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  • 8/22/2019 Interseces possveis: tecnologia, comunicao e

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    Walter Teixeira Lima

    Junior

    Professor do programa

    de ps-graduao em

    comunicao da Univer-

    sidade Metodista de So

    Paulo, So Bernardo do

    Campo, SP, Brasil.

    E-mail: digital@walterli-

    ma.jor.br.

    Interseces possveis:tecnologia, comunicao ecincia cognitiva

    Possible intersections:

    technology; socialcommunication, and

    cognitive science

    Intersecciones posibles:tecnologa, comunicaciny ciencias cognitivas

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    RESUMO*

    O trabalho analisa a necessidade de interseces entre os estudos e pesquisas

    sobre tecnologia, comunicao social e cincia cognitiva. A tendncia da cincia

    moderna cruzar os campos do conhecimento procura de respostas para

    fenmenos complexos, buscando confirmar ou refutar hipteses, assim explorandonovas fronteiras do conhecimento humano. As reas envolvidas nessas conexes

    cientficas, na pesquisa por laos fortes entre elas, so a filosofia da mente, a fi-

    losofia da tecnologia, a tecnologia da informao e comunicao, a comunicao

    social e a neurocincia social.

    Palavras-chave: Tecnologia; Comunicao; Cincia cognitiva; Abordagem mul-

    tidisciplinar; Cincia moderna.

    ABSTRACT

    This paper analyses the need for intersections between studies and researches on

    Technology, Communication, and Cognitive Science. The trend in modern scienceis to cross the fields of knowledge to find out answers for complex phenomena,

    seeking to confirm or refute hypotheses, thus exploring the new frontiers of hu-

    man knowledge. The areas involved in these scientific connections, in the quest to

    strengthen ties between them, are the Philosophy of Mind, Philosophy of Technol-

    ogy, Information and Communication Technology, Social Communication, and

    Social Neuroscience.

    Keywords: Technology; Communication; Cognitive science; Multidisciplinary ap-

    proach; Modern science.

    RESUMENEste estudio examina la necesidad de realizar intersecciones entre estudios y inves-

    tigaciones en materia de tecnologa, comunicacin social y ciencia cognitiva. La

    tendencia de la ciencia moderna es cruzar los campos del conocimiento en busca

    de respuestas a los fenmenos complejos, tratando de confirmar o refutar hiptesis,

    de esta manera explorando nuevas fronteras del conocimiento humano. Las reas

    involucradas en estas investigaciones cientficas, buscando conexiones fuertes entre

    ellas, son la filosofa de la mente, la filosofa de la tecnologa, las tecnologas

    de informacin y comunicacin, la comunicacin social y la neurociencia social.

    Palabras clave: Tecnologa; Comunicacin; Ciencias cognitivas; Enfoque multi-

    disciplinario; Ciencia moderna.

    * Trabalho apresentado no IX Encontro Brasileiro Internacional deCincia Cognitiva (EBICC), ocorrido de 4 a 7 de dezembro de2012, promovido pela Sociedade Brasileira de Cincia Cognitivae realizado na Unesp de Bauru (SP).

    Submetido em: 9.8.2012Aceito em: 5.2.2013

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    IntroduoNas ltimas dcadas, os aparatos tecnolgicos

    utilizados para produo e difuso de contedos narea da comunicao social (CS) sofreram profundosprocessos de inovao digital. Diversas plataformasdigitais conectadas caram mais acessveis do pontode vista econmico e tambm foram reconguradaspara serem acessadas de forma mais amigvel porprossionais e amadores. Os dois processos aconte-

    ceram na linha do tempo de maneira entrelaada,desta forma proporcionando grande impacto na so-ciedade contempornea.

    As tecnologias de comunicao e informao(TICs), principalmente com sistemas provenientes dasreas da engenharia e da cincia da computao,no s forneceram nova estrutura tecnolgica co-

    municacional para produo de contedo, comotambm impulsionaram o surgimento de uxos infor-mativos e suas diversas formas de distribuio.

    O aumento da capacidade de processamentode dados por microprocessadores, o barateamentodas memrias digitais, o crescimento da musculaturade transmisso das redes, o desenvolvimento de no-

    vas tecnologias de visualizao de imagens digitaise a evoluo das linguagens de programao esta-beleceram condies estruturais para que a internet

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    (web), telefonia mvel, redes telemticas sem o, dis-plays, codecs, sensores, cmeras (fotograa e vdeo)passassem a pertencer ao cotidiano da sociedade.

    Os dispositivos tambm foram miniaturizados, sendoinseridos em diversos equipamentos, como canetasque fotografam e traduzem diversos idiomas, utilizan-do sensores que escaneiam textos de livros fsicos,por exemplo. Ou seja, a tecnologia digital pode estarem qualquer equipamento (tecnologia ubqua). Outraface a tecnologia digital que est inserida em dis-

    positivos e no percebida pelo ser humano, como atorneira de banheiro que acionada somente com opassar da mo perto do sensor (tecnologia pervasiva).

    A expanso tecnolgica, alm de ampliar e ba-ratear os custos das possibilidades de produo e dis-tribuio de contedos digitais, tambm abriu novasfrentes na rea da pesquisa acadmica. Podemos

    citar os experimentos com eyetrack1, realizados peloPoynter Institute, que foram seminais para atualizar asteorias da comunicao sobre a rota visual que o serhumano realiza ao ler uma pgina de jornal ou veruma tela na web. Tambm em relao internet, atecnologia fornece um conjunto de dados para an-lise por meio de observao humana e/ou sostica-

    dos programas de computador que realizam tarefasde minerao de dados apontando relaes no tri-viais entre eles. Uma rea bastante consolidada nessecampo a Social Analysis Network (SNA), utilizadapor cientistas sociais para medir laos, interaes,frequncias e outras categorias entre atores sociais deuma ou vrias redes sociais. Ou seja, os dispositivos de

    comunicao digitais, ao contrrio dos analgicos,permitem e fornecem mltiplas maneiras de extrao1 Disponvel em: http://www.poynter.org/extra/Eyetrack/index.

    html. Acesso em: 09 ago. 2012.

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    de informaes em toda a sua cadeia de produode contedo informativo de relevncia social ou deentretenimento, nas atividades de captao, ltra-

    gem, produo, empacotamento e distribuio.Para acompanhar todo o processo de evoluo

    tecnolgica, premente que os pesquisadores darea da comunicao social ampliem seus ferramen-tais metodolgicos, adaptando-os aos instrumentos devericao que so desenvolvidos em outras reasdo conhecimento.

    No caso do estudo do comportamento humano,que possui conexes cientcas fortes com o campoda CS, vrias reas (psicologia cognitiva, interface/human interaction, cincia cognitiva etc.) apropriam--se dos dispositivos tecnolgicos digitais atuais, almde considerarem parte integrante das pesquisas o co-nhecimento gerado pela evoluo estrondosa que a

    neurocincia realizou nas ltimas dcadas.Se, por muito tempo, as referncias relacionadas

    ao comportamento humano citadas nas pesquisas decomunicao social tiveram como espelho as meto-dologias behavoristas, agora h a oportunidade, porexemplo, de usar equipamentos tecnolgicos, comoFunctional Magnetic Resonance Imaging (fMRI) e Posi-

    tron Emission Tomography (PET), que conseguem cap-tar no encfalo, sem usar tecnologias invasivas, o uxosanguneo e o uso do oxignio naquela parte cere-bral e, a partir dos dados coletados, fazer correlaescom comportamentos e/ou possveis decincias. Essastecnologias permitem conhecer as regies corticaisafetadas por processamento de informao advinda

    do sistema sensorial. Algumas experincias demons-tram as reas afetadas pelo encfalo, por exemplo,quando o ser humano olha certos tipos de fotograa

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    ou contedos televisivos. A psicologia cognitiva temavanado muito com a ajuda de tais equipamentose, com os dados extrados, procura desenvolver novas

    metodologias que possam explicar com mais consis-tncia certos comportamentos humanos.

    As reas citadas acima esto em franco de-senvolvimento, portanto, muitos experimentos estosendo realizados, alguns com sucesso e muitos nemtanto. comum, entretanto, encontrar nessas novasfrentes de experimentos cientcos o envolvimento de

    pesquisadores de diferentes reas do conhecimento(neurocientistas, psiclogos, engenheiros, cientistas dacomputao, entre outros). Isto se deve comple-xidade dos temas e objetos de pesquisa analisados.Assim, a questo que envolve a transdisciplinaridadefaz-se presente e pertinente.

    Disciplina na Comunicao SocialA disciplina Tecnologia, Comunicao e Cin-

    cia Cognitiva, ministrada no curso de ps-gradua-o em Comunicao Social do programa destricto

    sensu da Universidade Metodista de So Paulo, tempor objetivo cruzar reas do conhecimento por en-tender que o campo da CS, apesar de suas espe-

    cificidades, no um corpo isolado no mundo dainvestigao cientfica.

    A disciplina, em sua ementa, tenta conectar astrs frentes do conhecimento humano em virtude deentender e ampliar as possibilidades de conexo en-tre as reas envolvidas:

    Fundamentos dos processos cognitivos, da CinciaCognitiva e da Neurocincia Cognitiva aplicados so-bre os fenmenos impetrados pelas Tecnologias deComunicao Social. Introduo ao Sistema Sensorial

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    Humano. Viso geral dos processos de construo dainformao no aparato mente/crebro. Sistemas biol-gicos de ateno, memria, percepo visual e audi-

    tiva. Processos de interao humana e interatividadeatravs das tecnologias digitais. Anlise da ecinciacognitiva das tecnologias de captao, de produoe de distribuio na rea da Comunicao Social emfuno da representao da realidade. Tecnologiascognitivas. Sistemas computacionais inteligentes. Ino-vaes tecnolgicas dos formatos das redes sociais emdias sociais. Sistemas computacionais de recomen-dao, de avaliao e de reputao. (PPGCS, s/d).

    A tentativa de construo de conexes fortes(pontes) utilizando o trip tecnologia (cincias da na-tureza), comunicao (cincias sociais aplicadas) ecincia cognitiva. A cincia cognitiva um domniodo conhecimento humano e nasceu com estruturatransdisciplinar, abarcando as cincias biolgicas, pormeio da neurocincia, alm de outras reas, como ainteligncia articial, que sero tratadas no decorrerdeste trabalho.

    O esforo na construo da disciplina visa darconta de questes complexas que atingiram o cam-po da comunicao social, como a introduo dasrenadas tecnologias de comunicao e informaoe as novas descobertas sobre o funcionamento doencfalo, do sistema nervoso central e do sistemasensorial humano, responsveis pelo processamento,transmisso e transduo de informaes, respecti-vamente, embora atualmente j esteja consolidadoo conhecimento de que parte do sistema nervosocentral tambm processa informao.

    A abordagem da disciplina tem como objetivointerligar os referidos campos do conhecimento hu-mano e, assim, tentar entender cientificamente os

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    processos que estruturam sistemas complexos na cap-tao, transmisso e processamento de informaespelo ser humano.

    Na atualidade, a cincia considera como siste-mas complexos, por exemplo, a oresta amaznica, ascolnias de insetos, o crebro, o sistema imunolgico,o sistema econmico, entre outros. Entre eles esta world wide web (sistema social auto-organizado).Para Mario Bunge, um sistema possui o conceito deser um objeto complexo do qual toda parte ou todo

    componente est relacionado no mnimo com outrocomponente (2006, p. 358). Ao formular a discipli-na, acredita-se que a comunicao social lide comsistemas complexos, tanto no campo do ser humanocomo no entendimento e relacionamento com astecnologias digitais conectadas.

    Entre as propriedades comuns de um sistema

    complexo esto, segundo Melaine Mitchell (2009), ocomportamento complexo coletivo, o processamentode sinais e informaes e a capacidade de adapta-o (mudana de comportamento). Mitchell propeuma denio de sistemas complexos:

    um sistema no qual grandes redes de componentes

    sem controle central e com regras simples de opera-o do origem a comportamento coletivo complexo,processamento de informao sosticado e adapta-o via aprendizagem ou evoluo. (2009, p. 13)2.

    Assim, transportando o conceito para os siste-mas que reconhecidamente estruturam artefatostecnolgicos nos quais a comunicao social se d,

    2 A system in which large networks of components with no centralcontrol and simple rules of operating give rise to complexcollective behavior, sophisticated information processing, andadaptation via learning or evolution.

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    podemos inferir que o novo ecossistema informativocomposto pelos veculos tradicionais (TV, rdio e im-presso) e os sistemas digitais conectados (internet/

    web, dispositivos mveis, TV digital, games etc.) comos seus softwares inteligentes formam um sistemacomplexo. A cada dia, novas conguraes de uxosinformativos surgem, impactando de modo diferenteoutro sistema complexo: o social (sociedade).

    Para estruturar algumas abordagens cientcasnovas para fenmenos tambm recentes, a juno

    entre tecnologia, comunicao e cincia cognitivafaz-se necessria em virtude das pontes conceitual-mente fortes que podem ser produzidas a partir dessetrip, ou seja, consolidar teorias, e no somente per-petuar hipteses, alm de abrir outras fronteiras doconhecimento humano.

    TecnologiaNo atual estgio de entendimento da importn-

    cia da tecnologia no campo da comunicao so-cial, conseguimos ultrapassar as barreiras que, pormuitos anos, foram dogmas na rea, como a sepa-rao entre a tecnologia e o humanismo. Ou seja, atecnologia era vista como algo ameaador para a

    comunicao social, pois embarcada nela estava ono humano. Entretanto, o avano aconteceu emvirtude do desenvolvimento vertiginoso das tecnolo-gias de comunicao e informao. Elas tiveram seuscustos barateados e foram rapidamente apropriadaspela massa de consumidores de contedo informativoe de entretenimento.

    A pesquisa realizada anualmente pela Gartner,Inc., uma das maiores consultorias em tecnologia dainformao, produziu um relatrio denominado Hype

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    Cycle Special Report Evaluates the Maturity of 1,900

    Technologies (contedo pago) (GARTNER, ago. 2011).Mas a empresa fornece, para visualizao, um grco

    sobre os estgios (desenvolvimento inicial, pico deexpectativa, desencanto, inclinao de entendimentoe planalto de produtividade) de algumas das 1.900tecnologias pesquisadas e em quantos anos seroadotadas pela grande massa de consumidores.

    O grfico demonstra que em 5 a 10 anos, porexemplo, tecnologias como a internet das coisas, im-

    presso 3D, social TV, entre outras, atingiro o picode expectativa. E, para alm de 10 anos, a realidadeaumentada e a interface computador-crebro tam-bm se consolidaro. Em sntese, muitas ondas deapropriao tecnolgica acontecero e novos tiposde impactos sero sentidos na sociedade, modican-do, em parte, seu comportamento em relao ao

    consumo de informao e entretenimento.No cenrio futuro ou presente, uma caractersti-

    ca importante inserida pelas TICs foi a possibilidadede produo de contedos pela audincia, alm demanipular diversos servios na web de forma ami-gvel, sem ter a necessidade de ser especialista emprogramao ou lidar com programas complexos de

    tratamento e/ou edio de imagem, por exemplo.O surgimento de diversos servios que facilita-

    ram a comunicao em rede entre os interagentesalavancou uma audincia jamais imaginada. Vriosdestes servios tornaram-se companheiros no dia adia de milhes de pessoas e atraram a ateno depesquisadores da rea de comunicao social, que-

    brando as resistncias acadmicas sobre o uso datecnologia no campo. Mas, como aconteceu com asociedade, o deslumbramento sobre o alcance social

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    Figura

    1

    Hypecycleforem

    ergingtechnologie

    s,2011

    Fonte:Ga

    rtner,jul.2011.

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    e as possibilidades tecnolgicas de plataformas digi-tais e servios conectados tambm atingiu o campoda pesquisa em comunicao social.

    grande a quantidade de trabalhos acadmicosna rea da comunicao social que possuem, comoobjeto de pesquisa, aparatos e/ou sistemas digitais co-nectados, seja por seu enfoque da apropriao tec-nolgica, passando pela criao de uma nova culturaa partir de sua utilizao, at a anlise descritiva dofuncionamento das interfaces, narrativas e interaes.

    Importante para compreenso de vrias ques-tes sobre os impactos sociais produzidos por essastecnologias, a pesquisa atual sobre a tecnologia di-gital na rea da comunicao social sinnimo deanlise de plataformas digitais ou sistemas conecta-dos em rede. Esses aparatos e/ou sistemas digitais,conectados ou no, so somente os pontos visveis,

    materializados, de uma evoluo tecnolgica queocorre h dcadas e com origem antropolgica nodesejo do homem de produzir tecnologias para so-breviver. Aprender a usar ferramentas foi um passocrucial para o desenvolvimento da espcie, porqueo uso causou o aumento da adaptao e dirigiu aespcie para uma vida social mais complexa (NYE,

    2007, p. 2; traduo nossa)3.Pesquisar as tecnologias de informao e comu-

    nicao, tendo como foco seus usos e os impactosna comunicao social por intermdio dos estudosoriundos da losoa da tecnologia, acarretar melhorentendimento sobre as apropriaes e motivaeshumanas na adoo de uma ou outra tecnologia

    e ampliar a oportunidade de analisar, com outras3 learning to use tools was a crucial step in the species

    development, both because it increased adaptability andbecause it led to more complex social life.

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    perspectivas, os processos de inovao tecnolgica,sem considerar somente os aspectos mercadolgi-cos e de marketing. Nye arma que se deve denir a

    tecnologia como inseparvel da evoluo humana,sugerindo que as ferramentas e as mquinas somais do que objetos cujos signicados so reveladossimplesmente pelos seus propsitos (NYE, 2007, p. 2;traduo nossa )4.

    Assim, dissociar o baco dos modernos processa-dores fabricados pela Intel ou AMD, a rede e cdigos

    informativos (quipo) elaborados pelos incas dos pro-tocolos da internet ou, ainda, a inveno do espe-lho dos modernos displays de LED construir abismosonde no existem.

    Certos lsofos negam a existncia da Filosoa da Tec-nologia, menos ainda de uma Filosoa da Tecnologia

    que arme fazer sentido, por um lado, a tecnologia pri-mitiva de um passado obscuro e distante, como nosarcos e echas, e, por outro lado, de uma tecnologiaatualizada e de ltima gerao com base na cinciacontempornea, como a nanotecnologia e a biotecno-logia. (OLSEN, SELINGER, RIIS, 2009, p. 2; traduo nossa)5.

    Grande parte dos artefatos tecnolgicos atuais

    oriunda da cincia aplicada, que possui seu ramode estudo losco como a cincia pura ou bsica,relacionada losoa da cincia, que possui abun-dante bibliograa, tendo como referncias as cincias

    4 tools and machines are far more than objects whose meaningis revealed simply by their purposes

    5 Certain philosophers deny that the philosophy of technology

    exists, much less a philosophy of technology which claims to makesense, on the one hand, of primitive technology in the dim anddistant past such as bows and arrows, and of up-to the-minutestate-of-the-art technology based on contemporary science suchas nanotechnology or biotechnology, on the other.

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    naturais ou da terra. Entretanto, a conexo nica en-tre tecnologia e cincia aplicada enganosa. Comoexperimento controlado, esse tronco da cincia mo-

    derna existe h cerca de 400 anos. Ou seja, em gran-de parte da histria humana, a tecnologia no foiCincia Aplicada (DUSEK, 2006, p. 50). Algumas, quepertenciam a algum experimento controlado, acon-teceram por acaso. A tecnologia empreendidaprimariamente pelos que tm um histrico cientco edentro da estrutura da cincia moderna, mas muitas

    invenes so produtos do acaso ou ensaio e erro(DUSEK, 2006, p. 51).

    Assim, tentando compreender os fenmenos re-lacionados com a inteno, a criao, a produo ea utilizao de tecnologias pelo ser humano, a reada losoa da tecnologia consolida-se pela combina-o entre a respeitada losoa da cincia e a histria

    da tecnologia, que sempre tratou o tema utilizandoa linha do tempo como principal eixo. Entretanto, alosoa da tecnologia enfrenta, neste momento, odebate sobre o que tecnologia.

    Para Brian Arthur, a denio de tecnologia nopode ser construda apenas de uma forma. Para opesquisador, podemos pensar em trs vertentes para

    o termo: (1) a realizao de um propsito humano,(2) uma reunio de prticas e componentes e (3)um conjunto de dispositivos e prticas de engenhariadisponveis para uma cultura (cf. ARTHUR, 2009, p. 28).Nessa perspectiva, trs diferentes sentidos ou cate-gorias para o conceito de tecnologia proporcionamtambm distintas evolues.

    Uma tecnologia singular a mquina a vapor origi-na-se como um novo conceito e se desenvolve pelamodicao de suas partes internas. Uma tecnologia

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    plural eletrnicos torna-se uma realidade pela cons-truo em torno de certos fenmenos e componentese se desenvolve pela modicao de suas partes e

    prticas. E a tecnologia geral, uma coleo amplade todas as tecnologias que j existiram no passado eexistem no presente, origina-se do uso dos fenmenosnaturais e se desenvolve organicamente com novoselementos formados pela combinao de elementosantigos. (ARTHUR, 2009, p. 29; traduo nossa)6.

    Para o campo da comunicao social, no en-

    tanto, alm do entendimento mais profundo sobre asquestes que enredam as tecnologias de informaoe comunicao para compreenso mais exata daspossveis apropriaes, desenvolvimentos e impactossociais por elas impetrados, importante utilizar essesconhecimentos para atuar no campo da pesquisaem TICs e comunicao social de forma aplicada,

    fazendo com que as tecnologias criadas tambmpossuam formas de utilizao para o desenvolvimen-to humano, tendo como foco uma sociedade maisjusta e igualitria.

    Andrew Feenberg, pesquisador em losoa datecnologia na School of Communication (Simon FraserUniversity), armou, em conferncia aos alunos univer-

    sitrios de Komaba, que percebeu que a sociedadeest se abrindo, mesmo que lentamente, para com-preender assuntos tecnolgicos que anteriormente s

    6 A technology-singular the steam engine originates as anew concept and develops by modifying its internal parts. Atechnology-plural electronics come into being by buildingaround certain phenomena and components and develops by

    changing its parts and practices. And technology-general, thewhole collection of all technologies that have ever existed pastand present, originates from the use of natural phenomena andbuilds up organically with new elements forming by combinationfrom old ones.

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    estavam sob o domnio de especialistas (FEENBERG,2003). Para ele, a se continuar essa tendncia, a so-ciedade ter a possibilidade de interferir nas intencio-

    nalidades das criaes tecnolgicas. Na atualidade, ano ser em alguns setores da rea biolgica, empresase universidades produzem tecnologias a seu bel-prazer,segundo seus interesses vide a indstria das armas.

    A esfera pblica parece estar se abrindo lentamentepara abranger assuntos tcnicos que antes eram vistos

    como da esfera exclusiva dos especialistas. Pode estatendncia continuar a ponto de a cidadania envol-ver o exerccio de controle humano sobre a estruturatcnica de nossas vidas? Esperemos que sim, pois aalternativa parece levar a certa destruio. Natural-mente os problemas no so apenas tecnolgicos.A democracia est em m forma hoje em todas asfrentes, mas ningum props uma alternativa melhor.Se as pessoas puderem conceber e perseguir seus in-teresses intrnsecos em paz e plenitude por meio doprocesso poltico, elas inevitavelmente abordaro aquesto da tecnologia, juntamente com muitas ou-tras questes que hoje esto em suspenso. Resta-nosapenas esperar que isso acontea mais cedo que maistarde. (FEENBERG, 2003; traduo nossa)7.

    7 The public sphere appears to be opening slowly to encompasstechnical issues that were formerly viewed as the exclusivepreserve of experts. Can this trend continue to the point wherecitizenship will involve the exercise of human control over thetechnical framework of our lives? We must hope so for thealternative appears to be certain destruction. Of course theproblems are not only technological. Democracy is in badshape today on all fronts, but no one has come up with a better

    alternative. If people are able to conceive and pursue theirintrinsic interest in peace and fulllment through the politicalprocess, they will inevitably address the question of technologyalong with many other questions that hang in suspense today.We can only hope this will happen sooner rather than later.

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    Uma vertente dessa inteno denominadatecnologia social. A interveno da sociedade nodesenvolvimento tecnolgico umas das questes

    mais importantes na atualidade. Essa viso aproxi-ma as questes do desenvolvimento tecnolgico dasnecessidades sociais da comunicao. Para RenatoDagnino, pesquisador da Unicamp, h urgncia nasensibilizao das empresas e universidades para de-senvolvimento social por intermdio da tecnologia.O cientista social afirma no artigo Em direo a

    uma teoria crtica da tecnologia, que a tecnologiasocial permite uma modificao do produto geradopassvel de ser apropriada segundo a deciso docoletivo (DAGNINO, 2010, p. 210). O contexto dodesenvolvimento do conceito elaborado por Dagni-no que as tecnologias sejam teis para a inclusosocial, mas ao expandir sua atuao, a sociedade

    deveria construir mecanismos deliberativos para de-cidir os caminhos sustentveis e sociais para o de-senvolvimento tecnolgico.

    Cincia cognitivaCom a autodenominao de cibernticos, re-

    nomados cientistas reuniram-se, de 1946 a 1953, em

    dez conferncias realizadas em Nova York, organiza-das pela fundao lantrpica Josiah Macy Jr. Assim,os encontros caram conhecidos como Confernciasde Macy. Neles, matemticos, lgicos, engenheiros,siologistas, neurosiologistas, psiclogos, antroplo-gos, economistas tinham como ambio edificaruma cincia geral do funcionamento da mente

    (DUPUY, 1994, p. 9). Para Dupuy, realmente essaambio que faz a ciberntica o antepassado dascincias cognitivas (DUPUY, 1994, p. 15).

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    Desse movimento, surgiram grandes ideias eprojetos. Um proeminente nome o do matemticoJohn von Neumman que, ao lado de Nobert Wie-

    ner, foi um dos mais importantes cientistas do sculopassado. Os dois eram ligados rea das cinciascognitivas. Neumman contribuiu de modo singular nasreas da fsica quntica, lgica, matemtica aplica-da e cincias da computao.

    Foi John von Neumann quem formalizou o pro-jeto lgico de um computador. Na sua concepo,

    o cientista sugeriu que as instrues computacionaisfossem armazenadas na memria do computador. Otermo memria anlogo ao termo utilizado nascincias biolgicas para se referir a um complexoe fascinante grupo de habilidades que as pessoas eoutros animais possuem que lhes capacitam a apren-der via experincias e reter o que eles aprendem

    (ROEDIGER, GOFF, 2006, p. 250; traduo nossa)8.Essa analogia no ocorreu por acaso. Ao estudar

    campos do conhecimento relacionados neurocin-cia, uma cincia completamente nova nos anos 40 e50 do sculo passado, Neumann (2005) percebeu quepoderia fazer o computador executar instrues deforma mais rpida. At ento as instrues eram lidas

    por meio de cartes perfurados e executadas uma auma. Para Neumman, armazenar essas instrues namemria, para ento execut-las, tornaria o compu-tador mais rpido, j que, no momento da execuo,as instrues seriam obtidas com rapidez eletrnica.A maioria dos computadores atuais segue ainda omodelo proposto por Neumann. Conceito central da

    ciberntica, de modo simplicado, que uma m-8 a complex and fascinating set of abilities which people and

    other animal possess that enables them to learn from experienceand retain what they learn

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    quina que processa os mesmos dados de entradadeve ter os mesmos resultados na sada. O modelo dadenominada arquitetura Jon Von Neumman dene

    o computador sequencial digital.Em seu seminal livro de 1955, O computador e o

    crebro (NEUMANN, 2005), o cientista descreve comoelaborou essa intricada juno de reas do conheci-mento, produzindo um conhecimento novo e criandouma nova rea que at hoje explorada por milharesde centros de pesquisa espalhados pelo mundo. O

    livro uma anlise das possveis atividades computa-cionais do crebro, utilizando a teoria computacionale os experimentos iniciais em neurocincia. Mesmocom os parcos recursos cientcos para o entendimen-to de ambos os campos, comparados aos recursosatuais, os padres encontrados por Neumman soutilizados em quase todas as mquinas computacio-

    nais contemporneas.Na parte 2 do livro O computador e o crebro,

    Neumann dene os elementos de semelhana entreos dois tipos de organizao (neurnio e computador):

    Os impulsos nervosos podem ver-se nitidamente comomarcadores (de dois valores), no sentido previamenteenunciado: nesse caso, a ausncia de impulso repre-senta um valor (digamos, o dgito binrio 0), e a suapresena representa o outro (ou seja, o dgito binrio1). (NEUMMAN, 2005, p. 77).

    Depois de muitos estudos, Neumann conclui que,qualquer que seja o regime computacional que ocrebro utilize, ele deve, de alguma forma, implicar

    um mnimo do que ele chama de lgica profunda.Nas lgicas binria, fuzzy, paraconsistente, entre ou-tras, h uma tendncia, entre os cientistas, de que o

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    crebro tenha sua prpria lgica que abarque todasas lgicas que o ser humano consegue deduzir pormeio do comportamento humano, de modelos ma-

    temticos e dos estudos neurocientcos.Os caminhos abertos por cibernticos como

    Neumman demonstram que os estudos transdiscipli-nares tambm so de grande valia para o desenvol-vimento cientco. Um dos ramos mais estruturadosnessa linha o da cincia cognitiva.

    Howard Gardner a denomina nova cincia,

    pois os cientistas cognitivos no so especuladoresde gabinete porque utilizam mtodos empricos paratestar suas teorias e hipteses. Alm disso, os cien-tistas cognitivos adotam os mais recentes avanoscientficos e tecnolgicos de vrias disciplinas. Deextrema importncia para o seu empreendimento o computador (GARDNER, 2003, p. 19).

    Howard Gardner elenca aspectos que caracte-rizam a cincia cognitiva. Entre as mais importantes,os pesquisadores da rea acreditam que h muito ase ganhar com os estudos interdisciplinares. H es-perana de que algum dia os limites entres estas dis-ciplinas possam ser atenuados ou talvez desaparecercompletamente produzindo uma s cincia unicada

    (GARDNER, 2003, p. 20).Durante as ltimas dcadas, o desenvolvimento

    do campo evoluiu e constituiu algumas estruturas econceitos cientficos que esto garantindo a con-solidao do campo como um domnio do conhe-cimento humano. Um dos pilares o entendimentodo cruzamento de forma mais estruturada de seis

    reas de pesquisa, sem desconsiderar outras reas.So elas: filosofia, psicologia, lingustica, intelign-cia artificial, antropologia e neurocincia. Na figura

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    hexagonal demonstrada abaixo (Figura 2), as linhaspontilhadas representam laos interdisciplinares maisfracos e as linhas sem pontilhado, os laos interdis-

    ciplinares mais fortes.

    Figura 2 Conexes entre a Cincia Cognitiva, se-gundo a Sloan Foundation, em 1978.

    Fonte: BERMDEZ, 2010, p. 91

    Este quadro ilustra a natureza interdisciplinar dacincia cognitiva, que vista como conexes entredisciplinas particularmente relevantes para o estudoda mente e da cognio.

    ComunicaoA rea da comunicao social, apesar de possuir

    visveis nexos interdisciplinares, no produziu conexesconsolidadas no campo terico ou prtico com algu-

    Filosoa

    Psicologia Lingustica

    IntelignciaArticial

    Antropologia

    Neurocincia

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    mas reas importantes para a compreenso de suaatuao e seu impacto na sociedade.

    Uma delas o campo da tecnologia, que produz

    interfaces e comunicao entre dispositivos (satlites,redes telemticas fsicas e sem o, bra tica, cabosetc.), permitindo que o contedo informativo produ-zido em diferentes linguagens seja absorvido peloconjunto mente/crebro dos usurios por meio de di-versas plataformas digitais, campo esse que pode serpesquisado conjuntamente com a cincia cognitiva.

    Historicamente desassociada das conexesprovenientes de algumas reas importantes para acompreenso dos processos que engendram a comu-nicao social, os pesquisadores da teoria da comu-nicao reconhecem qual rea ainda possui questesfundamentais a serem discutidas e resolvidas.

    Entre algumas das razes apontadas que a

    rea da comunicao convive com inmeras teoriasque no so comprovadas por estudos em laborat-rios, por exemplo. Sem comprovao nestes termos,muitas teorias no passam de hipteses. Para MarioBunge, filsofo da cincia, a teoria um sistemahipottico-dedutivo: isto , um sistema composto deum conjunto de assunes e de suas consequncias

    lgicas (BUNGE, 2006, p. 381). Para o pesquisador,at lsofos confundem teorias com hipteses: umengano, porque uma teoria no uma nica propo-sio, porm um conjunto innito de proposies. Porisso muito mais difcil conrm-la ou refut-la do queno caso de uma s hiptese (BUNGE, 2006, p. 381).

    Sejam teorias ou hipteses, o campo da comu-

    nicao possui uma grande rea de conito entreelas. Uma das solues para resolver tais diferenasseria a adoo da pesquisa aplicada. Entretanto, so-

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    mente a confrontao das teorias seria um grandeservio cientco para a rea, fazendo que somenteos conceitos mais consistentes prevaleam; mas esse

    embate cientco pouco ocorre.As contradies so apontadas pelos prprios

    pesquisadores das teorias da rea.

    Acreditamos na existncia de teorias da comunicao,mas de onde vem esta crena? Ela tem por base umasrie de convices enraizadas em diversos planos darealidade e que do prova de um grande poder deresistncia. Consolidada h pelo menos quatro dca-das, esta crena no se abala nem mesmo diante deembaraos epistemolgicos realmente desaadores,como denir em que consiste uma teoria da comunica-o: Anal, o que exatamente faz com que uma teoriaseja identificada como tal? E mais que isto, em quecondies uma teoria pode ser considerada prpriaao saber comunicacional? (MARTINO, BERGER, CRAIG,

    2007, p. 13).

    Ainda para Martino (2008), temos problemasque, se no resolvidos, no nos permitiro avanar,seja no campo profissional, seja no campo do co-nhecimento (KUNSCH, BARROS, 2008, p. 9). Pareceque esses problemas so estruturais, a pesquisa em

    comunicao, motivada por questes prossionaisou polticas, desenvolveu-se rpida e desordenada-mente, sem tempo para a constituio de um corpoterico e doutrinrio especco (MARTINO, 2010, p. 4).

    Para tentar encontrar sustentaes tericas ecompor com o sistema da cincia moderna, a reada comunicao social pode se propor a tentar ex-

    plorar ramificaes com outros corpos de conhe-cimento cientfico, fazendo conexes possveis emreas que possuem visvel relao, pois a comuni-

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    cao humana classifica uma larga variedade defenmenos (STENNING, LASCARIDES, CALDER, 2006,p. 3; traduo nossa)9. Entre esses fenmenos esto a

    comunicao social produzida tambm pela mdia,organizaes e pessoas.

    Atualmente, o fenmeno da comunicao socialest atrelado estrutura tecnolgica digital conecta-da, com suas plataformas e sistemas, que evoluem acada instante. Pode-se pensar que um dos conceitoscentrais para se pesquisar a comunicao social, nes-

    sa congurao tecnolgica, possa ser a cincia dacomputao, como fazem outras reas do conheci-mento humano: A computao um conceito tocentral para a Cincia Cognitiva quanto a informa-o (STENNING, LASCARIDES, CALDER, 2006, p. 144).

    Essa escolha no se d somente pela difusodas mquinas computacionais em todos os setores

    da sociedade, mas pela importncia que elas estoadquirindo na resoluo de problemas em diversasreas do conhecimento humano.

    A era do pr-computador viu o desenvolvimento detrs grandes domnios cientcos. As Cincias da Natu-reza, com o foco nas questes materiais, as Cinciasda Vida, com o foco nas questes da vida biolgica;e as Cincias Sociais, com o foco nos seres humanose nas suas sociedades. Depois da inveno dos com-putadores, um quarto domnio humano surgiu: As Cin-cias da Computao, com foco na computao. Nocentro das Cincias da Computao esto: a teoriacomputacional, algoritmos, arquitetura do computa-dor e assim por diante. (ROSENBLOOM, 2004, p. 25,traduo nossa).

    9 human communication labels a rather wide range ofphenomena

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    A comunicao social tambm pode fazer pon-tes com as metodologias que esto sendo construdasnas reas das cincias biolgicas, mais especica-

    mente com a neurocincia. Com o aumento das ex-perincias utilizando dispositivos como o fMRI, diversosdomnios do conhecimento humano esto trabalhan-do juntos para obter teorias correlacionadas entre ofuncionamento do crebro e o comportamento hu-mano. Uma dessas reas denominada neurocinciasocial . Nela, cientistas cognitivos esto obtendo su-

    cesso, combinando estratgias experimentais da psi-cologia cognitiva com o escaneamento de imagenscerebrais para examinar como o funcionamento docrebro suporta as atividades mentais (cf. CACIOPPO,VISSER, PICKETT, 2006, p. 288). Para os pesquisadoresa Social Neuroscience estende enormemente a fai-xa potencial de comportamento bem alm daquela

    anteriormente explorada por muitos neurocientistascognitivos (CACIOPPO, VISSER, PICKETT, 2006, p. 288).

    , portanto, um campo de profunda investigaocientca, de ao e metodologias transdisciplinares,que avana na compreenso de como as informaesso recebidas e processadas pelo ser humano. Noh razes epistemolgicas para que a comunicao

    social no se insira neste processo e contribua com onovo campo. Pois atravs das plataformas digitais,ou no, que diversos contedos informativos de re-levncia social e de entretenimento so produzidose transmitidos aos telespectadores, leitores, radiouvin-tes e atores das tecnologias digitais conectadas. Acontribuio do campo da CS relevante para que,

    ao construir tecnologias, se entenda como o ser hu-mano processa cognitivamente os impulsos sensoriais.Entretanto, o fundamental para rea que diversas

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    teorias e hipteses vigentes possam ser confrontadascom metodologias cientcas transdisciplinares con-solidadas pela comunidade cientca, possibilitando

    que a comunicao social se fortalea como domnioimportante na denominada Big Science10.

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    10

    Termo cunhado em 1961 pela revista Science, como ttulo Impactof Large Scale. Portanto, a pesquisa cientca em larga escala,consistindo de projetos apoiados, usualmente, por governos ougrupos de governos. Disponvel em: http://www.britannica.com/EBchecked/topic/64995/Big-Science. Acesso em: 09 ago. 2011.

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