Psicologia Do Desenvolvimento e Da Aprendizagem

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  • Psicologia do Desenvolvimento e da

    Aprendizagem

    U416. 17

  • Autor: Prof. Mrio Destro MonteiroColaboradores: Profa. Cielo Festino

    Profa. Valria de Carvalho

    Psicologia do Desenvolvimento e da

    Aprendizagem

  • Professor conteudista: Mrio Destro Monteiro

    Mrio Destro Monteiro nasceu em So Paulo, onde vive e trabalha atualmente. Possui graduao em Educao Fsica e Tcnicas Desportivas pelas Faculdades Integradas de Guarulhos e mestrado em Psicologia da Educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Atualmente, professor adjunto da Universidade Paulista e coordenador de estgios em educao na mesma instituio.

    Tem experincia na rea educacional, com nfase em psicologia escolar, atuando principalmente a partir dos seguintes temas: educao fsica escolar, psicologia educacional, psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, didtica geral e especfica, prtica de ensino, recreao e estrutura e funcionamento do ensino.

    Estuda as relaes entre psicologia e educao e leciona e produz materiais e pesquisas relacionados a esses assuntos h mais de dez anos. Sua ateno se desdobra principalmente sobre as questes que envolvem a aplicao dessa relao na dinmica professor-aluno, na forma como trabalhar com os alunos produtiva e respeitosamente, na compreenso sobre as necessidades de cada fase na qual os alunos possam estar inseridos, na resoluo de problemas de relacionamento em sala de aula, na indisciplina, na motivao etc.

    Desde 2005, leciona as disciplinas ligadas rea de educao e psicologia educacional na Universidade Paulista.

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrnico, incluindo fotocpia e gravao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permisso escrita da Universidade Paulista.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    M775p Monteiro, Mrio Destro

    Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem / Mrio Destro Monteiro. So Paulo: Editora Sol, 2012.

    164 p., il.

    Nota: este volume est publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Srie Didtica, ano XVII, n. 2-049/12, ISSN 1517-9230

    1. Psicologia do desenvolvimento. 2. Psicologia da aprendizagem. 3. Psicologia e educao I. Ttulo.

    CDU 159.922

  • Prof. Dr. Joo Carlos Di GenioReitor

    Prof. Fbio Romeu de CarvalhoVice-Reitor de Planejamento, Administrao e Finanas

    Profa. Melnia Dalla TorreVice-Reitora de Unidades Universitrias

    Prof. Dr. Yugo OkidaVice-Reitor de Ps-Graduao e Pesquisa

    Profa. Dra. Marlia Ancona-LopezVice-Reitora de Graduao

    Unip Interativa EaD

    Profa. Elisabete Brihy

    Prof. Marcelo Souza

    Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar

    Prof. Ivan Daliberto Frugoli

    Material Didtico EaD

    Comisso editorial: Dra. Anglica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Ktia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valria de Carvalho (UNIP)

    Apoio: Profa. Cludia Regina Baptista EaD Profa. Betisa Malaman Comisso de Qualificao e Avaliao de Cursos

    Projeto grfico: Prof. Alexandre Ponzetto

    Reviso: Simone Oliveira Andria Andrade

  • SumrioPsicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

    APRESENTAO ......................................................................................................................................................7INTRODUO ...........................................................................................................................................................7

    Unidade I

    1 O DESENVOLVIMENTO E A APRENDIZAGEM ...........................................................................................91.1 Trs tericos do desenvolvimento: Piaget, Vygotsky e Wallon .......................................... 12

    2 JEAN PIAGET ...................................................................................................................................................... 142.1 Psicologia gentica ou epistemologia gentica ...................................................................... 152.2 Construtivismo-interacionismo ...................................................................................................... 152.3 A inteligncia ......................................................................................................................................... 162.4 Equilibrao majorante ...................................................................................................................... 172.5 Esquemas e estruturas ....................................................................................................................... 172.6 Assimilao ............................................................................................................................................. 182.7 Acomodao ........................................................................................................................................... 192.8 As fases do desenvolvimento cognitivo ...................................................................................... 192.9 Estgio sensrio-motor ..................................................................................................................... 202.10 Estgio pr-operatrio ou objetivo-simblico ....................................................................... 222.11 Estgio operatrio concreto .......................................................................................................... 242.12 Estgio operatrio formal .............................................................................................................. 262.13 A formao do juzo moral ............................................................................................................ 272.14 Desenvolvimento da prtica das regras ................................................................................... 302.15 Conscincia das regras na criana .............................................................................................. 322.16 A coero dos adultos e o realismo moral .............................................................................. 332.17 A ideia de justia na criana ......................................................................................................... 352.18 A moral da coero e a moral de cooperao ....................................................................... 37

    3 LEV SEMENOVICh VYGOTSKY ..................................................................................................................... 403.1 A proposta de uma nova psicologia ............................................................................................. 413.2 Um pouco da teoria ............................................................................................................................ 423.3 O uso de instrumentos e a mediao simblica ...................................................................... 453.4 Pensamento e linguagem ................................................................................................................. 483.5 Aprendizagem e desenvolvimento ................................................................................................ 513.6 As zonas de desenvolvimento ......................................................................................................... 53

    4 hENRI WALLON: PSICLOGO E EDUCADOR ......................................................................................... 564.1 Pressupostos terico-metodolgicos ........................................................................................... 574.2 As leis que regem o desenvolvimento e os princpios tericos para se compreender a teoria ................................................................................................................................. 61

  • 4.3 Os conjuntos funcionais .................................................................................................................... 634.3.1 O ato motor ............................................................................................................................................... 644.3.2 A afetividade ............................................................................................................................................. 674.3.3 O cognitivo ................................................................................................................................................ 71

    4.4 As fases do desenvolvimento propostas por Wallon ............................................................. 74

    Unidade II

    5 SKINNER E O COMPORTAMENTALISMO ................................................................................................. 975.1 O behaviorismo ou cincia do comportamento humano .................................................... 975.2 Watson e o comportamento respondente ................................................................................. 985.3 O behaviorismo radical de Skinner................................................................................................ 995.4 O comportamento operante ..........................................................................................................1045.5 Reforamento ......................................................................................................................................1055.6 Estmulos aversivos: fuga e esquiva, dois destaques do reforamento negativo..................1065.7 Outros tpicos fundamentais decorrentes do reforamento ...........................................107

    5.7.1 Generalidades da espcie ..................................................................................................................1075.8 Controle de estmulos.......................................................................................................................1095.9 Controle e contra-controle ............................................................................................................ 1105.10 A educao na viso de Skinner ................................................................................................ 1105.11 Anlise e discusso sobre as possibilidades de aplicao da teoria de Skinner .................113

    6 DAVID AUSUBEL E A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA .................................................................. 1166.1 A teoria de Ausubel ........................................................................................................................... 117

    7 hOWARD GARDNER ....................................................................................................................................1257.1 Os testes de Q.I. e as Inteligncias Mltiplas (IM) .................................................................1267.2 O que significa o termo Inteligncia na teoria de Gardner? ............................................1297.3 As primeiras Inteligncias descritas e alguns importantes princpios tericos ...................130

    7.3.1 Inteligncia lingustica .......................................................................................................................1317.3.2 Inteligncia espacial ........................................................................................................................... 1337.3.3 Inteligncia musical ............................................................................................................................ 1347.3.4 Inteligncia corporal cinestsica ................................................................................................... 1357.3.5 Inteligncia interpessoal ................................................................................................................... 1367.3.6 Inteligncia intrapessoal ................................................................................................................... 136

    7.4 Surgem duas novas inteligncias: a naturalista e a pictrica .........................................1377.5 Comentrios importantes sobre a teoria ..................................................................................138

    8 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................................................1408.1 Uma importante discusso sobre as similaridades e diferenas entre Piaget, Vygotsky e Wallon ......................................................................................................................1408.2 Skinner e Ausubel e howard Gardner ........................................................................................142

  • 7APRESENTAO

    O presente material foi escrito na perspectiva de criar um arcabouo terico de fcil acesso, tomando por base todos os princpios que guiam as teorias psicolgicas consagradas pelos meios educacionais, teorias essas capacitadoras de uma viso real, humana e condizente com os conhecimentos necessrios a todos os professores que pretendem educar, ensinar e proporcionar o desenvolvimento de seus alunos como fruto de seu trabalho.

    Para isso, o texto foi dividido em duas unidades, uma basicamente para a psicologia do desenvolvimento e a outra para a psicologia da aprendizagem. Ressaltamos que a juno de ambas permite compreender a psicologia educacional como um todo. So quatro captulos para cada unidade, o que indica uma diviso facilitadora e delimitada por assuntos que se encadeiam na ordem em que devem ser lidos para um melhor aproveitamento do material.

    Ao final de cada unidade, h um resumo e exerccios que exigem a releitura do texto como forma de buscar a fixao da matria pela leitura seletiva, necessria para se conseguir responder s questes propostas. Os estudos de caso foram includos a fim de fazer com que haja uma aplicao prtica dos contedos. Quase todos foram vinculados a situaes prticas do cotidiano, de modo a se tornarem mais motivantes e fceis do que outras formas de aplicao.

    Alm disso, procuramos ilustrar o material com figuras e quadros esquemticos, por considerarmos o aspecto visual como facilitador da compreenso humana. Nesse sentido, pedimos ao leitor o esforo de fazer as relaes entre texto e imagem, a fim de obter uma compreenso mais imediata das teorias apresentadas.

    Algumas tabelas visam separar, categorizar e resumir os princpios apresentados. Assim, necessrio dar uma ateno especial a cada uma delas e, s vezes, fazer uma releitura dos tpicos aps seu estudo.

    INTRODUO

    Esta disciplina tem por objetivo fornecer um olhar pelas lentes da psicologia aos assuntos relacionados ao desenvolvimento da pessoa humana e de como a aprendizagem ocorre por meio de questes de ensino.

    Esse olhar deve proporcionar ao professor uma familiaridade com as questes provindas do crescimento e da evoluo de seus alunos. Para ensinar, o professor deve conhecer como os alunos pensam, sentem e agem diante das circunstncias da vida diria.

    A interao entre o trip professor, aluno e conhecimento pode se dar de uma forma muito natural, desde que respeitadas as caractersticas tanto do desenvolvimento como da aprendizagem de ns, seres humanos.

    Dessa forma, objetivamos a transformao da viso do professor, de modo que ele possa estar apto a reconhecer as caractersticas comuns do desenvolvimento de seus alunos. Com isso, ser possvel a

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    adequao de suas tcnicas de ensino s dinmicas de aprendizagem que as teorias apontam como facilitadoras.

    Para que os professores possam exercer sua atividade de ensino, eles precisam se situar sobre todas as variveis envolvidas por essa atividade. As formas de crescimento e as etapas de aprendizagem so duas dessas variveis.

    A psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem preocupa-se em estudar como os aspectos fsico-motor, intelectual ou cognitivo, afetivo-emocional e social se comportam do nascimento idade adulta e como eles interferem na capacidade de aprender do aluno, evitando uma atividade desvinculada das capacidades humanas e dos limites de cada um.

    O professor que negligencia alguns fatores importantes das dinmicas de desenvolvimento e aprendizagem corre o risco de no apenas deixar de ensinar, mas tambm de trazer problemas srios capacidade dos alunos de aprender e se desenvolver.

    Todos ns temos uma maneira de nos comportar, seja por conta da cultura, da influncia gentica, das nossas escolhas ou das pessoas ao nosso redor, que nos influenciam a todo instante.

    Algumas regras que explicam como acontece o desenvolvimento j existem graas cincia moderna, da mesma forma acontece no que se refere capacidade dos seres humanos aprenderem: a cincia moderna tambm pode explic-la de diversas maneiras.

    Frente a isso, surgem as questes: possvel aprender sem se desenvolver? Ou, por outro lado, possvel se desenvolver sem aprender?

    As respostas a essas perguntas estaro nas interessantes teorias do desenvolvimento e da aprendizagem que veremos neste texto. Por serem perguntas complexas, as respostas tambm o sero.

    O nico fato irrefutvel que ser professor sem conhecer cientificamente como uma criana aprende e se desenvolve pode gerar erros que o conhecimento terico poderia ter evitado.

    Conheamos agora mais sobre o assunto.

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    Unidade I1 O DESENVOLVIMENTO E A APRENDIZAGEM1

    O termo desenvolvimento utilizado aqui no sentido de mudanas, evoluo. h uma dinmica prpria que provoca isso, e exatamente o que vamos estudar.

    Os seres humanos se desenvolvem mental e organicamente. O primeiro tipo de desenvolvimento se caracteriza pelo aparecimento de estruturas mentais que se aperfeioam e modificam ao longo da vida, porm, com perodos de grandes modificaes antes de atingir certa estabilidade, na idade adulta. So as regras que garantem o funcionamento harmnico da inteligncia, da vida afetiva, das habilidades em geral e das relaes sociais.

    Figura 1 hereditariedade: transmisso gentica de geraes anteriores

    Estudar o desenvolvimento humano conhecer as caractersticas comuns de cada uma de suas fases, permitindo o respeito a cada necessidade e interesse prprio das faixas etrias e jamais tratando a criana como um adulto em miniatura.

    Segundo Bock et al. (2000), os fatores que influenciam o desenvolvimento e a aprendizagem so:

    hereditariedade: o potencial gentico que trazemos conosco por herana da espcie humana e de nossa famlia permite a aquisio de determinadas caractersticas fsicas e psicolgicas, tais como a predisposio a ser mais introspectivo, mais gil ou at mais forte. As predisposies

    1 O tpico foi baseado na obra Psicologias: uma introduo ao estudo da psicologia, de Ana Mercs Bahia Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Trassi Texeira, lanada pela editora Saraiva no ano de 2000.

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    genticas podem ou no se desenvolver, pois elas dependem de um ambiente propcio para isso, um ambiente que as estimule. Alguns cientistas dessa rea do um peso maior s questes genticas, ou seja, eles afirmam que estamos pr-programados e que algumas de nossas funes se desenvolveriam de qualquer maneira, o que indica que eles no acreditam na contribuio da convivncia com o outro, da relao com o ambiente ou do contexto no qual o indivduo est inserido;

    Figura 2 Crescimento orgnico

    crescimento orgnico: refere-se a questes fsico-motoras e biolgicas que envolvem como as crianas podem fazer contato com o ambiente em que habitam. Conforme o organismo cresce, vrias oportunidades se abrem, assim como necessrio que haja algumas adequaes. O corpo, por exemplo, cresce e se alonga, permitindo um maior alcance a objetos at ento inacessveis. A interao do crescimento com a alimentao pode ou no proporcionar um desenvolvimento mais rpido. Alguns exemplos de crescimento so o aumento da altura e do peso, a formao da postura e da estrutura corporal ssea etc.;

    Figura 3 Maturao neurofisiolgica

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    maturao neurofisiolgica: a que torna possvel a ligao entre o crebro e o restante do corpo com o mundo, a vida e seus desafios. Para manipular um objeto, jogar videogame ou at mesmo aprender a escrever, as estruturas neurolgicas precisam estar suficientemente amadurecidas para dar conta de tais demandas. A coordenao exigida pelo jogador de futebol ou pelo artista plstico, por exemplo, fruto desse amadurecimento;

    meio, contexto, ambiente: trata-se do conjunto de influncias que possibilitam um estmulo que provocar certas manifestaes no sujeito. Em conjunto com seu potencial orgnico (hereditrio), sua condio de crescimento fsico e seu grau de maturao neurofisiolgica, esses desafios iro moldar e configurar o ser humano. Isso tudo est relacionado ao conjunto de condies oferecidas pelo meio, como alimentao, fatores favorveis ou desfavorveis, problemas, dificuldades, facilidades etc. Certas dificuldades que vivenciamos em nosso cotidiano so como uma mola propulsora, pois nos obrigam a um esforo que influenciar nosso desenvolvimento. como uma forma de encontrar solues para os problemas que surgem e, com isso, aprender coisas novas que, consequentemente, nos desenvolvero nas capacidades exigidas para resolver tais problemas.

    Figura 4 Exemplo de meio, contexto, lugar onde vivemos

    Ainda segundo Bock et al. (2000), os aspectos do desenvolvimento humano so:

    aspecto fsico-motor: trata-se da capacidade de movimento ou no movimento (postura) do corpo, da tenso gerada pelos msculos, da manipulao de objetos, da locomoo e de toda a visibilidade das aes humanas;

    aspecto intelectual (cognitivo): trata-se da racionalidade humana, aspecto estudado e destacado por Jean Piaget. aquilo que garante o pensamento, a identificao de objetos, o nomear, o separar, o organizar etc. Nossa comunicao e organizao mental esto vinculadas a uma organizao cognitiva;

    aspecto afetivo-emocional: refere-se s emoes, sentimentos, sensaes etc., quilo que confere um valor, uma estima sobre o mundo, sobre ns mesmos e sobre outras pessoas, garantindo que possamos dizer por quem ou pelo que nos interessamos, temos medo etc.

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    Aspecto motor

    Aspecto cognitivo Aspecto afetivo

    Os trs aspectos se articulam mutuamente

    Todos se encontram sempre presentes

    Formao do ser humano

    Figura 5 Representao dos aspectos funcionais humanos

    Algumas teorias ainda incluem o aspecto social como do desenvolvimento humano. No entanto, possvel ver em diversos textos, como na viso do psiclogo do desenvolvimento henri Wallon, que podemos considerar o aspecto social como a razo e os limites dados para o desenvolvimento do sujeito, pois o mbito social estimula o aparecimento e o desenvolvimento de uma srie de funes que, junto com o potencial gentico, determinaro at que ponto cada sujeito se desenvolve.

    No que se refere aprendizagem, podemos entend-la como a aquisio de um repertrio de conhecimentos, habilidades e caractersticas comportamentais. A partir do ponto que dizemos acrescentar algo novo a esses itens, podemos dizer que o sujeito aprendeu.

    1.1 Trs tericos do desenvolvimento: Piaget, Vygotsky e Wallon

    Jean Piaget, Lev Vygotsky e henri Wallon so conhecidos mundialmente por serem, atualmente, os psiclogos do desenvolvimento mais representativos nessa rea. Podemos afirmar que, apesar de se diferenciarem em suas teorias chegando at mesmo a caminhos opostos , eles so complementares para o complexo entendimento dos aspectos psicolgicos que auxiliam a compreenso do desenvolvimento humano para a educao. Dessa forma, ao se apropriar desses trs pensamentos psicolgicos, o educador ter a possibilidade de compreender melhor a forma como se desenvolve o ser humano e poder se munir de estratgias mais eficazes para preparar suas aulas e desenvolv-las com naturalidade e fluidez, caractersticas necessrias para um trabalho educativo de qualidade.

    Para entrar na obra desses autores, vrios esclarecimentos se fazem necessrios. Assim, discorremos sobre cada um deles, separadamente, e veremos suas contribuies para as vises educativas modernas. Em seguida, abordaremos os trs em conjunto, para verificarmos como cada um difere do outro em sua abordagem terica. Assim, evitaremos falar sobre eles como se fossem um extenso do pensamento do outro, o que seria um grande erro.

    Jean Piaget deixou uma grande marca no meio educativo e chegou a influenciar imensamente a educao no Brasil em uma poca conhecida como movimento da Escola Nova. Esse movimento,

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    por um lado, era regido pela questo poltica e, por outro, pela psicologia educacional, em ascenso.

    A maneira de construir sua teoria pautava-se em uma forma de estimular e observar o desenvolvimento e a aprendizagem. Apesar de Piaget no ter construdo sua teoria como um educador, os educadores se apropriavam dela como se fosse um decalque do mtodo de pesquisar, como uma forma de educar. No entanto, infelizmente no era isso que sugeria Piaget.

    Muitos educadores assumiram o construtivismo piagetiano como um observar e deixar o sujeito construir seu prprio conhecimento de maneira espontanesta2 e sem grandes intervenes. Isso um grande erro, pois, mesmo no mtodo empregado por Piaget, havia a problematizao constante para ver como as crianas resolviam os problemas propostos pelo terico. A sua inteno era observ-las construindo seu prprio desenvolvimento, entretanto, ele intervinha como um pesquisador.

    Se aproveitssemos parte desse mtodo de pesquisa para um trabalho educativo, teramos a necessidade de ser professores mediadores, que problematizam as condies que a criana possui dentro da escola como forma de estmulo, para que ela resolva ativamente tais problemas e construa novas bases de desenvolvimento. Ao contrrio disso, porm, muitos lanaram mo das bases tericas piagetianas distorcendo-as, afirmando que a interveno no permitiria que a criana construsse ativamente seu prprio desenvolvimento.

    J Vygotsky, que viveu aproximadamente cinquenta anos menos que Piaget e Wallon, teve mais repercusso no Brasil por volta dos anos 1980, muitos anos depois da influncia de Piaget e aproximadamente na mesma poca da de Wallon. Vygotsky surgiu com uma nova proposta, em duas obras marcantes, intituladas Pensamento e Linguagem e Formao Social da Mente. Nelas, discute respectivamente a questo de como se desenvolve o pensamento e a linguagem na perspectiva scio-histrica e como as questes sociais interferem na formao do sujeito.

    Wallon, que visitou o Brasil em 1935, influenciou, assim como Piaget, o pensamento educativo. No entanto, o estudo mais aprofundado de sua obra se deu somente por volta dos anos 1980, por pesquisadores de grandes universidades do pas (heloysa Dantas e Izabel Galvo, da Universidade de So Paulo, e Abigail A. Mahoney e Laurinda R. de Almeida, da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo).

    Quadro 1 Sntese comparativa

    Jean Piaget Construtivista-interacionista: maior considerao base biolgica e orgnica dos indivduos.

    Lev Vygotsky Scio-histrico: maior considerao aos fatores sociais e culturais do desenvolvimento.

    Henri Wallon Interacionista: maior considerao interao de ambos os fatores, orgnicos e sociais, equilibradamente.

    2 Grosso modo, poderamos dizer que deixar a criana aprender espontaneamente e no fazer absolutamente nada para intervir foi uma desculpa de muitos colegas educadores para no trabalhar.

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    Essas teorias possuem grande valia no pensamento educacional, pois, da mesma forma que um mdico estuda biologia para compreender aspectos importantes da formao dos seres humanos, a educao precisa estudar outras cincias, como a psicologia, que instrumentaliza o professor sobre como o ser humano , ou seja, como seu aluno funciona, como se desenvolve e como aprende em decorrncia da interao exercida entre eles.

    No devemos nos apropriar de qualquer uma dessas trs teorias utilizando os instrumentos tericos das demais. Explicaremos melhor os motivos desse alerta aps explicarmos mais detidamente os preceitos tericos de cada um desses trs psiclogos.

    Comearemos por um dos mais famosos, o epistemlogo Jean Piaget.

    2 JEAN PIAGET

    Jean Piaget (1896-1980) um dos mais conhecidos tericos da psicologia educacional. Formou-se em biologia e filosofia e, desde muito cedo, se destacou por sua capacidade de observao e descrio: aos 11 anos de idade, percebeu um pssaro albino em uma praa de sua cidade, o que gerou seu primeiro trabalho cientfico.

    O terico nasceu em 1896, em Neuchtel, na Sua. Seu pai, Arthur Piaget, foi um professor de literatura medieval na Universidade de Neuchtel. Piaget se tornou doutor em cincias naturais pela Universidade de Neuchtel e, aps isso, estudou na Universidade de Zrich.

    No incio de sua carreira acadmica, Piaget se interessou pela psicanlise. Assim, mudou-se para Paris, na Frana. L, fez pesquisas no colgio Grange-Aux-Belle, dirigido por Alfred Binet, onde desenvolveu o teste de inteligncia de Binet (Q.I.). Foi durante seu trabalho com os resultados desses testes que Piaget percebeu regularidades nas respostas erradas das crianas de mesma faixa etria. Tais dados permitiram o lanamento da hiptese de que o pensamento infantil qualitativamente diferente do pensamento adulto. Em 1921, ele retornou Sua a convite do diretor do Instituto Rousseau, situado em Genebra.

    No ano de 1923, Piaget se casou com Valentine Chtenay, uma de suas ex-alunas. Juntos, tiveram trs filhos, cujos desenvolvimentos cognitivos foram minuciosamente estudados pelo pesquisador suo. Em 1929, Jean Piaget aceitou o posto de diretor do Internacional Bureau of Education e permaneceu frente do instituto at 1968.

    Em 1964, o terico foi convidado como consultor-chefe de duas conferncias na Cornell University e na University of California. Ambas as conferncias debatiam possveis reformas curriculares baseadas nos resultados das pesquisas de Piaget quanto ao desenvolvimento cognitivo. Em 1979, ele recebeu o Balzean Prize for Political and Social Sciences.

    Ao longo de sua brilhante carreira, Piaget escreveu mais de 75 livros e centenas de trabalhos cientficos. Ele morreu no dia 19 de setembro de 1980, com 84 anos.

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    Cabe esclarecer que Piaget no foi um pedagogo propriamente dito, mas os profissionais da educao viram em sua teoria algo que poderia ser aproveitado na prtica educativa. Portanto, imprescindvel que saibamos no ser correto usar o termo pedagogia de Piaget, mas sim o termo psicologia do desenvolvimento de Piaget, o que indica princpios tericos e fases de desenvolvimento que podem ajudar muito a prtica docente.

    O principal campo de estudos do pesquisador foi o desenvolvimento da inteligncia humana e, dentro dessa perspectiva, captou a transformao do sujeito em cada ganho na estrutura cognitiva que este obtinha ao enfrentar os desafios que os objetos de conhecimento impunham-no. Assim, Piaget desenvolveu sua teoria pelo vis da epistemologia gentica.

    2.1 Psicologia gentica ou epistemologia gentica

    A epistemologia gentica, nome dado por Piaget sua obra, denota sua principal preocupao. Ele prprio se definia em primeiro lugar como um epistemlogo.

    A epistemologia apontada como uma reflexo sobre os mtodos empregados nas cincias ou na filosofia da cincia: epistm (cincia) + logos (tratado, estudo). Portanto, a primeira preocupao de Piaget diz respeito forma como o conhecimento surge no ser humano.

    A epistemologia gentica objetiva explicar a continuidade entre processos biolgicos e cognitivos, partindo dos primeiros, ou melhor, da gnese (o que explica o termo gentica).

    A obra do pesquisador veio pelo caminho daquilo que o prprio Piaget chamou de construtivismo-interacionista.

    2.2 Construtivismo-interacionismo

    Alm de se intitular epistemlogo, Piaget tambm se dizia construtivista-interacionista. A significao do ltimo termo parte de uma viso inatista do sujeito, ou seja, este no se desenvolve espontaneamente nem nica e exclusivamente pelas demandas do meio, seguindo uma viso ambientalista que d valorizao excessiva s experincias do sujeito como exclusivas para seu desenvolvimento. O termo, portanto, refere-se juno dessas duas correntes, inatista e ambientalista, pois Piaget afirma que o sujeito somente constri seu conhecimento na interao entre as demandas do meio e suas iniciativas. na interao entre sujeito e objeto de conhecimento que o sujeito constri suas bases e evolui.

    Seu principal foco de estudo foi o campo da inteligncia humana e todos os seus desdobramentos.

    Lembrete

    Na abordagem construtivista-interacionista, o sujeito constri seu conhecimento com base em sua interao com o meio/contexto.

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    2.3 A inteligncia

    Na viso construtivista-interacionista, a inteligncia o que permite a existncia de duas capacidades distintas e complementares, a saber: a organizao e a funo.

    Figura 6 Inteligncia manifestada na escola

    A primeira capacidade trata a inteligncia como uma aptido de organizao do sujeito, pois, para fazermos qualquer coisa, necessitamos organizar nossas aes. Por exemplo, para explicar este texto, a inteligncia ajuda a organizar as palavras coerentemente e o mesmo ocorreria se ele tivesse que ser explicado oralmente. Uma criana brincando utiliza sua inteligncia para organizar suas aes com os brinquedos, como o que fazer, onde lev-los etc. Um jovem que vai a uma festa deve organizar sua mente para selecionar a roupa que vestir, tomar seu banho conscientemente, vestir tal roupa, selecionar o caminho at o local, sua maneira de agir etc. Assim, podemos dizer que uma pessoa escolhe o que fazer, o que falar, o que deixar de fazer etc. pelo uso de sua inteligncia.

    A segunda capacidade da inteligncia, por sua vez, corresponde aptido adaptativa do sujeito, pois, desde o nascimento, somos submetidos a inmeras circunstncias com as quais ainda no estamos preparados para lidar. Por exemplo, um beb nasce em um mundo falante e ainda no fala. O enfrentamento dessa situao, dependendo dos estmulos oferecidos pelo meio, da capacidade biolgica e gentico/hereditria, da maturao neurofisiolgica e das condies sociais do sujeito, pode lhe dar as condies adequadas para a adaptao.

    Precisamos nos adaptar a toda condio que a vida nos oferece e a inteligncia possui a capacidade de prover as condies de desenvolvimento e aprendizagem necessrias a todos.

    h um detalhe importante no mbito da inteligncia que provocado pelo desequilbrio intelectual ou de compreenso. Somos sempre postos em situaes desestruturantes que exigem de ns uma busca incessante por uma nova estabilidade intelectual. Em uma situao nova, h sempre uma falta de adaptao do sujeito, o que exige um esforo dinmico para sua condio de adaptao. Piaget chamou esse processo de equilibrao majorante.

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    2.4 Equilibrao majorante

    A evoluo intelectual, como uma escada que leva a inteligncia do sujeito para um nvel superior ao anterior, caminha sempre para algo maior e mais organizado que a estrutura precedente.

    Piaget afirma que a situao que coloca o sujeito diante de um conflito cognitivo faz com que ele se empenhe em buscar uma situao que o conduza a se reequilibrar em termos de compreenso. Essa busca conduz a um equilbrio (provisrio, por isso o termo equilibrao) cada vez mais estvel e consistente, maior (majorante) do que o anterior. Isso acontece at o final da vida de cada ser humano.

    Figura 7 A equilibrao majorante como uma escada, sempre leva a algo acima do precedente

    Ao reequilibrarmo-nos dinamicamente, montamos o que podemos chamar de esquemas e estruturas intelectuais para continuarmos a aprender e nos desenvolver intelectualmente.

    2.5 Esquemas e estruturas

    No processo de adaptao, o indivduo cria estruturas nas trocas que desenvolve com o meio em que habita. So padres de ao fsica e mental que se referem a atos especficos de inteligncia e correspondem a estgios de desenvolvimento.

    Assim, o esquema uma dessas estruturas cognitivas referente a uma classe de sequncias de aes semelhantes, constituindo totalidades bem delimitadas mentalmente (um todo organizado), o que possibilita aes encadeadas.

    Os esquemas so estruturas que possibilitam que uma criana disponha de suas aes de maneira organizada, por exemplo: olhar procurando seu carrinho de brinquedo, levantar e se locomover at o objeto, pegar o objeto e fazer com ele aes tpicas de seu jeito de brincar.

    Existe uma estruturao de nossas aes motoras e mentais que esquematizam e organizam nossas aes. Porm, so as demandas do meio que desequilibram o sujeito e lhe do a oportunidade do enfrentamento. Com isso, a equilibrao se d na montagem dos esquemas e das estruturas.

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    Figura 8 A inteligncia se monta, formando estruturas, como se fosse uma espcie de quebra-cabeas

    Observao

    O ciclo adaptativo constitudo por dois subprocessos: assimilao e acomodao.

    2.6 Assimilao

    A assimilao a aplicao dos esquemas anteriores do sujeito a uma nova situao, incorporando a esses esquemas os novos elementos.

    Ao entrar em contato com a realidade, o sujeito tenta retirar desta uma forma de interpretao e incorpor-la, ou, utilizando uma linguagem mais prxima da de Piaget, no contato do sujeito com o objeto de conhecimento, h uma tentativa de interpretao a partir da ajuda de seus conhecimentos prvios.

    Esse conceito derivado diretamente da biologia (cincia de origem de Piaget) e diz respeito capacidade do organismo de incorporar objetos da cognio sua estrutura cognitiva. Para que isso ocorra, necessrio que certas transformaes sejam executadas pelo organismo sobre o objeto da realidade, de modo a coloc-lo na forma adequada para que a absoro acontea.

    Figura 9 A assimilao um processo de interpretao da realidade

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    Dessa forma, assimilar incorporar o objeto de conhecimento, ligando-o ao saber prvio que o sujeito possui. Por exemplo, ao tentar explicar a uma pessoa o funcionamento do corpo humano, o professor deve buscar compreender o que o aluno j sabe sobre esse tpico. Assim, a utilizao de uma linguagem que o aluno compreende facilitar sua assimilao.

    Figura 10 A acomodao a transformao das estruturas anteriores do sujeito

    2.7 Acomodao

    A acomodao o que torna possvel a adaptao do sujeito, pois pode complementar o processo de assimilao. Ela diz respeito reestruturao ou modificao dos esquemas assimilatrios do indivduo para lhe dar condies de adquirir um novo conhecimento.

    Podemos afirmar que, em muitos momentos, o conhecimento no se deixa apreender to facilmente. Por isso, as estruturas do sujeito precisam se modificar para que ele tenha condies de assimilao. Essas modificaes acontecem ao mesmo tempo em que o sujeito tenta assimilar o novo objeto de conhecimento, fechando, assim, o ciclo adaptativo da equilibrao majorante.

    Cabe alertar que o significado do termo acomodao costuma ser confundido com estagnao, com o no fazer nada para mudar algo. A acomodao, no sentido piagetiano, exatamente o oposto desse tipo de interpretao, pois o sujeito, para acomodar, precisa de um esforo de compreenso para conseguir assimilar o objeto de conhecimento, que no se deixa absorver to facilmente, obrigando-o a se transformar para dar conta de apreend-lo.

    2.8 As fases do desenvolvimento cognitivo

    Jean Piaget desenvolveu ao longo de sua vida uma teoria bastante consistente para descrever o desenvolvimento cognitivo, sem nunca ter deixado de lado os outros campos funcionais (motor e afetivo). No entanto, ele se ateve exclusivamente ao aspecto cognitivo e tambm recebeu crticas sobre a questo social, como se no tivesse dado a ela a devida

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    importncia. Entretanto, no foi exatamente o que ocorreu, pois Piaget teve inclusive uma obra chamada Estudos Sociolgicos.3

    Em relao ao desenvolvimento intelectual, Piaget deixou uma vasta obra que explica muitos detalhes desse aspecto na transformao qualitativa que a criana paulatinamente sofre at se tornar um adulto. Sobre tais transformaes, Piaget deixa para ns fases universais pelas quais a criana passa durante seu crescimento.

    Essas fases so organizadas pelas caractersticas manifestadas por todas as crianas, independentemente da cultura na qual vivam. No entanto, conforme afirma Piaget, a criana sempre desenvolve as caractersticas que as demandas do meio social ofertam. A criana constri ativamente suas funes sempre em contato com a resoluo de problemas que ela aceita enfrentar.

    Esses estgios so os seguintes: estgio sensrio-motor (de zero a dois anos, aproximadamente); estgio pr-operatrio ou objetivo-simblico (de dois a sete anos, aproximadamente); estgio operatrio concreto (de sete a 11 anos, aproximadamente); estgio operatrio formal (a partir de 11 anos, aproximadamente).

    Vejamos a seguir a descrio de cada estgio com um pouco mais de detalhes.

    2.9 Estgio sensrio-motor

    Pensava-se antigamente que nesse primeiro estgio de desenvolvimento a criana no possua inteligncia e que esta somente viria com a fala e o pensamento.

    Piaget demonstrou com uma grande clareza que, justamente nessa fase, a criana pode estruturar sua compreenso do mundo, ainda que de maneira muito rudimentar. A criana conquista todo o universo que a cerca por meio da percepo e dos movimentos. Podemos dizer que o recm-nascido, com apenas os movimentos reflexos herdados pela hereditariedade, vai aprimorando e elaborando esquemas coordenados.

    O estgio sensrio-motor d todas as bases para a preparao do que a fala. Na verdade, poderamos dizer que a criana s ter o que falar no prximo estgio graas a todas as aprendizagens dos esquemas que ela estrutura em seus dois primeiros anos de vida.

    Observao

    O estgio sensrio-motor uma fase de inteligncia prtica pautada nas aes e percepes da criana em contato com o mundo que a cerca. uma inteligncia ainda no verbal e no representativa, mas ela possibilita a construo do conceito de objeto e do objeto permanente.

    3 Lanada em 1973 pela editora Forense, do Rio de Janeiro.

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    Figura 11 Beb aplicando sua inteligncia prtica do perodo sensrio-motor

    Por volta de aproximadamente nove meses, a criana comea a saber que os objetos existem e permanecem existentes mesmo quando ela no consegue v-los, como um brinquedo guardado, um cachorro que tenha visto etc. Ela demonstra se lembrar de um objeto que at pouco ela s reconhecia se presente diante de seus olhos. Por exemplo, se o cachorro se esconde atrs da porta, a criana demonstra querer buscar o contato com ele mesmo sem t-lo diante de seu campo de viso.

    Nessa fase, a criana tambm forma a noo de causalidade, desenvolvida quando ela supera o que Piaget chama de onipotncia infantil. Esse um estgio em que a criana associa suas aes a tudo o que rege o funcionamento das coisas, como se acontecesse uma mgica, por exemplo: a criana empurra um brinquedo no momento em que a me acende a luz no interruptor. A criana costuma demonstrar que o empurrar do brinquedo magicamente acendeu a luz.

    Ainda nessa fase, a criana faz a diferenciao entre meios e fins, aproximadamente entre os nove e dez meses de idade. At ento, ela via um brinquedo, por exemplo, mexia nesse brinquedo e, quando se colocava um objeto maior que cobrisse esse brinquedo, no ocorria a ela a ideia de retirar o objeto da frente (meio) para que pudesse pegar o brinquedo que lhe interessava (fim).

    Nesse primeiro estgio, tambm se forma a configurao espacial da criana, que passa a reconhecer as trs dimenses dos objetos por volta de um ano de idade. Antes dessa fase, ao colocarmos uma mamadeira com a ponta virada para trs na frente da criana, no ocorria a ela virar a mamadeira com sua mo para que pudesse mamar. Logo, ela no diferenciava as dimenses do objeto apresentado.

    Para explicitar melhor o que significa essa inteligncia prtica, ela remete ao envolvimento no mundo antes da fase verbal, montagem de vrios esquemas encadeados para a interao com as coisas presentes. Por exemplo, o beb pega o que est em sua mo, mama o que posto em sua boca, v o que est diante de si. Ao aprimorar seus esquemas, ele se torna capaz de ver um objeto, peg-lo e lev-lo boca. No final desse perodo, a criana j consegue usar um instrumento como meio para atingir um objeto.

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    Figura 12 - Criana de sete anos, no perodo pr-operatrio, caracterizada em festa comemorativa

    2.10 Estgio pr-operatrio ou objetivo-simblico

    Nesse estgio, surge a funo simblica (aproximadamente de dois a quatro anos): o incio da interiorizao dos esquemas de ao na representao (na linguagem, no jogo simblico, na imitao etc.). A presena da me muito importante e o principal elo com o mundo.

    A representao a ao de pensar um objeto por meio de outro. Por exemplo, se dizemos carro, por meio dessa palavra compreendemos o objeto carro. claro que no temos o carro presente conosco, mas ele se reapresenta por meio de um som emitido pela palavra, que permanece na memria e representado simbolicamente.

    Observao

    Esse estgio conhecido mais popularmente como pr-operatrio, por se caracterizar pela preparao e organizao das operaes concretas; no entanto, Piaget tambm o chama de objetivo-simblico, por ser possvel a criana objetivar simbolicamente sua viso de mundo.

    Figura 13 A criana costuma falar como se o outro soubesse o que ela est pensando. esse comportamento ingnuo que Piaget denomina de egocentrismo intelectual

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    A partir de quatro anos, o raciocnio dominante a intuio. Nesse momento, o estgio passa a ser chamado de estgio do pensamento intuitivo a criana pensa e d explicaes com base em intuies e percepes e no pelo uso da lgica.

    Ela explica ingenuamente as coisas com aquilo que lhe vem mente. Se lhe perguntarmos, por exemplo, o que cu, a criana no incio dessa fase pode responder com qualquer coisa que lhe venha cabea com vento, por exemplo.

    Nessa etapa, a linguagem comea a operar como veculo de pensamento. Segundo Piaget, o crescimento do envolvimento social da criana por esses anos impulsiona o desenvolvimento de seus processos intelectuais.

    Para aqueles que devem aprender a pensar simbolicamente e interpretar o mundo, assimilando-o e acomodando novas estruturas de conhecimento e, principalmente, interiorizar esquemas de ao construdos no estgio anterior (sensrio-motor), esse perodo possui algumas caractersticas peculiares.

    Nesse estgio, por exemplo, a criana egocntrica, centrada em si mesma, e no consegue se colocar, abstratamente, no lugar do outro.

    Figura 14 Simular parte das atividades infantis. Fingindo ser algo ou algum que se aprende

    A egocentricidade da criana nessa fase no deve ser interpretada com o significado correspondente pessoa que s pensa em si mesma. No se trata disso. Na concepo de Piaget, se a criana for recontar uma histria que lhe foi contada, por exemplo, ela a contaria como se a outra pessoa j soubesse a narrativa. Ou, ainda, se fosse perguntar onde est sua boneca, mesmo que ela tenha vrias bonecas, ela perguntaria como se a pessoa soubesse de qual boneca ela est falando. Isso porque ela ainda no capaz de compreender como seu interlocutor pensa, interpreta e compreende o que dito.

    Alm disso, nessa fase de desenvolvimento a criana no aceita a ideia do acaso, tudo deve ter uma explicao. a famosa fase dos porqus.

    O estgio pr-operatrio o da socializao da inteligncia, ou seja, a criana tenta interpretar o mundo com sua capacidade comunicativa. Mesmo no conseguindo absorver uma quantidade considervel de informaes com alto grau de abstrao, ela pergunta sobre tudo e sobre todos. Ela retm muito pouco da explicao, uma vez que ainda no possui um pensamento com capacidade complexa.

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    Alm disso, nessa fase a criana j pode agir por simulao, como se fosse alguma coisa ou algum. Trata-se de seu envolvimento com desenhos, com o mundo do faz-de-conta, com a imitao etc. Tudo isso demonstra uma capacidade de iniciar a representao e o simbolismo. Por exemplo, se a criana imita um personagem do desenho, ela o faz por conseguir reter mentalmente os gestos que so executados diante de seus olhos. Quando ela brinca de faz-de-conta, tambm simboliza gestos de maneira imaginria e possibilita pensar concretamente uma circunstncia inventada.

    A criana nesse estgio no possui tanto conhecimento que a permita distinguir grandes detalhes quanto uma criana do prximo estgio faria facilmente. Nesse caso, a criana se atm ao todo e ainda no pode perceber os requintes que as partes envolvem, ou seja, ela possui uma percepo global sem discriminar detalhes. Por exemplo, se pedirmos que descreva como seu amiguinho ou sua casa, pouco ou quase nada ela saberia explicar.

    Ela tambm se deixa levar pelas aparncias sem relacionar fatos, como quando algum mostra para ela duas bolinhas de massas iguais e molda uma delas em forma de salsicha. A criana nega que a quantidade de massa continue igual, pois as formas so diferentes. Logo, ela no relaciona as situaes entre si.

    Por ltimo, importante salientar que nesse estgio que a criana faz sua entrada no mundo da moralidade, como explicaremos mais adiante.

    2.11 Estgio operatrio concreto

    A principal conquista desse estgio o pensamento mais estruturado. Segundo Piaget, o conceito de pensamento operatrio uma ao interiorizada reversvel.

    Figura 15 Aprendizagem com objetos concretos

    Em outras palavras, podemos comparar essa fase com as conquistas dos estgios anteriores, ou seja, no perodo sensrio-motor, a criana apenas domina as aes, manipulando o prprio corpo e os objetos no mundo. J no perodo seguinte, o pr-operatrio, a conquista a ao interiorizada, ou seja, imaginar internamente algo sendo feito externamente, o que, nesse caso, uma forma de representao simblica da realidade.

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    Assim, no estgio operatrio concreto, a criana vai aprender a realizar uma ao interiorizada reversvel, ou seja, imaginar uma ao, internamente, e voltar ao ponto de partida. Por exemplo, na matemtica pergunta-se criana quanto so quatro laranjas mais quatro laranjas. No estgio pr-operatrio, a criana poderia ter decorado a resposta como sendo igual a oito. No entanto, se perguntssemos logo aps retirarmos quatro das oito laranjas quantas sobraram, somente a criana no estgio operatrio concreto seria capaz de fazer a reverso do raciocnio e responder, por boa lgica, que sobrariam as mesmas quatro do incio da pergunta. Isso uma ao interiorizada reversvel. A diferena que, no perodo anterior, com apenas a capacidade da ao interiorizada ainda no reversvel, a criana no teria instrumentos cognitivos para compreender o fazer e desfazer dessa simples conta, pois ainda lhe falta a capacidade operatria.

    As operaes so processos mentais, um conjunto de aes correlatas que formam um todo integrado. Uma operao mental no tem uma propriedade, mas um grupo de propriedades. Uma de suas caractersticas a reversibilidade, seja pela inverso de combinaes (formas alternadas: classes), seja pela reciprocidade (formas equivalentes: relaes).

    No estgio das operaes concretas, a criana desenvolve conceitos de nmero, relaes, processos etc.; no entanto, ela pensa sempre em objetos reais ou concretos e no em abstraes, isto , as operaes mentais derivam em primeiro lugar de aes fsicas que se tornam internas mentalmente. A criana capaz de realizar uma ao interiorizada, executada em pensamento, e reversvel, pois admite a possibilidade de uma inverso e coordenao com outras aes tambm interiorizadas. Ela necessita de material concreto para realizar essas operaes, porm, j est apta a considerar o ponto de vista do outr o, pois est saindo do egocentrismo intelectual.

    A criana desenvolve noes de tempo, espao, velocidade, ordem, causalidade, entre outras, e j capaz de relacionar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade. Ela no se limita a uma representao imediata, mas ainda depende do mundo concreto para chegar abstrao. Alm disso, a criana desenvolve a capacidade de representar uma ao no sentido inverso de uma anterior, anulando a transformao observada (reversibilidade).

    Ao despejarmos a gua de dois copos em outros de formatos diferentes para que a criana nesse estgio diga se as quantidades continuam iguais, por exemplo, a resposta geralmente afirmativa, uma vez que ela j diferencia aspectos e capaz de refazer a ao.

    Por fim, a criana nessa fase capaz, em nvel de pensamento, de:

    sequenciarideiaseeventos;

    estabelecercorretamenteasrelaesdecausaeefeitoedemeioefim;

    formaroconceitodenmero(noinciodoperodo,suanoodenmeroestvinculadaaumacorrespondncia com o objeto concreto);

    trabalharcomideiassobdoispontosdevistasimultaneamente.

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    A noo de conservao da substncia do objeto (cumprimento e quantidade) surge no incio do perodo; por volta dos nove anos, surge a noo de conservao de peso; e, ao final do perodo, temos a noo de conservao de volume.

    2.12 Estgio operatrio formal

    No estgio operatrio formal, a criana capaz de lidar com conceitos como liberdade e justia, uma vez que domina progressivamente a capacidade de abstrair, generalizar e criar teorias sobre o mundo, principalmente sobre os aspectos que gostaria de reformular. Isso possvel graas capacidade de reflexo espontnea que, cada vez mais, se descola do real e capaz de tirar concluses a partir de puras hipteses.

    Lembrete

    As operaes so processos mentais, um conjunto de aes correlatas que formam um todo integrado. Uma operao mental no tem uma propriedade, mas um grupo de propriedades. Uma de suas caractersticas a reversibilidade, seja pela inverso de combinaes (formas alternadas: classes), seja pela reciprocidade (formas equivalentes: relaes).

    A estratgia cognitiva tem carter hipottico-dedutivo, o que indica que no depende mais de dados concretos, mas de enunciados ou proposies que contenham esses dados. Outra caracterstica desse estgio que o adolescente capaz de isolar sistematicamente todas as variveis individuais e de submet-las a uma anlise combinacional. Ele pode imaginar transformaes possveis para colocar prova empiricamente e interpretar logicamente os resultados empricos.

    O adolescente tem as estruturas intelectuais para combinar as propores, as noes probabilsticas e o raciocnio hipottico-dedutivo de forma complexa e abstrata.

    Figura 16 No perodo operatrio formal tambm se trabalha com hipteses

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    A representao agora permite a abstrao total. O jovem no se limita mais representao imediata nem somente s relaes previamente existentes, mas capaz de pensar logicamente em todas as relaes possveis, buscando solues a partir de hipteses e no apenas pela observao da realidade.

    Em outras palavras, as estruturas cognitivas do adolescente alcanam seu nvel mais elevado de desenvolvimento e tornam-se aptas a aplicar o raciocnio lgico a todas as classes de problemas. Por exemplo, se lhe pedirmos para analisar um provrbio como de gro em gro, a galinha enche o papo, o adolescente trabalhar com a lgica da ideia (metfora) e no com a imagem de uma galinha comendo gros, como seria o caso da criana no estgio anterior.

    2.13 A formao do juzo moral

    Jean Piaget escreveu em 1932 (com publicao no Brasil em 1994) um dos livros mais interessantes entre todas as suas publicaes: O juzo moral na criana.4 A construo intelectual da criana um tema que no foi o foco de sua obra, pois, aps essa publicao, houve apenas alguns artigos com menes a respeito e sem aprofundar o tema. Alguns deles esto reunidos na obra Estudos Sociolgicos, tambm do pesquisador.5

    Em O juzo moral na criana, Piaget escreve: toda moral consiste num sistema de regras e a essncia de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivduo adquire por estas regras (1994, p. 23).

    Dessa forma, ele justifica sua opo por investigar a moralidade pelo vis do jogo infantil. Em sua obra, ele observa os meninos jogando bolinhas de gude e as meninas jogando amarelinha. O foco era: cada criana pesquisada tinha que o ensinar a jogar e jogar com ele, para que pudesse observar a prtica e a conscincia das regras pelas crianas nos jogos coletivos.

    Em carter de sntese e anlise geral das fases encontradas, trs etapas podem ser destacadas na evoluo da prtica e da conscincia das regras pelas crianas. A primeira a da anomia, a segunda chama-se heteronomia e a terceira a autonomia. Vamos a cada uma delas para compreender melhor tudo isso.

    Figura 17 A criana na fase da anomia no sabe respeitar regras, pois no pode entend-las

    4 Publicado pela editora Summus, de So Paulo.5 Publicada em 1973 pela editora Forense, do Rio de Janeiro.

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    A palavra anomia tem origem grega e vem de a (ausncia, falta, privao, inexistncia) e nomos (lei, norma). Etimologicamente, portanto, anomia significa falta de lei ou ausncia de norma de conduta. Nessa fase, a criana de at cinco ou seis anos segue suas prprias vontades e, nesse caso, sem muitas regras. Trata-se apenas de um prazer de envolver-se com o objeto ou o brinquedo, fazer gestos motores ou simplesmente brincar. o prazer funcional que est frente de tudo.

    A palavra heteronomia, que nomeia a segunda etapa, significa condio de pessoa ou grupo que recebe de um elemento que lhe exterior ou de um princpio estranho razo, lei a qual se deve submeter. Nessa fase, possvel notar um interesse das crianas de nove a dez anos pela participao em atividades coletivas e regradas. Piaget escolheu esse termo porque a criana no entende a si prpria como aquela que fez as regras ou leis, mas tais leis so vistas como algo sagrado, sem possibilidades de mudana, algo pertencente tradio.

    Quando questionada sobre a origem das regras, a criana nessa fase costuma atribu-las a algum senhor ou at mesmo a Deus, pois as v como algo importante, ao menos em seu discurso. No entanto, a contradio interessante nessa fase ocorre na distino entre o discurso e a prtica das regras. A criana heternoma costuma no seguir risca as regras e no muito incomum ela inserir no conjunto delas algo que a beneficie.

    O mais importante que isso ocorre porque a criana no compreendeu ainda o porqu da existncia das regras, no as entende como necessrias para controlar as aes dos participantes e favorecer o andamento da partida em um sentido organizado. Assim, podemos vislumbrar o motivo de a criana agir sem obedincia s regras. Outra coisa que refora isso o fato de a criana mais comumente jogar com os outros, e no contra eles. Isso se comprova quando perguntamos a uma criana quem ganhou o jogo ou a brincadeira: todos respondem eu.

    A ltima etapa, a da autonomia, remete quele que autnomo, independente, ou seja, ao que toma suas prprias decises sem interferncias exteriores. O termo possui radicais gregos: auto (sozinho, por si prprio) e nomia (lei). Assim, a autonomia se refere quilo ou quele que segue as prprias leis.

    Essa uma fase na qual a criana j possui um posicionamento semelhante ao do adulto no jogo, pois segue as regras com presteza. Cada uma das crianas participantes da interao reconhece a si prpria como uma possvel legisladora, pois pode elaborar outras regras e submeter opinio do grupo, que aceitar ou no a mudana. Nesse caso, j existe uma flexibilidade na conscincia e na prtica das regras. Vale ainda registrar que a prtica das regras na fase da autonomia precede a conscincia desta.

    Anomia heteronomia Autonomia

    Figura 18 Direo do desenvolvimento moral na criana

    Para um detalhamento e tambm uma reflexo sobre o desenvolvimento moral, pode-se partir de uma anlise terica de alguns temas abordados na referncia deixada por Jean Piaget (1994):

    odesenvolvimentodaprticadasregras;

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    aconscinciadasregrasnacriana;

    acoerodosadultoseorealismomoral;

    aideiadejustianacriana;

    amoraldacoeroeamoraldacooperao.

    A regra uma forma de normatizar a relao entre dois ou mais elementos. Entretanto, importante o esclarecimento de que, embora toda regra moral implique uma prtica e uma conscincia, as regras de um jogo infantil se diferenciam das regras morais, como no roubar e no mentir. A diferena bsica est na natureza mutvel e arbitrria das regras do jogo/esporte e na natureza moral das regras que traduzem um juzo de valor. O respeito s regras de um jogo uma atitude moral que expressa honestidade e respeito pelos companheiros de jogo; entretanto, a prpria regra do jogo em si no moral, mas uma norma (temporal, espacial ou do objeto) que, se no cumprida, implica sanes previstas no prprio regulamento do jogo.

    Figura 19 Piaget investigou crianas jogando bolinhas de gude

    Dessa forma, respeitar as regras de um jogo diante de seus participantes constitui a razo central da existncia da atividade, alm de existir o esforo e o empenho por parte dos participantes para que possam vencer. Nesse contexto, a vitria sem regras no pode ser verdadeiramente chamada de vitria.

    Em situaes de jogo, frequente a prtica sem conscincia e a prtica consciente do jogador que simplesmente escolhe no praticar as normas. Na primeira situao, trata-se de uma amoralidade, pois o sujeito pode seguir bem as regras, mas no faz um juzo moral delas. Na segunda situao, trata-se de uma imoralidade, pois o sujeito demonstra saber bem das regras, mas no as respeita nem as segue.

    Esse um tema importante aos professores, pois muitas crianas deixam de seguir as regras por falta de conscincia de que estas existem. Nesse caso, trata-se de uma ao amoral. Outras crianas conhecem as regras e as descumprem propositalmente.

    Conforme mencionado no incio deste tpico, a teoria de Piaget investigou as crianas em situaes de jogo e, por essa razo, apresenta importantes elementos tericos para esse tipo de anlise, pois, em sua pesquisa, ele perguntava sobre as regras do jogo e ainda pedia que os jogadores explicitassem suas razes.

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    Em sntese, os resultados encontrados nas pesquisas permitem responder a questes sobre:

    comoos indivduosseadaptam,emsuaprtica,s regras,emfunodesua idadeenveldedesenvolvimento;

    queconscinciaessesindivduospossuemdessasregras.

    Para responder primeira questo, Piaget, fingindo-se ignorante no assunto, pedia criana que descrevesse as regras de um jogo a fim de, assim, poder avaliar o conhecimento que tal criana possua daquelas regras. Depois, jogando com a criana, o terico observava o quanto esta seguia as regras que havia mencionado.

    Em relao segunda questo, Piaget perguntava s crianas sobre a origem dessas regras ou sobre a possvel modificao de algumas normas ao longo dos jogos. Ao propor que a criana inserisse alguma regra que ela inventou, o pesquisador perguntava a ela se a regra era justa ou at se seria aceita pelos seus companheiros no jogo.

    Por meio desses experimentos, Piaget chegou a quatro nveis para a prtica da regra e trs nveis para a conscincia da regra.

    2.14 Desenvolvimento da prtica das regras

    Figura 20 Brincando sem regras (motor individual)

    A seguir, descrevemos os quatro nveis para a prtica da regra, institudos por Piaget a partir de sua pesquisa:

    motor individual: nessa fase, no da relao social implicada pelo jogo que a criana participa, mas sim de uma aplicao simples de seus esquemas de ao, como, por exemplo, a criana que joga uma bola no cho repetidas vezes sem maiores pretenses. Assim, precipitado falar de regras, por mais que haja repeties de alguns movimentos. Talvez, essa configurao seja o prenncio do aparecimento futuro das regras que ela utilizar quando com mais idade. Essa fase permanece at por volta dos cinco anos de idade;

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    egocntrico: nessa fase, a criana costuma imitar superficialmente as regras de um jogo, como se as tivesse aprendido com crianas maiores ou com adultos. No entanto, elas utilizam apenas alguns pequenos detalhes dessas regras, pois um bom observador logo percebe que no h o menor esforo por parte das crianas para segui-las, tampouco algum grau de compreenso dessas normas. frequente ainda observar todos dizendo que venceram e ningum dizendo ter perdido. A aparncia a de que o prazer surge com o exercitar das habilidades motoras e xito nas jogadas que a criana se prope a realizar. Essa fase se d entre os cinco anos e sete anos de idade, aproximadamente;

    Figura 21 No jogo egocntrico ainda no h um respeito s regras

    cooperao nascente: existe agora uma necessidade de controle de uns sobre os outros. h uma regra nica para todos e eles costumam respeit-la. No entanto, existe uma discrepncia de explicao e algumas modificaes fogem do controle deles, assim, quando solicitada alguma explicao individual de como se pratica determinada atividade, alguns podem titubear e variar suas verses contraditoriamente. Alm disso, eles costumam se preocupar em vencer seus oponentes. Esse estgio aparece por volta dos sete ou oito anos;

    Figura 22 Na cooperao nascente parece j existir a necessidade de controle mtuo entre eles

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    codificao das regras: nesse ltimo estgio, no somente as partidas so muito reguladas por todos os detalhes a ela inerentes, como tambm todos os cdigos das regras a serem seguidas so conhecidos por todos. Nessa fase, as crianas do informaes com plena convico, diferentemente do estgio anterior. Elas falam inclusive das possveis variaes das regras.

    2.15 Conscincia das regras na criana

    A seguir, descrevemos, por sua vez, os trs nveis para a conscincia da regra, institudos por Piaget a partir de sua pesquisa:

    no obrigatoriedade: relacionado prtica das regras, esse nvel vai at a metade do nvel egocntrico, aproximadamente. Nele, a criana demonstra no possuir a menor necessidade da regra. Alm do fato de no coloc-la em prtica, a criana mostra, intelectualmente, no possuir o menor respeito por regras em geral. Exatamente por essa razo, qualquer modificao pode ser aceita por ela facilmente. No que concerne s origens das regras, elas geralmente so atribudas a uma criao divina, mitolgica ou paterna;

    Figura 23 Na codificao das regras, mostrada uma clara autonomia

    obrigatoriedade sagrada: esse nvel, relacionado prtica das regras, corresponde aproximadamente at a metade da cooperao nascente. Caracteriza-se por no dar como legtima quaisquer modificaes ou adaptaes, apesar de demonstrar capacidade de inventar regras. As origens destas ainda so dadas como criao paterna ou divina;

    obrigatoriedade devido ao consentimento mtuo: segundo palavras do prprio Piaget (1994, p. 60), a democracia sucede a teocracia e a gerontocracia. Assim, nesse nvel a criana se conscientiza do carter arbitrrio e necessrio das regras, resultado de uma cooperao e aceitao mtua entre todos os competidores. A criana tambm j compreende que a origem da norma resultado de uma conveno social. Percebe-se agora tambm que a evoluo da prtica da regra no se d apenas no aspecto quantitativo, ou seja, no aumento do nmero de normas, mas , em essncia, uma mudana qualitativamente expressa pela conscincia do jogador.

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    Quadro 2 Correspondncia entre os nveis para a prtica da regrae os para a conscincia da regra

    Desenvolvimento da prtica das regras Conscincia das regras

    Motor individual No obrigatoriedade

    Egocntrico

    Cooperao nascente Obrigatoriedade sagrada

    Codificao das regras Obrigatoriedade devido ao consentimento mtuo

    2.16 A coero dos adultos e o realismo moral

    Piaget continuou suas pesquisas tratando de como foi posto, por parte dos adultos, a questo dos deveres que as crianas deveriam cumprir, pois estes funcionam como regras e estas, por sua vez, correspondem moral imposta.

    Nesse jogo social, a criana no tem as condies de compreenso dos adultos, que, de algum modo, impem de maneira coercitiva suas regras para o comportamento das crianas. Essas regras, por exemplo, podem ser: no mentir, no pegar as coisas dos outros, no falar palavro etc. Essa imposio perfeitamente possvel na fase de heteronomia da criana, pois, se ela j est inclinada a aceitar sem questionar as regras impostas pelos jogos, ocorrer da mesma maneira com a autoridade do adulto. Alm disso, da mesma forma como ela burlava equivocadamente no jogo infantil, acontecer no jogo das relaes sociais.

    Para que Piaget pudesse testar essa hiptese, ele teve de investigar as concepes morais infantis sobre a questo dos deveres em trs situaes distintas: o dano material, a mentira e o roubo. Sobre o papel atribudo s crianas nessa pesquisa, tratou de torn-las pequenas juzas com a incumbncia de tomar posies sobre inmeros dilemas morais. Por exemplo, foram contadas duas histrias. Na primeira, menciona-se um menino que quebra dez copos acidentalmente, sem querer; na segunda, falou-se de outro menino que quebrou somente um, contudo, fez isso de propsito. Foi pedido criana que ela dissesse se os dois so culpados pelo ocorrido ou qual dos meninos o mais culpado nesse caso e a razo disso. Nesse tipo de mtodo, temos exposto o juzo moral da criana no momento em que ela vive.

    Infelizmente, nesse caso, no possvel verificar sua prtica. Um sujeito que diz ser proibido o uso da mentira nunca mente? complicado afirmar tal sentena, pois incerta, e Piaget menciona essa limitao.

    As informaes obtidas com essa pesquisa ratificam que h um primeiro momento de heteronomia no que se refere ao desenvolvimento do juzo moral (na primeira fase, na anomia, a pesquisa no seria passvel de ser feita, graas pouca idade da criana e de sua falta de compreenso). Essa heteronomia foi chamada por Piaget de realismo moral.

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    No realismo moral, foram notadas trs caractersticas:

    foiconsideradocomobomtodaatitudequerevelavaacrianacomoobedientesregrasimpostasou aos adultos que as elegeram;

    asregrasacabaramporserinterpretadasliteralmente;

    existeumconceberobjetivosobrearesponsabilidade,ouseja,umjulgamentopelasconsequnciasprovocadas pelos atos e no pela inteno daqueles que cometeram as aes.

    A fase seguinte chama-se autonomia moral. Trata-se da superao do realismo moral, o que ocorre aproximadamente entre os nove ou dez anos de idade.

    Vejamos alguns exemplos para ilustrar o desenvolvimento moral na criana, comeando pelo caso citado de dano material aos copos. No que se refere criana em fase de realismo moral, julga-se como mais culpado algum que possa ter quebrado aqueles dez copos acidentalmente em vez de o sujeito que quebrou apenas um de propsito. Isso pode significar que o julgamento foi feito pelo aspecto externo ao a questo de ter quebrado muito ou pouco , e no apenas sobre a inteno de ter quebrado.

    Em outro caso, dessa vez sobre mentira, a criana heternoma coloca como mais culpada aquela pessoa que distorceu a verdade de maneira clara, embora no com a inteno de enganar o interlocutor (dizendo, por exemplo, que tinha visto um rato grande como um cachorro, expressando um susto pelo tamanho anormal do animal), em vez de dizer algo falso a fim de levar alguma vantagem na situao (que estava com dores de barriga somente para no ir escola naquele dia, por exemplo). Naquele momento, podemos perceber que o dever moral no mentir assimilado literalmente: a mentira est sendo vista como pura distoro da realidade, e no como algo que intencionalmente provoca algum benefcio prprio ao enganar o interlocutor.

    Um ltimo exemplo, para fechar a explicao de como funciona a fase de realismo moral: um sujeito tenta explicar o caminho para um determinado local a uma pessoa e esta se engana e se perde; outro sujeito tenta enganar propositalmente essa mesma pessoa e explica o caminho incorreto a ela, no entanto, a pessoa no se perde e acha o caminho certo para chegar ao local desejado. A criana heternoma julga o primeiro sujeito mais culpado, pois o resultado do dano foi pior do que a mentira premeditada pelo segundo sujeito.

    Os dados encontrados em relao ao dever imposto pelos adultos so coerentes com aqueles revelados pela pesquisa sobre as regras do jogo. A heteronomia, expressa pelo realismo moral, corresponde a uma fase durante a qual as normas morais ainda no so bem estabelecidas pela conscincia da criana. Portanto, elas no so entendidas a partir de sua funo social. O dever significa to somente a obedincia a uma lei revelada e imposta pelos adultos. A razo de como essas leis aparecem no conhecida, dessa forma, no entra como critrio para o juzo moral. Esse fato fica claro especificamente em relao intencionalidade, elemento subjetivo essencial nossa moralidade. A criana dessa etapa no desconhece o fato de haver aes propositais e outras casuais (o sem querer). Entretanto, esse conhecimento ainda no se manifesta no seu universo moral, no h ainda este critrio para julgar as prprias aes e as alheias. Somente aparecer quando ela puder compreender os deveres como um

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    acordo de obrigaes mtuas que implicam coordenao e cooperao entre conscincias e no em mera conformidade das aes a determinados mandamentos.

    2.17 A ideia de justia na criana

    Piaget fechou o tema da moralidade discutindo sobre a questo da justia. Por ter tratado antes sobre o tema dos deveres que os adultos propem s crianas, em formato de coero, a prtica de cumprir esses deveres ocasiona o que se entende por justia feita.6

    Geralmente, os deveres vm de uma maneira acabada, pronta e com a necessidade de serem rigorosamente respeitados. A noo de justia representa, usualmente, uma meta, um ideal a ser atingido, como alguma coisa que deve ser conquistada ou algo bom a ser feito. A todo momento, devemos cumprir a misso de decidir como fazer justia e, geralmente, no h procedimentos exatos para se fazer essa tarefa.

    Devemos justamente pesar, avaliar e interpretar as inmeras situaes e somente ento decidir sobre o que deve ser feito. Mesmo que sejam coisas visualmente simples para serem definidas, elas podem exigir muita reflexo. Como o caso da ideia de igualdade, que s pode receber plena expresso moral respeitando as condies particulares de cada pessoa (o que compreendemos por equidade) e no somente pensando pela individualidade.

    Piaget escreve o maior entre todos os outros captulos de seu livro sobre moralidade justamente sobre a noo de justia. Os temas abordados so os seguintes: a justia retributiva, distributiva, imanente, a entre crianas, a responsabilidade coletiva, a igualdade e a autoridade. Dessa mesma maneira, Piaget encontra a fase de heteronomia antes da autonomia, que se revela simplesmente pelo seguinte fator: para a criana ainda muito jovem, a justia acaba por se confundir com a lei e com a autoridade.

    Vamos discutir apenas alguns de todos os itens citados: a justia imanente, as sanes e a relao entre justia e autoridade.

    No caso da ideia de justia imanente, pode-se dizer que toda transgresso ser definitivamente castigada, ainda que seja por foras da natureza ou divinas. a forma na qual as crianas mais jovens costumam acreditar. Visualizem a seguinte histria: um menino que, ao roubar as mas do vizinho no terreno ao lado, passa por uma ponte deteriorada e cai bem fundo na gua. Se no tivesse roubado aquelas mas, ele teria cado no rio da mesma forma? Geralmente, a criana de sete anos costuma dizer bem feito pra ele, explicando que foi um castigo, pois, se ele no tivesse roubado, nada daquilo teria acontecido. Essa a reao de crianas de at oito anos, aproximadamente. Para elas, a justia retributiva (punio) algo necessrio depois de uma transgresso. Para isso, as prprias foras da natureza agiriam. As crianas dessa idade geralmente pensam em um tipo de mecnica universal ativada aps todo e qualquer crime que foi cometido, e o castigo deve ser sempre uma punio aplicada.

    6 Grifo do autor deste texto.

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    Sobre essas punies, Piaget as diferencia em duas categorias: as punies expiatrias (quando a forma do castigo diferente da transgresso: deixar sem sobremesa algum que contou uma mentira, por exemplo) e as punies por reciprocidade (por exemplo, excluir do grupo a pessoa que tenha mentido, pois a mentira exatamente algo que quebra toda a confiana mtua em um grupo).

    Para diferenciar, Piaget contou a algumas pessoas uma histria que explicava sobre pais que estavam em dvida sobre qual forma de castigo aplicar a um filho que cometa um delito. A criana que mentiu, por exemplo: mand-la copiar 50 vezes uma frase (punio expiatria) ou avisar que no haver mais aquela confiana que se depositava nela (punio por reciprocidade). Na sequncia, pede-se que o sujeito escolha qual o castigo mais adequado e que justifique sua resposta dizendo qual dos castigos mais eficiente para evitar que a transgresso se repita.

    Em termos de resultados, as entrevistas foram interessantes: quanto mais jovens as crianas, maior a tendncia da escolha de punies expiatrias. As punies por reciprocidade tm muito pouco significado no universo moral de uma criana ainda muito jovem. Escreve Piaget (1994):

    Fica claro que estas crianas no pensam em marcar, pela sano, a ruptura do lao de solidariedade, ou em fazer sentir a necessidade da reciprocidade: h predominncia ntida da funo expiatria (PIAGET, 1994, p. 170).

    Alm de tudo, essas crianas se mostram extremamente rgidas: quanto mais severo o castigo, mais justo ele considerado. Para finalizar, elas pensam que apenas uma severa punio expiatria eficiente a fim de evitar qualquer reincidncia daquela transgresso.

    Sobre como elas usualmente costumam relacionar a justia distributiva e a autoridade, vamos a outras das histrias que so contadas na pesquisa. descrito um caso de um adulto que faz algo claramente considerado injusto para uma criana. Por exemplo, a me que sempre pedia que um mesmo filho limpasse toda a sujeira de seu cachorro, pois seu outro filho sempre reclamava quando ela pedia, agia corretamente?

    Sobre as crianas mais jovens, a opinio era de que a ordem do adulto justa, pois est partindo justamente de um adulto e por isso precisa ser obedecida. Em alguns momentos, certas crianas, a partir dos seis anos, sinalizaram achando sua me injusta, mas, da mesma forma, afirmam como correta aquela obedincia. Podemos dizer que tais crianas devem estar em uma espcie de fase de transio, uma vez que julgaram como injustas algumas aes adultas, entretanto, ainda no consideram moralmente lcito a oposio a eles. J a partir de oito ou nove anos de idade, mais ou menos, a desobedincia pode ser vista como algo correto, como uma atitude legtima quando existe uma situao que denote injustia. Um menino de doze anos, por exemplo, sugere uma explcita discusso com a autoridade. Ela deveria ter falado sua me: no justo, eu no devo fazer o dobro do trabalho que o outro. Esse sujeito j capaz de separar a ideia de justia e desvencilh-la da autoridade dos adultos, o que, nas palavras de Piaget, so traos essenciais de uma autonomia no campo da moral.

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    Saiba mais

    Para conhecer mais sobre Jean Piaget, assista ao vdeo sobre ele, gravado por Yves de La Taille, na coleo Grandes Educadores da Atta: Mdia e Educao: . Acesso em: 21 maio 2012.

    Saiba mais

    No texto de Lino de Macedo, possvel conhecer um pouco mais das caractersticas dos estgios de desenvolvimento propostos por Piaget, relacionados ao perodo pr-escolar. Alm disso, Macedo indica questes importantes para uma possvel aplicao da teoria piagetiana na pedagogia. Acesse:

    MACEDO, L. A Perspectiva de Jean Piaget, s. d. Disponvel em: . Acesso em: 11 maio 2012.

    2.18 A moral da coero e a moral de cooperao

    h uma diviso piagetiana sobre as relaes interpessoais para duas grandes categorias: a da coao e a da cooperao. No caso da coao, trata-se de uma relao desigual, pois um dos lados impe ao outro seus critrios, suas verdades e formas de pensar. Em suma, uma relao na qual no h reciprocidade. Tambm podemos dizer que se trata de uma relao definida antecipadamente, como uma forma de ditadura praticada por algum ou por um grupo de pessoas. A tradio, por exemplo, pode ser uma forma de coao, pois costuma se limitar explicao de que tem que ser assim, pois sempre foi assim.

    Um timo exemplo sobre como a coao, como relao social, dada pela famlia: por mais que os pais tentem no ser autoritrios, as dependncias afetiva, cognitiva e vital de seus filhos definem uma relao desigual. Entretanto, nem tudo pode ser visto como coao nessa relao: existe uma afeio espontnea que leva a criana, desde o comeo, a atos de generosidade e mesmo de sacrifcio, a demonstraes tocantes que no so prescritas (PIAGET, 1994, p. 155).

    Segundo Piaget, essas relaes que significam coao so opostas ao desempenho intelectual das pessoas a elas expostas. No que concerne especificamente s crianas, essas relaes podem reforar o egocentrismo, uma vez que, entre outras coisas, podem representar exatamente a dificuldade em se colocar sob o ponto de vista do outro e assim desenvolver relaes mais equilibradas.

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    A coao praticamente no facilita que algo de recproco acontea e, assim, inviabiliza criana uma construo de estruturas mentais operatrias importantes para suas conquistas. Ela faria com que a criana acreditasse em muito e pouco soubesse.

    Sobre a questo da moral, a coao pratica somente o respeito unilateral (pelas autoridades reveladas ou pelas leis impostas), alm de uma assimilao completamente descontextualizada das razes de ser das diversas regras (realismo moral). Da coao deriva-se a heteronomia moral.

    Nas relaes de cooperao, como escrevia Piaget, h um aspecto igualitrio, assim, guiado por uma relao recproca. Trata-se de uma relao que se constri pela mutualidade. Apenas pela cooperao o desenvolvimento intelectual e moral pode ocorrer satisfatoriamente, pois ele obriga os sujeitos a se deslocarem para poder compreender o ponto de vista do outro. Referindo-se moral, da cooperao provm o respeito mtuo e a autonomia. Piaget explica que as relaes das crianas entre si promovem a cooperao, necessariamente por se estruturarem como relaes a serem constitudas entre seres iguais, alm de serem uma boa base para a construo de uma sociedade mais justa e democrtica.

    Saiba mais

    O texto Alfabetizao: teoria e prtica, de Marlia Claret Geres Duran, aborda as contribuies das pesquisadoras Emlia Ferreiro e Ana Teberosky com relao alfabetizao e tambm esclarece noes e termos usados dentro do referencial construtivista. Acesse:

    DURAN, M. C. G. Alfabetizao: teoria e prtica. s. d. Disponvel em: . Acesso em: 11 maio 2012.

    Saiba mais

    Em entrevistas, o psiclogo Yves de La Taille, especializado em desenvolvimento moral, fala sobre como, apesar da crise por que passam, sobretudo na famlia e na escola, a moral e a tica continuam a ser pontos fundamentais na educao e no desenvolvimento das crianas. Acesse:

    . . Acesso em: 11 maio 2012.

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    Saiba mais

    O texto A psicognese dos conhecimentos e a sua significao epistemolgica, de Jean Piaget, discorre sobre a no existncia de conhecimentos resultantes de um registro simples de observaes sem uma estruturao devida s atividades do sujeito. Leia-o:

    PIAGET, J.; ChOMSKY, N. (org.) A psicognese dos conhecimentos e a sua significao epistemolgica. In: