seus temas, mas sim de aspectos rela-cionados com os prprios meios da arte.

    Por outro lado, falar em arte para os objetos de escultura negra,bem como para as mscaras ritualsticas, requer alguns esclarecimentosrelativizadores. Quando pensarmos mais rigorosamente nas estatuetasafricanas, nas mscaras e nos objetos de cermica, nas peas de indumen-tria mgica e nos adornos, e em tantos outros produtos daquilo que, porconveno, denominamos arte negra, deveremos ter sempre em menteque, nas suas culturas de origem, todos estes objetos so objetos de ao,e no para serem contemplados ou consumidos como obras de arte ma-neira ocidental. Esses objetos devem ser tratados como arte ou como ar-

    2 Paul Guillaume e Th. Munro, Primitive Negro Sculture, Paris: Crs, 1928.

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    tefatos? Esta uma questo bastante complexa, que tem interessado aosestudiosos e aos antroplogos, embora menos aos artistas.

    Nas primeiras dcadas do sculo XX, conforme veremos a se-guir, os artistas ocidentais interessaram-se pelos artefatos africanos, queeram transferidos para os museus etnogrficos, muito mais pelos senti-mentos profundos que deles lhes pareciam emanar, pela sua intensidadeexpressiva, pela ousadia no tratamento da forma. No haviam desperta-do ainda, como o fariam os a