Mudanças climáticas se tornam debate urgente em 2014

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Mudanças climáticas se tornam debate urgente em 2014 Mesmo no mais destacado bastião do ceticismo, os Estados Unidos, aumenta o consenso de que o planeta corre perigo e que a reação deve começar já por Letícia Duarte 02/08/2014 | 15h06 Mapa da nasa mostrando as temperaturas acima (cores quentes) e abaixo (cores frias) da média história em junho de 2014 Foto: Gabriel Renner / Arte ZH No calendário das mudanças climáticas, 2014 poderia ser assinalado como o ano em que os céticos da responsabilidade humana no aquecimento global entraram de vez para o grupo das espécies em extinção. Pelo menos em credibilidade, seus argumentos se derreteram bem antes do que o gelo marinho do Ártico. Em uma declaração emblemática do momento atual, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, comparou os que ainda negam o fenômeno aos que antes pensavam que a Lua era feita de queijo. Foi em junho, quando anunciou US$ 1 bilhão para financiar medidas que atenuem as mudanças climáticas. Embora os Estados Unidos continuem entre os três países do mundo não signatários das convenções de clima – ao lado do Vaticano e de Andorra –, o pacote ambiental mostra que até a nação mais poderosa do planeta começa a se curvar à pilha de evidências científicas que comprovam que a Terra está febril. E que a culpa é nossa. Não por acaso, o anúncio ocorreu após a divulgação dos dois últimos relatórios da quinta edição do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, em março e abril deste ano. Com a participação de mais de 800 pesquisadores de 130 países, o estudo prevê que as emissões de gases causadores do efeito estufa elevarão a temperatura média do planeta entre 2,6°C e 4,8°C até o fim do século. E conclui, com “95% de certeza”, que o homem foi o principal responsável pela elevação das temperaturas, especialmente a partir de 1950. 1

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Mudanças climáticas se tornam debate urgente em 2014

Mesmo no mais destacado bastião do ceticismo, os Estados Unidos, aumenta o consenso de que o planeta corre perigo e que a reação deve começar já

por Letícia Duarte02/08/2014 | 15h06

Mapa   da   nasa   mostrando   as   temperaturas   acima (cores quentes) e abaixo (cores frias) da média história em junho de 2014 Foto: Gabriel Renner / Arte ZH

No calendário das mudanças climáticas, 2014 poderia ser   assinalado   como   o   ano   em   que   os   céticos   da responsabilidade   humana   no   aquecimento   global entraram   de   vez   para   o   grupo   das   espécies   em extinção.   Pelo   menos   em   credibilidade,   seus argumentos se derreteram bem antes do que o gelo marinho do Ártico.

Em uma declaração emblemática do momento atual, o presidente   dos   Estados   Unidos,   Barack   Obama, comparou os que ainda negam o fenômeno aos que antes pensavam que a Lua era feita de queijo. Foi em junho,  quando anunciou  US$ 1  bilhão  para   financiar medidas   que   atenuem   as   mudanças   climáticas. Embora  os  Estados  Unidos  continuem entre  os   três países do mundo não signatários das convenções de clima – ao lado do Vaticano e de Andorra –, o pacote ambiental mostra que até a nação mais poderosa do planeta   começa   a   se   curvar   à   pilha   de   evidências científicas que comprovam que a Terra está  febril.  E que a culpa é nossa. Não por acaso, o anúncio ocorreu após a divulgação dos dois últimos relatórios da quinta edição   do   Painel   Intergovernamental   de   Mudanças Climáticas   (IPCC),  da  ONU,  em março  e  abril  deste 

ano. Com a participação de mais de 800 pesquisadores de 130 países,  o  estudo prevê  que as  emissões  de gases   causadores   do   efeito   estufa   elevarão   a temperatura média do planeta entre 2,6°C e 4,8°C até o fim do século. E conclui, com  “95% de certeza”, que o homem foi o principal responsável pela elevação das temperaturas, especialmente a partir de 1950.

–  Os que negam a mudança climática  sugerem que ainda existe debate científico, mas não existe – definiu Obama, considerando encerrada a polêmica.

As   projeções   feitas   pelo   Painel   de   Mudanças Climáticas da ONU são tão contundentes que ignorá-las   virou   um   risco.   A   elevação   da   temperatura   é associada  a   riscos  crescentes  de  eventos  climáticos extremos,   infestação   de   doenças   associadas   a mosquitos,  falta de água e de alimentos. Nada muito diferente  do que cientistas   já  vinham alertando,  mas com   cada   vez   maior   base   de   confiabilidade.   E   de urgência.

–   2014   é   um   ano   importante   nessa   discussão   de mudanças climáticas. Chegamos ao quinto relatório do IPCC e ele deixa claro que a gente  já ultrapassou o ponto em que a mitigação das emissões de poluentes seria   suficiente   para   reverter   o   quadro.   Agora precisamos   falar   em   adaptações.   Mesmo   que parassem   todas   as   emissões,   pelos   próximos   cem anos ainda sentiríamos os efeitos – argumenta Fabio Scarano, vice-presidente sênior da divisão Américas da Conservação Internacional  e professor da UFRJ, que foi   um   dos   responsáveis   pelo   capítulo   da   América Central e do Sul do IPCC.

Os sintomas estão em toda parte. Porto Alegre teve o janeiro mais quente de sua história e, atualmente, São Paulo sofre com a falta crônica de água. Situações que tendem a se agravar nas próximas décadas, com mais enchentes na região Sul, seca no Sudeste e riscos de desertificação em regiões da Amazônia e do Nordeste. Mas, claro, nada é tão ruim que não possa piorar. O professor   Marcos   Buckeridge,   do   Instituto   de Biociências   da   USP,   explica   que   o   aumento   da concentração de gás carbônico na atmosfera tem como consequência   uma   espécie   de   “obesidade   vegetal”. Assim,   apesar   de   as   plantas   crescerem   mais,   por fazerem   mais   fotossíntese   com   o   CO2,   perdem nutrientes,   porque   a   concentração   de   nitrogênio   é reduzida.   A   se   confirmarem   as   previsões   de   que   a concentração de gás carbônico na atmosfera dobrará até 2080, o percentual de nitrogênio das plantas cairá 7%, afetando a qualidade agrícola.

– Talvez seja preciso mudar o cultivo das regiões, e isso custa dinheiro. É o custo da mudança climática. A qualidade da soja vai baixar, o alimento pode se tornar 

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mais caro, o que pode levar a problemas econômicos, porque a qualidade esperada pelo comprador pode não ser correspondida – enumera Buckeridge.

Em   vez   de   se   ater   a   um   discurso   apocalíptico,   no entanto,   os   pesquisadores   preferem   mirar   nas oportunidades de uma virada sustentável. Visto como um bom exemplo ambiental no cenário global, o Brasil teria chance de ser protagonista da mudança.

– O Brasil é o celeiro do mundo, poderíamos aproveitar este momento para produzir  mais comida. Para  isso, precisaríamos   de   uma   nova   revolução   verde, investindo em técnicas de biologia molecular – defende Buckeridge.

A virada  também passa por  mudança nas  fontes  de energia. Segundo Suzana Kahn, professora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia   (Coppe)   da   UFRJ   e   vice-presidente   do IPCC, 80% do aumento das emissões dos gases do efeito   estufa   se   deve   à   queima   de   combustíveis fósseis, o que torna a questão do aquecimento global um problema no uso de energia. E os obstáculos para a  transição são mais de natureza econômica do que tecnológica.

–  As   tecnologias   existem.   Temos   veículos   elétricos, biocombustíveis,   energia   solar.   Não   precisamos descobrir nada novo, mas passa por uma questão de economia,   de  mudar   o  modelo,   retirar   subsídios   de setores   poluentes.   Com   isso   já   é   possível   reduzir significativamente as emissões. Algumas mudanças já estão   acontecendo,   tanto   que,  mesmo   com  a   crise, foram as energias renováveis as que mais cresceram – pondera Suzana.

Colocar a culpa nos custos não serve como desculpa para   a   inércia.   Fabio   Scarano,   da   Conservação Internacional,   lembra   que   medidas   baratas   como proteger   os  mangues  podem ser   tão  eficazes   como construir caríssimos diques para conter a elevação do nível dos oceanos.

– Ficou provado que, quando o tsunami atingiu as ilhas do Pacífico, as que tinham mais cobertura vegetal na costa   sofreram  menos   impacto   do   que   as   que   não tinham – exemplifica Scarano.

Diante   das   adversidades   climáticas,   a   gestão   das cidades  precisará  ser   repensada para  evitar  o  caos. Em vez de agir nas emergências e se espantar com cada “chuva histórica”, governantes precisarão investir em planos de contenção de longo prazo.

– Existe uma tendência de culpar a natureza, mas onde as   pessoas   mais   atingidas   costumam   morar? 

Geralmente   em   áreas   de   risco,   com   drenagem negligenciada ao longo dos anos. A mudança no clima vai   exigir   outra   maneira   de   pensar   nas   ações, especialmente   na   gestão   pública.   É   uma   mudança global,  mas requer ações  locais – defende o biólogo Jackson Müller, professor da Unisinos.

Aos  que  preferem criticar   o   IPCC como  instrumento político, o climatologista do Centro Polar e Climático e chefe   do   Departamento   de   Geografia   da   UFRGS, Francisco Aquino, contrapõe com a ciência:

– Que decisão os governos vão  tomar com base no relatório, a ciência não opina. A ciência não tem lado. É uma resposta, soma dois com dois e dá quatro. Essa minoria   cética   não   tem   nada   de   substancial   na produção científica   internacional.  Não é  que a  gente não os queira, a gente não tem como considerar.

Os  prognósticos   indicam  que   os  mais   pobres   serão inicialmente os mais impactados pelas mudanças, mas o problema está longe de ser uma questão de classe: não há imunidade climática.

– Se a sociedade quiser virar as costas e achar esse problema não vai chegar na sua casa será um grande engano, porque isso já está no quintal de todo mundo. É um fenômeno global. Não tem como escapar – alerta Aquino

Junho deste ano foi o mais quente desde 1880Basta   olhar   para   o   mapa   de   anomalias   climáticas produzido pela Nasa  (na ilustração deste post)  para enxergar   como   o   planeta   está   esquentando.   A temperatura  média   em   junho   de   2013   ficou   0,61ºC acima   do   padrão   histórico   entre   1951   e   1980.   Na ilustração,   é   possível   identificar   os   pontos   de aquecimento, assinalados pelas cores amarelo, laranja e   vermelho.  O  Brasil   acompanha  a   onda.  Na  maior parte do Rio Grande do Sul, a temperatura média ficou 1ºC   acima   da   média.   Outra   medição,   feita   pela Administração  Nacional  Oceânica   e  Atmosférica   dos Estados  Unidos   (NOAA),  mostra   que   a   temperatura média no mês de junho deste ano foi  a mais quente desde que os registros começaram, em 1880. 

O MUNDO COM FEBRE

> O Brasil está aquecendo em todas as regiões, com chuvas irregulares.  No  Rio  Grande  do  Sul,  a tendência é mais calor e chuva: além da elevação das temperaturas, que fez Porto Alegre registrar em 2014 o janeiro mais quente desde o início das medições, em 1916, o volume de precipitações já aumentou 8% em relação aos padrões históricos de 1945 até 1974.

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> Os Estados Unidos enfrentam uma das piores secas de sua história recente.  Em  maio,  mais   de 30% do país registrava seca,  tendo pelo menos sete Estados com estiagem severa em metade do território. Em compensação,   junho deste  ano  foi  o  sexto  mais úmido desde que as medições nacionais começaram, em 1895.

> As emissões crescentes de gases de efeito estufa aumentarão significativamente o risco de inundações na Europa,   especialmente   na   região litorânea.   Já   no   sul   do   continente   a   seca   deve   se acentuar,   reduzindo   a   disponibilidade   de   água, afetando a produtividade agrícola.

> Até 2020, projeta-se que entre 75 e 250 milhões de pessoas sejam expostas à maior escassez de água na África,   com   redução   de   até   50%   na   produção agrícola   irrigada   pela   chuva   e   ameaças   de desertificação.

> Na Ásia, o derretimento das geleiras no Himalaia deve aumentar as inundações e avalanches de pedras de encostas. As cheias ameaçam mortalidade endêmica por diarreia e cólera. Bangladesh é um dos países mais ameaçados: até 2050, pode perder 17% de seu território pela elevação do nível do mar, o que obrigaria o deslocamento de 18 milhões de pessoas. 

> Previsão de agravamento de períodos de seca na Austrália. Em junho deste ano, choveu 28% da média normal  para o  mês no oeste do país.  Problemas de falta   de   água   devem   se   intensificar   até   2030,   com perda significativa de biodiversidade.

> Se continuar neste ritmo, há risco de que, em 2050, o Ártico não tenha mais gelo marinho. A mudança promove a abertura de novas rotas marítimas e prospecções petrolíferas, mas também pode acirrar disputas entre potências pelo controle.

Evidências comprovam a urgência da luta contra o aquecimento global

A esperança de um novo acordo para mudar a situação está na Conferência do Clima da ONU em Paris, que ocorre no final do ano

por Bruno Felin24/01/2015 | 06h02

Bote volta   Ilulissat   fjord,  na costa da Groenlândia.  O lugar   é   um   dos   mais   afetados   pelas   mudanças climáticas. No Ártico, a média de declínio da camada de   gelo   é   de   13,3%   por   década.   Foto:   Steen  Ulrik Johannessen / AFP

O ano que passou terminou com as maiores médias de temperatura desde que se iniciaram as medições e a culpa é toda nossa. Só não acredita quem não quer. 

A comunidade científica, pelo menos, está convencida. Dos mais de quatro mil estudos estudos científicos que mencionam   o   tema,   97%   atribuem   as  mudanças climáticas  aos   gases   emitidos   pelo   homem.   O percentual é resultado de um levantamento feito pelo australiano   John   Cook,   da   Universidade   de Queensland, em 2013 – portanto, é possível que tenha crescido. É quase como perguntar a biólogos sobre a teoria da evolução. 

Em dezembro, a Conferência do Clima, que ocorrerá em Paris, dará aos líderes políticos mundiais mais uma oportunidade de agir pelo futuro do planeta. Espera-se que seja assinado um acordo para estabelecer novas metas de redução de emissões para valer a partir de 2020   –   e   substituir   o  Protocolo de Kyoto,   que   foi amplamente descumprido até aqui.

No   final   de   2014,   durante   a   última   conferência   em Lima,  no Peru,  as  discussões giraram em  torno  das responsabilidades   de   cada   nação   na   redução   das emissões.  Uma tentativa de atender ao princípio das “responsabilidades   comuns,   mas   diferenciadas”. Porém,  o   texto   final   ainda  é   vago,  e   as  discussões podem levar as obrigações de cada nação – e o nosso futuro   –   para   qualquer   lado.  

Para   o   astrofísico   Luiz  Gylvan  Meira   Filho,   ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e pesquisador da Universidade de São Paulo, não há como fugir de um corte brusco. 

–   Uma   parte   do   problema   é   politica,   outra   é   da natureza,  que  não  obedece  a   isso.  Não  dá  para  os seres   humanos   contrariarem   as   leis   da   física. 

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Fisicamente,   temos  que   reduizir   70%  (aos  níveis  de 1990)   até   2050   –   explica   Meira   Filho.  

Nos gráficos abaixo, as evidências demonstram a urgência por ações:  

Níveis de CO2

Os níveis de CO2 sempre variaram durante a história da  Terra.  Ao   respirar,   as  plantas   retiram  o  CO2  da atmosfera, ficam com o carbono e soltam oxigênio. Os animais puxam o oxigênio e soltam CO2. Um balanço perfeito.  Durante   centenas   de  milhares   de   anos,   os seres vivos foram morrendo e esse material indo cada vez mais para o fundo da Terra. Ao ser exposto a calor e  pressão,   se   transformou nos  combustíveis   fósseis: petróleo, gás e carvão. E aí mora o nosso problema: todo esse carbono que demorou centenas de milhares de anos para se formar está voltando para a atmosfera em apenas algumas centenas de anos.

Aumento da temperatura

A   temperatura   oscilou   durante   toda   a   história   do planeta   acompanhando   os   níveis   de   CO2   na atmosfera. Cientistas estimam que os gases do efeito estufa  emitidos  pelo  homem demorem 50 anos para começar a alterar os níveis de CO2 medidos. Por isso é   perceptível   que,   após   a   revolução   industrial,   a temperatura tenha aumentado tanto.

Aumento do nível dos oceanos 

O   aumento   do   nível   do   mar   se   dá   por   dois   fatores relacionados ao aquecimento  global:  a  água que vem do derretimento do gelo da terra e a expansão natural da água quando esquenta. Em média, o nível do mar está subindo 3.17   milímetros   por   ano.   No   último   século,   foram   17 centímetros.

Desmatamento 

Manter as florestas de pé é fundamental para combater o aquecimento,  pois  as  plantas  absorvem o CO2 e  liberam oxigênio. O Brasil tem a segunda maior área de florestas do mundo,   atrás  apenas  da  Rússia,   e   já   desmatou  muito  a Amazônia.   Porém,   os   números   vêm   reduzindo,   somos exemplo   para   outros   países.  

Em gráfico, veja o desmatamento da Amazônia nos últimos anos:

Massa de gelo 

As camadas de gelo da Antartica reduziram cerca de 147 bilhões  de  toneladas por  ano enquanto  as da Groelândia perderam  aproximadamente   258   bilhões   de   toneladas   ao ano. No Ártico, a média de declínio da camada de gelo é de 13,3% por   década   (relativo  às  médias  de  1981  a  2010).

Estudo de Harvard

Nível de oceanos subiu 30% mais do que se pensava

Mar subiu 3 milímetros por ano nas últimas duas décadas

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Condição  dos  ursos  polares  na Baía  de Hudson,  no Canadá,   vem  se  deteriorando  em   função  do   degelo Foto: Ver Descrição / Ver Descrição

Do início do século 20 até a década passada, o nível dos  oceanos   subiu   em  ritmo  30% maior   do   que   se imaginava,   de   acordo   com  um estudo   realizado  por pesquisadores  da  Universidade  de  Harvard   (Estados Unidos). 

A pesquisa, publicada na última quarta-feira, na revista Nature, confirmou as estimativas anteriores de que o mar   subiu   3   milímetros   por   ano   nas   últimas   duas décadas.  Mas,  enquanto  as  avaliações  mais  antigas apontavam para  uma  elevação  de  até  1,8  milímetro anual entre 1900 e 1990, o novo estudo indica que o nível   do   mar   subiu   apenas   1,2   milímetro   por   ano naquele   período.  Segundo   os   autores,   isso   significa que a  aceleração do aumento de nível  dos oceanos tem sido muito maior do que se imaginava. 

– O problema é maior do que pensávamos inicialmente –  disse  um dos  autores  do  estudo,  Eric  Morrow,  do Departamento de Ciências Planetárias e da Terra de Harvard,   acrescentando   que   “a   conclusão   é preocupante”.

–   Isso   significa   que   vários   dos   nossos  modelos   de previsão têm calibração inadequada. Assim, os novos dados nos farão questionar a precisão das projeções feitas para o fim do século 21. 

Para   obter   estimativas  mais   precisas   sobre   o   nível global  dos  oceanos  desde o   início  do século  20,  os autores   avaliaram   o   fenômeno   de   uma   nova perspectiva. Em simulações com métodos estatísticos, levaram em consideração dados da era do gelo – cujos efeitos ainda afetam o mar –,  padrões de circulação dos oceanos, efeitos do aumento da temperatura global e   o   derretimento   irregular   dos   mantos   de   gelo   no planeta.

De acordo com Carling Hay, coautora do tes das marés - em cada área. A partir desses registros, os cientistas calculam médias de elevação do nível dos mares em cada região. Esses dados são então reunidos para se chegar a uma estimativa da média global. 

–  Mas essas médias simples não são representativas do valor médio global

O líquido mais precioso

Conheça cinco tecnologias para enfrentar a escassez de água no mundo

A humanidade cria paliativos para a crise da água, mas precisa encará-la como recurso limitado

por Luísa Martins20/10/2014 | 08h31

Foto: Paula Castro / Especial

Dizem que o Brasil é um país privilegiado: detém 13% do   recurso   natural  mais   precioso   da   Terra,   a   água doce.   Ironicamente,   sua   a  maior   cidade   (também   a maior da América do Sul), São Paulo, está tendo que pedir ajuda do amigo São Pedro para não morrer de sede   até   o   fim   do   ano.   Se   a   chuva   não   vier   de presente,   aumentando   o   quase   zerado   nível   do Sistema Cantareira, o racionamento – já recomendado 

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pelo Ministério Público Federal e pela Agência Nacional das Águas – vai ser a única alternativa para garantir o abastecimento   a  mais   de   8  milhões   de   pessoas   na capital   paulista   e   em   outras   10   cidades   da   região metropolitana.

O país tem água de monte. O que não é equilibrado é a distribuição:  onde há menos gente,  há mais oferta – Amazônia,   por   exemplo.   Enquanto   isso,   grandes centros urbanos, como São Paulo, dispõem de menos recursos   hídricos   para   deixar   rolar   o   líquido   de torneiras, duchas e mangueiras.

"Menos"  não significaria  escassez caso as águas do Brasil  não sofressem de um mal secular:  a poluição. Fosse   diferente,   não   seria   preciso   rezar   pela   chuva nem   cogitar   –   mediante   tecnologias   caras   –   tornar potável  a  água salgada,  que corresponde a  97% do líquido disponível na Terra.

– O Rio Tietê, por exemplo: está podre. Aquela água toda   serviria   para   São   Paulo,   mas   não   pode   ser utilizada   –   lamenta   o   coordenador   do   Instituto   de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS), André Silveira.

Os  efeitos  da  poluição   comprometem o   título   que  a América   do  Sul   carrega   de   continente  mais   rico   do planeta   em   recursos   hídricos,   segundo   a  ONU  e   o Banco Mundial. Em uma perspectiva econômica, custa menos puxar água limpa de longe do que investir no tratamento da água de um rio sujo como o Tietê, afirma o  professor  Silveira.  E  a  situação  está   longe  de  ser exclusiva   do   mais   importante   rio   paulista.   No   Rio 

Grande   do   Sul,   as   bacias   dos   rios   dos   Sinos   e Gravataí, além do próprio Arroio Dilúvio, estão andando pelo mesmo caminho.

A ciência  tem trabalhado para curar  as doenças dos rios (veja algumas propostas no infográfico abaixo), na contramão  da   ação  do   homem,   que   insiste   em  não preservar seus mananciais, possivelmente por conta da abundância. Afinal, se tem de sobra, por que cuidar? 

– Uma água já preservada na origem torna-se potável muito mais facilmente e de forma mais barata – justifica Silveira,  que vê descompasso entre   investimento em saneamento e crescimento populacional no país: água até sobra, mas o planejamento falha.

– O problema do Brasil, no fim das contas, é de gestão – resume.

O diretor-presidente  da Agência  Nacional  das Águas (ANA),  Vicente  Andreu,  afirma que,  embora  97% da população   urbana   do   país   tenha   acesso   à   rede   de abastecimento, há irregularidade no fornecimento e má qualidade   da   água.   Exemplo:   no   máximo   20%   do esgoto coletado recebe tratamento – o resto é lançado nos corpos d'água. Até 2025, metade dos municípios brasileiros   pode   ter   prejuízos   nos   seus  mananciais, reservatórios, rios e águas subterrâneas.

– A água não tem a relevância que merece, seja na tomada   de   decisões,   seja   em   questões   pequenas, como os hábitos pessoais – opina Silveira.

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A agenda de cada um

Frente   a   um   cenário   preocupante,   são   necessários alguns passos para garantir o abastecimento de água no futuro. O mais fundamental deles é ampliar a prática do reúso de água.

–   Os   desperdícios   são   enormes   em   todos   os segmentos:   nas   grandes   empresas,   na  agricultura   e nas   residências  –  enumera  o  engenheiro  agrônomo, ex-secretário   de   Recursos   Hídricos,   Saneamento   e Obras   do   Estado   de   São   Paulo   e   coordenador   de Articulação e Comunicação da Agência Nacional  das Águas, Antônio Félix Domingues.

Articular a engenharia hídrica com a arquitetura pode ser   uma   boa   saída   para   o   reaproveitamento.   Um exemplo é a instalação de calhas para coleta de chuva – uma água que, embora não sirva para beber, tomar banho ou cozinhar, pode ser usada para regar a horta, limpar pisos e lavar carros.

– Usar água tratada para essas atividades é o símbolo do  mau  uso  –  diz   a  professora  Adriene  Pereira,   da Faculdade  de  Engenharia   da  Pontifícia  Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), especialista em recursos hídricos.

Ela  defende que,  assim como a  Eco-92 estabeleceu uma agenda mundial – a Agenda 21 – para proteção da qualidade dos   recursos  de água doce em escala global, é preciso que cada um pense em sua própria realidade   e   estabeleça   uma   agenda   pessoal   de consumo consciente. A começar pelas dicas básicas: desligar o chuveiro enquanto se ensaboa e escovar os dentes com a torneira desligada. 

Além disso, atenção (de novo) ao descarte de resíduos contaminantes nas águas.

– A água é o receptor universal dos poluentes. É para onde  toda a  gororoba vai.   Isso  pode começar  a  ser revertido se as pessoas passarem a, além de evitar o desperdício,   dar   destino   certo   ao   seu   próprio   lixo   – explica Adriene. 

No início da década de 1990, o vulcão Pinatubo, nas Filipinas, entrou em erupção e protagonizou uma das maiores explosões do século 20. Com a ação, foram lançadas à atmosfera milhões de toneladas de dióxido de  enxofre,  em um evento  que  derrubou,  pelos   três anos seguintes, as temperaturas médias da Terra em quase   0,5°C.  

Por   reação   natural,   as   partículas   que   ficaram suspensas  no  ar   ajudaram a   refletir   a   radiação  que incide  no  planeta  de  volta  para  o  espaço.  O evento 

lançou   luz   a   uma   alternativa   até   então   pouco explorada:   reproduzir   o   evento,   artificialmente,   como uma   forma   de   frear   o   aquecimento   global.  

Não demorou muito  para  que cientistas  ao  redor  do mundo   começassem   a   pensar   em   estratégias   para colocar o projeto em prática. Foram criados projetos de aviões, balões gigantes e até navios que seriam postos em   ação,   pulverizando   gotas   de   ácido   sulfúrico   na estratosfera.  

A  ideia,  capaz de desafiar  até a mente dos maiores escritores de ficção científica, já não parece estar tão longe.   Faz   parte   de   um   conjunto   de   técnicas   de manipulação da natureza em larga escala batizada de geoengenharia,   uma   área   de   estudo   que   vêm desenvolvendo   jeitos   de   modificar   o   ambiente   e   o sistema climático para combater o aquecimento global. 

Algumas   dessas   técnicas   já   foram   propostas   e estudadas   desde   a   década   de   1970.   Vai   desde   a colocação de espelhos gigantes em órbita no planeta (o que refletiria os raios solares), a criação de florestas de árvores artificiais (capazes de absorver mais CO2 que as naturais), até mudanças no fundo do mar, como fertilizar   os   oceanos   com   ferro   (para   estimular   o crescimento de  fitoplânctons e absorver  o dióxido de carbono). 

David Keith, físico da Universidade de Harvard, afirma que   a   geoengenharia   pode   ser   uma   ferramenta extremamente poderosa para amenizar  os efeitos do aquecimento   global.   Mas   suas   opiniões   não   são unanimidade no meio acadêmico. Durante muito tempo considerado   mera   especulação,   essas   opções   hoje avançam   dentro   e   fora   de   laboratórios   e   dividem pesquisadores.  Enquanto alguns condenam os riscos de  interferir  na natureza desta  forma, outros afirmam que,   se   as   concentrações   de   carbono  na   atmosfera alcançarem um estágio crítico, a geoengenharia será a única forma de controlar nosso clima. E esse patamar está   próximo   de   se   tornar   realidade.

O momento é de cautela

Conforme   o   5º   e   último   relatório   do   Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), divulgado em novembro de 2014, as emissões dos principais gases que provocam o efeito estufa estão no maior nível em 800 mil anos e, se não houver   uma   ação   imediata,   em   pouco   tempo   as mudanças   climáticas   causarão   impactos   graves   e irreversíveis no mundo. 

Para que a elevação da temperatura média da Terra não   ultrapasse   os   2ºC   –   meta   da   comunidade 

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internacional – os governos precisariam reduzir a zero a emissão desses gases até 2100, detalhou o relatório. Não   à   toa,   neste   mesmo   ano,   o   IPCC   passou   a mencionar   a  Geoengenharia   como  uma   ciência   que poderia   prover   soluções   importantes   para  mitigar   as alterações, mas que demanda mais pesquisas.

Para   o   astrofísico   Luiz  Gylvan  Meira   Filho,   ex-vice-presidente   do   IPCC   e   pesquisador   do   Instituto   de Estudos  Avançados   da  Universidade   de  São  Paulo, somente reduzir as emissões de gases de efeito estufa já não é mais suficiente para reverter o aquecimento global.

— Um   pouco   de   geoengenharia   será   necessário inevitavelmente.  Acredito   que   essas   técnicas   podem ajudar.  Há  que  proceder   com cautela,   para  evitar   a criação de problemas ainda maiores — pondera.

Uma das principais críticas à geoengenharia está nas incertezas que ainda se tem quanto às consequências de alterar os padrões naturais da Terra. No caso das nuvens de ácido sulfúrico, especula-se que poderiam piorar   a   seca   do   planeta   e   até   provocar   um esgotamento   da   camada   de   ozônio.  

Por isso, na mesma proporção em que vêm ganhando investimentos para pesquisa, as propostas despertam o  interesse de organizações ambientais que, em sua maioria, não as vêem com bons olhos. 

Em   dezembro   de   2014,   a   organização   não-governamental   canadense   ETC   Group   divulgou   um relatório afirmando que determinadas técnicas podem até   ser   benéficas   na   redução   da   temperatura   em algumas   áreas   do   planeta,   mas   poderão   trazer impactos negativos em continentes como a África, com importantes consequências sociais e agrícolas. 

O   problema,   explica   Anibal   Gusso,   professor   de climatologia   da   Unisinos,   é   que   estas   e   outras possíveis  consequências  são meras  especulações,  e não   se   sabe   ainda   quais   seriam   os   reais   efeitos colaterais a médio e longo prazo. Meira Filho defende que as pesquisas devem seguir,  mas que os  testes, fora   de   laboratórios,   devem   ser   feitos   em   pequena escala:

— Sabemos que os riscos dependem da  técnica.  De um   modo   geral,   as   estratégias   de   modificação   do balanço   de   energia   solar   podem   ter   outras consequências  não  previstas  e,   portanto,   devem ser desenvolvidas em pequena escala até que os outros efeitos sejam bem entendidos e os riscos eliminados — afirma Meira Filho. 

Para Gylvan, há um risco real,  mas nem por  isso as pesquisas devem ser abandonadas. É o que defende o climatologista Anibal Gusso:

— Os estudos não devem deixar de acontecer, mas a prioridade, quando o tema é aquecimento global, deve ser outra. É preciso pensar em alternativas para mitigar os   efeitos   em   termos   de   redução   de   consumo,   de tecnologias renováveis e eficiência energética, ou seja, estratégias   para   que   a   energia   seja   mais   limpa   e melhor aproveitada — resume Gusso. 

As   pesquisas   dentro   de   laboratórios   seguem recebendo   investimentos   ao   redor   do  mundo —   em 2012,   a   China   situou   a   geoengenharia   entre   suas prioridades  em pesquisa   sobre  as   ciências  da   terra. Mas, atualmente, só são permitidos testes na natureza de pequena escala, que não afetem a biodiversidade, conforme uma regra determinada pela Convenção da ONU sobre Biodiversidade, de 2010.

*Com informações de Henry Fountain, do The New York Times

//// 4 perguntas para David Keith - Físico

Pesquisador da Universidade de Harvard e um dos defensores mais entusiasmados da pesquisa sobre geoengenharia solar é autor do livro A Case for Climate Engineering (sem tradução para o português), no qual explica os aspectos práticos desta estratégia. Por e-mail, ele conversou com ZH.

A geoengenharia não poderia distrair a população contra o problema real, que é o nosso estilo de vida e a quantidade de poluição que produzimos?

Esta questão é uma das principais preocupações que temos. No entanto, eu não acredito que seja um argumento válido para ir contra o avanço nas pesquisas sobre geoengenharia. Para frear os riscos que as mudanças climáticas irão trazer a longo prazo, causado pelas emissões de dióxido de carbono, teríamos de reduzir a zero essas emissões. A meta da geoengenharia solar deve ser diminuir a taxa com que a atmosfera está se aquecendo por causa das alterações climáticas, não revertê-la.

Essas técnicas de geoengenharia acarretam efeitos globais, e não locais, o que pode gerar uma discordância entre países, correto? Como isso seria contornado?

Claro que vai gerar desacordo entre os países, essa é uma das maiores preocupações. No entanto, como o custo deste tipo de estratégia é relativamente barato,

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e a eficácia parece ser relativamente igual para todos, acredito que é um problema de governança mais fácil de resolver do que muitos outros. Certamente não é verdade que cada país tem que concordar. O mundo possui políticas governamentais de regulamentação da internet, da poluição climática e marinha, entre outros, sem que todos concordem.

Pesquisadores já fizeram testes com a injeção de aerossóis de ácido sulfúrico na estratosfera. Quais são os riscos e as desvantagens desta técnica?

É difícil resumir isso, pois são mais de 20 artigos científicos que dissertam sobre o tema. O que posso dizer é que o saldo atual das evidências sugere que a geoengenharia solar, se aplicada de forma limitada e com cautela, reduziria significativamente riscos climáticos na maioria dos lugares no mundo.

Quando e em que termos a geoengenharia pode se tornar uma realidade para reduzir o impacto das mudanças climáticas?Infelizmente, eu não tenho ideia.·.

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