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    INFORMTICA NA EDUCAO: teoria & prtica Porto Alegre, v.13, n.2, jul./dez. 2010. ISSN digital 1982-1654ISSN impresso 1516-084X

    Machado, Leila Domingues. Subjetivaes Flor da Pele. In-formtica na Educao: teoria & prtica, Porto Alegre, v. 13,n. 2, p. 67-79, jul./dez. 2010.

    Subjetivaes Flor da Pele

    Subjectifications the flower of the skin

    Leila Domingues Machado

    Universidade Federal do Esprito Santo

    Resumo:Trata de pesquisa voltada para o estudo dos modos de vidacontemporneos, onde o cansao se destaca como umamanifestao que vem se ampliando, chegando a se cons-tituir como uma sndrome. As investigaes em torno daSndrome da Fadiga Crnica tm centram-se na busca porcausas internas e individuais para o quadro. A categoriza-o freqente de novas sndromes nos indica ou um pro-cesso crescente e acirrado de adoecimento coletivo ou umprocesso crescente e acirrado de patologizao do coletivo.Objetiva-se colocar em questo a fadiga como sinalizadordos modos de vida que se processam na atualidade, consti-tuindo alertas desnaturalizadores de nossas formas de vida,muitas vezes, produtoras de adoecimentos. Individualizar aquesto por meio da busca por uma preciso diagnstica,capaz de definir o sentido do cansao, bem como, sua lo-calizao fsica e/ou mental, parece contribuir mais para a

    manuteno e para a promoo de adoecimentos.Palavras-chave: Subjetividade. Sndrome da fadiga crni-ca. Clnica. Tempo. Memria.

    Abstract:This research focuses on the study of contemporary lifesty-les, where fatigue stands out as a demonstration that it hasbeen increasingly coming to be constituted as a syndrome.Investigations around the chronic fatigue syndrome havefocused on the search for individual and internal causesfor the frame. A common categorization of new states orsyndromes in a growing process and stern of illness or acollective process of growing and stern pathologizing thecollective. It aims to call into question the fatigue as a ma-rker of lifestyles that are processed in the news, providingalerts denatured our ways of life, often producing illnesses.Individualizing the question by looking for diagnostic ac-curacy, able to define the sense of fatigue, as well as itslocation physical or mental, seems to contribute more to

    maintaining and promoting the illnesses.Keywords: Subjectivity. Chronic fatigue syndrome. Clinic.Time. Memory.

    1 Abertura

    A

    o longo da construo da trajetria depesquisa que permear a discusso des-se artigo, o pensamento de Gilles Deleu-

    ze, seja em seus escritos solo ou ao desfrutarde inmeras parcerias e da fecunda amizadecom Flix Guattari, foi convocado a ressoar,por meio de um complexo labirinto conceitual,todo um campo analtico em torno das proble-mticas que perpassam nossa atualidade. Hnos escritos destes autores uma generosidadecompartilhada no esboar de alguma idia ouno desdobrar de uma questo. Est tambma a fora de um movimento do pensar que sefaz por contgio, por emprstimo de insight,por um convite inveno conjunta de uma

    popfilosofia. Mas h ainda outro ponto, talvezmais discreto e espantosamente escandaloso,a intensidade das marcas produzidas pelas lei-turas e releituras de Espinosa. O pensamen-to j no pode mais estar no mesmo lugar.Os conceitos no possuem a mesma funo.A pesquisa, a escrita, a docncia so levadaspara outros rumos. E tudo isso no se referea novas leituras ou a uma aula magistral ou acerto domnio conceitual arduamente conquis-tado. No se trata de erudio ou de oratria,

    muito menos de lgica ou da necessidade desentido. As marcas de Espinosa roam as sen-saes, dialogam com os perceptos, com os

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    afectos, com uma inteligncia que se espraiaem meio ao no saber. Essa filosofia prticano poder nunca ser recitada, muito menosensinada. E isso no se d porque ela perten-

    a s idiossincrasias e sim porque ela sem-pre precisar ser experimentada por cada um,sempre precisar ser inventada e reinventadapor meio do corpo e da alma daquele que de-seja ser possudo pelos conceitos ao mesmotempo em que os toma de assalto e faz junto aeles muitos filhos. Nesse caso, no se trata dequerer ou de no querer dizer eu, pois esse eu

    j toda gente, toda parte, que se faz numaintimidade sem precedentes consigo mesmo.A beleza do pensamento se mostra naquiloque ele move.

    Em meio ao constante e incessante desafioda inveno de uma filosofia prtica, compar-tilha-se aqui parte das inquietaes que move-ram uma pesquisa intitulada Flor da Pele, re-alizada entre os anos de 1998 e 2001 junto aoPrograma de Psicologia Clnica da PUC-SP, emparceria com Luiz Benedicto Lacerda Orlandi.

    Nesse tempo um campo problemtico seconfigurou, tendo como disparador o ecoar defalas que elegiam o cansao como tema, comoincmodo, como foco de ateno. As vozesque entoavam essa questo se compunham

    de muitas diferenas: idade, gnero, camadassocial, profisso... Vinham das salas de aula,dos corredores, dos atendimentos no NPA(Ncleo de Psicologia Aplicada), das conversascom amigos...

    O cansao, ao qual se referiam, expres-sava, ao mesmo tempo, fadiga, descrenas,insuportabilidades, desajustes, sensaes deno pertencimento, des-sintonias. Configu-rava-se uma espcie de queixa a partir defalas indicadoras de um incmodo. Contudo,parecia no se colocar uma preocupao nosentido da necessidade de um diagnstico oude tratar-se de uma situao patolgica. Atporque havia uma dificuldade de definio doprprio cansao como algo fsico, psquico ouambos. Na maioria das falas o destaque eradado mais a uma idia de cansao existen-cial que se fazia sentir no corpo e na alma.As falas-queixa assumiam mais o sentido decompartilhamento de uma experincia, deum estranhamento com o que se passava, doque demonstrativas do desejo ou da deman-

    da por uma classificao, por pertena a certogrupo. claro que as experincias narradaseram referidas a algo individual, prprio e n-

    timo aquele sujeito. Como as falas ecoavam,elas nos impulsionavam a pensar numa sensa-o grupal, ou melhor, numa experincia queapontava para um processo de produo que

    se fazia em sintonia com certos modos de vidaem curso.Embora toda uma sintomatologia faa par-

    te da fala freqente de muitas pessoas, o can-sao no vem sendo tratado como uma pa-tologia no Brasil, diferentemente do que vemocorrendo nos EUA. A chamada Sndromeda Fadiga Crnica tida como uma patolo-gia sem explicao precisa, no entanto, podeser vista como expresso das configuraessubjetivas que se engendram. A procura porcausas internas e individuais para compor o

    conjunto explicativo dos quadros psicopatol-gicos que se proliferam a cada nova versodo DSM (Manual de Diagnsticos e Estatsticasdas Perturbaes Mentais), tm restringidoe simplificado muito essa problemtica. Porum lado, colocam-se cada vez mais os diag-nsticos por co-morbidades, indicando certaflexibilidade classificatria, por outro lado, acategorizao freqente de novas sndromesnos indica ou um processo crescente e acir-rado de adoecimento coletivo ou um processocrescente e acirrado de patologizaodo co-

    letivo. Poderamos pensar as sndromes maiscomo conjunto de sinais do que como conjun-to de sintomas. Ou seja, mais do que a cons-tatao de um quadro patolgico, mostra-sefundamental estar atento para os indcios queemergem no entrelaamento configuraessubjetivas e pontos de aplicao de estrat-gias e tticas operadas pelo capital no con-temporneo. Sinais que podem ser concebidoscomo indicadores, tanto do cansao quanto desua reverso.

    Nossa inteno neste artigo colocar emquesto a fadiga como sinalizador dos modosde vida que se processam na atualidade. Nes-se sentido, considera-se que a discusso psi-copatolgica precisa estar muito mais imbudade uma preocupao tica do que de julga-mentos morais, de necessidades diagnsticas,de precises etiolgicas, de crena em frma-cos milagrosos e solucionadoresper si. Tam-bm no consideramos tratar-se de indivduosisoladamente adoecidos.

    A temtica do cansao convoca o desdobrar

    de questes que tencionem todo um campoproblemtico, embaralhando luz e sombra, si-lncios, sussurros e gritos. Iniciaremos apre-

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    sentando a concepo que criamos na tenta-tiva de dar passagem aos jogos de fora queperpassam o cansao. Denominamos flor da

    peleaos processos que movem essas confi-

    guraes subjetivas ou como, em parceriacom Luis Orlandi, nomeamos nebulosa, comoconfluncias de passagem, como expressosde multiplicidades que roam marcas repletasde afeto na areia. Pois as subjetivaes florda peleencontram-se num limiar, num entre-formasonde certa configurao subjetiva sedesfez sem que outra tenha surgido.

    Num segundo momento, elegemos o cine-ma como intercessor para que, por meio desuas imagens transformadas em palavras,possamos percorrer as visibilidades e as dizi-

    bilidades do cansao, das subjetivaes florda pele, encarnado no corpo e na alma de umapersonagem, Nikos, no filme Entre o Infernoe o Profundo Mar Azul (1995). Acompanharos sutis movimentos de Nikos, sua luta silen-ciosa, seu grito contido, seu torpor, sua mocortada, sangrando, sua mo estendida paraa vida que lhe roa em meio s feies de Li,cada um desses breves lampejos de luz so-bre a tela branca, configuram-se como sinaisda nebulosa subjetivaes flor da pele. Ossutis movimentos de Nikos misturam o torpor

    do seu corpo ao dilaceramento da sua alma,experincia de um entre-formasque tambmsede lugar, permite a passagens, corpo e almapercorridos por sopros de vida, como nos falaClarice Lispector (1978).

    2 Subjetivaes Flor da Pele

    flor da pele. Subjetivaes flor da pele.Subjetivaes no limiar. Certa configuraosubjetiva se desfez e no h ainda outra. Tudoestremeceu. Nada permanece no lugar. Ascertezas ruram e todo um campo problemti-co emergiu. Nesse entre-formas, nesse inter-valo entre o antes e o depois que os envolve,tudo claro e nebuloso e irremediavelmentediferente. Sempre mais e menos, ao mesmotempo, mas nunca igual. Um dinamismo espa-o-temporal de espera e esforo. Uma verti-gem, um desassossego, que faz a pele porosae permevel.

    E eles [...] no tentaram nada de especialque estivesse acima de suas foras; no entan-to, despertam como se sassem de uma bata-

    lha grande demais para eles, o corpo quebra-do, os msculos pisados, a alma morta [...](DELEUZE, 1974, p. 157).

    No entanto, no se trata de nenhum tipo

    de morte emprica e sim da marca discreta damorte que os convoca a afirmar a vida comopotncia de criao, como potncia de pos-sveis. A vida jorra por entre as grades queprocuram sempre captur-la e nos fora a umestranho atletismo, pois algo aconteceu quenos deixou [...] com os olhos vermelhos e oflego curto [...] (DELEUZE; GUATTARI, 1972,p. 224) e, ao mesmo tempo, nos invadiu deuma fora que faz viver.

    E o que aconteceu? Nada de demasiada-mente grande ou pequeno e que fez toda dife-

    rena. Nada que antes estava oculto e agorase mostrou. Nada de especial, antes algo quefaz parte do cotidiano1 e sempre esteve ali:

    [...] a luta da vida com aquilo que a ameaa[...] (DELEUZE; GUATTARI, 1972, p. 222).

    S que naquele instante, todos os esque-mas sensrio-motores que nosprotegem, queimpermeabilizam nossa pele, que nos fazemsuportar, se bloquearam ou se quebraram enos tornamos videntes2naquele instante.

    E o que vemos no o futuro e sim o quetransborda no presente. O vidente v o pos-

    svel e, com isso ascende a uma nova possibi-lidade de vida que pede para se realizar [...](ZOURABICHVILI, 2000, p. 341) e nos incita acria-la. Ele cheira a poeira das virtualidades,roa o Fora e experimenta o sabor da potnciapara inventar a vida.

    A vidncia um acontecimento que nos fazver a multiplicidade de foras que percorremuma situao, o duplo de tudo e de cada coi-sa, suas linhas de segmentaridade mais durasou mais flexveis, mais sedentrias ou maisnmades, e suas linhas de fuga, de fissura, de

    1 O cotidiano envolve os conflitos presentes em uma poca.Determina assim o lugar em que se formulam os problemasconcretos daproduoem sentido amplo: a maneira como produzida a existncia social dos seres humanos [...].Isto porque, a [...] produo no se reduz fabricao deprodutos [...], pois tambm fabricao de gente, [...]produo do ser humano por si mesmo [...] e por issoimplica [...] uma tica subjacente ao emprego do tempo,uma esttica da decorao desse tempo empregado [...](LEFEBVRE, 1991, p. 30-37).

    2 [...] se nossos esquemas sensrio-motores se bloqueiamou se quebram, ento pode aparecer outro tipo de imagem:uma imagem ptico-sonora pura, a imagem inteira e sem

    metfora, que faz surgir a coisa em si mesma, literalmente,em seu excesso de horror ou de beleza, em seu carter ra-dical ou injustificvel, pois ela no tem mais de ser justifica-da, como bem ou como mal [...] (DELEUZE, 1990, p. 31).

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    resistncia. Assim, o vidente tambm v tudoo que se mostra intolervel. V

    [...] aquilo que captura nossa potncia de explo-rao dos possveis, fazendo dela um ponto deaplicao de estratgias e tticas operadas pelocapital, desde suas esferas produtivas at suaexacerbao fnanceira, de orquestrao midi-tica de opinies e procedimentos artsticos, ede alinhamento mercantil dos desejos [...] (OR-LANDI, 2000)

    O acontecimento instaura uma fissura,abre-se uma rachadura em ns que promo-ve uma mutao subjetiva, que leva [...] auma nova distribuio entre o bom e o mau, odeleitvel e o insuportvel, ora em uma mes-

    ma pessoa (que, a partir de ento, mal podeidentificar o passado que viveu como seupas-sado), ora em uma coletividade [...] (ZOURA-BICHVILI, 2000, p. 338-339).

    E, assim, em um primeiro tempo, expe-rimentamos o antes como sendo grande de-maispara mime, assim, qualquer aoparecegrande demais para qualquer um. Contudo, oprprio presente j de metamorfose, j seest em um segundo tempo, j se est emum limiar. Em um terceiro tempo, podemosperceber que

    [...] o acontecimento e a ao tem uma coern-cia secreta que exclui a do eu, voltando-se con-tra o eu que se lhe tornou igual, projetando-o emmil pedaos, como se o gerador do novo mundofosse arrebatado e dissipado pelo fragmento da-quilo que ele fez nascer no mltiplo: aquilo a queo eu igualado o desigual em si [...] (DELEUZE,1988, p. 157).

    Frente a essa turbulncia abrem-se ilimi-tadas possibilidades, que podemos acolher erecusar. como se nesse limiar funcionasseuma espcie de pndulo que envolve modu-laes entre potncia e impotncia3. Pois se

    3 Para Espinosa todos ns somos graus de potncia [potn-cia de pensar e potncia de existir], entendendo por potn-cia nossa capacidade de ser afetado, que preenchida porafeces [imaginaes] e por afectos [paixes]. Experimen-tamos uma incessante luta de potncias. Somos afetadospor paixes tristes, que paralisam, diminuem, impedem, nosseparam de nossa potncia de agir. A paixo triste sem-pre de impotncia. E tambm somos afetados por paixesalegres que nos impelem ao. Na tristeza, toda a potn-cia est circunscrita dor e quer destruir outras potnciascomo objetos causadores do sofrimento. Na alegria, a potn-cia est em expanso e quer compor com outras potncias.

    Por isso, a alegria aumenta nossa potncia de agir enquan-to a tristeza a diminui e a impede. Para tratar os conceitospropostos por Espinosa, teremos como referncia: Deleuze,([19--], 1997a).

    pode acolher o desassossego ou recusa-lo, orase acredita e ora se invadido pelo medo, oratristes e descrentes estamos em fadiga e oraalegres e potentes estamos em esgotamento

    (DELEUZE, 1992b).O fatigado no pode mais realizar, pois eleesgotou toda a realizao. Todavia, a realiza-o no esgota o possvel. Ele se cansa de re-alizar, no h mais nada a ser realizado. Eleapia o devir no nada e tem medo do devir.Ele est tomado por uma vontade de nada. Aocontrrio, o esgotado no pode mais possibili-tar, pois ele esgotou todo o possvel. Ele apiao devir na potncia e a expande ao mximo.Ele est tomado por um nada de vontade.

    Diante de um acontecimento, realizar uma

    possibilidade um ato de aderncia, redu-zir o acontecimento a um sentido existente o

    jogando no plano do Mesmo, do Semelhante,do Idntico, dos objetivos, dos projetos, daspreferncias, das finalidades que se processampor disjunes exclusivas. Diante do aconteci-mento, efetuar o possvel criar, em imannciacom o acontecimento, agenciamentos que lhedem consistncia, afirmando outra sensibili-dade, enfim, outras possibilidades de vida quese forjam junto ao prprio desejo de mutaoem disjunes inclusivas (DELEUZE, 1992b).

    O nada de vontade uma fora desinte-gradora que coincide um mnimo e um mxi-mo de vida, que resgatam as situaes comopotncia de encontros com o mundo. Vontadede nada seria um dficit de vontade, certa mvontade. Perdemos o gosto porque acredita-mos que nada possvel e, assim, somos in-vadidos por uma fadiga, por um tdio.

    Quando se est em fadiga, procura-se sus-tentar a iluso de estabilidade promovendo,apenas, rearranjos nas possibilidades. Comisso, nega-se a condio de vivo, construindouma forma-homem que no comporta as di-menses do inumano. Uma sobrevidaque serestringe ao visvel, s percepes, aos sen-timentos, razo, inteligncia4. A multipli-cidade da vida no encontra passagem pararessoar em uma sobrevida. A turbulncia esuas vibraes so amortecidas e cessadaspela anestesia que impermeabiliza a pele. As

    4 Essa discusso amplamente desenvolvida por Suely Rol-nik em vrios de seus trabalhos. Nesse ponto, nos repor-

    tamos mais especificamente ao curso baseado no livro deDeleuze Lgica das Sensaes: Francis Bacon, oferecido noPrograma de Estudos Ps-Graduados em Psicologia Clnicada PUC-SP, no ano de 2001.

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    foras intensivas so capturadas ou circuns-critas pelos modelos, em lugar de os estre-mecerem.

    nesse sentido que a vida se torna en-

    clausurada. A expanso da vida, a potnciade diferenciao, que nos permite criar outrasformas de existncia, capturada por formaspadronizadas de ser e de estar. Por isso, essaforma de individuao pode ser tanto indivi-dualistacomo antiindividualista. De um jeitoou de outro, o que est em funcionamentoso modelos. E o que acontece que modelosno criam, no inventam outras solues, nomudam de estratgia quando necessrio. Osmodelos no nos fazem pensar e sim aderir.

    Um acontecimento implica conexes de

    foras que afetam a criao de formas que lhedem passagem. Um acontecimento promo-ve mudanas no dinamismo espao-temporal,abrindo outras possibilidades de vida, outros

    [...] modos de se estar nos verbos da vida[...] (ORLANDI, 2002, p. 237). Enf im, criaode agenciamentos concretos que seriam o ex-

    presso do prprio acontecimento. Mas esseexpresso no da ordem da significao e simdo sentido, isto , da avaliao, da confronta-o de valores e da prpria afirmao da pos-sibilidade de vida como critrio de avaliao.

    Uma redistribuio dos afectos, potncia dediferenciao abrindo possveis. Transmuta-es que fazem a vida se expandir.

    flor da pele. Subjetivaes flor da pele.Subjetivaes no limiar. Barcos sem porto,sem rumo, sem vela. Bichos soltos, ces semdonos, cavalos sem celas (BALEIRO, 199-),que no sabem para onde ir ou o que fazer.Toda a pele percorrida por sensaes de apre-enso e incerteza. Padecemos a dimenso doacontecimento e estamos esfacelados.

    Os ventos sopram de todos os lados, mas oar est saturado e o oxignio rarefeito. pre-ciso forjar portos, bias, ancoradouros, masno sentido da criao de planos de consistn-cia, de territrios existenciais que se engen-dram na experimentao do mundo. O homemprecisa acreditar no liame com o mundo, na li-gao com o mundo, nas conexes com a vida(DELEUZE, 1990, p. 207-209), pois o homemtem sido desapossado do mundo.

    Entretanto, acreditar no liame com o mun-do difere inteiramente de aceitar o mundo, de

    subjugar ou de ser subjugado por ele. Trata-se de tomar posse do mundo, ou melhor, deinventar mundos. O que implica avaliaes e

    escolhas tico-esttico-polticas pela potnciae no pelo poder. Ainveno de mundos ocaminho que nos leva a fugir do imprio dointolervel ou de tudo aquilo que tem nos de-

    sapossado do mundo.Quando no inventamos mundos corremoso risco de um mundo ideal vir recobrir o queparece sem sentido, oferecendo esquemassensrio-motores para aliviar a dor. O barcosem rumo, sem porto, sem vela permanece aosabor das ondas quando no se acredita capazde criar para si cartas de navegao, ou me-lhor, cartografias traadas em imanncia como contemporneo.

    No entanto, estar flor da pele pode im-pulsionar aberturas, como uma artria que

    se rompe. O sofrimento pode forar o pensa-mento a pensar o impensvel, a criar sentidospara a dor. No em um apaziguamento ou emuma tolerncia ou em um suportar a dor e simem sua transmutao em alegria5Interstciodas palavras, das imagens, do amor, do pen-samento, da memria, do eu. Interioridadeatrada para fora de si em proveito de heccei-dades (DELEUZE; GUATTARI, 1972, p. 222) oude modos de individuao que no procedempela forma e nem pelo sujeito e sim nos acon-tecimentos, nas intensidades.

    [...] sentir de repente crescer em si mesmo umdeserto, no outro extremo do qual (embora estadistncia sem medida to fna como uma linha)espelha uma linguagem sem sujeito atribuvel,uma lei sem deus, um pronome pessoal sempessoa, um rosto sem expresso e sem olhos,um outro que ele mesmo [...] (FOUCAULT,1990, p. 62).

    3 Cedo Demais... TardeDemais...

    A partir desse ponto, tendo o cinema comointercessor no percurso desse campo proble-mtico, Nikos, personagem do filme Entre oInferno e o Profundo Mar Azul (1995), nos em-prestar seus olhos, sua pele, sua dor e suasalegrias para que possamos junto aos sus-surros da vida que o perpassam, bem como,

    5 Uma alegria tica correlata de afirmaes especulativas eque se difere dos deveres morais. Um esforo de avaliaese escolhas, em imanncia com o que vivemos, das forascom as quais iremos compor. Experimentao da alegria, da

    potncia de agir, da expanso do poder de ser afetado, datransmutao das tristezas que nos percorrem e, tambm,da posse dessa potncia de agir que nos faz suscitar aconte-cimentos. (DELEUZE, [19--])

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    junto aos sussurros de tantas vidas annimasque transitam pelas ruas da cidade, experi-mentar as vibraes dos jogos de foras quese fazem nesse tempo de espera, nesse di-

    namismo espao-tempo de passagens que sefazem flor da pele.A cidade6est ao longe, distante e presen-

    te. Uma nvoa percorre o mar e a cidade e nospermite apenas ver os contornos meio disfor-mes de seus edifcios. No h ningum nes-sa imagem, somente a cidade ao fundo e osbarcos balanando ao mar. O porto e a cidadepermanecem distantes em meio nvoa. Umnavio vem chegando e lana ncora. Dentrodele est Nikos, um marinheiro fatigado queresponde ao mundo: No sei, Talvez. No sa-

    bemos por onde andou, para onde vai e nemquando. Era uma vez um mandarim solitrio,triste e perdido.... Era uma vez um marujo so-litrio, triste e perdido....

    Os outros marinheiros jogam cartas, con-versam, conhecem pessoas, vo cidade. Ni-kos permanece deitado. Ele parece querer noquerer nada. Est por demais cansado paraquerer. Ele se mantm em uma existnciaopaca, no joga, no vai cidade, no con-versa, no quer conhecer ningum. Em suacabine, prepara o cachimbo de pio que ir

    lhe confortar, que ir suavizar a dor, que iranestesiar sua existncia.

    Deitado, uma mo na cabea outra no peito,acariciando a imagem de uma mulher encra-vada em sua pele. A voz dela nos chega: Olheino dicionrio... eu te amo em grego sagap,espero por voc, a gata deu cria hoje..., quan-do voc voltar..., o poro j encheu.... Um pro-fundo tdio o domina. Uma profunda tristezapercorre o seu olhar. Um profundo cansaoparalisa seus passos. Uma terrvel indigestocala suas palavras e faz doer o contato. Aomesmo tempo, h uma intensidade de sensa-es percorrendo sua pele.

    Ele no conversa e no est em silncio, oumelhor, ele pouco fala e pouco escuta e noh silncio e sim uma profuso de rudos, depalavras. Ele fecha os olhos e no vislumbraum vazio e sim uma profuso de imagens queno vemos. O dizvel se coagulou no que foidito. O visvel se coagulou no que foi visto. Aspalavras compem ladainhas que ecoam sem

    6 Essa seo gira em torno da pelcula: Entre o Inferno e oProfundo Mar Azul(1995).

    cessar. O que foi dito cessa novos dizeres, re-cobre possveis sons com o barulho ensurde-cedor de seu eco. impossvel estar sosse-gado. impossvel ver os sons do silncio.

    impossvel ouvir os vazios das imagens.H uma mulher que no vemos, s ouvi-mos sua voz em off. As palavras no cessam,so indigestas, consomem os pensamentos deNikos. Sua imagem no se apaga, um rostotatuado em seu peito. O seu corpo est imer-so em uma forma de memria7, em Mnem-sina. Ele acredita no haver passagem parao que acontece porque o que lhe aconteceupreenche todo o seu corpo e ocupa todos ossentidos. Nikos sucumbe ao passado por noconseguir se apoderar do passado. Seu pre-

    sente torna-se passado, seu futuro torna-sepassado, e o passado lhe escapa, como tam-bm lhe escapa o presente e o futuro. Tudo um Mesmo, tudo igual, tudo passou.

    A voz em offpreenche seu cotidiano e tomaposse de sua vida. O passado assume a formade um presente que passou e est irremedia-velmente perdido. O tempo se endureceu emum presente infinito que contrai o passado eo futuro e os limita a sucesso dos instantesque passam8. Um tempo coagulado no hbitoe na memria, no pio e nas palavras que eco-

    am sem nunca dizerem outra coisa.Ele est cansado de lembrar e experimenta

    uma paralisia, uma impotncia. Em um pre-sente que se estende ao mesmo tempo em di-reo ao passado e ao futuro, Nikos aprisionaseu presente entre um passado perdido e umfuturo sem sada. Um inferno de lembranastoma posse de seus dias e de suas noites. Pa-lavras saturam seus ouvidos e seus olhos eh pouco espao para outras paisagens, para

    7 A memria assumiria aqui o sentido de memria volun-tria, tal como exposta por Deleuze a partir da obra deProust. Nessa forma de memria, o presente atual vem emdireo a um presente que foi por acreditar que os segredosdas lembranas encontram-se nessa sucesso de presentes.Nesse sentido, a memria voluntria recompe o passadocom o presente sem se apoderar dele, pois lhe escapa o serem si do passado. (DELEUZE, 1987).

    8 Deleuze, a partir de Bergson, apresenta alguns paradoxospara pensarmos o passado: 1) o passado contemporneodo presente que ele foi, ou seja, o passado se constitui aomesmo tempo em que presente; 2) o passado coexistecom o presente, ou melhor, com presentes que ele no foi eem relao ao quais ele sempre foi passado; 3) o elementopuro do passado preexistiria a todo presente, ou seja, h umpassado que jamais foi presente, que nunca se atualizou, um

    passado puro que nuvem virtual do presente; 4) o presenteseria a ponta mais contrada de todo o passado, ao mesmotempo em que, todos os passados coexistem entre si em di-versos graus de contrao e de distenso. (DELEUZE, 1988)

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    outras palavras. S h cartas, cartas vindasde no se sabe onde, que lhe pedem notcias,que lhe perguntam por onde esteve, onde este para onde vai. Ele sabe de cor cada palavra

    e elas vagam por sua vida, delineiam seu tem-po, instalam-se em seu olhar, so recitadaspor seus lbios.

    Tudo o que parece distante est ali e eleno suporta mais. Tudo o que passou est alie ele j no suporta mais. Voc no pode meesquecer. Estou em voc, inapagvel em seucorao. Essa memria intolervel. Ele afagaum gato, um suave ponto de conexo com avida, e seus dedos deslizam por entre os pelosamarelos que se confundem com os fios loirosdo cabelo de uma mulher. Eu te amo em grego

    sagap. No pas onde est como se diz eu teamo?. Por que no me escreve?. Olho o mapae no sei....

    Ele permanece no mar porque a terra o as-sombra. Vem de l sua memria, seu medo.Minha cama est cada vez maior. Durmo nabeira para guardar seu lugar. Estou com frio.Parece que o inverno nunca acaba... Ondevoc est?. E ele no sai do barco, no quersair do barco, no consegue sair do barco. De-via experimentar, mas no consegue. O pro-fundo mar azul acalanto, refgio movedio,

    e inferno das ondas da memria. O continenteest distante, enevoado, nenhum cais ali sevislumbra e isso assustador.

    A companhia em que trabalha faliu. O navioser vendido ou confiscado em cinco dias. Te-mos de esperar, ele diz. O que esperar? Comoser feita essa espera? O tempo de espera seconverter em um grito de dor? Manter a es-pera ser travestir a dor em alvio nos cachim-bos de pio?

    O capito do navio esbraveja perante a si-tuao de falncia e bebe, bebe demais. Masa embriaguez no incomoda Nikos e sim a lu-cidez, a excessiva lucidez, ento ele fuma de-mais. Viagens de pio. Viagens em um marde gelo. Um frio imenso que no consegue seaquecer. Um corpo despedaado, esfacelado,esvaziado. rgos sem corpo. Nikos sofre aono conseguir dar corpo experimentao, aono conseguir transmutar a dor em alegria.Seria preciso no fazer de si um cogulo, sedissolver e, ao mesmo tempo, [...] ter sempreum pequeno pedao de uma nova terra [...]

    (DELEUZE; GUATTARI, 1972, p. 24).Os outros marujos tentam fazer contatos

    para definir o prximo trabalho, o prximoporto, as prximas cidades, as guas por ondeiro passar. Nikos quer permanecer imvel na-quele barco. No quer ir ao porto, no quer ir

    cidade, no quer fazer contatos, no quer fa-lar com ningum, no quer ouvir nada de nin-gum. Quer permanecer deitado com a barbapor fazer. No quer querer. Ele tem medo daspessoas, da cidade, da misria, da vida. Tudoisso di por demais e ele no suporta essa dor.Ele quer esperar.

    4 Tempo de Espera

    Tudo o que acontece o desestabiliza e o faz

    mergulhar em recordaes. E uma nova ima-gem no se faz. E um novo som no se faz. Eleest entre antes e depois, est flor da pele.A um s tempo anestesiado e excessivamenteporoso. Que fazer nesse interstcio temporal,nesse intervalo onde o antesse mostra into-lervel e o depoisse mostra imprevisvel? Elese preenche de medo e procura se ancorarem um presente que s se faz do antes ou deum passado perdido que insiste em no pas-sar. No entanto, ele no parece estar esperadisto ou daquilo, desta ou daquela rota, mas

    de que algo no premeditado venha a devir, espera de que um acontecimento lhe subtraiado cais de Mnemsina, de uma memria doMesmo.

    O sofrimento de Nikos um abismo do pre-sente. Ele experimenta o tempo como se fosseum presente sem fim, uma perpetuidade ins-tvel e destituda de futuro. Um tempo ondeo prprio presente escapa. Um tempo paradoe incapaz de permanncia, onde [...] aqueleque sofre est privado, justamente pelo sofri-mento, deste Eu que o levaria a sofrer [...](BLANCHOT, 2001, p. 89).

    Ele vive um estranhamento, um desas-sossego, no mais o mesmo e ainda no outro. Todas as coisas presentes permane-cem suspensas, pois esse presente a exte-rioridade mesma da presena, ou melhor, a presena no-presena da alteridade. Porisso, ele se defronta, ao mesmo tempo, comtoda a impossibilidade de uma forma de vidae com toda a potncia de possibilitar outravida. Sua espera expectativa sem presente

    e preparao da vinda do que sempre vem, deum devir. A experincia de Nikos envolve um

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    tempo da espera9. Certa relao com o tempoacompanhada da decepo (DELEUZE, 1987,p. 34-37).

    Tempo das subjetivaes flor da pele. A

    companhia faliu, o amor faliu, a vida faliu, sresta esperar. O mar mostra-se intolervel, oamor mostra-se intolervel, a vida mostra-seintolervel, s resta esperar. como se nohouvesse mais nada a fazer e tudo a ser feito.Grau mximo de saturao e grau zero de po-tncia entre um antes e um depois.

    O tempo da espera feito de batalhas.Multiplicidades envolvem cada combate. Gra-daes se fazem entre o vazio transparenteda espera e a saturao opaca da espera. tarde demais... ou cedo demais.... J tarde e

    cedo ainda. Entre o antes e o depois, o entar-decer e o amanhecer se encontram, o dia semistura com a noite. Tudo claro e nebuloso.Um limiar tnue separa potncia e impotnciaem vias de serem inventadas. Conservar osmsculos descontrados e a vontade desem-baraada, o que mais difcil para vs [...](NIETZSCHE, 1985, p. 131).

    Um tempo tenso, enrijecido, contrado e,tambm, prestes a se esgarar, a se quebrar,a se distender. Um tempo entre a memriae o esquecimento. Entre um tempo perdido e

    um tempo redescoberto. Um tempo prprio daespera, o atraso e o prazo para a alegria epara a dor. Esperar ilimitadamente a alegria, apotncia, a vida, esperando finitamente a dor,a nusea, o medo, o tdio, a tristeza, a impo-tncia, a descrena10.

    O tempo da espera povoado por umamultiplicidade de foras, por diferentes flu-xos, por incessantes combates entre linhasde poder e linhas de resistncia. Com quaisforas Nikos ir compor? Pois a espera podese desdobrar em inveno de possveis e emperpetuao da impotncia. Ele pode desejar

    9 Tomamos emprestada uma afirmao de Deleuze, acer-ca da espera na experincia masoquista, para pensarmos otempo de esperanas subjetivaes flor da pele. Essa idianos interessa em funo da espera se desdobrar em fluxos ese vincular a uma forma tempo que a torna possvel. A res-peito da espera no masoquismo, confira Deleuze (1983).

    10 O tempo perdido seria uma linha do tempo aprisionada aoeu. um tempo de sofrimento, pois nada nos revela o segre-do que espervamos. Diante dessa decepo, procuramos osentido da dor nas particularidades do eu. Entretanto, nosescapa que o sentido seja mltiplo, aproximativo e esquivo,se configurando somente quando os eusse dissolvem em

    proveito de individuaes sem sujeito. Mas, esse sofrimentotambm pode forar o pensamento a pensar, a criar sen-tidos, a se fazer nesse apagamento do eu, em um temporedescoberto. (DELEUZE, 1987)

    o esgotamento ou ser capturado pela fadiga. o [...] esprito transformado em besta decarga [que] toma sobre si todos estes pesadosfardos [...], pois [...] a sua fora reclama far-

    dos pesados, os mais pesados que existam nomundo [...] (NIETZSCHE, 1985, p. 29-30).Mas, para que a espera de Nikos se des-

    dobre em potncia, ele no pode se agarrar esperana para aplacar o medo. Pois a espe-rana11, quando vinculada espera do prov-vel ou fico do irreal, torna-se uma paixotriste, uma potncia de padecer12. O tempo daespera ento se enclausura no sofrimento, naindignao, na vontade de nada, no ressenti-mento, e se preenche de um passado perdidoe de um futuro sem sada. Mas, o tempo da es-

    pera pode se desdobrar em alegria ativa13, empotncia de agir, se o esperar se despoja detoda esperana manifesta (BLANCHOT, 2001,p. 84) e se vincula criao de possveis emimanncia com a vida. O tempo da espera seabre a outros tempos, os venenos se expema seus antdotos, a indigesto se abre diges-to, a memria se expe ao esquecimento.

    no esquecimento que a espera se mantmcomo uma espera: ateno aguda quilo queseria radicalmente novo, sem ponto de com-parao nem de continuidade com nada (no-

    vidade da espera exterior a si e livre de todoo passado) e ateno quele que seria o maisprofundamente velho (posto que nas profundi-dades de si mesma a espera no deixou nuncade esperar) (FOUCAULT, 1990, p. 73).

    No convs Nikos permanece olhando ao lon-

    11 A esperana no seno uma alegria instvel, nascidada imagem de uma coisa futura ou passada, de cujo resulta-do duvidamos [...] As afeces de esperana e de medo noexistem sem a tristeza. Com efeito, o medo uma tristeza,e a esperana no existe sem o medo (ESPINOSA, 1992,

    p. 404-405).

    12 Na tristeza toda a nossa potncia est voltada para o pa-decimento. Nossa potncia est imobilizada e no podemosseno reagir [...] (DELEUZE, [19--], p. 121). Decompomosnossas foras, diminumos nossa potncia de agir e faze-mos do padecimento uma cantilena de reclamaes, de acu-saes, de recusas, de culpabilizaes, de ressentimentos.(DELEUZE, 1997a).

    13 A alegria ativa, para Espinosa, vem de uma paixo alegreque aumenta nossa potncia de agir, que amplia nossa ca-pacidade de ser afectado. Entendendo essa ampliao comouma mudana na qualidade das foras, ou melhor, como umesforo para criar bons encontros ou encontros que nosfaam viver. No entanto, a alegria ativa se d quando sa-mos do domnio das paixes e tomamos posse da alegria e

    da potncia de agir, quando nos tornamos dignos da ao,quando escolhemos a escolha, quando afirmamos a afirma-o, quando h em ns um esforo de criao do que nos fazviver. (DELEUZE, [19--], 1997a)

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    ge. Seu olhar triste, seu corpo triste, seusmovimentos so tristes. Em outros momen-tos, ele est deitado, o olhar perdido, vagandoinerte ou cerrado em um sono acordado. Ele

    no dorme, no sonha, no consegue descan-sar. Vive no mar, nas ondas revoltas do mar.Em sua vida a terra escassa. Os contornosse desfazem em meio nvoa. Ele percorreumuitos mares e forjou pouca terra, esse meiovital lamacento onde nascemos e morremos.

    E embora haja na terra atoleiros e muita eespessa tristeza, quando se tm os ps leves,atravessa-se a correr o prprio lodo, e dana-se como por cima do gelo liso [...] (NIETZS-CHE, 1985, p. 330).

    A terra como matria-prima a ser amas-

    sada, misturada, moldada. Onde formas socriadas e desfeitas, onde portos so erguidospara atracar os barcos e de onde estes par-tem para o mar. Terra como densidade inten-siva, como corpo de gradaes entre o slido,o lquido e o gasoso, onde esses se misturam,se sobrepe, se intercalam em contraes edistenses. Terra como morada, como um sifeito de individuaes sem sujeito, de subjeti-vaes no capturadas pelo Idntico, pelo eu.A terra como tempo e o tempo como terra14,dos que vem da terra, dos que sabem a terra,

    dos que aprendem a inventar a leveza dos psa tocar seu solo.

    Nikos um marinheiro sem ptria, um alc-tone, seus ps tocam pesadamente a terra,ele no vislumbra contornos, no conseguecriar contornos, no consegue dar formas aesse meio vital lamacento. E, assim, ele tomaemprestadas formas saturadas que repelem ocontato e tentam ainda conservar o eu quelhes resta nas palavras gastas e na solido.

    Do navio, Nikos olha de longe o porto, es-cuta os sons da cidade no mar. um prisio-neiro repleto de medo a contemplar o mar, aterra e suas cidades. O que ele no percebe que intil dizer que o mar ou a terra nosfaz feliz ou infeliz ou [...] dividir as cidadesnessas duas categorias, mas em outras duas:aquelas que continuam ao longo dos anos edas mutaes a dar forma aos desejos e aque-

    14 A terra como tempo primordial dos autctones [...],onde todos [...] os estratos coexistentes se comunicame se justapem no meio vital lamacento [...] (DELEUZE,1990, p. 141). A terra como matria-prima. O tempo como

    terra, como [...] massa a ser incessantemente moldada,ou modulada, estirada, amassada, comprimida, fluidificada,densificada, sobreposta, dividida, distendida etc. (PELBART,1998, p. 19-20).

    las em que os desejos conseguem cancelar acidade ou so por esta cancelados [...] (CAL-VINO, 1999, p. 36-37).

    No se trata, tampouco, de escolher entre

    o mar e a terra. No adianta Nikos ir para aterra e ficar olhando de longe o mar. Por outrolado, a questo no apagar as diferenas en-tre terra e mar ou fazer deles uma unidade oufazer de si junto a eles uma unidade. Ele preci-sa aprender a criar combinatrias entre o mare a terra. Aprender a combinar o conjunto dasvariveis de uma situao promovendo disjun-es inclusivas (DELEUZE, 1992b, p. 38). O quedifere de aguar suas preferncias, de cumprirseus objetivos ou de realizar seus projetos.

    Toda essa memria encravada de pesso-

    alidade fatiga Nikos. O faz ouvir sempre asmesmas palavras ecoando e estar por demaiscansado para dizer qualquer coisa. Ele parececondenado a preferir ou a no ter escolhas:ou lembra ou vive, ou est no mar ou estna terra. Mas, no se trata de escolher entreir cidade ou permanecer no navio, viver oulembrar. Essas disjunes exclusivas abafampossveis. Nikos precisa inventar a escolha.Que outra memria possvel? Que outra vida possvel? E se as palavras esto saturadas, preciso arrancar-lhes as aderncias, os clichs

    (DELEUZE; GUATTARI, 1972, p. 274) que asrecobrem, toda pessoalidade que as enclausu-ra e faze-las dizer outra coisa. No permane-cer cansado de lembrar e sim esgotar todo opossvel da memria, inventar possveis junto memria, junto ao mar, junto a terra.

    O mar pode sacudir a areia, promovermisturas, fazer, desfazer e refazer seus de-senhos. E a areia pode oferecer terra firmepara o quebrar das ondas. Um marujo desejao mar, deseja navegar por seus mistrios. Ummarujo tambm deseja a terra, deseja um caisprovisrio onde seu corpo possa parar de ba-lanar. H terra no mar e gua na terra. Talvezseja necessrio promover interstcios entre omar e a terra. Cavar a terra para fazer a gua

    jorrar. Mergulhar no mar e tocar a terra.Nikos no consegue criar essa composi-

    o15. Tudo o que v so nvoas. um bar-

    15 A irrupo de um acontecimento nos convoca a criarfiguras que venham dar corpo e sentido arregimentao dediferenas que ele promove. Faz tremer nossos contornos e

    nos separa de ns mesmos, em proveito do outro que esta-mos em vias de nos tornar. Perdem sentido as nossas carto-grafias, depaupera-se a nossa consistncia, nos fragilizamos tudo isso ao mesmo tempo [...] (ROLNIK, 1995, p. 97).

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    queiro sem rota, sem leme, sem ncora, quese esparrama em seu sofrimento e teme es-quecer a si mesmo, se perder nessa dor, des-figurar-se. O medo de seesquecer o medo

    de no conseguir criar planos de consistnciaque acolham o que acabou de acontecer e oque vai acontecer. O medo de seesquecer omedo de esquecer a memria que o corri, queo dilacera, que se tornou o centro de sua vidae o santurio de sua cotidiana mortificao.Uma memria transformada em veneno queintoxica e que no se digere. [...] o homemconseguiu esta fraqueza do estmago e estalinguagem mentirosa, que lhe tornam inspi-da e dolorosa a vida: de modo que, algumasvezes, inclina-se sobre si mesmo, tapando o

    nariz [...] (NIETZSCHE, 1992, p. 55).A nusea coagulou sua vida, cortou o flu-

    xo sanguneo, estancou a alegria, interrompeuum processo. E essa parada no processo pa-rece lhe impedir a criao de sentidos paraa vida. O processo se ligou a um fim, a umafinalidade, e conduzido ao infinito (DELEU-ZE; GUATTARI, 1972, p. 9-10). Ento, Nikosno termina nada, no efetiva nada, no in-venta possveis que faam seu corpo pararum pouco de balanar. Ele se mantm no mar,nas ondas do mar, tomado pela nusea e no

    vomita. No entanto, ele no um prisioneirodo mar antes est aprisionado passagem. Apassagem tornou-se o processo, um processopelo processo, um processo que a paradado processo. Por isso ele viaja, viaja, viaja eno vai a parte alguma, no sai de si. Seu so-frimento se torna um colapso, um continuuminfinito que o impede de criar outros mares,de criar outras terras.

    Seu corpo se impermeabiliza aos ventosque sopram, como se estivesse fechado e, aomesmo tempo, um corpo hiper permevel,em carne viva, totalmente exposto a tudo.No h nesse momento da existncia de Nikosmolas de amortecimento. Talvez fosse precisofazer silncio, esquecer. O homem em quemno funciona este aparelho amortecedor [doesquecimento] um verdadeiro dispptico,nunca sai de nada [...]. (NIETZSCHE, 1992,p. 45-46)16.

    16 O esquecimento [...] um poder ativo, uma faculdademoderadora, qual devemos o fato de que tudo quanto nos

    acontece na vida, tudo quanto absorvemos, se apresenta nossa conscincia durante o estado da digesto, do mesmomodo que o multplice processo da assimilao corporal topouco fatiga a conscincia. Fechar de quando em quando

    Ele vive toda a intensidade de um limiar,no cabe mais no que era e no consegue criarnovos contornos. Toda sua existncia est ex-posta, os problemas emergiram, as solues

    se insinuam. Entretanto, preciso desejar osproblemas, ou melhor, desfazer-se dos falsosproblemas. Mudar as perguntas, inventar so-lues, experimentar outros olhares e outrosdizeres. Ter a sensao de uma outra textura,possibilitar a pele ser percorrida por um frioe um calor estranho, desconhecido, incerto,suave e violento, assustador e calmo.

    Nikos precisa avaliar, ora se abrir e ora sepreservar, selecionar os momentos, fazer fun-cionar uma espcie de vlvula, estaria a suapotncia. No entanto, ele se fecha s cone-

    xes e permanece deitado em sua cama. Eleest exposto a sua memria, rastejando emdesespero. Seu corpo uma grande ferida ea vida lhe insuportvel. Um barco sem rumovulnervel ao mar revolto.

    5 Um Profundo Mar Azul

    Do convs Nikos olha as cidades atravs deum binculo. Entre seu olhar e as cidades, a

    misria mostra a proximidade de sua face. An-corados ao redor esto muitos barcos repletosde pessoas famintas que trocam trabalho porcomida ou por qualquer dinheiro. de l quevem Li, uma menina de dez anos que carregasempre seu irmo nas costas. Li a vida feitacriana, misria, medo e confiana, cuidado eabandono. Ela nasceu numa sampana, vive nomar, mas sabe a terra.

    Os tripulantes vo fazer tatuagens e Nikosos acompanha. Enquanto o capito percorreos modelos expostos, um marujo vai rece-bendo os contornos das asas de um pssaroem suas costas e Nikos permanece sentado,fumando com um copo na mo. Ao fundo esto som do bisturi, a pele sendo rasgada, o co-rante penetrando-a. Esse som vai transtor-nando Nikos. a dor encravada na pele, apele totalmente aberta dor, so seus sulcos

    as portas e janelas da conscincia, permanecer insensvels ruidosas lutas do mundo subterrneo dos nossos rgos;fazer silncio e tbua rasa da nossa conscincia, a fim de

    que a haja lugar para as funes mais nobres para governar,para rever, para pressentir [...] O homem em quem no fun-ciona este aparelho amortecedor um verdadeiro disppti-co, nunca sai de nada [...] (NIETZSCHE, 1992, p. 45-46).

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    se espalhando e tingindo seus contornos.Aquela dor grande demais, intensa de-

    mais, forte demais. Um desespero o invade,um limiar se rompe. Ele despedaa o copo na

    palma da mo e os cacos rasgam sua pele. Alinha do destino se desfaz, se abre, se refaz.A vida lhe escorre entre os dedos na cor desangue. Ele foge para o mar, para o barco,para o quarto. Deixa a gua escorrer em suamo e vai recolhendo os cacos que ficaramencravados. Eu ia esperar voc voltar. Talvezseja meio repentino... mas estou esperandoum filho. Seu filho. Estou assustada. Precisode notcias suas.

    Mas essas palavras, essa voz, essa dor, soapenas supostamente passadas. A realidade

    que portam no possui um equivalente nem nopresente atual e nem no antigo presente. Elaso fazem mergulhar em outro tempo, tiram dolugar o passado e o presente e os defrontamcom a imprevisibilidade do futuro. O passadono coincide com perdido, o presente no coin-cide com cansao e o futuro no coincide comsem sada. Os sentidos formatados tornam-sedisformes. As verdades mostram-se mentiras.As iluses deixam escorrer suas certezas porentre o efmero que as constitui.

    Sua pele se rasgou e fez o tempo jorrar. Um

    tempo agora dilatado e redescoberto no prprioseio de um tempo perdido. O passado tornou-se nuvem virtual17 do presente. Um passadopuro que no se reduz a nenhum presente quepassou, um passado que faz passar todos ospresentes, uma memria pura. Nikos lanadono ser em si do passado, em uma vertigem deincertezas que desloca o passado e o presente.Um estado impreciso, obscuro, onde os antigossentidos no fazem mais sentido. Nem Nikos,nem seu passado, nem seu presente ou seufuturo sero mais os mesmos.

    A questo no est no que fez ou deixou defazer antes no que faz, no que est deixandode fazer. Seu presente se defronta com umduplo que o bifurca, o estilhaa, o multiplica,

    17 O ser e si do passado, que Bergson denominava virtual, o que a memria involuntria toca atravs de um volume dedurao que entrelaa as sensaes do passado e as sensa-es do presente, possibilitando que outras sensaes sejamcriadas. Entre o passado que foi e o presente que , surgeum passado puro que no nem o que foi e nem o que ,mas que passa a estar entre o presente e o passado fazendocom que estes no sejam mais os mesmos, a diferenainteriorizada, segundo Proust, experimentada, tornada ima-

    nente. a imagem da eternidade, o puro infinitivo do tempo,um tempo vazio, annimo, impessoal, desrtico e neutro quenos sacode e nos atordoa e nos lana na inveno de outrasformas de vida. (DELEUZE, 1987).

    o embaralha. O que Nikos est ajudando a fa-zer dele mesmo? Que outra vida possvel? Opassado que o ronda no reclama uma reden-o antes o fora a uma afirmao. O tempo

    se rasgou em ilimitados possveis. precisouma redistribuio dos afetos para dar con-torno a esse acontecimento. Nikos precisa seesquecer para possibilitar outras vidas.

    Mas ele ainda no consegue compreenderessa vidncia, experimentar essa outra dor e,tambm, essa outra alegria. As palavras sequebraram e h tudo por dizer. O amor se par-tiu e h tudo por amar. A memria se desfeze h tudo por lembrar e tudo a esquecer. Oeuse dissipou e h mltiplos modos de exis-tncia. A vida saiu dos trilhos e h ilimitados

    caminhos a serem percorridos.Ele responde: No sei...,Talvez...No entan-

    to, pode no ser expresso de um fechamen-to, de um adiamento de qualquer afirmao.Talvez, seja a prpria incerteza dilacerando-o,os prprios sentidos se formando, uma aber-tura. Uma potncia de possvel que est aindainventando suas possibilidades. Um informeque ainda v talhar-se suas formas. Um marrevolto que aprende a fora e a suavidade dasondas que tocam a areia.

    Nikos se deita novamente. Li quer saber:

    Quando vai partir? O navio fora vendido eeles tm apenas dois dias. O tempo de espe-ra anuncia seu fim. O capito lhe convida aembarcar em outro navio. Ele no sabe o queir fazer. O mar no me atrai mais. Quando

    piso em terra, ela f ica se mexendo...Ele noest em terra e nem no mar. O mar no oatrai mais e a terra treme. O mar revolto ea terra movedia. Em meio ao mar e a terra.Ele no consegue experimentar a calmaria domar e a firmeza da terra. tarde demais. Oucedo demais.

    Li lhe pergunta: Qual o meu cheiro? Cheirode camomila. Uma planta que secamos parafazer infuses. Acalma. Como o pio? Ao con-trrio. Li diz que seu av acende um cachimbopor ms para toda a famlia: como fazer umaviagem... No deve fumar muito se quiser vol-tar da viagem.

    Nikos no suporta mais e explode em cho-ro, seu desespero se extravasa em lgrimas.Nessa instabilidade, a memria volta. O bebcresce em meu tero. Queria cham-lo Nikos.

    Perdi a esperana. Eu te amo em grego sagap. O seu corpo estremece e solua emum pranto que contm toda a dor do nasci-

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    mento, de um corpo que reclama novos con-tornos, de uma existncia em expanso quevai rasgando a pele morta18.

    Nikos consegue emprego em um outro na-

    vio. Ao se despedir de Li ele diz que ir voltar

    18 Ovo tntrico, grande feto, coisa viva se mexendo, elecircula crescendo na barriga-terra, sentindo o calor da luz,

    alimentando-se da claridade-nutrio que habita seu pr-prio desejo. Claridade que matria e energia. Que no seveja, todavia, nesse ovo ou nesse feto, uma regresso [...](LINS, 1999, p. 65).

    Referncias

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    para v-la. Ela no acredita nisso. O DragoBondoso s vem uma vez. A maioria nunca oencontra. Eu o conheci. Amarre-o para ficarcom ele, lhe sugere Nikos. Se fizer dele um

    escravo, ele no servir mais.

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    Recebido em maro de 2010.Aprovado para publicao setembro de 2010.

    Leila Domingues Machado

    Doutora em Psicologia Clnica na Pontifcia Universidade Catlica-SP e Ps-Doutora em Psicologia Social na Universidade

    Estadual do Rio de Janeiro. Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Ps-Graduao em Psicologia Insti-tucional da Universidade Federal do Esprito Santo UFES, Vitria-ES/Brasil.

    Email: [email protected]