Notas de Algebra 1 - im.ufrj.brim.ufrj.br/~lucascala/ensino/20182/algebraI/notasalgebra1.pdf ·...
Transcript of Notas de Algebra 1 - im.ufrj.brim.ufrj.br/~lucascala/ensino/20182/algebraI/notasalgebra1.pdf ·...
Notas de Algebra 1
Luca Scala
Universidade Federal do Rio de Janeiro
20 de Novembro de 2018
Conteudo
1 Introducao a Teoria dos Conjuntos 3
1.1 Alguns axiomas da teoria dos conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Relacoes e Funcoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.2.1 Relacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.2.2 Funcoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.3 Axioma da Escolha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.4 Relacoes de Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.5 Relacoes de Equivalencia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2 Os Inteiros 32
2.1 Operacoes, Estruturas Algebricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2.1.1 Semigrupos, Monoides, Grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2.1.2 Aneis, Dominios, Aneis a Divisao, Corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.1.3 Aneis, Domınios e Corpos Ordenados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.1.4 O Principio de Boa Ordenacao e a caraterizacao dos Inteiros . . . . . . . . . . . . . . 39
2.1.5 O anel dos Inteiros como o unico anel ordenado que satisfaz ao Princıpio da Boa
Ordenacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
2.2 Inducao Matematica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
2.2.1 O Princıpio de Inducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
2.2.2 Inducao Forte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
2.2.3 Equivalencia entre o Principio de Inducao e Princıpio da Boa Ordenacao . . . . . . . . 49
2.2.4 O Teorema de Recursao e as Definicoes por Inducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
2.3 Divisibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.3.1 A Divisao Euclidiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.3.2 Ideais em Z . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
2.3.3 Maximo Divisor Comum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
2.3.4 Algoritmo de Euclides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
2.3.5 Primalidade Relativa. Teorema de Euclides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
2.3.6 Equacoes Diofantina Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
2.3.7 Mınimo Multiplo Comum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
2.3.8 Irredutıveis e Primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
2.3.9 O Teorema Fundamental da Aritmetica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
2.3.10 Consequencias do Teorema Fundamental da Aritmetica . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
2.3.11 Crivo de Erathostenes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
2.3.12 Distribuicao dos Primos. O Teorema dos Numeros Primos. . . . . . . . . . . . . . . . 75
1
3 Aritmetica Modular 80
3.1 O anel Z{nZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
3.1.1 A relacao de congruencia modulo k e o seu conjunto quociente. . . . . . . . . . . . . . 80
3.1.2 Operacoes em Z{kZ. Estrutura de anel comutativo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
3.1.3 Caraterıstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
3.1.4 Lei de Cancelacao. Inversos multiplicativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
3.1.5 Divisores de zero, nilpotentes, idempotentes em Z{kZ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
3.2 Congruencias e Teorema Chines do Resto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
3.3 Funcao Totiente de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
3.4 Os Teoremas de Fermat, Euler-Fermat, Wilson. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
2
Capıtulo 1
Introducao a Teoria dos Conjuntos
1.1 Alguns axiomas da teoria dos conjuntos
Comecamos aqui a dar uma descricao da teoria dos conjuntos. A intencao e aquela de explicar precisamente
alguns axiomas que se usam de frequente, afim que o estudante tenha uma ideia precisa do que se pode fazer e,
sobretudo, nao fazer, com o conceito de conjunto. Nao temos nenhuma intencao de ser nem exaustivos, nem
de dar uma tratacao via a logica formal; o recurso a logica e pensado para conferir clareza e rigor, mas nao
queremos entrar em questoes logicas profundas. Nao introduziremos os axiomas do que o estudante nao vera
(em breve) o uso. Usaremos aqui predicados de forma mais geral do que visto antes, sem necessariamente
que estejam definidos num conjunto universo U dado (ou seja, sem necessariamente estar interpretados):
e suficiente que as formulas que aparecem estejam bem formadas1. Uma ultima advertencia: na teoria
dos conjuntos moderna nao ha diferenca entre elementos e conjunto: ou seja, qualquer objeto da teoria
e um conjunto: esta ”restricao”tem uma razao de ser (e suficiente conhecer a construcao dos numeros
naturais que se faz em teoria dos conjuntos para ficar satisfeitos). Para o estudante que comeca (e que nao
conhece os desenvolvimentos da matematica) esta restricao pode ser intuitivamente estranha. Por isto aqui
diferenciaremos os elementos que nao sao conjuntos (tambem chamados urelementos) e conjuntos.
Os conceitos e simbolos primitivos da teoria, alem dos simbolos usados na logica dos predicados, sao
Conceitos e Simbolos primitivos: “, P (pertence), H.
Se x P A, diremos que x pertence a A, ou que A contem x. Diremos que x R A se px P Aq e verdadeira.
Definicao 1.1.1. Um objeto A da teoria e um conjunto se A contem algum outro objeto, ou se A “ H.
Mais formalmente
A e um conjunto Ø rpDxqpx P Aq _ pA “ Hqs .
Corolario 1.1.2. H e um conjunto2.
Proposicao 1.1.3. Se A e um conjunto e A nao contem objetos, entao A “ H.
Demonstracao. Se A nao contem elementos, entao p@xqpx R Aq, ou seja p@xqp px P Aqqq ðñ pDxqpx P Aq.
Mas entao pDxqpx P Aq e falsa. Mas se A e conjunto, entao pDxqpx P Aq _ pA “ Hq e verdadeira: mas, se
pDxqpx P Aq e falsa, a unica possibilidade e que A “ H.
1Por exemplo, a formula Ñ x@ nao e bem formada2Na moderna teoria dos conjuntos o conjunto vazio H e dado por axioma
3
Axioma da Extensionalidade. O proximo axioma, de importancia fundamental, afirma que dois con-
juntos sao iguais se contem os mesmos elementos.
Axioma 1.1.4 (Axioma da Extensionalidade). Dois conjuntos A e B sao iguais se e somente se contem os
mesmos elementos, ou seja
A “ B Ø p@xqpx P AØ x P Bq .
Definicao 1.1.5. Sejam A e B conjuntos. Dizemos que A Ď B se cada elemento de A e elemento de B, ou
seja
A Ď B Ø p@xqpx P AÑ x P Bq .
Proposicao 1.1.6. Sejam A, B conjuntos. Entao A “ B se e somente se A Ď B e B Ď A.
Demonstracao. Temos que
A “ B ðñ p@xqpx P AØ x P Bq ðñ p@xqrpx P AÑ x P Bq ^ px P B Ñ x P Aqs
ðñ p@xqpx P AÑ x P Bq ^ p@xqpx P B Ñ x P Aq ðñ pA Ď Bq ^ pB Ď Aq
Reparamos que usamos a regra de distribuicao do quantificador universal
p@xqpP pxq ^Qpxqq ðñ p@xqP pxq ^ p@xqQpxq .
Axioma da Separacao ou de Especificacao ou da Pertinencia Restrita. O proximo axioma explica
como obter novos conjuntos a partir de conjuntos dados e de alguma propriedade definida sobre eles.
Axioma 1.1.7 (Axioma da Separacao, Especificacao ou da Pertinencia Restrita). Seja A um conjunto e
seja P pxq um predicado definido3 em A. Entao a colecao de objetos
AP :“ tx P A | P pxq “ V u
e um conjunto, as vezes chamado o conjunto de verdade do predicado P em A.
Observacao 1.1.8. O Axioma de Separacao pode ser reformulado da forma seguinte (ligeiramente mais
formal). Se A e um conjunto e P pxq e um predicado definido em A, entao a colecao de objetos
tx | px P Aq ^ P pxqu
e um conjunto (que definimos como AP ).
Corolario 1.1.9. No axioma precedente, e claro que AP Ď A.
O conjunto vazio. Vimos como segue da definicao de conjunto que o objeto H e um conjunto; mas nao
sabemos que e o conjunto vazio. Demonstramos agora que H nao contem elementos e que e unico.
Proposicao 1.1.10. O conjunto H nao contem elementos. Alem disso, ele e unico, ou seja, qualquer
conjunto que nao contenha elementos e igual a ele.
3ou seja tal que P px0q faca sentido por cada x0 P A
4
Demonstracao. Consideramos o predicado ‰: x ‰ x, definido em H (a igualdade, e entao a sua negacao, e
definida por qualquer objeto da teoria). Entao a colecao de objetos
H‰ “ tx P H | x ‰ xu
e um conjunto pelo axioma de separacao. Supomos agora que x P H‰; entao temos que x ‰ x, ou seja, um
absurdo. Entao temos que
p@xqpx R H‰q .
ou seja, H‰ e um conjunto que nao contem elementos. Mas entao H‰ “ H. Mas entao
p@xqpx R H‰q ðñ p@xqpx R Hq
ou seja, H e um conjunto que nao contem elementos. Por a proposicao ??, ele e unico.
Exercicio 1.1.11. Se A e um conjunto qualquer, entao A Ď A.
Exercicio 1.1.12. Se A e um conjunto qualquer, entao H Ď A.
Exercicio 1.1.13. Se A e um conjunto e A Ď H, entao A “ H.
O Paradoxo de Russell. Provamos agora que nao existe um conjunto que contem tudo, ou seja,
pDAqp@xqpx P Aq .
Supomos que um tal A exista. Podemos entao considerar, em A, o predicado P pxq : x R x, que faz sentido para
todo objeto de A, porque faz sentido para todo objeto da teoria, por conceito primitivo. Mas entao pelo axioma da
separacao, poderiamos considerar o subconjunto
AP “ tx P A | P pxqu “ tx P A | x R xu .
Mas AP e um objeto da teoria. Entao AP P A. Mas disto segue AP R AP . Mas entao P pAP q “ F , ou seja AP P AP .
Ou seja, conseguimos derivar
pAP R AP q ^ pAP P AP q
ou seja temos p^ p “ F , ou seja, a contradicao.
O paradoxo de Russel mostra que nao existe o conjunto de todos os conjuntos, ou seja, a colecao U “ tB | B e conjuntou
nao e um conjunto. A demonstracao e parecida a demostracao acima. Se U fosse um conjunto, poderiamos, pelo
axioma de separacao, considerar o subconjunto
UR :“ tB P A | B R Bu
e raciocinar exactamente como acima: teriamos ao mesmo tempo UR P UR e UR R UR, ou seja, o absurdo. O paradoxo
de Russel mostra tambem que o Axioma de Separacao nao se pode dar de forma mais forte, ou seja, da forma
Axioma (Axioma da Pertinencia Irrestrita) Dado qualquer predicado P pxq definido nos objetos da teoria, a colecao
de objetos
tx | P pxqu
e um conjunto.
O axioma acima apareceu na tratacao de teoria dos conjuntos elaborada por Gottlieb Frege. Russell exibiu rapida-
mente o seu raciocinio (paradoxo) e desmontou de forma espectacular toda a teoria de Frege.
Por esta razao nao podemos falar de conjunto de todos os conjuntos4. Podemos falar de familias de conjuntos.
Definicao 1.1.14. Uma familia de conjuntos e um conjunto cujos elementos contidos sao conjuntos.
4Evidentemente, como provamos, existem colecoes de objetos que nao sao conjuntos. Em geral dizemos que uma colecao de
objetos e uma classe. Se uma classe nao e um conjunto, entao falamos de classe propria: por exemplo, a colecao de todos os
conjuntos e uma classe propria. Uma classe que e tambem um conjunto e uma classe pequena.
5
Intersecao e Uniao.
Notacao 1.1.15. Indicaremos com tAλuλPΛ uma familia de conjuntos Aλ, indexada por um conjunto Λ.
Aqui Aλ sao os elementos do conjunto tAλuλPΛ.
Definicao 1.1.16. Sejam A, B conjuntos. A intersecao AXB e definida como
AXB :“ tx P A | x P Bu “ tx | px P Aq ^ px P Bqu
Pelo axioma da Separacao (na primeira versao para a primeira definicao e na segunda versao para a segunda
definicao), AXB e um conjunto.
Exercicio 1.1.17. Deixamos ao leitor verificar que AXB e unico, ou seja, que qualquer conjunto C tal que
x P C se e somente se x P A e x P B, entao C “ AXB. (se use o axioma de extensionalidade).
Mais em geral, temos que
Definicao 1.1.18. Seja tAλuλPΛ uma familia nao vazia de conjuntos (ou seja Λ ‰ H. Entao a colecao de
objetosč
λPΛ
Aλ :“ tx | p@λ P Λqpx P Aλqu
e um conjunto, chamado intersecao da familia tAλuλPΛ.
Observacao 1.1.19. Que seja um conjunto vem do Axioma de Separacao observando que
p@λ P Λqpx P Aλq “ px P Aλ0q ^ p@λ P Λqpx P Aλq
onde λ0 e um elemento fixado de Λ e p@λ P Λqpx P Aλq e um predicado definido em Aλ0. Para provar isto
e suficiente ver que se P pλq e um predicado com universo Λ conjunto fixado, entao a proposicao P pλ0q ^
p@λqpP pλqq e equivalente a proposicao p@λqpP pλqq, onde λ esta em Λ.
Exercicio 1.1.20. O que acontece na definicao de intersecao de uma familia se ela e vazia, ou seja se Λ “ H?
Exercicio 1.1.21. Sejam A, B, C, X conjuntos. Provar que
1. AXB “ B XA;
2. pAXBq X C “ AX pB X Cq;
3. AXA “ A; AXH “ H;
4. AXB Ď A; AXB Ď B;
5. A Ď B ðñ AXB “ A;
6. Supomos que A Ď X, B Ď X. Entao AX B Ď X. Alem disso, AX B e o maximo subconjunto de X
contido em A e B, ou seja: se C Ď X, e C Ď A, C Ď B, entao C Ď AXB.
7. Extender a propriedade acima a uma familia tAλuλPΛ de subconjuntos de X;
Para a reuniao nao podemos usar o axioma de separacao para mostrar que a reuniao e um conjunto. Preci-
samos de um axioma especifico para isso.
6
Axioma 1.1.22 (Axioma da Reuniao). Dados A, B conjuntos existe um conjunto C tal que
p@xqrx P C Ø px P Aq _ px P Bqs .
Um tal conjunto com tal propriedade e unico5 e e comunemente indicado com o simbolo AYB; escrevaremos
AYB “ tx | px P Aq _ px P Bqu .
Mais em geral se tAλuλPΛ e uma familia arbitraria6 de conjuntos, entao existe um conjunto C com a
propriedade
p@xqrx P C Ø pDλqpx P Aλs .
Se mostra tambem neste caso que um conjunto com esta propriedade e unico, e e comunemente indicado
comŤ
λPΛAλ. Escrevaremosď
λPΛ
Aλ “ tx | pDλqpx P Aλqu .
Exercicio 1.1.23. Sejam A, B, C, X conjuntos. Provar que
1. AYB “ B YA
2. pAYBq Y C “ AY pB Y Cq;
3. AYA “ A, AYH “ A.
4. A Ď AYB, B Ď AYB;
5. AYB ðñ AYB “ B;
6. Supomos que AYX, B YX; entao AYB YX. Alem disso AYB e o mınimo subconjunto de X que
contem A e B, ou seja: se C Ď X, A Ď C, B Ď C, entao AYB Ď C.
7. Extender a propriedade acima a uma familia tAλuλPΛ de subconjuntos de X;
Proposicao 1.1.24. A intersecao de conjuntos distribui em relacao a reuniao, e viceversa. Mais precisa-
mente, se A, B, C sao conjuntos, temos
AX pB Y Cq “ pAXBq Y pAX Cq
AY pB X Cq “ pAXBq Y pAX Cq
Demonstracao. A demonstracao e uma consequencia do fato que _ distribui em relacao a ^, e viceversa.
Diferenca. Definimos agora a diferenca de conjuntos.
Definicao 1.1.25. Sejam A, B conjuntos. A diferenca AzB e a colecao
AzB :“ tx P A | x R Bu .
E consequencia imediata do Axioma de Separacao que AzB e um conjunto e que e unico.
Proposicao 1.1.26. Sejam A, B conjuntos. Entao
1. AzA “ H;
5usar o axioma de extensionalidade6pode ser vazia
7
2. AzH “ A;
3. AzpAXBq “ AzB;
4. AX pAzBq “ AzB;
5. pAzBq YB “ AYB;
6. pAYBqzB “ AzB;
7. pAXBqzB “ H;
8. pAzBq XB “ H;
Definicao 1.1.27. Diremos que dois conjuntos A e B sao disjuntos se AXB “ H.
Proposicao 1.1.28 (Regras de De Morgan). Sejam A, B, C conjuntos. Entao
AzpB Y Cq “ pAzBq X pAzCq
AzpB X Cq “ pAzBq Y pAzCq
Definicao 1.1.29. Seja A um subconjunto de X. Definimos o complementar de A em X o conjunto7
AX
:“ XzA .
Corolario 1.1.30 (Regras de De Morgan, versao 2). Sejam A, B subconjuntos de X. Entao
AYBX“ A
XXB
X
AXBX“ A
XYB
X
Exercicio 1.1.31. Seja A um conjunto. Provar que a colecao
tx | x R Au ,
nao pode nunca ser um conjunto. Este fato mostra que o complementar absoluto de um conjunto A nao
existe como conjunto.
Exercicio 1.1.32. Se A, B, X sao conjuntos e A Ď X, B Ď X, entao
AzB “ AXBX.
Axioma do Par. Ate agora na teoria so sabemos que existe um objeto: o conjunto vazio. O proximo
axioma nos permite de de fato construir outros conjuntos diferentes do vazio.
Axioma 1.1.33 (Axioma do Par). Sejam x, y objetos da teoria. Entao existe um conjunto C que contem
exactamente os objetos x e y. Mais formalmente, dados x, y,
pDCqrz P C Ø pz “ xq _ pz “ yqs .
Notacao 1.1.34. Se demonstra com o axioma da extensionalidade que um tal conjunto e unico; ele vem
denotado com tx, yu. Alem disso, se x “ y, entao txu :“ tx, xu.
7segue sempre do Axioma da Separacao.
8
O ”Par”tx, yu denotado pelo conjunto e um par nao ordenado. De fato:
Exercicio 1.1.35. Sejam x, y, z, w elementos da teoria. Entao
tx, yu “ tz, wu ðñ rpz “ xq ^ py “ wqs _ rpx “ wq ^ py “ zqs .
Exemplo 1.1.36. Gracas ao Axioma do Par, podemos formar o conjunto tHu, que ja nao e vazio. Este e o
primeiro conjunto nao vazio que encontrarmos na teoria. Podemos tambem formar tH, tHuu, que e diferente
do precedente, etc....
Notacao 1.1.37. Se x, y, z, w sao objetos, entao
tx, y, zu :“ tx, yu Y tzu
tx, y, z, wu :“ tx, y, zu Y twu
E claro que8 para x1, . . . , xn objetos, podemos definir o conjunto tx1, . . . , xnu como o unico conjunto que
contem exactamente os elementos x1, . . . , xn.
Exercicio 1.1.38. Sejam x, y objetos. Entao tx, u “ tyu se e somente se x “ y.
Definicao 1.1.39 (Par ordenado9). Sejam x, y objetos. Definimos o par ordenado
px, yq :“ ttxu, tx, yuu .
Proposicao 1.1.40. Sejam x, y, z, w objetos. Entao
px, yq “ pz, wq ðñ px “ zq ^ py “ wq .
Axioma do Conjuntos das Partes. O proximo axioma permite de formar o conjunto de todos os
subconjuntos de um conjunto dado.
Axioma 1.1.41 (Axioma do Conjunto das Partes). Seja A um conjunto. Entao a colecao
tB | B Ď Au .
e um conjunto. E sempre consequencia do Axioma de Extensionalidade que um tal conjunto e unico, e sera
denotado com PpAq; este conjunot e chamado o Conjunto das Partes de A.
Exercicio 1.1.42. Sejam A, B conjuntos. Entao
1. A P PpAq, H P PpAq;
2. PpHq “ tHu;
3. A Ď B ðñ PpAq Ď PpBq
4. PpAq Y PpBq Ď PpAY Bq. Val a igualdade? (mostrar que val a igualdade se e somente se A e B sao
disjuntos.)
5. PpAq X PpBq “ PpAXBq;
6. Mostrar que PpAzBq Ď rPpAqzPpBqs Ď tHu. Val a igualdade?
8Nao, nao e claro nada. Para fazer isto precisamo do Principio de Inducao, que vamos explicar mais a frente.9A definicao e divida a Wiener (1914) e Kuratowski (1924)
9
Gracas ao conjunto das partes, podemos mostrar formulas mais gerais sobre familias de conjuntos.
Proposicao 1.1.43. Seja A um conjunto e seja tBλuλPΛ uma familia de conjuntos. Entao as colecoes
tAXBλuλPΛ , tAYBλuλPΛ , tAzBλuλPΛ
sao familias de conjuntos.
Demonstracao. Temos que provar que as duas colecoes acima sao conjuntos. Aplicamos antes de tudo o
Axioma da Reuniao para obter queŤ
λPΛBλ e um conjunto. Agora observamos que, por cada λ P Λ, temos
que A X Bλ Ď A YŤ
λPΛBλ e que A Y Bλ Ď A YŤ
λPΛBλ, e que AzBλ Ď A. Agora A YŤ
λPΛBλ nao
depende mais de λ P Λ; podemos reformular o que acabamos de dizer com
AXBλ P PpAYď
λPΛ
Bλq @λ P Λ
AYBλ P PpAYď
λPΛ
Bλq @λ P Λ .AzBλ Ď PpAq @λ P Λ
Do outro lado PpAYŤ
λPΛBλq e um conjunto, pelo Axioma do Conjunto das Partes. E agora obvio mostrar
que a colecao tAXBλuλPΛ coincide com a colecao
tZ P PpAYď
λPΛ
Bλq | pDλ P ΛqpZ “ AXBλqu
que e um conjunto pelo Axioma de Separacao. Analogamente as colecoes tAYBλuλPΛ e tAzBλuλPΛ coincidem
com as colecoes
tZ P PpAYď
λPΛ
Bλq | pDλ P ΛqpZ “ AYBλqu
tW P PpAq | pDλ P ΛqpZ “ AzBλqu
que tambem sao um conjunto pelo Axioma de Separacao.
Proposicao 1.1.44 (Formulas de De Morgan, versao geral). Seja A um conjunto e seja tBλuλPΛ uma
familia de conjuntos. Entao valem as formulas de De Morgan:
Azč
λPΛ
Bλ “ď
λPΛ
pAzBλq
Azď
λPΛ
Bλ “č
λPΛ
pAzBλq
Demonstracao. Pela proposicao precedente temos que tAzBλuλPΛ e uma familia de conjuntos, e entao os
lados a direitas sao conjuntos (o primeiro pelo Axioma da Reuniao). Entao e suficiente estabelecer a igualdade
dos conjuntos em questao com o Axioma da Extensionalidade. Demonstramos a primeira: Temos
x P Azč
λPΛ
Bλ ðñ px P Aq ^ p@λqpx R Bλq
ðñ px P Aq ^ p@λqpx P Bλq
ðñ px P Aq ^ pDλq px P Bλq
ðñ px P Aq ^ pDλqpx R Bλq
ðñ pDλqrpx P Aq ^ px R Bλqs onde usamos que p^ pDyqP pyq “ pDyqpp^ P pyqq
ðñ pDλqpx P AzBλq
ðñ x Pď
λ
AzBλ
A segunda se demonstra de forma completamente analoga.
10
Exercicio 1.1.45. Considermos as colecoes
Bλ “ tpx, yq P R2 | y “ pλ2 ` 1qx` 2λ´ 1u ,
onde λ P R.
• Provar que para cada λ P R, Bλ e um conjunto.
• Alem disso provar que tBλuλPΛ e uma familia de conjuntos (ou seja um conjunto de conjuntos, e nao
uma classe).
• CalcularŤ
λPΛBλ eŞ
λPΛBλ.
Exercicio 1.1.46. Mostrar as seguintes formulas distributivas gerais: seja A um conjunto e tBλuλPΛ uma
familia de conjuntos. Entao
AYď
λPΛ
Bλ “ď
λPΛ
AYBλ
AYč
λPΛ
Bλ “č
λPΛ
AYBλ
AXď
λPΛ
Bλ “ď
λPΛ
AXBλ
AXč
λPΛ
Bλ “č
λPΛ
AXBλ
Produto Cartesiano de dois conjuntos. Queremos agora definir o conjunto AˆB, dados conjuntos A
e B. Comecamos com uma observacao.
Observacao 1.1.47. Se A e B sao conjuntos, e se x P A e y P B, entao o par ordenado
px, yq “ ttxu, tx, yuu
e naturalmente um subconjunto de PpAYBq. De fato x P A implica que txu Ď A, ou seja, que txu P PpAq ĎPpAYBq. Do outro lado, tx, yu Ď AYB, e entao tx, yu P PpAYBq. Mas entao ttxu, tx, yuu Ď PpAYBq.Entao ttxu, tx, yuu P PpPpAYBqq. Resumindo
x P A, y P B ùñ px, yq “ ttxu, tx, yuu P PpPpAYBqq .
Definicao 1.1.48. Sejam A e B conjuntos. O produto cartesiano AˆB dos conjuntos A e B e a colecao
tz P PpPpAYBqq | pDx P AqpDy P Bqpz “ px, yqqu .
E claro que pelo Axioma da Separacao esta colecao e um conjunto.
Proposicao 1.1.49. Sejam A e B conjuntos. Entao
1. px, yq P AˆB ðñ px P Aq ^ px P Bq
2. AˆB “ H ðñ pA “ Hq _ pB “ Hq
3. AˆB “ B ˆA ðñ pA “ Hq _ pB “ Hq _ pA “ Bq
4. Se A ‰ H, entao
AˆB Ď Aˆ C ùñ B Ď C .
11
5. B Ď C ùñ AˆB Ď Aˆ C
6. Aˆ pB X Cq “ pAˆBq X pAˆ Cq
7. Aˆ pB Y Cq “ pAˆBq Y pAˆ Cq
8. Aˆ pBzCq “ pAˆBqzpAˆ Cq
Supomos que tBλuλPΛ seja uma familia de conjuntos. Entao
Aˆč
λPΛ
Bλ “č
λPΛ
AˆBλ
Aˆď
λPΛ
Bλ “ď
λPΛ
AˆBλ
Os outros Axiomas da Teoria dos Conjuntos. Falaremos aqui brevemente dos outros axiomas da
Teoria dos Conjuntos.
Axioma do Infinito. Os axiomas introduzidos ate agora garantem a existencia de alguns conjuntos;
certamente existe o conjunto vazio H (isto na nossa tratacao vem da definicao de conjunto e do fato que
H e conceito primitivo; em outras tratacoes isto e dado por axioma) e certamente, por o Axioma do Par
conseguimos formar os conjuntos tHu e entao tH, tHuu, etc. Consideramos a sequencia de conjuntos
H, tHu, tH, tHuu, . . . .
O primeiro conjunto e vazio, entao contem zero elementos; o segundo conjunto contem so um elemento, H,
o terceiro conjunto contem dois elementos... Reparamos que esta poderia ser uma forma de representar ou
construir, a partir dos axiomas ate aqui considerados, os Numeros Naturais. O estudante que ja conhece
algum desenvolvimento da Matematica sabe que, uma vez conseguidos os Numeros Naturais, vamos conseguir
toda a Matematica ate hoje desenvolvida10. Esta ideia e de fato correta, mas surge um problema: via
o axioma do par, aplicado iterativamente, conseguimos formar qualquer subconjunto finito de Numeros
Naturais, mas o que nos garante que nos conseguimos formar tudo o conjunto dos Numeros Naturais N? De
fato, com a ferramenta desenvolvida ate aqui, nada nos garante isso. Precisamos de um novo axioma, que
nos permita de construir um conjunto infinito. Mas o que significa infinito, quando ainda nao desenvolvemos
a Teoria dos Cardinais?
Axioma 1.1.50 (Axioma do Infinito). Existe um conjunto S tal que H P S e tal que
x P S ùñ xY txu P S .
Uma precisacao sobre o Axioma: se x P S e um urelemento, ou seja, nao e um conjunto, a uniao xY txu
significa o conjunto dos elementos y P Y tais que y P x ou y P txu; isto se pode fazer; neste caso coincide
com txu.
O fato que se x P S entao, tambem x Y txu P S, exprime o fato que por cada elemento do conjunto S
existe sempre mais um, diferente, no conjunto; um tal conjunto tem que ser (intuitivamente) infinito. Outra
consideracao: dado um tal conjunto S, podemos dar uma associacao (que veremos ser uma funcao)
σ : S - S
x - xY txu
10Uma celebre frase de Kronecker diz “Die ganzen Zahlen hat der liebe Gott gemacht, alles andere ist Menschenwerk” , ou
seja, “Deus fez os numeros inteiros, tudo o resto e trabalho do Homem”. Na verdade, dados o Numeros Naturais, os inteiros
sao facilemente construıveis.
12
Dado H, a funcao σ associa tHu e a tHu associa tH, tHuu. Esta funcao associa a cada elemento o seu
sucessivo, ou sucessor imediato11.
Axioma da Substituicao. Vimos nos exemplos precedente, que se tAλuλPΛ era uma familia de con-
juntos e se B era outro conjuntos, entao as colecoes tAλ XBuλPΛ, tAλ YBuλPΛ, tAλzBuλPΛ sao familias de
conjuntos. Isto foi demonstrado fazendo recurso do Axioma do Conjunto das Partes. Em geral, queremos
uma regra bem mais potente que nos permita de formar novas familias a partir de velhas. Uma nova e
potente regra e fornecida pelo Axioma da Substituicao.
Axioma 1.1.51 (Axioma da Substituicao.). Se X e um conjunto e se, para cada x P X, podemos associar
um unico elemento (urelemento ou conjunto) Yx, entao a colecao
Y :“ tYx | x P Xu
e um conjunto.
Exemplo 1.1.52. Seja tAλuλPΛ uma familia de conjuntos. Entao a colecao tPpAλquλPΛ e uma familia de
conjuntos.
Avisamos o leitor que os axiomas ate aqui explicados ja nao sao independentes: por exemplo, o axioma
de Separacao poderia ser demonstrado a partir do Axioma de Substituicao e dos outros axiomas.
Axioma da Fundacao ou Axioma de Regularidade. O Axioma da Fundacao e um dos axioma
mais dificil de compreender. Foi introduzido por Von Neumann no 1925 e depois encorporado na teoria
dos conjuntos por Zermelo no 1930. Foi postulado para “impedir” a existencia de conjuntos que contem si
mesmos como elementos (como os que podem aparecer no Paradoxo de Russell), ou de pares de conjuntos
X, Y tais que X P Y e Y P X, como de analogas cadeias mais longas de conjuntos com inclusao circular.
De fato estas situacoes sao extremamente anti-intuitivas.
Axioma 1.1.53. Cada conjunto nao vazio X admite pelo menos um elemento x tal que xXX “ H. Mais
formalmente, se X e um conjunto nao vazio, entao
pDxq r px P Xq ^ pxXX “ Hq s .
Este x P X pode ser um urelemento ou um conjunto. Em particular, com o Axioma da Fundacao,
podemos demonstrar que
Corolario 1.1.54. Nao existe um conjunto que e elemento de si mesmo.
Demonstracao. Supomos que exista um conjunto A tal que A P A. Um tal A e necessariamente nao vazio.
Mas entao
A P AX tAu ,
o que implica que AXtAu ‰ H. Agora tAu ‰ H. Entao, pelo Axioma de Regularidade, tem que existir um
x P tAu tal que xX tAu “ H. Mas isto implica que x “ A porque x P tAu. Mas entao xX tAu “ H fica
AX tAu “ H
11Na representacao usual dos numeros, o sucessor imediato de um numero n e n` 1. Cuidado: esta propriedade nao garante
que o conjunto S seja o conjunto dos numeros naturais: e preciso uma propriedade de “minimalidade”; por exemplo o conjunto
Qě0 tem esta propriedade (ou seja se x P Qě0 entao x ` 1 P Qě0, mas esta bem maior do que N. Dado um conjunto S como
no axioma, poderiamos definir N como a intersecao de todos os subconjuntos S1 de S que continuam a ter a propriedade que
H P S1 e que, se x P S1, entao x Y txu P S1: esta intersecao e necessariamente o mınimo subconjunto de S com a propriedade
do axioma
13
porque x “ A. Mas isto e absurdo porque AX tAu ‰ H.
Corolario 1.1.55. Nao existem conjuntos A,B tais que A P B e B P A.
Demonstracao. Supomos que A,B sejam dois conjuntos tais que A P B e B P A. Entao
A P tA,Bu XB
B P tA,Bu XA
O axioma da Fundacao preve que existe um x P tA,Bu tal que tA,Bu X x “ H. Mas se x P tA,Bu, entao
ou x “ A ou x “ B. Se x “ A, entao teriamos A X tA,Bu “ H, que contradiz a propriedade acima
B P tA,Bu X A; se x “ B, teriamos que B X tA,Bu “ H, que contradiria a propriedade A P tA,Bu X B.
Absurdo em qualquer caso.
1.2 Relacoes e Funcoes
1.2.1 Relacoes
Definicao 1.2.1. Sejam A,B conjuntos. Uma relacao R entre o conjunto A e o conjunto B e um subconjunto
ΓR do produto cartesiano A ˆ B. Dizemos que a P A e em relacao com b P B, e escreveremos aRb se e
somente se pa, bq P ΓR. Impropriamente, dizemos que ΓR e o grafico da relacao R (mas formalmente e a
propria relacao).
FALTA: Varios exemplos de relacoes, entre os quais as relacoes de ordem e divisibilidade em Z.
FALTA: Interpretacao de uma relacao em termos de Diagramas de Venn, como flechas arbitrarias conec-
tando elementos de a P A com elementos de b P B.
Observacao 1.2.2. O conceito de relacao nao e simetrico nos conjuntos A e B. Na definicao de relacao ha
sempre uma direcao (que nos exemplos com diagramas de Venn e a direcao das flechas) que sempre vai de
A ate B para uma relacao entre A e B.
Observacao 1.2.3. Algumas vezes, sobretudo quando os conjuntos A e B podem variar, e bom considerar
uma relacao como uma tripla pA,B,Γq onde Γ Ď A ˆ B. Em tal caso, duas relacoes pA,B,Γq, pA1, B1,Γ1q
sao iguais, se e somente se sao iguais como ternas, ou seja A “ A1, B “ B1, Γ “ Γ1.
Algumas propriedades das relacoes.
Definicao 1.2.4. Sejam A,B dois conjuntos. Seja R uma relacao entre o conjunto A e o conjunto B e seja
ΓR o seu grafico. Chamamos com DpRq o dominio da relacao R, ou seja,
DpRq “ ta P A | pa, bq P ΓR , Db P Bu
com IpRq chamamos a imagem da relacao R, ou seja,
IpRq “ tb P B | pa, bq P ΓR , Da P Au .
Definicao 1.2.5. Sejam A,B dois conjuntos. Seja R uma relacao entre o conjunto A e o conjunto B e seja
ΓR o seu grafico. Dizemos que a relacao R e
14
• com unicidade a esquerda, ou injetiva se
px1, yq P ΓR
px2, yq P ΓR
+
ùñ x1 “ x2
equivalentemente: se cada “reta horizontal”Aˆ tyu intersecta o grafico ΓR em ao maximo um ponto;
equivalentemente: se cada elemento b de B e alvo de ao maximo uma flecha proveniente de A;
• com unicidade a direita, ou univalente se
#
px, y1q P ΓR
px, y2q P ΓRùñ y1 “ y2
equivalentemente: se cada “reta vertical” tau ˆB intersecta o grafico ΓB em ao maximo um ponto;
equivalentemente se de cada elemento a de A parte ao maximo uma flecha em direcao de B
• total a esquerda, se @a P A, Db P B, tal que pa, bq P ΓR;
ou seja, se cada “reta vertical” tau ˆB cruza o grafico ΓR em pelo menos um ponto;
equivalentemente se de cada elemento a P A parte pelo menos uma flecha em direcao de B
equivalentemente DpRq “ A;
• total a direita, ou sobrejetiva: se @b P B, Da P A tal que pa, bq P ΓR;
ou seja, se cada “reta horizontal” Aˆ tbu cruza o grafico ΓR em pelo menos um ponto;
equivalentemente, se cada elemento b de B e alvo de pelo menos uma flecha proveniente de A;
equivalentemente IpRq “ B.
Definicao 1.2.6 (Relacao R˚, simetrica de uma relacao R). Sejam A,B conjuntos e seja R uma relacao de
A em B. Definimos a relacao R˚ como
ΓR˚ :“ tpb, aq P B ˆA | pa, bq P ΓRu
Observacao 1.2.7. A relacao simetrica R˚ tem como grafico exactamente o simetrico do grafico ΓR. Na
intepretacao com diagramas de Venn e flechas, a relacao R˚ se obtem invertendo todas as flechas da relacao
R.
Exercicio 1.2.8. E imediato provar que: DpR˚q “ IpRq; IpR˚q “ DpRq. Mostre isto por exercicio.
Definicao 1.2.9 (Composicao de relacoes). Sejam A,B, C conjuntos. Seja R uma relacao de A em B, e
seja S uma relacao de B em C. Definimos a relacao S ˝R, composicao de R e S, como
ΓS˝R :“
#
pa, cq P Aˆ C | Db P B |
#
pa, bq P ΓR
pb, cq P ΓS
+
Proposicao 1.2.10. A composicao de relacoes e associativa, ou seja, se A,B,C,D sao conjuntos. Seja R
uma relacao de A em B, S uma relacao de B em C e T uma relacao de C em D. Entao
T ˝ pS ˝Rq “ pT ˝ Sq ˝R .
Demonstracao. Temos que provar que ΓT˝pS˝Rq “ ΓpT˝Sq˝R.
15
Provamos a inclusao Ď. Seja pa, dq P AˆD tal que pa, dq P ΓT˝pS˝Rq. Por definicao, existe c P C tal que
pc, dq P ΓT e pa, cq P ΓS˝R. Mas entao existe b P B tal que pa, bq P ΓR e pb, cq P ΓS . Mas, por definicao de
composicao,
pb, cq P ΓS
pc, dq P ΓT
+
ùñ pb, dq P ΓT˝S .
Finalmentepa, bq P ΓR
pb, dq P ΓT˝S
+
ùñ pa, dq P pT ˝ Sq ˝R .
A inclusao oposta Ě se demonstra de forma completamente analoga. Supomos que pa, dq P ΓpT˝Sq˝R.
Entao existe b P B tal que pa, bq P ΓR e pb, dq P T ˝ S. Mas entao, por definicao de composicao, existe c P C
tal que pb, cq P ΓS e pc, dq P ΓT . Mas
pa, bq P ΓR
pb, cq P ΓS
+
ùñ pa, cq P ΓS˝R .
Finalmentepa, cq P ΓS˝Rq
pc, dq P ΓT
+
ùñ pa, dq P ΓT˝pS˝Rq .
Exercicio 1.2.11. Sejam A, B, C conjuntos e sejam R uma relacao de A em B e S uma relacao de B em
C. Entao
pS ˝Rq˚ “ R˚ ˝ S˚ .
Definicao 1.2.12 (Restricao de Relacoes). Seja R uma relacao do conjunto A ate o conjunto B, de grafico
ΓR. Seja A1 Ď A um subconjunto de A. Entao o a relacao Rˇ
ˇ
A1, de A1 ate B, defininida por
ΓRˇ
ˇ
A1
:“ ΓR X pA1 ˆBq .
e chamada a restricao de R ao subconjunto A1.
Imagens e Preimagens de Subconjuntos por Relacoes
Definicao 1.2.13. Sejam X, Y conjuntos e seja R uma relacao de X em Y . Se B Ď Y , definimos a
preimagem de B por R o subconjunto
R´1pBq “ tx P X | xRy, Dy P Bu .
Analogamente, definimos, por A Ď X, a imagen de A por R o subconjunto
RpAq “ ty P Y | xRy, Dx P Au .
1.2.2 Funcoes
Definicao 1.2.14. Dados A e B conjuntos, uma funcao f de A em B e uma relacao univalente e total a
direita entre A e B. Em outras palavras, o grafico Γf da relacao f e o grafico de uma funcao se e somente se
@a P A D!b P B | pa, bq P Γf .
16
Fixado a P A, temos um unico b tal que pa, bq P Γf . Em outras palavras, qualquer “reta vertical” tau ˆ B
cruza o grafico Γf em um unico ponto pa, bq. Por sua unicidade, o b depende unicamente de a, e sera indicado
com fpaq. Entao a escritura
b “ fpaq
e equivalente a escritura
pa, bq P Γf
quando f e uma funcao.
FALTA: varios exemplos de funcoes e de relacoes que nao sao funcoes.
Exercicio 1.2.15. Seja idA a relacao cujo grafico e ∆A :“ tpa, bq P A ˆ A | a “ bu. Provar que idA e uma
funcao e que, para cada a P A, temos idApaq “ a.
Exercicio 1.2.16. Seja f : A - B uma funcao. Seja A1 Ď A. A relacao fˇ
ˇ
A1, restricao de f ao
subconjunto A1, e uma funcao fˇ
ˇ
A1: A1
- B.
Definicao 1.2.17. Uma funcao f : A - B se diz
• injetiva, se e injetiva como relacao;
• sobrejetiva, se e sobrejejtiva como relacao
• bijetiva se e injetiva e sobrejetiva. A condicao de bijetividade e equivalente a condicao
@b P B D!a P A | pa, bq P Γf .
Definicao 1.2.18. Se A e conjunto, a funcao idA : A - A e a funcao cujo grafico ΓidAe ΓidA
:“ ∆A “
tpa, aq |a P Au, ou seja, a funcao tal que idApaq “ a por cada a P A. A funcao idA e chamada a funcao
identidade do conjunto A.
Exercicio 1.2.19. Sejam A,B conjuntos. Seja R uma relacao de A em B. Provar que R ˝ idA “ R,
idB ˝R “ R.
Exercicio 1.2.20. Seja f : A - B uma funcao. Provar que f e injetiva se e somente se f˚ e uma relacao
univalente e que f e sobrejetiva se e somente se f˚ e uma relacao total a esquerda.
Observacao 1.2.21. E facil ver que uma funcao f : A - B e bijetiva se e somente se
@b P B D!a P A | pa, bq P Γf
Proposicao 1.2.22. Seja f : A - B uma funcao. Entao f e bijetiva se e somente se a relacao simetrica
f˚ e uma funcao.
Demonstracao. A condicao de bijetividade para f , ou seja
@b P B D!a P A | pa, bq P Γf
e equivalente a dizer que
@b P B D!a P A | pb, aq P Γf˚
ou seja que a relacao f˚ e uma funcao.
17
Exercicio 1.2.23. Supomos que temos uma relacao R entre um conjunto A e um conjunto B. Supomos
que a relacao R˚ seja uma funcao. E verdade que R e uma funcao bijetiva? Quais sao as propriedades que
certamente tem R?
Proposicao 1.2.24. Sejam A, B, C conjuntos. Sejam f : A - B e g : B - C funcoes de A em B e
de B em C, respeitivamente. Entao a composicao g ˝ f , como relacao, e uma funcao.
Definicao 1.2.25. Uma funcao f : A - B se diz inversıvel se existe uma funcao g : B - A tal que
#
g ˝ f “ idA
f ˝ g “ idB
Uma tal funcao se diz inversa de f .
Exercicio 1.2.26. Seja f : A - B uma funcao inversıvel e sejam g1, g2 duas inversas de f . Entao g1 “ g2.
O proximo teorema, muito importante, afirma a equivalencia entre inversibilidade de uma funcao e sua
bijetividade.
Teorema 1.2.27. Seja f : A - B uma funcao. Entao f e bijetiva se e somente se f e inversıvel. Neste
caso a unica inversa e a funcao f˚. Neste caso indicaremos com a mais comum notacao f´1 a funcao
inversa f˚.
Demonstracao. Implicacao ð. Provamos que uma funcao inversıvel e bijetiva. Seja g : B - A uma
inversa de f . Entao
g ˝ f “ idA
f ˝ g “ idB
Provamos que f e injetiva. Sejam x1, x2 P A. Temos que provar que fpx1q “ fpx2q impica que x1 “ x2, ou
seja, mais formalmente que
px1, y1q P Γf
px2, y2q P Γf
y1 “ y2
,
/
.
/
-
ùñ x1 “ x2 .
Esta condicao e claramente equivalente a condicao
px1, yq P Γf
px2, yq P Γf
+
ùñ x1 “ x2 .
Dado que g e funcao12 existe (unico) z P A tal que py, zq P Γg. Mas entao px1, zq P Γg˝f e px2, zq P Γg˝f .
Agora temos que g ˝ f “ idA, ou seja, Γg˝f “ ∆A. Entao px1, zq P ∆A, px2, zq P ∆A. Mas
px1, zq P ∆A ùñ x1 “ z
px2, zq P ∆A ùñ x2 “ z
Segue que x1 “ z “ x2, ou seja, que x1 “ x2.
Provamos que f e sobrejetiva. Seja b P B arbitrario. Temos que provar que existe a P A tal que pa, bq P Γf .
Mas
pb, bq P ∆B “ Γf˝g .
12aqui estamos so usando a totalidade a esquerda de g
18
Entao existe a P A tal que pb, aq P Γg e tal que pa, bq P Γf . Entao f e sobrejetiva.
Implicacao ùñ . Provamos agora que se f e bijetiva, entao f e inversıvel com inversa f˚. Ja sabemos
que f˚ e uma funcao pela proposicao 1.2.22. E suficiente provar que f ˝ f˚ “ idB , f˚ ˝ f “ idA. Provamos
a primeira. Temos que provar que Γf˝f˚ “ ∆B . Provamos a inclusao Ď. Seja pb1, b2q P Γf˝f˚ . Entao existe
a P A tal que pb1, aq P Γf˚ e tal que pa, b2q P Γf . Mas isto equival ao fato que pa, b1q P Γf e pa, b2q P Γf : pelo
fato que f e funcao13 temos que b1 “ b2 e entao pb1, b2q P ∆B . Provamos a inclusao Ě. Seja pb, bq P ∆B .
Dado que f e sobrejetiva, existe a P A tal que pa, bq P Γf , e, equivalentemente, que pb, aq P Γf˚ . Mas entao
pb, aq P Γf˚
pa, bq P Γf
+
ùñ pb, bq P Γf˝f˚ .
Provamos a segunda. Temos que provar que Γf˚˝f “ ∆A. Provamos a inclusao Ď. Seja pa1, a2q P Γf˚˝f .
Isto significa que existe b P B tal que pa1, bq P Γf e tal que pb, a2q P Γf˚ . Mas entao temos que pa2, bq P Γf ;
mas dado que f e injetiva, temos que a1 “ a2 e pa1, a2q P ∆A. Provamos a inclusao Ě. Seja pa, aq P ∆A.
Dado que f e funcao14, existe b P B tal que pa, bq P Γf , e, equivalentemente pb, aq P Γf˚ . Isto implica que
pa, aq P Γf˚˝f .
Inversibilidade Parcial.
Definicao 1.2.28. Seja f : A - B uma funcao. Dizemos que f e inversıvel a esquerda se existe uma
funcao g : B - A tal que
g ˝ f “ idA .
Neste caso g se diz uma inversa esquerda. Dizemos que f e inversıvel a direita se existe uma funcao
g : B - A tal que
f ˝ g “ idB .
Neste caso g e uma inversa direita.
Exercicio 1.2.29. 1. Encontrar conjuntos X e Y e uma funcao f : X - Y que admite duas diferentes
inversas esquerdas g1, g2 : Y - X.
2. Encontrar conjuntos X e Y e uma funcao f : X - Y que admite duas diferentes inversas direitas
g1, g2 : Y - X.
Proposicao 1.2.30. Seja f : A - B uma funcao que admite uma inversa esquerda g1 e uma inversa
direita g2. Entao g1 “ g2 e f e inversıvel com inversa g “ g1 “ g2.
Demonstracao. Dado que g1 e inversa esquerda, temos que g1 ˝ f “ idA, e dado que g2 e inversa direita,
temos que f ˝ g2 “ idB . Mas entao
g1 “ g1 ˝ idB “ g1 ˝ pf ˝ g2q “ pg1 ˝ fq ˝ g2 “ idA ˝ g2 “ g2 .
Chamamos g “ g1 “ g2. Mas entao temos f ˝ g “ idB e g ˝ f “ idA, ou seja, f e inversıvel.
Exercicio 1.2.31. Seja f : A - B uma funcao injetiva com imagem fpAq Ď B. Entao a relacao simetrica
f˚ e uma relacao univalente de B ate A com dominio fpAq. Alem disso a restricao f˚ˇ
ˇ
fpAqe uma funcao
f˚ˇ
ˇ
fpAq- A.
13aqui estamos so usando que f e uma relacao univalente14estamos so usando que f e total a esquerda
19
Proposicao 1.2.32. Seja f : A - B uma funcao, com A ‰ H. Entao f admite uma inversa esquerda
se e somente se f e injetiva.
Demonstracao. Implicacao ùñ . Supomos que f tenha uma inversa esquerda g, ou seja que exista uma
funcao g tal que g ˝ f “ idA. Provamos que f e injetiva. Sejam a1, a2 P A tais que fpa1q “ fpa2q. Dado que
g e inversa esquerda temos
pg ˝ fqpa1q “ a1
pg ˝ fqpa2q “ a2
Mas entao
a1 “ pg ˝ fqpa1q “ gpfpa1qq “ gpfpa2qq “ pg ˝ fqpa2q “ a2 .
Implicacao ðù. Seja f : A - B injetiva. Consideramos a imagem fpAq da funcao f . O conjunto
fpAq e um subconjunto de B. Precisamente
fpAq “ tb P B | b “ fpaq | Da P Au .
Se y P fpAq, entao existe a P A tal que y “ fpaq. Por injetividade da f , este a e unico. Entao podemos
definir uma funcao g : fpAq - A da forma seguinte
gpyq “ unico a P A tal que y “ fpaq .
Definimos agora a inversa esquerda g : B - A de f . Seja a0 P A um ponto fixado. Definimos g : B - A
da forma seguinte
gpyq “
#
gpyq “ unico a P A tal que y “ fpaq se y P fpAq
a0 se y P BzfpAq
Provamos agora que g ˝ f “ idA. De fato se a P A, entao
pg ˝ fqpaq “ gpfpaqq “ a
porque fpaq P fpAq e a e o unico elemento de A que vai em fpaq via f .
Variante da demonstracao da implicacao ùñ . Dado que f e injetiva, sabemos, pelo exercicio ??, que f˚ e
uma relacao univalente, e que a sua restricao a imagem fpAq define uma funcao. Entao podemos definir a
inversa esquerda g : B - A como
gpyq “
#
f˚pyq se y P fpAq
a0 se y P BzfpAq
onde a0 P A e um elemento fixado. Provamos agora que g ˝ f “ idA. Temos
pg ˝ fqpaq “ gpfpaqq “ f˚pfpaqq
Mas agora pa, fpaqq P Γf , e entao pfpaq, aq P Γ˚f ; e dado que f˚ e univalente, necessariamente a e o unico
elemento de A tal que pfpaq, aq P Γf˚ . Entao f˚pfpaqq “ a. Entao g ˝ f “ idA.
Vimos que temos uma equivalencia entre a inversibilidade a esquerda e a injetividade. E natural a
seguinte questao:
20
Questao 1.2.33. Ha uma equivalencia entre a inversibilidade a direita e a sobrejetividade?
A resposta afirmativa a questao acima parece extremamente intuitiva e natural. Pelo contrario, uma
tal resposta afirmativa tem consequencias altamente contraintuitivas, como o Paradoxo de Banach-Tarski.
Por muito tempo a questao pareceu ”obvia”; no princıpo do seculo, foi claro que ela precisava, para ser
enfrentada, de um novo axioma, essencialmente equivalente postular uma resposta positiva a questao acima,
o famoso e extremamente debatido15 Axioma da Escolha.
1.3 Axioma da Escolha
Axioma 1.3.1 (Axioma da Escolha). Seja tAλuλPΛ uma familia nao vazia de conjuntos nao vazios. Entao
existe uma funcao
f : Λ -ď
λPΛ
Aλ
tal que
fpλq P Aλ @λ P Λ .
Uma tal funcao se diz uma funcao de escolha para a familia tAλuλPΛ.
Com este axioma agora e (quase) imediato provar
Proposicao 1.3.2. Seja f : A - B uma funcao, com A ‰ H. Entao f e sobrejetiva se e somente se f
admite uma inversa a direita.
Demonstracao. Implicacao ðù. Supomos que f admita uma inversa a direita g : B - A; temos
f ˝ g “ idB .
Seja agora b arbitrario in B. Temos
b “ pf ˝ gqpbq “ fpgpbqq
entao, por cada b P B existe um elemento gpbq P A tal que fpgpbqq “ b. Entao f e sobrejetiva. Nesta
implicacao nao usamos o Axioma da Escolha.
Implicacao ùñ . Supomos que f e sobrejetiva. Temos que construir a inversa esquerda. Nao podemos
usar f˚, porque ela nao e uma funcao, em geral; e ela nao e funcao nem restringendo o dominio. Raciocinamos
de forma diferente. Consideramos, por b P B o subconjunto
f´1pbq :“ f´1ptbuq “ tx P A | fpxq “ bu
ou seja, a preimagem do subconjunto tbu pela funcao f . E claro que f´1pbq e subconjunto de A. Mas entao
a colecao
tf´1pbqubPB
e uma familia de (sub)conjuntos de A. A familia e necessariamente nao vazia, porque se A ‰ H e f : A - B
e funcao, entao B ‰ H. Cada conjunto f´1pbq e nao vazio pela sobrejetividade de f : de fato, se fixamos
b P B arbitrario, existe a P A tal que fpaq “ b, mas entao a P f´1pbq e f´1pbq ‰ H. Pelo Axioma da Escolha
existe uma Funcao de Escolha por esta familia, ou seja uma funcao
g : B -ď
bPB
f´1pbq
15e ate recusado, na formulacao da teoria dos conjuntos da Logica Intuicionista
21
tal que gpbq P f´1pbq por cada b P B. Observamos agora que
A “ď
bPB
f´1pbq .
A inclusao Ě e obvia porqueŤ
bPB f´1pbq e uma uniao de subconjuntos de A. Para mostrar a outra inclusao,
se a P A, entao a P f´1pfpaqq, e entao a P f´1pbq, com b “ fpaq. Entao a PŤ
bPB f´1pbq. Entao temos uma
funcao g : B - A tal que gpbq P f´1pbq por cada b P B. Mas isto significa exactamente que
fpgpbqq “ b
por cada b P B; isto e equivalente a
f ˝ g “ idB .
Exercicio 1.3.3. Provar que a g encontrada acima e necessariamente injetiva.
Produto Cartesiano Infinito
Definicao 1.3.4. Consideramos uma familia tAλuλPΛ nao vazia de conjuntos (nao necessariamente nao
vazios). O produto cartesiano da familiaś
λPΛAλ e definido como
ź
λPΛ
Aλ :“!
f : Λ -ď
λPΛ
Aλ | f funcao | fpλq P Aλ @λ P Λ)
Segue diretamente do Axioma da Escolha que
Proposicao 1.3.5. O produto cartesiano de uma familia nao vazia de conjuntos nao vazios e nao vazio.
1.4 Relacoes de Ordem
As relacoes de ordem generalizam o conceito de ”maior ou igual”ď.
Definicao 1.4.1. Seja A um conjunto e R uma relacao em A (ou seja de A em A). Dizemos que R e (ou
que R satisfaz a propriedade)
• reflexiva se aRa por cada a P A;
• simetrica se aRb ðñ bRa;
• antisimetrica seaRb
bRa
+
ùñ a “ b ;
• transitiva seaRb
bRc
+
ùñ aRc .
Definicao 1.4.2. Seja A um conjunto e R uma relacao em A. Dizemos que R e uma relacao de pre-ordem se
R e reflexiva e transitiva; que R e uma relacao de ordem se R e um pre-ordem e R e antisimetrica (ou seja, se
R e reflexiva, antisimetrica e transitiva). No caso em que R e um pre-ordem dizemos que A e pre-ordenado
com a relacao R e no caso em que R e uma relacao de ordem, dizemos que A e parcialmente ordenado com
a relacao R.
22
Exercicio 1.4.3. • Provar que o simbolo ď define uma relacao de ordem sobre R.
• Provar que a relacao em N˚ definida por n � m define uma relacao de ordem.
• A relacao em R2 definida por px, yqRpx1, y1q ðñ px ď x1q ^ py ď y1q e uma relacao de ordem.
Definicao 1.4.4. Seja A um conjunto e R uma relacao de ordem em A. Dizemos que a relacao de ordem e
total (ou que A e totalmente ordenado com a relacao R) se por cada x, y P A temos sempre que
xRy ou yRx .
Exercicio 1.4.5 (Lei da Trichotomia). Seja A um conjunto totalmente ordenado via a relacao R. Chamamos
ă o simbolo
a ă a ðñ paRaq ^ pa ‰ aq
Entao, dado a, b P A, temos exactamente uma e so uma das seguintes possibilidades:
a ă b, a “ b, b ă a .
Notacao 1.4.6. Seja X um conjunto parcialmente ordenado com uma certa relacao de ordem. Quando e
claro do que se esta parlando, denotaremos ela com o simbolo ď e falaremos do par pX,ďq como um conjunto
parcialmente ordenado.
Definicao 1.4.7. Seja pX,ďq um conjunto pre-ordenado. Seja A Ď X um subconjunto de X. O maximo
de A e um elemento MA P X tal que
1. MA P A;
2. MA ě a @a P A.
Analogamente o mınimo mA de A e e um elemento mA P X tal que
1. mA P A;
2. mA ě a @a P A.
Observacao 1.4.8. Nas hipoteses da definicao precedente, nao ha nenhuma garantia que um maximo MA
ou um mınimo mA existam.
Exercicio 1.4.9. Seja pX,ďq um conjunto parcialmente ordenado. Seja A Ď X um subconjunto de X.
Supomos que A admita um maximo MA. Entao ele e unico. (Dica: seja M 1A outro possıvel maximo: provar
que MA “M 1A). Analogamente, supomos que A admita um mınimo mA. Entao ele e unico.
Definicao 1.4.10. Seja pX,ďq um conjunto pre-ordenado. Seja A Ď X um subconjunto de X. Uma cota
superior para A e um qualquer C P X tal que
a ď C @a P C .
Analogamente, uma cota inferior e um c P X tal que
c ď a @a P A .
Definicao 1.4.11. Seja pX,ďq um conjunto pre-ordenado. Seja A Ď X um subconjunto de X. Um elemento
s P X se diz extremo superior de A se
23
1. a ď s @a P A;
2. se a ď c @a P A, entao s ď c
Um elemento u P X se diz extremo inferior de A se
1. u ď a @a P A;
2. se c ď a @a P A, entao c ď u
Exercicio 1.4.12. Seja pX,ďq um conjunto parcialmente ordenado. Seja A Ď X um subconjunto de X.
Provar que se s e um extremo superior para A, entao ele e unico. O indicaremos com supA.
Analogamente, provar que se u e extremo inferior para A, entao ele e unico. O indicaremos com inf A.
Exercicio 1.4.13. Seja pX,ďq um conjunto pre-ordenado. Seja A Ď X um subconjunto de X. Seja CA o
conjunto das cotas superiores de A (em X), ou seja
CA “ tx P X | a ď x, @a P Au
Entao, se existe, o extremo superior supA e o mınimo de CA.
Analogamente, seja SA o conjunto das cotas inferiores de A (em X). Entao, se existe, o extremo inferior
inf A e o maximo de CA.
Definicao 1.4.14. Seja pX,ďq um conjunto pre-ordenado. Seja A Ď X um subconjunto de X. Dizemos
que A e superiormente limitado se A admite uma cota superior C P X; analogamente dizemos que A e
inferiormente limitado se A admite uma cota inferior c P X.
Definicao 1.4.15. Um reticulado e um conjunto parcialmente ordenado pX,ďq tal que por cada a, b P X,
existe sempre supta, bu e infta, bu.
Exercicio 1.4.16. Consideramos o conjunto parcialmente ordenado N˚, �. Provar que e um reticulado.
Quem e inft12, 18u? Quem e supt6, 14u?
Exercicio 1.4.17. Provar que PpXq,Ď e um reticulado. Se A,B P PpXq, quem e suptA,Bu e quem e
inftA,Bu?
Definicao 1.4.18. Seja pX,ďq um conjunto parcialmente ordenado. Seja A Ď X um subconjunto de X.
Um elemento a0 P A e um elemento maximal se
b P A
a0 ď b
+
ùñ a0 “ b ,
ou seja, se nao existe em A nenhum elemento estritamente maior do que a0.
Analogamente um elemento a0 P A e um elemento minimal se
b P A
b ď a0
+
ùñ b “ a0 ,
ou seja, se nao existe em A nenhum elemento estritamente menor do que a0.
Exercicio 1.4.19. Para elementos minimais ou maximais nao existe unicidade, em geral. Por exemplo, no
conjunto parcialmente ordenado N˚, �, os elementos 2, 3 e 31, sao minimais em tudo Nzt0, 1u.
24
Exercicio 1.4.20. Seja pX,ďq um conjunto parcialmente ordenado. Seja A Ď X um subconjunto de X.
Provar que
• se A admite maximo MA, entao MA “ supA, e MA e o unico maximal de A.
• se A admite mınimo mA, entao mA “ inf A, e mA e o unico minimal de A.
Exercicio 1.4.21. Construir um conjunto parcialmente ordenado com um unico maximal, mas sem maximo.
Definicao 1.4.22. Um conjunto totalmente ordenado pX,ďq se diz bem ordenado se cada subconjunto nao
vazio de X admite mınimo.
Sobre conjuntos ordenado ha um importante propriedade (axioma ou teorema, dependentemente das
fundacoes):
Teorema 1.4.23 (Teorema da Boa Ordenacao ou Teorema de Zermelo). Dado um conjunto nao vazio X,
ele pode ser bem ordenado, ou seja existe uma relacao de ordem total ď sobre X tal que cada subconjunto
nao vazio H ‰ A Ď X admita mınimo. Uma tal ordem e chamada boa ordenacao.
Geralmente, esta propriedade e bastante anti-intuitiva (se pense a uma boa ordenacao de R !!!), e houve
matematicos (Gyula Konig) que tentaram demonstrar que era falsa; de opiniao contraria, Cantor dizia que
esta era uma propriedade fundamental do pensamento. O Teorema da Boa Ordenacao e de fato equivalente
ao Axioma da Escolha (que do outro lado, parece ”obvio”).
Para fechar o circulo de ideias sobre relacoes de ordem, enunciaremos tambem o Lemma de Zorn, util em
imensas areas da matematica.
Definicao 1.4.24. Seja X,ď um conjunto parcialmente ordenado. Um subconjunto C Ď X se diz uma
cadeia se a relacao de ordem ď induz sobre C uma ordem total, ou seja se por cada a, b P C temos
a ď b ou b ď a .
Definicao 1.4.25. Seja X,ď um conjunto parcialmente ordenado; entao X,ď se diz indutivo se cada cadeia
de C admite uma cota superior em X.
Teorema 1.4.26 (Lema de Zorn16). Seja pX,ďq um conjunto parcialmente ordenado, indutivo, nao vazio.
Entao X admite um elemento maximal em X.
O Lema de Zorn e equivalente ao Teorema da Boa Ordenacao e, por transitividade, ao Axioma da Escolha.
E claro, entao, que o Axioma da Escolha e uma afirmacao extremamente subtil e potente, contrariamente
ao que se poderia pensar intuitivamente.
1.5 Relacoes de Equivalencia
Introducao...triangulos congruentes no plano.
Definicao 1.5.1. Seja A um conjunto nao vazio. Uma relacao R de A em A se diz de equivalencia se satisfaz
as propriedades reflexiva, simetrica e transitiva, ou seja se
• (reflexiva) @a P A, aRa;
• (simetrica) @a, b P A, aRb ðñ bRa;
16Foi provado por Kuratowski em 1922 e por Max Zorn, independentemente, em 1935
25
• (transitiva) @a, b, c P A,aRb
bRc
+
ùñ aRc.
Definicao 1.5.2. Seja A um conjunto nao vazio e R uma relacao de equivalencia em A. Para cada a P A
definimos a classe de equivalencia de a como o subconjunto de A definido por
rasR :“ tx P A | xRau
ou seja e o subconjunto de todos os elementos de A que sao em relacao com a. Definimos o conjunto quociente
A{R como o conjunto de todas as classes de equivalencia:
A{R :“ trasR | a P Au .
A funcao sobrejetiva
πR :“ A - A{R
x - rxsR
e chamada a projecao quociente.
Observacao 1.5.3. O conjunto quociente e naturalmente um subconjunto de PpAq.
Observacao 1.5.4. Seja A um conjunto nao vazio e seja R uma relacao de equivalencia em A. Entao
• o fato que R seja reflexiva se pode reformular como: @a P A, a P ras;
• a propriedade simetrica de R se pode reformular: @a, b P A, a P rbs ðñ b P ras;
• a propriedade transitiva de R se pode reformular como
@a, b, c P A
#
a P ras
b P rcsùñ a P rcs .
Exemplo 1.5.5. Identidade, Circulos no plano, semiretas, jogadores de futebol e seus times,
Definicao 1.5.6 (Relacao de congruencia modulo k). . Seja k P Z um inteiro. A relacao de congruencia
modulo k e a relacao ”k de Z em Z definida por
x ”k y ðñ k � px´ yq ðñ Dq P Z | y “ x` kq .
Proposicao 1.5.7. A relacao de congruencia modulo k e uma relacao de equivalencia em Z. Denotaremos
o conjunto quociente Z{ ”k como Z{kZ.
Definicao 1.5.8. Seja A um conjunto nao vazio, R uma relacao de equivalencia definida em A. Um
subconjunto S Ď A e chamado um sistema de representantes para o conjunto quociente A{R se a restricao
da projecao quociente πRˇ
ˇ
Sa S:
πRˇ
ˇ
S: S - A{R
e uma bijecao.
Proposicao 1.5.9. Seja A um conjunto nao vazio, R uma relacao de equivalencia definida em A. Entao
existe sempre um sistema de representantes para o conjunto quociente A{R.
26
Demonstracao. Consideramos a projecao quociente πR : A - A{R. Esta funcao e sobrejetiva, e entao
existe uma secao s : A{R - A injetiva tal que πR ˝ s “ idA{R. Definimos S “ Ims Ď A. Temos que, por
construcao,
S “ tsprasRq | rasR P A{Ru .
Provamos que πRˇ
ˇ
Se bijecao de S ate A{R. Se πR
ˇ
ˇ
SpsprasRqq “ πR
ˇ
ˇ
SpsprbsRqq, entao
rasR “ πRpsprasRqq “ πRpsprbsRqq “ rbsR
porque πR ˝ s “ idA{R. Entao πRˇ
ˇ
Se injetiva. Mas πR
ˇ
ˇ
Se claramente sobrejetiva, porque
πRpsprasRqq “ rasR
para cada rasR P A{R.
Observacao 1.5.10. Enquanto o conjunto quociente A{R e um conjunto abstrato, de classes de equiva-
lencia, o conjunto S dos sistemas de representantes e um subconjunto de A e os seus objetos tem a mesma
”natureza”dos objetos de A. Sabemos que S e em bijecao com o conjunto quociente A{R: entao pode ser
uma conveniente ”incarnacao”do conjunto quociente, muitas vezes mais facil para trabalhar do que A{R.
Do outro lado, existem, em geral, muitos conjuntos S de sistemas de representantes (ou seja, o conjunto dos
”sistema de representantes”depende de escolhas, e nao e ”canonico”).
O proximo teorema mostra como sao postas as classes de equivalencias uma em relacao a outra.
Teorema 1.5.11. Seja R uma relacao de equivalencia definida em A. Sao equivalentes
i) aRb;
ii) ras “ rbs;
iii) ras X rbs ‰ H;
Demonstracao. i) ùñ ii). Sabemos que aRb (ou seja, a P rbs) e por simetria, que bRa o que e equivalente
a b P ras. Provamos que ras Ď rbs. Seja y P ras. Dado que a P rbs, temos por transitividade que y P rbs, o
que implica que ras Ď rbs. Provamos agora que rbs Ď ras. Seja y P rbs. Dado que b P ras, temos y P ras por
transitividade; entao rbs Ď ras. Entao ras “ rbs.
ii) ùñ iii) Se ras “ rbs, temos que a P ras “ rbs, entao a P rbs, ou seja aRb.
iii) ùñ i). Supomos que ras X rbs ‰ H. Entao existe x P A, tal que x P ras X rbs. Mas entao x P ras, e
x P rbs. Pela propriedade simetrica, se x P ras implica que a P rxs, e dado que x P rbs, temos que a P rbs, ou
seja que aRb, e que entao bRa, por simetria.
Corolario 1.5.12. Seja R uma relacao de equivalencia definida em A. Se ras ‰ rbs, entao ras X rbs “ H.
Ou seja, duas classes de equivalencia distintas sao disjuntas.
Observacao 1.5.13 (Observacao Importante.). A proposicao precedente diz o fato seguinte. Se A e
conjunto e R e de equivalencia em A, entao temos
xRy ðñ rxs “ rys .
Observacao 1.5.14. Seja A um conjunto nao vazio e seja R uma relacao de equivalencia em A. Supomos
que a projecao quociente seja injetiva (e entao bijecao). Entao R “ idA. De fato, seja a P A arbitrario.
Sabemos que πRpaq “ rasR por definicao. Supomos agora que bRa. Mas entao rbsR “ rasR: mas entao
πRpaq “ πRpbq e, dado que supomos πR injetiva, temos que b “ a. Do outro lado, e claro que se b “ a, entao,
por reflexividade bRa. Ou seja temos que bRa ðñ b “ a. Isto implica que R “ idA.
Viceversa e claro que se R “ idA, entao πR e injetiva e entao bijecao.
27
Particoes de um conjunto.
Definicao 1.5.15 (Particao de um conjunto). Seja A um conjunto. Uma particao de A e uma familia
tSλuλPΛ de subconjuntos de A tais que
• por cada λ P Λ, Sλ ‰ H;
• Se λ1 ‰ λ2, temos Sλ1X Sλ2
“ H
• YλPΛSλ “ A.
Proposicao 1.5.16. Seja A um conjunto nao vazio e seja R uma relacao de equivalencia em A. A familia
trasRurasrPA{R
das classes de equivalencias para a relacao R define uma particao PR do conjunto A.
Demonstracao. Temos que controlar que a familia trasRurasrPA{R verifica as tres condicoes acima. 1. Cada
classe rasR e nao vazia. De fato a P rasR.
2. Se rasR ‰ rbsR entao rasR X rbsR “ H. Isto segue do corolario ??.
3. Temos que provar que aŤ
rasRPA{RrasR “ A. Agora a inclusao Ď e obvia, porque cada classe rasR e
subconjunto de A, entao uma uniao de subconjuntos de A e um subconjunto de A. Provamos a inclusao
oposta Ě. Seja a P A. Mas entao a P rasR ĎŤ
rasRPA{RrasR. A inclusao esta provada.
A familia de classes de equivalencia e entao uma particao do conjunto A.
Lema 1.5.17. Seja A um conjunto nao vazio e seja P “ tSλuλPΛ uma particao de A. Para cada x P A
existe um unico λ P Λ tal que x P Sλ.
Demonstracao. Existencia. Temos que A “Ť
λPΛ Sλ. Entao se x P A, temos que x PŤ
λPΛ Sλ o que significa
que existe um λ0 tal que x P Sλ0.
Unicidade. Supomos que existem dois λ, µ P Λ, λ ‰ µ tais que x P Sλ e x P Sµ. Mas entao x P Sλ X Sµ,
mas isto implica que Sλ X Sµ ‰ H, mas isto e absurdo, dado que λ ‰ µ.
Proposicao 1.5.18. Seja A um conjunto nao vazio. Seja P “ tSλuλPΛ uma particao de A. Entao existe
uma unica relacao de equivalencia RP em A tal que
PRP “ P ,
ou seja tal que os subconjuntos da particao P coincidem exactamente com as classes de equivalencia da
relacao RP .
Demonstracao. Definimos a relacao RP sobre A como segue
xRPy ðñ Dλ P Λ |
#
x P Sλ
y P Sλ.
Se ve facilmente que a relacao RP e de equivalencia. Provamos agora que cada classe e um dos subconjuntos
Sλ da particao. Seja a P A. Denotamos con λa o unico λ P Λ tal que a P Sλ. Provamos que rasRP “ Sλa.
Seja x P rasRP . Entao xRPa, o que significa que existe µ P Λ tal que x P Sµ e a P Sµ. Mas agora a P Sµ e
a P Sλa: mas entao µ “ λa. Consequentemene x P Sλa
. Acabamos de provar que rasRP Ď Sλa. Do outro
lado, seja x P Sλa ; mas por construcao a P Sλa . Entao xRPa e x P rasRP . Entao Sλa Ď rasRP . Entao os dois
conjuntos sao iguais.
28
Funcoes a partir de um conjunto quociente. Boa Definicao. Dada uma relacao de equivalencia R
no conjunto A e um segundo conjunto B, se poe o problema de definir funcoes
f : A{R - B .
O problema se poe quando queremos definir fprxsq, ou seja f aplicada a classe de equivalencia de um elemento
x, em termos de x. Surge o problema da boa definicao: A classe rxs, mesmo dependendo do elemento x, pode
provavelmente se escrever como rxs “ rys, com y diferente de x. Entao, para ter uma funcao bem definida
de A{R ate B, e preciso que cada vez que rxs “ rys, tenhamos que a definicao de fprxsq coincida com a
definicao de fprysq.
Exemplo 1.5.19. A funcao f : Z{6Z - N dada por fprns6q “ |n| nao e bem definida (dizemos tambem
que e mal definida). De fato fpr2s6q teria que ser igual a fpr8s6q porque r2s6 “ r8s6, mas na nossa definicao
fpr2s6q “ |2| ‰ |8| “ fpr8s6q. Ou seja, a definicao de f tem que depender so da classe e nao do elemento
representante da classe, mesmo que a definicao use aquele elemento.
Exemplo 1.5.20. Seja R2 “ A e seja R a relacao de equivalencia px, yqRpx1, y1q se x2 ` y2 “ px1q2 `
py1q2. Consideramos a tentativa de definicao da funcao h : R2{R - R dada por hprpx, yqsRq “ 2x ` y.
Comprendemos logo que esta nao e uma boa definicao e que h e mal definida. De fato, como vimos, as
classes de equivalencia sao cırculos centrados na origem. Tomamos dois pontos distintos no mesmo cırculo,
como p1, 0q e p0, 1q. As classes de equivalencia coincidem, porque p1, 0qRp0, 1q, porque 12 ` 02 “ 02 ` 12, e
entao rp1, 0qR “ rp0, 1qsR, mas
hprp1, 0qsRq “ 2 ¨ 1` 0 “ 2
hprp0, 1qsRq “ 2 ¨ 0` 1 “ 1
Se a funcao h fosse bem definida, teriamos hprp1, 0qsRq “ hprp0, 1qsRq. Mas nao e o caso.
Consideramos agora ”tentativa de definicao”da funcao f : R2{R - R dada por
fprpx, yqs “ x4 ` y4 ` 2x2y2 ` 3x2 ` 3y2
Entao ela e bem definida, no sentido que se rpx, yqs “ rpx1, y1qs, entao x4 ` y4 ` 2x2y2 ` 3x2 ` 3y2 “
px1q4 ` py1q4 ` 2px1q2py1q2 ` 3px1q2 ` 3py1q2.
Tentamos agora de ver o problema de forma um pouco mais teorica. Seja A um conjunto e seja R
uma relacao de equivalencia sobre A. Nos exemplos acima, tentamos sempre de definir o valor fprasRq a
partir do elemento a: no exemplo acima, se definiu fprpx, yqsRq como x4 ` y4 ` 2x2y2 ` 3x2 ` 3y2, ou seja,
em termos de pares px, yq P R2. Agora e claramente possıvel definir uma funcao f : R2 - R como
fpx, yq “ x4 ` y4 ` 2x2y2 ` 3x2 ` 3y2. O que esta sendo feito aqui e que se usa a funcao f para definir a
funcao f , ou mais em geral se tenta de definir uma funcao g : A{R - B gracas a uma funcao f : A - B.
Queremos agora encontrar um um criterio que permita de dizer se esta procedura vai funcionar ou nao.
Observacao 1.5.21. Seja A um conjunto nao vazio e R uma relacao de equivalencia em A. Seja B outro
conjunto. Se g : A{R - B e uma funcao bem definida entre o quociente A{R e o conjunto B, entao,
por composicao com a projecao quociente πR : A - A{R, fica definida a composicao f :“ g ˝ πR :
A - A{R - B. Por definicao temos que
fpxq “ gpπRpxqq “ gprxsq
29
Ou seja, cada vez que temos uma funcao bem definida g : A{R - B, conseguimos sempre exprimir g
como uma funcao do representante. E claro tambem que se
πRpxq “ πRpyq ùñ fpxq “ gpπRpxqq “ gpπRpyqq “ fpyq
ou seja a funcao f : A - B tem a propriedade
πRpxq “ πRpyq ùñ fpxq “ fpyq . (1.1)
Esta condicao se pode re-escrever como
rxs “ rys ùñ fpxq “ fpyq (1.2)
ou entao
xRy ùñ fpxq “ fpyq . (1.3)
Observacao 1.5.22. A condicao que acabamos de escrever se pode interpretar como R Ď„f , en termos de
relacoes, ou ainda como o fato que f e constante longo das classes de equivalencia de R.
Vamos ver agora o reciproco. Se trata de saber quando, dada uma funcao f : A - B, e uma relacao
de equivalencia R sobre A, a funcao f ”desce”a uma funcao g : A{R - B. E claro que a condicao que
encontramos e necessaria, mas sera suficiente? Vamos colocar o problema de forma ainda mais geral.
Lema 1.5.23. Seja f : A - B uma funcao e seja π : A -- Q uma funcao sobrejetiva. Entao existe
(uma unica) g : Q - B tal que g ˝ π “ f se e somente se πpxq “ πpyq ùñ fpxq “ fpyq, ou seja, se e
somente se f e constante longo as fibras de π.
Demonstracao. A necessidade da condicao e evidente porque se existe g, e se πpxq “ πpyq, entao fpxq “
gpπpxqq “ gpπpyqq “ fpyq. Do outro lado, supomos que por cada x, y P A, πpxq “ πpyq ùñ fpxq “ fpyq.
Sabemos que g e sobrejetiva. Queremos definir gpqq, com q P Q. Mas certamente existe a P A tal que
πpaq “ q. Definimos entao
gpqq :“ fpaq .
Aqui surge o problema da boa definicao, porque para definir g fizemos uma escolha. Temos que conseguir
provar que o valor de gpqq nao depende da escolha feita, mas so de q. Supomos entao que a1 seja outro
elemento em A tal que πpa1q “ πpaq “ q. Ou seja a, a1 P π´1pqq. Mas f e constante sobre as fibras de π,
entao
πpaq “ πpa1q ùñ fpa1q “ fpaq
ou seja, se tivessemos definido gpqq usando o levantamento a1, teriamos tido o mesmo resultado. Entao g
esta bem definida e e claro que gpπpaqq “ fpaq porque a e um levantamento de πpaq. E tambem claro que
se existe uma tal g tem que ser unica.
Temos finalmente o teorema:
Teorema 1.5.24. Seja f : A - B uma funcao entre conjuntos. Seja R uma relacao de equivalencia
definida em A e seja πR : A - A{R a projecao quociente. Entao existe g : A{R - B (necessariamente
unica) tal que f “ g ˝ πR se e somente se
@x, y P A xRy ùñ fpxq “ fpyq
30
Demonstracao. A necessidade da condicao foi feita antes da observacao. Para a suficiencia, usamos o lema
acima, com Q “ A{R, e obtemos que g existe (unica) se temos a condicao
πRpxq “ πRpyq ùñ fpxq “ fpyq
mas esta e a condicao do teorema.
Observacao 1.5.25. No teorema acima, temos que a funcao induzida g e sobrejetiva se e somente se f e
sobrejetiva, e e injetiva se e somente se fpxq “ fpyq ùñ πpxq “ πpyq ðñ xRy, ou seja, se e somente se
R “„f .
As vezes e preciso definir uma funcao g : A1{R1 ˆA2{R2- B a partir do produto cartesiano de dois
conjuntos quocientes. Certamente temos a funcao sobrejetiva πR1 ˆ πR2 : A1 ˆ A2- A1{R1 ˆ A2{R2.
Entao podemos aplicar o lema acima, para obter
Proposicao 1.5.26. Sejam A1, A2, B conjuntos. Seja f : A1 ˆ A2- B uma funcao. Sejam R1, R2
relacoes de equivalencias, respeitivamente, nos conjuntos A1 e A2. Entao existe uma funcao g : A1{R1 ˆ
A2{R2- B tal que g ˝ pπR1
ˆ πR2q se e somente se px1R1x2q ^ py1R2y2q ùñ fpx1, y1q “ fpx2, y2q.
31
Capıtulo 2
Os Inteiros
2.1 Operacoes, Estruturas Algebricas
2.1.1 Semigrupos, Monoides, Grupos
Definicao 2.1.1. Seja X um conjunto. Uma operacao (interna) em X (ou uma lei de composicao interna)
e uma funcao
µ : X ˆX - X .
A operacao µ se diz associativa se
@ a, b, c P X µpa, µpb, cqq “ µpµpa, bq, cq .
A operacao µ se diz comutativa se
@ a, b P X µpa, bq “ µpb, aq .
Definicao 2.1.2. Seja X um conjunto e seja µ : X ˆX - X uma operacao interna em X. Dizemos que
µ admite um elemento neutro e P X (ou que e P X e um elemento neutro para µ) se
@a P X µpe, aq “ µpa, eq .
Proposicao 2.1.3 (Unicidade dos elementos neutros). Seja X um conjunto e seja µ : X ˆX - X uma
operacao interna em X. Se µ admite um elementro neutro e, entao ele e unico.
Demonstracao. Seja e1 um eventual outro elemento neutro para µ. Por definicao de elemento neutros e e e1
temos
@a P X µpe, aq “ a “ µpa, eq
@a P X µpe1, aq “ a “ µpa, e1q .
Mas entao, tomando a “ e1 na primeira, temos µpe, e1q “ e1 e tomando a “ e na segunda temos µpe, e1q “ e.
Entao temos
e1 “ µpe, e1q “ e .
Entao dois eventuais elementos neutros tem que coincidir.
Definicao 2.1.4 (Semigrupo). Um semigrupo e um conjunto X equipado com uma operacao associativa
µ.
32
Definicao 2.1.5 (Monoide). Um monoide e um um conjunto X equipado com uma operacao associativa
µ que admite um elemento neutro e.
Definicao 2.1.6. Seja X um monoide1 de operacao µ com elemento neutro e. Seja a P X. Um elemento
b P X e um inverso de a para a operacao µ se
µpa, bq “ e “ µpb, aq .
Neste caso dizemos tambem que o elemento a e inversıvel.
Proposicao 2.1.7 (Unicidade dos elementos inversos). Seja X um monoide de operacao µ com elemento
neutro e. Se um elemento a P X e inversıvel, entao o seu inverso e unico.
Demonstracao. Supomos que b1 e b2 sejam dois eventuais inversos de a para a operacao µ. Entao
µpa, b1q “ µpb1, aq “ e
µpa, b2q “ µpb2, aq “ e .
Mas entao
b1pAq“ µpb1, eq
pBq“ µpb1, µpa, b2q
pCq“ µpµpb1, aq, b2q
pDq“ µpe, b2q
pEq“ b2 .
Na igualdade pAq usamos o fato que e e elemento neutro; na pBq que b2 e inverso de a para µ; na pCq o fato
que µ e associativa; na pDq o fato que b1 e inverso de a e na pEq que e e elemento neutro.
A seguinte e uma das definicoes mais importantes de toda a Matematica.
Definicao 2.1.8. Um grupo e um monoide onde todos os elementos sao inversıveis. Mas precisamente um
grupo e um conjunto G, equipado com uma operacao µ tal que
1. µ e associativa
2. µ admite um elemento neutro e, ou seja um elemento tal que, para cada g P G temos
µpg, eq “ g “ µpe, gq .
3. para cada g P G, existe um elemento inverso de g para µ, ou seja um elemento h P G tal que
µpg, hq “ e “ µph, gq
Definicao 2.1.9. Um grupo pG,µ, eq se diz comutativo ou abeliano se µ e comutativa.
Exercicio 2.1.10. Seja X um conjunto nao vazio. Consideramos o conjunto
SpXq “ tf : X - X | f bijetivau .
A composicao
˝ : SpXq ˆSpXq - SpXq
pg, fq - g ˝ f
define uma operacao em SpXq, que ja provamos ser associativa. Provar que SpXq, equipado com a operacao
˝ e um grupo. Este grupo, de fundamental importancia, e chamado o grupo simetrico sobre o conjunto X.
Provar que e um grupo abeliano se e somente se X tem ao maximo dois elementos.
1No que segue, daremos as vezes o monoide como uma tripla pX,µ, eq
33
Proposicao 2.1.11 (Lei de Cancelacao nos Grupos). Seja G,µ um grupo. Sejam a, b, c P G. Entao
µpa, bq “ µpa, cq ùñ b “ c .
Observacao 2.1.12. E comum, quando se fala de grupos, para simplificar as notacoes, denotar a operacao
µ, qualquer essa seja, com um produto ¨. Entao, se g, h P G, denotaremos com g ¨h a operacao µpg, hq. Nesta
forma (notacao multiplicativa para os grupos) e normal chamar com g´1 o (unico) inverso de um elemento
g.
Outras vezes, sobretudo quando vamos ter que usar mais operacos, usaremos a notacao aditiva; ou seja,
denotaremos a operacao µ com uma soma `. Nesta notacao, o inverso do elemento a se denota naturalmente
com ´a.
Exercicio 2.1.13. Seja pG, ¨, eq um grupo, escrito em notacao multiplicativa. Entao, se g, h P G, temos
pg´1q´1 “ g
pg ¨ hq´1 “ h´1 ¨ g´1
Exercicio 2.1.14. Reformular o exercico precedente em notacao aditiva.
2.1.2 Aneis, Dominios, Aneis a Divisao, Corpos
Definicao 2.1.15 (Anel). Um anel e um conjunto A com duas operacoes, µ e ν tais que
• pA,µq e um grupo;
• pA, νq e um monoide;
• (propriedade distributiva) a operacao ν distribui com relacao a operacao µ, ou seja,
@ a, b, c P A νpa, µpb, cqq “ µpνpa, bq, νpa, cqq
@ a, b, c P A νpµpa, bq, cq “ µpνpa, cq, νpb, cqq
Notacao 2.1.16. E comun, num anel A, chamar a primeira operacao adicao e indicarla com o simbolo
de soma ` e a segunda operacao multiplicacao e indicarla com o simbolo de produto ¨. De consequencia,
o elemento neutro para a primeira operacao se vai denotar com o zero 0 (o com 0A, se e preciso alguma
referencia ao anel A) e o elemento neutro para a segunda operacao se vai denotar com 1 (ou 1A). Nesta
notacao se a P A, o unico elemento inverso de a para a ` vai ser denotado com ´a e vai ser chamado o
oposto de a. Denotamos tambem com a ´ b :“ a ` p´bq (ou seja a mais o oposto de b). Nestas notacoes,
diremos tambem que a estrutura de grupo pA,`q e a estrutura aditiva do anel; do outro lado, a estrutura
de monoide pA, ¨q e a estrutura multiplicativa do anel A. Queremos enfatizar que estas podem ser operacoes
qualquer, sem alguma ligacao a soma e produto comuns. No que segue seguiremos, quando convenha, esta
notacao.
Da definicao de anel seguem muitas propriedades. Da Lei de Cancelacao nos Grupos desce imediatamente
Corolario 2.1.17 (Lei de Cancelacao Aditiva). Seja A,`, ¨ um anel. Sejam a, b, c P A.
a` b “ a` c ùñ b “ c .
Analogamente
b` a “ c` a ùñ b “ c .
34
Corolario 2.1.18. Seja A um anel com operacoes ` e ¨ e elementos neutros 0A e 1A. Entao por cada a P A,
temos
a ¨ 0A “ 0A ¨ a “ 0A .
Demonstracao. Seja a P A. Mostramos antes de tudo que a ¨ 0A “ 0A. Dado que 0A e o elemento neutro
para a soma `, temos
0A ` 0A “ 0A .
Aplicamos agora a propriedade distributiva
a ¨ 0A ` a ¨ 0A “ a ¨ p0A ` 0Aq “ a ¨ 0A .
Adicionamos dos dois lados (a direita, mas poderiamos faze-lo a esquerda) o oposto ´pa ¨ 0Aq de a ¨ 0A.
Temos`
a ¨ 0A ` a ¨ 0A˘
` p´pa ¨ 0Aqq “ a ¨ 0A ` p´pa ¨ 0Aqq .
Entao, por associatividade da soma:
a ¨ 0A ` pa ¨ 0A ` p´pa ¨ 0Aqqq “ a ¨ 0A ` p´pa ¨ 0Aqq .
Usamos agora que a ¨ 0A ` p´pa ¨ 0Aqq “ 0A, porque ´pa ¨ 0Aq e o oposto de a ¨ 0A: temos
a ¨ 0A ` 0A “ 0A
que se simpifica – por o fato de 0A ser elemento neutro por a adicao – em
a ¨ 0A “ 0A
como queriamos.
A demonstracao da igualdade 0A ¨a “ 0A e completamente analoga (e suficiente, no membro de esquerda,
substituir 0A com 0A ` 0A e proceder como acima).
A seguinte e uma consequencia inexperada da definicao de anel.
Proposicao 2.1.19. Seja pA,`, ¨q um anel. Entao o grupo aditivo pA,`q e necessariamente abeliano.
Demonstracao. Temos que provar que, por cada a, b P A, temos a ` b “ b ` a. Consideramos a, b P A e o
elemento pa` bq ¨ p1A ` 1Aq. Temos, de um lado
pa` bq ¨ p1A ` 1Aq “ pa` bq ¨ 1A ` pa` bq ¨ 1A “ pa` bq ` pa` bq “ a` pb` pa` bqq “ a` ppb` aq ` bq
Do outro
pa` bq ¨ p1A ` 1Aq “ ap1A ` 1Aq ` bp1A ` 1Aq “ pa` aq ` pb` bq “ a` pa` pb` bqq “ a` ppa` bq ` bq .
Igualando os membros a direita das duas equacoes, e aplicando a Lei de Cancelacao Aditiva, temos que
pb` aq ` b “ pa` bq ` b .
Aplicando mais uma vez a Lei de Cancelacao Aditiva, temos que
b` a “ a` b
o que prova a comutatividade da soma.
35
Convencao. Seja pA,`, ¨q um anel. Supomos que 1A “ 0A. Entao e facil mostrar que A “ t0Au. De fato
t0Au Ď A. Do outro lado, se a P A, entao teriamos a “ a ¨ 1A “ a ¨ 0A “ 0A. Por isto na definicao de anel
vamos sempre supor que 1A ‰ 0A.
Proposicao 2.1.20 (Regra dos Sinais). Seja pA,`, ¨q um anel, com elementos neutros para soma e produto
0A e 1A, respeitivamente. Entao, se a P A, temos
1. ´p´aq “ a;
2. p´1Aq ¨ a “ ´a;
3. p´aq ¨ b “ ´pa ¨ bq “ a ¨ p´bq;
4. p´aq ¨ p´bq “ ab.
Notacao 2.1.21. Seja µ : X ˆX - X uma operacao num conjunto X. Se A Ď X, B Ď X, denotamos
com µpA,Bq o subconjunto
µpA,Bq :“ µpAˆBq “ tz P Z |; z “ µpa, bq, Da P A, Db P Bu
de X.
Definicao 2.1.22 (Domınio). Um domınio e um anel pA,µ, νq tal que
νpA˚, A˚q Ď A˚
onde A˚ “ ta P A | a ‰ 0Au.
Observacao 2.1.23. Reformulamos a condicao de um anel ser um domınio em termos das operacoes `, ¨.
Um anel pA,`, ¨q e um domınio se e somente, dados a, b P A,
a ‰ 0A
b ‰ 0A
+
ùñ a ¨ b ‰ 0A ,
ou seja, o produto de dois elementos nao nulos nao pode ser nulo. Esta condicao e equivalente (e o seu
contrapositivo) ao que vem comunemente chamada Lei de Anulacao do Produto, ou seja
a ¨ b “ 0 ùñ pa “ 0Aq _ pb “ 0Aq .
Para um produto se anular, e necessario que se anule um dos fatores.
Observacao 2.1.24. Se pA,µ, νq e um domınio, a imagem do produto νpA˚, A˚q e contida em A˚ por
definicao, e entao ela induz uma operacao
ν : A˚ ˆA˚ - A˚ .
Esta operacao e necessariamente associativa, porque e a restricao de ν, que e associativa. Alem disso νˇ
ˇ
A˚ˆA˚
admite o mesmo elemento neutro 1A de ν. Entao vemos facilmente que pA,µ, νq e domınio se pA˚, νˇ
ˇ
A˚ˆA˚q
e um monoide; dado que a estrutura de pA˚, νˇ
ˇ
A˚ˆA˚q e obtida por restricao da estrutura de pA, νq ao seu
subconjunto A˚, diremos que pA˚, νˇ
ˇ
A˚ˆA˚q e um submonoide de A, νq. A condicao de A˚ ser submonoide
de pA, νq diz exactamente que
• νpA˚, A˚q Ď A˚, ou seja A˚ e fechado por a operacao µ;
36
• 1A P A˚
e entao implica que pA˚, νˇ
ˇ
A˚ˆA˚q e um monoide, e que pA,µ, νq seja dominio. Podemos entao dizer que
pA,µ, νq e domınio ðñ A˚ e submonoide de pA, νq .
Corolario 2.1.25 (Lei de Cancelacao Multiplicativa). Seja pA,`, ¨q um domınio. Entao, dados a, b, c P A,
temosab “ ac
a ‰ 0A
+
ùñ b “ c .
ac “ bc
c ‰ 0A
+
ùñ a “ b .
Exercicio 2.1.26. Mostrar que num anel pA,`, ¨q a Lei de Cancelacao Multiplicativa e equivalente a Lei
de Anulacao do Produto e entao ao fato do que pA,`, ¨q e um domınio.
Definicao 2.1.27 (Anel a Divisao). Um anel a divisao e um anel pA,`, ¨q tal que cada elemento a P A,
a ‰ 0A e multiplicativamente inversıvel, ou seja, inversıvel no monoide multiplicativo pA, ¨q.
Exercicio 2.1.28. Mostrar que um Anel a Divisao e necessariamente um Domınio.
Exercicio 2.1.29. Seja pA,`, ¨q um Anel a Divisao. Entao o monoide pA˚, ¨q e de fato um grupo. Mostrar
que um domınio onde o monoide pA˚, ¨q e um grupo e um Anel a Divisao.
Definicao 2.1.30 (Corpo Comutativo). Um corpo comutativo e um Anel a Divisao pA,`, ¨q onde o
produto ¨ e comutatıvo.
2.1.3 Aneis, Domınios e Corpos Ordenados
Definicao 2.1.31 (Anel Ordenado). Um Anel Ordenado e um anel pA,`, ¨q equipado com uma relacao de
ordem total ď compativel com as operacoes, ou seja tal que
1. (compatibilidade com a soma) se a, b, c P A, entao
a ď b ùñ a` c ď b` c
2. (compatibilidade com a multiplicacao) se a, b, c P A entao
a ď b
c ě 0
+
ùñ ac ď bc .
Proposicao 2.1.32. Seja pA,`, ¨,ďq um anel ordenado. Entao
• por cada a P A, a ě 0 ðñ ´a ď 0;
• por cada a P A, a ď 0 ðñ ´a ě 0;
• a2 ě 0;
• 1 ą 0.
Proposicao 2.1.33. Seja pA,`, ¨,ďq um anel ordenado. Sejam a, b, c P A. Temos que
37
• Se a ď b ď c e se a “ c, entao a “ b “ c;
• Se a ď b e se c ď 0, entao ac ě bc;
• Se a ň b e c ŋ 0, entao ac ň bc;
• Se a ň b e c ň 0, entao ac ŋ bc;
Definicao 2.1.34. Seja pA,`, ¨,ďq um anel ordenado. Entao A se diz um domınio ordenado, um anel a
divisao ordenado, ou um corpo ordenado, se A e, respeitivamente um domınio, um anel a divisao, ou um
corpo.
Exemplo 2.1.35. O estudante talvez se pergunte se existem mesmo aneis a divisao ordenado que nao sejam
corpos ordenados. A resposta e sim; por exemplo, podemos tomar os aneis de series de Laurent torcidas 2
kppx, σqq sobre o corpo k “ Qptq, por exemplo [?, ?, ?]. Hilbert foi o primeiro a encontrar um tal exemplo.
Observacao 2.1.36. Seja pX,ďq um conjunto totalmente ordenado. Entao, dados x, y P X o existem
sempre maxtx, yu e mintx, yu.
Definicao 2.1.37 (Valor Absoluto). Seja pA,`, ¨,ďq um anel ordenado. Definimos o valor absoluto de a
como
|a| “ maxta,´au .
Proposicao 2.1.38. Seja pA,`, ¨,ďq um anel ordenado. Entao
|a| “
#
a se a ě 0
´a se a ď 0
Proposicao 2.1.39. Seja pA,`, ¨,ďq um anel ordenado e sejam a, b, x P A. Temos que
i) |a| ě 0 e |a| “ 0 ðñ a “ 0.
ii) |a| “ | ´ a|;
iii) |x| ď a ðñ ´a ď x ď a; em particular ´|a| ď a ď |a|;
iv) |ab| “ |a|b|;
v) ||a| ´ |b|| ď |a` b| ď |a| ` |b|;
vi) |a´ b| ě ||a| ´ |b||;
Demonstracao. iii). Temos
|x| ď a ðñ maxtx,´xu ď a ðñ
#
x ď a
´x ď aðñ
#
x ď a
´a ď xðñ ´a ď x ď a .
v). Temos que ´|a| ď a ď |a| e ´|b| ď b ď |b|. Entao ´|a|´|b| ď a`b ď |a|`|b| que implica |a`b| ď |a|`|b|
por iii). Agora |a` b| ` | ´ b| ď |a` b´ b| “ |a|. Entao |a| ě |a` b| ` |b| e entao |a| ´ |b| ě |a` b|. Fazendo
a mesma coisa com b, temos |b| ě |a` b| ` |a| e entao |b| ´ |a| ě |a` b|. Mas entao
||a| ´ |b|| “ maxt|a| ´ |b|, |b| ´ |a|u ě |a` b| .
vi). ||a| ´ | ´ b|| ď ||a| ´ |b|| de v).
2skew Laurent series, em ingles
38
Exercicio 2.1.40. Seja pA,`, ¨,ďq um anel ordenado. Seja S Ď A e k P A. Sejam
´S :“ tx P A | x “ ´s, D s P Su
S ` k :“ tx P A | x “ s` k, Ds P Su
Entao ´p´Sq “ S e pS ` kq ´ k “ S. Alem disso:
• S e inferiormente limitado se e somente se ´S e superiormente limitado se e somente se S ` k e
inferiormente limitado;
• S e superiormente limitado se e somente se ´S e inferiormete limitado se e somente se S ` k e
superiormente limitado; ;
• S admite maximo se e somente se ´S admite mınimo se e somente se S ` k admite maximo; neste
caso, maxS “ ´minp´Sq “ maxpS ` kq ´ k;
• S admite mınimo se e somente se ´S admite maximo se e somente se S`k admite mınimo; neste caso,
minS “ ´minp´Sq “ minpS ` kq ´ k;
• S admite extremo superior se e somente se ´S admite extremo inferior se e somente se S ` k adminte
extremo superior; neste caso supS “ ´ infp´Sq “ suppS ` kq ´ k;
• S admite extremo inferior se e somente se ´S admite extremo superior se e somente se S ` k admite
extremo inferior; neste caso inf S “ ´ supp´Sq “ infpS ` kq ´ k.
Exercicio 2.1.41. Observar como o exercicio precedente so depende da estrutura aditiva e e valido em geral
num grupo ordenado G,`,ď. Deixamos ao estudante formular esta nocao.
2.1.4 O Principio de Boa Ordenacao e a caraterizacao dos Inteiros
Notacao 2.1.42. Seja A,`, ¨,ď um anel ordenado. Indicamos com Aě0 o conjunto dos elementos positivos
(ou nao negativos), ou seja, os a P A tais que a ě 0A.
Definicao 2.1.43. Um anel ordenado pA,`, ¨,ďq satisfaz o Principio da Boa Ordem se cada subconjunto
nao vazio de Aě0 admite mınimo.
Proposicao 2.1.44. Seja pA,`, ¨q um anel ordenado. Entao sao equivalentes
i) pA,`, ¨,ďq satisfaz o Principio da Boa Ordenacao.
ii) Aě0 e bem ordenado.
iii) Cada subconjunto nao vazio e inferiormente limitado de A admite mınimo.
iv) Cada subconjunto nao vazio e superiormente limitado de A admite maximo.
Daremos agora a definicao axiomatica dos numeros inteiros.
Axioma 2.1.45 (Numeros Inteiros). Existe um unico3 domınio4 comutativo ordenado que satisfaz o
Principio da Boa Ordenacao. Chamaremos este domınio com o domınio dos numeros inteiros pZ,`, ¨,ďq3A meno de isomorfismo de aneis ordenados, ou seja, uma bijecao que respeita as operacoes e a relacao de ordem4Na verdade, se pode demonstrar (ou tomar como axioma) que existe um unico anel ordenado que satisfaz o Princıpio da
Boa Ordenacao
39
Exploraremos agora as consequencias do Princıpio de Boa Ordenacao: este princıpio nos diz uma proprie-
dade fundamental dos inteiros nao negativos, ou seja, dos numeros naturais. Veremos que, como consequencia
do Axioma da Boa Ordenacao, os numeros inteiros sao discretos, ou seja, ”saltam”.
Definicao 2.1.46 (Numeros Naturais). Chamamos numeros naturais os numeros inteiros nao negativos.
Os indicamos com
N :“ Zě0 .
A primeira, muito importante, afirma que nao existe inteiro estritamente comprendido entre 0 e 1.
Corolario 2.1.47. Seja a P Z tal que 0 ď a ď 1. Entao ou a “ 0 ou a “ 1. Equivalentemente, nao existe
inteiro a P Z tal que 0 ă a ă 1.
Demonstracao. Seja a P Z e supomos por absurdo que 0 ă a ă 1. Entao a P Zě0. Consideramos agora o
conjunto
S “ ta P Z | 0 ă a ă 1u .
Temos obviamente que S Ď Zě0. Por a hipotese que supomos, temos S ‰ H. Pelo Princıpio da Boa
Ordenacao, S admite mınimo m :“ minS. Entao:
• m P S;
• m ď y @ y P S.
Em particular m ă 1 e m ą 0. Multiplicando a disegualdade m ă 1 por m ą 0 obtemos, por compatibilidade
da ordem com a multiplicacao, a disegualdade5
m2 ă m .
Combinamos esta disegualdade com m ă 1 e com o fato que m2 ě 0 para obter, por transitividade
0 ď m2 ă 1 .
Observamos agora que m2 ‰ 0, porque se nao, dado que Z e um domınio, que m seria zero. Entao temos
0 ă m2 ă 1
ou seja m2 P S. Mas m2 ă m, o que e absurdo porque temos m ď m2 porque m e o mınimo.
Corolario 2.1.48. Para cada y P Z nao existem inteiros x estritamente comprendidos entre y e y ` 1.
Demonstracao. Seja y um inteiro fixado. Supomos que x seja um inteiro tal que y ă x ă y ` 1. Mas entao,
subtraindo por y dos dois lado, por compatibilidade da ordem com a soma, temos
0 “ y ´ y ă x´ y ă y ` 1´ y “ 1
ou seja, o inteiro x´ y satisfaz a propriedade
0 ă x´ y ă 1
o que e absurdo por o corolario precedente.
5E fundamental para o argumento mostrar que temos a disegualdade estrita m2 ň m. E claro que temos m2 ď m; mas se
tivessemos m2 “ m, teriamos m ¨m “ m ¨ 1 e, dado que m ŋ 0 e entao m ‰ 0, a cancelacao daria m “ 1, o que e absurdo
40
Corolario 2.1.49. Seja n,m P Z. Se n ą m, entao n ě m` 1.
Demonstracao. Segue imediatamente do corolario precedente e da Trichotomia, sendo n ą m e n ă m ` 1
uma impossibilidade.
Teorema 2.1.50 (Propriedade Arquimediana de N). Sejam a, b P N tais que a ą 0. Entao existe n P N tal
que
na ą b .
Demonstracao. Supomos que a tese seja falsa; ou seja supomos que para cada n P N temos
na ď b .
Isto significa que, por cada n P N teriamos b ´ na ě 0, ou seja, por cada n P N temos que b ´ na P N.
Podemos entao formar o conjunto
S “ tx P Z | x “ b´ na, Dn P Nu
e por o que acabamos de dizer, temos S Ď N. Mas S ‰ H, porque b P S, porque b “ b ´ 0 ¨ a. Entao, pelo
Princıpio da Boa Ordenacao, S tem um mınimo m. Mas entao
• m P S, ou seja, existe n0 P N tal que m “ b´ n0a.
• m ď s por cada s P S.
Consideramos agora m1 “ b´ pn0 ` 1qa. Temos
m1 “ b´ pn0 ` 1qa “ b´ n0 ¨ a´ 1 “ m´ a
Mas agora, de um lado m1 P S, e do outro
m1 “ m´ a ň m
porque a ą 0 e entao ´a ă 0 e entao m´ a ă m. Entao temos que
m1 P S
m1 ă m
o que contradiz o fato que m e o mınimo de S. Absurdo.
Observacao 2.1.51. Repare-se como, para mostrar a Propriedade Arquimediana, usamos so que Z e um
anel ordenado que satisfaz ao Princıpio da Boa Ordenacao. Nunca usamos que Z e um domınio, nem que Ze comutativo. Deduzimos que Propriedade Arquimediana, oportunamente formulada, val num anel ordenado
que satisfaz o Princıpio da Boa Ordenacao.
Observacao 2.1.52. Em virtude do Axioma da Boa Ordenacao, podemos definir rigorosamente o que e o
sucessor de qualquer inteiro n. De fato, se n P Z, consideramos o conjunto Ząn :“ tm P Z | m ą nu. E
claramente um conjunto nao vazio de Z, e inferiormente limitado (porque n e uma sua cota inferior). Entao
admite mınimo. Definimos entao o sucessor de n como
n` :“ mintm P Z | m ą nu .
41
2.1.5 O anel dos Inteiros como o unico anel ordenado que satisfaz ao Princıpio
da Boa Ordenacao
2.2 Inducao Matematica
Vimos na secao precedente a definicao axiomatica de Z e o Axioma da Boa Ordenacao e algumas das
consequencias desta descricao. Consideramos agora o conjunto N: sabemos que
• 0 P N;
• por cada n P N, o seu sucessor n` e um natural;
Estas carateristicas podiam ser definidas ate em termos puramente de teoria de conjuntos (0 e representado
porH, e se x P N, x` e represetado por xYtxu. Mas para descrever N falta uma propriedade de mınimalidade,
ou seja, N e o mınimo conjunto que satisfaz estas duas propriedades. O Princıpio de Inducao, que pode
demonstrar a partir do Axioma da Boa Ordenacao, afirma exactamente isto. Estas tres propriedades de N
• 0 P N;
• por cada n P N, o seu sucessor n` e um natural;
• N e o mınimo conjunto que tem as duas propriedades acima.
caraterizam completamente os numeros naturais, e sao o ponto de partida escolhido por Peano para descrever
os numero naturais (Axiomas de Peano).
De fato, veremos que o Princıpio de Inducao pode ser tomado em substituicao do Axioma da Boa
Ordenacao, ou seja, as duas afirmacoes sao equivalentes.
2.2.1 O Princıpio de Inducao
Teorema 2.2.1 (Princıpio de Inducao, versao 1). Seja S Ď N, tal que
• 0 P S;
• p@ nqpn P S Ñ n` 1 P Sq.
Entao S “ N.
Demonstracao. Supomos por absurdo que S Ĺ N. Entao o complementar S :“ NzS e nao vazio: S ‰ H;
temos tambem que S Ď N. O Princıpio da Boa Ordenacao nos diz que S admite um mınimo m. Entao
m P S Ď N que implica m ě 0. Mas m ‰ 0, porque se fosse m “ 0 P S, o que e absurdo, porque m P S.
Entao m ą 0. Pelo corolario acima, m ě 1. Mas entao m´ 1 ě 0, ou seja m´ 1 P N. Mas m´ 1 R S, porque
m´ 1 ă m “ minS. Mas entao m´ 1 P NzS “ S. Pela segunda propriedade de S, temos que
pm´ 1q ` 1 P S
ou seja, m P S, o que e claramente absurdo, sendo m P S.
O princıpio de Inducao e uma ferramenta muito poderosa para provar afirmacoes do tipo p@nqpP pnqq,
como mostra o exemplo seguinte.
42
Exemplo 2.2.2. Provamos que
@n P Nnÿ
k“0
k “npn` 1q
2.
Demonstracao. Consideramos o conjunto
S :“
#
n P N |nÿ
k“0
k “npn` 1q
2
+
.
E claro que o que queremos provar e equivalente a S “ N. Para este fim, podemos usar o Princıpio de
Inducao. De fato, e suficiente provar as duas propriedades de S
• 0 P S (chamado tambem caso base)
• Para cada n P N, se n P S, entao n` 1 P S (chamado passo indutıvo).
Uma vez mostrado isso, o Princıpio de Inducao nos garantira que S “ N. Mostramos que para S valem as
duas propriedades acima:
i) 0 P S. De fato 0 P S se e somente se0ÿ
k“0
k “0p0` 1q
2;
mas esta ultima afirmacao diz que 0 “ 0 e entao e verdadeira; entao 0 P S.
ii) Passo Indutıvo. Temos que provar que, por generalizacao universal, se n P N e um natural arbitrario e e
se n P S, entao n ` 1 P S. Supomos (dizemos por hipotese indutıva) que n P N (arbitrario) e n P S. Mas
entao temos quenÿ
k“0
k “npn` 1q
2. (2.1)
Mas entao temos
n`1ÿ
k“0
k “nÿ
k“0
k ` pn` 1q “npn` 1q
2` pn` 1q “ pn` 1q
´n
2` 1
¯
“pn` 1qpn` 2q
2.
Mas isto implica que n` 1 P S. Reparamos que provamos que, por generalizacao universal,
p@n P Nqpn P S - n` 1 P Sq
que e exactamente a segunda hipotese do Princıpio de Inducao para verificar. Agora o Princıpio de Inducao
nos diz que S “ N, ou seja p@n P Nqpn P Sq que pode ser reformulada em
@n P Nnÿ
k“0
k “npn` 1q
2.
No exemplo precedente, chegamos a ”formar”um subconjunto S de N a partir de uma propriedade,
ou predicado P pnq. Vamos agora dar o Princıpio de Inducao diretamente com predicados, sem recorrer a
subconjunto de N.
Teorema 2.2.3 (Principio de Inducao Matematica, versao 1a). Seja P pnq um predicado definido em N.
Supomos que
• P p0q “ V
• por cada n P N, se P pnq “ V , entao P pn ` 1q “ V . (ou seja, mais formalmente p@n P NqpP pnq “V - P pn` 1q “ V q.
43
Entao P pnq “ V por cada n P N. (ou seja p@n P NqpP pnq “ V q)
Demonstracao. Usamos o princıpio de Inducao, versao 1. Seja S “ tn P N | P pnq “ V u; e um conjunto pelo
Axioma de Separacao, e entao obviamente um subconjunto de N. Temos
0 P S, porque P p0q “ V ;se n P S, entao P pnq “ V , mas entao P pn` 1q “ V , ou seja, n` 1 P S.
Entao S satisfaz as hipoteses do Princıpio de Inducao, versao 1. Entao S “ N. Mas entao se n0 P Narbitrario, entao n0 P S, ou seja, P pn0q “ V . Isto implica, por a generalizacao universal, que
p@n P NqpP pnq “ V q ,
como queriamos.
Exemplo 2.2.4. Provar que pn` 4q! ě 2n`4.
O teorema precedente e equivalente ao
Teorema 2.2.5 (Princıpio de Inducao, versao II). Seja S Ď Z e seja c P Z. Supomos que
• c P S;
• p@nqpn P S - n` 1 P Sq.
Entao Zěc Ď S.
E claro que este enunciado implica o Princıpio de Inducao, versao I (e mais forte). Do outro lado,
assumimos o Princıpio de Inducao, versao I e demonstramos este enunciado.
Primeira Demonstracao. Supomos que Zěc Ę S. Entao existe s0 P Zěc tal que s0 R S. Ou seja, o conjunto
S “ ZěczS nao e vazio: S ‰ H. Agora, por construcao S Ď Zěc, ou seja c ď s por cada s P S1. Mas entao c
e uma conta inferior para S. Mas entao S admite mınimo, porque em Z val o Princıpio da Boa Ordenacao.
Seja sm este mınimo. Agora c ď sm, mas c ‰ sm, porque c P S. Entao c ă sm e sm ě c ` 1. Mas entao
sm ´ 1 ă sm e sm ě c. Entao sm ´ 1 P S. Mas pela segunda hipotese,
sm “ psm ´ 1q ` 1 P S
o que e absurdo.
Segunda Demonstracao. Considerar o conjunto S1 “ tz P N | z “ x ´ c, Dx P Su. Provar que S1 Ď N,
e que S1 verifica as hipoteses do Princıpio de Inducao (versao I). Entao S1 “ N. Deduzir que Zěc Ď S.
Detalhes por exercicio.
Exemplo 2.2.6. Provar que, por n ě 3, a soma dos angulos de um poligono convexo com n lados e pn´2qπ.
Exemplo 2.2.7. Provar que, por n ě 1, se a, b P C,
an ´ bn “ pa´ bqn´1ÿ
k“0
akbn´1´k .
Exemplo 2.2.8. Provar que, por n ě 1, se q P C, q ‰ 1,
nÿ
k“0
qn “qn`1 ´ 1
q ´ 1.
Observacao 2.2.9 (Imagens Mentais para representar o Princıpio de Inducao).
44
O Princıpio de Inducao permite de mostrar uma infinidade de afirmacoes p@nqP pnq mostrando a primeira
e depois mostrando uma condicao sobre as varias proposicoes, ou seja, que se val uma certa proposicao, entao
val a sucessiva. A forma como as varias proposicoes ”ficam verdadeiras”e muito parecido a como as pecas
de um domino caem. Imaginamos as pecas de um domino: para cairem, precisamos que pelo menos caia a
primeira, precisamos de dar um impulso inicial: isto e absolutamente paralelo ao caso base P p0q “ V , ou
ao P pcq “ V (no caso em que se comece de c). Mas se as pecas nao forem bem postas, nao irao cair todas!
Para que caiem todas, e preciso que as pecas sejam bem postas, de forma de estar seguros que o cair de uma
peca (qualquer) provoca certamente o cair da peca sucessiva. Esta segunda condicao e ”garantida”,do lado
da inducao, pela segunda hipotese (passo indutıvo)
p@nqpP pnq “ V - P pn` 1q “ V q .
Esta condicao afirma que o nosso domino esta bem formado, com as pecas cuidadosamente postas uma depois
da outra. Entao se cair a primeira peca, cai tudo, uma proposicao a cada vez. Se esta segunda condicao nao
for cuidadosamente verificada, pode ser que o nosso domino pare em algum lado e nao avance mais.
Uma segunda imagem mental, que pode ajudar na comprensao do conceitos abstratos, e ver as diferentes
proposicoes P pnq como rochas num lago, postas em fila. A segunda condicao, nesta metafora, diria entao,
que existe uma ponte entre uma rocha qualquer ate a rocha sucesisva. A primeira condicao e que nos
conseguimos de fato subir (chegar) ate a primeira rocha. Entao se as duas condicoes sao satisfeita, vamos
conseguir chegar a todas.
Observacao 2.2.10 (Princıpio de Inducao como aplicacao infinita (euristica) do modus ponens).
O Princıpio de Inducao (e a sua validade) podem ser comprendidos e mostrados (euristicamente) de um
ponto de vista mais formal fazendo recurso ao Modus Ponens. As hipoteses do Princıpio de Inducao sao
P p0q
p@nqpP pnq - P pn` 1qq
+
(2.2)
Agora, o passo indutivo p@nqpP pnq - P pn` 1qq pode se escrever como (se admitimos conseguir aplicar o
conetor ^ a uma infinidade de proposicoes):
p@nqpP pnq - P pn` 1qq ðñ pP p0q Ñ P p1qq ^ pP p1q Ñ P p2qq ^ ¨ ¨ ¨
ou seja
p@nqpP pnq - P pn` 1qq ðñ
P p0q Ñ P p1q
P p1q Ñ P p2q
P p2q Ñ P p3q
¨ ¨ ¨
P pnq Ñ P pn` 1q
¨ ¨ ¨
,
/
/
/
/
/
/
/
/
.
/
/
/
/
/
/
/
/
-
Agora podemos re-escrever as hipoteses (2.2) como
P p0q
P p0q Ñ P p1q
P p1q Ñ P p2q
P p2q Ñ P p3q
¨ ¨ ¨
P pnq Ñ P pn` 1q
¨ ¨ ¨
,
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
.
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
-
.
45
Mas agora, uma aplicacao sucessiva do modus ponens daria
P p0q
P p0q - P p1q
P p1q - P p2q
P p2q - P p3q
P p3q - P p4q
. . .
,
/
/
/
/
/
/
/
/
.
/
/
/
/
/
/
/
/
-
ùñ
P p0q
P p1q
P p1q - P p2q
P p2q - P p3q
P p3q - P p4q
. . .
,
/
/
/
/
/
/
/
/
.
/
/
/
/
/
/
/
/
-
ùñ
P p0q
P p1q
P p2q
P p2q - P p3q
P p3q - P p4q
. . .
,
/
/
/
/
/
/
/
/
.
/
/
/
/
/
/
/
/
-
ùñ
P p0q
P p1q
P p2q
P p3q
P p3q - P p4q
. . .
,
/
/
/
/
/
/
/
/
.
/
/
/
/
/
/
/
/
-
e depois de uma infinidade de passos, conseguiriamos
P p0q
P p1q
P p2q
P p3q
¨ ¨ ¨
P pnq
P pn` 1q
¨ ¨ ¨
,
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
.
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
-
ou seja, conseguiriamos P p0q ^ P p1q ^ P p2q ^ ¨ ¨ ¨P pnq ^ P pn ` 1q ^ ¨ ¨ ¨ , em outras palavras p@nqP pnq.
Obviamente este raciocinio, formalmente valido para um numero finito de proposicoes, e so euristico e nao
tem validade formal, porque quando se passa n arbitrariamente grande (infinito) nao temos controlo logico
sobre o que estamos fazendo, e na verdade, estamos usando inducao empirica.
De fato o princıpio de inducao permite evitar esta ”passagem ao infinito”e demostrar formalmente que
todas as P pnq sao verdadeiras ao mesmo tempo.
Exemplos de possıveis erros na aplicacao do Princıpio de Inducao
Nao verificacao do caso base
Exemplo 2.2.11. Provar (˚) quenÿ
k“0
p2k ` 1q “ n2 ` 2n` 2
Solucao. Supomos que a formula valha por n. Tentamos de prova-la para n` 1. Entao
n`1ÿ
k“0
p2k ` 1q “nÿ
k“0
p2k ` 1q ` p2n` 3q “ n2 ` 2n` 2` 2n` 3 “ pn` 1q2 ` 2pn` 1q ` 2 .
Entao o passo indutıvo esta verificado e a proposicao e verdadeira. E verdadeira mesmo? Prove o caso base
(e muitos dos outros casos tambem).
Exemplo 2.2.12. Provar (˚) que todos os numeros naturais sao iguais, ou, equivalentemente, que, para
cada n, temos
0 “ 1 “ 2 “ ¨ ¨ ¨ “ n .
Nao verificacao exacta do passo indutıvo
Exemplo 2.2.13. Provar (˚) que, para cada n ě 0, temos 4n2 ě 8n´ 3.
46
Solucao. Caso base n “ 0. Temos 4 ¨ 0 ě 8 ¨ 0´ 3 ou seja 0 ě ´3. Ok.
Passo Indutıvo. Supomos que a formula seja verdadeira para um certo n arbitrario natural. Tentamos entao
prova-la para n` 1.
4pn` 1q2 “ 4n2 ` 8n` 4 ě 16n` 1
aplicando a hipotese indutıva. Mas agora e claro que, sendo n ą 0 arbitrario, temos que 16n`1 ě 8pn`1q´3,
porque 16n` 1 “ 8n` 8n` 1 ě 8n` 8` 1 ě 8n` 5. Entao concluimos que
4pn` 1q2 ě 16n` 1 ě 8pn` 1q ´ 3 ,
ou seja, que a formula e valida para n` 1. Entao e valida para todo n. E valida mesmo para todo n?
2.2.2 Inducao Forte
Teorema 2.2.14 (Principio de Inducao Forte). Seja S Ď N tal que
• 0 P S;
• p@n P Nqpt0, . . . , nu Ď S ùñ n` 1 P Sq
Entao S “ N.
Demonstracao. Consideramos o conjunto S1 “ tm P N | t0, . . . ,mu Ď Su. Entao e claro que S1 Ď N. Depois
e claro que
• 0 P S1, porque 0 P S, e entao t0u Ď S;
• para cada n P N, se n P S1 entao n ` 1 P S1. De fato, se n P N e n P S1, entao t0, . . . , nu Ď S, mas
entao t0, . . . , n` 1u Ď S, e entao n` 1 P S1.
Mas entao S1 Ď N satisfaz o Princıpio de Inducao (versao I) e entao S1 “ N. Mas isto implica que se n P N,
entao n P S1, ou seja t0, . . . , nuS, o que implica que n P S. Acabamos de monstrar que N Ď S. Mas por
hipotese S Ď N. Entao S “ N, como queriamos.
Observacao 2.2.15. Explicamos agora porque o Princıpio e Inducao Forte se chama assim. Lembramos
que uma proposicao P e mais forte de uma proposicao Q se temos a tautologia P ùñ Q. O enunciado
do Princıpio de Inducao Forte e simplesmente mais forte, neste sentido, do que o enunciado do Princıpio de
Inducao. Vemos porque. Lembramos que se A ùñ B e A1 ùñ A, entao pA ùñ Bq ùñ pA1 ùñ Bq.
Observamos tambem o seguinte fato. Supomos que temos predicado P pxq, P 1pxq e Qpxq, (definidos num
conjunto U) e supomos que a proposicao p@xqpP 1pxq Ñ P pxqq seja verdadeira. Entao temos a tautologia
p@xqpP pxq Ñ Qpxqq ùñ p@xqpP 1pxq Ñ Qpxqq .
Deixamos a demonstracao deste fato por exercıcio. Usando este fato, temos obviamente que
p@n P Nqpt0, . . . , nu Ď S ùñ n P Sq ,
e entao
p@n P Nqpn P S ùñ n` 1 P Sq ùñ p@n P Nqpt0, . . . , nu Ď S ùñ n` 1 P Sq .
Agora, juntando com a condicao 0 P S, a implicacao nao muda6 e entao temos#
0 P S
p@n P Nqpn P S ùñ n` 1 P Sqùñ
#
0 P S
p@n P Nqpt0, . . . , nu Ď S ùñ n` 1 P Sq
6Lembrar que se A ùñ B, entao, por qualquer C, temos A^ C ùñ B ^ C.
47
Mas entao temos«#
0 P S
p@n P Nqpt0, . . . , nu Ď S ùñ n` 1 P Sqùñ S “ N
ff
ùñ
«#
0 P S
p@n P Nqpn P S ùñ n` 1 P Sqùñ S “ N
ff
ou seja, o Princıpio de Inducao Forte e (formalmente) mais forte do Princıpio de Inducao. Agora, o fato que
se possa demonstrar o Princıpio de Inducao Forte a partir do Princıpio de Inducao, mostra que de fato os
dois Princıpios sao equivalentes.
Obviamente temos a versao com predicados
Teorema 2.2.16 (Principio de Inducao Forte). Seja P pnq um predicado definido em N. Supomos
• P p0q
• p@n P NqpP p0q ^ P p1q ^ ¨ ¨ ¨ ^ P pnq - P pn` 1qq.
Entao p@n P NqpP pnqq, ou seja, P pnq e valida para cada n P N.
Demonstracao. Consideramos o conjunto S “ tn P N | P pnq “ V u. Aplicar o princıpio de Inducao Forte
acima.
Reformulacao na pratica.
Exemplo 2.2.17. Mostrar que qualquer inteiro maior ou igual a 12 se pode escrever com 4k ` 5l, com
k, l P N
Proposicao 2.2.18 (Divisao em N). Sejam a, b P N, b ą 0. Entao existem q, r P N tais que a “ bq ` r e
0 ď r ă b.
Demonstracao via Inducao Forte. Mostramos a proposicao por inducao forte sobre a.
Caso base a “ 0. Neste caso e suficiente tomar q “ 0 “ r para ter a “ 0 ¨ b` 0.
Passo Indutıvo Forte. Temos que mostrar que
p@a ě 1qpP p0q ^ ¨ ¨ ¨ ^ P pa´ 1q ùñ P paqq
ou seja,
p@a ě 1qpp@k, 0 ď k ă aqP pkq ùñ P paqq
ou seja, que se a proposicao e verdadeira para todo inteiro nao negativo k menor que a, entao e verdadeira
para a. Iremos mostrar esta afirmacao de duas formas diferentes, uma para 0 ď a ď b e uma para a ą b.
I. Seja 0 ď a ď b. Temos que provar que se podemos dividir todo k por b, com 0 ď k ă a, entao podemos
dividir a. Mas neste caso a “ 0 ¨ b` 0. Entao podemos dividir a.
II Seja agora a ą b. Supomos que para cada k, com 0 ď k ă a, existe uma divisao de k por b. Mas entao
existe uma divisao de a´ b por b porque 0 ď a´ b ă a. Mas entao existem q1 e r1 tais que
a´ b “ bq1 ` r1
com 0 ď r1 ă b. Mas entao, juntando b dos dois lados
a “ a´ b` b “ bpq1 ` 1q ` r1
e isto da uma divisao para a.
48
Demonstracao via PBO. Consideramos o conjunto
S :“ tn P N | n “ a´ bq, Dq P Nu .
Agora S ‰ H, porque a “ a ´ b ¨ 0 P S. Mas pelo Princıpio da Boa Ordenacao, existe o mınimo de S, que
chamaremos r :“ minS. Entao em particular r P S, e r “ a ´ bq, por um certo q. Precisamos provar que
r ă b. Se fosse r ě b, entao
0 ň r ´ b “ a´ bq ´ b “ a´ bpq ` 1q P S
Mas entao r ´ b P S e r ´ b ň r; absurdo. Entao nao so
a “ bq ` r
mas 0 ď r ă b. Entao a expressao encontrada q “ bq ` r e uma divisao de a por b de resto r.
Se ve nos exemplos acima que o Princıpio de Inducao forte pode ser reformulado da forma seguinte (com
um certo numero de casos base).
Teorema 2.2.19 (Principio de Inducao forte, variante). Sejam c1, c2 P Z e seja P pnq um predicado definido
em Zěc1 . Supomos que
• P pc1q “ V, . . . , P pc2q “ V .
• p@n ą c2qpp@i P Z, c1 ď i ă n, P piq “ V q - P pnqq
Entao p@n ě c1qpP pnq “ V q
Esta versao do principio de inducao forte se pode reformular em palavras assim Seja P pnq um predicado
definido em Zěc1 . Supomos que uma certa quantidade de casos base seja verificada, ou seja P pc1q “
V, . . . , P pc2q “ V . Seja agora n ą c2; supomos que P piq “ V seja verificada por cada i ă n ( e, claro,
i ě c1), e supomos que desta hipotese se possa concluir que P pnq “ V . Entao P pnq “ V por cada n ě c1.
2.2.3 Equivalencia entre o Principio de Inducao e Princıpio da Boa Ordenacao
Definicao 2.2.20. Seja pA,`, ¨,ďq um domınio comutativo ordenado. Denotamos com r0, xs o segmento
r0, xs “ ty P A | 0 ď y ď xu .
Consideramos o conjunto Aě0 “ tx P A | x ě 0u dos elementos nao negativos em A.
• Lembramos que Aě0 satisfaz ao Princıpio da Boa Ordenacao (PBO) se @S Ď Aě0, S ‰ H, entao A
tem mınimo, (ou seja, se cada subconjunto nao vazio de Aě0 tem mınimo, ou, equivalentemente se
Aě0 e bem ordenado).
• Dizemos que Aě0 satisfaz ao Princıpio de Inducao Matematica (PIM) se,
@S Ď Aě00 P S
@x P Aě0qpx P S ùñ x` 1 P Sq
+
ùñ S “ Aě0 .
• Dizemos que Aě0 satisfaz ao Princıpio de Inducao Forte (PIF) se,
@S Ď Aě0(HPIF1) 0 P S
(HPIF2) p@x P Aě0qpr0, xs Ď S ùñ x` 1 P Sq
+
ùñ S “ Aě0
49
Observacao 2.2.21. E claro que PIF ùñ PIM, exactamente como foi mostrado para Z, porque a hipotese
do PIF e mais fraca da hipotese do PIM.
Proposicao 2.2.22. Seja pA,`, ¨,ďq um domınio comutativo ordenado tal que Aě0 satisfaz o Principio da
Boa Ordenacao. Entao, por cada y P A, nao existe x P A tal que y ă x ă y ` 1.
Demonstracao. Consideramos antes de tudo o caso y “ 0. Supomos por absurdo que um tal x exista, ou
seja que exista x P A tal que 0 ă x ă 1. Mas entao o conjunto S “ tx P Aě0 0 ă x ă 1u e nao vazio. Pelo
Princıpio da Boa Ordenacao, admite mınimo m “ minS. Dado que m P S, temos que 0 ă m ă 1. Mas
entao 0 ď m, e entao 0 “ 0 ¨m ď m2, mas por a Lei de Anulacao do Produto, temos necessariamente que
m2 ‰ 0, porque se fosse 0 teriamos que m “ 0, o que nao e. Entao 0 ă m2. Do outro lado, de m ă 1,
multiplicando por m temos7 m2 ď m ă 1, e por transitividade, temos m2 ă 1. Mas entao 0 ă m2 ă 1, ou
seja, m2 P S, mas m2 ň m “ minS. Absurdo.
Caso y geral. Se existesse x P A tal que y ă x ă y`1, subtraindo y dos dois lados teriamos 0 ă x´y ă 1
e entao existeria x´ y P A estritamente entre 0 e 1 que nao pode existir por o caso precedente.
A mesma propriedade de nao existencia de elementos entre y e y`1 pode ser deduzida so com o Princıpio
de Inducao Matematica.
Proposicao 2.2.23. Seja pA,`, ¨,ďq um domınio comutativo ordenado tal que Aě0 satisfaz o Principio de
Inducao. Entao, por cada y P A, nao existe x P A tal que y ă x ă y ` 1.
Demonstracao. Consideramos antes de tudo o caso y “ 0. Consideramos S “ tx P Aě0 | 0 ă x ă 1u e
consideramos S “ Aě0zS. Queremos aplicar o Princıpio de Inducao Matematica a S. Reparamos que
• 0 P S.
Provamos agora que se x P S, entao x ` 1 P S. Mas se x P S, entao, ou x ď 0, ou x ď 1. Se x ď 0, o fato
que x P Aě0, o que implica x “ 0 e entao x ` 1 ě 1, ou seja x ` 1 P S. Se x ě 1, entao x ` 1 ą x ě 1, e
x`1 P S. Entao provamos o passo indutıvo para S. Mas o Principio de Inducao entao garante que S “ Aě0
e entao S “ H, ou seja, nao existem x P A tais que 0 ă x ă 1.
Caso y geral. Se existesse x P A tal que y ă x ă y`1, subtraindo y dos dois lados teriamos 0 ă x´y ă 1
e entao existeria x´ y P A estritamente entre 0 e 1 que nao pode existir por o caso precedente.
Corolario 2.2.24. Seja pA,`, ¨,ďq um domınio comutativo ordenado tal que por cada y P A, nao existe
x P A tal que y ă x ă y ` 1. Entao, por cada a, b P A, se a ą b, entao a ě b` 1.
Proposicao 2.2.25 (PBO ùñ PIM). Seja pA,`, ¨,ďq um domınio comutativo ordenado tal que Aě0
satisfaz o Principio da Boa Ordenacao. Entao Aě0 satisfaz o Princıpio de Inducao Matematica.
Demonstracao. Seja S Ď Aě0 tal que
• 0 P S
• p@x P Aě0qpx P S ùñ x` 1 P Sq.
Consideramos S “ Aě0zS, o complementar de S em Aě0. Supomos que S ‰ H. Dado que temos S Ď Aě0,
pelo Princıpio da Boa Ordenacao, temos que existe minS. Seja m “ minS. E claro que m ‰ 0, porque
0 P S. Entao, pela corolario precedente, m ě 1. Mas entao m ´ 1 ě 0. Mas m ´ 1 ă m, entao m ´ 1 R S.
Entao m ´ 1 P S. Mas entao, por o passo indutıvo, pm ´ 1q ` 1 P S. Ou seja, m P S. Absurdo, porque
m P S, ou seja m R S.
7Porque: descreva todos os detalhes
50
Proposicao 2.2.26 (PIM ùñ PIF). Seja pD,`, ¨, 0, 1,ďq um domınio comutativo ordenado tal que Dě0
satisfazo Princıpio de Inducao Matematica. Entao Dě0 satisfaz o Principio de Inducao Forte.
Demonstracao. Seja S Ď Aě0, tal que
HPIF1 0 P S,
HPIF2 p@x P Aě0qpr0, xs Ď S ùñ x` 1 P Sq,
Temos que mostrar que A “ Dě0. Consideramos T “ tx P Aě0 r0, xs Ď Su. Entao e claro que
0 P T
porque r0, 0s “ t0u Ď S, porque 0 P S por hipotese HPIF1. Mostramos que val o passo indutıvo para T ,
ou seja que se x P T , entao x ` 1 P T . Mas se x P T , isto significa que r0, xs Ď S. Provamos agora que
r0, x`1s Ď S. Seja entao z P r0, x`1s. Ou 0 ď z ď x, no qual caso z P r0, xs e entao z P S; ou x ă z ď x`1,
o que implica por a nao existencia de elementos estritamente entre x e x ` 1 (que segue so do PIM), que
z “ x` 1 P S, por HPIF2. Entao r0, x` 1s Ď S e entao x` 1 P T . O que prova o passo Indutıvo. Mas entao
T “ Aě0, ou seja Aě0 Ď T , o que significa que por cada x ě 0, temos r0, xs Ď S, que implica que x P S. Ou
seja, se x ě 0, isto implica que x P S. Mas entao Aě0 Ď S, que e equivalente a Aě0 “ S.
Proposicao 2.2.27 (PIF ùñ PBO). Seja pA,`, ¨,ďq um domınio comutativo ordenado tal que Aě0
satisfaz o Principio de Inducao Forte. Entao Aě0 satisfaz o Princıpio da da Boa Ordenacao.
Demonstracao. Usamos que PIF implica PIM e entao que PIF implica, por cada y P D, a nao existencia de
elementos x estritamente entre y e y` 1. Seja agora S Ď Aě0, tal que S ‰ H. Para provar PBO, temos que
provar que S tem mınimo. Supomos que nao tenha mınimo. Entao 0 R S, se nao seria certamente mınimo,
dado que S Ď Aě0. Seja S “ Aě0zS e aplicamos o PIF a S. Ja temos
HPIF1 0 P S .
Temos agora que provar HPIF2 para S. Supomos que r0, xs Ď S. Mas entao @z P S, z ą x. Dado que nao
ha elementos entre x e x` 1, temos que @z P S, z ě x` 1. Entao, se x` 1 P S, teriamos que x` 1 “ minS.
O que e absurdo, porque assumimos que S nao admite mınimo. Mas entao x` 1 P S. Mas entao val HPIF2
para S. Mas entao podemos aplicar PIF a S e concluir que S “ Aě0. Mas entao S “ H. Mas isto e absurdo,
porque foi assumido que S ‰ H. Entao S tem que ter mınimo.
2.2.4 O Teorema de Recursao e as Definicoes por Inducao
O seguinte Teorema de Recursao permite definicoes por inducao.
Teorema 2.2.28 (Teorema de Recursao). Seja S um conjunto e seja φ : S - S uma funcao e a0 P S
um elemento fixado. Entao existe uma unica funcao f : N - S tal que
• fp0q “ a0;
• p@n P Nqpfpn` 1q “ φpfpnqqq
Exemplo 2.2.29. Tomamos S “ C (ou S “ Z, ou qualquer anel). Seja a P C um elemento fixado nao nulo.
Seja φ : C - C a funcao x - ax. Entao existe uma unica funcao f : N - C tal que fp0q “ a
e fpn ` 1q “ φpfpnqq. Mas entao fp1q “ a2 e, por inducao podemos provar que fpnq “ an`1. Ou seja,
acabamos de mostrar a existencia da funcao potencia N - C que manda n - an`1. Pondo n` 1 “ m
51
temos uma funcao g : N˚ - C tal que gpmq “ am. Enfatizamos aqui que a existencia da funcao f
ou da funcao g nao pode ser provada so por inducao; e preciso recorrer ao Teorema de Recursao (que e
consequencia tambem da inducao). Uma vez que a existencia esta provada, a inducao demonstra que g e da
forma gpnq “ an, com n ě 1.
Exemplo 2.2.30. Consideramos a funcao φ : Nˆ Nˆ Nˆ N tal que
φpn,mq “ pn` 1, pn` 1qmq .
Fixamos a0 “ p0, 1q. Entao existe uma unica funcao f : N - NˆN tal que fpn`1q “ φpfpnqq. Tomamos
entao g :“ π2˝f , onde π2 : NˆN e a segunda projecao. Por inducao se prova agora que gpn`1q “ pn`1qgpnq,
e que entao gpnq e a funcao fatorial de n.
2.3 Divisibilidade
2.3.1 A Divisao Euclidiana
Definicao 2.3.1. Sejam a, b P Z (ou num domınio comutatıvo A). Dizemos que a divide b se existe q P Ztal que b “ aq. Neste caso denotaremos o fato que a divide b com a � b e chamaremos a um divisor de b e q
o quociente de b na divisao por a.
Exercicio 2.3.2 (Zero so divide zero). Se 0 � a, entao a “ 0.
Em Z (ou em qualquer domınio comutatıvo A) nao existem divisores de zeros nao triviais com quocientes
nao triviais.
Exercicio 2.3.3 (Unicidade do quociente). Se a ‰ 0 e a � b, entao o quociente de b por a e unico.
Proposicao 2.3.4 (Comparacao da relacao de divisibilidade com a relacao de ordem). Sejam a, b com b ‰ 0.
Se a � b, entao |a| ď |b|.
Demonstracao. Supomos que a � b. Entao b “ aq, para um certo q P Z. Tomando o valor absoluto dos dois
lados, temos
|b| “ |a||q| .
Necessariamente temos que q ‰ 0. Entao |q| ‰ 0. Mas entao |q| ‰ 0, ou seja, |q| ě 1 (porque nao ha inteiros
entre 0 e 1). Multiplicando esta relacao para |a| ě 0 e por a compatibilidade da ordem com a multiplicacao,
temos
|a||q| ě |a| .
Entao deduzimos |b| “ |a||q| ě |a|.
Definicao 2.3.5. Dizemos que dois inteiros a, b P Z sao associados se a � b e b � a. Indicaremos que a e b
sao associados com a „ b.
Exercicio 2.3.6. Um elemento a P Z e inversıvel se e somente se e divisor de 1.
Proposicao 2.3.7. Os unicos inversıveis multiplicativos de Z sao ˘1.
Demonstracao. Seja a, P Z um inversıvel. Entao existe um b P Z tal que ab “ 1. Mas entao, tomando o valor
absoluto, temos |a||b| “ |ab| “ 1. Agora |a| ‰ 0 e |b| ‰ 0 (porque se nao a e b seriam zero). Mas |a| ě 0 e
52
|b| ě 0 por definicao de valor absoluto. Entao deduzimos que |a| ŋ 0 e |b| ŋ 0. Mas entao |a| ě 1, |b| ě 1.
Multiplicando |b| ě 1 por |a| temos
1 “ |a||b| ě |a| ě 1
o que implica que |a| “ 1, mas entao a “ ˘1.
Lema 2.3.8. Um inteiro u P Z e inversıvel se e somente se u � 1.
Demonstracao. Um inteiro u e inversıvel se e somente se existe v P Z tal que uv “ 1. Mas esta condicao
acontece se e somente se u � 1.
Lema 2.3.9. Seja u P UpZ, ¨q. Se c � u, entao c P UpZ, ¨q.
Demonstracao. Se c � u, gracas ao fato que u � 1 deduzimos que c � 1. Entao c e inversıvel.
Proposicao 2.3.10. Sejam a, b P Z. Sao equivalentes:
• a „ b;
• a “ bu, por um certo u P UpZ, ¨q;
• a “ ˘b.
Demonstracao. i) ùñ ii). Se a „ b, entao a “ bq, b “ aq1, por certos q, q1 P Z. Mas entao a “ bq “ aqq1.
Agora, se a ‰ 0, por a Lei de Cancelacao, temos 1 “ qq1 e q e q1 sao inversıveis e temos ii). Se a “ 0 entao
b “ 0 e a ii) val de qualquer forma.
ii) ùñ iii). Segue diretamente do fato que os unicos inversıveis de Z sao ˘1.
iii) ùñ i). Obvia.
Proposicao 2.3.11. A relacao de divisibilidade em Z satisfaz as seguintes propriedades:
• reflexiva: a � a para cada a P Z;
• transitiva: se a � b e se b � c, entao a � c, para cada a, b, c P Z;
• c � a, c � b, entao c � a “ b;
• a � b, c � d, entao ac � bd;
• a � b, entao, para todo m P Z, a � mb;
• compatibilidade com combinacoes lineares inteiras:
Corolario 2.3.12. A relacao de divisibilidade � induz um pre-ordem sobre Z, pela qual 1 e o mınimo absoluto
e 0 e o maximo absoluto. A restricao desta relacao induz uma ordem parcial sobre N.
Teorema 2.3.13 (Divisao Euclidiana em Z). Se a, b P Z, b ą 0, entao existem unicos q, r P Z tais que
• a “ bq ` r
• 0 ď r ň |b|
53
Demonstracao. Existencia
Unicidade. Supomos que existam q, q1 e r, r1 tais que a “ bq` r “ bq1 ` r1 tais que 0 ď r ň |b| e 0 ď r1 ň |b|.
Temos
bpq ´ q1q “ r1 ´ r
e tomando o valor absoluto
|b||q ´ q1| “ |r ´ r1| .
Supomos agora que q ‰ q1: entao |q ´ q1| ‰ 0 e entao |q ´ q1| ě 1, ou seja (multiplicando por |b| ě 0), temos
|b||q ´ q1| ě |b|, e, entao |r1 ´ r| ě |b|. Do outro lado, das relacoes
0 ď r ň |b|
e 0 ď r1 ň |b|, temos ´|b| ň ´r1 ď 0 e entao
´|b| ň r ´ r1 ň |b|
que implica |r ´ r1| ň |b|. Mas isto e absurdo, porque mostramos que |r ´ r1| ě |b|.
Exercicio 2.3.14. Seja b P Z, b ą 1. Entao para todo m P N˚, bm ě b e se m ě 2, bm ą b.
Teorema 2.3.15 (Numeracao em base b). Seja b P N, b ě 2. Por cada n P N˚ existem unicos m P N e
α0, . . . , αm P N, tais que
• n “ αmbm ` αm´1b
m´1 ` ¨ ¨ ¨ ` α1b` α0;
• 0 ď αi ă b
• αm ‰ 0.
Demonstracao. Existencia. Por Inducao forte sobre a.
Casos base 1 ď n ă b. Escrevemos
n “ 0 ¨ b` n
ou seja α0 “ n ‰ 0 e αi “ 0 para todo i ą 0.
Passo Indutivo Forte. Supomos que n ě b e que para todo 1 ď x ă n a proposicao seja verdadeira. Dividimos
n por b: temos
n “ bn1 ` r
com 0 ď r ă b. Pomos r “ α0. Agora
n ě n´ α0 “ bn1 ,
e, dado que n ´ α0 ě n ´ b ě 0, temos que, necessariamente n1 ě 0. Do outro lado temos n1 ď n ´ α0
(poruque n1 � n ´ α0). De fato temos n1 ę n ´ α0 porque se fossem iguais teriamos n1 “ n ´ α0 “ bn1 e
entao teriamos que b e inversıvel. Mas b ě 2, entao nao pode ser (se fosse inversıvel teriamos que b “ 1 ă 2).
Mas entao
0 ď n1 ă n .
Por inducao forte deduzimos que existem β0, . . . , βl, l P N, tais que βl ‰ 0 e que
n1 “ βlbl ` βl´1b
l´1 ` ¨ ¨ ¨ ` β1b` β0
54
Entao
n “ bn1 ` α0 “ βlbl`1 ` ¨ ¨ ¨ ` β1b
2 ` β0b` α0
Pondo αi “ βi´1 para i ě 1 e m “ l ` 1, temos o resultado de existencia.
Unicidade. Por inducao forte sobre n.
Caso base 0 ď n ă b. Sejam
n “ αmbm ` ¨ ¨ ¨ ` α1b` α0 “ βlb
l ` ¨ ¨ ¨ ` β1b` β0
com αm ‰ 0 ‰ βl. Necessariamente, se αm ‰ 0 com m ą 0, temos
n ě αmbm ě bm
Mas sendo b ą 1, temos bm ě b (por inducao sobre m). Mas n ă b. Entao temos que αi “ 0 para todo i ą 0.
Mesma raciocionio para os βi. Entao temos
n “ α0 “ β0
e o caso base esta mostrado.
Passo Indutıvo Forte. Supomos que n ą b e supomos que a unicidade da escritura em base b seja valida para
cada inteiro entre 0 e menor (estrito) do que n. Escrevemos
n “ αmbm ` ¨ ¨ ¨ ` α1b` α0 “ βlb
l ` ¨ ¨ ¨ ` β1b` β0
Neste caso existe pelo menos um i ą 0 e um j ą 0 tal que αi ‰ 0 e βj ‰ 0. Entao m ě 1, l ě 1. Escrevemos
n “ bpαmbm´1 ` ¨ ¨ ¨ ` α1q ` α0 “ bpβlb
l´1 ` ¨ ¨ ¨ ` β1q ` β0
Estas sao duas diferentes divisoes de n por b. Da unicidade do resto e do quociente temos
α0 “ β0
αmbm´1 ` ¨ ¨ ¨ ` α1 “ βlb
l´1 ` ¨ ¨ ¨ ` β1
Agora posto q “ αmbm´1 ` ¨ ¨ ¨ ` α1 “ βlb
l´1 ` ¨ ¨ ¨ ` β1, temos
n “ bq ` r
com q ą 0. Entao 0 ă q ă bq “ n´ r ď n (porque b ą 1). Mas entao o teorema val para q e as escrituras
αmbm´1 ` ¨ ¨ ¨ ` α1 “ q “ βlb
l´1 ` ¨ ¨ ¨ ` β1
sao duas escrituras em base b para q. Entao m “ l e αi “ βi para todo i ą 1.
2.3.2 Ideais em Z
Definicao 2.3.16. Sejam a, b, a1, . . . , an, k P Z. Definimos os seguintes subconjuntos de Z:
kZ :“ tkx | x P Zu multiplos inteiros de k
a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ :“ ta1x1 ` ¨ ¨ ¨ ` anxn | x1, . . . , xn P Zu combinacoes lineares inteiras de a1, . . . , an
Observacao 2.3.17. O conjunto kZ verifica as propriedades
55
• 0 P kZ;
• z, w P kZ ùñ z ` w P kZ;
• z P kZ ùñ ´z P kZ
• z P kZ, α P Z ùñ αz P kZ.
Analogamente o subconjunto a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ verifica as propriedades
• 0 P a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ;
• z, w P a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ ùñ z ` w P a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ;
• z P a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ ùñ ´z P a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ
• z P a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ, α P Z ùñ αz P a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ.
Definicao 2.3.18. Um subconjunto I Ď Z e chamado um subgrupo aditivo de Z (ou um subgrupo do grupo
aditivo pZ, 0,`q) se
• 0 P I
• z, w P I, ùñ z ` w P I;
• z P I ùñ ´z P I.
Um subgrupo aditivo I de Z e chamado um ideal de Z, se val tambem a propriedade
• z P I, α P Z, ùñ αz P I.
(A definicao val por qualquer anel comutatıvo).
Observacao 2.3.19. Os conjuntos kZ e, mais em geral a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ sao ideais de Z.
Proposicao 2.3.20. Seja I um subconjunto de Z. Entao I e um ideal de Z se e somente se
• I ‰ H;
• z, w P I ùñ z ` w P I;
• z P I, α P Z, ùñ αz P I.
Observacao 2.3.21. Temos as seguintes traducoes da relacao de divisibilidade em termos de ideais:
• a � b ðñ bZ Ď aZ;
• a „ b ðñ aZ “ bZ;
• u P UpZ, ¨q ðñ uZ “ Z.
Definicao 2.3.22. Um ideal I de Z se diz principal se e da forma I “ kZ, por algum k P Z. Neste caso
I “ kZ se diz ideal principal gerado por k.
Exercicio 2.3.23. Sejam I1, . . . , In ideais de Z. Definimos como
I1 ` ¨ ¨ ¨ ` In “ tz P Z | z “ x1 ` ¨ ¨ ¨ ` xn , Dxi P Ii @iu .
Provar que I1`¨ ¨ ¨` In e um ideal de Z. Este ideal se chama o ideal gerado pelos ideais Ii ou ideal soma dos
ideais Ii. Provar tambem que este ideal e o menor ideal (pela relacao Ď) de Z que contem Ii para cada i.
56
Teorema 2.3.24 (Z e domınio a ideais principais.). Todo ideal I de Z e principal.
Demonstracao. Seja I um ideal de Z. Se I “ t0u (ideal trivial) entao I “ 0Z e entao e principal. Supomos
entao que I ‰ t0u. Entao existe y P I, com y ‰ 0. Necessariamente I tem que conter um elemento
estritamente positivo: de fato se y ą 0, entao y e um elemento estritamente positivo em I, se y ă 0, entao
´y P I e ´y ą 0. Entao IXN˚ ‰ H. Mas IXN˚ Ď N. Pelo Princıpio de Boa Ordenacao, este conjunto tem
um mınimo k :“ min I X N˚. Por definicao k P I X N˚, e entao k ą 0 e k P I. De consequencia temos que
kZ Ď I
porque I e ideal. Provamos agora que k e um generador de I (veremos que e o unico gerador positivo). Seja
x P I. Dividimos x por k com a divisao euclidiana: temos
x “ kq ` r
com 0 ď r ň k. Se r ą 0 entao teriamos que
r “ x´ kq P I com r P N˚
mas entao
r P I X N˚ e r ă k “ min I X N˚
o que daria um absurdo. Mas entao r nao pode ser estritamente positivo. Concluimos que r “ 0 e
x “ kq
ou seja, por arbitrariedade de x:
I Ď kZ .
A outra inclusao acima acaba a demonstracao do fato que existe k tal que I “ kZ.
Exercicio 2.3.25. Sejam k e k1 dois geradores de um ideal I de Z. Entao k „ k1.
Na proposicao precedente provamos tambem este fato importante.
Proposicao 2.3.26. Seja I um ideal de Z. Supomos que I nao seja trivial (ou seja I ‰ t0u). Entao o unico
gerador positivo k de I e dado por
k “ min I X N˚ .
O unico outro gerador e dado por ´k.
2.3.3 Maximo Divisor Comum
Definicao 2.3.27. Sejam a, b P Z. Dizemos que um inteiro d P Z e um maximo divisor comum de a e b se
valem as duas condicoes
•
#
d � a
d � b
• @c P Z,
#
c � a
c � bùñ c � d
57
Observacao 2.3.28. Se d1, d2 sao dois maximos comuns divisores de a e b, entao d1 „ d2. Por esta razao
o maximo comum divisor, se existir, e essencialmente unico. Denotaremos, se existe, um maximo comum
divisor de a, b com pa, bq.
Observacao 2.3.29. Dados a, b P Z, existe ao maximo um unico maximo divisor comum nao negatıvo de
a, b. (Vamos ver que sempre existe).
Exemplo 2.3.30. p0, 0q „ 0; pa, 0q „ a; pa, 1q „ 1.
Observacao 2.3.31. Sejam a, b P Z. Entao, com o pre-ordem ď� induzido pela relacao de divisiblidade,
mcdpa, bq “ infď�pa, bq .
Teorema 2.3.32 (Teorema de Bezout). Sejam a, b P Z. Entao existe d “ pa, bq. Alem disso, val a relacao
aZ` bZ “ dZ .
Em particular existem x0, y0 P Z tais que
d “ ax0 ` by0 .
Demonstracao. O conjunto aZ ` bZ e um ideal de Z, como vimos antes. Dado que todo ideal de Z e
principal, entao existe d(que podemos ate supor positivo) tal que aZ ` bZ “ dZ. Provamos que este d e
um maximo divisor comum de a e b. Agora a “ a ¨ 1 ` b ¨ 0 P aZ ` bZ “ dZ; entao d � a. Analogamente
b “ a ¨ 0` b ¨ 1 P aZ` bZ “ dZ: entao d � b. Agora d “ d ¨ 1 P dZ “ aZ` bZ. Entao existem x0, y0 tais que
d “ ax0 ` by0. Provamos agora que se c � a e c � b, entao c � d. De fato, se c � a, entao a “ cα, e se c � b,
entao b “ cβ. Mas entao
d “ ax0 ` by0 “ cαx0 ` cβy0 “ cpαx0 ` βy0q .
Entao c � d. Mas entao d e maximo divisor comum de a e de b.
De forma completamente analoga, se define, se existe, o maximo divisor comum para n inteiros a1, . . . , an.
Definicao 2.3.33. Sejam a1, . . . , an P Z. Um inteiro d e um maximo divisor comum para a1, . . . , an se
•
$
’
&
’
%
d � a1
¨ ¨ ¨
d � an
;
• Para cada c P Z, se
$
’
&
’
%
c � a1
¨ ¨ ¨
c � an
, entao c � d.
Observacao 2.3.34. Nas hipoteses precedentes, e claro que se d e um maximo divisor comum de a1, . . . , an
entao ´d tambem e maximo divisor comum. Do outro lado, de d, d1 sao dois maximos divisores comuns de
a1, . . . , an, entao d „ d1 (e a mesma demonstracao do que para n “ 2). Por esta razao indicaremos com
pa1, . . . , anq o maximo divisor comum de a1, . . . , an (se existe).
Proposicao 2.3.35. Sejam a1, . . . , an inteiros. Entao o maximo divisor comum de a1, . . . , an existe e val a
relacao recursiva
pa1, . . . , anq „ ppa1, . . . , an´1q, anq .
58
Demonstracao. Provamos o enunciado com Inducao sobre n ě 2. O caso n “ 2 ja foi feito (neste caso
nao e preciso mostrar nenhuma relacao recursiva). Fazemos agora o passo indutivo. Supomos que dados n
inteiros arbitrarios b1, . . . , bn o maximo divisor comun deles exista e mostramos que existe para n`1 inteiros
a1, . . . , an`1. Tomamos como d “ ppa1, . . . , anq, an`1q. Este numero certamente existe e e unico a menos de
sinais (associados). Provamos que d maximo divisor comun de a1, . . . , an`1. Por definicao temos que
#
d � pa1, . . . , anq
d � an`1
ùñ
$
’
’
’
&
’
’
’
%
d � a1
¨ ¨ ¨
d � an
d � an`1
porque se d � pa1, . . . , anq, dado que pa1, . . . , anq � ai por cada i, por transitividade temos d � ai para cada
i “ 1, . . . n.
Supomos agora que$
’
’
’
&
’
’
’
%
c � a1
¨ ¨ ¨
c � an
c � an`1
Mas entao, das primeiras n temos c � pa1, . . . , anq (porque o maximo divisor de n inteiros existe). Esta
condicao com a ultima implica
c � ppa1, . . . , anq, an`1q “ d .
Entao d satisfaz as condicoes de maximo comum divisor de n` 1 inteiros.
Proposicao 2.3.36 (Teorema de Bezout, versao geral). Dados inteiros a1, . . . , an, um inteiro d P Z e o
maximo divisor comum de a1, . . . , an se e somente se val a relacao
a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ “ dZ . (2.3)
Demonstracao. O ideal a1Z`¨ ¨ ¨`anZ e um ideal principal. Denotamos com c um seu gerador. Por definicao
temos
a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ “ cZ .
E suficiente provar que d „ c. Agora, c P cZ “ a1Z ` ¨ ¨ ¨ ` anZ, entao existem x1, . . . , xn tais que
a1x1 ` ¨ ¨ ¨ ` anxn “ c. O inteiro d divide ai para cada i: entao ai “ αid. Entao temos c “ dα1x1 ` ¨ ¨ ¨ `
dαnxn “ dpα1x1`¨ ¨ ¨`αnxnq. Entao d � c. Do outro lado, para cada i, temos ai P a1Z Ď cZ, ou seja c � ai.
Sendo d o maximo divisor comum, temos c � d. Isto acaba a demonstracao que d „ c e que entao cZ “ dZ;
entao val a relacao (2.3).
Maximo Divisor Comum como maximo dos divisores comuns positivos
Exercicio 2.3.37. Seja X,ď, um conjunto totalmente ordenado. Sejam a1, . . . , an P X, n ě 1. Existe
maxta1, . . . , anu e
maxtmaxta1, . . . , an´1u, anu “ maxta1, . . . , anu .
Existe tambem minta1, . . . , anu e val uma analoga relacao recursiva.
Solucao. Usar inducao.
Exercicio 2.3.38. Seja X,ď, um conjunto totalmente ordenado. Sejam a1, . . . , an, b P X. Temos que
59
• @i b ě ai ðñ b ě minta1, . . . , anu
• @i b ď ai ðñ b ď maxta1, . . . , anu
• Dj0 | b ě aj0 ðñ b ě minta1, . . . , anu
• Dj0 | b ď aj0 ðñ b ď maxta1, . . . , anu .
Notacao 2.3.39. Sejam a1, . . . , an P Z. Indicamos com Dpa1, . . . , anq o conjunto dos divisores comuns de
a1, . . . , an, ou seja
Dpa1, . . . , anq :“ tc P Z | c � ai, @iu .
Proposicao 2.3.40. Sejam a, b P Z, tais que pelo menos um dois dois seja nao zero. Indicamos com Dpa, bq
os divisores comuns de a e b. Temos que Dpa, bq e um conjunto superiormente e inferiormente limitado. Mais
em geral se a1, . . . , an sao inteiros nao todos zeros, Dpa1, . . . , anq e limitado superiormente e inferiormente.
Demonstracao. Supomos que a ‰ 0 (o outro caso e completamente analogo). Se c � a entao |c| ď |a| o
que implica que Dpa, bq e limitado. Mais em geral, se c P Dpa1, . . . , anq temos que c � ai para cada i, e
entao |c| ď |ai| para cada i tal que ai ‰ 0; isto implica que |c| ď mint|ai| | ai ‰ 0u, ou seja Dpa1, . . . , anq e
superiormente e inferiormente limitado.
Teorema 2.3.41. Sejam a, b P Z, nao os dois zero. Entao se d “ pa, bq, temos que |d| “ maxDpa, bq.
Mais em geral temos que
Teorema 2.3.42. Sejam a1, . . . , an nao todos zero. Entao d “ pa1, . . . , anq se e somente se
|d| “ maxDpa1, . . . , anq .
Demonstracao. Se d “ pa1, . . . , anq entao temos que |d| tambem e um maximo divisor comum de a1, . . . , an
(porque associado a d) e |d| � ai para cada i. Entao |d| P Dpa1, . . . , anq e |d| ‰ 0 (porque pelo menos um dos
ai e diferente de zero). Do outro lado, se c P Dpa1, . . . , anq, entao c � ai para cada i, e entao, por definicao
de maximo divisor comum, c � |d|. Mas entao c ď |c| ď |d|. Isto implica que |d| P Dpa1, . . . , anq e que se
c P Dpa1, . . . , anq temos que c ď |d|, ou seja, |d| “ maxDpa1, . . . , anq. A equivalencia das duas nocoes segue
do fato que os dois numeros existem sempre nestas hipoteses.
Resumimos todos as caraterizacoes ate agora obtidas sobre o maximo comun divisor.
Teorema 2.3.43. Sejam a1, . . . , an inteiros. Sao equivalentes.
i) d “ pa1, . . . , anq
ii) a1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZ “ dZ
iii) d “ ppa1, . . . , an´1q, anq
iv) |d| “ maxDpa1, . . . , anq
60
2.3.4 Algoritmo de Euclides
Lema 2.3.44 (Lema de Euclides). Sejam a, b P Z. Supomos que
a “ bq ` r
por algum q, r P Z. Entao
pa, bq “ pb, rq .
Demonstracao. Demonstracao via a definicao de maximo divisor comum e via Dpa, bq “ Dpb, rq.
Aplicacao do lema de Euclides para o calculo de pa, bq e de coefficientes x0, y0 tais que d “ ax0 ` by0.
Teorema 2.3.45 (Algoritmo de Euclides). Sejam a, b P Z, com b ‰ 0. Existem n P N, r0, . . . , rn`1 P Z,
q0, . . . , qn P Z tais que
• r0 “ |b|, rn`1 “ 0; rn ‰ 0;
• a “ |b|q0 ` r1, rj´1 “ rjqj ` rj`1 for all j “ 1, . . . , n, 0 ď rj`1 ă rj, for all j “ 0, . . . , n.
• rn „ pa, bq.
Alem disso, a algoritmo da uma maneira construtiva para encontrar x0, y0 tais que d “ ax0 ` by0.
Demonstracao. Inducao forte sobre |b| ě 1.
Caso base: |b| “ 1. Neste caso b “ ˘1, e a “ |b| ¨ a` 0, entao, neste caso n “ 0, r0 “ |b|, q0 “ a, r1 “ 0. E
claro que pa, bq „ b „ 1.
Passo Indutivo Forte. Supomos que |b| ą 1 e supomos que o teorema e valido para todo par pa, b1q com
|b1| ă |b|. Dividomos a por |b| com divisao euclidiana. Temos
a “ |b|q ` r , com 0 ď r ň |b| .
Por o Lema de Euclides temos
pa, bq „ pa, |b|q „ p|b|, rq .
Agora, se r “ 0, entao pa, bq „ pa, |b|q „ p|b|, 0q „ |b| e entao pomos n “ 0, r0 “ |b|, r1 “ 0, q0 “ q e o
algoritmo acaba. Neste caso podemos exprimir o maximo divisor comum |b| como combinacao linear de a e
b: |b| “ a ¨ 0` sgnpbqb, onde sgnpbq “ |b|{b P t˘1u.
Supomos agora que r ‰ 0, ou seja, que 0 ň r ň |b|. Por hipotese indutiva o Teorema funciona para o par
p|b|, rq. Existem entao m P N, s0, . . . , sm`1 P Z, t0, . . . , tm P Z tais que
• s0 “ r, sm`1 “ 0; rm ‰ 0;
• |b| “ rt0 ` s1, sj´1 “ sjtj ` sj`1 for all j “ 1, . . . ,m, 0 ď sj`1 ă sj , for all j “ 0, . . . ,m.
• sm „ p|b|, rq.
Alem disso existem x1, y1 P Z tais que se d „ p|b|, rq, entao d “ |b|x1`ry1. Seja entao n :“ m`1, denotamos
com ri “ si´1 para todo i “ 1, . . . ,m` 1 e r0 “ |b|. Denotamos alem disso com q0 “ q e com qi :“ ti´1 para
61
todo i “ 1, . . . ,m` 1. Temos entao
a “ |b|q ` r ou seja a “ r0q0 ` r1
|b| “ rt0 ` s1 ou seja r0 “ r1q1 ` r2
. . .
sm´2 “ sm´1tm´1 ` sm, sm ‰ 0 ou seja rm´1 “ rmqm ` rm`1 , rm`1 ‰ 0
sm´1 “ smtm ` 0 ou seja rm “ rm`1qm`1 ` 0
Observamos que rm`1 “ sm „ p|b|, rq „ pa, |b|q „ pa, bq. Entao o algoritmo acaba; a unica coisa que
precisamos demonstrar e que conseguimos encontrar coefficientes x0, y0 tais que d “ ax0 ` by0. Mas agora
sabemos que
d “ |b|x1 ` ry1
e podemos escrever r “ a´ bq, entao
d “ |b|x1 ` pa´ bqqy1 “ b sgnpbqx1 ` ay1 ´ bqy1 “ ay1 ` bpsgnpbqx1 ´ qy1q .
Pondo x0 “ y1 e y0 “ sgnpbqx1 ´ qy1 temos os coefficientes da combinacao linear que queriamos.
Exemplos.
2.3.5 Primalidade Relativa. Teorema de Euclides
Proposicao 2.3.46. Sejam a, b P Z, nao os dois nulos e seja d “ pa, bq. Seja a “ a1d, b “ b1d. Entao
pa1, b1q „ 1.
Demonstracao. E claro que d ‰ 0, porque se nao os dois a “ 0 “ b. Seja c P Z tal que
#
c � a1
c � b1.
Entao a “ a1d “ a2cd, b “ b1d “ b2cd. Mas entao cd � a, cd � b e entao cd � d. Dado que d ‰ 0, temos c � 1.
Mas entao c e inversıvel. Isto mostra que todos os divisores comuns de a1, b1 sao inversıveis. Entao pa1, b1q e
inversıvel, ou seja pa1, b1q „ 1.
Em geral temos, com a mesma demonstracao:
Corolario 2.3.47. Sejam a1, . . . , an P Z nao todos nulos e seja d “ pa1, . . . , anq. Escrevemos ai “ a1id.
Entao
pa11, . . . , a1nq „ 1 .
Proposicao 2.3.48. Sejam a, b, c P Z. Temos pac, bcq “ cpa, bq.
Primeira Demonstracao. O teorema e trivial no caso a “ 0 “ b (ou seja pa, bq “ 0, ou c “ 0). Supomos
entao que d :“ pa, bq ‰ 0 e c ‰ 0. Seja d :“ pa, bq, e “ pac, bcq. Temos que provar que cd „ e. De um lado
temos#
d � a
d � bùñ
#
cd � ac
cd � bcùñ cd � e .
Escrevemos entao e “ cde1. E suficiente provar que e1 e um inversıvel. Escrevemos a “ a1d, b “ b1d.
Lembramos que pa1, b1q „ 1. Entao ac “ a1cd, bc “ b1cd. Mas ac “ eα, bc “ eβ, e entao ac “ cde1α,
62
bc “ cde1β. Mas entao a “ de1α, b “ de1β, ou seja a1d “ de1α, b1d “ de1β, e por a lei de cancelacao, dado
que d ‰ 0: a1 “ e1α, b1 “ e1β. Mas entao e1 � a1, e1 � b1, mas entao e1 � pa1, b1q „ 1. Isto implica que e1 e
inversıvel, e que, entao cd „ e.
Segunda Demonstracao. Por definicao temos que
aZ` bZ “ dZ .
E facil mostrar, entao, que
acZ` bcZ “ cdZ .
Entao cpa, bq “ cd “ pac, bcq.
A proposicao precedente se generaliza em
Proposicao 2.3.49. Sejam a1, . . . , an, c P Z. Entao
pca1, . . . , canq „ cpa1, . . . , anq .
Teorema 2.3.50 (Teorema de Euclides). Sejam a, b, c P Z. Temos que
#
a � bc
pa, bq „ 1ùñ a � c .
Demonstracao I. E claro que a � ac (por definicao), a � bc (por hipotese). Entao a � pac, bcq “ cpa, bq “ c,
porque pa, bq „ 1.
Demonstracao II. Temos que a � c se e somente se pa, cq „ a. Mas
pa, cq „ pa, cpa, bqq „ pa, pac, bcqq „ ppa, acq, bcq „ pa, bcq „ a
porque a � bc.
Demonstracao III. Se pa, bq “ 1, entao existem x0, y0 P Z tais que ax0 ` by0 “ 1. Mas entao, multiplicando
por c, apcx0q ` bcy0 “ c. Mas agora bc “ at, porque a � bc. Entao
apcx0q ` aty0 “ c
e entao a � c.
2.3.6 Equacoes Diofantina Lineares
Proposicao 2.3.51. Sejam a, b, c P Z. Seja d “ pa, bq. Seja a “ a1d, b “ b1d. Sejam x0, y0 P Z tais que
ax0 ` by0 “ d. A equacao diofantina
ax` by “ c
tem solucao se e somente se d � c. Neste caso ela admite infinitas solucoes. Uma destas solucoes e x “ c1x0,
y “ c1y0, onde c “ c1d. Todas e so as solucoes da equacao se escrevem como
#
x “ c1x0 ` b1t
y “ c1y0 ´ a1t
, t P Z .
63
Demonstracao. Se a equacao diofantina admite solucao, entao c P aZ ` bZ “ dZ, e entao d � c. Do outro
lado se d � c, temos c “ c1d. Neste caso, existem x0, y0 P Z tais que ax0` by0 “ d. Mas entao, multiplicando
por c1 temos que
ac1x0 ` bc1y0 “ c1d
ou seja, que x “ c1x0, y “ c1y0 e solucao da equacao diofantina. Entao provamos o primeiro enunciado.
Provamos o segundo. E claro que se d “ 0 se e somente se a “ 0 e b “ 0, no qual caso Z2 e o conjunto
de todos os pares de solucoes. Supomos entao que d ‰ 0. Entao a ‰ 0 ou b ‰ 0. Supomos, sem falta de
generalidade, que b1 ‰ 0. Seja x1, y1 uma solucao qualquer da equacao diofantina. Temos
ax1 ` by1 “ c
e entao, subtraendo apc1x0q ` bpc1y0q “ c, temos
apx1 ´ c1x0q ` bpy1 ´ c
1y0q “ 0
ou seja
apx1 ´ c1x0q “ bpc1y0 ´ y1q
ou seja, dividendo por d, temos
a1px1 ´ c1x0q “ b1pc1y0 ´ y1q .
Mas agora b1 � a1px1 ´ c1x0q, mas e primo com a1, entao b1 � x1 ´ c
1x0, ou seja, que x1 ´ c1x0 “ b1t, por um
certo t P Z, ou seja x1 “ c1x0 ` b1t. Entao temos
a1b1t “ b1pc1y0 ´ y1q .
Dividendo por b1, temos
c1y0 ´ y1 “ a1t
da qual se deduz
y1 “ c1y0 ´ a1t .
E claro que todas os pares pc1x0 ` b1t, c1y0 ´ a
1tq sao solucoes, porque
apc1x0 ` b1tq ` bpc1y0 ´ a
1tq “ ac1x0 ` bc1y0 ` tpab
1 ´ a1bq “ c` 0 “ c .
2.3.7 Mınimo Multiplo Comum
Definicao 2.3.52. Sejam a1, . . . , an inteiros. Dizemos que m e um mınimo multiplo comum de a1, . . . , an
se
•
$
’
&
’
%
a1 � m
¨ ¨ ¨
an � m
• Se c P Z. Entao
$
’
&
’
%
a1 � c
¨ ¨ ¨
an � c
ùñ m � c.
64
Observacao 2.3.53. A definicao precedente nao implica a existencia do mınimo multiplo comum. Da
definicao deduzimos diretamente que se m, m1 sao mınimos comuns multiplos de a1, . . . , an, entao m „ m1
(sao associados).
Proposicao 2.3.54. Sejam I1, . . . , In ideais de Z. Entao I1 X ¨ ¨ ¨ X In e um ideal de Z.
Proposicao 2.3.55. Sejam a1, . . . , an P Z. Entao o mınimo multiplo comum de a1, . . . , an existe. Se m e
um tal mınimo multiplo comum, entao val a relacao
a1ZX ¨ ¨ ¨ X anZ “ mZ .
Demonstracao. O conjunto a1ZX¨ ¨ ¨XanZ, pela proposicao precedente, e um ideal. Seja m um seu gerador.
Provamos que m e um mınimo multiplo comum. De fato m P mZ Ď aiZ para cada i. Entao ai � m para
cada i. Entao m e um multiplo comum. Supomos que c seja outro multiplo comum. Mas entao c P aiZ para
cada i, mas entao c P a1ZX ¨ ¨ ¨ X anZ “ mZ. Entao m � c. Entao m satisfaz a definicao de mınimo multiplo
comum.
Notacao 2.3.56. Sejam a1, . . . , an P Z. Denotaremos um mınimo multiplo comum de a1, . . . , an com
ra1, . . . , ans.
Proposicao 2.3.57. Sejam a1, . . . , an P Z. Seja Mpa1, . . . , anq o subconjunto de Z dos multiplos comuns de
a1, . . . , an e seja M`pa1, . . . , anq o subconjunto dos multiplos comuns estritamente positivos de a1, . . . , an.
Se todos os ai sao nao nulos, entao M`pa1, . . . , anq e nao vazio e o seu mınimo8 e exactamente um mınimo
multiplo comum de a1, . . . , an.
Demonstracao. E evidente que Mpa1, . . . , anq “ a1ZX ¨ ¨ ¨ X anZ “ mZ e que entao
M`pa1, . . . , anq “ a1ZX ¨ ¨ ¨ X anZX N˚ “ mZX N˚ .
Mas entao, se a1, . . . , an sao todos nao nulos, estes conjuntos sao nao vazios e
minM`pa1, . . . , anq “ min a1ZX ¨ ¨ ¨ X anZX N˚
mas o mınimo a direita e o unico gerador positivo de a1Z X ¨ ¨ ¨ X anZ, ou seja |m|. Mas |m| e um mınimo
multiplo comum de a1, . . . , an.
Proposicao 2.3.58. Sejam a, b P Z. Entao temos a relacao
ab “ pa, bqra, bs .
Demonstracao. Se um dos a, b e zero, a relacao e obvia, porque ab “ 0 “ ra, bs. Vamos entao supor que
ab ‰ 0, ou seja, que nenhum entre a e b seja zero. Seja d “ pa, bq. Entao d ‰ 0. Denotamos a “ a1d, b “ b1d.
Pela proposicao ??, temos que pa1, b1q “ 1. Provamos que da1b1 e o mınimo multiplo comum ra, bs. De fato
da1b1 “ ab1 “ ba1 e entao e multiplo comum de a e de b. Supomos agora que c seja um multiplo comum de a
e de b. Entao a � c, b � c. Escrevemos
c “ ac1 “ da1c1 .
Agora
b � c ùñ db1 � da1c1
8porque existe?
65
e, sendo d ‰ 0, temos que
b1 � a1c1
Mas sendo pb1, a1q “ 1, o Teorema de Euclide implica que
b1 � c1
Entao c1 “ c2b1. Mas entao c “ da1c1 “ da1b1c2 “ pda1b1qc2, ou seja
da1b1 � c .
Entao ra, bs “ da1b1 e
ab “ d2a1b1 “ pa, bqra, bs ,
como queriamos.
Observacao 2.3.59. A proposicao precedente nao se generaliza a um numero arbitrario de inteiros a1, . . . , an.
Por exemplo, para tres inteiros temos a diferente relacao
ra, b, cs ¨ pa, bq ¨ pa, cq ¨ pb, cq “ abc ¨ pa, b, cq .
2.3.8 Irredutıveis e Primos
Definicao 2.3.60 (Numero Primo). Um inteiro p P Z, p ‰ 0, p nao inversıvel (p ‰ ˘1) se diz primo se
@a, b P Z p � ab ùñ pp � aq _ pp � bq .
Definicao 2.3.61 (Irredutıvel). Um inteiro p P Z, p ‰ 0, p nao inversıvel (p ‰ ˘1) se diz irredutıvel se
@a, b P Z, p “ ab ùñ pa P UpZ, ¨qq _ pb P UpZ, ¨qq .
Lema 2.3.62. Seja p P Z, p irredutıvel e a P Z tal que p ffl a. Entao pp, aq „ 1.
Demonstracao. Seja d “ pp, aq. Temos p “ dp1, com d � a. Se d 1, entao p1 „ 1 e necessariamente p „ d,
mas d � a, entao p � a, o que e absurdo. Entao d „ 1.
Teorema 2.3.63. Em Z um inteiro p e primo se e somente se p e irredutıvel.
Demonstracao. “ ùñ ”. Seja p “ ab. Dado que p e primo, entao p � a ou p � b. Supomos que p � a. Entao
a “ a1p. Mas entao p “ ab “ a1bp. Mas entao, por a lei de cancelacao, 1 “ a1b e b P UpZ, ¨q. Se p � b a
demonstracao e analoga.
“ðù”. Seja p irredutıvel. Supomos que p � ab e que p ffl a. Mas entao pp, aq „ 1. Entao p � b por o
Teorema de Euclides. Entao p e primo.
Observacao 2.3.64. A prova de que se p e primo entao p e irredutıvel e valida por qualquer domınio
comutatıvo, enquanto a outra direcao faz uso da existencia do mdc.
Exercicio 2.3.65. Provar com a definicao, que 2 e 3 sao irredutıveis.
Proposicao 2.3.66. Sejam p, q1, . . . , qr primos. Supomos que p � q1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qr. Entao p „ qj0 , por algum
j0 P t1, . . . , ru.
66
Demonstracao. Por inducao sobre r. Caso base r “ 1. Se r “ 1, entao q1 “ pb, mas dado que q1 e primo,
necessariamente b tem que ser inversıvel. Entao p „ q1.
Passo Indutıvo. Supomos a proposicao verdadeira para um certo r ě 1. Demonstramos a proposicao para
r ` 1. Supomos que p � q1 ¨ . . . qr`1. Escrevendo o produto como q1 ¨ pq2 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qr`1q temos que ou p � q1
ou p � q2 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qr`1. No primeiro caso, pelo caso base, p „ q1 e a proposicao e verdadeira para r ` 1. No
segundo caso p � q2 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qr`1, mas entao, pelo passo indutıvo, existe j P t2, . . . , r ` 1u tal que p „ qj . A
proposicao esta demonstrada.
2.3.9 O Teorema Fundamental da Aritmetica
Teorema 2.3.67 (Teorema Fundamental da Aritmetica, versao I). Todo inteiro n P Z, n ‰ 0, se escreve de
forma essencialmente unica como produto
n “ up1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ pr
onde
• r P N;
• u P UpZ, ¨q;
• pi sao irredutıveis (primos).
A unicidade essencial significa que se n “ up1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ pr “ vq1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qs, por algum v P UpZ, ¨q, e por algum
qj, j “ 1, . . . , s irredutıveis, entao r “ s e existe uma permutacao σ P Sr tal que pi „ qσpiq — ou seja,
qσpiq “ uipi por algum ui P UpZ, ¨q — e vu1 ¨ ¨ ¨ur “ u.
Demonstracao. Existencia. Por inducao forte sobre |n| ě 1. Caso base: supomos |n| “ 1. Entao n P UpZ, ¨q.Posto u “ n e r “ 0, temos a decomposicao n “ u do teorema. Fazemos o caso |n| “ 2. Entao n e irredutıvel,
e entao primo, pelo exercıcio precedente. Posto u “ 1, temos a decoposicao n “ 1 ¨ n, com u “ 1, r “ 1,
p1 “ n como no enunciado do teorema.
Passo indutıvo. Supomos agora |n| ą 2 e supomos que por cada k P Z, 1 ď |k| ň |n| o enunciado da
existencia da decomposicao seja verdadeiro. Agora temos duas possibilidades: ou n e irredutıvel ou n nao
e irredutıvel. Se n e irredutıvel, pomos u “ 1, r “ 1, p1 “ n e temos a decomposicao n “ 1 ¨ n como no
enunciado do teorema. Se n nao e irredutivel, entao se pode escrever como n “ ab, onde ambos a e b nao sao
inversıveis. Entao |a| ŋ 1, |b| ŋ 1. Mas isto implica que |a| ň |a||b| “ |n| e |b| ň |a||b| “ |n|. Entao para a e
b val o enunciado do teorema, ou seja, existem primos q1, . . . , qm e um inversıvel v tais que a “ uq1, . . . , qm
e existem primos s1, . . . , sl e um inversıvel w tais que b “ ws1, . . . , sl. Mas entao
n “ vwq1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qm ¨ s1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ sl
e, renomeando os primos, ou seja, pondo
pi “ qi para i “ 1, . . . ,m
pi “ si´m para i “ m` 1, . . . ,m` l
e pondo u “ vw temos
s “ up1 . . . pm`l ,
como queriamos.
67
Unicidade. Por inducao sobre o numero de fatores primos r de uma decomposicao. Caso base r “ 0.
Supomos que n tenha uma decomposicao n “ u. Seja n “ vq1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qs outra decomposicao. Entao
u “ vq1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qs .
Entao se s ą 0, temos que qi sao divisores de um inversıvel, e entao inversıveis. Entao s “ 0 e, trivialmente,
u “ v.
Passo Indutıvo. Supomos que a unicidade da decomposicao seja valida para inteiros que admitem uma
decomposicao de comprimento r. Mostramos que este fato e verdadeiro para inteiros que admitem uma
decomposicao de comprimento r ` 1. Seja n “ up1 ¨ ¨ ¨ pr`1 uma decomposicao em primos de um inteiro n.
Supomos que
n “ up1 ¨ ¨ ¨ pr`1 “ vq1 ¨ ¨ ¨ qm
onde n “ vq1 ¨ ¨ ¨ qm e outra decomposicao em primos, onde v e inversıvel e qi sao primos. E claro que
pr`1 � n „ q1 ¨ ¨ ¨ qm
Entao existe j0 P t1, . . . ,mu tal que pr`1 „ qj0 , ou seja, ur`1pr`1 “ qj0 . Entao podemos escrever
up1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ prpr`1¨ “ vur`1q1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qj0´1qj0`1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qmpr`1
e pela Lei de Cancelacao
up1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ pr “ vur`1q1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qj0´1qj0`1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ qm .
Agora o termo a esquerda tem uma fatoracao em r primos e a hipotese indutıva pode ser invocada para
afirmar que r “ m ´ 1 e que existe uma τ : t1, . . . , ru - t1, . . . , j0 ´ 1, j0 ` 1, . . . ,mu tal que pi „ qτpiq,
ou seja que uipi “ qτpiq. Alem disso temos
u “ vur`1u1 ¨ ¨ ¨ur .
Entao definindo σ como
σ : 1, . . . , r ` 1 - t1, . . . ,mu
i -
#
τpiq se i ď r
j0 se i “ r ` 1
Entao temos que uipi “ qσpiq para todo i “ 1, . . . , r ` 1. Ainda por cima temos
u “ vu1 ¨ ¨ ¨ur`1
porque mostrado acima.
Dada a imporancia, queremos agora exprimir o Teorema Fundamental da Aritmetica em mais duas uteis
variantes. Antes de tudo, um lema.
Lema 2.3.68. Seja tj1, . . . , jnu um conjunto de n inteiros distintos e sejam aj1 , . . . , ajn P Z. Entao existe
uma bijecao σ : t1, . . . , nu - tj1, . . . , jnu tal que aσpiq ď aσpi`1q por cada i “ 1, . . . , n.
Demonstracao. Por inducao sobre n, com n ě 2. Caso base: n “ 2. Dados aj1 , aj2 , se aj1 ď aj2 , defina-se σ
como σpiq “ ji e se aj1 ě aj2 , defina-se σ como σp1q “ j2 e σp2q “ j1. E claro que σ faz o que queremos.
Passo Indutıvo. Supomos que o enunciado seja valido por um certo n ě 2. Provamos que e valido para n`
1. Temos inteiros aj1 , . . . , ajn , ajn`1. O conjunto ta1, . . . , ajn`1
u admite maximo (porque conjunto finito com
68
n elementos, ver exercicio ??). Seja ajs :“ maxtaj1 , . . . , ajn`1u. Agora consideramos o conjunto de n inteiros
aj1 , . . . , ajs´1 , ajs`1 , . . . , ajn , ajn`1 . Existe uma bijecao τ : t1, . . . , nu - tj1, . . . , js´1, js`1, . . . , jn`1u tal
que
aτp1q ď aτp2q ď ¨ ¨ ¨ ď aτpj0´1q ď aτpj0q ď ¨ ¨ ¨ ď aτpnq
Definimos
σ : t1, . . . , n` 1u - tj1, . . . , jn`1u
i -
#
τpiq se i ‰ n
js se i “ n` 1
Esta σ e uma bijecao e faz o que queremos.
Teorema 2.3.69 (Teorema Fundamental da Aritmetica, versao 2). Todo inteiro n P Z, n ‰ 0 se escreve de
forma unica como produto
n “ up1 ¨ ¨ ¨ pr
onde
• r P N;
• u “ sgnpnq :“ n{|n|;
• pi sao irredutıveis (primos) positıvos;
• p1 ď p2 ď ¨ ¨ ¨ ď pr.
Demonstracao. Existencia. Pela primeira versao do Teorema Fundamental da Aritmetica, existem r P N, um
inversıvel v, e primos q1, . . . , qr tais que n “ vq1 ¨ ¨ ¨ qr. Escrevemos agora qi “ |qi|ui. Pelo lemma precedente
existe uma permutacao α : t1, . . . , ru - t1, . . . , ru tal que
|qαpiq| ď |qαpi`1q|
para cada i “ 1, . . . , r ´ 1. Pomos pi “ |qαpiq|. E claro que pi sao primos positivos tais que p1 ď ¨ ¨ ¨ ď pr e
que
n “ vu1 ¨ ¨ ¨urp1 ¨ ¨ ¨ pr “ up1 . . . pr .
onde u “ vu1 ¨ ¨ ¨ur e um inversıvel. Agora |n| “ p1 . . . pr. Entao u “ sgnpnq.
Unicidade. Por inducao sobre o numero de fatores primos de uma fatoracao de n. Caso base r “ 0. Se
n “ u “ vq1 ¨ ¨ ¨ qs, entao, se fosse s ą 0, todos os qi seriam divisores de um inversıvel, e entao inversıveis.
Entao s “ 0. E claro que u “ v.
Passo Indutıvo. Sejam n “ up1 . . . pr “ vq1 ¨ ¨ ¨ qs duas fatoracoes como no enunciado. Pela primeira versao
do Teorema Fundamental da Aritmetica, sabemos que r “ s e que pi „ qσpiq por alguma permutacao σ P Sr.
Mas dado que os primos sao todos positivos podemos concluir que pi “ qσpiq para todo i “ 1, . . . , r. Esta
condicao implica que os conjuntos tp1, . . . , pru e tq1, . . . , qru sejam iguais. Mas sabemos que
p1 “ mintp1, . . . , pru “ mintq1, . . . , qru “ q1 .
Tambem sabemos que u “ sgnpnq “ v. Mas entao da igualdade up1p2 ¨ ¨ ¨ pr “ up1q2 ¨ ¨ ¨ qr; a Lei de
Cancelacao implica que p2 ¨ ¨ ¨ pr “ q2 ¨ ¨ ¨ qr. Agora, temos que p2 ď ¨ ¨ ¨ ď pr e q2 ď ¨ ¨ ¨ ď qr. A hipotese
indutiva prova que pi “ qi para cada i “ 2, . . . , r.
69
Lema 2.3.70. Sejam a1, . . . , an P Z, onde a1 ď a2 ď ¨ ¨ ¨ ď an´1 ď an. Entao o produto a1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ an se pode
escrever como a1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨an “ aα1i1¨ ¨ ¨ ¨ ¨aαr
ir, onde r P N, r ď n, aij ň aij`1 , por cada j “ 1, . . . , r´1 e αi P N˚.
Demonstracao. Por inducao sobre n, o numero dos fatores. Caso base n “ 1. So temos a1. Nao ha nada
para mostrar (r “ 1, i1 “ 1, α1 “ 1). Passo indutıvo. Supomos o teorema valido para n ě 1 e provamo-no
para n`1. Consideramos o produto a1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨an ¨an`1, com a1 ď a2 ď ¨ ¨ ¨ ď an ď an`1. O produto a1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨an
verifica as hipoteses do teorema, e, por inducao, se escreve como a1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨an “ aα1i1¨ ¨ ¨ ¨ ¨aαr
ironde r P N, r ď n,
aij ň aij`1 , por cada j “ 1, . . . , r´ 1 e αi P N˚. Agora, o produto original a1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ an ¨ an`1 se escreve como
aα1i1¨ ¨ ¨ ¨ ¨ aαr
ir¨ an`1
onde, an`1 ě aij por cada ij , porque aij P ta1, . . . , anu e ja sabiamos que an`1 ě an ě ¨ ¨ ¨ ě a1. Sabemos
tambem que ai1 ‰ ai2 ň ¨ ¨ ¨ ň air e que entao air e o maior de todos os aij . Entao an`1 ě air . Agora temos
duas possibilidades: ou an`1 “ air ou an`1 ŋ ar. Na primeira possıbilidade, o produto a1 ¨ ¨ ¨ an`1 se escreve
a1 ¨ ¨ ¨ an`1 “ aα1i1¨ ¨ ¨ ¨ ¨ aαr`1
ir.
Na segunda, pomos ir`1 “ n` 1 e αr`1 “ 1 e entao o produto a1 ¨ ¨ ¨ an`1 se escreve
a1 ¨ ¨ ¨ an`1 “ aα1i1¨ ¨ ¨ ¨ ¨ aαr
ir¨ aαr`1
ir`1.
Corolario 2.3.71. Qualquer produto a1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ an de numeros inteiros se pode escrever como a1 ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ an “
aα1i1¨ ¨ ¨ ¨ ¨ aαr
ir, onde r P N, r ď n, aij ň aij`1
por cada j “ 1, . . . r ´ 1 e αi P N˚.
Teorema 2.3.72 (Teorema Fundamental da Aritmetica, versao 3). Todo inteiro n P Z, n ‰ 0 se escreve de
forma unica como produto
n “ upα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r
onde
• r P N;
• u “ sgnpnq :“ n{|n|;
• pi sao irredutıveis (primos) positıvos;
• p1 ň p2 ň ¨ ¨ ¨ ň pr: em particular pi sao primos positivos distintos.
• αi P N˚.
Demonstracao. Existencia. A existencia e consequencia imediata do Teorema Fundamental da Aritmetica,
versao 2, e do Corolario precedente.
Unicidade. Por inducao sobre o numero de fatores primos de uma fatoracao de n. Este numero e claramente
0 se r “ 0 e eř
i αi se r ą 0. O caso base r “ 0 se faz exactamente como na versao 2 do TFA.
Passo indutıvo. Seja agora r ‰ 0 eřri“1 αi ą 0. Seja n “ upα1
1 ¨ ¨ ¨ pαrr e supomos que exista outra
fatoracao n “ vqβ1
1 ¨ ¨ ¨ qβss . Pela versao 2 do TFA, temos que os conjuntos de primos tp1, . . . , pru “ tq1, . . . , qsu
sao os mesmos e o numero total de primos e igual, entaořαi“1 i “
řri“1 βi. Temos tambem que u “ v. Sempre
pela versao 2 do TFA, temos que p1 “ q1 (sendo os dois minimos dos conjuntos tp1, . . . , pru “ tq1, . . . , qru.
Escrevendo
pα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r “ pβ1
1 ¨ ¨ ¨ qβrr
70
pela Lei de Cancelacao, temos
pα1´11 pα2
2 ¨ ¨ ¨ pαrr “ pβ1´1
1 qβ2
2 ¨ ¨ ¨ qβrr .
Agora as duas escrituras acima sao fatoracoes em primos onde o numero complessivo de primos baixou de
1: a hipotese indutıva diz que α1 ´ 1 “ β1 ´ 1 e que αi “ βi para todo i ě 2, da qual se deduz que αi “ βi
para todo i. Entao as duas fatoracoes sao iguais.
Definicao 2.3.73. Chamamos os primos positivos distintos pi que aparecem com expoente αi P N˚ na
fatoracao de um inteiro n os primos associados a n. Indicamos o conjunto dos primos associados a n com
Asspnq.
2.3.10 Consequencias do Teorema Fundamental da Aritmetica
Teorema 2.3.74 (Euclides). Os numeros primos sao infinitos.
Demonstracao. Supomos por absurdo que exista so um numero finito de primos tp1, . . . , pru, r ą 0, r P N.
Consideramos o produto k “ |p1| ¨ ¨ ¨ ¨ ¨ |pr| ` 1. E claro (exercıcio) que k ŋ pi por cada i P t1, . . . , ru e que
entao k ‰ pi por cada i P t1, . . . , ru. Entao k nao pode ser primo. Temos tambem que k ŋ 1. Mas entao k
admite uma fatoracao em primos k “ upα11 ¨ pαr
r , com pelo menos um dos αi ‰ 0 (se nao teriamos k “ 1, o
que vimos que nao e). Mas entao um dos pi, chamamos pj0 , divide k. Mas entao pj0 divide 1. Mas entao
pj0 e inversıvel, o que e absurdo, porque pj0 e primo.
Lema 2.3.75. Seja n P Z, n ‰ 0. Seja p um primo positivo. Entao
p � n ðñ p P Asspnq .
Demonstracao. Se p P Asspnq, entao escrevendo n “ upα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r , com αi ŋ 0, o primo p e um dos pi, dizemos
p “ pj0 . Mas entao
n “ upα11 ¨ ¨ ¨ p
αj0´1
j0´1 pαj0j0
pαj0`1
j0`1 ¨ ¨ ¨ pαrr “ pupα1
1 ¨ ¨ ¨ pαj0´1
j0´1 pαj0´1j0
pαj0`1
j0`1 ¨ ¨ ¨ pαrr q ¨ pj0
e entao p � n.
Viceversa, se p � n, entao, escrevendo a fatoracao de n como n “ upα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r , com αi ŋ 0, temos que,
dado que n „ pα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r
p � pα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r
mas entao pi „ pj0 por algum pj0 , pelo lema ??. Dado que p e pi sao todos positivos, temos p “ pj0 . Entao
p P Asspnq.
Lema 2.3.76. Sejam n,m dois inteiros nao nulos. Temos que
Asspnq YAsspmq “ Asspnmq .
Demonstracao. De fato temos que
p P Asspnmq ðñ p � nm ðñ pp � nq_pp � mq ðñ pp P Asspnqq_pp P Asspmqq ðñ p P AsspnqYAsspmq .
71
Lema 2.3.77 (Fatoracao conjunta). Sejam n,m dois inteiros diferentes de 0. Entao existem p1, . . . , pr
primos positivos distintos tais que
n “ upα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r
m “ vpβ1
1 ¨ ¨ ¨ pβrr
por αi, βi P N.
Demonstracao. Consideramos o conjunto Asspnmq “ Asspnq Y Asspmq e o escrevemos como Asspnmq “
tp1, . . . , pru por primos positivos distintos pi. Temos que Asspnq Ď Asspnmq, Asspmq Ď Asspnmq. Entao
uma fatoracao em primos de n pode ser escrita como n “ upai1i1¨ ¨ ¨ p
ailil
, ti1, . . . , ilu Ď t1, . . . , ru, e uma
fatoracao de m se pode escrever como m “ vpbj1j1¨ ¨ ¨ p
bjhjh
, tj1, . . . , jhu Ď t1, . . . , ru onde u, v P UpZ, ¨q. Entao
teremos que
n “ upα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r
m “ vpβ1
1 ¨ ¨ ¨ pβrr
onde αi “ 0 se pi R Asspnq e αi “ ait se i “ it e onde βj “ 0 se pj R Asspmq e βi “ bjs se j “ js.
Observacao 2.3.78. E claro que os conjuntos dos primos positivos que permitem uma fatoracao conjunta
nao se restrigem a Asspnmq, mas podemos admitir todos os conjuntos de primos que contem Asspnmq.
Observacao 2.3.79. E claro que o procedimento do lema precedente pode ser extendido a r inteiros
n1, . . . , nk de forma de encontrar p1, . . . , pr primos reuniao dos primos associados as decomposicoes de
n1, . . . , nk, ou, de forma equivalentes, os primos associados ao produto n1 ¨ ¨ ¨nk.
Proposicao 2.3.80. Sejam a, b inteiros nao nulos. Entao a � b se e somente se, escrevendo uma fatoracao
conjunta em primos distintos
a “ upα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r
b “ vpβ1
1 ¨ ¨ ¨ pβrr
temos αi ď βi por cada i “ 1, . . . , r.
Demonstracao. Supomos que a � b, ou seja b “ aq. Entao Asspaq Ď Asspbq. Entao Asspabq “ Asspaq Y
Asspbq “ Asspbq. Na mesma maneira, Asspqq Ď Asspbq. Entao podemos usar os primos associados de b para
dar uma fatoracao conjunta de a, q e b. Temos a “ upα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r , q “ u1pγ11 ¨ ¨ ¨ pγrr , b “ vpβ1
1 ¨ ¨ ¨ pβrr , onde
αi, γi ě 0, e βi ą 0 para cada i. Escrevendo b “ aq, temos
vpβ1
1 ¨ ¨ ¨ pβrr “ uu1pα1`γ1
1 ¨ ¨ ¨ pαr`γrr .
Dado que βi ‰ 0 por cada i, pi divide o segundo membro e necessariamente αi ` γi ‰ 0 por cada i e, entao,
pela unicidade da fatoracao, temos βi “ αi ` γi por cada i. Mas, sendo γi ě 0 temos
βi “ αi ` γi ě αi
para cada i “ 1, . . . , r. Em particular αi ď βi. Isto val para uma fatoracao conjunta obtida com os primos
em Asspbq. Se temos uma fatoracao conjunta obtida com um conjunto de primos tp1, . . . , pru que, em geral,
so contem Asspbq, para todo primo pj que nao esta em Asspbq, temos αj “ βj “ 0.
72
Viceversa, consideramos, como no enunciado uma fatoracao conjunta de a e b. Se αi ě βi para cada
i “ 1, . . . , r, podemos escrever
b “ vpβ1
1 ¨ ¨ ¨ pβrr “ vb “ pvupβ1´α1
1 ¨ ¨ ¨ pβr´αrr qpupα1
1 ¨ ¨ ¨ pαrr q “ pvup
β1´α1
1 ¨ ¨ ¨ pβr´αrr qa
e entao a � b.
Corolario 2.3.81. Sejam a, b inteiros nao nulos. Temos que a � b se e somente se
@p P Z, p primo positivo,@α P N pα � a ùñ pα � b .
Em particular a „ b se e somente se
@p P Z,@α P N p primo, pα � a ðñ pα � b .
Demonstracao. E obvio que se a � b, entao a condicao val.
Viceversa, supomos que, por cada primo positivo pα � a ùñ pα � b, por cada α P N. Em particular,
Asspaq Ď Asspbq. Seja entao
a “ upα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r
b “ vpβ1
1 ¨ ¨ ¨ pβrr
uma fatoracao conjunta de a e b onde os primos que aparecem sao os primos associados a b. Seja i P t1, . . . , ru
arbitrario. Agora pαii divides a, e enao pαi
i divides b. Mas p01 ¨ ¨ ¨ p
0i´1p
αii p
0i`1 ¨ ¨ ¨ p
0r fornece uma fatoracao
conjunta de pαii e b. Entao αi ď βi. Mas isto val por cada i, porque i foi escolhido arbitrario.
Teorema 2.3.82. Sejam a, b inteiros nao nulos e sejam p1, . . . , pr os primos associados ao produto ab.
Sejam
a “ upα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r
b “ vpβ1
1 ¨ ¨ ¨ pβrr
as fatoracoes em primos distintos. Entao
pa, bq „ pγ11 ¨ ¨ ¨ pγrr onde γi “ mintαi, βiu
ra, bs „ pδ11 ¨ ¨ ¨ pδrr onde δi “ maxtαi, βiu
Observacao 2.3.83. O teorema acima se generaliza a n inteiros a1, . . . , an.
Proposicao 2.3.84. Sejam a1, . . . , an, b inteiros. Temos as seguintes propriedades distributivas
pra1, . . . , ans, bq “ rpa1, bq, . . . , pan, bqs (2.4)
rpa1, . . . , anq, bs “ pra1, bs, . . . , ran, bsq (2.5)
Demonstracao. Demonstramos a primeira. Seja p um primo e supomos que pα � pra1, . . . , ans, bq. Entao,
por definicao de maximo divisor comum, pα � ra1, . . . , ans e pα divides b. Mas pα � ra1, . . . , ans implica que
pα � aj0 por um certo j0, porque a maxima potencia de p que aparece em algum ai tem que ser maior ou
igual a α. Mas entao pα � paj0 , bq e entao divide rpa1, bq, . . . , pan, bqs.
Do outro lado, se pα � rpa1, bq, . . . , pan, bqs entao tem que dividir um certo paj0 , bq, porque a maxima
potencia de p que aparece nos diferentes pai, bq tem que ser maior ou igual a pα. Mas entao pα � aj0 e pα � b,
mas entao pα � ra1, . . . , ans e divide b e entao divide pra1, . . . , ans, bq.
A segunda igualdade se demonstra analogamente.
73
Observacao 2.3.85. As propriedade de distributividade do mdc e mcm relativamente um ao outro podem
ser expressas em termos de ideais nesta forma
pa1ZX ¨ ¨ ¨ X anZq ` bZ “ pa1Z` bZq X ¨ ¨ ¨ X panZ` bZq
pa1Z` ¨ ¨ ¨ ` anZq X bZ “ pa1ZX bZq ` ¨ ¨ ¨ ` panZ` bZq .
Cuidado: em geral a classe dos aneis tais que a soma de ideais distribui em relacao a intersecao e muito
restrita: val para aneis mais gerais do que Z, mas nao e nada comum.
Proposicao 2.3.86. Seja a “ upα11 ¨ ¨ ¨ pαr
r onde pi sao primos positivos distintos. Entao, indicando npaq o
numero de divisores positivos de a e com spaq a soma dos divisores positivos, temos
npaq “ pα1 ` 1q ¨ ¨ ¨ pαr ` 1q
spaq “rź
i“1
pαi`1i ´ 1
pi ´ 1
2.3.11 Crivo de Erathostenes.
Existencia da raiz quadrada:
Teorema 2.3.87. Seja x P R, x ě 0. Entao existe um unico α P R, α ě 0 tal que α2 “ x. Um tal α se diz
a raiz quadrada de x.
Corolario 2.3.88. Sejam α, x P R. As seguintes sao equivalentes
#
x ě 0
α “?x
ðñ
$
’
&
’
%
x ě 0
α ě 0
α2 “ x
.
Lema 2.3.89. Seja n P N, e seja n “ ab uma qualquer fatoracao, com a ě 0, b ě 0. Entao temos que
a ď?n ou b ď
?n.
Demonstracao. Se fossem a ŋ?n e b ŋ
?n, entao teriamos9 que ab ŋ n, o que e absurdo.
Proposicao 2.3.90. Seja n P Z, n ‰ 0, n ‰ ˘1. Se n nao e primo, entao n admite um divisor primo
positivo p tal que p ďa
|n|.
Demonstracao. Se n nao e primo, podemos escrever n “ uab, onde u “ sgnn, a ą 0, b ą 0, onde a ‰ ˘1,
b ‰ ˘1. Mas entao |n| “ ab e uma fatoracao propria. Pelo lema precedente a ďa
|n| ou b ďa
|n|. Supomos
que a ďa
|n|. Mas dado que |n| “ ab e uma fatoracao propria, temos que a admite primos associados. Seja
p um primo positivo associado a a. Entao p � a, o que implica p ď a (tomando os valores absolutos) e entao
p ď a ďa
|n| .
Corolario 2.3.91 (Crivo de Erathostenes). Seja n P N, n ą 1. Se n nao admite nenhum divisor primo
positivo p tal que p ă?n, entao n e primo.
9Estamos aqui usando a compatibilidade da ordem de R com as operacoes
74
Exemplo 2.3.92. Para encontrar todos os primos menores de 100 e suficiente eliminar dos inteiros em
t1, . . . , 100u, todos os inversıveis e os multiplos (nao primos) de p, com p primo p ď?
100 “ 10. Pomos os
inteiros entre 1 e 100 numa tabela quadrada. Un destes inteiros nao e primo se e somente se tem um divisor
proprio primo entre 2 e 10 (e entao entre 2 e 7.) Entao da tabela
1 2 3 {4 5 {6 7 {8 {9 {10
11 {12 13 {14 {15 {16 17 {18 19 {20
{21 {22 23 {24 {25 {26 {27 {28 29 {30
31 {32 {33 {34 {35 {36 37 {38 {39 {40
41 {42 43 {44 {45 {46 47 {48 {49 {50
{51 {52 53 {54 {55 {56 {57 {58 59 {60
61 {62 {63 {64 {65 {66 67 {68 {69 {70
71 {72 73 {74 {75 {76 {77 {78 79 {80
{81 {82 83 {84 {85 {86 {87 {88 89 {90
{91 {92 {93 {94 {95 {96 97 {98 {99 {100
e suficiente tirar todos os multiplos de 2, 3, 5, 7. Todos os restantes, ou seja, 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23,
29, 31, 37, 41, 43, 47, 53, 59, 61, 67, 71, 73, 79, 83, 89, 97, serao primos por o Crivo de Erathostenes.
2.3.12 Distribuicao dos Primos. O Teorema dos Numeros Primos.
Congetura 1 (Congetura dos Primos Gemeos). Por cada n P N, existem p, p ` 2 primos consecutivos
maiores do que n. (Existem infinitos primos gemeos).
O estado atual (03 de Outubro 2017) da congetura e o seguinte:
2013: Yitang Zhang provou que por cada n P N existem primos p, q, com q ą p ą n, tais que q´p ă 70 ¨106.
2014: Tao, em conjunto no Projeto Polymath, conseguiram reduzir a cota de 70 milhoes ate 246. A cota
pode ser reduzida ate 6 se se assumem outras conjeturas.
Do outro lado e facil provar que existem primos consecutivos afastados quando se quer.
Lema 2.3.93. Por cada n P N, existem n inteiros consecutivos tais que nenhum deles e primo.
Demonstracao. Tomamos n ě 3 e consideramos os n inteiros
pn` 1q!` 2, pn` 1q!` 3, . . . , pn` 1q!` n` 1 .
Por cada n P N, existem dois primos positivos consecutivos ph, ph`1 tais que ph`1 ´ ph ą n.
Demonstracao. Seja ph “ maxtp P N, p primo, p ă pn ` 1q! ` 2u. Entao necessariamente o primo seguinte
satisfaz a ph`1 ą pn` 1q!` pn` 1q, o que implica que ph`1 ´ ph ą n.
Relacionado a isso e o
Teorema 2.3.94 (Postulado de Bertrand, ou teorema de Bertrand-Chebyshev). Por cada n P N, n ě 3,
existe um primo p tal que n ă p ă 2n´ 2.
75
Observacao 2.3.95. Outras formulacoes se podem fazer: por cada n P N, n ą 1, existe um primo p tal que
n ă p ă 2n. Isto implica que, dado o k-esimo primo pk, o primo sucessivo pk`1 satisfaz
pk`1 ă 2pk .
Joseph Bertrand enuncio o postulado (congetura) no 1845. Foi demonstrada no 1852 por Chebyshev, e vai
hoje sob o nome de Bertrand-Chebyshev.
Observacao 2.3.96. O teorema de Bertrand-Chevyshev foi redemostrado (com uma prova mais simples) e
generalizado por Ramanujan.
NO 1934 Erdos provou o seguinte resultado:
Teorema 2.3.97. Por cada inteiro positivo k, existe N P N tal que por cada n ą N , existem pelo menos k
primos entre n e 2n. (Ou seja, o numero de primos entre n e 2n vai a infinito quando n vai a infinito).
No 2006 El Bachroui mostrou que, por cada n P N˚, existe sempre um primo p entre 2n e 3n.
No 2011 Andy Loo provou que existe sempre um primo entre 3n e 4n. Loo provou tambem que se mn e o
numeros de primos entre 3n e 4n entao limnÑ`8mn “ `8.
Relacionada a estes fatos mas ainda aberta e a
Congetura 2 (Congetura de Legendre). Por cada n P N˚, existe um primo p entre n2 e pn` 1q2.
”Regularidade”dos Primos. Nao se sabe se os primos seguem um ”padrao”. Quem se aproximou
mais a estudar um ”padrao”dos numeros primos foi Riemann, do qual falamos mais a frente. De qualquer
forma eles nao podem ser produzidos por uma funcao polinomial.
Teorema 2.3.98 (Binomio de Newton). Sejam a, b P C, n P N, n ě 1. Entao
pa` bqn “nÿ
k“0
ˆ
n
k
˙
akbn´k
ondeˆ
n
k
˙
:“n!
k!pn´ kq!.
Corolario 2.3.99. Sejam a, b P C, n P N, n ě 1. Entao existe um polinomio nao trivial φnpx, yq, que,
ordenado nas potencias de y, tem como monomio de grau mais alto yn´1, tal que
pa` bqn “ an ` bφnpa, bq .
Demonstracao. Temos
pa` bqn “nÿ
k“0
ˆ
n
k
˙
akbn´k “ an `n´1ÿ
k“0
ˆ
n
k
˙
akbn´k “ an ` bn´1ÿ
k“0
ˆ
n
k
˙
akbn´k´1
Posto entao
φnpx, yq “n´1ÿ
k“0
ˆ
n
k
˙
akbn´k´1 “ yn´1 ` nxyn´2 `
ˆ
n
2
˙
x2yn´3 ` ¨ ¨ ¨ ` nxn´1
temos o enunciado.
Nao existe nenhum polinomio ppxq tal que ppnq seja primo por cada n P N.
76
Demonstracao. Supomos que ppxq seja um tal polinomio, ppxq “ amxm ` ¨ ¨ ¨ ` a1x` a0. Podemos assumir
m ě 1. Seja n0 P N e seja ppn0q “ p primo. Entao, por cada t P N, ppn0 ` tpq e primo. Mas e facil ver, com
o lema precedente, que
ppn0 ` tpq “ ppn0q ` tpgpn0, pq
onde gpn0, tpq “ amφmpn0, tpq ` am´1φm1pn0, tpq ` ¨ ¨ ¨ ` a1φ1pn0, tpq. Mas entao ppn0q ` tpgpn0, tpq “
pp1` tgpn0, tpqq e primo, e entao 1` tgpn0, pq “ ˘1. Agora se m ě 1, gpn0, tpq e de grau m´ 1 e nao zero
(se m “ 1, entao gpn0, tpq “ 1. ). Ainda gpn0, tpq tem termo dominante em tp igual a amptpqm´1. Entao
tgpn0, tpq nao pode ser constante. Absurdo.
O Teorema dos Numeros Primos. Seja x P R, x ą 0. Indicamos com πpxq a funcao que conta os
primos positivos menores ou iguais a x, ou seja:
πpxq “ |tp P N | p primo , p ď xu| .
Estudar esta funcao e fundamental para perceber como estao distribuidos os primos.
Teorema 2.3.100 (Teorema dos Numeros Primos). A funcao πpxq e assintotica, por x que tende a `8 a
funcao x{ logpxq, ou a funcao10 Lipxq “
ż x
2
dt
log t, ou seja
limxÑ`8
πpxq
x{ log x“ 1 “ lim
xÑ`8
πpxq
Lipxq.
Os primeiros fatos sobre a funcao πpxq foram determinados por Legendre que enunciou no 1797 que πpxq
tinha que ser assintotica ax
A log x`B. No 1808 melhorou a estimativa, propondo A “ 1 e B “ ´1.08366.
No 1792, a idade de 15 anos, Gauss conjeturou que πpxq fosse assintotica a Lipxq. Mas ele nao publicou.
No 1838 Dirichlet re-encontrou a estimativa assintotica de Gauss πpxq „ Lipxq.
Entre o 1848 e 1852, ao fim de provar a estimativa assintotia para πpxq, Chebyshev fez estudos profun-
dos sobre a funcao ζpsq, s P C, mais tarde chamada zeta de Riemann, mas ja usada e estudada por Euler,
ζpsq “`8ÿ
n“1
1
ns.
Chebyshev conseguiu provar que
• Se limxÑ`8πpxq
x{ log xexiste, entao tem que ser 1;
• existem constantes c1, c2, c1 ă 1, c2 ą 1, muito perto de 1, tais que, por x suficientemente grande,
c1 ă πpxq{px{ log xq ă c2 .
10E facil provar, usando a regra de De L’Hospital e o teorema fundamental do Calculo, que
limxÑ`8
x{ logpxq
Lipxq“ 1 .
77
Usando estas estimativas, Chebyshev consegui provar o Postulado de Bertrand.
1859. Riemann publica o artigo Uber die Anzahl der Primzahlen unter einer gegebenen Grosse, de 9
paginas, unico artigo de Riemann em teoria dos numeros. Neste artigo e feita uma analise extremamente
profunda da funcao zeta. A funcao zeta, assim como definida, fornece uma funcao de variavel complexa
(holomorfa), na regiao de C, definida por Rez ą 1. Riemann mostra que ela satisfaz uma equacao funcional,
que permite de extende-la a todo o plano complexo (com um unico polo, ou seja um ponto onde ela vai ao
infinito, em z “ 1). Com esta extensao, ela admite, nos inteiros negativos pares, zeros chamados triviais.
Riemann mostra que, a parte estes zeros, todos os outros zeros da funcao zeta estao na faixa critica 0 ă
Rez ă 1. Gracas a funcao zeta, Riemann fornece uma formula explicita para πpxq. A prova desta formula foi
completada por Von Mangoldt no 1895. Na formulacao de Von Mangoldt, a formula explicita de Riemann
diz o seguinte. Seja Λpnq a funcao definida por
Λpnq “
#
log p se n “ pk, com p primo e k ě 1
0 em outros casos
Por exemplo, a funcao Λ de 1, 2, . . . , 10 e dada por
0, log 2, log 3, log 2, log 5, 0, log 7, log 2, log 3, 0
A funcao ψ de Chebyshev e dada por
ψpxq “ÿ
nďx
Λpnq
A funcao ψ0pxq de Chebyshev normalizada e dada por
ψ0pxq “ limhÑ0
ψpx` hq ´ ψpx´ hq
2
ou seja, a media dos limites direito e esquerdo, nas discontinuidades de ψ. A formula explicita de Riemann,
na reformulacao de Von Mangoldt diz que
ψpxq “ x´ÿ
w
xw
w´ logp2πq para x nao inteiro
onde w corre entre os zeros nao triviais na funcao ζ, e que, para todo x:
ψ0pxq “ x´ÿ
w
xw
w´ logp2πq ´
1
2logp1´
1
x2q
Reparamos que o enunciado do Teorema do Numeros Primos e equivalente a provar que
limxÑ`8
ψpxq
x“ limxÑ`8
ψ0pxq
x“ 1
Ou seja, a funcao ψpxq e uma especie de funcao que conta os primo numa escala adaptada 11, ”mais natural”.
Observamos mais de perto o termoÿ
w
xw
w. Dado que w e complexo, w “ ρ ` iγ, ρ, γ P R, o numero xw se
pode re-escrever como
xw “ eplog xqw “ eplog xqpρ`iγq “ eρ log xeiγ log x “ eρ log xpcospγ log xq ` i sinpγ log xqq
11De fato, fixado x real positivo, se p e primo tal que pk ď x, mas pk`1 ę x, a funcao ψpxq ”conta”o primo p com peso
k logppq. Exemplo ψp11` 12q “ 3 log 2` 2 log 3` log 5` log 7` log 11, em lugar de escrever πp11` 1
2q “ 1` 1` 1` 1` 1 “ 5
78
Riemann faz a seguinte Hipotese: seria tudo mais simples se a parte real dos zeros da funcao zeta fosse
constante 1{2, no qual caso se poderia escrever
xw “?xpcospγ log xq ` i sinpγ log xqq
e a somaÿ
w
xw
wseria, considerando que a parte imaginaria tem que ir a zero:
ÿ
γ
1{2´ iγ
1{4` γ2
?xpcospγ log xq ` i sinpγ log xqq “
ÿ
γ
?x
1{4` γ2p1
2cospγ log xq ` γ sinpγ log xqq
onde γ e tal que 1{2 ` iγ e zero nao trivial da funcao zeta. Observamos que a soma e uma soma de ondas
nas variavel γ, fato que nos permite de interpretar a formula explicita de Riemann como uma analise de
Fourier, numa escala adequada, da funcao πpxq: ou seja: Riemann consegue explicar os ”saltos”da funcao
πpxq gerado pela presencia de um novo primo (e, entao, essencialmente, a sua ”posicao”), com uma soma
infinitas de ondas de frequencia γ log x e de amplitude?x{p1{2` 2γ2q e γ
?x{p1{4` γ2q, exactamente como
sinais discontinuos (mas periodicos) podem ser produzidos por soma infinitas de ondas monocromaticas.
Re-enviamos o estudante interessado a pagina web http://web.math.ucsb.edu/ stopple/explicit.html onde
simulacoes ao computador permitem de visualizar quanto a formula explicita aproxima bem a distribuicao
dos primos.
A hipotese de Riemann e ligada ao Teorema dos Numeros Primos. De fato, von Koch provou no 1905
que a hipotese de Riemann e equivalente a estimativa muito precisa
πpxq “ Lipxq `Op?x log xq
ou seja que existe uma constante C ą 0 tal que, por x suficientemente grande
|πpxq ´ Lipxq| ď C?x log x
o que implica diretamente o Teorema dos Numeros Primos.
1896. Hadamard e De la Vallee-Poussin demonstram independentemente, usando a funcao zeta de Rie-
mann, o Teorema dos Numeros Primos. A demonstracao e analitica e dificil. Corre voz que nao seja possıvel
demonstrar o Teorema dos Numeros Primos de forma elementar.
1948 Em seguida de estudos profundos de Selberg, o proprio Selberg e, independentemente, Erdos, dao
uma demonstracao elementar do Teorema dos Numeros Primos. A prova e elementar, mas ainda longa.
1980. Newman da uma prova elementar e curta do Teorema dos Numeros Primos.
79
Capıtulo 3
Aritmetica Modular
3.1 O anel Z{nZ
3.1.1 A relacao de congruencia modulo k e o seu conjunto quociente.
Definicao 3.1.1. Seja k P Z. Definimos a relacao ”k chamada relacao de congruencia modulo k em Z como
a relacao dada por
x ”k y ðñ k � px´ yq ðñ Dq P Z | x “ y ` kq .
Proposicao 3.1.2. A relacao de congruencia modulo k e uma relacao de equivalencia em Z.
Definicao 3.1.3. Seja k P Z. Definimos o conjunto dos inteiros modulo k como o conjunto quociente de Zpela relacao de congruencia modulo k:
Z{kZ :“ Z{ ”k .
Indicaremos com rxsk a classe de equivalencia de x modulo k em Z{kZ.
Segue diretamente da observacao ?? que
Observacao 3.1.4 (Observacao Importante, II). Em particular, se k P Z, temos que se x, y P Z entao
x ”k y ðñ rxsk “ rysk .
Observacao 3.1.5. Se k “ 0 a relacao de equivalencia ”0 e dada por x ”0 y ðñ 0 � px´yq ðñ x´y “
0 ðñ x “ y. Entao ”0“ idZ e Z{0Z :“ Z{id0 e em bijecao com Z, sendo que rxs0 “ txu para cada x P Z.
Proposicao 3.1.6. Seja k P Z, k ‰ 0. Temos que x ”k y ou seja, que rxsk “ rysk se e somente se x e y
tem o mesmo resto na divisao por k.
Demonstracao. Se x “ kq ` r, y “ kq1 ` r, entao x ”k r, y ”k r, e entao rxs “ rrs “ rys.
Do outro lado, supomos que x ”k y, e dividimos os dois por k: x “ kq` r, y “ kq1` r1, com 0 ď r ă |k|,
0 ď r1 ă |k|. Entao rrs “ rxs “ rys “ rr1s. Mas entao r ” r1 mod k, e entao r “ kq ` r1. Mas entao as duas
r “ k0` r e r “ kq ` r1 sao duas divisoes euclidianas e r “ r1.
Proposicao 3.1.7. Seja k P Z, k ‰ 0. O conjunto quociente Z{kZ contem exactamente |k| elementos (ou
seja, e em bijecao com t1, . . . , |k|u).
80
Demonstracao. Consideramos a composicao
j : t0, . . . , |k| ´ 1u Ă - Z - Z{kZ .
E composicao de funcoes, e entao e uma funcao. Ela e definida como jpxq “ rxs. E sobrejetiva, porque,
dado rxs P Z{kZ, e dividindo x por k temos x “ kq ` r, com 0 ď r ă |k|, entao 0 ď r ď |k| ´ 1. Alem disso,
rxs “ rrs, porque x ”k r, porque x´ r P kZ. Entao rxs “ rrs “ jprq. Entao e sobrejetiva.
Mostramos que e injetiva. Supomos que x, y P t0, . . . , |k| ´ 1u e que jpxq “ jpyq. Mas entao x e y tem
o mesmo resto na divisao por k. Mas temos as divisoes euclidianas x “ k0 ` x, y “ k0 ` y. Entao x “ y.
E claro agora que t0, . . . , |k| ´ 1u e em bijecao com t1, . . . , |k|u, via funcao x - x ` 1, que tem inversa
x - x ´ 1. Mas entao a composicao t1, . . . , |k|u - t0, . . . , |k| ´ 1u - Z{kZ, que observamos dada
por x - rx´ 1sk, e bijetiva, porque composicao de bijecoes.
3.1.2 Operacoes em Z{kZ. Estrutura de anel comutativo.
Queremos agora definir operacoes no conjunto Z{kZ de forma de dar-lhe a estrutura de anel.
Proposicao 3.1.8. Seja k P Z, k ‰ 0. As funcoes
µ : Z{kZˆ Z{kZ - Z{kZ
prask, rbskq - rask ` rbsk :“ ra` bsk
e
ν : Z{kZˆ Z{kZ - Z{kZ
prask, rbskq - rask ¨ rbsk :“ rabsk
sao bem definidas.
Demonstracao. Usamos a proposicao 1.5.26. Consideramos o produto das projecoes quocientes
πk ˆ πk : Zˆ Z - Z{kZˆ Z{kZ .
Para construir a soma, definimos a funcao f : ZˆZ - Z{kZ como fpa, bq “ ra` bsk. Verificamos que esta
funcao verifica a condicao da proposicao 1.5.26, para que ela ”desca”a uma funcao µ a partir do produto
Z{kZˆ Z{kZ. A situacao e resumida pelo diagrama
Zˆ Z
Z{kZˆ Z{kZ
πkˆ
?
πk
µ- Z{kZ .
f
-
Precisamos mostrar que se a1 ”k a2 e b1 ”k b2, entao
fpa1, b1q “ fpa2, b2q .
Em outras palavras, precisamos mostrar que se a1 ”k a2 e b1 ”k b2, entao
ra1 ` b1sk “ ra2 ` b2sk .
81
Agora se a1 ”k a2 e se b1 ”k b2, podemos escrever
a1 “ a2 ` kq
b1 “ b2 ` kl
para algum q, l P Z. Mas entao
a1 ` b1 “ a2 ` b2 ` kpq ` lq
e entao a1 ` b1 ”k a2 ` b2 o que e equivalente a ra1 ` b1sk “ ra2 ` b2sk. Pela proposicao 1.5.26, a funcao
µ : Z{kZˆ Z{kZ - Z{kZ, definida por
µprask, rbskq “ fpa, bq “ ra` bsk
e bem definida.
Para construir o produto, precisamos definir uma funcao h : Z ˆ Z - Z{kZ como hpa, bq “ rabsk.
Verificamos que esta funcao verifica a condicao da proposicao 1.5.26, para que ela ”desca”ao produto ν :
Z{kZˆ Z{kZ. A situacao e resumida pelo diagrama
Zˆ Z
Z{kZˆ Z{kZ
πkˆ
?
πk
ν- Z{kZ .
h
-
Precisamos mostrar que se a1 ”k a2 e b1 ”k b2, entao
hpa1, b1q “ hpa2, b2q .
Em outras palavras, precisamos mostrar que se a1 ”k a2 e b1 ”k b2, entao
ra1b1sk “ ra2b2sk .
Agora se a1 ”k a2 e se b1 ”k b2, podemos escrever
a1 “ a2 ` kq
b1 “ b2 ` kl
para algum q, l P Z. Mas entao
a1b1 “ a2b2 ` kpqb2 ` la2 ` qlq
e entao a1b1 ”k a2b2 o que e equivalente a ra1b1sk “ ra2b2sk. Pela proposicao 1.5.26, a funcao ν : Z{kZ ˆZ{kZ - Z{kZ, definida por
νprask, rbskq “ hpa, bq “ rabsk
e bem definida.
Proposicao 3.1.9. Seja k P Z, k ‰ 0,˘1. Entao Z{kZ, com as operacoes de soma e produto µ e ν definidas
acima, e um anel comutativo com unidade.
82
3.1.3 Caraterıstica
3.1.4 Lei de Cancelacao. Inversos multiplicativos
Proposicao 3.1.10. Seja k P Z, k nao nulo e nao inversıvel. A Lei de Cancelacao (ou equivalentemente,
a Lei de Anulacao do Produto) e valida em Z{kZ se e somente se k e primo. Consequentemente Z{kZ e
dominio se e somente se k e primo.
Demonstracao. “ ùñ ”. Supomos que a Lei de Cancelacao seja valida em Z{kZ. Entao val a Lei de Anulacao
do Produto. Supomos agora que k � ab. Entao rabsk “ r0sk. Pela Lei de Anulacao do Produto, temos que
ou rask “ r0sk, ou que rbsk “ r0sk, o que e equivalente a k � a ou k � b. Entao k e primo.
“ðù”. Supomos que k seja primo. Supomos que raskrbsk “ r0sk. Entao rabsk “ r0sk e k � ab. Mas entao
k � a ou k � b. No primeiro caso rask “ r0sk, no segundo rbsk “ r0sk. Entao rask “ 0 ou rbsk “ r0sk. Entao
val a Lei de Anulacao do Produto e a Lei de Cancelacao.
Queremos agora saber se o anel Z{kZ admite estruturas mais fortes do que de domınio comutativo. Em
particular, queremos saber se Z{kZ pode ser um corpo comutativo. A seguinte definicao ja foi dada para
monoides em geral, mas a damos novamente neste contexto.
Definicao 3.1.11. Seja k P Z, nao nulo e nao inversıvel. Uma classe rask P Z{kZ e multiplicativamente
inversıvel se e inversıvel no monoide UpZ{kZ, ¨q, ou seja, se existe uma classe rbsk P Z{kZ tal que raskrbsk “
r1sk. Analogamente, dizemos que um inteiro a P Z e multiplicativamente inversıvel modulo k se a sua classe
rask e multiplicativamente inversıvel, ou, equivalentemente se existe um inteiro b P Z tal que ab “ 1 mod k.
Observacao 3.1.12. Sabemos que Z{kZ e um corpo comutativo se toda classe nao nula rask e inversıvel
multiplicativamente, ou seja, se
pZ{kZq˚ “ UpZ{kZ, ¨q .
A proxima proposicao, de caratere ao mesmo tempo elementar e completamente geral acaba com esta dis-
cussao.
Proposicao 3.1.13. Seja pA,`, ¨q um dominio comutativo finito. Entao A e um corpo comutativo.
Demonstracao. Temos que provar que cada a P A, a ‰ 0, e multiplicativamente inversıvel. Consideramos a
funcao
ma : A - A
x - ax
A funcao ma e injetiva: de fato se mapxq “ mapyq, temos que ax “ ay; dado que a ‰ 0, a Lei de Cancelacao
implica que x “ y. Agora qualquer funcao injetiva de um conjunto finito em si mesmo e bijetiva1. Entao ma
e bijetiva, e em particular sobrejetiva. Entao o elemento 1A esta na imagem de ma. Entao existe b P A tal
que mapbq “ 1, ou seja ab “ 1. Dado que A e comutativo, este b e o inverso de a. Entao a e inversıvel.
Observacao 3.1.14. Citamos aqui um resultado muito importante, parecido ao precedente, mas em que a
hipotese de comutatividade nao e assumida. E o famoso Teorema de Wedderburn, que diz que cada dominio
finito2 e um corpo comutativo. A comutatividade cai das simples hipoteses de dominio finito como por
milagre. A demonstracao, lindıssima, e bem mais complicada e profunda do que a precedente, mas e ao
alcance de um curso de Algebra II-III.
1este fato foi provado num exercicio2nao necessariamente comutativo
83
Corolario 3.1.15. Seja k P Z, nao nulo e nao inversıvel. Sao equivalentes
• k e primo
• Z{kZ e dominio;
• Z{kZ e corpo comutativo.
Observacao 3.1.16. Os corpos finitos da forma Z{pZ, com p primo, jogam um papel muito importante em
Matematica, e sobretudo em Algebra, sendo os ”corpos de caraterıstica p mais pequenos possıveis”, assim
como Q e o ”corpo de caraterıstica 0 mais pequeno possıvel”.
Mesmo se sabemos que, globalmente, Z{kZ e corpo comutativo se e somente se k e primo, os resultados
acima nao falam da inversibilidade das singulas classes. Por exemplo, sabemos que Z nao e corpo, mas os
elementos ˘1 sao inversıveis multiplicativamente. A proxima proposicao da uma interpretacao aritmetica
muito simples da inversibilidade multiplicativa de uma classe rask.
Proposicao 3.1.17. Seja k P Z, nao nulo e nao inversıvel. Entao rask e multiplicativamente inversıvel se
e somente se pa, kq „ 1.
Demonstracao. Temos que rask e multiplicativamente inversıvel se e somente se existe uma classe rbsk P Z{kZtal que raskrbsk “ r1sk. Isto acontece se e somente se existe um inteiro b P Z tal que rabsk “ r1sk. Este fato e
equivalente a existencia de um b P Z tal que ab “ 1` kq, por algum q P Z. Obtemos a equivalencia seguinte:
rask e multiplicativamente inversıvel se e somente se existem inteiros b, q P Z tais que
ab´ kq “ 1 .
Isto acontece se e somente se a equacao diofantina
ax` ky “ 1
tem solucao. Mas sabemos que isto e possivel se e somente se pa, kq „ 1.
Observacao 3.1.18. A demonstracao da proposicao precedente mostra como encontrar o inverso multipli-
cativo de uma classe rask tal que pa, kq “ 1. De fato, se x “ b, y “ q e uma solucao da equacao diofantina
ax` ky “ 1 ,
entao a classe rbsk e o inverso multiplicativo procurado. Por exemplo, a classe r25s33 e inversıvel multiplica-
tivamente, porque p25, 33q „ 1. Aplicando o Algoritmo de Eucildes, temos
33 “ 25` 8
25 “ 3 ¨ 8` 1
Entao 1 “ 25´ 38 “ 25´ 3p33´ 25q “ 25 ¨ 4´ 33 ¨ 3. Entao temos
25 ¨ 4´ 33 ¨ 3 “ 1
e passando modulo 33 temos
r25 ¨ 4s33 “ r1s33 ,
o que equival a
r25s33 ¨ r4s33 “ r1s33 .
84
3.1.5 Divisores de zero, nilpotentes, idempotentes em Z{kZ.
3.2 Congruencias e Teorema Chines do Resto
Definicao 3.2.1. Seja k P Z nao nulo e nao inversivel. Resolver a congruencia
ax “ b mod k
significa encontrar todos os x P Z tais que ax “ b mod k.
Observacao 3.2.2. Seja k P Z, nao zero e nao inversıvel. Uma congruencia ax “ b mod k tem que ser
vista como a equacao de primeiro grau no anel Z{kZ:
rask ¨ rxsk “ rbsk
na classe incognita rxsk.
Teorema 3.2.3. O sistema de congruencias#
x ” a mod n
x ” b mod m
admite solucao se e somente se a ” b mod pm,nq.
Demonstracao. “ ùñ ”. Supomos que o sistema de congruencias do enunciado admita uma solucao x0.
Entao x0 “ a ` nq, x0 “ b `ml. Entao, subtraindo uma da outra, obtemos 0 “ a ´ b ` nq ´ml, o que
implica
a´ b “ np´qq `ml
e que a equacao diofantina
a´ b “ nx`my
tem solucao. Mas isto acontece se e somente se pn,mq � a´ b, ou que e equivalente a a “ b mod pn,mq.
“ðù”. Supomos que a “ b mod pn,mq. Mas entao pn,mq � a´ b. Isto implica que a diofantina nx`my “
a´ b tem solucao. Seja x0, y0 uma solucao particular. Entao
nx0 `my0 “ a´ b .
Entao
a´ nx0 “ b`my0 .
Denotamos com s este numero s “ a´ nx0 “ b`my0. Temos que#
s “ a mod n
s “ b mod m.
Entao este s e uma solucao particular do sistema de congruencias do enunciado.
Teorema 3.2.4. O sistema de congruencias:$
’
&
’
%
x ” a1 mod m1
. . .
x ” ak mod mk
O sistema tem solucao se e soamente se por cada i, j temos ai ” aj mod pmi,mjq. Em tal caso a solucao e
unica modulo rm1, . . . ,mks, ou seja, a solucao geral se pode escrever como x ” c mod rm1, . . . ,mks, onde
c e uma solucao particular.
85
Demonstracao. Por inducao sobre o numero de congruencias k. Por k “ 2 o enunciado e o conteudo do
teorema 3.2.3. Supomos o resultado seja valido por k congruencias e tentamos mostra-lo por k`1. Supomos
ter k ` 1 congruencias$
’
’
’
&
’
’
’
%
x ” a1 mod m1
. . .
x ” ak mod mk
x ” ak`1 mod mk`1
com a hipotese
@i, j P t1, . . . , k ` 1u ai ” aj mod pmi,mjq .
Mas entao temos a condicao
@i, j P t1, . . . , ku ai ” aj mod pmi,mjq
Por hipotese indutiva existe entao uma solucao e as primeiras k congruencias e todas as outras solucoes sao
da forma x ” e mod rm1, . . . ,mks: esta ultima congruencia e equivalente as primeiras k. Entao so temos
que encontrar uma solucao ao sistema de duas congruencias:#
x ” e mod rm1, . . . ,mks
x ” ak`1 mod mk`1
.
Podemos usar o teorema 3.2.3: temos que provar antes de tudo que as hipoteses sao verificadas, ou seja que
e ” ak`1 mod prm1, . . . ,mks,mk`1q .
Reparamos antes de tudo que
prm1, . . . ,mks,mk`1q “ rpm1,mk`1q, . . . pmk,mk`1qs .
Reparamos tambem que e ” ak`1 mod rpm1,mk`1q, . . . pmk,mk`1qs e equivalente ao fato
rpm1,mk`1q, . . . pmk,mk`1qs � e´ ak`1 ðñ
$
’
’
’
&
’
’
’
%
pm1,mk`1q � e´ ak`1
. . .
. . .
pmk,mk`1q � e´ ak`1
o que e equivalente ao sistema de congruencias:
$
’
’
’
&
’
’
’
%
e ” ak`1 mod pm1,mk`1q
. . .
. . .
e ” ak`1 mod pmk,mk`1q
Provamos que estas k congruencias sao verdadeiras. Por cada i “ 1, . . . , k, temos e ” ai mod mi o que
e equivalente a mi � pe ´ aiq. Mas agora pmi,mk`1q � mi � e ´ ai e entao e ” ai mod pmi,mk`1.
Temos por hipotese ai ” ak`1 mod pmi,mk`1q. Mas entao a propriedade transitiva diz e ” ak`1
mod pmi,mk`1q. Entao as congruencias aqui em cima sao todas verdadeiras, ou seja e verdade que e ” ak`1
mod rpm1, ak`1q, . . . pmk, ak`1qqs. Mas se esta condicao e verificada, entao podemos aplicar o teorema 3.2.3
e deduzir a existencia de uma solucao ao sistema de congruencias#
x ” e mod rm1, . . . ,mks
x ” ak`1 mod mk`1
.
86
Mas este sistema de congruencias e equivalente ao sistema original. Agora a solucao geral do sistema
#
x ” e mod rm1, . . . ,mks
x ” ak`1 mod mk`1
se escreve como
x ” c mod rrm1, . . . ,mks,mk`1s
que, sendo rrm1, . . . ,mks,mk`1s “ rm1, . . . ,mk`1s, e o que queriamos.
Corolario 3.2.5. Se m1, . . . ,mk sao a dois a dois coprimos (ou seja pmi,mjq “ 1 por cada i ‰ j), o sistema
de congruencias$
’
&
’
%
x ” a1 mod m1
. . .
x ” ak mod mk
tem sempre solucao. Essa solucao e unica modulo m1 ¨ ¨ ¨mk.
Estrutura de anel produto cartesiano de aneis.
Proposicao 3.2.6. Sejam pA,µA, νAq, pB,µB , νBq dois aneis. Entao as operacoes µA ˆ µB, νA ˆ νB
definidas como as composicoes
µA ˆ µB : pAˆBq ˆ pAˆBq„- pAˆAq ˆ pB ˆBq - AˆB
ppa1, b1q, pa2, b2qq - ppa1, a2q, pb1, b2qq - pµApa1, a2q, µBpb1, b2qq
νA ˆ νB : pAˆBq ˆ pAˆBq„- pAˆAq ˆ pB ˆBq - AˆB
ppa1, b1q, pa2, b2qq - ppa1, a2q, pb1, b2qq - pνApa1, a2q, νBpb1, b2qq
definem sobre o produto cartesiano AˆB uma estrutura de anel, com elemento neutro para a soma µAˆµB
o elemento p0A, 0Bq e elemento neutro para o produto µA ˆ νB o elemento p1A, 1Bq.
Exemplo 3.2.7. O produto cartesiano Z{12Zˆ Z{15Z tem estrutura de anel com as operacoes
pra1s12, rb1s15q ` pra2s12, rb2s15q “ pra1s12 ` ra2s12, rb1s15 ` rb2s15q
pra1s12, rb1s15q ¨ pra2s12, rb2s15q “ pra1s12 ¨ ra2s12, rb1s15 ¨ rb2s15q
O elemento neutro para a soma e pr0s12, r0s15q e o do produto e pr1s12, r1s15q. O elemento oposto de
pras12, rbs15q e pr´as12, r´bs15q.
Homomorfismo de aneis. Isomorfismo de Aneis.
Definicao 3.2.8. Sejam pM,µM q, pN,µN q dois monoides, com elementos neutros eM , eN , respeitivamente.
Uma funcao f : M - N e homomorfismo de monoides se
fpµM px, yqq “ µN pfpxq, fpyqq
fpeM q “ fpeN q
Definicao 3.2.9. Sejam pG,µGq, pH,µHq dois grupos, com elementos neutros eG, eH , respeitivamente. Uma
funcao f : G - H e homomorfismo de grupos se e homomorfismo de monoides.
87
Observacao 3.2.10. Sejam pG,µGq, pH,µHq dois grupos, com elementos neutros eG, eH . Entao uma
funcao f : G - H e homomorfismo de grupos se e somente se fpµM px, yqq “ µN pfpxq, fpyqq, ou seja,
desta condicao, com a hipotese que G e H sao grupos, podemos deduzir fpeGq “ eH .
Definicao 3.2.11. Sejam pA,µA, νAq, pB,µB , νBq dois aneis. Uma funcao f : A - B se diz homomorfismo
de aneis se
fpµApx, yqq “ µBpfpxq, fpyqq @x, y P A
fpνApx, yqq “ νBpfpxq, fpyqq @x, y P A
fp1Aq “ fp1Bq
Exercicio 3.2.12. Provar que se f : A - B e homomorfismo de aneis (como aqui em cima), entao
necessariamente fp0Aq “ 0B . Usar que 0A “ 0A ` 0A.
Definicao 3.2.13. Uma funcao f : A - B entre dois aneis e isomorfismo de aneis se e homomorfismo de
aneis e se existe g : B - A, homomorfismo de aneis, tal que f ˝ g “ idB , g ˝ f “ idA.
Exercicio 3.2.14. Uma funcao f : A - B entre dois aneis e isomorfismo de aneis se e somente se e
homomorfismo bijetivo.
Teorema 3.2.15 (Teorema Chines do Resto, versao II). Se pmi,mjq “ 1, por i ‰ j, entao a funcao
pf : Z{m1 ¨ ¨ ¨mkZ - Z{m1Zˆ ¨ ¨ ¨ ˆ Z{mkZ
rxsm1¨¨¨mk- prxsm1 , . . . , rxsmk
q
e um isomorfismo de aneis.
3.3 Funcao Totiente de Euler
Teorema 3.3.1. Se pmi,mjq “ 1, por i ‰ j, entao o isomorfismo de aneis
pf : Z{m1 ¨ ¨ ¨mkZ - Z{m1Zˆ ¨ ¨ ¨ ˆ Z{mkZ
rxsm1¨¨¨mk- prxsm1
, . . . , rxsmkq
induz um isomorfismo de grupos dos inversıveis multiplicativos
pfˇ
ˇ
U: UpZ{m1 ¨ ¨ ¨mkZ, ¨q - UpZ{m1Z, ¨q ˆ ¨ ¨ ¨ ˆ UpZ{mkZ, ¨q .
Definicao 3.3.2. Seja n P N, n ě 2. Definimos a funcao totiente de Euler φpnq como
φpnq :“ˇ
ˇUpZ{nZ, ¨qˇ
ˇ “ˇ
ˇ tm P N | 0 ď mleqn | pm,nq “ 1uˇ
ˇ .
Proposicao 3.3.3. A funcao φ e multiplicativa, ou seja, se m,n P N, m,n ě 2, e se pm,nq „ 1, entao
φpmnq “ φpmqφpnq .
Demonstracao. Dado que pm,nq “ 1, pelo teorema 3.3.1 temos o isomorfismo de grupos
UpZ{mnZq » UpZ{mZq ˆ UpZ{nZq
e entao
φpnmq “ˇ
ˇUpZ{mnZqˇ
ˇ “ |UpZ{mZq ˆ UpZ{nZqˇ
ˇ “ |UpZ{mZq| ¨ |UpZ{nZqˇ
ˇ “ φpmqφpnq .
88
Proposicao 3.3.4. Se p e um primo, entao
φppkq “ pk ´ pk´1 “ pk´1pp´ 1q .
Demonstracao. E suficiente contar quantos sao os inteiros nao negativos menores de pk que nao sao primos
com pk, ou com p, que e a mesma coisa, ou seja: vamos contar os naturais ate pk que sao divisiveis por p.
Sao todos da forma mp, com 0 ď m ă pk´1. Entao sao pk´1. Entao
φppkq “ pk ´ pk´1 .
Teorema 3.3.5 (Formula do Produto de Eulero). Seja n P N, n ě 2. Entao:
φpnq :“ nź
p�n
´
1´1
p
¯
,
onde o produto corre sobre os primos positivos p que dividem n.
Demonstracao. Decompomos n em fatores primos: escrevaremos n como n “ pα11 . . . pαk
k , com pi primos
distintos positivos. Entao:
φpnq “kź
j“1
φppαj
j q “
kź
j“1
pαj´1j ppj ´ 1q
“
kź
j“1
pαj
j
´
1´1
pj
¯
“ nkź
j“1
´
1´1
pj
¯
“ nź
p�n
´
1´1
p
¯
3.4 Os Teoremas de Fermat, Euler-Fermat, Wilson.
Proposicao 3.4.1. Se p P N e primo, entao por cada 1 ď k ď p´ 1,
p �
ˆ
p
k
˙
Demonstracao. Por definicao
ˆ
p
k
˙
“p!
k!pp´ kq!“ppp´ 1q . . . pp´ k ` 1q
k!.
Entao
k!
ˆ
p
k
˙
“ ppp´ 1q . . . pp´ k ` 1q .
Agora o termo de direita tem como p como fator primo. Entao o termo de esquerda tambem. Mas todos
os fatores primos de k!, dado que k ă p, sao necessariamente menores do que p. Entao p e fator primo deˆ
p
k
˙
.
Proposicao 3.4.2. Sejam a, b inteiros, p P N, p primo. Entao
pa` bqp ” ap ` bp mod p .
89
Demonstracao. Da formula do binomio de Newton temos:
pa` bqp “ ap ` bp `n´1ÿ
i“1
ˆ
p
i
˙
ap´ibi .
Entao
pa` bqp ” ap ` bp `n´1ÿ
i“1
ˆ
p
i
˙
ap´ibi mod p .
E suficiente mostrar quen´1ÿ
i“1
ˆ
p
i
˙
ap´ibi ” 0 mod p ,
mas, pela proposicao precedente, p �
ˆ
p
i
˙
por cada i “ 1, . . . , p´ 1. Ou seja, podemos escrever
ˆ
p
i
˙
“ pci,
ci P N˚, se i “ 1, . . . , p´ 1. Entao
n´1ÿ
i“1
ˆ
p
i
˙
ap´ibi “ pn´1ÿ
i“1
ciap´ibi ” 0 mod p
e entao obtemos o que queremos.
Teorema 3.4.3 (Pequeno Teorema de Fermat). Seja p P N, p primo. Se a P Z entao
ap ” a mod p
Se p ffl a, esta equacao e equivalente a
ap´1 ” 1 mod p .
Demonstracao. Demostramos a primeira. A afirmacao e modulo p, e entao e suficiente demostra-la para
a “ 0, . . . , p ´ 1. De fato, se val para a “ 0, . . . , p ´ 1, entao por qualquer outro a, dividendo por p, temos
a ” r mod p, onde r e o resto da divisao euclidiana de a por p e entao 0 ď r ď p ´ 1. Mas entao ap ” rp
mod p ” r mod p ” a mod p.
E suficiente entao mostrar a identidade para a P N, por inducao sobre a. E claro que o caso base a “ 0 e
obvio dado que 0p “ 0 e entao 0p ” 0 mod p. Supomos agora o teorema valido por a ě 0, ou seja supomos
ap ” a mod p, e provamo-no por a` 1. Temos
pa` 1qp ” ap ` 1p mod p
por a proposicao precedente. Mas agora ap ” a mod p por hipotese indutiva, entao
pa` 1qp ” ap ` 1p mod p ” a` 1 mod p
e o passo indutivo esta mostrado.
Para demostrar a segunda, se p nao divide a, entao pa, pq “ 1 e a tem inverso multiplicativo modulo p.
Seja b o inverso multiplicativo de a modulo p. Lembramos que ab ” 1 mod p. Entao
ap´1 ” apb mod p ” ab mod p ” 1 mod p .
Teorema 3.4.4 (Euler-Fermat). Sejam n P N, n ě 2, a P Z, com pa, nq “ 1. Entao
aφpnq ” 1 mod n .
90
Demonstracao. A hipotese pa, nq “ 1 e equivalente ao fato que rasn P UpZ{nZ, ¨q. Em particular existe
rbsn “ ras´1n o inverso multiplicativo de rasn. Consideramos agora a funcao g : UpZ{nZ, ¨q - UpZ{nZq
definida como
g : UpZ{nZ, ¨q - UpZ{nZq
rxsn - rasn ¨ rxsn “ raxsn
Mostramos agora que g e uma bijecao. Temos que gprxsnq “ gprysnq implica que rasn ¨ rxsn “ rasn ¨ rysn e
multiplicando a esquerda por rbsn obtemos
rasn ¨ rxsn “ rasn ¨ rysn
rbsn ¨ prasn ¨ rxsnq “ prbsn ¨ rasnq ¨ rysn
prbsn ¨ rasnq ¨ rxsnq “ prbsn ¨ rasnq ¨ rysn
r1sn ¨ rxsn “ r1sn ¨ rysn
rxsn “ rysn
Entao g e injetiva. Sabemos que uma funcao injetiva entre conjuntos finitos tem que ser sobrejetiva; entao g
e bijecao. Mostramos a mao que g e sobrejetiva. Seja rysn P UpZ{nZ, ¨q. E facil ver que gprbsn ¨ rysnq “ rysn.
O fato que g e bijetiva diz que g e uma permutacao do conjunto UpZ{nZ, ¨q. Em outras palavras,
denotamos o conjunto UpZ{nZ, ¨q “ trα1sn, . . . , rαφpnqsnu. O fato que g e uma permutacao deste conjunto
significa que podemos re-escrever este conjunto como
UpZ{nZ, ¨q “ trα1sn, . . . , rαφpnqsnu “ tgprα1snq, . . . , gprαφpnqsnqu ,
ou seja os elementos gprα1sn, . . . , gprαφpnqsnq coincidem (a menos da ordem, que pode ter estado alterada
por g) com os elementos rα1sn, . . . , rαφpnqsn.
Seja agora z :“śφpnqi“1 rαisn P UpZ{nZq. Temos que
z “
φpnqź
i“1
rαisn “
φpnqź
i“1
gprαisnq “
φpnqź
i“1
rasn ¨ rαisn “ rasφpnqn
φpnqź
i“1
rαis “ rasφpnqn z
Multiplicando agora por o inverso multiplicativo w de z temos
r1sn “ zw “ rasφpnqn zw “ rasφpnqn
o que e equivalente ao fato
aφpnq ” 1 mod n .
Teorema 3.4.5 (Wilson). Seja p P N˚. Entao p e primo se e somente se
pp´ 1q! ” ´1 mod p .
Demonstracao. A necessidade da condicao de primalide para ter pp´1q! ” ´1 mod p e facilmente verificada:
de fato, se p nao e primo, entao p se fatora p “ ab, com 1 ă a ă p, 1 ă b ă p. Mas entao a � pp ´ 1q!,
b � pp´ 1q! e a � ppp´ 1q!, pq, b � ppp´ 1q!, pq, que implicamo ppp´ 1q!, pq ‰ 1. Entao pp´ 1q! nao pode ser
congruente a ´1 mod p, porque se o fosse teriamos ppp´ 1q!, pq “ 1.
91
Mostramos a suficiencia da condicao de primalidade para ter pp´ 1q! ” 1 mod p. A suficiencia e obvia
se p “ 2. Tomamos entao p ‰ 2. Seja agora R a relacao definida em UpZ{pZq “ tr1sp, . . . , rp´1spu da forma
seguinte:
xRy ðñ px “ yq _ pxy “ r1spq
ou seja, dois elementos em UpZ{pZq sao em relacao se e somente se ou sao iguais ou sao um inverso do
outro. Esta relacao e de equivalencia, porque e trivialmente reflexiva e simetrica, e facilmente transitiva
(deixamos ao estudante provar a transitividade). Entao as classes de equivalencia Ci, i “ 1, . . . , k, formam
uma particao de UpZ{pZq. Em particular Yki“1Ci “ UpZ{pZq e Ci X Cj “ H se i ‰ j e cada Ci ‰ H.
Provamos agora o fato seguinte: |Ci| “ 1 se e somente se Ci contem r1sp ou rp´1sp “ r´1sp. Obsevamos
que r1sp {R r´1sp, se p primo diferente de 2, entao r´1sp e r1sp pertencem a classes distintas. Observamos
tambem que |Ci| “ 1 se e somente se Ci contem um unico elemento x, que tem que ser inverso de si mesmo.
Provamos entao que em UpZ{pZq os unicos inversos de si mesmos sao r1sp e r´1sp. De fato x “ rksp e inverso
de si mesmo se e somente se k2 ” 1 mod p, o que e equivalente ao fato de p � k2 ´ 1 “ pk ´ 1qpk ` 1q. Mas
entao p � k ´ 1 ou p � k ` 1. No primeiro caso k ” 1 mod p, no segundo k ” ´1 mod p (e os dois nao
se realizam ao mesmo tempo se p ą 2). Mas entao as unicas possibilidades sao x “ r˘1sp como querido.
Entao as classes de equivalencia de r1sp e r´1sp contem so um elemento, enquanto todas as outras contem
exactamente dois elementos. Entao k “ pp ´ 1 ´ 2q{2 ` 2 “ pp ´ 3q{2 ` 2 “ pp ` 1q{2. Seja C1 a classe de
r1sp e Ck a classe de r´1sp. Temos
rpp´ 1q!sp “ź
xPUpZ{pZqx “
kź
i“1
ź
xPCi
x “ r1sp
˜
k´1ź
i“2
ź
xPCi
x
¸
r´1sp “ r´1sp
k´1ź
i“2
ź
xPCi
x
mas agora, por i “ 2, . . . , k´ 1, temos que Ci “ txi, x´1i u com xi ‰ x´1
i , e entaoś
xPCix “ 1. Entao temos
que
rpp´ 1q!sp “ r´1sp
k´1ź
i“2
ź
xPCi
x “ r´1sp
k´1ź
i“2
r1sp “ r´1sp
o que significa
pp´ 1q! ” ´1 mod p .
Exercicio 3.4.6. Calcular pn´ 1q! mod n quando n nao e primo.
92