SEGURANÇA ALIMENTAR Irradiação: tecnologia boa para...

3
42 por Mariana Perozzi O Brasil é um dos três maiores pro- dutores mundiais de frutas, superando 39 milhões de toneladas produzidas em 2005. E tem ampliado suas exportações a cada ano. Segundo o Instituto Brasileiro de Frutas (Ibraf), de janeiro a junho de 2007 foram exportadas 372 mil toneladas, contra 326 mil no mesmo período do ano anterior, representan- do um crescimento de 14% em volume. Quanto ao valor, as exportações dos seis primeiros meses do ano representaram US$ 203 milhões, 30% a mais que em 2006 — US$ 156 milhões. Com vistas a ampliar cada vez mais o mercado externo, produtores e expor- tadores buscam medidas que aumen- tem a segurança e a vida útil das fru- tas, como o sistema de irradiação. É uma tecnologia que, porém, enfrenta críti- cas de algumas ONGs. A tecnologia amplia a vida útil dos alimentos ao retardar a maturação de frutas e legumes e inibir o brotamen- to de bulbos e tubérculos. Desta for- ma, diminui as perdas pós-colheita e facilita a distribuição e comercializa- ção de gêneros alimentícios. A técnica também elimina ou reduz a presença de parasitas, fungos, bactérias e leve- duras nocivos ao homem, tornando os alimentos mais seguros sob o ponto de vista microbiológico. O processo consiste em submeter os alimentos, já embalados ou a granel, a uma quanti- dade controlada de radiações ionizan- IRRADIAR ALIMENTOS ATENDE EXIGÊNCIAS INTERNACIONAIS RELATIVAS AO AMBIENTE E À SAÚDE, PORÉM ONGS APONTAM PROBLEMAS NESSA TÉCNICA S E G U R A N Ç A A L I M E N T A R tes (alfa, beta, gama, raios X e nêu- trons), por um tempo pré-fixado e com objetivos bem determinados. A irradiação de frutas é utilizada por países que concorrem com o Brasil no mercado internacional, como Tailândia e Índia e pode ganhar impulso por cau- sa das restrições que estão sendo impos- tas a tratamentos quarentenários mais comuns, como a fumigação por brome- to de metila ou por óxido de etileno, e a submersão da fruta em água quente que, embora eficiente, requer que a colheita seja realizada antes do período de matu- ração ideal, prejudicando o sabor e as características sensoriais do produto. "Já a irradiação pouco altera as caracterís- ticas químicas e sensoriais dos alimen- tos quando respeitada a dose máxima estabelecida para cada produto", afir- ma Julio Marcos Walder, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP). O processo de irradiação, quando bem conduzido, não implica em danos ambientais ou à saúde humana, sendo apoiado por instituições como a Organização Mundial de Saúde (OMS), Food and Agricultural Organization (FAO), U.S. Food and Drugs Administration e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — sem- pre embasados em trabalhos científi- cos que atestam a tecnologia como efi- ciente e segura. Fausto Carvalho Pinto, do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), acredita que a legislação na América do Sul facilita a irradiação de produtos alimentares. No Brasil, a regu- lamentação em vigor é a estabelecida pela Anvisa em 2001 (Resolução RDC nº 21, de 26/01/2001). Segundo esta nor- ma os alimentos podem ser tratados por radiação desde que a dose mínima absor- vida seja suficiente para alcançar a fina- lidade pretendida e a dose máxima seja inferior à que comprometeria as pro- priedades funcionais ou atributos sen- soriais do alimento. O órgão exige que na rotulagem conste a inscrição "ali- mento tratado por processo de irradia- ção" no painel principal. No caso de con- dimentos ou temperos irradiados, esta informação deve ser apresentada na lis- ta de ingredientes. Tal resolução estabe- lece ainda que as instalações devem ser autorizadas e inspecionadas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). MERCADO POTENCIAL Calcula-se que no Brasil as perdas no processo de comercialização de fru- Irradiação: tecnologia boa para aumentar exportações de frutas

Transcript of SEGURANÇA ALIMENTAR Irradiação: tecnologia boa para...

Page 1: SEGURANÇA ALIMENTAR Irradiação: tecnologia boa para ...inovacao.scielo.br/pdf/inov/v3n5/a26v03n5.pdf · 43 Já o Ipen deve concluir este ano estu-dos sobre a viabilidade comercial

4 2

por Mariana Perozzi

O Brasil é um dos três maiores pro-dutores mundiais de frutas, superando39 milhões de toneladas produzidas em2005. E tem ampliado suas exportaçõesa cada ano. Segundo o InstitutoBrasileiro de Frutas (Ibraf), de janeiroa junho de 2007 foram exportadas 372mil toneladas, contra 326 mil no mesmoperíodo do ano anterior, representan-do um crescimento de 14% em volume.Quanto ao valor, as exportações dos seisprimeiros meses do ano representaramUS$ 203 milhões, 30% a mais que em2006 — US$ 156 milhões.

Com vistas a ampliar cada vez maiso mercado externo, produtores e expor-tadores buscam medidas que aumen-tem a segurança e a vida útil das fru-tas, como o sistema de irradiação. É umatecnologia que, porém, enfrenta críti-cas de algumas ONGs.

A tecnologia amplia a vida útil dosalimentos ao retardar a maturação defrutas e legumes e inibir o brotamen-to de bulbos e tubérculos. Desta for-ma, diminui as perdas pós-colheita efacilita a distribuição e comercializa-ção de gêneros alimentícios. A técnicatambém elimina ou reduz a presençade parasitas, fungos, bactérias e leve-duras nocivos ao homem, tornando osalimentos mais seguros sob o pontode vista microbiológico. O processoconsiste em submeter os alimentos, jáembalados ou a granel, a uma quanti-dade controlada de radiações ionizan-

IRRADIAR ALIMENTOS ATENDEEXIGÊNCIAS INTERNACIONAIS RELATIVAS AO AMBIENTE E À

SAÚDE, PORÉM ONGS APONTAMPROBLEMAS NESSA TÉCNICA

S E G U R A N Ç A A L I M E N T A R

tes (alfa, beta, gama, raios X e nêu-trons), por um tempo pré-fixado e comobjetivos bem determinados.

A irradiação de frutas é utilizada porpaíses que concorrem com o Brasil nomercado internacional, como Tailândiae Índia e pode ganhar impulso por cau-sa das restrições que estão sendo impos-tas a tratamentos quarentenários maiscomuns, como a fumigação por brome-to de metila ou por óxido de etileno, e asubmersão da fruta em água quente que,embora eficiente, requer que a colheitaseja realizada antes do período de matu-ração ideal, prejudicando o sabor e ascaracterísticas sensoriais do produto. "Jáa irradiação pouco altera as caracterís-ticas químicas e sensoriais dos alimen-tos quando respeitada a dose máximaestabelecida para cada produto", afir-ma Julio Marcos Walder, professor doCentro de Energia Nuclear naAgricultura (Cena/USP).

O processo de irradiação, quandobem conduzido, não implica em danosambientais ou à saúde humana, sendoapoiado por instituições como aOrganização Mundial de Saúde (OMS),

Food and Agricultural Organization(FAO), U.S. Food and DrugsAdministration e a Agência Nacionalde Vigilância Sanitária (Anvisa) — sem-pre embasados em trabalhos científi-cos que atestam a tecnologia como efi-ciente e segura.

Fausto Carvalho Pinto, do Centro deDesenvolvimento da Tecnologia Nuclear(CDTN), acredita que a legislação naAmérica do Sul facilita a irradiação deprodutos alimentares. No Brasil, a regu-lamentação em vigor é a estabelecidapela Anvisa em 2001 (Resolução RDCnº 21, de 26/01/2001). Segundo esta nor-ma os alimentos podem ser tratados porradiação desde que a dose mínima absor-vida seja suficiente para alcançar a fina-lidade pretendida e a dose máxima sejainferior à que comprometeria as pro-priedades funcionais ou atributos sen-soriais do alimento. O órgão exige quena rotulagem conste a inscrição "ali-mento tratado por processo de irradia-ção" no painel principal. No caso de con-dimentos ou temperos irradiados, estainformação deve ser apresentada na lis-ta de ingredientes. Tal resolução estabe-lece ainda que as instalações devem serautorizadas e inspecionadas pelaComissão Nacional de Energia Nuclear(Cnen).

MERCADO POTENCIALCalcula-se que no Brasil as perdas

no processo de comercialização de fru-

Irradiação: tecnologia boa para aumentar exportações de frutas

inova42-44irradia.qxd 9/12/2007 3:20 PM Page 2

Page 2: SEGURANÇA ALIMENTAR Irradiação: tecnologia boa para ...inovacao.scielo.br/pdf/inov/v3n5/a26v03n5.pdf · 43 Já o Ipen deve concluir este ano estu-dos sobre a viabilidade comercial

4 3

Já o Ipen deve concluir este ano estu-dos sobre a viabilidade comercial dairradiação de frutas no Vale do SãoFrancisco, em parceria com uma expor-tadora local, segundo o pesquisadorPaulo Rela, do Instituto de PesquisasEnergéticas e Nucleares (Ipen), vincula-do ao Cnen e à USP.

"No Brasil, o uso da irradiação ain-da não começou porque o empresárionão quer", diz Carvalho Pinto. Para ele,a falta de informações sobre o tema éum dos grandes entraves para a difu-são da tecnologia. Outro fator seria oelevado custo inicial. "O irradiador émuito caro. Para o caso das frutas, o

equipamento importado custaentre US$ 3 e US$ 5 milhões",completa.

EXPERIÊNCIA NACIONALMas já houve tentativas

locais de irradiar frutas em esca-la comercial em duas empresas,a Tech Ion, de Manaus (AM), e a

Surebeam, norte-americana queinstalou uma subsidiária no Rio de

Janeiro (RJ). A planta da Surebeamse localizava perto de um

dos mercados ataca-distas da Ceasa, o

que representou umafalha estratégica, pois as

frutas já chegavam parcialmentedegradadas para serem irra-diadas (para minimizar as per-das pós-colheita, as unidadesde irradiação devem se insta-lar próximo a centros produto-res de frutas). Similar "equívo-co geográfico" aconteceu coma Tech Ion em Manaus (AM),onde a oferta de frutas paraexportação é restrita.

É possível que esses exem-plos tenham provocado umatraso no processo de irradia-ção de alimentos no país, mas

não afugentaram de vez os investido-res. O passo mais recente dado nessadireção foi da também norte-americanaSecureFoods. A empresa planeja insta-lar no Brasil cinco unidades de irradia-ção de frutas para exportação com des-tino aos Estados Unidos. Formada em2001, a companhia ainda depende deaprovações de órgãos governamentaisbrasileiros e norte-americanos paracomeçar a operar. Na área tecnológica,aguarda o parecer da consultoria jurí-dica da Universidade de São Paulo (USP)para assinar um protocolo de intençõescom o Centro de Energia Nuclear naAgricultura (Cena/USP). O convênio pre-

tas e hortaliças ultrapassem30% do total produzido. "Issosignifica que, a cada ano, o volu-me cultivado em mais de 200mil hectares é desperdiçado nopaís durante as etapas de pré-colheita, colheita, beneficia-mento e comercialização",dizem pesquisadores do Centrode Estudos Avançados emEconomia Aplicada (Cepea/Esalq/USP). Para eles, técnicasque minimizem perdas e pro-longuem a vida útil dos hortifrutícolasdepois da colheita são cada vez maisimportantes para reverter essa situação.

Tendo isso em vista, há alguns anos,exportadoras nacionais começaram aconsiderar a irradiação como uma alter-nativa para incrementar o comércio dealimentos. O CDTN, que é ligado ao Cnen,mantém convênio com duas grandesempresas privadas brasileiras e com aEmbrapa Agroindústria Tropical(Fortaleza/CE) para o estudo de frutase pescados irradiados para exportação,ainda em fase de testes, de acordo comMárcio Tadeu Pereira, chefe do setor deirradiações do CDTN.

Maquete do processo deirradiação de alimentos

Cena/

Esalq

Assessoria de C

omunicação Ibraf

inova42-44irradia.qxd 9/12/2007 3:20 PM Page 3

Page 3: SEGURANÇA ALIMENTAR Irradiação: tecnologia boa para ...inovacao.scielo.br/pdf/inov/v3n5/a26v03n5.pdf · 43 Já o Ipen deve concluir este ano estu-dos sobre a viabilidade comercial

4 4

vê a transferência de tecnologia do Cenapara a Secure Foods, através da orien-tação prática e da execução de novosprojetos. Como cada novo projeto — estu-dos específicos sobre a irradiação defrutas — será negociado separadamen-te, o valor de financiamento não estáestipulado. De qualquer forma, a empre-sa gastará milhões de dólares para mon-tar e operar irradiadores próprios noBrasil, que serão importados do Canadá.

Mamão papaia e manga encabeçama lista das frutas que devem ser irradia-das para serem exportadas para osEstados Unidos. Segundo a empresa, asunidades de irradiação devem ser ins-taladas próximo a regiões produtoras,no Nordeste. "A irradiação será usadacomo tratamento quarentenário, paraevitar que a mosca-das-frutas, entreoutras pragas e parasitas, infestem áreaslivres nos Estados Unidos. Servirá tam-bém para aumentar a vida útil da fruta,o que traz duas vantagens: permite otransporte por navio, que é mais bara-to que o transporte aéreo empregadonormalmente; e faz com que o produtotenha melhor colocação no mercadointernacional", afirma Julio MarcosWalder, professor do Cena e um dos inte-grantes do convênio com a Secure Foods.

Ele afirma que, atualmente, no Brasil,não são comercializados alimentos"inteiros" irradiados, como frutas oucarnes. O que existe são ingredientesirradiados, como temperos e condimen-

tos, que podem ser encontrados em pro-dutos industrializados como embuti-dos e salgadinhos. "A indústria temmedo, o consumidor não", afirma o pro-fessor do Cena. Ele cita estudos reali-zados pela Universidade Federal deMinas Gerais que indicam que mais de80% dos entrevistados são favoráveis aoconsumo de produtos irradiados, des-de que informados sobre isso. "Aliás,hoje o consumidor quer ser informadosobre tudo o que está comendo. Isso nãoé uma postura exclusiva frente ao pro-duto irradiado", diz.

CONTROVÉRSIASA tecnologia ainda gera controvér-

sias sobretudo perante as organiza-ções não governamentais. Destacam-se como opositores a ONG PublicCitizen (EUA), a Stop Food IrradiationAlliance (SFIA - Austrália) e, no Brasil,o Instituto Brasileiro de Defesa doConsumidor (Idec).

Um documento produzido pelo Idecem 2002, afirma que a norma que regu-lamenta a irradiação de alimentos noBrasil possui "conceitos vagos, ques-tionáveis sob o ponto de vista técnicoe excessivamente flexíveis às resolu-ções que vierem a ser tomadas no âmbi-to internacional". Dentre os argumen-tos, está o fato de a Portaria não defi-nir com números as doses máxima emínima permitidas.

Outros críticos citam como princi-

pais problemas, verificados em pesqui-sas, a diminuição do peso e da sobrevi-vência (inclusive intra-uterina) de ani-mais de laboratório, maior incidênciade certos tipos de câncer, distúrbiosimunológicos, queda na fertilidade eníveis consideráveis de radioatividadeem órgãos de ratos tratados com saca-rose irradiada. Quando alimentos con-tendo gorduras foram irradiados, os pes-quisadores notaram alterações nas célu-las e no material genético. Falam aindade acidentes ambientais ocorridos emplantas irradiadoras de alimentos e pro-blemas decorrentes da má operaciona-lização das máquinas.

Outra preocupação é que a irradia-ção não substitua as boas práticas deprodução, manipulação e fabricaçãode alimentos (agrícolas e industriais),uma vez que o processo pode elimi-nar microrganismos, mas não retirasujidades e matérias estranhas dosalimentos.

Porém, os especialistas consulta-dos foram enfáticos ao garantir a segu-rança dos alimentos irradiados paraos consumidores, para os manipula-dores do produto e dos equipamentose para o meio ambiente, desde queobedecidos os limites máximos deirradiação (específicos para cada pro-duto) e as normas básicas de seguran-ça operacional. "O alimento irradia-do não se torna radioativo", garantePaulo Rela, do Ipen.

SEGURANÇA DOS IRRADIADORES

O alimento pode ser irradiado a granel ou já acondicionado em suaembalagem final. Ele é depositado num sistema de esteiras e conduzido àsala de irradiação, blindada para evitar fuga de radiação, retornando depoispara estocagem e posterior distribuição. A fonte de radiação, geralmenteCobalto radioativo (60Co) ou Césio radioativo (137Cs), permanece confina-da num tanque de água para que sua energia possa ser controlada e cana-lizada para a sala de irradiação. O nível ou intensidade de radiação, medi-do em KGy (Kilogray), é controlado através do painel de controle para que

somente a quantidade necessária ao processo seja aplicada ao produto.Sem este controle, uma dose excessivamente grande de radiação danifica-ria o produto, tornando-o impróprio ao consumo; em contrapartida, umadose muito pequena não alcançaria os efeitos desejados. A ComissãoNacional de Energia Nuclear (CNEN) é o órgão responsável por autorizar einspecionar regularmente as instalações de irradiação. O processo, segun-do Paulo Rela, do Ipen, é bastante rigoroso.

Fonte: Alimentos Irradiados. Idec, 2002.

inova42-44irradia.qxd 9/12/2007 3:20 PM Page 4