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Poder Judiciário JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Santa Catarina 1ª Vara Federal de Chapecó AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 500093057.2010.404.7202/SC AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RÉU: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS IBAMA RÉU: FOZ DO CHAPECÓ ENERGIA S.A. ADVOGADO: ALACIR SILVA BORGES ADVOGADO: André da Silva Andrino de Oliveira ADVOGADO: ALEXANDRE DOS SANTOS PEREIRA VECCHIO PERITO: PAULO AFONSO CORBELLINI PERITO: GEISA PERCIO DO PRADO INTERESSADO: UNIÃO ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO SENTENÇA I. Relatório O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA contra o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA) e a FOZ DO CHAPECÓ ENERGIA S.A., com posterior ingresso da UNIÃO ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO no feito, na qualidade de assistente litisconsorcial do IBAMA, objetivando provimento jurisdicional liminar que impedisse o IBAMA de conceder Licença de Operação até que fossem cumpridas e analisadas as seguintes medidas, a serem realizadas pela Foz do Chapecó Energia S.A.: a) apresentação de proposta de mitigação dos impactos causados à ictiofauna do Rio Uruguai, considerando, para tanto, a construção de um canal lateral/migração/natural, que garanta o acesso dos peixes entre o reservatório e a jusante do rio, como mecanismo de transposição, mantendose, também, o projeto da Estação de Piscicultura de São Carlos como medida compensatória dos danos causados à ictiofauna;

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Poder JudiciárioJUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária de Santa Catarina1ª Vara Federal de Chapecó

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5000930­57.2010.404.7202/SC

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAISRENOVÁVEIS ­ IBAMA

RÉU: FOZ DO CHAPECÓ ENERGIA S.A.

ADVOGADO: ALACIR SILVA BORGES

ADVOGADO: André da Silva Andrino de Oliveira

ADVOGADO: ALEXANDRE DOS SANTOS PEREIRA VECCHIO

PERITO: PAULO AFONSO CORBELLINI

PERITO: GEISA PERCIO DO PRADO

INTERESSADO: UNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

SENTENÇA

I. Relatório

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou AÇÃOCIVIL PÚBLICA contra o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIOAMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA)e a FOZ DO CHAPECÓ ENERGIA S.A., com posterior ingresso daUNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO no feito, na qualidade deassistente litisconsorcial do IBAMA, objetivando provimento jurisdicionalliminar que impedisse o IBAMA de conceder Licença de Operação atéque fossem cumpridas e analisadas as seguintes medidas, a seremrealizadas pela Foz do Chapecó Energia S.A.:

a) apresentação de proposta de mitigação dos impactoscausados à ictiofauna do Rio Uruguai, considerando, para tanto, aconstrução de um canal lateral/migração/natural, que garanta o acesso dospeixes entre o reservatório e a jusante do rio, como mecanismo detransposição, mantendo­se, também, o projeto da Estação de Pisciculturade São Carlos como medida compensatória dos danos causados àictiofauna;

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b) apresentação de novos estudos para definição da vazãoremanescente do trecho a jusante do Rio Uruguai até a casa de força,considerando não só a série histórica (1940 a 1994), como também osmúltiplos (demanda sanitária, ecológica, de abastecimento humano eindustrial, dessedentação de animais, geração de energia elétrica,irrigação, navegação, lazer, dentre outros), sem prejuízo da exigência feitapelo IBAMA quanto ao plano de saneamento dos Municípios do entornoda usina;

c) apresentação de projeto considerando a retirada total(100%) da vegetação de grande e pequeno porte na área a ser alagada peloreservatório, devendo constar, inclusive, o destino da vegetação retirada,conforme juízo técnico do IBAMA.

Ainda em sede liminar, requereu o seguinte:

a) seja a Foz do Chapecó Energia impedida de iniciar oprocesso de enchimento do reservatório, mesmo que em caráter desimulação, até que toda a vegetação da área a ser inundada seja suprimida,bem como sejam apresentados e aprovados pelo IBAMA os projetos demecanismo de transposição da ictiofauna e da nova definição da vazãoremanescente do Rio Uruguai no trecho de vazão reduzida;

b) seja o IBAMA obrigado a analisar os projetosapresentados pela Foz do Chapecó Energia, considerando a construção docanal lateral como mecanismo de transposição a ser implementado peloempreendedor, bem como o aumento da vazão remanescente do RioUruguai a jusante do barramento até a casa de força, analisandoconjuntamente as características geomorfológicas, hidrológicas,hidráulicas e biológicas para a fixação da vazão remanescente e, por fim,proceda à análise do projeto de supressão da vegetação na área a serinundada, considerando a retirada de 100% da vegetação, indicando, porconseguinte, o destino a ser dado à madeira extraída.

Para o caso de descumprimento das medidas liminarespretendidas, requereu a condenação das rés ao pagamento de multa diáriaem valor não inferior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), a partir dodia do enchimento, e enquanto perdurar o descumprimento.

Como provimento jurisdicional final requereu:

­ Das obrigações de não fazer:

a) Seja o IBAMA condenado à obrigação de não fazer,consistente em abster­se de conceder a Licença de Operação aoempreendimento hidrelétrico Foz do Chapecó, até que os projetos domecanismo de transposição da ictiofauna do Rio Uruguai ­ canal lateral ­,bem como o projeto de definição da nova vazão remanescente sejamanalisados e aprovados pelo órgão ambiental, de acordo com os ditamesda legislação ambiental vigente, sem prejuízo das demais condicionantesestabelecidas no licenciamento;

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b) Seja a Foz do Chapecó Energia condenada à obrigação denão fazer, consistente em abster­se de proceder ao fechamento dascomportas da barragem Foz do Chapecó ou de qualquer outro modo darinício ao enchimento do respectivo reservatório, em caráter definitivo ouprovisório (simulações de enchimento do lago do reservatório), até quesejam concluídas todas as ações referentes à supressão total da vegetaçãoda área a ser inundada pelo reservatório, bem como o processo deanuência do IBAMA quanto ao projeto de construção do mecanismo detransposição da ictiofauna ­ canal lateral, além do aumento da vazãoremanescente a jusante do Rio Uruguai, sem prejuízo das demais que serevelarem necessárias no curso desta ação, tudo destinado à mitigação dosimpactos ambientais físicos, bióticos e socioeconômicos da referidaoperação de enchimento.

­ Das obrigações de fazer:

a) Seja o IBAMA condenado a considerar, antes daexpedição da Licença de Operação, quando da análise do projetorespectivo, a supressão da totalidade da vegetação na área inundada doreservatório, indicando o destino da vegetação suprimida;

b) Seja o IBAMA condenado a analisar os projetosapresentados pelo Foz do Chapecó Energia, considerando a construção docanal lateral como mecanismo e transposição da ictiofauna a serimplementado pelo empreendedor, bem como o aumento da vazãoremanescente do rio Uruguai a jusante do barramento até a casa de força,analisando conjuntamente características geomorfológicas, hidrológicas,hidráulicas e biológicas do rio para fixação da vazão remanescente;

c) Seja a ré Foz do Chapecó Energia condenada a executar oprojeto do mecanismo de transposição na modalidade ­ CANALLATERAL ­, apresentado e aprovado pelo IBAMA como medidamitigadora dos impactos ambientais causados à ictiofauna do Rio Uruguai,sem prejuízo da implementação do projeto da Estação de Piscicultura deSão Carlos e demais condicionantes exigidas pelo órgão ambiental, nodecorrer do licenciamento e também da presente ação civil pública;

d) Seja a ré Foz do Chapecó Energia condenada aimplementar o projeto resultante da definição da nova vazãoremanescente, considerando a vazão ecológica do rio no trecho entre obarramento e a casa de força, nos termos previamente aprovados peloIBAMA, sem prejuízo da implementação do projeto de saneamento dosMunicípios do entorno do empreendimento e demais condicionantesexigidas pelo órgão ambiental no decorrer do licenciamento e também dapresente demanda;

e) A condenação da ré Foz do Chapecó Energia a executar oprojeto de retirada de 100% da vegetação de grande e de pequeno porte naárea que será inundada com a formação do reservatório, conforme oprojeto aprovado pelo IBAMA.

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Inicialmente, o Ministério Público Federal teceuconsiderações sobre a competência do juízo para o julgamento dademanda, bem como sobre a legitimidade ativa. Em relação ao mérito,informou que a presente demanda objetiva regularizar o processo delicenciamento ambiental do empreendimento Hidrelétrico Foz doChapecó, localizado no Rio Uruguai, na divisa entre os Municípios deÁguas de Chapecó/SC e Alpestre/RS, à medida que vários levantamentosefetuados no processo administrativo 1.33.002.0000235/2009­21evidenciaram que o IBAMA expediu a Licença Prévia nº 147/2002 e aLicença de Instalação nº 284/2004 sem atender aos ditames dasResoluções CONAMA 01/1986 e 237/1997. Argumentou que os motivosdas irregularidades são os seguintes:

1. O programa aprovado pelo IBAMA, através do Ofício040/2009/COHID/CGENE/DILIC, prevendo o monitoramento daictiofauna, da produtividade pesqueira e da qualidade do pescado,mediante construção de uma estação de piscicultura junto ao barramentoda usina, possui caráter meramente repositório (compensatório) daspopulações através de meios não naturais, não constituindo medidasmitigadoras de todos os impactos ambientais descritos no EIA­RIMA, oque contraria o inciso III do art. 6º da Resolução CONAMA 01/86. Ascondicionantes do IBAMA 2.10 e 2.13 deveriam ter sido cumpridas pelaHidrelétrica antes da emissão da licença prévia e da própria licença deinstalação. Entretanto, contata­se que, mesmo após a emissão da licençade instalação, ainda não foram definidas as medidas mitigadoras. Aconstrução de um canal lateral, a exemplo do que foi construído nabarragem de Itaipu/PR, que permita a livre locomoção das espéciesaquáticas entre o reservatório e a jusante do barramento da usina,associado ao programa de repovoamento realizado por meio de matrizescapturadas no Rio Uruguai, representa resultado mais efetivo, garantindo amanutenção da rota dos peixes migratórios, bem como o repovoamentodas espécies preexistentes à instalação e operação da hidrelétrica;

2. O IBAMA aprovou a vazão mínima de 75 m3/s propostano EIA­RIMA, relativamente ao trecho entre o barramento da usina e acasa de força, sem considerar a vazão ecológica necessária àsustentabilidade dos ecossistemas aquáticos, nem mesmo os impactosnegativos causados à população dos dois Municípios localizados a jusantedo rio até a casa de força (São Carlos e Palmitos). Referiu que tal índicede vazão foi definido com base em critério exclusivamente hidrológico,sem considerar as características geomorfológicas, hidrológicas,hidráulicas e biológicas do rio, e que a porcentagem de tempo em que oRio Uruguai apresentou vazão da ordem de 75 m³/s foi inferior a 1% dasvazões médias mensais observadas no período (série histórica de 1940 a1994). Informou que o estudo também deixou de considerar a simulaçãohidráulica de outros cenários de vazão além da vazão remanescentesugerida (75 m3/s), o que impossibilita a visualização do comportamentosazonal da lâmina d'água e, consequentemente, da comparação entre ocenário atual e futuro no que concerne às alterações hidrodinâmicas,principalmente na região do Balneário de Águas do Prata, ondeaproximadamente 80% do leito de 800 metros ficará com uma lâmina

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d'àgua entre 30 e 60 centímetros. Ademais, em relação às simulações dequalidade da água, embora os padrões de oxigênio dissolvido, DBO enitrogênio tenham sido adequados, as concentrações de fósforo totalultrapassaram o limite em todos os cenários simulados. Asseverou que aconstrução do canal lateral de migração resultará, também, no aumento davazão entre o barramento e a casa de força, diminuindo os impactoscausados a jusante, principalmente no que se refere à atividade turísticaanteriormente desenvolvida pelos Municípios de Palmitos e São Carlos,bem como a manutenção das atividades pesqueiras e agrícolas da região, oque também não foi considerado pelo estudo de impacto ambientalaprovado pelo IBAMA;

3. A hidrelétrica Foz do Chapecó, através do ofício CE­FCE­0166/10­CO, informou administrativamente ao Ministério Público Federalque não realizará supressão da totalidade da vegetação existente na área doreservatório cuja inclinação seja superior a 45 graus, argumentando aexistência de risco de vida aos operários que trabalhariam na extração davegetação e também porque há um estudo (Parametrização do Modelo CEQual W2 Estimar o Efeito da Biomassa Inundada na Qualidade da Águado Reservatório do AHE Foz do Chapecó) que recomenda a não supressãototal da vegetação. Contudo, tal conduta não pode ser admitida, porqueestudos técnicos demonstram que o desmatamento total da área inundadatrata­se de medida necessária e urgente para a garantia da qualidade daágua do futuro reservatório. Inclusive, o IBAMA, no Parecer 16/2009, aorealizar análise dos impactos ligados à inundação da vegetação, indicouque a medida mais adequada seria a supressão total da vegetaçãoexistente, mas acabou autorizando ao empreendedor a retirada de 40% davegetação de grande porte e 60% da vegetação de pequeno porte.Registrou que a Lei 3.824/60 tornou obrigatória a destoca e limpeza dasbacias hidráulicas construídas por empresas particulares que gozem deconcessões ou quaisquer favores concedidos pelo Poder Público.

Em relação à tutela de urgência, o Ministério PúblicoFederal asseverou que o deferimento da medida encontra fundamento nadefesa do meio ambiente, considerando a magnitude e a irreversibilidadedos danos que serão causados à região caso o IBAMA expeça licençaautorizando o início das operações pela hidrelétrica.

Notificado, o IBAMA apresentou manifestação (evento 14),reportando­se ao Parecer nº 21/2010, COHID/CGENE/DILIC/IBAMA, de24/06/2010. Fundamentou a necessidade de indeferimento da liminarconforme razões contidas no Ofício nº 569/2010­DILIC/IBAMA.Asseverou que vem acompanhando criteriosamente os procedimentos delicenciamento ambiental do empreendimento, e que, de acordo com aequipe técnica, a mitigação dos impactos causados à ictiofauna serárealizada através da operação da estação de piscicultura de São Carlos,associada às ações de monitoramento propostas pela Foz do ChapecóEnergia, uma vez que o sistema de transposição será impactante, pois notrecho não se verificam desovas de espécies migratórias. Em relação àvazão mínima, salientou que esta questão está sendo objeto de análisedesde a etapa do licenciamento, sendo que o valor de 75 m³/s será objeto

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de monitoramento. Além disso, os estudos apresentados peloempreendedor indicam que a vazão prevista no EIA será suficiente paramanter a qualidade da água (parâmetro físico e químico), navegação,atividade pesqueira, rota migratória da ictiofauna e demais usos da água,como o lazer. Relatou que somente com o enchimento do reservatório e aoperação da usina é que de fato serão monitorados, identificados emensurados os impactos. Quanto à definição da vegetação necessária paragarantir a qualidade da água, informou que o parâmetro foi concluído apartir de estudos elaborados por profissionais competentes contratadospela Foz do Chapecó Energia, sendo que o montante definido foi, de fato,suprimido, segundo documentos apresentados pela Foz do Chapecó.Salientou que a licença de operação será condicionada ao monitoramentointensivo da qualidade da água, devendo a FCE adotar medidasnecessárias para restabelecer as condições adequadas, caso hajadecaimento da qualidade. Requereu, por fim, o indeferimento do pedidoliminar, em face do periculum in mora inverso, devendo prevalecer apresunção de legitimidade dos seus atos administrativos. Defendeu,também, não ser razoável impedir a licença de operação, pois isso afetariao interesse público e causaria grave lesão à ordem administrativa,ambiental, elétrica e econômica. Juntou documentos.

Informações da Foz do Chapecó Energia acerca do pedido deantecipação de tutela foram juntadas nos eventos 16, 17 e 18.Inicialmente, defendeu a tempestividade da manifestação. Acerca dasupressão de 100% da vegetação, defendeu ser esta uma medidainadequada e desproporcional à proteção do meio ambiente, vez quejamais foi utilizada em nenhum reservatório do país ou do mundo.Ademais, as medidas propostas e aprovadas pelo IBAMA são suficientespara mitigar ou compensar os impactos causados pelo empreendimento.Salientou que a legalidade do EIA/RIMA, a ausência de avaliaçãoambiental integrada do Rio Uruguai e a ausência de declaração dedisponibilidade hídrica foram discutidas pelo Ministério Público Federalnas ações civis públicas 2003.72.02.004792­3 e 2003.72.02.000237­0,sendo que em nenhuma dessas demandas foi concedida liminarparalisando o empreendimento. Informou não ser admissível a pretensãodo Ministério Público Federal de, às vésperas da licença de operação,paralisar o empreendimento, alegando supostos vícios no EIA/RIMA, cujaexistência poderia ter sido levantada na ocasião das duas outras ações civispúblicas propostas. Salientou que o histórico da construção da usinahidrelétrica demonstra um longo período de discussão das medidascompensatórias, as quais foram amplamente analisadas e aprovadas pelapopulação atingida e pelo órgão ambiental. Argumentou, também, que aslicenças apresentadas pelo IBAMA contam com presunção de legalidade,veracidade e legitimidade inerentes aos atos administrativos, que a faunaaquática está sendo adequadamente compensada pela implantação daestação de piscicultura, que a vazão remanescente definida levou emconsideração os impactos ambientais e os usos múltiplos da água, e, porúltimo, que é inadequada a supressão da totalidade da vegetação existentena área do reservatório, devendo, portanto, prevalecer sobre as alegações

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infundadas contidas na inicial. Finalmente, teceu considerações quanto àinexistência dos requisitos necessários ao deferimento do pedido liminar.Juntou documentos.

O pedido liminar foi deferido nos seguintes termos (evento21):

Ante o exposto:

a) defiro o pedido de liminar (art. 12 da Lei 7.347/85), para oefeito de IMPEDIR que o IBAMA expeça Licença de Operaçãoaté que sejam cumpridas e analisadas as medidas a seguirexpostas, que deverão ser realizadas pela Foz do ChapecóEnergia SA;

b) determino que a Foz do Chapecó Energia SA, no prazo de 30(trinta) dias, apresente ao IBAMA:

b.1) proposta de mitigação dos impactos causados à ictiofauna doRio Uruguai, considerando, para tanto, a viabilidade deconstrução de um canal lateral/migração/natural, que garanta oacesso dos peixes entre o reservatório e a jusante do rio, comomecanismo de transposição, sem prejuízo da manutenção doprojeto da Estação de Piscicultura de São Carlos como medidacompensatória dos danos causados à ictiofauna. Esses estudoscomplementares devem considerar, além da viabilidadeconcreta da implantação, a experiência de implantação do canallateral na usina Itaipu Binacional, bem como a informação dostécnicos do MPF de que a construção do canal lateral demigração resultará, também, no aumento da vazão entre obarramento e a casa de força, diminuindo os impactos causadosà jusante.

b.2) novos estudos para definição da vazão remanescente dotrecho à jusante do Rio Uruguai até a casa de força,considerando não só a série histórica (1940 a 1994), comotambém os múltiplos (demanda sanitária, ecológica, deabastecimento humano e industrial, dessedentação de animais,geração de energia elétrica, irrigação, navegação, lazer, dentreoutros), sem prejuízo da exigência feita pelo IBAMA quanto aoplano de saneamento dos Municípios do entorno da usina;

b.3) projeto considerando a retirada total (100%) da vegetaçãode grande e pequeno porte na área a ser alegada peloreservatório, devendo constar, inclusive, o destino da vegetaçãoretirada, conforme juízo técnico do IBAMA, bem como a reservanecessária à proteção da ictiofauna e piscicultura, conformeprevisão contida no art. 2º da Lei 3.824/60;

Saliento que a partir da presente decisão, e até que não sejaproferida ordem judicial contrária, fica a Foz do ChapecóEnergia SA impedida de iniciar o processo de enchimento doreservatório, mesmo que em caráter de simulação.

c) apresentados os estudos complementares pelo órgãoempreendedor, determino ao IBAMA, no prazo de 30 (trinta)dias, a análise dos projetos, nos termos da fundamentação

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exposta na presente decisão, procedendo à imediata juntada dascorrespondentes decisões aos autos;

Para o caso de descumprimento da presente decisão, desde jáfixo multa diária no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos milreais).

d) intimem­se as partes com urgência acerca da medida liminarora deferida. Intime­se pessoalmente o representante judicial doIBAMA, servindo o presente como mandado. Em relação à Fozdo Chapecó Energia, em face da urgência, intime­se pelo meiomais expedito.

e) citem­se os réus para, querendo, apresentarem contestação,no prazo legal.

O Município de Erval Grande/RS requereu sua habilitaçãono feito na condição de litisconsorte ativo, atuando conjuntamente com oMinistério Público Federal (evento 53).

A União peticionou requerendo sua inclusão no feito nacondição de assistente do IBAMA, apresentando os argumentos do seuinteresse na demanda (evento 56).

Da decisão que deferiu o pedido liminar foram interpostos osseguintes Agravos de Instrumento: nº 5003695­73.2010.404.0000 (Foz doChapecó ­ evento 55); nº 5003742­47.2010.404.0000 (União ­ evento 58);nº 5004103­64.2010.404.0000 (IBAMA ­ evento 66).

Intimado, o Município de Erval Grande regularizou suarepresentação processual (evento 65).

A Foz do Chapecó Energia apresentou contestação (evento68). Preliminarmente, sustentou a necessidade de inclusão da União e daANEEL no pólo passivo, arguindo litisconsórcio passivo necessário.Defendeu a incompetência absoluta deste Juízo para processamento dofeito em virtude da Ação Civil Pública nº 5000419­23.2010.404.7117proposta em 14/06/2010, e despachada anteriormente (15/06/2010), naVara Federal de Erechim/RS. Defendeu a impossibilidade de invasão domérito administrativo, sendo que a decisão de definir as medidasmitigadoras ou compensatórias para determinado impacto é uma decisãodiscricionária do órgão ambiental. Salientou que a discricionariedadeadministrativa admite controle judicial somente quando a decisãoadministrativa comporta uma única solução adequada, o que não ocorreuno caso dos autos, devendo o processo ser extinto sem resolução do méritopor impossibilidade jurídica do pedido.

No mérito, informou que para dar início ao processo delicenciamento ambiental, foi apresentado o Estudo de Impacto Ambiental(EIA/RIMA), contendo os requisitos exigidos na normativa pertinente,inclusive a descrição dos possíveis impactos do empreendimento e daspropostas gerais de medidas para mitigá­los ou compensá­los. Referiu que,a pedido do IBAMA, o EIA/RIMA foi complementado com a realização

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de novos estudos, dentre os quais se destacam os "Estudos Ambientais doTrecho de Jusante" e as "Informações Complementares". Mencionou arealização de reuniões e audiências públicas nos Municípios deAlpestre/RS e Chapecó/SC. Referiu que o IBAMA aprovou o EIA/RIMAe reconheceu a viabilidade ambiental do empreendimento ao conceder, em13/12/2002, a Licença Prévia nº 147/2002. Destacou, dentre os estudosrealizados, o Plano Básico Ambiental (PBA), que detalha as propostas demedidas mitigadoras e compensatórias previstas no EIA/RIMA. Salientouque, após a sua aprovação, o IBAMA concedeu ao empreendedor, em21/09/2004, a Licença de Instalação (LI) nº 284/2004 e, em 05/12/2006,foi concedida a Prorrogação da Licença, com prazo de validade de 4(quatro) anos. Com a concessão da Licença de Instalação, iniciou­se aimplantação da Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó, que, agora, quase 6(seis) anos depois do início da construção, está concluída. Informou queaguardava a concessão da Licença de Operação.

Teceu comentários gerais sobre os impactos das usinashidrelétricas e de outras fontes de energia, registrando que a opção pelageração por usinas hidrelétricas é uma decisão política, que não admitediscussão no âmbito judicial, e que o importante é que a implantação dasusinas hidrelétricas seja precedida de um correto processo delicenciamento ambiental, o que no caso durou 8 anos e foi acompanhadopari passu pelo Ministério Público Federal. Salientou que, no casoconcreto, o IBAMA já apresentou manifestação de que tem ciência eaprova as ações tomadas pelo réu, externando a presunção de legalidade,veracidade e legitimidade inerente aos atos administrativos, devendoprevalecer sobre as alegações lançadas pelo autor na petição inicial.Referiu que para todos os pedidos formulados na inicial há prévia decisãodo órgão ambiental.

Quanto à construção de um canal artificial lateral para ospeixes, mencionou que há estudos comprovando a sua inaplicabilidadepara o caso concreto, tendo sido apontadas medidas mitigadoras ecompensatórias mais adequadas, que são (a) a implantação da Estação dePiscicultura (investimento de mais de 4 milhões de reais), (b) aimplantação do Sistema de Transposição Misto de Captura e Transporte(por meio do qual os peixes serão coletados na parte inferior da barrageme levados para locais a montante onde tenham maior possibilidade desubsistir), (c) o Convênio para doação de alevinos (por meio do qual ficouacordado que serão disponibilizados 450.000 alevinos de espécies nativasa serem soltos em locais apropriados na área de abrangência doempreendimento, sendo que 150.000 alevinos foram soltos em 2009 e300.000 alevinos serão soltos em 2010) e (d) o Programa deMonitoramento da Ictiofauna (permite ao empreendedor conhecer arealidade com a qual está lidando, de modo a ajustar as suas ações paramelhor proteger a ictiofauna, além de permitir que o empreendedoridentifique eventuais riscos que possam ocorrer e tomar as açõesnecessárias para prevenir prejuízos. Embora não preveja antecipadamenteações, engloba as ações necessárias para conhecer e evitar prejuízosambientais, inclusive ações mitigadoras e compensatórias). Destacou quea implantação das medidas descritas foi aprovada pelo IBAMA, após

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análise dos estudos técnicos apresentados, e a hipótese de construção deum canal artificial já foi declarado como ineficiente pelo IBAMA.Defendeu, em síntese, que o pedido relacionado à implantação do canalartificial não pode ser deferido, porque: (i) as medidas mitigadoras ecompensatórias foram realizadas no momento adequado; (ii) há parecer deespecialista dando conta que a construção de um canal artificial nãofuncionará no caso concreto; (iii) foram previstas várias medidas paracompensar os impactos sobre a fauna aquática: implantação da Estação dePiscicultura, implantação de um Sistema de Transposição Misto deCaptura e Transporte, o Termo de Cooperação para doação de alevinos e oPrograma de Monitoramento da Ictiofauna; (iv) as medidas mitigadoras ecompensatórias previstas são adequadas para compensar os impactossobre a ictiofauna, não cabendo substituí­las por outra da preferência doMinistério Público, porque isso caracterizaria violação do méritoadministrativo e da competência funcional do IBAMA. Defendeu serperfeitamente admissível que as medidas sejam implantadas até oenchimento do reservatório, não constituindo ilegalidade o fato de nãoterem sido definidas no EIA/RIMA (2002), na Licença Prévia (2002) ouna Licença de Instalação (2004), conforme alega o autor, até porque, seconstituísse, caberia a ele ter discutido isso nessas oportunidades, e não àsvésperas do enchimento do reservatório. Salientou que o próprio autorreconhece que não há impedimento em definir medidas compensatóriasapós a aprovação do EIA/RIMA, mas deseja que essas sejam definidas aseu gosto e não de acordo com a discricionariedade técnica do IBAMA.Mencionou que não há nada na petição inicial que indique que aconstrução de um canal artificial funcionará, estando o pedido do autorbaseado unicamente na experiência de Itaipu, sem considerar a realidadeda UHE Foz do Chapecó, que é diferente. Asseverou que o Juízo não podedeterminar a substituição das medidas compensatórias e mitigadorasaprovadas pelo órgão ambiental, sob o argumento de que não está seguroda sua eficácia e determinar a adoção de outra medida sobre a qual nãodispõe de nenhum elemento para afirmar que funcionará, havendo, aocontrário, parecer elaborado por especialistas esclarecendo que a propostado MPF não solucionará o problema. Observou que antigamente oMinistério Público Federal exigia dos empreendedores a construção deescadas de peixes, sem sequer avaliar adequadamente se essa medida eratecnicamente recomendável, resultando em experiência desastrosa naprática, já que piorou a situação da ictiofauna.

No que se refere à vazão mínima, ressaltou que o IBAMA,por meio do Parecer Técnico nº 17/2009, aprovou a manutenção da vazãosanitária de 75 m³/s, prevista no EIA/RIMA, mediante o atendimento dedeterminadas condições, e que levou em consideração critériosambientais, bem como a manutenção dos usos existentes a jusante (trechoapós a barragem, onde haverá, até certo ponto, vazão reduzida).Mencionou que a ré apresentou ao IBAMA o estudo de ModelagemHidrodinâmica e de Qualidade de Água de Trecho de Jusante (evento 17,Documento OUT2), que embasou a definição da vazão sanitária igual a 75m³/s, aprovada mediante o Ofício nº 54/2009 ­ CGENE/DILIC/IBAMA(evento 17, documento OUT5). O referido estudo teve como critérios de

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análise os parâmetros hidrológicos e ambientais, avaliando a qualidade deágua, visando verificar as condições futuras de manutenção dos usosmúltiplos das águas, através da modelagem matemática aplicada à alça devazões reduzidas para a simulação do impacto da redução das vazões doRio Uruguai, entre a barragem e a casa de força da UHE Foz do Chapecó.Referiu que os estudos indicaram que restará uma boa lâmina d'água notrecho de vazão reduzida (TVR), que fica entre a barragem e a casa deforça do reservatório (ponto a partir do qual o rio retorna a sua vazãooriginal), sendo esta lâmina d'água capaz de manter as condiçõesambientais essenciais e os usos anteriormente existentes nos Municípiossituados nas margens. Quanto às concentrações de fósforo, elas serão asmesmas atualmente existentes no Rio Uruguai, não havendo piora previstana qualidade da água em razão da vazão remanescente proposta. Defendeuque a modelagem matemática é ferramenta largamente aplicada no mundointeiro para a previsão do funcionamento de sistemas em etapa prévia àsua construção, sendo o melhor sistema existente para prever os futurosimpactos do reservatório sobre a qualidade da água e é o estudo utilizadoem todas as usinas hidrelétricas e aceito por todos os órgãos ambientais dopaís. Salientou que o autor criticou o estudo, mas não apresentou qualqueroutro que seria adequado para substituí­lo, simplesmente porque não háopção melhor. Registrou que além do estudo de ModelagemHidrodinâmica e de Qualidade de Água de Trecho de Jusante, oempreendedor realizou vários outros para avaliar os impactos a jusante dabarragem, estando, portanto, totalmente equivocado o autor ao afirmar quetais impactos haviam sido desconsiderados. Referiu que as compensaçõespara os Municípios situados a jusante foram superiores aos impactos,compensando­os e melhorando a qualidade da infraestrutura existente e ascondições de exploração do turismo. Ressaltou que o que se observa é quehá um natural impacto decorrente da redução da vazão no trechoimediatamente a jusante do barramento, que é inerente à própriaconstrução da hidrelétrica, a qual precisa reter água para poder gerarenergia. Aduziu que deve ser estipulada uma vazão remanescente paramanter os processos ecológicos e usos essenciais no trecho de vazãoreduzida e prever compensações para os impactos decorrentes da reduzidavazão, o que ocorreu no caso concreto, inclusive no que concerne aosMunicípios de São Carlos e Palmitos. Destacou que o Ministério Públicodiz que a vazão remanescente de 75 m³/s não é suficiente, mas não indicaque vazão seria suficiente, e reiterou a informação de que a vazão de 75m³/s foi definida no EIA/RIMA, aprovado em 2002, havendo parecerrecente do IBAMA mantendo esse posicionamento, não sendo possíveldesprestigiar a posição técnica do órgão ambiental competente parasubstituí­la pela posição do Ministério Público Federal, que teve 8 (oito)anos para impugná­la, mas deixou para fazê­lo às vésperas da concessãoda licença de operação. Salientou que não pode ser deferido o pedido decondenação da ré à apresentação de novos estudos para definição da vazãoremanescente do trecho a jusante, pois a ré já estudou a vazãoremanescente (considerando os usos múltiplos do rio), apresentouproposta e o IBAMA já aprovou. Não há sentido em expedir ordemdeterminando que isso seja feito novamente.

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Quanto à supressão vegetal, informou que foram feitosestudos de modelagem matemática que atestaram a quantidade necessáriaà manutenção da qualidade da água. Referiu que a quantidade já foisuprimida. Acerca da supressão de 100% da vegetação, defendeu ser estauma medida já considerada pela ré e pelo IBAMA, mas consideradainadequada e desproporcional à proteção do meio ambiente, com base emestudos técnicos. Defendeu que se trata de uma determinaçãoabsolutamente desnecessária para a manutenção da qualidade da água,conforme já declarou o órgão ambiental, e inclusive lesiva ao meioambiente, na medida em que deixa de haver vegetação inundada para aproteção da ictiofauna e torna­se necessário abrir acessos em áreas depreservação permanente, e também desarrazoada e inexeqüível, dada aexistência de áreas íngremes, de difícil acesso, que colocam em risco avida do trabalhador. Salientou que todas as questões debatidas na inicial jáforam devidamente esclarecidas pelo órgão ambiental. Afirmou que foielaborado um estudo denominado "Parametrização do Modelo CE QUALW2 para estimar o efeito da Biomassa Inundada na Qualidade da Água doReservatório do AHE Foz do Chapecó", de outubro de 2008 (evento 18,documentos OUT9 a OUT11), que estudou vários cenários de supressãoda vegetação e os seus impactos sobre a qualidade da água. Analisando ospossíveis cenários, e dentro da sua discricionariedade administrativa, oIBAMA aprovou o Cenário 3, por meio do Ofício nº 54/2009 (evento 17,documento OUT 5), com base no Parecer nº 16/2009­COHID/CGENE/DILIC/IBAMA, de 16/03/2009 (evento 18, documentoOUT12). Esse cenário, que foi implantado pela agravante, inclusive com aefetiva supressão da vegetação, conforme reconhece a própria decisãoliminar, consiste na supressão de 40% da vegetação de grande porte e 60%da vegetação de menor porte. Destacou que o cenário aprovado peloIBAMA e implantado pelo empreendedor deixou apenas 20% da área totaldo reservatório artificial com alguma vegetação. Referiu que embora oIBAMA tenha mencionado que os Cenários 1 e 2 referidos nos estudosapresentavam resultados superiores no que diz respeito à qualidade daágua, isso não significa que havia diferenças significativas ao ponto dejustificar a opção por esses cenários. Na verdade, o que ocorreu foijustamente o contrário. Os cenários 1 e 2 de limpeza total nãoapresentaram melhores resultados estatisticamente significantes, a umnível de significância de 5%, do que o Cenário 3. Isso significa quequando se aplica a estatística para validar os dados e comparar osresultados finais dos cenários de qualidade da água (empregando um testeestatístico chamado de "t" de Student), observa­se a probabilidade de 95%de chance de os resultados da qualidade da água serem iguais para os trêscenários. Assim, no âmbito da discricionariedade administrativa, comoesses resultados não eram significativos, outros fatores foram sopesadospelo órgão ambiental e justificaram a escolha do Cenário 3 (supressãoparcial da vegetação). Em resumo, a opção pelo Cenário 3 se deu porque:(i) não há diferenças significativas para a qualidade da água entre estecenário e os cenários 1 e 2; (ii) é tecnicamente comprovada a importânciade se manter parte da vegetação do reservatório para servir como abrigopara a fauna aquática (ictiofauna); (iii) a supressão total traria maisimpactos ambientais do que benefícios e (iv) havia o risco de morte de

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colaboradores no trabalho de supressão em áreas íngremes. Salientou quea manutenção da qualidade da água é o principal fator a ser considerado nadefinição da quantidade de vegetação da área de inundação a sersuprimida, mas não é o único: deve ser considerada a necessidade demanter parte da vegetação para proteger a fauna aquática, e os impactos eriscos decorrentes de uma eventual ordem de supressão total da vegetação.Outrossim, a atividade de supressão da vegetação, assim como a nãosupressão, também gera impacto, razão pela qual a decisão sobre aquantidade de vegetação a ser suprimida deve ser estabelecida sopesandoos prós e os contras de cada opção. Referiu que para suprimir a vegetaçãoé preciso abrir acessos para as áreas onde esta vegetação está situada paraque as equipes de trabalho cheguem ao local com equipamentos, exigindoque o empreendedor suprima não apenas a vegetação da área que seráinundada, mas também nas áreas situadas no seu entorno, causando,assim, um indesejável e desnecessário impacto ambiental. Defendeu quecom a formação do reservatório artificial, cria­se no seu entorno uma áreade preservação permanente e a abertura de acessos para a retirada davegetação obriga o empreendedor a suprimir parte da vegetação da futuraAPP, não fazendo sentido forçar essa situação se os estudos sobre a futuraqualidade da água indicam que isso não será necessário, o que também foilevado em consideração pelo órgão ambiental, assim como a retirada davegetação em áreas inclinadas. Reiterou que, ao contrário do sugerido napetição inicial, a questão do risco de supressão em áreas inclinadas não foio principal motivo para a não supressão de vegetação. Mencionou que oautor não apresentou um único caso de usina hidrelétrica onde tenhahavido a supressão total da vegetação do reservatório, simplesmenteporque não há nenhum, e isso ocorre porque como a medida tecnicamentemais adequada é a supressão parcial da vegetação, essa é a solução que éadotada em todas as usinas hidrelétricas do país. Na bacia do Rio Uruguaijá foram implantados diversas grandes usinas hidrelétricas, de portecomparável ao da UHE Foz do Chapecó (UHE Itá, UHE Machadinho,UHE Barra Grande) e, em nenhuma delas, houve supressão total davegetação e, nem por isso, os alegados danos mencionados na petiçãoinicial ocorreram. Destacou que o desmatamento na área do futuroreservatório da UHE Foz do Chapecó foi realizado dentro dasdeterminações do IBAMA, que fez uma vistoria na área e, com base nela,atestou o cumprimento do que foi acordado. Defendeu que o relatório daPolícia Militar apresentado não pode prevalecer sobre as conclusõestécnicas decorrentes da vistoria do IBAMA, que é o órgão ambientalcompetente e que vistoriou a área de helicóptero, marcando os pontos comGPS, dispondo da específica informação sobre aquilo que determinou quefosse suprimido. A Polícia Militar, pelo que consta dos autos, apenasvistoriou a área de barco, sem sequer ter conhecimento daquilo que oórgão ambiental havia determinado que fosse suprimido. Asseverou que aLei nº 3.824, de 23 de novembro de 1960 dá perfeito respaldo para aopção técnica feita pelo órgão ambiental, ao excepcionar a determinaçãode suprimir a totalidade da vegetação existente na área a ser alagada, alémde dever ser considerada a notável evolução técnica ocorrida desde a suaedição. Juntou documentos.

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O IBAMA contestou o feito (evento 77). Defendeu a higideze a completude do licenciamento ambiental da UHE Foz do Chapecó,arguindo que nenhuma das questões suscitadas na petição inicial da AçãoCivil Pública e na decisão liminar deixou de ser estudada pelosespecialistas contratados pelo empreendedor, nem escapou ao crivo doIBAMA. Sustentou que, estudadas as medidas mais adequadas, estasforam aprovadas e adotadas no caso. Reiterou os argumentos utilizadospor ocasião da manifestação sobre o pedido liminar. Registrou, em suma:a) em relação à fitomassa inundada e qualidade da água, o empreendedorefetuou as ações necessárias para proceder ao enchimento do reservatório,sendo que o desmatamento de 100% da vegetação não encontra respaldotécnico que justifique a sua execução; b) quanto à vazão mínima no trechode vazão reduzida, o assunto foi devidamente tratado no âmbito dolicenciamento ambiental, contemplando análises sobre os aspectos dequalidade da água, navegação, conservação da ictiofauna, lazer eatividades de monitoramento que permitam apontar para a necessidade deeventuais adequações às vazões afluentes ao trecho de vazão reduzida; c)relativamente ao mecanismo de transposição de peixes, entende­se que asmedidas estabelecidas no âmbito do processo de licenciamento ambientalse mostram adequadas para o tratamento do tema. Frisou que oestabelecimento de mecanismos de transposição da ictiofauna tais comocanais, elevadores e escadas não são adequadas para o caso da UHE Fozdo Chapecó, sendo que a operação da Estação de Piscicultura é a medidamitigatória a ser adotada.

Discorreu sobre o processo de licenciamento ambiental e ostipos de licenças (prévia, de instalação e de operação). Destacou que amatéria objeto do licenciamento ambiental é eminentemente técnica ereportou­se às informações constantes dos Pareceres nº 21 e 65/2010COHID/CGENE/DILIC/IBAMA e Ofício nº 569/2010­DILIC/IBAMA,que apresentam razões e fundamentos técnicos que rechaçam os pedidosda inicial.

Salientou que, de acordo com a equipe técnica, a mitigaçãodos impactos à ictiofauna será realizada através de operação da Estação dePiscicultura de São Carlos, por meio da captura de matrizes a jusante esoltura de juvenis a montante, o que evitará a implantação de um sistemade transposição de peixes que, na situação do empreendimento em análise,entende­se por bastante impactante para a ictiofauna, tendo em vista queno trecho do Rio Uruguai entre o barramento da UHE Foz do Chapecó e oda UHE Itá não se verificam desovas das espécies migratórias. Quanto àvazão sanitária, destacou que esta foi objeto de análise do IBAMA desde aetapa do licenciamento prévio, sendo que o valor estipulado de 75m³/sserá objeto de monitoramento, devendo o empreendedor garantir asmúltiplas condições. Destacou que os estudos apresentados sobre o temaindicam que referida vazão será suficiente para manter (i) a qualidade daágua (parâmetros físico e químico), (ii) a navegação, (iii) a atividadepesqueira, (iv) a rota migratória da ictiofauna para o Rio Chapecó e (v) osdemais usos da água, tais como lazer. Já a definição da quantidade devegetação necessária para a manutenção da qualidade da água foi baseada

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nos estudos elaborados por profissionais contratados pela Foz do ChapecóEnergia, tendo o montante definido nos estudos sido, de fato, suprimido.Traçou um histórico do processo da AHE Foz do Chapecó.

Em relação à fitomassa inundada, esclareceu os motivospelos quais adotou o Cenário 3. Salientou a importância da não supressãototal da vegetação, principalmente na confluência dos principaistributários, pois se espera que tal vegetação, mesmo que submersa, sirvacomo refúgio para o desenvolvimento de juvenis das espécies sedentáriase das espécies migradoras, esses últimos, frutos do peixamento.

No que se refere à vazão mínima no trecho da vazãoreduzida, destacou o seguinte: (a) com relação à qualidade da água, foiefetuada uma modelagem matemática específica para o trecho de vazãoreduzida, e verificou­se que não haveria relevância, no que tange aosparâmetros físicos e químicos da água, para alteração dessa vazão mínimade 75m³/s para 150m³/s. Além disso, foi recomendado o monitoramentodiário da qualidade da água durante o primeiro ano após o início deenchimento do reservatório e que o empreendedor adotasse ações desaneamento básico na área de influência do empreendimento; (b) comrelação à navegação, foi efetuado um estudo de topobatimetria pela FCE;(c) com relação à atividade pesqueira, salientou que com a redução davazão, haverá uma alteração nos modos de pesca no trecho de vazãoreduzida, razão pela qual está em curso um Programa de Apoio aosPescadores, o qual, além de prever a compensação financeira aospescadores durante o período de adaptação, prevê a construção de trêspontos de apoio, equipados com cozinha, banheiro, freezer, fogão,garagem para barcos etc; um veículo de transporte para cada ponto deapoio; e a implantação de dois pontos de venda para os pescados, sendoum em Chapecó e outro em São Carlos; (d) no que tange à conservação daictiofauna, destacou as diversas ações em curso, como Programa deMonitoramento da Ictiofauna, da Pesca e Qualidade do Pescado, entreoutros; (e) com relação às rotas migratórias, salientou que oempreendimento instalado causará sua interrupção no trechocompreendido entre o barramento da UHE Foz do Chapecó e a UHE Itá.Contudo, estudos sobre o deslocamento reprodutivo de Salminusbrasiliensis (dourado) apontaram que os peixes dessa espécie que subiamo rio, passando pelo sítio construtivo do barramento da UHE Foz doChapecó em direção à UHE Itá, não realizavam oviposição nesse trecho.Em contrapartida, dados de coleta de ictioplâncton apontaram que amesma espécie completava seu ciclo reprodutivo no trecho do RioChapecó que se estende da sua foz até a UHE Quebra Queixo.Considerando esses impactos, a equipe técnica entendeu que as açõespropostas no âmbito do licenciamento ambiental da UHE Foz do Chapecó,a saber (i) a operação da Estação de Piscicultura de São Carlos; (ii) omonitoramento de eventual rota migratória para o Rio Chapecó; (iii) oestabelecimento de ordenamento pesqueiro específico para a região,associada à medida, que extrapolaria o âmbito do licenciamento, demanter livre o trecho do Rio Chapecó da sua foz até a UHE QuebraQueixo, são adequadas para a sua mitigação; (f) com relação às atividadesde lazer, salientou que nas tratativas entre o empreendedor e a comunidade

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local, representada pela Prefeitura Municipal, houve um acerto formalentre as partes pela construção de uma nova área de lazer denominadaParque Aquático no Balneário de São Carlos, considerando que oBalneário Águas do Prata será impactado pela redução da vazão, medidaesta de caráter compensatório. Com relação à alegação de que aconstrução do canal lateral de migração resultará, também, no aumento davazão entre o barramento e a casa de força, diminuindo os impactoscausados a jusante, salientou que o alegado contribuirá muito pouco para adiminuição desses impactos, uma vez que o montante da vazão defluídapor um mecanismo similar agregaria muito pouco à vazão sanitária, isto é,se a construção de tal mecanismo nessa localidade fosse exequível.

Defendeu, por fim, a discricionariedade técnica dos atos daadministração ambiental, salientando que o ato administrativodiscricionário, notadamente quanto ao critério técnico de análiseescolhido, somente está sujeito ao controle jurisdicional quantos aosaspectos da sua legalidade, não lhe cabendo apreciar a conveniência e aoportunidade do mesmo. Sustentou a presunção de legitimidade dos atosadministrativos e a impossibilidade de ingerência do Poder Judiciário.Pugnou pela reconsideração do pedido liminar.

Sobreveio comunicação de decisão do TRF da 4ª Região,proferida nos autos dos Agravos de Instrumento interpostos, indeferindo atutela recursal (eventos 69 a 71).

No evento 82 foi juntado telegrama comunicando decisãoproferida pelo STJ deferindo o pedido para suspender a liminar concedidana presente ação.

O Ministério Público Federal manifestou­se sobre ascontestações (evento 88). Juntou fotografias.

O Município de Erval Grande peticionou requerendo adesistência do pedido de intervenção no feito (evento 89).

Sobreveio comunicação de prolação de decisões que deramprovimento aos agravos de instrumento, os quais foram, em seguida,baixados.

Foi proferida decisão (a) homologando o pedido dedesistência formulado pelo Município de Erval Grande quanto à pretensãode ingressar no feito; (b) deferindo o ingresso da União no feito, naqualidade de assistente litisconsorcial do IBAMA; e c) indeferindo ospedidos da Foz do Chapecó quanto ao ingresso da ANEEL, bem assim aremessa dos autos à Subseção Judiciária de Erechim/RS. Na oportunidade,também foi afastada a alegação da Foz do Chapecó quanto àincompetência deste juízo e a necessidade de remessa dos autos àSubseção Judiciária de Erechim/RS (evento 108).

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O Ministério Público Federal procedeu à juntada do relatóriode vistoria (DOCUMENTO DAT­MA Nº 0444/2011) realizado pelaUnidade de Assessoramento Ambiental do Ministério Público do Estadodo Rio Grande do Sul (MP/RS) na região alagada da Barragem Foz doChapecó (evento 124).

As partes foram intimadas para se manifestarem sobre osdocumentos juntados, bem como para especificarem, de forma justificada,as provas a serem produzidas.

O Ministério Público Federal peticionou requerendo afixação dos pontos controvertidos que necessitam de produção probatória,bem como fosse oportunizada à União a apresentação de contestação(evento 133).

A União informou que não tem provas a produzir. Impugnouo documento juntado pelo autor no evento 124 (evento 135).

A Foz do Chapecó Energia S.A. peticionou sustentando queparte considerável dos pleitos formulados pelo autor perdeu o objeto coma concessão da Licença de Operação nº 949/2010 e com o consequenteenchimento do reservatório. Arguiu que resta a análise dos pedidos deobrigação de fazer de: condenação do IBAMA a analisar projetosconsiderando a construção de canal lateral e aumento da vazãoremanescente; condenação da Foz do Chapecó Energia S.A. a executarprojeto de canal lateral; e condenação da Foz do Chapecó Energia S.A. aimplementar projeto resultante da definição da nova vazão remanescente.Requereu seja reconhecida a perda de objeto dos pedidos de obrigação denão fazer (a) e (b), bem como dos pedidos de obrigação de fazer (a) e (e)da petição inicial. Impugnou o documento DAT­MA nº 0444/2011,apresentado pelo autor, e refutou as informações nele contidas. Requereu ajuntada de documentos. (evento 139).

O pedido de abertura de prazo à União para contestar ademanda foi indeferido, tendo sido prorrogado o prazo para manifestaçãosobre os documentos juntados, bem como para especificação das provas(evento 140).

O Ministério Público Federal requereu a produção de provapericial para averiguar as modificações da qualidade da água, resultantesda não supressão da vegetação na área de alagamento do reservatório daUHE Foz do Chapecó, bem como de prova testemunhal. Defendeu quenão houve perda parcial do objeto da ação, pois, no caso de sentençacondenatória, se não for possível o cumprimento da obrigação de fazer, aquestão pode ser resolvida em perdas e danos (evento 146).

O IBAMA informou que não pretende a produção de outrasprovas, e impugnou o relatório juntado pelo Ministério Público Federal noevento 124, requerendo seu desentranhamento dos autos. Caso não seja

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esse o entendimento, requereu a juntada do Memorando nº 200/2011 quecontém informações prestadas pela área técnica da autarquia acerca doreferido relatório (evento 147 e 148).

A Foz do Chapecó Energia S.A reiterou os termos da petiçãodo evento 139 e requereu a juntada do Relatório Técnico ­ Análise daQualidade das Águas Superficiais: Trecho a Jusante da Barragem, noperíodo de janeiro/2008 a junho/2011, visando comprovar que não houveperda da qualidade da água no trecho posterior ao barramento (evento150).

Intimado, o Ministério Público Federal informou que deveriaser nomeado um perito com especialidade em Biologia e outro emEngenharia Sanitária (evento 154).

Foi proferida decisão deferindo a produção de provatestemunhal e pericial, esta destinada a averiguar as modificações naqualidade da água, bem como a real dimensão do dano causado ao meioambiente, com a nomeação de peritos com especialidade nas áreas deBiologia e de Engenharia Sanitária. O pedido de declaração de perda doobjeto formulado pela Foz do Chapecó Energia foi postergado para omomento da sentença (evento 156).

Foram rejeitados embargos de declaração opostos pela Fozdo Chapecó Energia S.A. ao argumento de que na decisão que deferiu opedido de prova testemunhal não foram delimitados quais os fatos que sepretendia esclarecer com a coleta dos depoimentos. Facultou­se, contudo,à Foz do Chapecó Energia S.A a oportunidade de apresentar rol detestemunhas (evento 164).

A Foz do Chapecó Energia apresentou agravo retido dadecisão que deferiu a oitiva de técnicos do Ministério Público comotestemunhas e postergou a análise da alegação de perda de objeto para asentença (evento 175). O agravo retido foi recebido e a decisão foimantida (evento 180).

Após a apresentação do rol de testemunhas, dos quesitos e daindicação dos assistentes técnicos, foi determinada a expedição de cartasprecatórias e a designação de audiência para a oitiva das testemunhas, bemcomo nomeados peritos. Considerando a escusa da perita inicialmentenomeada, nomeou­se nova perita para o encargo (evento 199).

Formulada proposta conjunta dos peritos nomeados eapresentadas manifestações das partes sobre os honorários periciais, foramrejeitadas as impugnações às pretensões honorárias, fixados os honoráriospericiais e determinado o seu adiantamento pelo MPF (evento 309).

Comprovado o depósito dos honorários periciais (evento318), foram os peritos intimados para dar início aos trabalhos (evento319).

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A alegação da ré Foz do Chapecó S.A no sentido deocorrência de possível nulidade da perícia (evento 339) não foi acolhida(evento 341). A Foz do Chapecó apresentou agravo retido da decisão(evento 357), que restou, no entanto, mantida.

Em atenção à solicitação formulada pelos peritos, a Foz doChapecó Energia juntou documentos (eventos 380 e 386).

Sobreveio a juntada do laudo pericial (evento 395).

A União manifestou ciência acerca do laudo (evento 405). OIBAMA (evento 406) e a Foz do Chapecó (evento 431, 432 e 434)apresentaram impugnação ao laudo, juntando documentos.

Laudo pericial complementar, com respostas àsmanifestações ao primeiro laudo, foi anexado ao evento 446.

A União manifestou ciência sobre o laudo complementar(evento 462). O IBAMA (evento 467), a Foz do Chapecó Energia (evento469) e o MPF (evento 482), manifestaram­se sobre o laudo complementare juntaram documentos.

Após a juntada de documentos solicitados pelos peritos àFoz do Chapecó (evento 525), foi apresentado laudo complementar final(evento 530), e, na sequência, foram expedidos os alvarás referentes aoshonorários periciais.

No decorrer da instrução foi produzida, ainda, provatestemunhal, com a oitiva de quatro testemunhas arroladas pelo MPF etrês testemunhas arroladas pela parte ré (Cartas Precatórias dos eventos238, 303, 332 e audiência do evento 619).

Intimadas sobre o laudo pericial complementar, a Foz doChapecó (evento 625), a União (evento 627), o IBAMA (evento 631) e oMPF (evento 635), apresentaram impugnação. No evento 633 a Foz doChapecó juntou documentos.

Foi proferida decisão designando, de ofício, inspeçãojudicial (evento 637), a qual foi realizada, nos termos do auto de inspeçãojudicial anexado ao evento 666. Na ocasião, determinou­se a intimaçãopara manifestação sobre parecer técnico a ser juntado pelo MPF eapresentação de alegações finais.

Anexado aos autos, pelo MPF, o Parecer Técnico nº112/2014 (evento 668), as partes apresentaram alegações finais.

O Ministério Público Federal pugnou pela procedência dospedidos, ou, em caso de entendimento no sentido da alteração do contextofático da lide, requereu, com fundamento no art. 461 do CPC, pleitos deobrigações de fazer. As demais partes/interessados, além de requererem a

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declaração de perda de objeto de determinados pedidos, pugnaram pelaimprocedência dos demais pedidos (eventos 674 (FOZ DO CHAPECÓ);675 (UNIÃO); 676 (MPF) e 677 (IBAMA)).

Após a conclusão dos autos para sentença, a Foz do ChapecóEnergia S.A. juntou petição e novos documentos (evento 679), razão pelaqual se abriu vista dos autos ao Ministério Público Federal, que semanifestou nos termos do evento 683.

Nada mais sendo requerido, foram os autos conclusos parasentença.

É o relatório.

Decido.

II. Fundamentação

a) Preliminares

a.1) As preliminares de litisconsórcio passivo necessário daUnião e da ANEEL e de prevenção por conexão já foram afastadas nadecisão proferida no evento 108, DESP1, de modo que passo à análisedemais alegações das partes.

a.2) Perda de objeto

A Foz do Chapecó Energia S.A., a União e o IBAMAdefendem que parte considerável dos pleitos formulados pelo autor perdeuobjeto com a concessão da Licença de Operação (LO) e o consequenteenchimento do reservatório. Sustentou­se que resta apenas a análise decertos pedidos de obrigação de fazer, consistentes na condenação doIBAMA a analisar projetos que levem em conta a construção de canallateral e o aumento da vazão remanescente, bem como na condenação daFoz do Chapecó Energia S.A. a executar projeto de canal lateral e aimplementar o projeto resultante da definição da nova vazãoremanescente. Intenta­se, ademais, o reconhecimento da perda de objetodos pedidos de obrigação de não fazer descritos nos itens a e b da petiçãoinicial, bem como dos pedidos de obrigação de fazer descritos nos itens ae e da petição inicial.

Para melhor análise da questão, transcrevem­se os itens emdiscussão:

­ DO PEDIDO FINAL

Ante tudo o que foi exposto, requer o Ministério Público Federal:

­ Das obrigações de não fazer:

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a) Seja o IBAMA condenado na obrigação de não fazer, consistente emabster­se de conceder a Licença de Operação ao empreendimentohidrelétrico Foz do Chapecó, até que os projetos do mecanismo detransposição da ictiofauna do Rio Uruguai ­ canal lateral ­, bem como oprojeto de definição da nova vazão remanescente sejam analisados eaprovados pelo órgão ambiental, de acordo com os ditames dalegislação ambiental vigente, sem prejuízo das demais condicionantesestabelecidas no licenciamento;

b) Seja a Foz do Chapecó Energia condenada na obrigação de nãofazer, consistente em abster­se de proceder ao fechamento dascomportas da barragem Foz do Chapecó ou de qualquer outro mododar início ao enchimento do respectivo reservatório, em caráterdefinitivo ou provisório (simulações de enchimento do lago doreservatório), até que sejam concluídas todas as ações referentes àsupressão total da vegetação da área a ser inundada pelo reservatório,bem como o processo de anuência do IBAMA quanto ao projeto deconstrução do mecanismo de transposição da ictiofauna ­ canal lateral,além do aumento da vazão remanescente à jusante do Rio Uruguai,sem prejuízo das demais que se revelarem necessárias no curso destaação, tudo destinado à mitigação dos impactos ambientais físicos,bióticos e socioeconômicos da referida operação de enchimento.

­ Das obrigações de fazer:

a) Seja o IBAMA condenado a considerar, antes da expedição daLicença de Operação, quando da análise do projeto respectivo, asupressão da totalidade da vegetação na área inundada do reservatório,indicando o destino da vegetação suprimida;

[...]

e) A condenação da ré Foz do Chapecó Energia a executar o projeto deretirada de 100% da vegetação de grande e de pequeno porte na áreaque será inundada com a formação do reservatório, conforme o projetoaprovado pelo IBAMA.

Quanto aos pedidos de obrigação de não fazer, assiste razãoàs rés quanto à perda do objeto. Considerando que a licença de operação jáfoi concedida e que o fechamento das comportas e enchimento doreservatório já ocorreu, restaram prejudicados referidos pedidos.

No que tange ao pedido constante do item a da obrigação defazer, entendo que embora haja requerimento no sentido de que o IBAMAconsidere, "antes da expedição da Licença de Operação", a supressão datotalidade da vegetação na área inundada do reservatório, o pedidoconstante do item, qual seja, considerar a possibilidade de supressão datotalidade da vegetação na área inundada do reservatório, indicando odestino da vegetação suprimida, não restou prejudicado com a concessãoda Licença de Operação.

Com efeito, não se cogita de perda de objeto quanto aoponto, mas de adaptação do pedido à nova realidade de fato. De acordocom o entendimento esposado na decisão aposta no evento 156, do qualcompartilha esta julgadora, "em ACPs ambientais, em razão do relevante

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interesse difuso em pauta, incide com temperamentos o princípio daadstrição da sentença ao pedido, consoante entendimento firmado pelajurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, noticiado no informativode jurisprudência n.º 445 do referido Tribunal, a seguir transcrito:

ACP. DANO. MEIO AMBIENTE. PEDIDO.

Na espécie, o tribunal a quo, analisando o conjunto fático­probatórioconstante dos autos, concluiu haver agressão ao meio ambiente, comofensa às leis ambientais. A Turma, entre outras questões, entendeuque não houve pedido inicial explícito do MP no sentido de quequalquer construção fosse demolida, nem mesmo de que fossemsuspensas as atividades da ora recorrente, ao propor a ação civilpública (ACP) de responsabilidade por danos causados ao meioambiente. Porém essa simples constatação não conduz à nulidade pordesobediência do dever de adstrição ao pedido. A jurisprudência desteSuperior Tribunal entende que o pedido não deve ser extraído apenasdo capítulo da petição reservado aos requerimentos, mas dainterpretação lógico­sistemática das questões apresentadas pela parteao longo da petição. No caso, os provimentos supostamentedesvinculados do pedido, antes mesmo de guardar sintonia com ospedidos formulados pelo MP, constituem condição sine qua non doresultado almejado pela ACP ambiental. Assim, no contexto, encontraplena aplicação o princípio do poluidor pagador, a indicar que,fazendo­se necessária determinada medida à recuperação do meioambiente, é lícito ao julgador determiná­la, mesmo que não tenha sidoinstado a tanto. Precedentes citados: AgRg no Ag 1.038.295­RS, DJe3/12/2008, e REsp 971.285­PR, DJe 3/8/2009. REsp 967.375­RJ, Rel.Min. Eliana Calmon, julgado em 2/9/2010.

(...)"

O mesmo ocorre em relação ao pedido de condenação da réFoz do Chapecó Energia a executar o projeto de retirada de 100% davegetação de grande e de pequeno porte na área que seria (e atualmenteestá) inundada com a formação do reservatório. No mesmo norte, tambémnão se cogita de perda de objeto, tendo em vista que, muito embora nãonas mesmas condições anteriores ao alagamento, não se mostra impossívele/ou inviável a sua execução. E, ainda que não fosse possível suaexecução, haveria a possibilidade de conversão da obrigação de fazerem perdas e danos.

Nestes, termos, acolho parcialmente a preliminar para oefeito de declarar a perda de objeto dos pedidos de obrigação de não fazeracima elencados e formulados na inicial.

b) Mérito

Dispõe o art. 225 da Constituição Federal de 1988:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidadede vida, impondo­se ao Poder Público e à coletividade o dever dedefendê­lo e preservá­ lo para as presentes e futuras gerações.

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§ 1º ­ Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao PoderPúblico:

I ­ preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover omanejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II ­ preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético doPaís e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação dematerial genético;

III ­ definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais eseus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteraçãoe a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquerutilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquemsua proteção;

IV ­ exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividadepotencialmente causadora de significativa degradação do meioambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se darápublicidade;

V ­ controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade devida e o meio ambiente;

VI ­ promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e aconscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII ­ proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticasque coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção deespécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º ­ Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperaro meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigidapelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º ­ As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambientesujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais eadministrativas, independentemente da obrigação de reparar os danoscausados.

§ 4º ­ A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra doMar, o Pantanal Mato­Grossense e a Zona Costeira são patrimônionacional, e sua utilização far­se­á, na forma da lei, dentro de condiçõesque assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto aouso dos recursos naturais.

§ 5º ­ São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelosEstados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dosecossistemas naturais.

§ 6º ­ As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sualocalização definida em lei federal, sem o que não poderão serinstaladas.

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Com tal previsão, consagrou o Brasil a Declaração dePrincípios construída na Convenção de Estocolmo de 1972, a qual, já emseu art. 1º expressa a convicção de que:

"Princípio 1

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e aodesfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente dequalidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem­estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meioambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, aspolíticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregaçãoracial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas deopressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem sereliminadas". (sublinhei)

Além do dispositivo constitucional alhures mencionado, háoutras previsões esparsas acerca do meio ambiente na ConstituiçãoFederal, constituindo a sua defesa princípio expresso da ordem econômica,nos termos dos seguintes dispositivos constitucionais:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalhohumano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existênciadigna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintesprincípios:

[...]

VI ­ defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamentodiferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços ede seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pelaEmenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Importa destacar, ainda, que, de acordo com maciça doutrinaespecializada, a exemplo de Capelli, Marchesan e Steigleder:

"O direito fundamental ao meio ambiente equilibrado é, por força daabertura material consagrada no art. 5º, parágrafo 2º, da ConstituiçãoFederal de 1988, cláusula pétrea e sujeito à aplicabilidade direta,mesmo não constando do catálogo do art. 5º, uma vez que o constituinteoptou por inseri­lo no âmbito das disposições constitucionais sobre aordem social. Assim, trata­se de um direito formal e materialmentefundamental. (...) além do que é uma norma diretamente aplicável eque vincula de forma imediata as entidades públicas e privadas (art. 5º,parágrafo 1º)". (CAPELLI, Silvia; MARCHESAN, Ana Maria Moreira;STEIGLEDER, Anelise Monteiro. Direito Ambiental. Porto Alegre:Verbo Jurídico, 2008. 5.ed. p. 19). (sublinhei)

Ademais, o direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado integra a denominada terceira geração (ou dimensão) dedireitos fundamentais. O Supremo Tribunal Federal já se pronunicouacerca do tema, a exemplo do esposado na Medida Cautelar da ADI 3540,a qual também tratou de outros relevantíssimos temas afetos ao meioambiente:

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MEIO AMBIENTE ­ DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUAINTEGRIDADE (CF, ART. 225) ­ PRERROGATIVA QUALIFICADAPOR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE ­ DIREITO DETERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUECONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE ­NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSEDIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE,CONFLITOS INTERGENERACIONAIS ­ ESPAÇOS TERRITORIAISESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) ­ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELESPERTINENTE ­ MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIOCONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI ­ SUPRESSÃO DEVEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE ­POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDASAS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIROBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAISPROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, AINTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIMEDE PROTEÇÃO ESPECIAL ­ RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF,ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) ­COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ­ CRITÉRIOS DESUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORESCONSTITUCIONAIS RELEVANTES ­ OS DIREITOS BÁSICOS DAPESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OUDIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160­161) ­ A QUESTÃODA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIOAMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA ÀATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) ­ DECISÃO NÃOREFERENDADA ­ CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DOPEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DAINTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃOCONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUEASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. ­ Todos têm direito aomeio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata­se de um típicodireito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste atodo o gênero humano (RTJ 158/205­206). Incumbe, ao Estado e àprópria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, embenefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidadecoletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158­161). Oadimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa agarantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os gravesconflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever desolidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencialde uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADEECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COMOS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃOAO MEIO AMBIENTE. ­ A incolumidade do meio ambiente não podeser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependentede motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiverpresente que a atividade econômica, considerada a disciplinaconstitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípiosgerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art.170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meioambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambienteartificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Osinstrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucionalobjetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não sealterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o queprovocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura,

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trabalho e bem­estar da população, além de causar graves danosecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspectofísico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL(CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DAINTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): OPRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMOFATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE ASEXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. ­ O princípio dodesenvolvimento sustentável, além de impregnado de carátereminentemente constitucional, encontra suporte legitimador emcompromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro erepresenta fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências daeconomia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação dessepostulado, quando ocorrente situação de conflito entre valoresconstitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cujaobservância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de umdos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservaçãodo meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade daspessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº2.166­67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREASDE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ­ A Medida Provisória nº 2.166­67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alteraçõesno art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valoresconstitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental,estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle,pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas depreservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias elesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maiorvulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, demodo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diplomanormativo em questão. ­ Somente a alteração e a supressão do regimejurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidosqualificam­se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, daConstituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. ­ Élícito ao Poder Público ­ qualquer que seja a dimensão institucional emque se posicione na estrutura federativa (União, Estados­membros,Distrito Federal e Municípios) ­ autorizar, licenciar ou permitir aexecução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaçosterritoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadasas restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas emlei, não resulte comprometida a integridade dos atributos quejustificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídicode proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).

(ADI 3540 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno,julgado em 01/09/2005, DJ 03­02­2006 PP­00014 EMENT VOL­02219­03 PP­00528)

É de se notar que, antes mesmo do advento da atualConstituição Federal, o meio ambiente foi reconhecido na ordem jurídicapositiva interna como bem jurídico autônomo pela Lei nº 6.938/81, queestabeleceu:

Art 3º ­ Para os fins previstos nesta Lei, entende­se por:

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I ­ meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências einterações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga erege a vida em todas as suas formas;

Diante das mencionadas normas, assim como anteasseverado pelo Pretório Excelso, observa­se a existência deresponsabilidade solidária intergeracional na preservação do meioambiente, de modo que tanto o Poder Público quanto a coletividadepossuem "o dever de defendê­lo e preservá­ lo para as presentes e futurasgerações".

Impende salientar, demais disso, que o direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito difuso,conceituado pela Lei n. 8.078/90:

Art. 81. (...)

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I ­ interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos destecódigo, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejamtitulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

(...)

Os direitos difusos caracterizam­se pela indivisibilidade,uma vez que são fruíveis apenas de forma coletiva, por interessadosindetermináveis, os quais estão unidos por circunstâncias de fato, ou seja,não se exige nenhuma condição especial para frui­lo: basta ser/estar vivopara que se caracterize a titularidade do direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado.

Demais disso, releva salientar que o Direito Ambientalorienta­se por um cabedal de princípios, dentre os quais mencionam­se: i)princípio do direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado;ii) princípio da função social da propriedade; iii) princípio da prevenção;iv) princípio da precaução; v) princípio do poluidor­pagador; vi) princípiodo desenvolvimento sustentável; vii) princípio da intervenção estatalobrigatória na defesa do meio ambiente, dentre outros.

A respeito do princípio da precaução, vale salientar que tempor mote não apenas evitar a degradação do meio ambiente propriamentedito. Mais do que isso, sua significação compreende também a garantia davida, da própria preservação da espécie humana e da melhor qualidade devida para a coletividade. Consoante as palavras de Machado:

Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, comopreconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou incerteza,também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação doprincípio da precaução. A dúvida científica, expressa com argumentosrazoáveis, não dispensa a prevenção' (MACHADO, Paulo AfonsoLeme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001. p.55).

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Como se vê, o princípio da precaução implica uma açãoantecipatória à ocorrência do dano ambiental. Neste sentido, Milaréassevera que 'precaução' consiste em substantivo do verbo precaver­se (dolatim prae = antes e cavere = tomar cuidado), de modo que sugerecuidados antecipados, cautela para que uma atitude, ação ou omissão nãoresulte em efeitos indesejáveis.

De modo a se conferir concretude às ações antecipatórias emquestão, imperativa a realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) eseu correspondente Relatório (RIMA), os quais consistem em diagnósticodetalhado do empreendimento em relação ao qual se busca olicenciamento junto ao órgão ambiental.

Em relação ao EIA/RIMA,

"sua natureza jurídica é de pré­procedimento administrativo, vinculadoao licenciamento ambiental, de natureza constitucional, destinado aavaliar impactos e definir medidas mitigadoras e/ou compensatóriaspela introdução de atividade significativamente degradante. (...) é feitoantes da concessão da Licença Prévia, como uma condição àexpedição desta, a partir de um Termo de Referência fornecido peloórgão ambiental" (CAPELLI, Silvia; MARCHESAN, Ana MariaMoreira; STEIGLEDER, Anelise Monteiro. Direito Ambiental. PortoAlegre: Verbo Jurídico, 2008. 5.ed. p. 84).

Digno de nota o registro acerca do dever de se contemplar achamada "opção zero", consistente na análise dos efeitos produzidos pelanão­realização do empreendimento, a qual, segundo as autoras acimareferidas, "diante da legislação brasileira contemplar o objetivo deassegurar condições de desenvolvimento econômico e social, a opção zerosó deve ser adotada quando o projeto causar grandes impactos ambientais,sem possibilidade de mitigação aceitável, e quando os resultadoseconômico­sociais sejam desprezíveis" (op. cit., p. 85/86).

Assim, apresentado o EIA/RIMA, de modo a se preveniremdanos evitáveis e já conhecidos, bem como buscar a compensação dedanos inevitáveis, mostra­se imperativa a concretização do licenciamentoambiental, o qual constitui um dos principais instrumentos da PolíticaNacional do Meio Ambiente, previsto no art. 10 da Lei n. 6.938/81:

Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento deestabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais,efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma,de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamentoambiental. (Redação dada pela Lei Complementar nº 140, de2011)

Tem­se que "o papel do licenciamento ambiental é,primordialmente, definir os limites toleráveis de interferência sobre omeio ambiente" (ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2006. 9. ed. p. 129).

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As etapas seguintes do licenciamento ambiental estãoprevistas no art. 8º da Resolução n. 237/1997:

Art. 8º ­ O Poder Público, no exercício de sua competência decontrole, expedirá as seguintes licenças:

I ­ Licença Prévia (LP) ­ concedida na fase preliminar do planejamentodo empreendimento ou atividade aprovando sua localização econcepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo osrequisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximasfases de sua implementação;

II ­ Licença de Instalação (LI) ­ autoriza a instalação doempreendimento ou atividade de acordo com as especificaçõesconstantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo asmedidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qualconstituem motivo determinante;

III ­ Licença de Operação (LO) ­ autoriza a operação da atividade ouempreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do queconsta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental econdicionantes determinados para a operação.

Parágrafo único ­ As licenças ambientais poderão ser expedidasisolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza, características efase do empreendimento ou atividade.

No tocante à natureza jurídica do licenciamento, crê­se quese trata de ato administrativo discricionário sui generis, nem se tratando,portanto, de licença (ato administrativo vinculado e definitivo), nem deautorização (ato administrativo discricionário e precário).

Nesse sentido, embora as licenças condedidas ao longo dolicenciamento tragam certa estabilidade, não geram direitoadquirido, conforme entendimento esposado na seguinte decisão doTribunal Regional Federal da 4ª Região:

(...) Relatei. Decido. (...) As demandas que versam acerca deprováveis danos ambientais têm extrema importância, notadamente noque diz respeito a provimentos provisórios, na medida em que osprincípios da prevenção e precaução requerem uma diligente e efetivaintervenção jurisdicional. Consabido que nos últimos anos a proteçãoao meio ambiente transformou­se em assunto de extrema relevância. Odireito ambiental alçou novos rumos e dimensões, adaptando­se a umanova realidade mundial em que os temas referentes à degradaçãoambiental e ao exaurimento dos recursos naturais preocupam cada vezmais, sendo imperiosa a adoção de regras disciplinadoras. Olicenciamento ambiental está fundado no princípio da proteção, daprecaução ou da cautela, basilar do direito ambiental, que veioestampado na Declaração do Rio, de 1992 (princípio 15). Faz parte datutela administrativa preventiva. Visa a preservar, seja prevenindo aocorrência de impactos negativos ao meio ambiente, seja mitigando­osao máximo com a imposição de condicionantes ao exercício daatividade ou a construção do empreendimento, de molde a atingir oprimeiro objetivo da Política Nacional do Meio Ambiente, ou seja,conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação. Não é umimpedimento ao direito constitucional de liberdade empresarial e da

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propriedade privada, mas um condicionador seu, impedindo que oexercício ilimitado desses direitos possa atingir o ambiente, que é bemde uso comum do povo e pertencente às presentes e futuras gerações;trata­se de um procedimento administrativo, compreendendo, portanto,vários atos encadeados visando a um fim, que seria a concessão ou nãoda licença pretendida, sendo conduzido no âmbito do Poder Executivo,que o faz no regular exercício do seu poder de polícia (controle dedeterminadas atividades permitidas aos particulares), ficando sob aresponsabilidade do órgão ambiental competente. Conquanto assegureao seu titular uma certa estabilidade, a licença não pode ser tida comodireito adquirido, já que é obrigatória a sua revisão, por força do quedispõe o inciso IV, do artigo 9º, da Lei 6.938 (essa é outraparticularidade da licença ambiental, que diverge da tradicional). Opoder público tem o poder­dever de modificar (alterar as medidas decontrole, adequando­as ao caso concreto), suspender (sobrestar aatividade ou obra até que o titular da licença se conforme aosrequerimentos ambientais exigidos) ou cancelar (tornar ineficaz alicença), seja porque o seu titular não respeitou as exigências feitaspelo órgão ambiental, seja porque passaram a existir novascircunstâncias que recomendam a supressão da licença. Pelo princípioda prevenção, a premissa é de que, onde exista incerteza ou ignorânciaconcernente à natureza ou extensão do prejuízo ambiental (se istoresulta de políticas, decisões ou atividades), os que decidem devem sercautelosos. A prevenção não é estática; e, assim, tem­se que atualizare fazer reavaliações, para poder influenciar a formulação das novaspolíticas ambientais, das ações dos empreendedores e das atividadesda Administração Pública, dos legisladores e do Judiciário. O que osprincípios supramencionados sugerem é que o mero risco de dano aomeio ambiente é suficiente para que sejam tomadas todas as medidasnecessárias a evitar a sua concretização. Isso decorre tanto daimportância que o meio ambiente adquiriu no ordenamentoconstitucional inaugurado com a Constituição de 1988 quanto dairreversibilidade e gravidade dos danos em questão, e envolveinclusive a paralisação de empreendimentos que, pela sua magnitude,possam implicar em significativo dano ambiental, ainda que este nãoesteja minuciosamente comprovado pelos órgãos protetivos. (...). Seriaabsurdo pretender que se eternizasse uma licença ainda que setornasse nociva ao interesse público. O direito a um meio ambientesadio está positivado na Lei Maior. Mesmo que se admitisse apossibilidade de direito adquirido contra a Constituição, ter­se­ia, numconfronto axiológico, a prevalência da defesa ambiental. (...) (TRF4,AG 2007.04.00.004057­0, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos deCastro Lugon, D.E. 22/03/2007)

Fincadas tais premissas, passo à análise do caso concreto.

Do caso concreto

O caso em tela refere­se a demanda envolvendo questõesambientais decorrentes da construção da Usina Hidrelétrica Foz doChapecó, implementada no Rio Uruguai, entre os Municípios de Águas deChapecó/SC e Alpestre/RS, à distância de cerca de 6 km da foz do RioChapecó. Trata­se de empreendimento com Licença de Operação jáexpedida.

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Por meio da demanda o Ministério Público Federal objetiva,basicamente, (i) a construção de um canal lateral como mecanismo detransposição da ictiofauna, (ii) o aumento da vazão remanescente do RioUruguai a jusante do barramento até a casa de força, analisandoconjuntamente características geomorfológicas, hidrológicas, hidráulicas ebiológicas do rio para a fixação da vazão remanescente, bem como (iii) aretirada de 100% da vegetação de grande e de pequeno porte na áreaobjeto de inundação com a formação do reservatório.

Segundo dados constantes dos autos, a área do reservatório,que possuirá profundidade média de 38 metros, alcança 79,9 km², sendoque 40 km² correspondem à própria calha do rio. Conforme dados doEIA/RIMA, a formação deste reservatório atinge direta e indiretamenteMunicípios localizados no Estado de Santa Catarina: Águas de Chapecó,Caxambu do Sul, Chapecó, Guatambu, Itá e Paial; e, no Estado do RioGrande do Sul: Alpestre, Aratiba, Barra do Rio Azul, Erval Grande,Faxinalzinho, Itatiba do Sul, Nonoai e Rio dos Índios. O empreendimentoobjetiva a geração de 855 MW, a partir da construção de uma barragem dealtura máxima de 48 metros. O arranjo geral da obra aproveita uma voltade 19,5 km que o Rio Uruguai apresenta no local. Após o barramento,esses 19,5 km representam o trecho de vazão reduzida, sendo que nosprimeiros 6,0 km a vazão foi fixada em 75 m³/s, e, após esse trecho, éacrescida pela vazão do Rio Chapecó (230m³/s em média), totalizando em305m³/s em média (o mínimo estabelecido é de 125m3/s) nos 13,5 kmrestantes, até encontrar novamente o leito do Rio Uruguai. De acordo cominformações do empreendimento, a geração de energia da Foz doChapecó é suficiente para abastecer 25% do consumo do Estado de SantaCatarina ou 18% do consumo do Estado do Rio Grande do Sul.

A Licença Prévia (LP) do empreendimento (nº 147/2002) foiconcedida em 13/12/2002, a Licença de Instalação (LI nº 284/2004) em21/09/2004, a qual foi prorrogada, em 05/12/2006, com prazo de validadede 4 (quatro) anos, e a Licença de Operação (LO nº 949/2010) em25/08/2010 (após o ajuizamento da presente demanda). Logo após aconcessão da LO, realizou­se o fechamento das comportas e iniciou­se aformação do reservatório, com posterior início de produção de energia.

Da análise dos dados informados, percebe­se que se trata deobra de grande porte, revelando­se notório, ademais, que a construção dequalquer usina hidrelétrica gera fortes impactos ao meio ambiente, o quetorna candente a necessidade de sopesamento de bens einteresses: a construção de novas fontes de energia e o dever/direito depreservação do meio ambiente. Na decisão que deferiu o pedido deantecipação dos efeitos da tutela foram abordadas algumas questõesreferentes à produção de energia elétrica versus danos ambientais, as quaistranscrevo para evitar tautologia (evento 21):

[...]

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Não desconheço os benefícios que a produção de energiaelétrica traz ao País. Entretanto, são inegáveis os efeitosnefastos causados ao Meio Ambiente pela simples implantaçãode uma hidrelétrica deste porte. A pressa em concluir umempreendimento não pode acarretar ainda mais prejuízos aomeio ambiente e à população direta e indiretamente atingidaalém daqueles que um empreendimento desta grandeza ocasiona.Assim, para a implantação de usinas do porte da Hidrelética Fozde Chapecó, é necessário um rigor redobrado na fiscalizaçãodos Estudos de Impacto Ambiental, com ampla divulgação doEIA/RIMA, em estrita obediência aos ditames do artigo 225 daConstituição Federal.

No caso concreto, é importante atentar para a informaçãocontida no estudo de impacto ambiental no sentido de que, nãoobstante o estado precário de conservação dos recursos naturaisda bacia do Rio Uruguai, a construção de grandes barragens nostrechos alto e baixo da bacia teve papel relevante nesseprocesso de degradação ambiental. Também consta informaçãode que atualmente a bacia do Rio Uruguai conta com sete usinasde grande porte, sendo duas delas (Salto Grande e Rio Negro) notrecho inferior e cinco no trecho superior (Passo Fundo, Ita,Machadinho, Barra Grande e Campos Novos), havendo previsãode construção de vinte novos empreendimentos, estando incluídonessa contagem a AHE Foz do Chapecó.

A existência de perspectiva de continuidade de construção devinte novos empreendimentos de barragem na bacia do RioUruguai, aliado ao evidente descompasso diuturnamenteevidenciado em relação à situação fática que norteia arecomposição ou neutralização dos danos causados, sãoelementos que indicam a necessidade de o poder judiciário,sempre que instado a se manifestar, ficar atento a todacomplexidade da questão envolvida, não podendo deixar deconsiderar, de forma sistemática, os efeitos dosempreendimentos sobre todo o ecossistema.

A propósito, vale salientar que o princípio do desenvolvimentosustentável ­ explícito na Declaração do Rio de Janeiro/92, foiacolhido no art. 225, caput, da CF/88, e dispõe que "o direito aodesenvolvimento deve ser exercido de forma tal que respondaequitativamente às necessidades ambientais e dedesenvolvimento das gerações presentes e futuras".

Os próprios tribunais superiores, em busca de soluções justas econstitucionalmente adequadas para as demandas ambientaisapresentadas, tem diuturnamente recorrido à aplicação deimportantes princípios do Direito Ambiental, dando umainterpretação mais integrativa e atual. Busca­se a proteção davida na sua integralidade, inserida no conjunto global dosinteresses e direitos das presentes e futuras gerações.

Vale a pena transcrever alguns dos princípios que ajurisprudência do STJ tem aplicado para fundamentar decisõesna área ambiental (cf. e­mail enviado em 31/05/2010, pelaSecretaria de Jurisprudência (SJUR), unidade integrante daVice­Presidência do TRF da 4ª Região):

Princípio da solidariedade:

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Princípio­base do moderno Direito Ambiental, pressupõe aampliação do conceito de "proteção da vida" como fundamentopara a constituição de novos direitos. Para tanto, impõe oreconhecimento de que a vida humana que se protege no textoconstitucional não é apenas a vida atual, nem é somente a vidahumana. Tudo está inserido no conjunto global dos interesses edireitos das gerações presentes e futuras de todas as espéciesvivas na Terra.

Princípio da precaução:

Preconiza que as ações positivas em favor do meio ambientedevem ser tomadas mesmo sem evidência científica absoluta deperigo de dano grave e irreversível. A precaução, assim, éanterior à própria manifestação do perigo, garantindo margemde segurança da linha de risco, em prol da sustentabilidade. Noscasos em que há conhecimento prévio das lesões quedeterminada atividade pode causar no ambiente, aplica­se outroprincípio: o da prevenção.

Princípio da responsabilidade:

Sua premissa básica é: quem causa dano ao meio ambiente devepor ele responder, ficando sujeito a sanções cíveis, penais ouadministrativas. É aplicado como corolário da gestãoantecipatória do risco ambiental, já que, sem possibilidade dereparação do dano, as ações de precaução e prevenção teriampouca ou nenhuma utilidade. A responsabilização supõe oreconhecimento de uma nova face da responsabilidade civil emmatéria ambiental: trata­se de reparar prevenindo.

Princípio do mínimo existencial ecológico:

Postula que, por trás da garantia constitucional do mínimoexistencial, subjaz a idéia de que a dignidade da pessoa humanaestá intrinsecamente relacionada à qualidade ambiental. Aoconferir dimensão ecológica ao núcleo normativo, assenta apremissa de que não existe patamar mínimo de bem­estar semrespeito ao direito fundamental do meio ambiente sadio.

Princípio da proibição do retrocesso ecológico:

Pressupõe que a salvaguarda do meio ambiente tem caráterirretroativo: não pode admitir o recuo para níveis de proteçãoinferiores aos anteriormente consagrados, a menos que ascircunstâncias de fato sejam significativamente alteradas. Essaargumentação busca estabelecer um piso mínimo de proteçãoambiental, para além do qual devem rumar as futuras medidasnormativas de tutela, impondo limites a impulsos revisionistas dalegislação.

Também é importante destacar que, diante desse novo cenárioambiental, exige­se a adoção de um modelo econômicocompatível com o desenvolvimento sustentável.

A partir de tal contexto, e ciente de que a interpretaçãosistemática dos princípios do direito ambiental afigura­sefundamental para a salvaguarda das bacias hidrográficas

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brasileiras e do ecossistema como um todo, sem deixar deconsiderar os aspectos legais que devem nortear olicenciamento ambiental discutido, passo à análise doprovimento de urgência contido na inicial.

[...]

Importante colacionar alguns conceitos normativos, ainda,pois relevantes e recorrentes na análise dos pontos controvertidos dademanda:

RESOLUÇÃO No 357, DE 17 DE MARÇO DE 2005, do ConselhoNacional do Meio Ambiente:

Art. 2º (...)

IV ­ ambiente lêntico: ambiente que se refere a agua parada, commovimento lento ou estagnado;

V ­ ambiente lótico: ambiente relativo a aguas continentais moventes;

XXV ­ monitoramento: medição ou verificação de parâmetros dequalidade e quantidade de água, que pode ser contínua ou periódica,utilizada para acompanhamento da condição e controle da qualidade docorpo de água;

XXXV ­ tributário (ou curso de água afluente): corpo de água que fluipara um rio maior ou para um lago ou reservatório;

XXXVI ­ vazão de referência: vazão do corpo hídrico utilizada comobase para o processo de gestão, tendo em vista o uso múltiplo daságuas e a necessária articulção das instâncias do Sistema Nacional deMeio Ambiente­SISNAMA e do Sistema Nacional de Gerenciamento deRecursos Hidricos­SINGRH;

Feita essa introdução, passo à análise dos pedidosformulados na inicial.

a) Construção do canal lateral como mecanismo detransposição da ictiofauna.

A decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos datutela ­ cuja suspensão foi levada a efeito pelas Suspensões de Liminar ede Sentença nºs 1.270 (2010/0127285­7) ­ SC e 1.271 (2010/0128315­6) ­SC pelo Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça ­ foi assimfundamentada no ponto (evento 21):

(6). Mecanismo de transposição da ictiofauna

O IBAMA, ao conceder Prorrogação da Licença de Instalação (LI) nº284/2004 (02.12.2006), apresentou a condicionante 2.43, que previa oseguinte:

2.43 Aperfeiçoar a análise do Impacto da Barragem sobre aIctiofauna, Equipamentos de Transposição e Rotas Migratóriasda Bacia do Rio Uruguai, visando definir o mecanismo

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alternativo para transposição de peixes que efetivamente seráimplementado para o empreendimento.

Em cumprimento a tal condicionante, em 05/03/2004, a AHE Foz doChapecó apresentou estudo técnico, através da empresa LimnobiosConsultoria em Ambientes Aquáticos, parecer denominado "Impactosda Barragem do AHE Foz do Chapecó sobre a Ictiofauna, RotasMigratórias de Peixes e Alternativas de Transposição: EstudosComplementares". Tais estudos concluíram que a construção de obrasde transposição na barragem AHE Foz do Chapecó não constituíaalternativa adequada para a conservação/preservação da ictiofaunamigratória do Rio Uruguai, apresentando proposta de implantação deuma estação de piscicultura para produção de alevinos pararepovoamento do reservatório.

Em 30/03/2009, conforme ofício 040/2009/COHID/CGENE/DILIC, oIBAMA aprovou o projeto apresentado pela Foz do Chapecó Energiaque prevê a medida alternativa de construção da Estação dePiscicultura, através da qual os peixes produzidos na estação serãosoltos a montante a jusante, de acordo com a necessidade. Entretanto,segundo o entendimento do Ministério Público Federal, como talmedida possui caráter repositório (compensatório) das populações,apenas restabelecendo os níveis numéricos de peixes, não é suficientepara mitigar ou reduzir os impactos ambientais causados peloempreendimento.

O primeiro ponto a ser destacado é a existência da Nota Técnica13/2009, expedida pelo IBAMA (evento 1, PROCADM 4 ­ fls. 2­3),dando conta de que "o simples peixamento do rio" em suas áreas deimpacto não é capaz de garantir a qualidade ambiental anterior a obra,deixando claro que a instalação da Estação de Piscicultura não garanteo atendimento da condicionante, devendo tal mecanismo sercontextualizado como um programa ambiental que venha mitigarefetivamente os impactos da construção da barragem da UHE Foz doChapecó nas ictiocenoses e sua reprodução, e garanta a continuidadedas atividades pesqueiras no reservatório e à jusante da barragem,além de mecanismo de controle de efluentes que preservem ascondições ambientais de qualidade de água no trecho a jusante.

Ademais, analisando os estudos de impacto (fls. 23 ­ evento 1,PROCADM 33), percebe­se que os estudos revelaram a existência devários impactos ambientais negativos causados pela construção doempreendimento, dentre eles a alteração do sistema fluvial, redução nadiversidade biológica dos ecossistemas aquáticos, alteração naestrutura da fauna aquática e comprometimento das rotas migratórias.

Especialmente em relação ao comprometimento das rotas migratórias(fl. 30), o estudo dispõe o seguinte:

O estabelecimento do empreendimento atuará como umabarreira ao continuum fluvial, transformando um sistema detransporte em um compartimento de armazenagem e originandoum novo fragmento ambiental na área em estudo. Os reflexosdesses processos sobre a composição qualitativa da ictiofauna édetalhada no impacto nº 7 ­ "Redução na diversidade biológicados ecossistemas aquáticos".

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Um impacto segundo, usualmente relacionado à fragmentação docanal principal e à criação de encraves lênticos, é ocomprometimento de rotas migratórias.

Tomando como base os dados reunidos no diagnóstico ambiental,observa­se que há um número expressivo de espéciesmigradoras dentro da composição das ictiocenoses locais. Taistáxons utilizam especialmente o canal principal como rotamigratória, possuindo, a jusante da barragem, o rio Chapecócomo rota secundária.

Tais táxons, assim como grande parte das espécies maisfortemente impactadas pela construção do empreendimentopodem sofrer uma menor influência do empreendimento, sehouver a manutenção de tributários que possam atuar como rotamigratória acessória quando do período reprodutivo.

É recomendada, portanto, a incorporação da rota secundária auma unidade de conservação e a adoção do PROGRAMA DEMONITORAMENTO DA ICTIOFAUNA que servirá comosubsídios para avaliações futuras de empreendimentos.

Dentro desse quadro, o impacto em questão pode serclassificado como negativo, irreversível, permanente e deimportância e magnitude intermediárias. Grifei.

Não obstante, ao fazer referência às ações específicas visando àcorreção ou compensação dos efeitos negativos, para a hipótese deredução da diversidade biológica dos ecossistemas aquáticos, os únicosprogramas recomendados pelo EIA foram o "monitoramentolimnológico e qualidade da Água, monitoramento Ictiofauna eimplantação de unidade de conservação e proteção da fauna e flora.Para a hipótese de comprometimento de rotas migratórias, o"monitoramento limniológico e qualidade da água e monitoramento daictiofauna" (evento 1, PROCADM 38, fl. 42).

O EIA definiu que o impacto em questão pode ser classificado comonegativo, irreversível, permanente e de importância e magnitudeintermediárias. Diante de tal constatação, surge o uso de medidascompensatórias como forma de reparação civil pelo dano causado. Talmedida atende a um dos princípios gerais do direito ambiental, oprincípio do poluidor­pagador, cuja definição, segundo Edis Milaré(Direito do Ambiente. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000), é aseguinte:

Assenta­se esse principio na vocação redistributiva do DireitoAmbiental e se inspira na teoria econômica de que os custossociais extremos que acompanham o processo produtivo (v.g. ocusto resultante dos danos ambientais) devem ser internalizados.

O princípio do poluidor­pagador tem por objetivo atribuir ao poluidor aresponsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente da formamais ampla possível, fazendo com que o ônus econômico não recaiasobre a coletividade, dirigindo­se ao utilizador dos recursosambientais.

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A medida compensatória está prevista no art. 3º da Lei nº 7.347/85, aopreceituar que a ação civil pública poderá ter por objeto ocumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, que inclui arecuperação específica, e a reparação por equivalente, nos demaiscasos.

Vale salientar que a compensação como instituto de proteção ambientalestá expressamente prevista na Convenção da Biodiversidade,subscrita em 1992, no Rio de Janeiro, e ratificada no Brasil peloDecreto Legislativo nº 2 de 03/02/1994.

Ao discorrer sobre as medidas compensatórias, Paulo Afonso LemeMachado (in Direito Ambiental Brasileiro, Ed. Malheiros, 6ª edição, p.152) leciona o seguinte:

a classificação da relevância dos impactos ambientais é doórgão licenciador. Aplicando­se os princípios fundamentais de'legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade', a queestá sujeita a administração pública direta, indireta efundacional (art. 37, caput, da CF), não é possível ao órgãolicenciador agir arbitrariamente. Para dispensar o dever decompensar os danos causados pela destruição de florestas eoutros ecossistemas, é preciso fundamentar exaustivamente.[...]. Na dúvida, com precaução, deve­se optar pela obrigaçãode compensar.

No caso dos autos, a medida alternativa aprovada pelo IBAMA atravésdo ofício 040/2009/COHID/CGENE/DILIC, de construção da Estaçãode Piscicultura, caracteriza, sem dúvida, um importante método derepovoamento de peixes na área impactada, constituindo compensaçãoadequada para o sétimo impacto indicado pelo EIA (redução dabiodiversidade de ecossistemas aquáticos). Contudo, pelo menos emnível de cognição sumária, remanesce dúvida deste juízo quanto à suaeficácia em relação ao problema do comprometimento das rotasmigratórias, pois, como se vê, tal sistema não produz nenhum efeito emrelação à principal causa do impacto, que é o barramento da rotamigratória. Inclusive, não consta dos autos nenhum documentoindicando que o órgão ambiental, antes de proceder à aprovação daEstação de Piscicultura, tenha aprofundado os estudos quanto àeficácia da estação de piscicultura em relação à mitigação dos danoscausados. Embora não seja razoável exigir do órgão ambiental querealize um estudo de impacto paralelo àquele apresentado peloempreendimento, é plenamente razoável exigir um rigor redobrado nafiscalização do Estudo de Impacto Ambiental, em estrita obediência aosditames do art. 225 da Constituição Federal.

As duas novas condicionantes 2.37 e 2.38, que exigem doempreendedor a apresentação de proposta de apoio ao programadesenvolvido pelo Centro de Piscicultura de São Carlos, e propostapara intensificar a produção de alevinos no programa derepovoamento, constituem apenas medidas de monitoramento, nãojustificando a omissão do órgão ambiental quanto à ausência de estudosaprofundados acerca da aprovação do projeto da estação depiscicultura. Sequer houve manifestação do IBAMA quanto à ressalvacontida no Parecer Técnico em relação ao sistema adotado quanto aoinconveniente de tal medida gerar "desconfiança por parte dasociedade acerca da efetividade de sua operação pelo empreendedor"(fl. 165 do Parecer Técnico).

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No balanceamento dos interesses em jogo, e com o objetivo de garantirum mínimo de proteção ambiental aos ecossistemas da regiãoimpactada pelos efeitos negativos oriundos da instalação da usina Fozdo Chapecó Energia, ainda que em nível de cognição sumária, impõe­se seja acolhida a pretensão do Ministério Público Federal quanto àapresentação de projeto complementar prevendo a construção de umcanal lateral ou canal de migração, que viabilize a manutenção da rotaantes utilizada pela ictiofauna do Rio Uruguai. Aliás, porque asconclusões expostas na inicial foram produzidas a partir de estudospromovidos por órgão público que tem a proteção ao meio ambientecomo uma missão institucional, entendo que essa circunstância justificaa credibilidade deste juízo quanto às conclusões apresentadas.

Esclareço, ainda, que a decisão ora externada não tem o condão deobrigar a construção do canal lateral de migração, nem mesmo afirmarsua melhor eficácia em relação ao projeto aprovado pelo IBAMA, mas,como medida de precaução, impor ao órgão empreendedor, antes doenchimento do reservatório, o aprofundamento dos estudos quanto àviabilidade de concretizar tal projeto na área impactada da usina, namedida em que tal opção, segundo argumentos dos técnicos doMinistério Público Federal, parece indicar a alternativa mais adequadaà mitigação dos danos, se comparada à medida alternativa derepovoamento aprovada pelo IBAMA. Esses estudos complementares,inclusive, deverão considerar, além da viabilidade concreta daimplantação, a experiência de implantação do canal lateral na usinaItaipu Binacional, cujos estudos indicaram que tal estratégia, quandoviável, apresenta os melhores resultados quanto à movimentação daictiofauna (fl. 25 da inicial). Também deve ser levada em consideração,tanto pelo órgão empreendedor como pelo IBAMA, a informação dostécnicos do MPF de que a construção do canal lateral de migraçãoresultará, também, no aumento da vazão entre o barramento e a casade força, diminuindo os impactos causados à jusante.

Anoto, por fim, que os estudos complementares que deverão serapresentados pelo órgão empreendedor deverão considerar não apenasa construção do canal lateral, mas também um sistema de transposiçãomisto no qual seja mantida, também, a implantação do projeto daestação de piscicultura já aprovado pelo IBAMA.

Analisando as provas produzidas nestes autos, conclui­se,não obstante, que a construção do canal lateral, pleiteado na inicial,não constitui a melhor medida a ser adotada no caso concreto.

A prova pericial concluiu que a construção do canal lateral,pelas características do local onde está instalado o empreendimento Fozdo Chapecó, não se revela uma alternativa viável no caso em comento.Respondendo a quesito formulado pelo Ministério PúblicoFederal, os peritos do juízo manifestaram­se, inicialmente, no sentido deque a construção do canal lateral seria uma alternativa de mitigação,porém sua eficácia deveria ser experimentada. Além disso, registrou quesua construção geraria novos impactos. Transcreve­se o quesito e suaresposta (evento 395, LAUDPERI1):

Quesito 27. A construção de um canal lateral é uma alternativa viávelpara mitigar a perda da rota migratória primária pelo barramento?Quais são as suas principais vantagens e desvantagens para o caso emcomento?

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Resposta: É uma alternativa de mitigação, porém, a eficiência deve serexperimentada, além disso, gera uma série de novos impactosambientais para sua construção que devem ser considerados. Asvantagens são o aumento e a manutenção da vazão no trecho de vazãoreduzida (TVR), propiciando condições para o equilíbrio doecossistema no local e a subida dos peixes migratórios. Comodesvantagem pode­se citar a intermitência da rota migratória, ou seja,os peixes sobem para a desova e dificilmente conseguem descer paraseu ambiente natural, devido à mudança na hidrodinâmica do rio (lótico­ lêntico). Também devem ser considerados os gastos com a instalaçãode uma estrutura que, não garante os resultados esperados para asobrevivência das espécies da ictiofauna regional.

As partes impugnaram a resposta ao referido quesito. A Fozdo Chapecó, por meio do seu assistente técnico, discordou parcialmente daresposta nos seguintes termos (evento 431, OUT2, p. 5):

Comentários: Discordo parcialmente do contido na resposta dosPeritos. Canal lateral não constitui alternativa viável para a mitigaçãopretendida e creio que, motivado pelo princípio de precaução(impactos negativos serão gerados), não deva sequer serexperimentada. Canais laterais, ou outras obras de transposição, éalternativa que deve ser objeto de experimento nas situações em que ostrechos a montante comporte habitats adequados para a desova edesenvolvimento inicial de peixes (Pompeu et al. 2012), o que não é ocaso da barragem da UHE Foz do Chapecó. Como os próprios peritosalertam, as passagens para peixes são essencialmente unidirecionais epoderão subtrair elevadas proporções de indivíduos dos trechos ajusante (onde ainda podem reproduzir e contribuir para a manutençãodas populações) para o trecho a montante (onde as condições derecrutamento são inadequadas).

Posteriormente, diante de quesitos de esclarecimentosformulados, os peritos foram enfáticos em afirmar que "a construção decanal lateral não é alternativa mitigadora neste empreendimento" e "nãogarante a rota migratória da ictiofauna, assim como a sustentabilidade dafauna aquática". In verbis, extrai­se do laudo pericial complementar(evento 446, PET1, p. 75):

Quesitos de esclarecimento

40) Considerando a existência de uma cascata de reservatóriosa montante da UHE Foz do Chapecó, a implantação de um canallateral permitirá que os peixes que por ele passarem encontremambientes adequados para desova e desenvolvimento inicial depeixes? Favor responder tecnicamente, analisando osargumentos acima.

R. Como respondido no quesito, à (sic) construção do canallateral não garante a rota migratória da ictiofauna, assim comoa sustentabilidade da fauna aquatica, bem como, novosimpactos ambientais serão gerados na construção da obra.

41) A construção de um canal lateral retirará peixes queatualmente ficam a jusante (abaixo) da barragem, onde podem sereproduzir e contribuir para a manutenção das populações,

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levando­os para o trecho de montante (reservatório), onde ascondições de recrutamento são inadequadas? Favor respondertecnicamente, analisando os argumentos acima.

R. Como afirmado, a construção de canal lateral não éalternativa mitigadora neste empreendimento, portanto estequestionado é irrelevante.

42) A implantação de canal lateral causará impactos ambientaise sociais, uma vez que demandará aquisição de terras, retiradade famílias, escavações etc.? Favor responder tecnicamente,analisando os argumentos acima.

R. Conforme resposta dos quesitos complementares 40 e 41.

Em outro quesito de esclarecimento formulado pela ré Fozdo Chapecó Energia, a perícia informou que existe risco de o canal lateraltornar­se uma armadilha ecológica para os peixes. Vejamos (evento 446,PET1, p. 93):

Quesito de esclarecimento

45) Existe o risco de o canal lateral tornar­se uma armadilhaecológica, retirando os peixes do trecho de jusante, onde podemse reproduzir, levando­os para o trecho de montante, onde nãoencontraram as condições necessárias para essa finalidade?

R. Sim.

Do laudo pericial, vale destacar, ainda, as respostas amanifestações do IBAMA sobre o primeiro laudo pericial (evento 446,PET1, p. 75 e 90­92)

Manifestação IBAMA: Na resposta aos quesitos 27, 28 e 31,explicar se consideraram o fato de que a montante da UHE Fozdo Chapecó inexistem áreas de alimentação e desenvolvimentode juvenis, o que impede a criação de um sistema detransposição de peixes, pois criaria uma armadilha ecológica;

R. Sim, foi considerado. É importante ainda citar que osestudos sobre a reprodução entre as UHE de Itá e foz doChapecó não são conclusivos. Ainda muito há para se conhecera respeito da reprodução ictiofaunística na região.

[...]

Manifestação IBAMA: Na resposta ao quesito complementar 1da Foz do Chapecó Energia, devem os peritos informar em quefundamentaram suas conclusões, tendo em vista que osassistentes técnicos do IBAMA apontam que a transposição depeixes, no caso da UHE Foz do Chapecó, implicaria umaarmadilha ecológica, já que não há, a montante, condições paraabrigar o ciclo evolutivo dos peixes, cujos ovos provavelmentenão chegariam sequer ao estágio larval;

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R. Os estudos são apenas preliminares e ainda não conclusivos.Estudos, referente ao comportamento reprodutivo da ictiofaunano Rio Uruguai, como se refere à literatura "Biology,Fisheries and Conservation Status", não estão disponíveis.Conforme segue:

Among the migratory fish, three species are consideredcommercially important in this upper reach: the piava (L.obtusidens), the curimbatá (P. lineatus) and the dourado (S.maxillosus). However, information on reproduction of themigratory fish in this region is not available.

Como citado anteriormente, é também compreensão de que atransposição pode implicar em armadilha ecológica.

[...]

Manifestação IBAMA: No tocante ao quesito complementar 2,devem os peritos responder à questão proposta, manifestando­seacerca do impacto esperado de uma eventual transposição sobreas populações que ficarem a jusante da barragem, considerandoque o deslocamento seria somente de jusante a montante, nãohavendo um efetivo recrutamento de juvenis para a reprodução ajusante;

R. Essa também é a compreensão dos peritos sobre essaquestão. Entende­se que a solução para esse caso é a adoção daalternativa da não construção do empreendimento. Atransposição das populações originais do Rio Uruguai, atravésde qualquer técnica, não é sustentável. (sublinhei)

Na mesma toada, destacou o IBAMA, em manifestaçãoquanto ao laudo pericial complementar final (evento 631, Anexo2, fl. 2/3):

No entendimento dos técnicos do IBAMA, a instalação de um sistemade transposição de peixes no barramento da UHE Foz do Chapecó sótraria danos à ictiofauna da bacia. Grave seria permitir a implantaçãode um sistema de transposição de peixes em uma bacia cujoparticionamento de quedas propicie a formação de armadilhaecológica, isto é, trecho de rio desprovido de todas as áreasnecessárias para o desenvolvimento de todas as fases do cicloontogenético da ictiofauna.

As conclusões do laudo pericial e do IBAMA não destoamdos estudos realizados pelas empresas contratadas pela Foz do ChapecóEnergia, as quais analisaram a viabilidade da construção de ummecanismo de transposição no empreendimento.

Como mencionado na decisão que antecipou os efeitos datutela, em atendimento à condicionante 2.43 da Prorrogação da Licença deInstalação (LI) nº 284/2004 (02.12.2006), o AHE Foz do Chapecóapresentou estudo técnico, em 05/03/2004, realizado pela empresaLimnobios Consultoria em Ambientes Aquáticos, que apresentou parecerdenominado 'Impactos da Barragem do AHE Foz do Chapecó sobre aIctiofauna, Rotas Migratórias de Peixes e Alternativas de Transposição:Estudos Complementares' (evento 1, PROCADM6), tendo concluído que a

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construção de obras de transposição na barragem AHE Foz do Chapecónão constituía alternativa adequada para a conservação/preservação daictiofauna migratória do Rio Uruguai. Entendeu­se que haveria medidasmitigadoras e compensatórias mais adequadas, como a implantação deEstação de Piscicultura, o Sistema de Transposição Misto de Captura eTransporte, o Convênio para doação de alevinos, o Programa deMonitoramento da Ictiofauna, o Programa de Apoio aos Pescadores,dentre outras medidas.

Referido estudo reavaliou as informações contidas emparecer anterior acerca da ictiofauna do Alto Rio Uruguai e da viabilidadetécnica da construção de mecanismo de transposição de peixes nabarragem da AHE Foz do Chapecó à luz de novas informações obtidas emamostragens realizadas na área e em estudos conduzidos em passagens depeixes já construídas em diferentes pontos do país. Dentre estes, levou emconsideração o funcionamento das escadas de peixes das barragens dosRios Tocantins (Lajeado ­ UHE Luiz Eduardo Magalhães e PeixeAngical), Paraná (Porto Primavera ­ UHE Engenheiro Sergio Motta),Paranapanema (Canoas I e Canoas II), do canal lateral de transposição dabarragem de Itaipu, do elevador da barragem de Porto Primavera (UHEEngenheiro Sérgio Motta), além de informações sobre mecanismos mistosde transposição, como o da barragem de Santa Clara, no Rio Mucuri, baciaLeste.

No caso da Foz do Chapecó, os estudos indicaram, em suma,que, em razão da existência de barragens a montante (Itá, no Rio Uruguai,e Monjolinho, no Rio Passo Fundo ­ tributário do Rio Uruguai), daausência de locais de desova, de reprodução, de alimentação e dedesenvolvimento de juvenis na área do reservatório, da dificuldade deretorno das espécies migratórias a jusante, bem como em razãoda existência do Rio Chapecó, a 6 km a jusante da UHE Foz do Chapecó,apto a servir de rota alternativa para desova e reprodução, a construção docanal lateral não é viável no caso concreto.

O parecer 'Impactos da Barragem do AHE Foz do Chapecósobre a Ictiofauna, Rotas Migratórias de Peixes e Alternativas deTransposição: Estudos Complementares', antes mencionado, revelou que otrecho a jusante da barragem de Itá não era utilizado para reprodução, porexemplo, do dourado (Salminus brasiliensis), uma das espécies de peixesencontrados nesse trecho do Rio Uruguai. Extrai­se do estudo (evento 1,PROCADM17, p. 8):

Machado (2003) demonstrou que o período reprodutivo dodourado ocorre na primavera­verão e que a maioria (75%) dosindivíduos capturados a jusante da barragem de Itá, na regiãoaonde os peixes se acumulam, encontravam­se em maturação,ou seja, ainda não estavam aptos a se reproduzir naquele local.Já os peixes analisados acima da barragem de Itá, estavam sereproduzindo.

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Mais adiante, na avaliação da conveniência de transposiçãona AHE Foz do Chapecó, salientou­se que os deslocamentos realizadospelas espécies migratórias acima do eixo da então futura barragem da Fozdo Chapecó não tinham motivação reprodutiva, e que a construção de ummecanismo de transposição poderia gerar uma armadilha ecológica(evento 1, PROCADM 29, pp. 8­10):

Os dados obtidos pelo LAPAD/UFSC demonstram, por outrolado, que os deslocamentos realizados pelas espéciesmigradoras acima do eixo da futura barragem de Chapecó nãotêm motivação reprodutiva. Os estudos sobre a distribuição deovos e larvas de peixes entre a barragem de Itá e o eixo dabarragem de Foz do Chapecó, realizados durante vários anospor esse grupo de pesquisadores, conforme apresentado,mostram que as espécies migradoras não utilizam essa regiãocomo área de reprodução. Considerando as informaçõesexistentes, parece correto supor que a existência de umaestrutura de transposição que possibilite o livre trânsito depeixes migradores desde jusante para os trechos de montante dabarragem de Foz do Chapecó em nada auxilia a conservaçãodessas espécies.

Nesse contexto, se considerado que esse deslocamento não temmotivações reprodutivas e o fato dos movimentos através demecanismos de transposição serem essencialmenteunidirecionais, sugerem que a transposição não controlada podeter efeito de uma armadilha ecológica (atração de indivíduos dehabitas adequados para outros de pior qualidade com efeitosnegativos sobre o "fitness"), com impactos negativos numaescala regional. Assim, passaria a aprisionar populações depeixes migradores a montante da barragem, sem possibilidadede se reproduzirem. Merece destaque o fato deste mesmoproblema já ter sido observado em alguns outrosempreendimentos hidrelétricos brasileiros, conforme relatadoneste trabalho.

Há que considerar ainda que as atuais condições hidrológicasdevam ser grandemente alteradas com a implantação doreservatório de Foz do Chapecó. A grande maioria dasalterações provocadas pela construção de reservatórios ocorreno sentido de reduzir as áreas de desova e criação dos peixesmigradores, não de ampliá­las. Dessa forma, a inexistência deáreas de desova de peixes migradores no trecho a ser inundadopelo reservatório, permite supor que não haverá áreas dereprodução destas espécies no trecho situado acima dabarragem de Foz do Chapecó. Essa indicação permite sugerirque a implantação de uma estrutura de transposição nesteempreendimento não trará benefícios, apenas pode ser mais umafonte de impacto sobre as populações de peixes migradoresdaquela região. (sublinhei)

O estudo destacou, outrossim, a existência do RioChapecó, a jusante da barragem, como alternativa para a migraçãoreprodutiva, e salientou que a implantação de um mecanismo detransposição junto à barragem do AHE Foz do Chapecó não alteraria aschances de manutenção dos estoques atuais de peixes migradores na

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região do Alto Uruguai, e ainda poderia afetar negativamente os estoquesdas espécies reconhecidas como grandes migradoras de jusante (a exemplode dourados, piavas e grumatãs) (evento 1, PROCADM29, pp. 8­13):

Imediatamente abaixo do eixo da futura barragem de Foz doChapecó, como mencionado, ocorre a desembocadura de um dosmais importantes tributários do alto rio Uruguai, podendo serutilizado como rota alternativa para a migração reprodutiva.Estudos de marcação­recaptura realizados junto à barragem dePorto Primavera, antes da implantação de mecanismos detransposição, revelam, de maneira inequívoca, que os peixes emmigração reprodutiva, quando são interceptados por barragempodem retornar e tomar um tributário alternativo (Antonio et al.,2007). No presente caso, isso não deverá ocorrer, exceto emcondições excepcionais de chuvas e elevação extraordinária dovertedouro. Entretanto, como mencionado, uma vazão elevadado rio Chapecó poderá ser competitiva com a do canal de fuga eatrair os peixes migradores para esse rio, onde parecem estardesovando atualmente.

Destaca­se, entretanto, que o papel da bacia do rio Chapecódeverá, sob qualquer cenário, ser reduzido, com impacto notamanho das populações dessas espécies.

Pelo acima exposto, a implantação de um mecanismo detransposição junto à barragem do AHE Foz do Chapecó nãodeverá alterar as chances de manutenção dos estoques atuais depeixes migradores na região do alto Uruguai.

[...]

Para as espécies reconhecidas como grandes migradoras (ex.:dourados, piavas e grumatãs), esporádicas nas capturas na áreade influência do futuro reservatório, a transposição não deveráter reflexos positivos a montante e certamente afetaránegativamente os estoques de jusante.

Ingressos seletivos que assegurem a heterogenidade genética dealgumas destas populações no segmento a montante da barragemdeverão, entretanto, ser consideradas, caso haja possibilidadesde completarem seu ciclo de vida no próprio trecho.

[...]

Considerações gerais

[...]

Assim, considerando que (i) mecanismos de transposição depeixes são essencialmente unidirecionais; (ii) a implantaçãodesses junto à barragem poderia ser ineficiente dada a baixaatratividade na alça de vazão reduzida; (iii) o recrutamento viaderiva de ovos e larvas seriam dificultados pelo caráter maislêntico das áreas internas do reservatório, impedindo orecrutamento de novos indivíduos aos segmentos populacionais ajusante; (iv) a já demonstrada seletividade das escadas, emgeral, favorecendo a subida de espécies que não necessitam

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subir, sugere­se, no próximo tópico, algumas medidas commaior significado na conservação das espécies em escalaregional.

O parecer apontou, também, a similaridade das espéciescapturadas nos Rios Chapecó e Uruguai, demonstrando a viabilidade deutilização daquele tributário pela ictiofauna (evento 1, PROCADM16, p.20):

O grau de similaridade das espécies capturadas no rio Chapecóe no rio Uruguai, nas proximidades do empreendimento,expresso pelo índice de Similaridade Proporcional (variação deO a 100), foi de 75%. Este valor é considerado elevado e revelaa existência de fluxo de indivíduos entre esses dois ambientes.

Vale salientar o alerta levado a efeito no parecer no sentidode que a transposição de peixes deve ser realizada com base em dadosconsistentes sobre o sistema, assim como deve ser adequadamentemonitorada, sob pena de possíveis impactos negativos (evento 1,PROCADM16, p. 1):

Entretanto, caso as áreas críticas remanescentes na bacia amontante sejam suficientemente extensas, a implementação deobras de transposição pode se constituir numa estratégia bemsucedida para assegurar a variabilidade genética das populaçõese sua viabilidade, podendo seus estoques ocupar, inclusive oterço superior da área alagada.

É fundamental, por outro lado, enfatizar que a transposição depeixes deve ser feita com base em dados consistentes sobre osistema e ser adequadamente monitorada, visto que qualquermanipulação biológica, inclusive a transposição, pode terimpactos negativos, por vezes dramáticos, sobre a biotaaquática.

Assim, a intensidade na transposição deve ser controlada, sendosua efetividade para a conservação dos estratos populacionais amontante e a jusante avaliada. Massivas transposições de peixesmigradores para os segmentos a montante podem resultar emtrágico equívoco quando as condições para a procriação dessasespécies são favoráveis a jusante e desfavoráveis ou restritivasa montante. (sublinhei)

A conclusão do parecer se inclinou, por conseguinte, nosentido de não recomendar a construção de mecanismos de transposiçãona AHE Foz do Chapecó (evento 1, PROCADM29, p. 14):

Conclusão e Recomendações

A equipe de consultores, ampliada em relação ao documentoanterior, mantém a mesma conclusão daquele documento, vistoque os estudos realizados posteriormente apenas comprovaramas evidências apresentadas naquela ocasião. Assim, mesmoreconhecendo a necessidade de detalhamento dos estudos járealizado na bacia, em especial no trecho superior, incluindo abacia de Passo Fundo­Erechim, não recomenda a instalação de

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mecanismos de transposição na barragem da AHE Foz doChapecó, visto que esse empreendimento pode agravar osimpactos esperados com a construção dessa hidrelétrica.

No mesmo sentido, o parecer técnico denominado"Considerações sobre a viabilidade e adequação de um canal semi­natural(canal lateral) na barragem da AHE Foz do Chapecó para a conservaçãoda ictiofauna", datado de julho/2010, realizado por Limnobios ­Consultoria em Ambientes Aquáticos (evento 18, OUT21), tambémconcluiu que, não obstante os canais possam ser considerados os maisfavoráveis ambientalmente, o cenário encontrado no empreendimento Fozdo Chapecó indica a potencialidade de a construção do canal lateralpromover novos impactos no caso em análise. In verbis:

Questão: A construção de um canal artificial é uma alternativaviável? Essa alternativa foi indicada como adequada peloparecer elaborado pelos técnicos contratados pela FCE?

Entre os mecanismos de transposição, os canais semi­naturaisou laterais podem ser considerados os ambientalmente maisamigáveis, tanto por sua menor seletividade, como pelo menorestresse que impõem na passagem de peixes. Entretanto, comoqualquer outro mecanismo, os canais semi­naturais só seriamrecursos válidos se os migradores transpostos pudessem disporde locais adequados para completar seu ciclo de vida amontante. No cenário atual dos trechos livres de rios amontante, consideravelmente piorado em relação àquele vigentequando o Parecer complementar anterior foi elaborado. Naquelaocasião ainda era possível contar com um trecho livre amontante de quase 100 quilômetros na bacia do rio Passo Fundo­Erechim, atualmente obstruído pelo reservatório da UHEMonjolinho.

Os remanescentes fluviais, livres de represamentos, a montante,são bastante restritos e insuficientes para suportar populaçõesauto­sustentáveis de espécies migradoras. Assim, após aformação do reservatório da AHE Foz do Chapecó restará livreapenas (i) o trecho do rio Uruguai compreendido entre oremanso desse reservatório e a barragem da UHE Ita, curto(cerca de 10km) e sujeito a regulação de vazão decorrente daoperação desse último; (ii) curto trecho do rio Irani, cujo terçoinferior conta com barragens e obstáculos naturais; (iii) rioPasso Fundo­Erechim atualmente interrompido pela jámencionada barragem da UHE Monjolinho, com quase 80m dealtura, fechada em setembro de 2009. Os demais tributários dotrecho são curtos e, certamente, pouco relevantes para orecrutamento de peixes migradores de longa distância.

No quadro atual a instalação de um canal semi­natural temgrande potencial de promover impactos adicionais sobre osestoques de peixes a jusante, pois transporia reprodutores comchances de reproduzir nos trechos inferiores para o segmento amontante, onde essas chances são virtualmente nulas. A reduzidaprobabilidade de retorno desses peixes ou de seus ovos e larvaspara os trechos inferiores, como demonstrado em todos osmecanismos em que essa avaliação foi feita, transformaqualquer dispositivo de transposição em armadilha ecológica

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(ver Pelicice & Agostinho, 2008). Peixes migradores têmpreferência por águas correntes e tendem a se acumular nostrechos altos do reservatório e segmento fluvial a montante,evitando se deslocar pelas águas mais lacustres do reservatóriopróximas à barragem (Agostinho et al., 2007a, b, c).

[...]

entendemos que um mecanismo de transposição só seriaexeqüível se as espécies transpostas pudessem completar seuciclo de vida a montante, que lamentavelmente não é o caso dosegmento a montante do reservatório da AHE Foz do Chapecó.No caso em pauta, a referência era o reservatório de Itaipu,com um trecho livre de planície alagável no rio Paraná de 230km, a montante, com a afluência de pelo menos quatro grandesrios ainda não represados (Ivinheima, Iguatemi, Ivaí e Piquiri).

[...]

Ressalta­se que mesmo para o canal semi­natural de Itaipu foialertado para o fato de ele permitir introduções massivas depeixes não nativos no trecho superior (inclusive espécies depiranhas), anteriormente isolado pelos Saltos de Sete Quedas.

Conclusão: Não creio que um canal semi­natural (ou artificial)seja uma solução aplicável ao caso do reservatório da AHE deFoz do Chapecó. O princípio da precaução indica que cuidadosdevem ser tomados com a implantação de qualquer mecanismode transposição, dado que há indicações plausíveis de impactosadicionais, especialmente em caso de transposições massivas.Ressalta­se que, no caso do Canal de Piracema de Itaipu, otrecho do rio Paraná a montante comporta um trecho grande devárzea e afluentes de grande porte e livres de barragens quepermite aos peixes transpostos a complementação de seu ciclode vida.

O assistente técnico da ré Foz do Chapecó, Régis Canton,Engenheiro de Aquicultura, destaca ponto que reputo relevante no tocanteaos usos da água no trecho de vazão reduzida (TVR), qual seja, o de que oTVR

"era formado por muitas corredeiras (salvo a região da barca) aolongo do seu curso, razão pela qual a pesca em grande parte dele jáera proibida antes da implantação da barragem, fato que pode sercomprovado ao compararmos as imagens de satélite do trecho devazão reduzida datadas de 20/01/2006 (anterior à construção da usina)e de 27/12/2010 (após o enchimento do reservatório). Comparando­as,podemos afirmar que as áreas de corredeiras antes e após oenchimento do reservatório são as mesmas. Logo, a atividadepesqueira não sofreu alterações" (evento 431, OUTROS6, p. 7).

A respeito do assunto, também é esclarecedor o ofício (Ref.:CE­FCE­0518/09­CO) enviado pela Foz do Chapecó Energia aoMinistério Público Federal em 31/08/2009, informando que sua ideiainicial era a construção de uma escada para peixes, no entanto, em face

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dos estudos realizados, optou­se pela não construção de obra detransposição por não constituir medida viável no caso concreto (evento 1,PROCADM2, p. 9):

1) Ao conceder a Licença Prévia n° 147/2002 para oempreendimento, o IBAMA inscreveu a condicionante 2.13, queestabeleceu "Prever mecanismos de transposição para aictiofauna, a ser submetido à aprovação do IBAMA".

Ao interpretar a condicionante, a FCE imaginou inicialmenteconstruir uma "escada de peixes" como solução imediata para oatendimento do requisito. Entretanto, visando adquirir maiorconhecimento sobre o assunto, contratou especialistas paraavaliar a eficácia da solução que então se imaginava ser a maisadequada. Desta iniciativa resultou o documento intituladoANÁLISE DO IMPACTO DA BARRAGEM SOBRE AICTIOFAUNA, EQUIPAMENTOS DE TRANSPOSIÇÃO EROTAS MIGRATÓRIAS DA BACIA DO RIO URUGUAI,elaborado pela LIMNOBIOS ­ Consultoria em AmbientesAquáticos (Consultores Ângelo Antônio Agostinho e EvoyZaniboni Filho), protocolado no IBAMA em 02/12/03 (protocoloDLQA n° 20100.010376/03­41) anexo ao ofício 8683/CE­CEFC­0193/03­CO. Em síntese, ao contrário do que a FCE entãosupunha, aquele estudo concluiu que a construção de obras detransposição na barragem do AHE Foz do Chapecó não seconstituía em uma alternativa adequada paraconservação/preservação da ictiofauna migratória do rioUruguai, como base nas seguintes justificativas:

"A transposição de peixes é justificável apenas como maneira depermitir o fluxo gênico de populações de espécies migratóriasisoladas pelo barramento, sob condições controladas de fluxounidirecional e quando o trecho a montante comporta áreas dedesova, de desenvolvimento inicial e de alimentação. Numcenário que inclui o reservatório da UHE Monjolinho, o trecho amontante da barragem não contará com áreas livres relevantespara reprodução e desenvolvimento inicial de espéciesmigratórias. Neste caso a construção de mecanismo detransposição retiraria do trecho inferior indivíduos que poderiamprocriar nestas áreas, transpondo­os para áreas onde não teriama oportunidade de fazê­lo. Na ausência da obra da UHEMonjolinho a transposição também não seria recomendável,dada a dificuldade de controle na ascensão dos peixes, o caráteressencialmente unidirecional destas migrações e a escassez deáreas de desova e criadouros naturais a montante".

"Para espécies reconhecidas como grandes migradoras(dourados, piavas e curimbatá) a transposição não deverá terreflexos positivos a montante, e certamente afetaránegativamente os estoques a jusante. Ressalta­se que o ingressomassivo de indivíduos a montante não implicará em benefíciospara estas espécies, visto que, tendo capacidade de reproduçãoa montante, sua abundância será regulada pela capacidade desuporte do novo ambiente, através de sua influência sobre astaxas de natalidade e mortalidade".

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2) Posteriormente, ao emitir a Licença de Instalação n°284/2004, o IBAMA estabeleceu a condicionante 2.36:"Aperfeiçoar a análise do Impacto da Barragem sobre alctiofauna, Equipamentos de Transposição e Rotas Migratóriasda Bacia do Rio Uruguai, visando definir o mecanismoalternativo para transposição de peixes que efetivamente seráimplementado para o empreendimento, e apresentar no prazo de180 dias". Posteriormente, na Prorrogação da Licença deInstalação, esta mesma condicionante foi repetida, sob n° 2.43.

Em função disto, a FCE solicitou novo estudo, cujo relatório foidenominado IMPACTOS DA BARRAGEM DO AHE FOZ DOCHAPECÓ SOBRE A ICTIOFAUNA, ROTAS MIGRATÓRIASDE PEIXES E ALTERNATIVAS DE TRANSPOSIÇÃO:ESTUDOS COMPLEMENTARES, elaborado também pelaLIMNOBIOS ­ Consultoria em Ambientes Aquáticos e que foiencaminhado ao IBAMA através da correspondência CE­CEFC­0086/07­CO (protocolo IBAMAGEREX/SC n° 02026.000924­07,de 05/03/07).

A equipe de consultores envolvida na elaboração deste ParecerTécnico, ampliada em relação ao documento anterior, manteve amesma conclusão daquele documento, pois os estudos realizadosposteriormente apenas comprovaram as evidências apresentadasna primeira ocasião. Assim, continuou não recomendando ainstalação de mecanismos de transposição tipo escada de peixesna barragem do AHE Foz do Chapecó, visto que esse dispositivopoderia agravar os impactos esperados com a construção dessahidrelétrica.

Vale salientar, quanto à utilização do Rio Chapecó comorota para migração da ictiofauna, que o RELATÓRIO PROGRAMA 11Monitoramento do Ictioplâncton e Projeto Rotas Migratórias no períodopós­enchimento (agosto de 2010 até janeiro de 2012), realizado peloInstituto GOIO­EN, em fevereiro de 2012, revelou que após o fechamentodas comportas da barragem os peixes migraram para o leito do RioChapecó, completando seu ciclo (evento 431, OUT21, p. 1):

1. MONITORAMENTO DO ICTIOPLÂNCTON

1.6 Considerações Finais

[...]

Diante do exposto e em face dos resultados obtidos anteriores eposteriores ao fechamento da UHE Foz do Chapecó entendemosque o rio Chapecó, tendo em vista os dados de ovos e larvasobtidos junto a foz do rio saudades e foz do rio Chapecó, tem setornado rota de migração reprodutiva das espécies migradorasde peixes do rio Uruguai e havendo melhora na condição dequalidade de água do mesmo, os peixes migram da região dovertedouro da UHE Foz do Chapecó para o leito do rio Chapecócompletando o ciclo reprodutivo. (sublinhei)

De outro norte, o Laudo Técnico de MONITORAMENTODA PRODUTIVIDADE PESQUEIRA MENSAL ­ RIO URUGUAI ­Instituto GOIO­EN ­ janeiro/2012, indica que não ocorreram diferenças na

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estatística pesqueira na região nos doze meses posteriores ao fechamentodas comportas (evento 431, OUT20, p. 1):

2 ­ RESULTADOS

A Produtividade Pesqueira Mensal ­ 12 campanhas anteriores aofechamento do empreendimento apresentaram índices de capturade 7,97 kg/mês no ponto ULH e 16,79 kg/mês no ponto UP. Paraum período de 12 campanhas com mesma metodologia no espaçotemporal compreendido como após o fechamento se obteve 11,06kg/mês para o ponto ULH e 13,41 kg/mês para o ponto UP.

Para um período de avaliação idêntico ­ ProdutividadePesqueira Mensal ­ antes e após o fechamento os resultadosapontam para uma igualdade na estatística de captura ­ soma UPmais ULH anterior ao fechamento 24,76 kg/mês. Soma UP maisULH após o fechamento 24,47 kg/mês. É importante reiterar queos pontos de coleta analisados, podem ser considerados comuma fisiografia plástica, mudando suas configurações a cadaépoca do ano, a cada mês ou mesmo a cada chuva emdetrimento as rotas de migração para reprodução, alimentação,contudo, para o trecho em avaliação a biomassa de capturapermaneceu igual.

Os resultados apresentados denotam a condição conclusiva quepara um período de 12 meses antes e após o fechamento nãoocorreram diferenças na estatística pesqueira da região, hajavista a permanência da ocorrência de captura de peixes noslocais permitidos, ou seja, ULH e UP. (sublinhei)

Referidos resultados, aliados às demais provas produzidas,evidenciam que o impacto da barragem sobre a ictiofauna não passoudespercebido do IBAMA, sendo, ao contrário, verdadeira preocupaçãoda autarquia ambiental.

Reforçando essa constatação, vale citar, ainda, o Parecer nº32/2010 (COHID/CGENE/DILIC/IBAMA), em que o IBAMAmanifestou­se sobre os mecanismos de transposição de peixes (evento 1,PROCADM4, p. 12):

2.1. Mecanismo de Transposição de Peixes

Os Mecanismos de Transposição de Peixes (MIPs) e os Sistemas deTransposição de Peixes (STPs) vêm sendo implantados emempreendimentos que efetuam barramentos hidráulicos de drenagensnaturais a fim de mitigar impactos sobre deslocamentos reprodutivosda ictiofauna. Tais mecanismos e sistemas são embasados em estudosde deslocamentos reprodutivo de Salmoniformes neárticos. peixes combiologia bastante diversa das ictiocenoses neotropicais.

No Brasil, os peixes que realizam deslocamentos reprodutivos de longadistância pertencem exclusivamente das ordens Characiformes eSiluriformes. Para essas ordens, tem­se verificado que diversos MIPse STPs atuam de forma extremamente seletiva, além de funcionaremcomo armadilhas ecológicas. Nestes casos, os peixes além de sofreremuma diminuição do fitness decorrente do esforço de ascensão, sofrem

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maior pressão de predação decorrente do acúmulo de predadores naentrada, saída ou mesmo no percurso do STP ou MTP, e sãotranspostos para um ambiente no qual não conseguirão se reproduzir.

Outro ponto importante é que as espécies migradoras normalmentedesovam na calha dos rios e seus ovos dependem da turbulência aliexistente para sua oxigenação. Em reservatórios com fluxo lêntico osovos, ligeiramente mais densos que a água, sedimentam e morrem poranóxia, além de submeterem­se a taxas mais elevadas de predação porpredadores visualmente orientados em decorrência da maiortransparência da água.

Na área de influência da UHE Foz do Chapecó foram realizadosestudos sobre a biologia reprodutiva de Salminus brasiliensis, uma dasespécies de peixes migradores mais emblemáticas da ictiofauna dasregiões Sul e Sudeste. Os estudos apontaram que essa espécie sedesloca através do trecho de rio no qual será formado o reservatórioda UHE Foz do Chapecó até o barramento da UME Itá sem, noentanto, realizar desovas. Em contrapartida, S. brasiliensis conseguecompletar seu ciclo reprodutivo no trecho do rio Chapecó que seestende da sua foz até o barramento da UHE Quebra­Queixo.

[...]

Uma vez que foi detectada a desova de Salminus brasiliensis logo ajusante da UHE Quebra­Queixo, torna­se importante a manutençãodesse trecho de bacia livre de barramentos.

Atualmente, o rio Chapecó encontra­se livre desde a sua foz até a UHEQuebra­Queixo. Porém, segundo o Sistema de InformaçõesGeoreferenciadas do Sistema Elétrico ­ SIGEL. existem pelo menosmais um barramento inventariado e mais quatro com estudos deviabilidade para esse trecho do rio Chapecó. Caso tais barramentosnão forem construídos, haverá cerca de 230km de rio livre, somando­se os trechos dos rios Chapecó e Uruguai, condição bastante próximada indicada com ótima por Agostinho (comunicação pessoal), de250km. Esse cenário considera a construção da UHE (Itapiranga, ajusante da UHE Foz do Chapecó). (sublinhei)

Ainda quanto aos mecanismos de transposição de peixes,destacam­se as vantagens e desvantagens (evento1, PROCADM29, fl. 04):

A maior vantagem do sistema misto elevador­caminhão consiste, noentanto, em sua versatilidade com relação ao local de liberação dosindivíduos transpostos. É argumentado que em rios com barramentosem cascata, esse sistema permite que os peixes sejam liberadosdiretamente no mais superior da série, evitando uma seletividadecumulativa entre os reservatórios, visto que nenhum sistema detransposição é totalmente eficiente. Esse sistema é também apropriadopara os casos de reservatórios cuja barragem esteja distante do canalde fuga e essas duas estruturas sejam separadas por um trecho devazão reduzida. Adicionalmente, destaca­se a maior facilidade nocontrole do número de indivíduos transpostos, a seleção de espéciesalvo e as facilidades da aplicação de técnicas de monitoramento(marcação­recaptura, por exemplo).

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Como desvantagens do sistema misto em relação às escadas destacam­se (1) o custo de operação mais elevado por demandar maior númerode operadores e manutenção; e (2) a desconfiança por parte dasociedade e dos órgão ambientais acerca da efetividade de suaoperação pelo empreendedor. Como um ponto negativo adicional,destaca­se o mesmo registrado para outros mecanismos, ou seja, oretorno dos indivíduos transpostos ou de sua prole. Entretanto, apossibilidade de transposições controladas pode prescindir desseretorno.

Já no parecer nº 63/2010 COHID/CGENE/DILIC/IBAMA,que objetivou avaliar a solicitação para a concessão da Licença deOperação para a Usina Hidrelétrica ­ UHE Foz do Chapecó, foramapresentadas as justificativas para a não construção de um mecanismo detransposição no local. Sobre a condicionante 2.43 da Prorrogação daLicença de Instalação nº 284/2004, mencionou (evento 431, OUT60):

2.43 Aperfeiçoar a análise do Impacto da Barragem sobre a Ictiofauna,Equipamentos de Transposição e Rotas Migratórias da Bacia do RioUruguai, visando definir o mecanismo alternativo para transposição depeixes que efetivamente será implementado para o empreendimento.

Condicionante atendida. De acordo com o Ofício CE­FCE­0056­09­CO, a FCE, ao interpretar a condicionante 2.13 da Licença Prévia n°147/2002 que requisitava a previsão de mecanismos para atransposição da ictiofauna, aventou primeiramente a construção deuma "escada de peixes", como forma imediata de atendimento àcondicionante. Contudo, a FCE contratou especialistas para avaliar aeficácia da proposta, entendendo ainda que a mesma fosse a maisadequada. Em decorrência dessa análise, concluiu­se que a construçãode um mecanismo de transposição de peixes não constituía uma medidaapropriada para a conservação e preservação da ictiofauna migratóriado rio Uruguai. Tal conclusão foi justificada principalmente pelasafirmações reproduzidas a seguir:

∙ A transposição de peixes é justificável somente como maneirade permitir o fluxo gênico de populações de espécies migratóriasisoladas pelo barramento, sob condições controladas de fluxounidirecional e quando o trecho a montante comporta áreas dedesova, de desenvolvimento inicial e de alimentação. Numcenário que inclua o reservatório de Monjolinho (UHEMonjolinho, empreendimento licenciado pela Fepam (LO n°2282/2009­DL) em operação no rio Passo Fundo, entre osmunicípios de Faxinalzinho e Nonoai), o trecho a montante dabarragem não contará com áreas livres relevantes para areprodução e desenvolvimento inicial de espécies migratórias.Nesse caso a construção de mecanismo de transposição retirariado trecho inferior indivíduos que poderiam procriar nessasáreas, transpondo­os para áreas onde não teriam a oportunidadede fazê­lo. Na ausência da obra de Monjolinho a transposiçãotambém não seria recomendável, dado a dificuldade de controlena ascensão dos peixes, o caráter essencialmente unidirecionaldessas migrações e a escassez de áreas de desova e criadourosnaturais a montante.

∙ Para as espécies reconhecidas como grandes migradoras(dourados, piavas e curimbatá) a transposição não deverá terreflexos positivos a montante e certamente afetará

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negativamente os estoques a jusante. Ressalta­se que o ingressomassivo de indivíduos a montante não implicará em benefíciopara estas espécies, visto que, tendo capacidade de reproduçãoa montante, sua abundância será regulada pela capacidade desuporte do novo ambiente, através de sua influência sobre astaxas de natalidade e mortalidade.

Na ocasião da concessão da Licença de Instalação o Ibama requisitou,na forma da condicionante 2.36, o aperfeiçoamento da análise doimpacto do barramento sobre a ictiofauna, mecanismos de transposiçãoe rotas migratórias a fim de definir a alternativa a ser utilizada noempreendimento ora em instalação. A mesma condicionante, doravanterenumerada 2.43, foi repetida na Renovação da Licença de Instalação.Dessa forma, foi realizado novo estudo que ratificou as conclusões doestudo anterior recomendando o peixamento do rio para a manutençãodos estoques pesqueiros. Surge assim o projeto de implantação de umanova estação de piscicultura pela FUNDESTE, que já era responsávelpelos programas relacionados à ictiofauna e pesca da FCE. Ressalta­seque a FUNDESTE já era mantenedora da Estação de Piscicultura deSão Carlos (EPISCar), cuja eficácia vinha sendo comprometida pelainsuficiência de água em para seu funcionamento. Para a viabilizaçãodo projeto a FCE se comprometeu a destinar a quantia para suprir osprimeiros 5 anos de operação bem como destinar à FUNDESTE umaárea de 16 hectares logo a jusante do barramento da UHE Foz doChapecó para a implantação da estação. Ainda, a FCE, em contatocom a então Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca ­ SEAP, atualMinistério da Pesca e Aqüicultura, obteve em nome da FUNDESTErecursos para a implantação das estruturas físicas da nova estação depiscicultura. O ofício CE­FCE­0056/09­CO protocolado em 05 defevereiro de 2009 encaminhou ao Ibama o projeto da nova estação depiscicultura.

A Nota Técnica n° 13/2009 ­ COHID/CGENE/ DILIC/IBAMA de 18 demarço de 2009, concluiu pela viabilidade da implantação da novaestação de piscicultura como mecanismo alternativo à transposição depeixes, porém foram elencadas as seguintes condições para a futuraemissão de Licença de Operação do empreendimento:

∙ O Consórcio FCE Energia deve apresentar, antes da Licençade Operação, um Plano Ambiental, que identifique osparâmetros ambientais e o público que será atendido, comobjetivos e metas, e os indicadores de resultado de um sistemade monitoramento, de maneira a avaliar/ proceder correçõescaso necessário, ao longo do período de concessão doempreendimento, de maneira a manter a ictiofauna e seu nívelde pescamento.

Mediante ofício CE­FCE­0668/09­CO protocolado em 23/11/2009foram apresentadas as licenças ambientais da nova estação depiscicultura, emitidas pela Fundação do Meio Ambiente ­ FATMA/SC, asaber: Licença Ambiental Prévia (LAP n° 621/2008); e a LicençaAmbiental de Instalação (LAI n° 0185/2009). Ainda, em atendimento àssolicitações anteriores, o Ibama recebeu o Ofício CE­FCE­0677/09­CO que encaminhava o "Programa de Apoio aos Pescadores" que,juntamente com outros programas, como o de "Qualidade da Água" e"Produtividade Pesqueira e Qualidade do Pescado", prevê açõesobjetivando a manutenção dos estoques pesqueiros e seus atuais níveisde pescamento.

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Importante destacar outro trecho do Parecer nº 63/2010, noqual o IBAMA analisa a condicionante nº 2.35 da Licença de Instalação,que trata da interação do empreendimento Foz do Chapecó com as demaishidrelétricas já implantadas na bacia, e que evidencia a preocupação doórgão ambiental acerca da migração reprodutiva da ictiofauna (evento431, OUT60):

2.35 Atualizar, no prazo de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, aanálise da interação do empreendimento com os já implantados nabacia, com a nova base em dados referentes à qualidade da água efontes poluidoras que influenciarão no reservatório;

Condicionante atendida. Por meio do Ofício CE­FCE­0475/07­CO,protocolo n° 15.201, de 03/12/2007, a FCE informou que com base noTermo de Compromisso (TC) firmado entre o Ibama, a EnergéticaBarra Grande S.A. (BAESA), o Ministério de Minas e Energia (MME),o Ministério de Meio Ambiente (MMA), a Advocacia Geral da União(AGU) e Ministério Público Federal (MPF), coube ao MME aresponsabilidade de elaborar um estudo que contemplasse a AvaliaçãoAmbiental Integrada (AAI) dos Aproveitamentos Hidrelétricos da BaciaHidrográfica do rio Uruguai, com o objetivo de equacionar o impasseque se estabeleceu, e criar condições para que o processo de tomadade decisão sobre a implantação dos empreendimentos previstos fossefortalecido com o aporte da avaliação dos potenciais efeitoscumulativos e sinérgicos associados.

Informou ainda que no âmbito do MME, a Empresa de PesquisaEnergética (EPE) ficou com a atribuição de elaborar os estudosnecessários ao desenvolvimento dos planos de expansão de geração etransmissão de energia elétrica no curto, médio e longo prazo (Lei n°10.847/2004). Ainda por meio do ofício CE­FCE­0475/07­CO, a FCEencaminhou a este instituto a Avaliação Ambiental Integrada (AAI)concluída pela EPE.

A equipe técnica desse Instituto considera importante mencionar nessemomento do presente Parecer que os impactos sinérgicos dosempreendimentos já instalados na bacia sobre a migração reprodutivada ictiofauna devem ser observados. No que tange esse assunto, deve­se observar que o rio Uruguai é formado pela confluência dos riosCanoas e Pelotas, recebendo ainda contribuição de diversos outrostributários importantes, como o rio Inhanduva, rio do Peixe, rioChapecó, rio Fortaleza etc. Nesse cenário encontram­se instaladosdiversos empreendimentos hidrelétricos, dentre UHEs, PCHs e CGHs.Tais empreendimentos já ocasionaram uma alteração bastante intensada paisagem natural da bacia do rio Uruguai, onde existem diversasespécies da ictiofauna que realizam grandes deslocamentos à épocareprodutiva (migração reprodutiva ou piracema). Tais espécies,principalmente das ordens Characiformes e Siluriformes, realizamdeslocamentos reprodutivos na estação das cheias, em águasturbulentas e turvas. Os peixes desovam normalmente na calha dosrios de onde retornam para suas área de alimentação a jusante. Osovos e, posteriormente, larvas são carreados pelo escoamento dos riosde montante para jusante. Após um curto período de desenvolvimentoinicial, as larvas adentram as áreas marginais alagadas ondepermanecem confinadas por um ou mais ciclos hidrológicos. Duranteenchentes subsequentes, esses peixes, já juvenis ou jovens adultos, sãorecrutados para os estoques dos rios. Sendo assim, a manutenção detrechos de rio livres de barramentos ou de trechos lênticos é de suma

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importância para a manutenção dessas espécies. Agostinho, A (com.pessoal) recomenda que esses trechos tenham, no mínimo, 250 km parapermitir a migração e reprodução da ictiofauna. Nesse cenário, umexame rápido da malha hidrográfica e dos empreendimentoshidrelétricos já instalados na bacia do rio Uruguai revela que amontante de onde se prevê o AHE Itapiranga já não se encontrammuitos trechos livres com essa dimensão. Dessa forma, o trecho do rioChapecó que se estende desde a sua foz com o rio Uruguai até a UHEQuebra Queixo destaca­se como possível rota para essas espécies.Ressalta­se ainda que as usinas previstas para esse trecho do rioChapecó ainda não foram implementadas, encontrando­se em fase deinventário, viabilidade ou concessão. De forma a gestionar junto aosórgãos competentes, como CNPE, ANEEL, FATMA etc, a fim de sepermitir a manutenção das populações das espécies de peixesmigradores, recomenda­se que sejam suspensos todos os processos deinventário, concessão de aproveitamento e licenciamento ambiental dehidrelétricas, PCHs e CGHs na sub­bacia do rio Chapecó a jusante daUHE Quebra Queixo. (sublinhei)

Nota­se que diante dos diversos empreendimentos jáinstalados na bacia do Rio Uruguai, bem como da constatação arespeito da inviabilidade da construção de um mecanismo de transposiçãona Foz do Chapecó e visando minimizar os impactos sobre as rotasmigratórias, o IBAMA recomendou a suspensão dos processos referentesa novos empreendimentos que pudessem causar impactos adicionais àictiofauna, evidenciando a preocupação do órgão ambiental com aminimização dos danos causados.

Ainda sobre a viabilidade da construção de um canal lateral,cumpre pontuar, quanto à referência feita na inicial desta ação àexperiência do canal da piracema realizado na Usina Hidrelétrica deItaipu, que a instrução probatória revelou não representar aquelaexperiência parâmetro válido de comparação com a Usina Foz do ChapecóEnergia, em face das diferentes características da área onde localizado oempreendimento, especialmente a montante.

No caso da Usina de Itaipu, conforme referido no parecertécnico denominado "Considerações sobre a viabilidade e adequação deum canal semi­natural (canal lateral) na barragem da AHE Foz doChapecó para a conservação da ictiofauna" (evento 18, OUT21), há "umtrecho livre de planície alagável no rio Paraná de 230 km, a montante,com a afluência de pelo menos quatro grandes rios ainda não represados(Ivinheima, Iguatemi, Ivaí e Piquiri)". Já no caso da Foz do ChapecóEnergia, "após a formação do reservatório da AHE Foz do Chapecórestará livre apenas (i) o trecho do rio Uruguai compreendido entre oremanso desse reservatório e a barragem da UHE Ita, curto (cerca de10km) e sujeito a regulação de vazão decorrente da operação desseúltimo; (ii) curto trecho do rio Irani, cujo terço inferior conta combarragens e obstáculos naturais; (iii) rio Passo Fundo­Erechimatualmente interrompido pela já mencionada barragem da UHEMonjolinho, com quase 80m de altura, fechada em setembro de 2009. Osdemais tributários do trecho são curtos e, certamente, pouco relevantespara o recrutamento de peixes migradores de longa distância".

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A testemunha arrolada pelo Ministério Público Federal,Domingo Rodriguez Fernandez, que trabalha com monitoramento emanejo pesqueiro, transposição de peixes, sistema de canais detransposição, e que há 25 anos trabalha na Usina de Itaipu, deixou claroque cada reservatório representa um ecossistema diferenciado, sendonecessário analisar as características de cada empreendimento. Referiu serfavorável à transposição, porém, utiliza­se esse instrumento quando se temárea de berçário, de modo que, quando esta não existe, a sobrevivência serevela quase nula. Afirmou a testemunha que embora não conheça a Usinade Foz do Chapecó, verificou, em análise à geografia local no"Google", que existem reservatórios próximos, acima e abaixo do lago.Salientou que o lago de Itaipu 'não é totalmente lago', pois 25 km sãobasicamente rio, outros 30 km são intermediários, e aproximadamente 100km são lago. Além disso, destacou que Itaipu é livre de reservatóriosabaixo. Afirmou que, diante das características do Rio Uruguai na alturada usina Foz do Chapecó, talvez não seja interessante realizar atransposição por canal, mas fazer a transposição para caminhão e levarpara pontos determinados. Explicou que há quatro tipos de transposição:eclusas, elevadores, escadas (pela lateral e por baixo) e canal detransposição. Afirmou que quando há uma sequência de reservatórios, arecomendação das universidades e pesquisadores da área é atrair o peixepor um sistema de atração e captura, levar artificialmente para o caminhãoaté o reservatório, o que, segundo afirma, é "menos pior", uma vez que aomenos se mantém uma diversidade genética (evento 34, AUDIOMP32, daCarta Precatória 5003648­74.2012.404.7002).

Há que se destacar, ademais, segundo o testigo acimareferido, que o canal lateral da Usina de Itaipu foi construído cerca devinte anos após a edificação do empreendimento. Assim, mister sedestaque a necessidade de constante e ininterrupto acompanhamento dosimpactos ambientais gerados por empreendimentos desta natureza, demodo que é de se notar que muito embora no atual estado da técnica nãose vislumbre como eficaz a construção de canal lateral na Usina FCE nosmoldes nos quais atualmente tais canais se constroem, não se pode ignorara possibilidade de que, com o passar do tempo, se incrementem aspossibilidades de mitigação dos impactos ambientais e se vislumbre, nofuturo, a viabilidade desta modalidade de transposição (ou de outra,evidentemente).

No concernente ao tema em discussão, demais disso,instransponível a necessidade de se ponderar as nuances do princípio daprecaução, para cuja compreensão requer­se análise transdisciplinar, umavez que, segundo refere Bessa Antunes,

"Diversas áreas do conhecimento humano estão diretamenteenvolvidas nas questões ambientais e, por consequência, nalegislação ambiental. Em muitos casos, as situações que se apresentamsão aquelas que estão na fronteira da investigação científica e, em vistadisso, nem sempre a ciência pode oferecer ao Direito uma certezaquanto a determinadas medidas que devam ser tomadas para evitaresta ou aquela consequência danosa ao meio ambiente. Aquilo que hojeé visto como inócuo, amanhã poderá ser considerado extremamente

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perigoso e vice­versa. A dificuldade, óbvia, que é posta diante de todosé a de saber quais os limites entre o avanço do conhecimento e airresponsabilidade pura e simples. Para tal, não existe outro recursosenão aquele que se materializa na experimentação e na pesquisacontinuada, executada dentro dos protocolos reconhecidosinternacionalmente como seguros e sérios". (ANTUNES, Paulo deBessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 9. ed. p.32).

Não obstante já se estar na via de conclusão no sentido daimpropriedade da edificação de canal lateral no caso concreto, énecessário destacar, em contraponto, que a testemunha Gelso Lemes deCampos, subtenente da Polícia Militar de SantaCatarina, manifestou entendimento de que o canal lateral seria aalternativa mais viável para o caso concreto. No entanto, afirmou terestudado os mecanismos de transposição apenas em abstrato, embibliografia, tendo concluído pela viabilidade do canal lateral, por haverfuncionado em outros locais (evento 619). Ocorre que, como verificado inconcreto, tal mecanismo não se mostra viável no caso em questão.

Afora o exposto, destaca­se que, conforme informaçõestrazidas aos autos pelo assistente técnico da Foz do Chapecó Energia, háno Brasil sistemas de transposição de peixes que foram construídos eposteriormente desativados em face dos impactos negativos sobre aictiofauna, situação que não pode ser ignorada por este juízo (evento 431,OUT2, p. 12):

Quesito 6. Há, no Brasil, sistemas de transposição de peixes que foramconstruídos e que atualmente estão fechados por evidências deimpactos negativos sobre a ictiofauna de jusante?

Resposta: Não se encontrou informações sobre tal situação.

Comentários: Dada a dificuldade na obtenção de dados pelos peritos,esclareço que três sistemas de transposição de peixes foram fechadospor gerarem impactos negativos sobre a ictiofauna de jusante, sendodois deles no rio Paranapanema (UHEs Canoas I e Canoas II) e um norio Tocantins (UHE Lajeado). Destaca­se que esses sistemas detransposição estão entre os mais estudados do país. Ressalta­se que osdois primeiros foram desativados em definitivo e o ultimo paraavaliação. Nesse ponto cabe destacar que o cenário vigente noreservatório do rio Foz do Chapecó é similar ao de Canoas I.Informações sobre a desativação desses sistemas de transposição depeixes bem como sobre as razões disso podem ser obtidas na Internet(ex: http://www.andira.pr.gov.br/v2/noticias/detalhes.asp?id=761; http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=54165). Já o histórico de sua construção e as pressões envolvidaspara que ela acontecesse pode ser lida nos sites do Ministério PublicoFederal de Ourinhos e de Tocantins. (sublinhei)

Também alertando sobre os possíveis impactos negativosque podem ser causados por mecanismos de transposição, a seguintereportagem publicada na Folha de São Paulo, em 10/02/2008, informou(evento 68, OUT5):

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Em um estudo publicado on­line no mês passado na revista científica"Conservation Biology", ele e seu colega Ângelo Antonio Agostinhoanalisam casos de escadas instaladas na usina de Porto Primavera, norio Paraná, e do complexo de hidrelétricas do rio Paranapanema.Concluíram que os dispositivos nos dois rios causaram impactos tãograndes à fauna que deveriam ser desativadas "imediatamente".

No caso das usinas de Canoas 1 e 2, no Paranapanema, operadas pelaDuke Energy, as escadas causaram um colapso na pesca a jusante (rioabaixo) dos reservatórios. No primeiro ano de operação das escadas,em 2001, conta Pelicice, "a quantidade de peixes que subiu foienorme". No segundo ano, no entanto, a piracema colapsou ­ sinal deque os peixes que subiram não desceram depois.

[...]

As razões pelas quais os peixes não voltam são várias. Mas, em geralelas são uma combinação da biologia dos peixes tropicais e doambiente alterado pelas construção das usinas hidrelétricas.

[...]

No ano passado, cientistas de vários países reuniram pela primeira vezdados sobre a eficácia das escadas em várias barragens da América doSul. O resultado saiu na forma de uma série de estudos numa ediçãoespecial da revista "Neotropical Ichthyology" (www.ufrgs.br/ni). Elessão unânimes em recomendar parcimônia na adoção do mecanismo.

Em Lajeado, o impacto negativo da escada foi tão grande que o Ibamadeterminou seu fechamento. "Uma escada com subida indiscriminadanão é boa em nenhuma situação", diz Agostinho. "Uma subidacontrolada ainda pode ajudar a manter a variabilidade genética doscardumes a montante.

Mas, se há ambientes propícios à reprodução a jusante e ambientespiores a montante, não há razão para a transposição."

O problema, afirma Pelicice, é convencer as autoridades e asempresas disso. "A lei determina que você tem de adotar medidas demitigação, e o pessoal [empresas] acha mais fácil construir asescadas." (sublinhei)

Nessa toada, outra observação que se reputa pertinenteconsiste naquilo que se pode denominar de dano reverso, ou seja, danocausado por mecanismo que originalmente é criado para observar oprincípio da precaução, mas que, na realidade, finda por causar outra sortede danos, embora se estivesse buscando evitá­los ("dano causado pormecanismo criado para prevenir dano"). A questão é por demais delicada,uma vez que, a pretexto de evitar danos ambientais, finda­se por causá­los.

De fato, é preciso enfrentar o tema sob a ótica da análise doprejuízo potencial. Afinal, o princípio da precaução não pode ser utilizadode modo a servir de supedâneo a condutas inconsequentes, que, sob oencalço de mitigar dano, acabe por potencializá­lo. É preciso abrir o

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ângulo de visão e encarar a precaução de modo a se contemplar apossibilidade seja de construção, seja de não construção de mecanismo demitigação.

É possível, pois, que o próprio mecanismo mitigador causeimpacto negativo, a tal ponto que acabe se sobrepondo aos propaladosbenefícios. Toda obra causa impacto. E o canal lateral representa novaobra, de quilômetros de extensão, diga­se.

Diante de todo o exposto, atentando para o fato de que apretensão da presente demanda tem por norte minimizar os danosambientais causados pela construção da usina, representariaatitude temerária a determinação da construção de um sistema detransposição que pudesse causar ainda mais danos ao meio ambiente, sejaà ictiofauna em si, seja os decorrentes da própria construção do canallateral. Tal situação não pode ser ignorada, especialmente quando, tal qualno caso concreto, não existam indicativos de que a obra trará benefícios,podendo, ao contrário, gerar danos ainda maiores. Deve­se aplicar, aocaso, sim, o princípio da precaução, mas para o efeito de nãodeterminar a construção do canal lateral, já que há indicativostécnicos de que ele trará mais prejuízos ao meio ambiente, especialmente àictiofauna, por possivelmente representar armadilha ecológica.

Vale salientar que a análise levada a efeito na presentedemanda não tem o condão de afirmar que as medidas adotadas paramitigação ou compensação à ictiofauna foram ou são suficientes aoempreendimento analisado, mas de constatar que os estudos realizadosindicam que a construção do canal lateral não se revela alternativaindicada para o caso concreto, seja porque há fortes indicativos de que nãotrará benefícios consideráveis à ictiofauna ­ podendo, ao contrário, trazerainda maiores prejuízos ­, seja porque sua construção, certamente, trarádanos ambientais adicionais.

Nessa linha de raciocínio, muito embora as medidasadotadas possam não são suficientes para garantir a qualidade ambientalanterior à obra, mitigar ou reduzir os impactos ambientais causados peloempreendimento, a instrução probatória comprovou que a solução não estána construção do canal lateral, conforme requerido pelo autor. De outrolado, e por evidente, não se pode descartar a possibilidade de outrasmedidas capazes de mitigar os danos à ictiofauna.

Como mencionado pela testemunha arrolada pelo MinistérioPúblico Federal, Domingo Rodriguez Fernandez (evento 34, da CartaPrecatória 5003648­74.2012.404.7002), uma das possibilidades aserem aventadas é a viabilização de um consórcio de todas as usinaspróximas, já construídas ou em fase de planejamento ou construção (Itá,Itapiranga, Monjolinho, entre outras) para, aí sim, se verificar apossibilidade de um sistema de transposição eficiente e muito maisabrangente.

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No entanto, esse não é o objeto da presente demanda, enestes autos resta claro que a construção do sistema de transposição ­canal lateral ­ não constitui a melhor solução para o caso concreto.

Note­se que as medidas mitigadoras e compensatórias eleitascomo adequadas no processo de licenciamento ambiental e aprovadas peloIBAMA foram as seguintes: a) construção de estação de pscicultura; b)implantação de sistema de captura e transporte; c) termo de cooperaçãocom o IBAMA para doação de alevinos; d) programa de monitoramentoda ictiofauna.

Tais medidas precisam ser observadas e constantamentefiscalizadas, seja pela autarquia ambiental, seja pelo Ministério Público,seja por toda a sociedade civil, tendo em vista que, de acordo com o art.225, caput, da Constituição Federal, "TODOS têm direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo eessencial à sadia qualidade de vida, impondo­se ao Poder Público e àcoletividade o dever de defendê­lo e preservá­ lo para as presentes efuturas gerações".

Mister que se destaque, portanto, que, além do direito aomeio ambiente ecologicamente equilibrado, a Carta Maior impõe o deverde que, também todos, o defendam e preservem. Há, portanto, um devergeral de cooperação.

Nessa senda, não é possível conferir trânsito ao argumentode desconfiança em relação à opção de adoção do sistema de transposiçãopor captura e transporte, haja vista a dinamicidade ínsita de que se revestequalquer medida mitigatória ambiental. Ainda que se instalasse canallateral, também este exigiria constante monitoramento, a fim de que seaferisse a sua eficácia, v.g..

Nessa esteira, também merece destaque o inciso V do §1º doart 225 da CF, o qual consagra o princípio do controle do poluidor peloPoder Público. Inicialmente, tal comando constitucional é levado a efeitopor meio do licenciamento ambiental. Uma vez licenciado oempreendimento, tal controle deve ser realizado por meio de auditoriasambientais, por exemplo, de modo a se verificar o cumprimento dascondicionantes estabelecidas no licenciamento, assim como a suasuficiência de acordo com as características específicas doempreendimento, e assim sucessivamente ao longo de todo o período deoperação.

Por fim, revela­se importante destacar que a dinamicidadedos temas abordados nesta demanda não permite cogitar de coisa julgadaem relação à implantação de canal lateral. Explico.

Primeiramente, não há como ignorar a especificidade doregime de coisa julgada em demandas coletivas, normatizado pelo Códigode Defesa do Consumidor e aplicável em matéria ambiental por força do

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art. 21 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), o qual consagra umsistema de "vasos comunicantes" normativo:

Art. 21. Aplicam­se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivose individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei queinstituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Incluído Lei nº 8.078,de 1990)

Também não se olvida que o direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado constitui direito difuso, de terceira dimensão,de modo que a ele se aplica o art. 103, inciso I, da Lei n. 8.078/90, inverbis:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença farácoisa julgada:

I ­ erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente porinsuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderáintentar outra ação, com idêntico fundamento valendo­se de novaprova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

Nessa esteira, em caso de procedência de demanda coletiva,a coisa julgada é erga omnes, e, do mesmo modo, quando julgadaimprocedente com provas suficientes. Contudo, em caso de improcedênciapor falta de provas, "qualquer legitimado poderá intentar outra ação comidêntico fundamento valendo­se de nova prova". Além disso, o §1º domencionado art. 103 prevê que os efeitos da coisa julgada previstos nosseus incisos I e II "não prejudicarão interesses individuais dos integrantesda coletividade, do grupo, categoria ou classe". Isso significa que emborase forme coisa julgada material, esta somente impede nova propositura deação coletiva, e não de ações individuais.

No caso em tela, verifica­se que, de acordo com o atualestado da técnica, não se mostra eficaz a construção de canal lateral comomecanismo de transposição. Não obstante isso, não pode ser descartada apossibilidade de que, nos anos vindouros, venha a sedesenvolver modalidade viável de canal lateral no empreendimento emquestão. Portanto, entende­se que não se haverá de cogitar de coisajulgada quanto ao tema, mesmo porque eventual judicialização futuracertamente representaria novo pedido e causa de pedir.

De qualquer maneira, ainda que assim não fosse, não semostra demasiado salientar que

"não há formação de coisa julgada contra a Constituição, se esta é abase de todo o ordenamento jurídico, e, portanto, é a fonte de validadeda própria coisa julgada. Fazer valer a coisa julgada contra a CartaMagna seria negar a supmacia da fonte jurídica de nosso país. Assim, ofato de a Constituição assegurar o direito a um meio ambienteecologicamente equilibrado e sermos favorável ao entendimento de quea coisa julgada merece ser relativizada a qualquer tempo desde quedecisões violem normas constitucionais. Concluímos que as decisõesambientais transitadas em julgado que não mais assegurem um meioambiente ecologicamente equilibrado merecem ser relativizadas".

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ZANDONA, Thiago da Costa Monteiro. A relativização da coisajulgada no Direito Ambiental. Disponível em:< http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/17609­17610­1­PB.htm >.Acesso em: 03 mar. 2015.

b) Aumento da vazão remanescente do Rio Uruguai ajusante do barramento até a casa de força

Quanto ao trecho de vazão reduzida, a decisão que deferiu opedido de antecipação dos efeitos da tutela ­ cuja suspensão foi levada aefeito pelas Suspensões de Liminar e de Sentença nºs 1.270(2010/0127285­7) ­ SC e 1.271 (2010/0128315­6) ­ SC pelo MinistroPresidente do Superior Tribunal de Justiça ­ foi assim fundamentada(evento 21):

(5). Trecho de vazão reduzida (TVR)

Outra questão levantada pelo Ministério Público Federal diz respeito àinsuficiência de estudos pelo EIA­RIMA, bem como pelo órgãoambiental, quanto à vazão remanescente no trecho entre à jusante dobarramento até a casa de força.

As considerações realizadas pelo EIA, para fins de definição da vazãoremanescente, foram as seguintes:

[...]

A vazão máxima do rio Uruguai foi de 11.213 m³/s (julho/83) e amínima de 94 m³/s (janeiro/45), sendo a vazão mínima médiaanual de 281,4 m³/s. Assim, a vazão projetada para a alça de riocompreendida entre a barragem e a casa de força, observada narazão de 80% da vazão mínima média mensal, será de 72 m³/s. Éesperado que a regulação de vazão nesse trecho seja o principalimpacto a jusante, com reduzidas possibilidades de serminimizado com mecanismos de transposição na barragem.

O rio Chapecó, o mais importante e com maior diversidadeentre os tributários do rio Uruguai a jusante da futura barragem,tem vazão média de 230 m³/s e sua foz está localizada a 6,5 Kmabaixo da barragem. Esse rio tem seu curso tambéminterceptado por barragem (Quebra­Queixo), contando,entretanto, com um tributário (Chapecozinho), para o qual osdados demonstram importância na reprodução das espéciesmigratórias. A posição da foz do Rio Chapecó, na metadesuperior da alça de baixa vazão é, entretanto, crítica a ascensãodos cardumes em migração reprodutiva, mesmo considerando ofato dos movimentos migratórios reprodutivos ocorreremprincipalmente durante o período de chuvas. Assim, os cardumespoderão se concentrar nas imediações do canal de fuga da usina,localizado cerca de 12 Km abaixo. No entanto, o incrementoesperado da vazão do rio Chapecó durante o período de chuvaspoderá minimizar este problema, facultando a subida de peixespor esse tributário [...].

Analisando a documentação juntada aos autos, percebe­se que oIBAMA, ainda na esfera administrativa, através do Parecer 21/2010, semanifestou sobre o Parecer Técnico da Assessoria Pericial do MPF/SC

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nº 73/2009 (evento 1, PROCADM 4, fls. 12­ 9). Nesse documento, oórgão ambiental reconheceu que a metodologia que utiliza apenasdados meramente hidrológicos/estatísticos não é adequada à definiçãoda vazão remanescente à jusante de barramentos, havendo necessidadede complementação com "métodos que consideram os demais usosmúltiplos da água, inclusive a manutenção do ecossistema aquático" ­fl. 15.

Em relação ao histórico do processo de autorização da vazão mínimada AHE Foz do Chapecó, o órgão ambiental justificou o seguinte:

[...] No âmbito do Estudo de Impacto Ambiental ­ EIA foiprevista a vazão remanescente mínima de 72m3/s no TVR. OIbama por meio do Parecer n° 128/2002­CGLIC/D11.1Q/IBAMAanalisou documentos complementares ao EIA e recomendou oprosseguimento no processo de licenciamento ambiental,sugerindo condicionantes ambientais que viriam compor alicença Prévia n°147/2002. Nessa licença não são encontradoscondicionantes relacionados à discussão da vazão remanescenteno TVR, o que remete que, para a vazão prevista no EIA foiatestada a viabilidade ambiental.

Posteriormente, na fase de licenciamento de instalação, pormeio dos Pareceres n° 148 e 149/2004­COLIC/COLIC/DILIQ/IBAMA a questão da vazãoremanescente, apesar de não estar diretamente relacionada, foiobjeto de análise no âmbito do cumprimento da condicionanteespecifica 2.1 da IP 147/2002. A análise concluiu pelanecessidade de realização de nova modelagem matemática dequalidade da água para inferir a compatibilidade da qualidadefutura da água (modelos preditivos) e os usos praticados naqueletrecho.

No Parecer 148/2004 na análise da modelagem hidráulica doTVR foi identificado que apesar de o PRA haver apresentado talmodelagem, a mesma apresentou imprecisões que demandariauma nova modelagem com o intuito de confirmar a manutençãodas atividades socioeconômicas desenvolvidas nesse trecho.Esse Parecer apresentar uma série de condições a seremenvidadas pelo empreendedor ao longo da instalação doempreendimento. Na Licença de Instalação n° 284/2004 foramprevistas duas condicionantes relacionadas às vazõesremanescentes no TVR, quais sejam:

2.24 Apresentar, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, novamodelagem para o trecho de vazões reduzida com númeroamostral suficiente para caracterizar precisamente a qualidadeda água da região e demonstrar que os resultados atendam aoplanejamento do manejo do ambiente aquático para abalneabilidade e os usos já existentes e que permita areprodução adequada dos valores observados na seção decoleta.

2.28 Apresentar nova modelagem para o trecho de vazãoreduzida com refinamento da calibragem para simulações docenário após a alteração no regime de águas, em toda suaextensão até o barramento e a casa de força (Balneário de IlhaRedonda Palmitos), e apresentar para apreciação do IBAMA noprazo de 120 (cento e vinte) dias, respeitando as recomendações

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descritas no PROJETO BÁSICO DE ENGENHARIA DASESTRUTURAS NECESSÁRIAS À MITIGAÇÃO DO IMPACTOAMBIENIAL NO TRECHO DE JUSANTE ENTRE ABARRAGEM A CASA DE FORÇA.

Ao longo dos dois anos posteriores à emissão da LI oempreendedor, segundo consta no Parecer Técnico n° 77/2006 ­COEND/CGENE/DILIC/IBAMA ­ PT 77/2006, não haviainiciado as obras da hidrelétrica, de forma que em julho de 2006solicitou Prorrogação da Licença de Instalação. O pedido foiobjeto de análise no PT 77/2006 inclusive as condicionantes 2.24e 2.28.

O citado parecer concluiu que as duas condicionantes não foramatendidas e recomendou a inserção de novas condicionantesdeterminando que a obra somente seja iniciada após aapresentação das modelagens solicitadas. Entretanto, nascondicionantes especificas estipuladas na Prorrogação daLicença de Instalação n° 284/2004 acerca do tema, foi suprimidaa parte do texto na qual exigia a apresentação prévia ao iníciodas obras, o texto das condicionantes estabelecidas segueabaixo:

2.30 Apresentar, no prazo de 90 (noventa) dias, nova modelagempara o trecho de vazões reduzidas, levando em consideração osvalores mais conservativos do ponto de "MonitoramentoLimniológico e de Qualidade da Água.

2.34 Apresentar para apreciação do IBAMA, no prazo de 90(noventa) dias, nova modelagem para o trecho de vazão reduzidacom refinamento da calibragem para simulações do cenário apósa alteração no regime de águas, em toda sua extensão até obarramento e a casa de força (Balneário de Ilha RedondaPalmitos), respeitando as recomendações descritas noPROJETO BÁSICO DE ENGENHARIA DAS ESTRUTURASNECESSÁRIAS À MITIGAÇÁO DO IMPACTO AMBIENTALNO TRECHO DE JUSANTE ENTRE A BARRAGEM E A CASADE FORÇA, projeto este, que poderá sofrer complementaçõesconfirme os cenários encontrados;

No Parecer 48/2007 ­ COEND/CGINNE/DILIC/IBAMA de08/08/2008 foi analisada a modelagem matemática de qualidadeágua apresentada pelo empreendedor. Foram identificados novequestões que invalidariam a modelagem e neste sentido foisolicitado:

Refazer, no prazo de 1 ano, a modelagem para o trecho devazões reduzidas, em dados amostrados mensalmente por umperíodo de um ano, utilizando os valores mais conservativosencontradas. Incluir um ponto amostral, que não deixe dúvidasquanto a representatividade da qualidade das águas do RioChapecó.

Com relação à condicionante 2.34 o Relatório deAcompanhamento Ibama de 26.09.2008 recomenda que a mesmaseja suprimida alegando:

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Esta condicionante deve ser anulada, uma vez que a novamodelagem para o trecho da vazão reduzida já está solicitada nacondicionante 2.30 e conforme entendimentos entre o IBAMA e acomunidade local, as obras de engenharia para construção dodique não serão mais realizadas.

Dessa forma, a partir do último parecer citado a únicapendência processual acerca da análise das vazõesremanescentes no TVR ficou relacionada ao cumprimento dacondicionantes 2.30 contida na Prorrogação da Licença deInstalação n°284/2004 que está relacionada à qualidade da águano TVR.

A nova modelagem foi apresentada ao IBAMA em julho de 2008.Vale a pena destacar que nesse momento as obras da Usina já seencontravam em estágio avançado, com aproximadamente doisanos de implantação. A modelagem foi analisada por meio doParecer Técnico n° 69/2008 ­ COHID/CGENE/DILIC/IBAMA ­PT 69/2008 e Parecer Técnico n° 17/2009 ­COHID/CGENE/DILIC/IBAMA ­ PT 17/2009.

No PT 69/2008 foi apontada a necessidade de informaçõescomplementares, as quais foram demandas ao empreendedor poreste Instituto, quais sejam:

a) esclarecimentos acerca dos dados de entrada apresentadosnas tabelas II, 12, 13 e 14 referentes aos quatro cenáriosmodelados. Caso haja a necessidade de correção dos valores deentrada, reapresentar os resultados obtidos e as respectivasanálises sobre os mesmos;

b) a situação de estratificação de oxigênio ao longo da coluna daágua no trecho situado entre os Kms 0 e 10 tanto no diagnósticoe prognóstico, de modo que se possa comparar o efeito exercidopela redução de vazão no trecho de vazão reduzida:

c) as medidas mitigadoras para as situações severas verificadasnos cenários prognosticados, notadamente, acerca dasconcentrações de oxigênio dissolvido. DBO e fósforo total.Solicita­se que a adoção dessas medidas esteja relacionada ainterferência causada pelo empreendimento, seja no [...].

As complementações foram entregues a este Instituto em03.03.2009 por meio do documento CE­FCE­0149/09­00 eanalisada pelo PT 17/2009. Nesse parecer é verificado que nãohavia motivacões relevantes relacionadas aos aspectos físicos equímicos da água para que fosse solicitado o aumento da vazãosanitária de 75 m3 /s para 150 m/s, entretanto, aquele parecerapontou como insuficiente as ações mitigadoras propostas peloempreendedor com vistas a minimizar a piora na qualidade daágua causada pelo empreendimento. Associando a análise dequalidade água do reservatório contida no Parecer Técnicon.16/2009­COHID/CGENE/DILIC, foram solicitadas asseguintes ações adicionais por parte do consórcioempreendedor:

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Apresentar no prazo de 180 dias, plano complementar demonitoramento de qualidade da água, especialmente elaboradopara efetuar o acompanhamento do enchimento e estabilizaçãodo reservatório e validar a modelagem matemática aquianalisada. O plano deverá prever ações emergenciais parapotenciais situações de decaimento na qualidade da água e quepossam vir a colocar em risco a saúde publica e a comunidadesaquáticas.

Apresentar no prazo de 60 dias proposta de ações mitigadorasrelacionadas ao agravamento na qualidade da água ocasionadapela firmação do reservatório e o seu trecho de vazão reduzida.

Para tanto, considerar ações saneamento nas baciascontribuintes ao reservatório e TVR, voltadas para reduzir acarga de nutrientes aportadas ao mesmo e que devem serrelacionados ao incremento no aporte desses nutrientescausadas pela formação do reservatório e principalmente nafragilização do sistema relacionada a transformação do ambientelótico em intermediário e/ou lêntico (reservatório e trecho devazão reduzida).

Por fim, recomenda­se que a aprovação por este Instituto dasmedidas mitigadoras complementares contidas neste parecer,seja condicionante à emissão da licença de Operação.

As recomendações contidas nesse parecer foram oficiadas aoempreendedor e portanto, deverão ser aprovadas por esteInstituto para emissão da Licença de Operação.

3 ­ CONCLUSÃO

Com base no exposto, entende­se que acerca da vazãoremanescente no trecho de vazão reduzida, o empreendedordurante operação da UHE Foz do Chapecó deverá garantir:

i. a manutenção da qualidade da água em padrões iguais oumelhores àqueles verificados no diagnóstico e para tanto, deveráadotar ações estruturantes no sentido de minimizar o aporte depoluição, tanto no trecho de vazão reduzida como na área dofuturo reservatório;

ii. a manutenção dos seguintes usos da água no TVR:

a) navegação conforme o uso praticado previamente à usina,notadamente às comunidades de pescadores do TVR;

b) abastecimento público de água; e

c) lançamento de efluentes;

iii. a manutenção do rio Chapecó como rota migratórias àictiofauna da região:

Informa­se ainda, que este lbama está procedendo análiseacerca do pedido de Licença de operação e ao longo dessaanálise deverão ser definidas com maior precisão demais ações

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necessárias para a manutenção da qualidade ambiental da regiãodo empreendimento.

Por fim, considerando que (i) a vazão remanescente no TVR temrelação direta com a energia firme da LHE Foz do Chapecó econsequentemente à viabilidade econômica do empreendimento,(ii) a etapa do licenciamento ambiental adequada para adiscussão da viabilidade ambiental e econômica doempreendimento é a do licenciamento prévio, e (iii) umaeventual alteração nos valores mínimos da vazão remanescentedeve estar consubstanciada em fortes elementossocioambientais: entende­se que o empreendedor deverágarantir as condições similares àquelas elencadas nestaconclusão, as quais serão melhor detalhadas no parecer emelaboração acerca do pedido de licença de operação. Casoocorra descumprimento de tais condicionantes, deverá seranalisada a sua relação com a vazão remanescente praticadacom vistas a definir uma estratégia de atendimento. Ou seja,caso seja verificado que as vazões remanescentes têm semostrado um fator determinante para a manutenção dos aspectossocioambientais tidos como de suma importância(condicionantes), entende­se que este Instituto deverá intervir demodo a compatibilizar a geração de energia a essas condiçõessocioambientais.

Recomenda­se por fim, que este parecer e os demaisdocumentos citados sejam enviados ao Ministério PúblicoFederal em Chapecó e a sua Assessoria Pericial emFlorianópolis.

Embora o órgão ambiental tenha informado ao MPF que ao longo daanálise da Licença de Operação serão definidas com maior precisão asdemais ações necessárias para a manutenção da qualidade ambientalda região do empreendimento, pela manifestação exarada no Parecer17/2009, é possível perceber que a atenção do órgão público estávoltada exclusivamente à qualidade física e química da água no trechode vazão reduzida. Em nenhuma manifestação da autarquia constaapontamento quanto aos demais aspectos que deveriam ser observadospara fins de definição e aprovação da vazão mínima. Inclusive, constainformação do IBAMA (Parecer 21/2010) de que a condicionante 2.34,que previa a apresentação de nova modelagem para o TVR comcalibragem para simulações do cenário após a alteração no regime deáguas em toda a sua extensão até o barramento e a casa de força(Balneário de Ilha Redonda/Palmitos) foi suprimida pelo ParecerTécnico 048/2007, sob o argumento de que a nova modelagem para otrecho da vazão reduzida já está incluída na condicionante 2.30.

O Parecer do IBAMA 17/2009, que aprovou a vazão reduzida, dispôs oseguinte:

Com base no exposto acima, destaca­se não haver motivaçõesrelevantes relacionadas aos aspectos físicos e químicos da águapara que seja solicitado o aumento da vazão sanitária de 75 m3/spara 150 m3/s. Destaca­se que dos três itens aos quais foramsolicitadas informações complementares, apenas o item "c"apresenta o status de não atendimento, este item se refere àsações mitigadoras que o empreendedor deverá realizar.

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Considerando a necessidade premente deste Instituto em definira vazão mínima defluente (vazão sanitária) para oempreendimento em tela, com vistas a evolução das obras dacasa de força complementar, recomendo que seja aprovada avazão sanitária de 75 m3/s, desde que a mesma sejacondicionada a apresentação.

Como se pode perceber, o órgão ambiental, ao aprovar a vazãoremanescente apontada pelo EIA, não levou em consideração se talmédia atendia a sustentabilidade dos ecossistemas aquáticos. Tambémo próprio estudo de impacto não considerou a quantidade mínima deágua para atender aos usos da população ribeirinha dos municípios deAlpestre/RS, Águas de Chapecó e São Carlos, principalmente quanto àsatividades preponderantes de agricultura, pecuária, suinocultura,pesca, turismo, navegação, lazer, dentre outras.

Embora a Foz do Chapecó tenha comprovado a existência de programade apoio aos pescadores (evento 18, doc. OUT8), com objetivosespecíficos de garantir o acesso ao rio, melhorar as condições depesca, oportunizar a capacitação do público alvo e fomentar aintegração da pesca ao turismo, essa medida, em primeira análise, nãoparece ser suficiente para afastar por completo os efeitos negativos daredução da vazão do Rio Uruguai.

Ademais, a implantação do Parque Aquático em São Carlos e asdemais obras indicadas pela Foz (ciclovia pública, centro deatendimento social e de saúde, revitalização do Balneário de Pratas,etc), não parecem indicar medidas tão eficazes a ponto de autorizardespreocupação deste juízo quanto aos efeitos concretos da redução davazão hidrológica em relação à população de toda a região. Emboraseja evidente o impacto positivo causado por tais projetos nainfraestrutura dos municípios envolvidos, a preocupação aquiexternada diz respeito principalmente à manutenção do equilíbrio doecossistema, cuja proteção é o objetivo principal da presente demanda.

Segundo os analistas ambientais do Ministério Público Federal, umaomissão relevante nos estudos e na definição das medidas mitigadorasde impacto diz respeito à vazão remanescente da região do balneárioÁguas do Pratas, onde aproximadamente 80% do leito do rio ficarácom uma lâmina d'água de 30 a 60 centímetros. Inclusive, ao fazerreferência às ações específicas visando à correção ou compensaçãodos efeitos negativos, para a hipótese de alteração do sistema fluvial osúnicos programas recomendados pelo EIA são de "monitoramentolimniológico e qualidade da água". Também não consta nenhum estudoindicando a possibilidade de variação do comportamento sazonal dalâmina d'água em épocas de seca.

Não obstante o IBAMA tenha informado que somente com o enchimentodo reservatório e operação da usina é que de fato serão monitorados,identificados e mensurados os impactos (evento 14, fls. 04­5), entendoque essa posição não encontra amparo nos princípios ambientaisaplicados, especialmente o da precaução, que preconiza que as açõespositivas em favor do meio ambiente, em face da relevância do bemprotegido, devem ser tomadas independentemente da evidênciacientífica absoluta de perigo de dano grave e irreversível.

Desse modo, a fim de evitar ocorrências que possam trazer riscos aomeio ambiente, como morte da fauna aquática e escassez hidrológicapara sanar as necessidades da população ribeirinha ou manutenção do

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turismo da região, entendo pertinente determinar a adequação dosestudos de impacto e projetos de recomposição da Foz do ChapecóEnergia, antes da emissão da licença de operação, de modo que sejaconsiderada a necessidade mínima de vazão para atender aos usosmúltiplos das águas, conforme prevê a Resolução CONAMA 357/05,com análise conjunta das características hidrológicas, hidráulicas ebiológicas, inclusive como simulação hidráulica de outros cenários devazão remanescente, a fim de possibilitar a visualização docomportamento sazonal da lâmina d'água. Vale salientar que asmedidas ora determinadas não afastam a obrigação da Foz do ChapecóEnergia de cumprir, simultaneamente, às demais recomendaçõesemitidas pelo IBAMA no Parecer 36/2010.

Primeiramente, anote­se que, por ocasião da análise dopedido liminar, ainda não havia ocorrido o alague para formação doreservatório da UHE FCE, de modo que, atualmente, consumado o alaguehá mais de quatro anos, há de se enfrentar as possíveis omissões nosestudos referentes aos impactos causados pela vazão mínima estabelecidapara o empreendimento de acordo com as vicissitudes do tempo decorrido.

Dito isso, há que se estabelecer, desde já, que asprovas colhidas ao longo da instrução probatória não lograram êxito emcomprovar que a vazão remanescente aprovada tenha deixado de atenderaos múltiplos usos da água.

Conclui­se que embora tenham sido usados basicamentedados hidrológicos/estatíticos para o estabelecimento da vazãoremanescente em 75m³/s, os demais usos da água não foram ignoradospela autarquia ré.

Consoante se verificará, passado esse período de quase cincoanos, não restaram comprovados danos ambientais ou socioecômicos quejustificassem o aumento da vazão remanescente.

O IBAMA, após a decisão liminar proferida nestes autos,emitiu o Parecer nº 65/2010, apresentando informações adicionais aoParecer nº 21/2010, mencionado naquela decisão. Em relação à vazãomínima no trecho de vazão reduzida, informou (evento 77, LAU2, p. 3):

Em relação à vazão mínima do trecho de vazão reduzida, além dasinformações prestadas no Parecer n° 21/2010, serão prestadas a seguirinformações adicionais.

A vazão mínima no trecho de vazão reduzida vem sendo tratada desdea época do licenciamento prévio, sendo que consta no Contrato deConcessão da ANEEL a recomendação para a adoção dessa vazão –referente a 80% da vazão mínima média mensal (72m³/s).

Após a conclusão da análise do pedido de licença de operação para oreferido empreendimento, esta equipe entende que a redução da vazãoacarretará alterações sobre (i) a qualidade da água; (ii) a navegação;(iii) a atividade pesqueira; (iv) a rota migratória da ictiofauna para orio Chapecó; (v) demais usos da água, tais como lazer, notadamente noBalneário do Pratas. Isto posto, cita­se os seguintes desdobramentosdessas questões:

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• Com relação à qualidade da água, foi efetuada uma modelagemmatemática específica para o trecho de vazão reduzida, everificou­se que não haveria relevância, no que tange aosparâmetros físicos e químicos da água, para a alterações dessavazão mínima de 75m³/s para 150m³/s. Além disso, esta equiperecomenda que seja efetuado o monitoramento diário daqualidade da água durante o primeiro ano após o início deenchimento do reservatório e que o empreendedor adote açõesde saneamento básico na área de influência do empreendimento;

• Com relação à navegação, foi efetuado um estudo detopobatimetria pela FCE com vazões próximas a 110m³/s notrecho de vazão reduzida do rio Uruguai antes da confluênciacom o rio Chapecó e de 157m³/s após essa confluência. Pode serverificada a prevalência de um estreito canal preferencial comprofundidades maiores que 1,5m e a ocorrência, neste canal, depontos localizados de menor profundidade. Essa situaçãoestudada ocorreu naturalmente e segundo relato de pescadores otrecho é navegável mesmo durante as estiagens. Oempreendedor afirma garantir a manutenção da navegaçãonesses canais preferencias por embarcações, tais comovoadeiras similares àquelas utilizadas pela comunidadepesqueira;

• Com relação à atividade pesqueira, sabe­se que com a reduçãoda vazão, haverá uma alteração nos modos de pesca no trechode vazão reduzida. Dessa forma, está em curso um Programa deApoio aos Pescadores, o qual além de prever a compensaçãofinanceira aos pescadores durante o período de adaptação, prevêa construção de três pontos de apoio, equipados com cozinha,banheiro, freezer, fogão, garagem para barcos etc; um veículode transporte para cada ponto de apoio; e a implantação de doispontos de venda para os pescados, sendo um em Chapecó eoutro em São Carlos;

• No que tange a conservação da ictiofauna, estão em curso asseguintes ações:

• Programa de Monitoramento da Ictiofauna;

• Programa de Monitoramento da Pesca e Qualidade doPescado;e

• estudo necessário para o estabelecimento de um ordenamentopesqueiro para a região do empreendimento, com vistas a darsustentabilidade a essa atividade.

[...]

• Com relação às atividades de lazer, tem­se identificado noprocesso de licenciamento, como uma importante atividade paraacomunidade local do TVR, notadamente para o município deSão Carlos, o Balneário Águas do Prata. Nas tratativas entre oempreendedor e a comunidade local, representada pelaPrefeitura do Município, houve um acerto formal (em anexo)entre as partes pela construção de uma nova área de lazerdenominada Parque Aquático no Balneário de São Carlos,

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considerando que o Balneário Águas do Prata será impactadopela redução da vazão. Essa medida tem um carátercompensatório.

É importante esclarecer que a barragem da UHE Foz do Chapecó édotada de vertedouros de comporta e, portanto, tem durante a operaçãoda usina o controle sobre a vazão afluente ao trecho de vazão reduzida,podendo aumentá­la ou reduzí­la, de acordo com a sua necessidade.[...]

Visando apurar eventuais desatendimentos aos usosmúltiplos da água, foi realizada perícia judicial que, inicialmente, referiuque os usos múltiplos da água não estariam sendo atendidos, e que talsituação não se modificaria mesmo que a vazão remanescente fossedobrada. Ressaltaram os peritos que "qualquer redução na vazão mínimade um curso de água compromete significativamente o uso múltiplo daágua". Vejamos a resposta a determinados quesitos formulados (evento395, LAUDPERI1):

Ministério Público Federal

[...]

Quesito 3. No caso da UHE Foz do Chapecó, a vazão mínimaremanescente autorizada pelo IBAMA garante o uso múltiplo da água, apreservação do equilíbrio natural e a sustentabilidade dos ecossistemasaquáticos?

Resposta: Qualquer redução na vazão mínima de um curso de águacompromete significativamente o uso múltiplo da água bem como suapreservação e equilíbrio ambiental. Diante do fato de estar instalado obarramento, e de acordo com os modelos matemáticos e resultados devazão e qualidade das águas remanescentes, obtidas dos relatórios doprograma de qualidade da água, não ocorre diferença estatística entrea vazão autorizadade 75m³/s e até o dobro, ou seja, 150m³/s obtido.Diante disso é possível afirmar que mesmo dobrando a vazão mínimaremanescente no TVR não fica garantido o uso múltiplo da água.

Quesito 4. As exigências relacionadas à vazão mínima remanescenteno TVR, previstas nas licenças ambientais da UHE Foz doChapecó,condicionavam o seu atendimento previamente ao início dasobras? Tais condicionantes foram cumpridas? Caso negativo, quais osprejuízos socioambientais desses descumprimentos?

Resposta: As exigências foram parcialmente cumpridas. Os prejuízossocioambientais são decorrentes do não atendimento na íntegra dosusos múltiplos da água, pois a vazão considerada e praticada é asanitária, e não a ecológica.

Posteriormente, em resposta a quesitos complementares, osperitos informaram que os trabalhos de campo e o contato com moradoresribeirinhos foram determinantes para concluir pelo não atendimento dosusos múltiplos da água em períodos longos de estiagem, reafirmando queessa situação se manteria ainda que a vazão fosse dobrada. Informaramque os problemas verificados foram a falta de acesso aos pontos paradessedentação de animais, a captação de água e poços isolados que

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ensejaram o aprisionamento dos peixes, além das alterações das paisagense da limitação da prática de esportes e de lazer. Eis as informaçõesconstantes do laudo pericial (evento 446, PET1, p. 9, 11 e 12):

6) Os peritos identificaram propriedades que tenham ficado semirrigação ou água para dessedentação de animais em razão daformação do trecho de vazão reduzida? Caso afirmativo, favorespecificá­las.

R. Os problemas verificados foram à (sic) falta de acesso aos pontospara dessedentação dos animais e captação de água, sendo que aredução da vazão modificou o cenário, pois o nível d’água, emcondições desfavoráveis, passa para uma cota inferior, dificultando amanutenção desses usos. Outro problema verificado foi à(sic) formação de poços isolados que mantém aprisionados os peixes,facilitando a pesca predatória.

[...]

Manifestação IBAMA: Em relação ao quesito 3 do Ministério PúblicoFederal, tendo em vista que a referência de qualidade da água adotadapelo IBAMA para aprovação da vazão remanescente a ser praticada noTVR foi a manutenção da qualidade da água em níveis minimamentesimilares àqueles observados no trecho do rio Uruguai (trecho emestudo) antes da implantação do empreendimento, devem os peritosesclarecer com base em que elementos chegaram à conclusão de quemesmo dobrando a vazão mínima no TVR não fica garantido o usomúltiplo da água;

R. A vistoria (trabalhos de campo) e os contados com moradoresribeirinhos foram os elementos que possibilitaram concluir quemesmo dobrando a vazão, pois em período estendido de estiagem não épossível garantir o uso múltiplo do recurso hídrico, conforme Lei n°.9.433/97. Sem dúvida que a quantidade de água influenciadiretamente no comportamento do curso de água, dandocaracterísticas próprias para os diversos usos que foram estabelecidosao longo da ocupação do solo na região, no entanto, outro fatorimportante e que não pode ser ignorado, pois tem igual importância éa feição (paisagem) desse ambiente (curso de água), que se formoudentro de um período de tempo muito superior as modificações quevem sofrendo, com objetivo de geração de energia elétrica. Existemodificações no ambiente que são e serão irreversíveis, pode­semanter ou até mesmo melhorar a qualidade da água, no entanto ofluxo de água, proporcionando esporte aquático de lazer, devido aalteração da paisagem, como exemplo são prejudicados, nãogarantindo os usos múltiplos no TVR.

Não obstante, afirmaram os peritos que os impactoscausados no trecho de vazão reduzida são os inerentes ao empreendimentoe que a ré adotou diversas medidas de compensação (evento 446, PET1, p.15):

12) Os impactos causados no trecho de vazão reduzida são os inerentesà colocação de barramento e à implantação de um trecho de vazãoreduzida para acumulação de água para geração de energia?

R. Sim.

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13) A ré adotou medidas para compensar os impactos sobre os usos daágua no trecho de vazão reduzida (vide Evento 18, documentos OUT2 aOUT7 e Evento 380, documento OUT33 a OUT55)? Favor listar asmedidas adotadas, conforme licenciamento ambiental.

R.As medidas adotadas foram:

São Carlos: parque aquático, via pública, centro de atendimentosocial, repasse de R$ 190.000,00 para infraestrutura urbana,financiamento do plano diretor, repasse de R$ 220.000,00 para apoioda construção do centro de operações da polícia militar.

Águas de Chapecó: asfaltamento, cooperativa das costureiras,trapiche, recuperação de ruas e museu.

Palmitos: plano diretor, repasse de R$ 190.000,00 para infraestruturaurbana.

Alpestre: rede de água, museu e programa de apoio aos pescadores.

Os convênios estão arrolados nos eventos 18 e 380.

14) A ré adotou medidas para compensar os impactos causados aospescadores (vide Evento 18, documento OUT8 e Evento 139,documento OUT29 e Evento 380, documentos OUT56 a OUT58)?

R. Sim. Foram feitos repasses de valores para o programa de apoioaos pescadores.

No laudo complementar final, por sua vez, os peritosafirmaram que, ao contrário da situação inicialmente constatada, não hácomprovação de não atendimento dos usos múltiplos da água (evento 530,LAUDPER1, pp. 3­5):

Corroboramos com as informações descritas pelo MinistérioPúblico de que os estudos foram baseados em levantamentoshidráulicos. Contudo, nos trabalhos de campo realizados dia 18de julho de 2013 não foram confirmadas as informações obtidasno dia 05 de setembro de 2012. Desta forma não foramidentificados situações que comprovem o não atendimento dosusos múltiplos da água. Caso esta abordagem não seja suficiente,recomendamos que um profissional da área das ciênciashumanas realize uma investigação mais detalhada.

[...]

Conforme solicitado e para facilitar o entendimento aosquestionamentos, são apresentados os conceitos de vazãosanitária, vazão ecológica entre outros.

Vazão sanitária é um dos termos utilizados para a vazão dereferência definida no CONAMA 357/2005 para garantir aqualidade da água quando a principal fonte de contaminação sãocargas de esgoto doméstico e industrial.Vazão remanescente é avazão mínima a jusante de usos da água numa baciahidrográfica, depois de outorgados estes usos.Vazõesambientais: são as vazões do hidrograma que devem ser

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mantidas para dar sobrevivência ao ecossistema aquático nascondições atuais e futuras.Vazão Ecológica: vazão que asseguraa qualidade e quantidade de água, no tempo e no espaço,necessárias para manter os componentes, as funções e osprocessos dos ecossistemas aquáticos.Vazão Ambiental:resultado das negociações com os diversos atores envolvidos,tendo como ponto de partida a vazão ecológica, e considerandoos múltiplos usos da água.

Segundo os conceitos acima e com base no trabalho de camporealizado no dia 18 de julho de 2013 e ainda, considerando aindaos documentos juntados no processo pela Foz do Chapecó, osusos múltiplos da água continuam sendo os mesmos praticadosantes do barramento, excluindo­se a navegação contínua aolongo do rio, porém, é possível nas áreas localizadas fora doslimites de proibição que são áreas de segurança do barramento.Não nos baseamos em dados estatísticos de significância paraesta afirmação, mas sim, nos documentos apresentados noevento 431 out 40 a 42 e trabalhos de campo.

Em relação aos questionamentos sobre o hidrograma, conclui­seque os documentos apresentados pela ré são suficientes paraatender os usos múltiplos da água. Porém, do ponto de vistadidático é importante à representação gráfica do hidrograma, oque permite uma interpretação adequada dos dados coletados eapresentados nas planilhas juntadas no evento 431 out 40 a 42.

De modo geral os resultados apresentados mostram que ospadrões de qualidade das águas foram mantidos. O índice dequalidade de água (IQA) apresentou­se entre bom e ótimo nasfases rio e reservatório, o que evidencia essa afirmativa.

[...]

E ainda (evento 530, LAUDPER1, p. 9):

Quesito 1 do MPF: embora a ré discorde da resposta dosperitos, mostra no texto que concorda que a navegação foiinterrompida pelo barramento e que há impacto com a reduçãoda vazão no trecho de vazão reduzida. Nos trabalhos de camporealizados no dia 18 de julho de 2013 foi realizada a navegaçãono TVR, mostrando ser possível a navegabilidade, porém, comojá citado, inclusive pela ré, com limitações.

Nos trabalhos de campo do dia 05/09/2012 foi constatado,através de entrevista a moradores ribeirinhos do TVR que, coma implantação da barragem a dessedentação dos animais foiprejudicada, também foi constatada a existência de poços,aprisionando peixes, facilitando a pesca. Porém, nos trabalhosde campo do dia 18 de julho de 2013 não foram confirmadasestas situações. A formação de poços que aprisionam peixes épontual e normal em situações de barramento artificial e emperíodos de baixo índice pluviométrico.

Embora as respostas dos peritos, sejam, em determinadosmomentos, contraditórias ­ ora afirmando, ora negando, o atendimento aosusos múltiplos da água ­, ao longo da instrução, sopesadas as demais

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provas produzidas, não foram identificadas situações que pudessemdemonstrar o não atendimento dos usos múltiplos da água com a vazão dereferência estabelecida.

De acordo com a Lei n. 9.433/97:

Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia­se nosseguintes fundamentos:

I­ a água é um bem de domínio público;

II­ a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;

III ­ em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos éo consumohumano e a dessedentação de animais;

IV­ a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o usomúltiplo das águas;

(...)

Defende o autor que a vazão remanescente deve satisfazertodos os usos previstos pela Política Nacional de Recursos Hídricos, quaissejam: demanda sanitária, ecológica, de abastecimento humano eindustrial, dessedentação de animais, geração de energia elétrica,irrigação, navegação, lazer, dentre outras, e questiona o fato de a definiçãoda vazão ter sido considerada exclusivamente com base em dadoshidrológicos.

O conjunto probatório indicou que, embora haja, semdúvida, alterações no uso da água no trecho da vazão reduzida ­ caso, porexemplo, da navegação, que é limitada a determinado trecho do rio(canal), mas que ainda assim é viável ­ não há elementos que indiquem onão atendimento dos usos múltiplos.

Não foram apontadas nos autos situações concretas em queesses usos múltiplos da água estivessem sendo violados. Não háinformações sobre propriedades rurais, indústrias, estabelecimentoscomerciais ou residências que tenham sido prejudicados com a vazãoremanescente (propriedades que estivessem sem acesso à água paradessedentação de animais, irrigação ou outros usos da água, por exemplo).Não há elementos indicando a inexistência de oferta estável de água para airrigação, abastecimento urbano e industrial, navegação, lazer,dessedentação, entre outros, conforme defendido pelo Ministério PúblicoFederal.

Vale ressaltar que ainda que o montante da vazão tenha sidoestabelecido com base em dados hidrológicos, tal fato não pode, por si só,conduzir à conclusão de que os demais usos da água tenham sidodesconsiderados. Nesse sentido, os "Estudos Ambientais do Trecho deJusante entre a Barragem e a Casa de Força” demonstram que houve umconsiderável levantamento dos impactos causados a jusante, no trecho de

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vazão reduzida, considerando aspectos ambientais (meios físico e biótico)e socioeconômicos, estes abrangendo desde o abastecimento humano,dessedentação de animais, irrigação, indústria, até a geração de energia,navegação interior, pesca, turismo, recreação e lazer, em todas as cidadesatingidas (São Carlos, Águas de Chapecó, Palmitos e Alpestre).

Extrai­se do estudo (evento 17, OUT4):

1 ­ INTRODUÇÃO

O diagnóstico ambiental, apresentado a seguir, tem como objetivocaracterizar, do ponto de vista ambiental, o trecho do rio Uruguai queapresentará vazão reduzida, em decorrencia da implantação do AHEFoz do Chapecó. O diagnóstico tem como função subsidiar a avaliaçãodos possíveis efeitos ambientais no trecho estudado. A caracterizaçãofoi dividida em 3 áreas temáticas, compreendendo os estudos do MeioFísico do Meio Biótico e do Meio Socioeconômico, cada um com suasmetodologias específicas, apresentadas nos respectivos itens.

2 ­ ÁREA DOS ESTUDOS

A área dos estudos foi definida levando­se em consideração ascaracterísticas do empreendimento com relação à porção de jusante dabarragem e a disposição de sua casa de força, localizada, como ditoanteriormente, a cerca de 19,5km da barragem.

Foram delimitados os espaços territoriais potencialmente atingidospela redução de vazão no trecho, considerando­se os aspectos físicos,bióticos e socioeconômicos, bem como a área de contribuição hídricado mesmo, que corresponde essencialmente, à bacia do rio Chapecó.

Assim, como no Estudo de Impacto Ambiental, duas escalas de estudosforam adotadas, equivalentes à Área de Influência Indireta ­ AII e Áreade Influência Direta – AID.

Para os estudos dos meios físico e biótico, a AII foi definida como abacia do rio Chapecó, incluindo o trecho de cerca de 6 km entre ofuturo eixo da barragem e a foz do rio Chapecó, por constituir­se noprincipal afluente do rio Uruguai no referido trecho, sendo seu maiorcontribuinte de vazões. Desta forma, as características do rio e ascondições ambientais do mesmo tendem a exercer grande influênciasobre a porção do rio Uruguai que recebe suas vazões e ficará sujeitaa reduções eventualmente ocasionadas pela operação do AHE Foz doChapecó. Esta área é apresentada no desenho 8588/47­60­A1­1002­A.

Para os estudos socioeconômicos, considerou­se como AII a totalidadedos territórios dos 4 municípios que possuem parte de suas terraslocalizadas no trecho do rio Uruguai em questão, que são, no estado deSanta Catarina, e na margem direita do rio, Águas do Chapecó,Palmitos e São Carlos e, no Rio Grande do Sul, Alpestre, na margemesquerda.

Os municípios foram considerados devido à proximidade ao trecho epor terem parte de suas atividades socioeconômicas aí desenvolvidas,estabelecendo um conjunto de relações de vínculos, principalmenteeconômicos, mas também culturais, reforçados pelo patrimôniopaisagístico local.

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[...]

A Área de Influência Direta – AID foi considerada aquelaimediatamente próxima à margem do rio Uruguai no trecho emquestão, de forma a manter uma continuidade territorial que permitissea integridade das avaliações ambientais efetuadas.

Para os estudos dos meios físico e biótico, buscou­se o diagnóstico dasáreas marginais, com ênfase para as de maior relevância com relaçãoà presença de remanescentes florestais de interesse ambiental. Osmapeamentos temáticos apresentam uma abrangência maior, tendocomo foco a porção da alça do rio Uruguai e seu entorno.

No caso dos estudos socioeconômicos, a Área de Influência Direta foidefinida em função, principalmente, dos usos das águas neste local,considerando­se as propriedades rurais nas margens do rio Uruguai eos povoados também localizados às margens do rio, que são osbalneários de Águas do Prata, em São Carlos, e Ilha Redonda, emPalmitos, ambos no estado de Santa Catarina.

Oportuno transcrever outros excertos do mencionado estudo(evento 17, OUT7 e OUT8):

5 ­ ESTUDOS DO MEIO SOCIO­ECONÔMICO

[...]

5.3.2 ­ Trechos Percorridos e Locais Visitados

A região em estudo integra a “Rota das Termas”, apresentando locaisde interesse turístico em função, principalmente, das fontes termais ede águas sulfurosas. A paisagem rural e a presença do rio Uruguaicontribuem essencialmente para a composição de um cenárioagradável, também representativo enquanto diferencial atrativo aoturismo regional.

[...]

5.4 ­ Usos da Água

5.4.1 ­ Considerações Iniciais

Para a avaliação dos usos das águas, foram utilizados alguns conceitosmais largamente adotados em estudos semelhantes, especialmente porinstituições governamentais.

De acordo com estes conceitos, a demanda por água pode sercategorizada entre demandas consuntivas, que acarretam em consumoefetivo da água, e não consuntivas, quando seu uso não implica emconsumo da mesma. Destas duas categorias, são estabelecidos os usosdas águas como se segue.

a) Demandas Consuntivas:

− Abastecimento Humano;

− Dessedentação de Animais;

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− Irrigação;

− Indústria.

b) Demandas Não­Consuntivas:

− Geração de Energia;

− Navegação Interior;

− Pesca;

− Turismo, recreação e lazer.

[...]

5.4.7 ­ Usos das Águas na Área de Influência Direta do Trecho entre aBarragem e a Casa de Força

a) Introdução

Para os estudos dos usos das águas na Área de Influência Direta dotrecho entre a barragem e a casa de força, foram desenvolvidos umcadastro socioeconômico das propriedades localizadas na área, eefetuados levantamentos junto as prefeituras, secretarias de estado,órgãos governamentais e lideranças locais para a caracterização dosusos e usuários.

[...]

Referido documento deixa evidente que não foram ignoradosos usos múltiplos da água no trecho de vazão reduzida. Não se podeafirmar, portanto, que não houve preocupação das partes envolvidas noempreendimento a respeito dos impactos causados a jusante dobarramento.

Não há como ignorar que houve preocupação com os usosmúltiplos da água, assim como não há evidências de que estes múltiplosusos não tenham sido atendidos após o barramento, com a construção dausina.

Quanto ao montante da vazão remanescente, vale destacarque o estudo denominado Monitoramento da Qualidade de Água doTrecho de Jusante (Modelagem Hidrodinâmica e de Qualidade de Água) ­Informações Complementares Ref. Parecer IBAMA nº 69/2008 e Ofício nº1012/2008­DILIC/IBAMA (evento 17, OUT2), já havia indicado que oincremento da vazão sanitária de 75m³/s para 150m³/s não traria alteraçõessiginificativas para a qualidade da água, e que a vazão sanitáriaestabelecida (75m³/s) favorece maior geração de energia. Extrai­se daconclusão do estudo (evento 17, OUT2, p. 35):

5 Conclusões

[...]

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Conforme se pode observar nas Figuras 12 a 16 (representaçõesgráficas dos resultados dos 4 (quatro) cenários simulados), oincremento da vazão sanitária de 75 m3/s (cenários 1A e 1B) para 150m3/s (cenários 2A, 2B) não resulta em alterações significativas para aqualidade da água do TVR. Quando comparada à vazão sanitária de 75m3/s, a vazão de 150 m3/s indica: diminuição da temperatura ao longodo TVR devido à maior contribuição do reservatório, com temperaturasinferiores à temperatura da água do rio Chapecó; aumento daconcentração de Oxigênio Dissolvido no trecho final do TVR devido àmaior vazão para diluição das cargas contribuintes laterais através dassangas; tanto para concentrações de DBO e Nitrogênio Total não seobservaram diferenças significativas entre os cenários do tipo 1 e 2;aumento da concentração de Fósforo Total devido à carga contribuintedo reservatório.

Ainda, conforme se observa nas Figuras 12 a 16, com exceção aofósforo total, todos os demais parâmetros simulados se encontram emacordo com a Resolução Conama Nº 357/2005 e dentro da faixa devalores observados em campo durante o monitoramento. E, em termosde aproveitamento do potencial energético, matéria de relevânciaestratégica para o país, a vazão sanitária de 75 m3/s favorece ageração energética, uma vez que a maior queda pelo circuito principalda UHE Foz do Chapecó proporciona maior geração.

Devido às concentrações elevadas de fósforo total na água doreservatório durante o primeiro ano de enchimento, as simulações paraqualquer valor de vazão sanitária (75 m3/s ou 150 m3/s) revelamconcentrações acima do limite máximo estabelecido pela ResoluçãoConama Nº 357/2005 (0,05 mg/L P) ao longo do TVR, com exceção docenário 1B (vazão sanitária igual a 75 m3/s, vazão do rio Chapecóigual à MLT e turbinamento de 1.180 m3/s na UHE Foz do Chapecó), oqual permanece dentro do limite estabelecido em aproximadamente 10km dos 19,5 km simulados. Há que se destacar, no entanto, queconcentrações elevadas de fósforo total já haviam sido observadas aolongo dos 12 meses de monitoramento da qualidade da água (maio/2007a abril/2008) [...]

Outrossim, além de não comprovar o desatendimento aosmúltiplos usos da água, o autor não informou qual vazão entende ser aideal para as condições que alega estejam sendo descumpridas. Valesalientar que a vazão remanescente tem influência direta na geração deenergia, razão pela qual deve haver prova concreta dos reais benefícios ajustificar o seu aumento.

Importante destacar, novamente, que não semostra possível a manutenção dos usos múltiplos da água de modoidêntico aos anteriores à implantação da usina. O que se fazimprescindível analisar, de outro giro, é se há manutenção dos usosmúltiplos da água em condições aceitáveis. Os elementos constantes dosautos indicam que sim, ou seja, que os usos múltiplos da água forammantidos em condições aceitáveis, embora não em condições idênticas àsanteriores à implantação da Usina Hidrelétrica. Com efeito, estásobejamente demonstrado que o empreendimento observou a Resolução n.357, de 17 de março de 2005, do CONAMA.

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Quanto à navegação, por exemplo, informaram os peritos nolaudo pericial complementar que "navegaram no trecho de vazãoreduzida" (evento 53, LAUPERI1):

No dia 18 de julho de 2013 às 14horas estiveram reunidos na UHE Fozdo Chapecó para a avaliação de campo os peritos supra nominados, osrepresentantes do IBAMA, Isabela Schmitt Berkenbrock e João Nottido Prado, o representante do Ministério Público Federal, Italo Borgese os representante da ré, André Andrino de Oliveira e RobertoLinhares Moritiz. Na ocasião os presentes navegaram no trecho devazão reduzida, atividade esta, que foi organizada pelos representantesda ré. Ato contínuo, verificou­se in loco diversos pontos de acesso aorio e abordagem de alguns moradores para facilitar a localização defocos de problemas.

Na própria inspeção judicial realizada em 14/08/2014 foipossível navegar pelo mencionado canal. Tais fatos comprovam que aindaé possível a navegação no local, ainda que não de forma idêntica àpraticada antes da instalação do empreendimento.

O mesmo se observa com relação às áreas de lazer situadas ajusante do barramento. Não há nos autos elementos que indiquem que osbalneários existentes no trecho de vazão reduzida tenham tido suasatividades inviabilizadas após as comportas terem sido fechadas, há maisde 4 anos.

Quanto a estas áreas destinadas ao lazer e turismo, valeregistrar, foram adotadas diversas medidas mitigadoras e de compensação.O Ofício CE­FCE­0251/08­CO (evento 18, OUT4) destaca algumas dasmedidas propostas, ressaltando, inclusive, a participação da comunidadeinteressada, que requereu a substituição da proposta de construção de umdique de jusante (estrutura hidráulica de regularização de níveis) pelaconstrução de um parque aquático com a ampliação do poço termalexistente.

A perícia também trouxe informações a respeito, conformese extrai do seguinte trecho do laudo (evento 395, LAUDPERI1, p. 20):

Complementares da Foz do Chapecó Energia

[...]

Quesito 17. A Foz do Chapecó Energia S.A. investiu em medidascompensatórias no trecho de vazão reduzida? Caso positivo, houveinvestimento em medidas compensatórias relacionadas ao incrementodo turismo/lazer local e à pesca? Caso positivo, favor listá­las.

Resposta: Sim, conforme descrito no relatório de investimentos e açõesrealizadas para compensar e/ou mitigar impactos causados ao trechode vazão reduzida (documento Out 33, evento 380).

São Carlos: parque aquático, ciclovia, centro de atendimento social,melhoria da infraestrutura municipal e plano diretor, apoio aconstrução de centro de operações da polícia militar.

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Águas de Chapecó: asfaltamento, cooperativa de costureiras, trapiche,recuperação de ruas, museu.

Palmitos: financiamento do plano diretor e melhorias da infraestruturado município.

Alpestre: rede de água, museu, programa de apoio aos pescadores.

Entre outros convênios, com repasse de recursos financeiros, juntadosno processo.

Apesar destes investimentos, não houve aquisição de área paracompensação como unidade de conservação, conforme exigênciaslegais.

Também não foi confirmada a existência notória efrequente de poços aprisionando peixes, mas apenas alguns de formaçãopontual e considerada normal em situações de barramento artificial e emperíodos de baixo índice pluviométrico.

Vale ressaltar, quanto à mencionada pescapredatória facilitada pela escassa vazão, deve ser esta, também, alvo defiscalização por parte dos órgãos ambientais. Entretanto, por si só, nãojustifica o aumento da vazão, mesmo porque esta não representa garantiade combate à predação, cujo arrefecimento deve ser intentado por meio demedidas de educação ambiental, afora a efetiva fiscalização dos órgãosambientais, tanto federais quanto estaduais.

A Política Nacional de Educação Ambiental está prevista naLei n. 9.795/99, e traz as seguintes diretrizes:

Art. 1o Entendem­se por educação ambiental os processos por meio dosquais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para aconservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencialà sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Art. 2o A educação ambiental é um componente essencial epermanente da educação nacional, devendo estar presente, de formaarticulada,em todos os níveis e modalidades do processo educativo, emcaráter formal enão­formal.

Art. 3o Como parte do processo educativo mais amplo, todos têmdireito à educação ambiental, incumbindo:

I ­ ao Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da ConstituiçãoFederal,definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental,promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e oengajamento da sociedade naconservação, recuperação e melhoria domeio ambiente;

II ­ às instituições educativas, promover a educação ambiental demaneiraintegrada aos programas educacionais que desenvolvem;

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III ­ aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente ­Sisnama,promover ações de educação ambiental integradas aosprogramas de conservação,recuperação e melhoria do meio ambiente;

IV ­ aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneiraativa e permanentena disseminação de informações e práticaseducativas sobre meio ambiente eincorporar a dimensão ambiental emsua programação;

V ­ às empresas, entidades de classe, instituições públicas eprivadas,promover programas destinados à capacitação dostrabalhadores, visando àmelhoria e ao controle efetivo sobre o ambientede trabalho, bem como sobre asrepercussões do processo produtivo nomeio ambiente;

VI ­ à sociedade como um todo, manter atenção permanente àformação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuaçãoindividual e coletiva voltadapara a prevenção, a identificação e a soluçãode problemas ambientais.

Merece destaque, também, em relação à pesca, que, visandoamenizar os inevitáveis e normais impactos causados à ictiofauna em faceda instalação do empreendimento, foi instituído o Programa de Apoio aosPescadores com objetivos específicos de melhorar as condições de pesca,oportunizar a capacitação do público alvo, fomentar a integração da pescaao turismo, entre outros (evento 18, OUT8, Página 1).

Não é demais reafirmar que os usos da água devem sermantidos em condições aceitáveis, não sendo razoável exigir que semantenham em condições idênticas às anteriores ao barramento.

Quanto à qualidade da água no trecho de vazão reduzida, asprovas constantes dos autos indicam que esta se manteve em condiçõessimilares ao que se encontrava antes da implantação da usina. Extrai­se dolaudo pericial (evento 446, PET1, PP. 14­15):

9) Os resultados do monitoramento da qualidade da água notrecho de vazão reduzida demonstram que esta manteve­se emcondições similares ao que havia antes da implantação da UsinaHidrelétrica Foz do Chapecó (Evento 380, documento OUT17)?

R. Sim.

12) Os impactos causados no trecho de vazão reduzida são osinerentes à colocação de barramento e à implantação de umtrecho de vazão reduzida para acumulação de água para geraçãode energia?

R. Sim.

Tal constatação sequer foi contestada pelas partes, já que hános autos, também, diversos relatórios de monitoramento de qualidade daágua que corroboram essas informações.

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Vale ressaltar, no ponto, que além de a qualidade da água terse mantido nas mesmas condições anteriores, estão sendo implementadasmedidas exigidas pelo IBAMA visando melhorá­la. Trata­se de ações desaneamento que estão sendo implementadas nos Municípios afetados queainda não tinham referido sistema. A Foz do Chapecó Energia juntou aosautos diversos documentos visando comprovar as medidas já adotadaspara concretização das ações (evento 525).

No Parecer nº 63/2010, o IBAMA deixa clara a importânciadas ações de saneamento, ressaltando que se trata de medida que deve seradotada de forma conjunta entre o empreendedor e os Municípiosinteressados, uma vez que já havia registro de poluição das águas antes daimplantação da usina (evento 431, OUT60):

Em 25 de maio de 2010, em atendimento ao Ofício n° 73/2010, a FCEencaminhou ao Ibama, por meio da correspondência CE­FCE­0228/10­CO, as ações de saneamento que a mesma está envidando na região.

[...]

Entende­se que essa última proposta apresentada pela FCE representaum importante avanço na tratativa das questões de saneamento naregião. Destaca­se que a situação de qualidade de água diagnosticadana região antes do empreendimento reflete uma presença elevada deparâmetros indicadores de poluição ambiental, notadamente fósforo.Portanto, entende que há uma divisão de responsabilidades sobre aquestão do saneamento básico na região, sendo o empreendedorresponsável por uma parcela relacionada ao agravamento na qualidadeda água por conta da transformação do ambiente lótico (rio) em umambiente lêntico (lago); e as prefeituras e concessionários seriam osprincipais responsáveis, haja vista ser essa uma atividade deresponsabilidade do município. Portanto, não cabe atribuir unicamenteao empreendimento a responsabilidade pelo investimento.

[...]

Diante disso, deve ser indeferido o pleito de obrigação defazer I.4 formulado pelo MPF em suas alegações finais (evento 676), hajavista que, além de já terem sido implantadas as medidas relatadas nolicenciamento ambiental, faz­se mister salientar que o saneamento básicodeve ser concretizado primordialmente pelo Poder Público, sendo decompetência comum da União, dos Estados e dos Municípios "promoverprogramas de construção de moradias e a melhoria das condiçõeshabitacionais e de saneamento básico" (art. 23, inciso IX, da CF), cujasdiretrizes gerais estão estabelecidas pela Lei n. 11.445/2007.

A prova testemunhal, por sua vez, não trouxe elementosconcretos comprovando o desatendimento dos usos múltiplos da água. Há,portanto, elementos de prova ­ especialmente documentais ­ suficientes nosentido de que os usos múltiplos da água estão sendo atendidos com avazão de referência estabelecida.

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Vale destacar, ainda, como já mencionado anteriormente,que a vazão remanescente no trecho de vazão reduzida tem relação diretacom a geração de energia da UHE Foz do Chapecó e, consequentemente,com a viabilidade econômica do empreendimento. Conforme salientadopelo IBAMA no Parecer nº 32/2010 (evento 1, PROCADM9, pp. 16­23),eventual alteração nos valores mínimos da vazão remanescente deve estarconsubstanciada em fortes elementos socioambientais, capazes dejustificar a diminuição da geração de energia.

É de se observar que caso fosse determinado o aumento davazão, como esta tem relação direta com a produção de energia,certamente novas fontes deveriam ser criadas para suprir a demandaexistente no país ­ são praticamente diárias as notícias sobre o altoconsumo e o limite de capacidade de produção de energia no Brasil, sendofrequentes os registros de "apagões" no país ou desligamentos de energiaem face do alto consumo, a exemplo do ocorrido recentemente(20/01/2015), e que atingiu diversos Estados da Federação ­ cf. notíciaconstante da http://www.valor.com.br/brasil/3869346/minutos­antes­de­apagao­ons­registrou­recordes­de­carga­em­sistemas. E as novas fontes ­construção de novas hidrelétricas, termelétricas, entre outros ­, certamentecausariam novos impactos ambientais.

É, portanto, patente a necessidade de se otimizar a produçãode energia nos empreendimentos já construídos, sem deixar de observar asquestões ambientais, o que, na medida do possível, parece estar sendocumprido no caso concreto.

Nesse contexto, não se pode olvidar que a vazão estabelecidano caso em análise, além de não afetar os múltiplos usos da água, é a quemais favorece a produção de energia, fato que não pode serdesconsiderado ao se analisar a situação posta nos autos.

Conclui­se, assim ­ e vale frisar ­, que ainda que o MinistérioPúblico Federal afirme que a definição da vazão remanescente teve comobase um critério exclusivamente hidrológico para fixação da vazãoremanescente, não há nos autos elementos que indiquem que a vazãoreduzida estabelecida não atenda aos usos múltiplos da água.

Destaque­se, de outro norte, que há previsão na Licenca deOperação nº 949/2010 de um possível aumento da vazão caso alguma dascondicionantes nela estabelecidas não sejam atendidas. Ou seja, a vazãoremanescente será objeto de monitoramento, podendo ser aumentada emcaso de necessidade. Vale transcrever a condicionante 2.19 da Licença deOperação, que trata especificamente sobre o trecho de vazão reduzida(evento 139, OUT12):

2.19. Em relação à vazão remanescente no Trecho da Vazão Reduzida ­TVR:

a) a vazão remanescente no TVR deverá garantir as seguintescondições:

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­ a manutenção do acesso embarcado da comunidade pesqueira aospontos de pescas;

­ a manutenção da qualidade da água no TVR a níveis similares aodiagnosticado antes do empreendimento;

­ a manutenção da atividade pesqueira no trecho da vazão reduzida;

­ condições hidráulicas para ocorrência da migração da ictiofauna emdireção ao rio Chapecó; e

­ as atividades de lazer, tais como pesca esportiva e recreação decontato primário;

b) aumentar a vazão afluente ao TVR caso alguma das condições nãosejam atendidas;

c) efetuar o monitoramento do atendimento a essas condições,intensificando esse monitoramento durante o primeiro ano doempreendimento;

d) comunicar imediatamente ao Ibama caso ocorra o descumprimentode qualquer uma das condições e informar qual ação que foi efetuadapara retornar ao atendimento;

e) apresentar relatórios trimestrais do monitoramento efetuado.Abordar de forma conclusiva o antendimento às condições impostas epropor, quando necessário, ações para adequar o empreendimento àscondições aqui elencadas, inclusive eventual modificação nas vazõesmínimas.

f) com base no monitoramento efetuado e com vistas a minimizar osimpactos negativos do empreendimento, propor no prazo de 01 (um)ano, um hidrograma ecológico, a ser elaborado por especialistas emhidrologia e migração de ictiofauna; e

g) implantar o sistema de alerta no trecho de vazão reduzida para osvertimentos do barramento;

Note­se, nessa linha de raciocínio, que a própria Licença deOperação em questão fixa condicionantes bastante abertas amonitoramento e contínua fiscalização, mesmo porque, revela­se evidenteque se trata de procedimento deveras dinâmico e, via deconsequência, dependente de constante acompanhamento. E é o que sepode extrair do caso em apreço.

Em caso de descumprimento de quaiquer das condicionantesda Licença de Operação nº 949/2010, portanto, de antemão, já detém oPoder Público ­ seja por meio das autarquias ambientais federal ouestadual, dos órgãos ambientais da Administração Pública federal eestadual, ou por meio do Ministério Público ­ o poder de, em exercício deautoexecutoriedade, exigir o cumprimento daquela.

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Importante salientar a conclusão da perícia judicial nosentido de que referida condicionante (2.19) está sendo cumprida (evento530, LAUDPER1, p. 7).

Não se revela demasiado salientar que todo atoadministrativo está sujeito à possibilidade de revisão se, posteriormente àsua prática, houver interesse público que a justifique. Isso se deve aoprincípio da supremacia do interesse público sobre o particular. É esse omote do art. 19 da Resolução n. 237/1997:

Art. 19 – O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada,poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle eadequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quandoocorrer:

I ­ Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normaslegais.

II ­ Omissão ou falsa descrição de informações relevantes quesubsidiaram a expedição da licença.

III ­ superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

Capelli, Marchesan e Steigleder exemplificam:

"Seria a hipótese de um determinado empreendimento ter sidolicenciado conforme a melhor tecnologia disponível e, posteriormente,se descobre que os padrões de emissão adotados, em abstrato, nolicenciamento, são insuficientes para conter a degradação ambiental. Éevidente que o Poder Público deve intervir para corrigir essasdistorções". (CAPELLI, Silvia; MARCHESAN, Ana Maria Moreira;STEIGLEDER, Anelise Monteiro. Direito Ambiental. Porto Alegre:Verbo Jurídico, 2008. 5.ed. p. 72).

Como o próprio Ministério Público Federal afirmou em suasalegações finais (evento 676), a vazão estabelecida no licenciamento deuma Usina Hidrelétrica tem o condão, precípuo, de buscar o equilíbrioentre as demandas de produção de energia elétrica, as exigências doecossistema na manutenção da sua biodiversidade, além das necessidadesde consumo da população da bacia. No caso dos autos, não foicomprovado o desequilíbrio entre as demandas, de modo que não háqualquer razão imperativa apta a determinar a realização de novos estudos­ ao menos por ora ­, ou o aumento da vazão remanescente, se as medidasadotadas não demonstram os alegados prejuízos.

c) Da supressão da totalidade da vegetação na áreainundada do reservatório

A Lei n. 3.824/1960 torna obrigatória a destoca econsequente limpeza das bacias hidráulicas dos açudes, represas ou lagosartificiais nos seguintes termos:

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Art 1º ­ É obrigatória a destoca e consequente limpeza das baciashidráulicas, dos açudes, represas ou lagos artificiais, construídos pelaUnião pelos Estados, pelos Municípios ou por emprêsas particularesque gozem de concessões ou de quaisquer favores concedidos peloPoder Público.

Parágrafo Único ­ Os proprietários rurais estarão igualmenteobrigados a proceder a estas operações quando os seus açudes,represas ou lagos forem construídos com auxílio financeiro ou emregime de cooperação com o Poder Público.

Art 2º ­ Serão reservadas áreas com a vegetação que, a critério dostécnicos, fôr considerada necessária à proteção da ictiofauna e dasreservas indispensáveis à garantia da piscicultura.

Acerca da limpeza da bacia de acumulação, o PlanoDiretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico 1991/1993, do Ministério daInfraestrutura, refere que:

"(...) Entretanto, a lei considera que o desmatamento pode não ocorrer,a critério dos técnicos, em áreas cuja vegetação for consideradanecessária à proteção da ictiofauna e cujas reservas vegetais sejamindispensáveis à garantia da piscicultura. Evidencia­se a precariedadecom que a Lei trata a questão, tanto pela argumentação técnica que elaaponta para a permanência da vegetação, quanto pelo critérioindefinido e abrangente a ser adotado para a tomada de decisão"(evento 68, OUTROS20, fl. 13).

A questão referente à supressão da vegetação na áreainundada do reservatório foi assim fundamentada na decisão que deferiu opedido de antecipação dos efeitos da tutela ­ cuja suspensão foi levada aefeito pelas Suspensões de Liminar e de Sentença nºs 1.270(2010/0127285­7) ­ SC e 1.271 (2010/0128315­6) ­ SC pelo MinistroPresidente do Superior Tribunal de Justiça (evento 21):

(3). Fitomassa inundada e qualidade da água

O Ministério Público Federal objetiva ordem judicial que obrigue oórgão empreendedor a apresentar projeto considerando a retirada total(100%) da vegetação de grande e pequeno porte existente na área a seralegada pelo reservatório, devendo constar, inclusive, o destino davegetação retirada, conforme juízo técnico do órgão ambiental. Nainicial, consta informação do órgão ministerial no sentido de que assuas participações em reuniões e audiências públicas evidenciaramgrande preocupação do órgão ambiental e das entidades ambientaisquanto à qualidade da água do reservatório, tendo havido, inclusive,representação formais quanto a tal aspecto apresentadas peloMunicípio de Erval Grande/RS, pela empresa Santo Inácio MineraçãoLtda., bem como pela Associação Amigos do Rio Uruguai (AARU).

Consta dos autos (evento 1, PROCADM 14) ofício expedido pela Fozdo Chapecó ao Ministério Público Federal, em 20/04/2010, informandoque não haverá supressão da vegetação nas áreas de encostas cominclinação superior a 45 graus, a fim de evitar exposição dos operáriosa risco de acidentes, e também nas áreas em que haja possibilidade dedano à vegetação localizada em APP, devido à necessidade de seremmantidas áreas de refúgio para a ictiofauna, conforme estudo

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denominado "Parametrização do Modelo CE QUAL W2 Estimar oEfeito da Biomassa Inundada na Qualidade da Água do Reservatório doAHE Foz do Chapecó".

O IBAMA, ao se manifestar sobre o pedido de liminar (evento 14),argumentou que a definição da quantidade de vegetação necessáriapara a manutenção da qualidade da água foi concluída a partir deestudos elaborados por profissionais competentes contratados pela Fozdo Chapecó Energia, e que o montante definido nos estudos foisuprimido pela Hidrelétrica.

Contudo, a Polícia Militar Ambiental de Chapecó, atendendo requisiçãodo Ministério Público Federal, efetuou levantamento sobre a área queserá alagada pelo reservatório da usina e concluiu que as supressõesrealizadas foram apenas pontuais, remanescendo grande quantidadede vegetação na área no reservatório:

[...]

Resumidamente, podendo concluir que em poucos locais foirealizada a retirada de vegetação, esta ocorreu em locaispontuais, ainda existindo grandes quantidades de vegetação naárea de formação do lago da UHE Foz do Chapecó; salientandoque no trecho compreendido do Porto Goio­En até o Porto deCaxambu do Sul, segue­se a mesma situação; o trechocompreendido do Porto Caxambu do Sul até o canteiro de obrasda empresa em Águas de Chapecó, apesar de ainda restar áreascom vegetação nativa na área de formação do lago, é o localonde está concentrada a maior parte da retirada da vegetação.

Quanto à declividade de terreno junto à margem catarinense dorio, foi observado que na média não é superior a 33º, destaforma, não há Área de Preservação Permanente (APP) comdeclividade superior a 45º. Salienta­se que os índices dedeclividade apresentados no relatório são aproximados.Eventualmente em alguma pequena parcela isolada do terreno,poderão existir pontos com grau de declividade maior.

Com relação aos pontos em que a declividade apresentada econstatada no relatório, que estão entre 25º e 33º, onde aindanão foram feitos trabalhos de supressão da vegetação,principalmente nos pontos com vegetação nativa em estágioavançado (mata nativa), salienta­se que alguns destes locais sãode difícil acesso, fato que acarreta maiores riscos às pessoasque vão executar os serviços de supressão, conforme relatórioque adiante segue.

[...].

Analisando a legislação de regência, percebe­se que a obrigatoriedadede retirada da vegetação arbórea do leito do lago da hidrelétricadecorre da previsão contida no art. 1º da Lei 3.824/60, que dispõe oseguinte:

É obrigatória a destoca e conseqüente limpeza das baciashidráulicas, dos açudes, represas ou lagos artificiais,construídos pela União, pelos Estados, pelos Municípios ou por

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empresas particulares que gozem de concessões ou de quaisquerfavores concedidos pelo Poder Público.

Embora a legislação não tenha mencionado expressamente, aobrigação de retirada da vegetação decorre do fato de que a existênciade matéria orgânica em represas, com sua eventual decomposição,provoca alteração das condições físico­químicas das águas represadas,com redução dos níveis de oxigênio dissolvido e elevação dasquantidades de fósforo e nitrogênio, o que é prejudicial às formas devida animal e humana. A manutenção de troncos de água submersostambém poderá trazer prejuízos à navegação que será realizada sobrea área do reservatório. Como prova concreta dessas afirmações,conforme informou o Ministério Público Federal, cita­se a existênciade uma ação civil pública junto à 3ª Vara Federal em Gioânia(processo 2007.35.00.007454­0), que objetiva justamente à reparaçãodos danos causados em decorrência da ausência de supressão davegetação antes do enchimento do reservatório da hidrelétrica.

O IBAMA, ao avaliar o prognóstico de qualidade da água noreservatório a ser formado pelo barramento AHE Foz do Chapecó(Parecer 16/2009 ­ evento 1, PROCADM 4), definiu o seguinte:

[...]

O estudo apresentado aplicou o modelo tridimensional GEMSS­ERM (Generalized Environmental Modeling System forSurfieewaters ­ Environmental Resources Management, 2006)em conjunto com o modelo bidimensional CE QUAL W2 paraelaborar o prognóstico da qualidade da água no futuroreservatório ao longo de seções transversais e ao longo dacoluna da água avaliando os parâmetros oxigênio dissolvido,demanda bioquímica de oxigênio, temperatura, nitrogênio efósforo em quatro cenários distintos, relacionados a quantidadede biomassa vegetal a ser retirada. O cenário 1 considerou asupressão total da vegetação, com exceção da retirada davegetação rasteira; o cenário 2 considerou a supressão de 60%da vegetação de grande porte e 40% da vegetação de pequenoporte (capoeiras); o cenário 3 considerou a supressão de 40% davegetação de grande porte e 60% da vegetação de pequenoporte; o cenário 4 considerou a não retirada da biomassa a serinundada.

[...]

De modo geral, os melhores resultados de qualidade da águaforam, em ordem decrescente, a seguinte: cenário 1, 2, 3 e 4.Como era de se esperar, os cenários que suprimiram maisvegetação e principalmente vegetação de grande porte,apresentou os melhores resultados.

Com exceção de alguns resultados presentes na análise espacialem que são encontradas situações em o cenário 4 se mostramelhor que o cenário 1, os demais resultados se mostrarambastante razoáveis.

O que se percebe no caso em apreço é que o órgão ambiental, apesarde mencionar que os cenários que apresentam maior quantidade desupressão tenham indicado os melhores resultados quanto à qualidade

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da água, através do Parecer 36/2010 (evento 1, PROCADM 9), optoupelo cenário 3, que equivale à supressão de apenas 40% da vegetaçãode grande porte e 60% da vegetação de pequeno porte:

[...]

Caso o consórcio não se manifeste no prazo recomenda­se queesta Diretoria oficie o empreendedor a efetuar o desmatamentodescrito abaixo:

608 ha da vegetação secundária em estágio médio deregeneração, sendo 211 ha nos afluentes e 397 ha no rioUruguai;

127 ha de vegetação secundária em estágio inicial deregeneração;

1.630 ha de vegetação rasteira (gramíneas e cultivos).

Não obstante esteja evidente o empenho do IBAMA em garantir àmanutenção da qualidade da água no reservatório, inclusive comrecomendações e condicionantes expedidas quanto a tal aspecto,percebe­se que a autarquia não apresentou nenhuma justificativaquanto ao fato de ter deixado de optar pela medida mitigadora maiseficaz, por ele próprio anteriormente indicada, que seria a supressãototal da vegetação do entorno do reservatório.

Nesse ponto é importante mencionar que, contrariamente ao quedefendeu a Foz do Chapecó Energia no documento CE­FCE­0378/09­CO, o fato de as águas do Rio Uruguai apresentarem antecedentehistórico de poluição não afasta a responsabilidade do órgãoempreendedor quanto à implementação de todas as ações necessáriaspara mitigar os efeitos danos da usina sobre a área atingida. Inclusive,em várias passagens do EIA e do parecer técnico consta informaçãoacerca da deterioração da qualidade da água em face da instalação dausina.

Também o fato de a supressão das árvores nas regiões de encostascom declive acentuado ser mais dificultosa, inclusive com riscos dedanos aos funcionários, não é justificativa hábil para a manutenção davegetação. Em que pese não se esteja aqui negando a existência dosriscos apontados pelo empreendedor, não há como aceitar que umaempresa do porte da Foz do Chapecó Energia, que teve estruturasuficiente para construir todo o empreendimento da barragem,superando todas as dificuldades decorrentes dessa grande obra, venhaagora justificar sua omissão no corte das árvores na existência deriscos aos funcionários. Certamente, a supressão da vegetaçãoapresenta menos riscos aos funcionários do que aqueles que existiramquando da construção dos túneis, pontes e comportas da usina.

Não obstante o IBAMA, no Parecer 16/2009 (evento 1, PROCADM 4),tenha determinado à Foz do Chapecó a apresentação de medidasmitigadoras complementares relativas ao agravamento na qualidade daágua na região do reservatório e no trecho de vazão reduzida, sendotais medidas colocadas como condicionante à emissão de licença deoperação, como no atual momento processual não há qualquerinformação quanto à eficácia de tais medidas ou garantia do seucumprimento, e como a área do reservatório ainda não foi alagada, a

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fim de evitar danos futuros irrecuperáveis, em atenção aos princípiosambientais da prevenção e precaução, entendo como medida adequadaa apresentação de um projeto detalhado que contemple a retirada detoda a biomassa existente na área do reservatório que não sejanecessária à preservação da ictiofauna e das reservas indispensáveis àgarantia da piscicultura.

Em que pese este juízo não desconheça a previsão legal contida no art.2º da Lei 3.824/60, que prevê a possibilidade de manutenção de áreasde vegetação necessárias à proteção da ictiofauna e piscicultura, nãohá nada nos autos, até o presente momento, que indique que o montantede vegetação mantido na área do reservatório tenha algumaequivalência com a reserva de proteção prevista pela lei.

É de conhecimento de todos as dificuldades na reparação dos danosambientais, e, em certos casos, há de se considerar que nem todos osdanos podem ser reparados pela ação humana. Dessa forma, irradiacom grande eficácia os princípios conformadores do direito ambiental,em especial o princípio da precaução e da prevenção.

Sobre o princípio da precaução, vale salientar que sua atuação não seconstitui apenas num recurso contra a degradação do meio ambiente.Pelo contrário, sua significação compreende também a garantia dapreservação da espécie humana, e uma melhor qualidade de vida paraa coletividade. Consoante às palavras de Machado:

Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido,como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ouincerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grandeinovação do princípio da precaução. A dúvida científica,expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção"(MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro.São Paulo: Malheiros, 2001. p.55).

Como se vê, o princípio da precaução implica uma ação antecipatóriaà ocorrência do dano ambiental, o que garante a plena eficácia dasmedidas ambientais selecionadas. Neste sentido, Milaré assevera que"Precaução é substantivo do verbo precaver­se (do latim prae = antese cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautelapara que uma atitude ou ação não venha resultar em efeitosindesejáveis.

Não custa reiterar: não há como negar a crescente degradaçãoambiental nas últimas décadas. À vista deste cenário, o direito de viverem um ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido à categoria deDireito Fundamental pela CF/88. Observa­se, assim, que aconsagração do princípio da precaução no ordenamento jurídico pátriorepresenta a adoção de uma nova postura em relação à degradação aomeio ambiente. Ou seja, a precaução exige que sejam tomadas, porparte do Estado, medidas ambientais que, num primeiro momento,impeçam o início da ocorrência de atividades potencialmente lesivasao meio ambiente.

Vale salientar que, nesse momento processual, pairam incertezas sobreo método adotado pelo empreendedor de suprimir somente parte damata do entorno da área alagada. E, como já exposto alhures, incide,neste caso, com toda a sua eficácia, o princípio da precaução, na buscade proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambientecomo pelo asseguramento da integridade da vida.

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A aplicação do princípio em comento implica uma ação preventiva etem como objetivo evitar a repetição dos danos ambientais como osocorridos na UHE Cana Brava em decorrência da não retirada de todaa vegetação existente no reservatório antes do enchimento do lago(ACP 2007.35.00.007454­0, ajuizada pelo MPF junto a SubseçãoJudiciária de Goiânia).

Posteriormente à decisão liminar transcrita, ainda no ano de2010, as comportas da usina foram fechadas e iniciou­se a formação dolago, com a supressão de vegetação aprovada pelo IBAMA (Cenário 3 ­supressão de 40% da vegetação de grande porte e 60% da vegetação depequeno porte). Após mais de 4 anos da formação do reservatório, épossível afirmar que já houve sua estabilização (no Plano Complementarde Monitoramento da Qualidade da Água consta que o período deestabilização representa cerca de dois anos a partir do enchimento doreservatório ­ evento 139, OUT2, p. 8), de modo que, se antes haviaincertezas quanto às consequências da supressão de apenas parte davegetação, agora a perícia judicial, aliada aos demais documentos juntadosaos autos, especialmente os relatórios de monitoramento da água,comprovam que não houve piora na qualidade da água decorrente da nãosupressão de 100% da vegetação, como sustenta o Ministério PúblicoFederal na inicial.

As provas constantes dos autos apontam que o cenário 3,escolhido pelo IBAMA para supressão da vegetação, não trouxe prejuízosem relação à qualidade da água. A perícia judicial informou que aqualidade da água do reservatório manteve­se em condições "entre boa eótima". Transcrevo excertos do laudo pericial para melhor compreensãodo tema (evento 395, LAUDPERI1):

[...]

Justiça Federal de Vara de Chapecó

Quesito 1. Quais os parâmetros físicos, químicos ou biológicos daqualidade de água que foram significativamente alterados após aformação do reservatório da UHE Foz de Chapecó? É possível afirmarque as eventuais alterações verificadas decorrem exclusivamente daimplantação do empreendimento?

Resposta: Com base nos dados apresentados é possível concluir que aqualidade da água se manteve em condições, entre boa e ótima, paraos parâmetros analisados. [...]

Quesito 2. Quais alterações nos parâmetros físicos, químicos oubiológicos da qualidade da água são eventos comuns e separados apóso enchimento de reservatórios?

Resposta: As alterações estão relacionadas à mudança do fluxohídrico, que passa de lótico para lêntico, e são momentâneas:aumento da temperatura e pressão hídrica, diminuição do oxigênio,aumento da turbidez e da cor, para este caso específico, como o tempode detenção do reservatório é pequeno, este efeito pode serconsiderado adverso de baixa significância.

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[...]

Complementares da Foz do Chapecó Energia

[...]

Quesito 14. Considerando os resultados do monitoramento da qualidadedas águas superficiais prévios ao enchimento do reservatório,constantes do documento “RELATÓRIO TÉCNICO – Análise daQualidade das Águas Superficiais: Fase Rio e Fase Reservatório,período março de 2008 a março de 2011”, é possível afirmar que aqualidade das águas superficiais do reservatório do AHE Foz doChapecó, após o enchimento do reservatório, é superior aos resultadosda Fase Rio, ou seja, referido relatório indica que a qualidade da águano reservatório mantevese comparativamente semelhante?

Resposta: A qualidade da água no reservatório manteve­secomparativamente semelhante à qualidade da água da fase rio.

Quesito 15. Considerando os resultados do monitoramento da qualidadedas águas superficiais prévios ao enchimento do reservatório,constantes do documento “RELATÓRIO TÉCNICO – Análise daQualidade das Águas Superficiais: Fase Rio e Fase Reservatório,período março de 2008 a março de 2011”, é possível afirmar queausência de supressão total da vegetação da área do reservatório nãoprovocou a redução dos níveis de oxigênio dissolvido e acarretou amortandade da ictiofauna e a eutrofização do reservatório?

Resposta: Não houve redução significativa dos níveis de oxigênio,tampouco se verificou mortandade da ictiofauna e a eutrofização doreservatório.

Quesito 16. Considerando os resultados do monitoramento da qualidadedas águas superficiais prévios ao enchimento do reservatório,constantes do documento “RELATÓRIO TÉCNICO – Análise daQualidade das Águas Superficiais: Fase Rio e Fase Reservatório,período março de 2008 a março de 2011”, é possível afirmar queausência de supressão total da vegetação da área do reservatórioprovocou o agravamento da qualidade da água em padrões inferioresàqueles observados antes da formação do lago?

Resposta: Não houve agravamento da qualidade da água em níveissignificativos àqueles observados antes da formação do lago.

[...]

Não obstante o autor defenda a supressão total da vegetação,as informações constantes dos autos indicam que essa opção não é a quemelhor se coaduna com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Issoporque, além de as modelagens matemáticas terem concluído que nãohaveria diferença significativa em relação à qualidade da água entre oscenários 1 a 3, a manutenção de parte da vegetação serve como refúgio ealimentação à ictiofauna. Nesse sentido, os peritos, quando perguntados arespeito dos impactos decorrentes de eventual remoção total da vegetaçãosobre a ictiofauna, afirmaram o seguinte (evento 395, LAUDPERI1):

Complementares da Foz do Chapecó Energia

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Quesito 7. Quais os impactos esperados da remoção total da vegetaçãoarbórea e arbustiva da área alagada sobre a ictiofauna do reservatório,em especial sobre as formas jovens e as forrageiras?

Resposta: Desabrigo, aumento da predação e escassez de alimentos.

Quesito 8. Quais os impactos esperados da remoção parcial davegetação arbórea e arbustiva da área alagada sobre a ictiofauna doreservatório?

Resposta: Impactos positivos de baixa significância.

Nesse contexto, considerando que a supressão de 100% davegetação não se mostra a melhor opção (cenário 1), restariam os cenários2 a 4, tendo o IBAMA optado pelo cenário 3, com as seguintesjustificativas exaradas no Parecer nº 16/2009,COHID/CGENE/DILIC/IBAMA, de 16/03/2009 (evento 18, OUT12, p.1):

2 ­ Conclusão

Considerando o exposto acima e que os principais problemasrelacionados à qualidade da água estão relacionados à elevada cargade poluição já existente no rio Uruguai advindos da bacia contribuintede montante, notadamente para o parâmetro fósforo total.

Considerando que não foram reveladas grandes diferenças entre oscenários apresentados, com exceção dos cenários extremos (cenário 1e cenário 4).

Considerando que as alterações na qualidade da água quando doenchimento do reservatório adotando a ação mitigadora inicial desupressão da vegetação de 40% da vegetação de grande e de 60% davegetação de menor porte apresenta resultados superiores àquelesverificados nos dados históricos de qualidade da água superficial daUHE Itá, imediatamente a montante futuro reservatório.

Considerando que o efeito da inundação da biomassa ocasionaráalterações severas na qualidade da água na área de influência doempreendimento, no entanto, temporárias ­ principalmente durante osprimeiros 9 meses após o enchimento. Por outro lado, considerando aelevada concentração média de fósforo total atual no rio Uruguai eseus afluentes ­ boa parte do tempo acima dos limites preconizados naResolução CONAMA n. 357/2005 para rio classe II ­ e também oagravamento dessa situação com a formação do reservatório e dotrecho de vazão reduzida ­ TVR, recomenda­se a aprovação daproposta de remoção de fitomassa proposta no cenário 3, qual seja:supressão de 40% da vegetação de grande porte (211 ha nosformadores secundários e 608 ha no rio Uruguai) e 60% da vegetaçãode pequeno porte, desde que sejam adotadas algumas medidasmitigadoras complementares:

Realizar a supressão da vegetação de grande porte situada em cotaspróximas ao nível máximo normal de operação para evitar a formaçãode paliteiros e favorecer a navegação, principal atenção deverá serdada para as localidades de fácil acesso ao futuro lago, com o intuitode contribuir para a sua beleza cênica.

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Apresentar no prazo de 180 dias, plano complementar demonitoramento de qualidade da água, especialmente elaborado paraefetuar o acompanhamento do enchimento e estabilização doreservatório e validar a modelagem matemática aqui analisada. Oplano deverá prever ações emergenciais para potenciais situações dedecaimento na qualidade da água e que possam vir a colocar em riscoa saúde publica e a comunidades aquáticas.

Após a decisão liminar proferida nestes autos, o IBAMAemitiu o Parecer nº 65/2010, apresentando informações adicionais aoParecer nº 21/2010, mencionado na decisão. Em relação à fitomassainundada e qualidade da água informou (evento 77, LAU2, p. 3):

Além das questões já citadas no Parecer n°21/2010, entende­se comonecessário o esclarecimento dos seguintes pontos.

A modelagem matemática foi adotada como a ferramenta para simulare prever a qualidade da água considerando o enchimento doreservatório em diferentes cenários de vegetação a ser retirada nabacia de acumulação. Neste sentido, a modelagem tem a função dereproduzir, com relativa precisão, uma grande quantidade defenômenos físicos, químicos e biológicos para resultar nasconcentrações esperadas de determinados parâmetros físicos equímicos indicadores de qualidade da água. Para tanto, são inseridasdiversas equações matemáticas e coeficientes que representam taisfenômenos.

No referido estudo de qualidade da água: “Parametrização do ModeloCE QUAL W2 para estimar o efeito da Biomassa Inundada naQualidade da Água do Reservatório do AHE Foz do Chapecó”, foramsimulados quatro cenários de desmatamento, quais sejam:

cenário 1 – supressão total da vegetação;

cenário 2 – supressão de 60% da vegetação de grande porte e40% da vegetação de pequeno porte;

cenário 3 – supressão de 40% da vegetação de grande porte e60% da vegetação de pequeno porte; e

cenário 4 – sem supressão de vegetação.

Neste sentido, por conta da quantidade de fitomassa a ser inundada,sabe­se, de antemão, que o cenário 1 é o que acarretará uma menorpiora na qualidade da água e que o cenário 4 o que acarretará o maiordecréscimo na qualidade da água. No Parecer n°16/2009 foi feito oseguinte comentário:

“De modo geral, os melhores resultados de qualidade da águaforam, em ordem decrescente, a seguinte: cenário 1, 2, 3 e 4.Como era de se esperar, os cenários que suprimiram maisvegetação e principalmente vegetação de grande porte,apresentou os melhores resultados.”

Esse comentário e a aprovação por este Instituto do cenário 3 gerouuma estranheza por parte do Ministério Público Federal e que foievidenciada na decisão da Justiça Federal, por aparentemente

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apresentar uma contradição. Portanto, esclarece­se que o comentárioexarado no citado parecer foi no sentido de confirmar a expectativaprimeira de o resultado da simulação matemática conferir com afundamentação teórica, conforme descrito no parágrafo anterior, ouseja, o resultado da simulação foi similar ao que é esperado com baseno conhecimento teórico e prático. Ainda é importante destacar que,posteriormente no estudo, com base em fundamentos estatísticos, foramefetuadas comparações entre os cenários 1, 2, 3 e 4 e verificou­se queos resultados entre os cenários 1 e 2 não representaram significânciaestatística a um nível de 5%, ou seja a supressão total ou aquelaproposta no cenário 2, estatisticamente, proporcionaria a mesmaqualidade da água em termos de oxigênio dissolvido. Além disso, foiverificado que para as água superficiais (5m) o padrão de oxigêniodissolvido seria atendido em 75 % do tempo para o período simulado dedois anos, para os cenários 2 e 3, situação essa superior à qualidade daágua encontrada na UHE Itá (barragem situada imediatamente amontante da UHE Foz do Chapecó). Tal constatação, levou a conclusãodo estudo de que a qualidade da água do rio Uruguai na área deinfluência da UHE Foz do Chapecó será comandada principalmentepela água defluente de Itá e que a degradação da vegetação, por contada inundação, teria pouca influência na qualidade das águas. Portanto,o estudo apresentado pela FCE conclui nos seguintes termos (página 92do estudo)

Comparando­se a porcentagem de atendimento ao padrão de ODdas águas superficiais da UHE Itá, cerca de 57%, com apercentagem de atendimento das águas superficiais simuladas daUHE Foz do Chapecó para os cenários 2 e 3, cerca de 75%, ocenário 3 poderia ser adotado como o cenário de supressão defitomassa, pois seus níveis de OD simulados são estatisticamentesemelhantes aos dados históricos de qualidade da águasuperficial das barragens a montante.

Neste sentido o cenário 3 foi aprovado por este Instituto, como ocenário de supressão de vegetação a ser adotado.

Por fim, acerca do tema, entende­se que o cenário 1 de supressão totalda vegetação, caracteriza­se por uma medida de difícil execução, poishá que considerar as dificuldades em efetuar o desmatamento em áreasmuito íngremes e além disso os estudos recomendam a manutenção dealguma vegetação com fins de refúgio para a ictiofauna. Dessa forma,conclui­se que a remoção total da vegetação é uma medida extremaque deve ser adotada em situações que os estudos de qualidade da águaapontem como uma ação necessária e ainda assim, deverá sersubtraído o montante de vegetação necessário para a proteção daictiofauna.

Com relação à vistoria efetuada pela Polícia Militar Ambiental, citadana ACP, tem­se a informar que de fato ainda há vegetação na bacia deacumulação e que o montante da vegetação a ser suprimido foi de 40%da vegetação de grande porte e 60% da vegetação de pequeno porte, ouseja, o restante ainda permanece na área a ser inundada. Portanto orelato da Polícia Ambiental não aponta, a princípio, irregularidades doprocesso de licenciamento. Destaca­se que a equipe técnica do Ibamaresponsável pelo processo de licenciamento efetuou vistoria aérea naregião, com vistas a verificar o cumprimento, por parte doempreendedor, das ações de desmatamento, conforme pode severificar no respectivo relatório de vistoria (em anexo). [...]

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Nota­se que não obstante os questionamentos sobre as razõesque levaram à sua escolha, o Cenário 3 mostrou­se adequado, não tendohavido registro de mortande de peixes, anóxia e eutrofização da água(aumento da concentração de nutrientes, especialmente fósforo enitrogênio, nos ecossistemas aquáticos), tendo a qualidade da águapermanecido entre boa e ótima, confirmando­se a previsão da modelagemmatemática utilizada para o cálculo da supressão da vegetação, ou seja, deque não haveria prejuízo para a qualidade da água.

Quanto à mortande de peixes no reservatório, cumpreregistrar que a perícia informou, inicialmente (evento 395, LAUDPERI1):

Justiça Federal de Vara de Chapecó

Quesito 4. Foi observada a mortandade de peixes no reservatório?Existem elementos capazes de associar eventual mortandade de peixese possíveis decréscimos da qualidade da água superficial?

Resposta: Segundo relatos de ribeirinhos, sim houve mortandade depeixes no período de enchimento. Isso pode estar associado devido àsalterações na hidrodinâmica do rio, provocando mudanças nascaracterísticas físicas da água. No entanto, quando as condiçõesforam normalizadas, e as características qualiquantitativas da águaatingiram níveis satisfatórios, proporcionando as condições mínimaspara a sobrevivência das espécies de seres vivos no ambiente,restabeleceu­se a normalidade, principalmente com os níveis deoxigênio dissolvido, situação verificada durante as visitas a campo.

Complementares da Foz do Chapecó Energia

Quesito 9. Houve algum registro de mortandade que pudesse serassociado a condições anóxicas decorrente da manutenção de parte davegetação na área alagada?

Resposta: Não foram encontrados registros de mortandade associadosàs condições de anoxía.

[...]

Quesito 15. Considerando os resultados do monitoramento da qualidadedas águas superficiais prévios ao enchimento do reservatório,constantes do documento “RELATÓRIO TÉCNICO – Análise daQualidade das Águas Superficiais: Fase Rio e Fase Reservatório,período março de 2008 a março de 2011”, é possível afirmar queausência de supressão total da vegetação da área do reservatório nãoprovocou a redução dos níveis de oxigênio dissolvido e acarretou amortandade da ictiofauna e a eutrofização do reservatório?

Resposta: Não houve redução significativa dos níveis de oxigênio,tampouco se verificou mortandade da ictiofauna e a eutrofização doreservatório.

Posteriormente, diante de impugnação do IBAMA,ressaltaram os peritos que, embora existam relatos, não foram encontradosdocumentos que comprovem a mortandade (evento 446, PET1):

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Manifestação IBAMA: Com relação ao quesito 4 apresentado peloJuízo, explicitar se a mortandade de peixes ocorreu dentro dosparâmetros normais para operações dessa natureza, bem como apontarse a causa foi a alteração na qualidade da água ou a diminuição bruscado nível das águas (como apontado pelos assistentes técnicos doIBAMA), informando em que elementos se fundamenta a conclusão.

R. Não foram encontrados documentos que comprovam a mortandadede peixes durante o período de enchimento, embora existam relatos,estes não estão documentados.

Cumpre registrar, quanto à alegação de que em poucos locaisteria sido realizada a retirada da vegetação ­ caracterizando­se eventualdescumprimento da condicionante de supressão aprovada ­, que não háprovas a infirmar o laudo do IBAMA que atestou o seu cumprimento.

No que tange ao Relatório de Vistoria (Documento DAT­MA nº 0444/2011) originário da Unidade de Assessoramento Ambientaldo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, observa­se queembora este tenha registrado que não teria sido realizado o corte devegetação nativa (evento 124), a mencionada vistoria foi realizada em18/11/2010, ou seja, após o fechamento das comportas e início daformação do lago, não servindo de parâmetro para verificação datotalidade da vegatação suprimida. Cito excerto do documento (evento124):

Como pode ser observado no relatório fotográfico (anexo), no trajetopercorrido durante a vistoria embarcada foi possível observar grandequantidade de copas de árvores parcialmente submersas. Embora emalguns pontos da margem do lago fossem observadas leiras de madeiraempilhada, o volume total observado foi pequeno, enquanto queremanescentes de vegetação nativa e exótica arbórea parcialmentesubmersos existiam ao longo de ambas as margens do lago dabarragem. Isto evidencia que o corte da vegetação arbórea não foirealizado na área de alague do reservatório da barragem Foz doChapecó. Cabe destacar que durante a vistoria embarcada foivisualizada um embarcação realizando o corte das copas expostasdentro do lago do reservatório da barragem Foz do Chapecó. Talprocedimento, além de mascarar a não realização do corte davegetação, oferece grande risco à navegação no lago por ocultar apresença dos troncos submersos os quais pode danificar ou mesmonaufragar embarcações.

Uma vez que não foi realizado o corte da vegetação existente na áreade alague, pode­se pressupor que a camada de solo orgânica tambémnão foi removida. A decomposição da matéria orgânica proveniente davegetação e do solo compromete a qualidade da água do reservatório,alterando o pH pelo acúmulo de ácidos húmicos e elevando os níveis decompostos nitrogenados e fosfatos. Este processo pode, inclusive,reduzir a vida útil dos equipamentos utilizados na geração de energiaelétrica.

Ressalte­se que referido documento sequer está assinado.Note­se que apesar de uma das pessoas que participou da vistoria ter sidoouvida como testemunha neste processo (Luiz Fernando de Souza ­ evento

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332), ela própria seixou claro em seu depoimento que não tinhaconhecimento do montante da vegetação que deveria ser suprimida deacordo com a licença.

Quanto à vistoria realizada pela Polícia Militar de SantaCatarina (evento 1, PROCADM39), mencionada na decisão que deferiu opedido liminar, não se trate de um parecer realizado por órgão ambiental enão tem o condão de afastar a presunção de legitimidade das informaçõesprestadas pelo IBAMA, no sentido de que houve supressão do montanteprevisto na licença.

O próprio relatório menciona locais de "difícil acesso, fatoque acarreta maiores riscos às pessoas que vão executar os serviços desupressão", bem como salienta a necessidade de se abrirem acessos até amargem do rio para fazer a retidada da vegetação, o que acaba "pordestruir mata nativa fora dos limites da cota a ser alagada, destruiçãoesta que seria interessante evitar, se possível". O relatório orienta,ainda, que "seja requisitada a presença do IBAMA, para acompanhar asupressão e emitir o relatório, pois a Polícia Militar Ambiental deChapecó não detém as informações e estudos científicos que embasaramao agente público do IBAMA, que culminou na emissão da autorizaçãopara supressão da vegetação em apreço".

Tais informações deixam evidente que a vistoria realizadapela Polícia Militar não pode se sobrepor à conclusão do IBAMA nosentido de que não foram encontradas divergências entre as poligonais dedesmatamento apresentadas pela FCE por meio do documento CE­FCE–334/10­RES e aquelas verificadas de forma amostral em campo durantevistoria realizada pelo IBAMA.

Conforme informado no Memo nº 200/2011 ­COHID/CGENE/DILIC/IBAMA (evento 147, MEMORANDO1) oIBAMA realizou vistoria aérea de todo o futuro reservatório, antes do seuenchimento, constatando que foi realizada a supressão de vegetaçãoconforme as poligonais encaminadas pela Foz do Chapecó Energia, o quefoi constatado por meio do uso de GPS.

Do referido relatório de vistoria, realizado no período de 08a 11 de junho de 2010, com o objetivo, entre outros, de verificar se asatividades de desmatamento foram concluídas de acordo com opreconizado no estudo de qualidade da água e com o relatório final dedesmatamento apresentados pela Foz do Chapecó (evento 77, LAU6 aLAU12), extrai­se que foi realizada vistoria aérea objetivando "verificarpor amostragens as poligonais de desmatamento efetuados pelaFCE,comparando as informações apresentadas pelo empreendedor nodocumento CE­FCE­334/10­RES", tendo sido destacado que "a soma daspoligonais, numa verificação de escritório, equivale ao quantitativo deárea a ser desmatada definida na modelagem matemática" (evento 77,LAU9, p. 3).

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Referido relatório, no que tange ao desmatamento, concluiuque "não foram encontradas divergências entre as poligonais dedesmatamento apresentadas pela FCE por meio do documento CE­FCE­334/10­RES e àquelas verificadas de forma amostral de campo" (evento77, LAU12, p. 1).

Diante da ausência de elementos que tenham o condão de,evidentemente, afastar as informações prestadas pelo órgão ambiental,prevalece a presunção de veracidade e legitimidade de seus atos.

Quanto às condições de navegabilidade no reservatório,embora não se negue a existência da formação de paliteiros emdeterminados pontos, a parte autora não logrou êxito em comprovar queimpeçam, prejudiquem, dificultem ou tragam perigo anormal à navegação.

Visando comprovar os supostos perigos observados com amanutenção de parte da vegetação, juntou o Ministério Público Federalofício enviado pela Associação dos Amigos do Rio Uruguai e Afluentes ­AARU, com os relatos de supostos acidentes ocorridos (evento 635,OFIC3). No entanto, observa­se que referido documento não estáassinado, tampouco foram juntados outros elementos que pudessemcorroborar as informações nele constantes ­ como Boletim de Ocorrênciados acidentes, comprovação dos danos sofridos, entre outros.

A prova testemunhal também não trouxe aos autos maioreselementos a respeito.

Gelso Lemes de Campos, testemunha arrolada peloMinistério Público Federal, subtenente da Polícia Militar, informou queembora a navegação tenha se tornado perigosa, não tem conhecimento deacidentes com embarcações em face das árvores submersas (evento 619,AUDIO MP32).

Luis Fernando de Souza (evento 332), testemunha arroladapelo Ministério Público Federal, que participou da vistoria documentadano DAT­MA nº 0444/2011 (evento 124), realizada logo após ofechamento das comportas, informou que havia muita vegetação aparentee que encontraram uma embarcação realizando corte de copas das árvores,o que torna a navegação perigosa. Eis um trecho de seu depoimento:

No momento em que a gente estava realizando a vistoria, uma daspreocupações do piloto da embarcação era constantemente desviar davegetação que estava aparente no lago e também da vegetação queestava boiando no lago, e em grande quantidade até pelo não corte davegetação, e isso se torna mais evidente ainda no momento que a genteviu essa embarcação sem identificação cortando a copa das árvoresque estava aparente, de modo que os troncos ficariam submersos,então, dificultando ainda mais para o piloto da embarcação identificar apresença desses materiais e podendo levar à colisão da lancha e até onaufrágio.

[..].

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: A retirada das copas, no seuentendimento, ainda piora a situação em termos de navegação no meioambiente?

[...]

TESTEMUNHA: Para navegação, a remoção das copas com certezaagrava o problema porque dificulta a visualização a distância, e quandotu está navegando, algumas vezes até em velocidade elevada, nãoconseguir visualizar um alvo a distância acaba prejudicando até apilotagem da embarcação.

Quanto à vegetação boiando no lago, deve­se ter em menteque referida vistoria foi realizada logo após o início da formação doreservatório, o que pode ser considerado normal e inclusive esperado.

No que tange aos alegados perigos à navegação decorrentesda supressão somente das copas das árvores ou da manutenção de árvoresque formam os paliteiros, embora não haja nos autos provas robustas desua ocorrência, entendo que ainda que se cogite de eventual prejuízo ànavegação, o fato não implica a determinação de supressão de 100% davegetação, como requerido na inicial. Evidentemente que se há perigo ànavegação em decorrência do corte impróprio realizado nessas condições,tais fatos devem ser apurados e corrigidos pontualmente, pela viaadministrativa. Entretanto, tal fato por si só não altera a conclusão de queo pedido formulado nestes autos deve ser julgado improcedente.

Vale ressaltar que, ao se conceder a Licença de Operação,uma das condicionantes (nº 2.20) determinou que a Foz do ChapecóEnergia apresentasse proposta de desmatamento adicional, com finspaisagísticos e de favorecimento à navegação. Se houve prejuízo ànavegação, ou se esta foi desfavorecida, bastaria ao interessado requerer ocumprimento da mencionada condicionante, que dispõe, in verbis (evento139, OUT12):

2.20. Apresentar, no prazo de 90 (noventa) dias, proposta dedesmatamento adicional, com fins paisagísticos e de favorecimento ànavegação.

Nesse contexto, tendo em vista que não foi comprovadoprejuízo ao meio ambiente, especialmente em relação à qualidade da água,tampouco há evidências de que houve prejuízo à navegação, e que, poroutro lado, a manutenção de parte da vegetação favorece a ictiofauna, nãohá falar em supressão de 100% da vegetação, conforme requerido nainicial.

d) Conclusão

Após analisar todo o conjunto probatório, não se podeafirmar que havia, no caso concreto, providência menos gravosa ao meioambiente que deixou de ser adotada pelos réus, ao menos no que tange aospedidos formulados na inicial.

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Nesse contexto, não cabe ao Poder Judiciário imiscuir­se nomérito do ato administrativo, já que não há provas de que os pedidosformulados na inicial atenderiam melhor ao meio ambiente do que asprovidências adotadas na prática.

O Poder Judiciário só poderia interferir, determinando aadequação ou substituição das medidas adotadas, se estivesse patentealguma ilegalidade, algum dano evidente ao meio ambiente ou àscomunidades atingidas pelo empreendimento. No entanto, a instruçãoprobatória não logrou êxito em comprovar tal situação. Ao contrário, háindícios de que as medidas adotadas foram as mais adequadas ao casoconcreto.

Não se pode ignorar que há mais de uma forma de se mitigarou compensar um impacto ambiental, havendo,portanto, discricionariedade administrativa. E, ao que tudo indica, o órgãoambienal, utilizando­se de sua discricionariedade, adotou, dentre asformas possíveis, aquelas mais favoráveis ao meio ambiente e à produçãode energia.

A posição do IBAMA ­ autarquia competente para olicenciamento e para definir os estudos ambientais imprescindíveis paratanto ­ conta com as presunções de legalidade, veracidade e legitimidade,inerentes aos atos administrativos, devendo estas prevalecerem naausência de provas cabais que infirmem seus atos.

Nestes termos, quanto aos pedidos de obrigação de fazerformulados na inicial, conclui­se:

a) Seja o IBAMA condenado a considerar, quando daanálise do projeto respectivo, a supressão da totalidade da vegetação naárea inundada do reservatório, indicando o destino da vegetaçãosuprimida: o IBAMA já considerou a possibilidade de supressão de 100%da vegetação, concluindo que não era a opção mais viável, o que nãodestoa do conjunto probatório da presente demanda;

b) Seja o IBAMA condenado a analisar os projetosapresentados pelo Foz do Chapecó Energia, considerando a construçãodo canal lateral como mecanismo e transposição da ictiofauna a serimplementado pelo empreendedor, bem como o aumento da vazãoremanescente do rio Uruguai a jusante do barramento até a casa deforça, analisando conjuntamente características geomorfológicas,hidrológicas, hidráulicas e biológicas do rio para fixação da vazãoremanescente: o IBAMA já analisou os estudos sobre a viabilidade deconstrução do canal lateral, bem como a necessidade de aumento da vazãoremanescente, concluindo que estas não são alternativas viáveis ounecessárias no caso em análise. A prova produzida nestes autoscorroborou as conclusões do IBAMA.

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c) Seja a ré Foz do Chapecó Energia condenada a executaro projeto do mecanismo de transposição na modalidade ­ CANALLATERAL ­, apresentado e aprovado pelo IBAMA como medidamitigadora dos impactos ambientais causados à ictiofauna do RioUruguai, sem prejuízo da implementação do projeto da Estação dePiscicultura de São Carlos e demais condicionantes exigidas pelo órgãoambiental, no decorrer do licenciamento e também da presente ação civilpública: restou comprovado que a construção do canal lateral não é viávelno caso em análise.

d) Seja a ré Foz do Chapecó Energia condenada aimplementar o projeto resultante da definição da nova vazãoremanescente, considerando a vazão ecológica do rio no trecho entre obarramento e a casa de força, nos termos previamente aprovados peloIBAMA, sem prejuízo da implementação do projeto de saneamento dosmunicípios do entorno do empreendimento e demais condicionantesexigidas pelo órgão ambiental no decorrer do licenciamento e também dapresente demanda: não foi comprovada a necessidade de definição denova vazão remanescente, nos termos do analisado no decorrer da presentesentença.

e) A condenação da ré Foz do Chapecó Energia a executar oprojeto de retirada de 100% da vegetação de grande e de pequeno portena área que será inundada com a formação do reservatório, conforme oprojeto aprovado pelo IBAMA: não foi comprovado que a supressão de100% da vegetação é a medida adequada no caso concreto.

III. Dispositivo

Ante o exposto:

a) ACOLHO A PRELIMINAR de perda de objeto dospedidos de obrigação de não fazer formulados na inicial, e rejeito asdemais preliminares;

b) JULGO IMPROCEDENTES os demais pedidos e declaroextinta a relação processual, com resolução de mérito, nos termos do art.269, inciso I, do CPC.

Não há condenação ao pagamento de custas e honoráriosadvocatícios de sucumbência (art. 18 da Lei n. 7.347/1985).

Condeno o Ministério Público Federal, a arcar, emdefinitivo, com os honorários periciais por ele já adiantados nestes autos,uma vez que a dicção do art. 18 da Lei n. 7.357/85 refere somente que nãohaverá o adiantamento de honorários periciais.

Dou esta sentença por publicada com a sua liberação nosistema. Registrada eletronicamente. Intimem­se.

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5000930­57.2010.404.7202 720000122278 .V550 FWA© PMW

Submeto esta sentença ao reexame necessário, devido àaplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/65, que dispõe que "asentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação estásujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depoisde confirmada pelo tribunal" (STJ, REsp 1.108.542/SC, Min. CastroMeira, Dje 29.05.2009, e REsp 33.932, Rel. Napoleão Nunes Maia Filho,Dje 21/11/11).

Havendo interposição tempestiva de recurso por qualquerdas partes, estando presentes os demais requisitos para a suaadmissibilidade, dou­o(s) por recebido(s) no(s) efeito meramentedevolutivo (Lei n. 7.347/85, art. 14). Intime(m)­se para contrarrazões.Decorrido o prazo, desde já determino a remessa dos autos ao TRF da 4.ªRegião.

Documento eletrônico assinado por PRISCILLA MIELKE WICKERT PIVA, Juíza FederalSubstituta, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 eResolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade dodocumento está disponível no endereço eletrônicohttp://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do códigoverificador 720000122278v550 e do código CRC ff5f8277.

Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): PRISCILLA MIELKE WICKERT PIVAData e Hora: 31/03/2015 21:11:14