Teorias de Aprendizagem Fisica

40
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FÍSICA 2010 Teorias de Aprendizagem Texto introdutório Fernanda Ostermann e Cláudio José de Holanda Cavalcanti UFRGS

Transcript of Teorias de Aprendizagem Fisica

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FSICA

    2010

    Teorias de

    Aprendizagem

    Texto introdutrio

    Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    U F R G S

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 2

    SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS .................................................................................................................. 3

    1 INTRODUO .................................................................................................................. 4

    2 UM POUCO DE HISTRIA TEORIAS BEHAVIORISTAS ...................................................... 6

    2.1 Ivan Pavlov (1849-1936) ............................................................................................... 7

    2.2 John Watson (1878-1958) .......................................................................................... 10

    2.3 Edward Thorndike (1874-1949) .................................................................................. 11

    2.4 Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) ....................................................................... 12

    3 TEORIAS DE TRANSIO ENTRE O BEHAVIORISMO CLSSICO E O COGNITIVISMO ......... 13

    3.1 Robert Gagn (1916-2002) ......................................................................................... 13

    3.2 Edward Tolman (1886-1959) ...................................................................................... 14

    3.3 Teoria da Gestalt ........................................................................................................ 16

    4 TEORIAS COGNITIVAS .................................................................................................... 19

    4.1 Jerome Bruner (1915-) ............................................................................................... 20

    4.2 Jean Piaget (1896-1980) ............................................................................................. 21

    4.3 David Ausubel (1918-2008) ........................................................................................ 22

    5 TEORIAS HUMANISTAS .................................................................................................. 24

    5.1 Carl Rogers (1902-1987) ............................................................................................. 24

    5.2 George Kelly (1905-1967) ........................................................................................... 25

    6 TEORIAS SCIO-CULTURAIS ........................................................................................... 26

    6.1 Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934) .................................................................... 26

    6.2 Paulo Freire (1921-1997) ............................................................................................ 28

    6.3 James V. Wertsch (?) .................................................................................................. 34

    7 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................ 37

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................................ 38

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 3

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Ivan Pavlov ...................................................................................................................................................... 7

    Figura 2: Exemplo de estmulo incondicionado e resposta nas experincias de Pavlov com ces. Um estmulo natural

    existente no meio (presena de alimento) provoca uma resposta quase automtica no co (salivao). . 8

    Figura 4: O som da campainha provoca a salivao nos ces sem a presena do estmulo incondicionado (presena

    de alimento que originalmente eliciava a salivao). Aqui, o som da campainha passa a se chamar

    estmulo condicionado e essa fase recebe o nome de condicionamento. ................................................... 9

    Figura 3: Exemplo de pareamento. Um estmulo incondicionado (presena de alimento), pareado com um estmulo

    neutro (som da campainha), provoca uma resposta de salivao nos ces. ............................................... 9

    Figura 5: John B. Watson. ............................................................................................................................................. 10

    Figura 6: Edward Thorndike. ........................................................................................................................................ 12

    Figura 7: Burrhus Frederic Skinner. .............................................................................................................................. 12

    Figura 8: Robert Gagn. ............................................................................................................................................... 14

    Figura 9: Edward Tolman. ............................................................................................................................................ 15

    Figura 10: Da esquerda para a direita: Max Wertheimer, Wolfgang Khler e Kurt Koffka. ......................................... 16

    Figura 11: A pintura Uma tarde de domingo na illha de La Grande Jatte, de Georges-Pierre Seurat, feita por meio

    de pontos coloridos (da o nome pontilhismo para esse estilo). No detalhe fica claro a estrutura dos

    pontos, que criam iluses de tonalidades em quem a observa a partir de uma distncia adequada. Essas

    tonalidades no necessariamente fazem parte do quadro e so inseridas pela observao e decorrente

    interpretao do nosso crebro. ............................................................................................................... 17

    Figura 12: Os quadrados A e B no parecem ter o mesmo tom de cinza (o quadrado B parece ser mais claro). No

    entanto, ambos possuem exatamente o mesmo tom. O sistema visual humano bastante complexo e

    realiza algumas armadilhas para perceber detalhes em regies sombreadas. Essa figura foi feita baseada

    em dois trabalhos de Edward H. Adelson (1993; 2000). ........................................................................... 18

    Figura 13: Norwood Russell Hanson. ........................................................................................................................... 19

    Figura 14: Jerome Bruner. ............................................................................................................................................ 20

    Figura 15: Jean Piaget. ................................................................................................................................................. 21

    Figura 16: David Ausubel. ............................................................................................................................................. 23

    Figura 17: Carl Rogers. ................................................................................................................................................. 24

    Figura 18: George Kelly. ............................................................................................................................................... 25

    Figura 19: Lev Semenovitch Vygotsky. ......................................................................................................................... 27

    Figura 20: Paulo Freire. ................................................................................................................................................ 29

    Figura 21: James V. Wertsch. ....................................................................................................................................... 35

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 4

    1 INTRODUO

    Recentemente, tem sido admitido cada vez mais que h um corte epistemolgico entre o

    conhecimento com o qual o professor aprende na universidade e o que ele ter que ensinar no

    ensino mdio. A pouca discusso do significado conceitual e da interpretao qualitativa do

    formalismo matemtico no curso de Fsica, essencial para o professor de nvel mdio, e a falta

    de relao deste contedo com a realidade escolar o levam a deixar de lado este contedo e a

    ter como referncia o contedo dos livros didticos de nvel mdio.

    A possibilidade de se aprofundar o contedo de Fsica na formao, relacionando-o

    interdisciplinarmente a contedos pedaggicos e aos resultados da pesquisa em ensino de

    Fsica para gerar as metodologias de ensino, tem sido perdida. Sem desvalorizar o

    conhecimento do contedo cientfico, Graeber et al. (2001) enfatizam o fato de que este no

    seja suficiente para a formao do professor e que a atividade docente est longe de ser

    inferior, vocacional ou improvisada. Ao contrrio daqueles que consideram a discusso dos

    aspectos metodolgicos ameaadora para o ensino, temendo o esvaziamento do contedo

    cientfico, a ideia defendida aqui a de que no h como discutir metodologias de ensino e

    aprendizagem sem a devida articulao com o contedo cientfico, e que por isso mesmo esse

    tipo de discusso incrementa o conhecimento disciplinar do professor.

    A prpria legislao referente formao de professores da educao bsica (BRASIL,

    2002), ao estabelecer o perfil do professor de Fsica a ser formado, aponta para a falta de

    identidade e de integrao entre o conhecimento do objeto do ensino e a transposio

    didtica, o que constituiria em um distanciamento entre os cursos de formao e o exerccio

    da profisso de professor no ensino mdio. Erroneamente, a atividade docente encarada

    como vocacional, que permitiria grande dose de improviso e autoformulao do "jeito de dar

    aula".

    Uma primeira ruptura necessria na formao do professor, apontada nas pesquisas, a

    que se refere a vises simplistas acerca do processo ensino-aprendizagem: vises, em geral,

    pobres que no incluem muitos dos conhecimentos que a pesquisa destaca hoje como

    fundamentais. So imagens espontneas do ensino que o concebem como algo

    essencialmente simples. imprescindvel o questionamento das ideias docentes de "senso

    comum" j levantadas na literatura (CARVALHO e PREZ, 1995; SILVEIRA e OSTERMANN, 2002)

    tais como: viso empirista-indutivista da cincia e do trabalho cientfico; viso enciclopedista

    de ensino; obrigao de cumprir o programa; avaliao vista como objetiva e usada para

    classificar os alunos. Sendo assim, imprescindvel a discusso, na formao de professores,

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 5

    de referenciais tericos que possam orientar e problematizar a prtica docente. Sem essas

    reflexes, os professores podem recair em vises simplistas, como as antes destacadas, ou

    seguir de maneira acrtica, como modelo pedaggico, as aulas de seus professores nos cursos

    de Licenciatura.

    Mesmo vises reconhecidamente ultrapassadas do processo ensino-aprendizagem, tais

    como concepes behavioristas, precisam ser debatidas, pois, apesar de seu franco declnio na

    rea da pesquisa em ensino de cincias, ainda podem ser identificadas em prticas

    pedaggicas, livros didticos, materiais de divulgao cientfica, bem como em sites,

    aplicativos, simulaes, hipermdias, tutoriais disponibilizados na internet. Pelo fato de, muitas

    vezes, esses materiais educacionais serem desenvolvidos com o que chamamos de Tecnologias

    de Informao e Comunicao (TICs), comum que se autoproclamem pedagogicamente

    modernos. Uma anlise mais detalhada pode mostrar que so demasiadamente

    behavioristas, ou seja, usam tecnologias modernas com fundamentao ultrapassada. A fim de

    reconhecer essas metodologias, necessrio ter conhecimento sobre as teorias que as

    embasam implcita ou explicitamente, mesmo sendo estas ultrapassadas.

    Do ponto de vista da pesquisa em educao em cincias, assistimos, hoje, a chamada

    virada sociocultural. A perspectiva sociocultural na pesquisa em Educao em Cincias tem

    indicado um caminho promissor para a superao da predominncia do carter individual e

    cognitivista tanto no que se refere aprendizagem do aluno quanto formao de

    professores. Essa abordagem concebe cincia, educao em cincias e pesquisa como

    atividades sociais humanas inseridas num sistema cultural e institucional, o que implica

    atribuir um peso terico significativo ao papel da interao social (VYGOTSKI, 1989; 2003),

    vendo-a como necessria ao processo de aprendizagem (e no processo de formao do

    professor das cincias) no meramente como auxiliar (LEMKE, 2001).

    O que caracteriza a psicologia humana para Vygotsky o fato de que o desenvolvimento

    se d pela internalizao das atividades socialmente enraizadas e historicamente construdas

    (VYGOTSKI, 2003). O aprendizado humano pressupe uma natureza social especfica na

    medida em que todas as funes intelectuais superiores originam-se das relaes entre

    indivduos.

    Neste curso trilharemos um percurso que indique a gnese da pesquisa em educao em

    cincias do ponto de vista de seus referenciais tericos. Inicialmente, essa rea mostra-se

    orientada por referenciais behavioristas (tendo Skinner como seu maior representante); nos

    anos 80 h uma nfase cognitivista (com autores como Piaget e Ausubel) e, mais

    recentemente, reconhece-se o crescimento de perspectivas socioculturais, materializadas nas

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 6

    ideias de autores como Paulo Freire, Vygotsky e Wertsch. Estes so os tericos que sero

    estudados e discutidos mais detalhadamente nessa disciplina. No presente texto, alguns

    outros sero abordados, em forma introdutria.

    2 UM POUCO DE HISTRIA TEORIAS BEHAVIORISTAS

    O behaviorismo pode ser grosseiramente classificado em dois tipos: o behaviorismo

    metodolgico e o radical. O criador da vertente do behaviorismo metodolgico (tambm

    denominado como comportamentalismo) John B. Watson (1878-1958).

    O behaviorismo metodolgico tem carter empirista. Para Watson todo ser humano

    aprendia tudo a partir de seu ambiente (o homem estaria merc do meio). Tambm no

    possua nenhuma herana biolgica ao nascer, ou seja, nascia vazio no que se referia a

    qualquer informao (era uma tabula-rasa). Foi nessa poca que o behaviorismo emerge como

    uma oposio ao mentalismo europeu1. Watson rejeitava os processos mentais como objeto

    de pesquisa - ele no considerava como passvel ser objeto de estudo aquilo que no fosse

    consensualmente observvel. A introspeco no poderia, segundo ele, ser aceita como

    prtica cientfica (SRIO, 2005).

    O Behaviorismo Metodolgico tem tambm carter determinista. Sendo uma teoria muito

    baseada em estmulo-resposta (E-R), nela h uma indicao de que o comportamento humano

    previsvel. Se um antecedente X ocorre, o evento Y ocorrer como consequncia (PRIMO,

    2009). Alguns enunciados de Watson evidenciam essa caracterstica.

    Outra vertente o behaviorismo radical, criada por Burrhus Frederic Skinner (1904-1990).

    Ao contrrio do behaviorismo metodolgico, essa vertente no pressupe que o ser humano

    seja uma tabula rasa, desprovido de qualquer dote fisiolgico e gentico. Essa era uma das

    principais diferenas entre as duas vertentes behavioristas e tambm o que separa bastante

    os trabalhos de Skinner e Watson. Para Skinner, o behaviorismo no era um estudo cientfico

    do comportamento, mas sim, uma Filosofia da Cincia que se preocupava com os mtodos e

    objetos de estudo da psicologia (SRIO, 2005). Segundo o prprio Skinner:

    Se a psicologia uma cincia da vida mental da mente, da experincia consciente

    ento ela deve desenvolver e defender uma metodologia especial, o que ainda no

    foi feito com sucesso. Se, por outro lado, ela uma cincia do comportamento dos

    1 Em uma viso mentalista, os processos mentais no so de natureza fsica, mas sim, de natureza puramente mental ou psquica.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 7

    organismos, humanos ou outros, ento ela parte da biologia, uma cincia natural

    para a qual mtodos testados e muito bem sucedidos esto disponveis. A questo

    bsica no sobre a natureza do material do qual o mundo feito ou se ele feito

    de um ou de dois materiais, mas sim as dimenses das coisas estudadas pela

    psicologia e os mtodos pertinentes a elas (SKINNER, 1963/1969).

    Skinner, ao contrrio de Watson, no nega a viso mentalista da psicologia. Para ele, os

    chamados fenmenos da privacidade (processos mentais) so de natureza fsica, material e,

    portanto, mensurveis.

    Faremos aqui uma breve introduo a trs behavioristas: Watson (por ser o fundador

    dessa corrente no mundo ocidental), Thorndike (por ter criado o conceito de reforo e pela sua

    influncia na psicologia da educao) e Skinner (por ser o mais famoso dos behavioristas e,

    cuja teoria, at hoje influencia o meio educacional). Alm deles, falaremos tambm do russo

    Ivan Pavlov, que deu bases a Watson para fundar essa linha no mundo ocidental.

    2.1 Ivan Pavlov (1849-1936)

    Foi no estudo com animais em laboratrio, em

    especial a digesto de ces, que Pavlov percebeu

    que alguns estmulos provocavam a salivao e a

    secreo estomacal no animal, o que deveria ocorrer

    apenas quando o animal ingerisse um alimento. A

    partir disso, ele percebeu que o comportamento do

    co estava condicionado a esses estmulos,

    normalmente aplicados poucos instantes antes do

    co se alimentar.

    Por exemplo, acionando-se uma campainha

    antes de alimentar o co, Pavlov percebeu que as

    reaes no animal j se faziam presentes. Assim, o

    estmulo campainha provocou reflexos alimentares

    no co (resposta) mesmo sem a presena do alimento. Constatou ainda, que o co no podia

    ser enganado por muito tempo. Os reflexos sumiam se a comida no fosse dada ao co logo.

    Em 1903 publicou um artigo denominando o fenmeno de reflexo condicionado, que

    podia ser adquirido por experincia, chamando o processo de condicionamento. Foi, ento,

    premiado com o Nobel de Medicina em 1904.

    H uma srie de termos presentes na teoria de Pavlov que merecem ser explicitados:

    Figura 1: Ivan Pavlov

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 8

    1 - Eliciar:

    Provocar uma resposta automtica. Dado um estmulo tem-se uma resposta.

    2 - Pareamento (ou emparelhamento):

    Associao de estmulos. Para o condicionamento, usa-se normalmente um estmulo

    eliciador em conjunto com um estmulo neutro.

    3 - Estmulo incondicionado:

    Evento que elicia naturalmente uma certa resposta reflexa. Tal estmulo no necessita

    de nenhuma histria de pareamento vivida por um indivduo para provocar o reflexo.

    Por exemplo, a irritao nasal (estmulo incondicionado) causa naturalmente o espirro

    (resposta reflexa ou reflexo incondicionado).

    4 - Estmulo neutro:

    Evento que no provoca nenhuma espcie de resposta reflexa.

    5 - Estmulo condicionado:

    Estmulo inicialmente neutro, que passa a eliciar uma resposta reflexa a partir de uma

    sucesso bem sucedida de pareamentos. Um estmulo neutro, depois de ser

    emparelhado um nmero suficiente de vezes com um estmulo incondicionado, passa

    a eliciar a mesma resposta que este, podendo substitu-lo.

    Como exemplo, podemos descrever a prpria experincia de Pavlov com ces. Nos ces, a

    presena de alimento em um ambiente onde eles possam detect-lo, causa naturalmente a

    salivao. Nessa situao, o alimento o estmulo incondicionado (ambiente), j que ele

    provoca o reflexo salivao instintivamente nos ces, que a resposta (eliciamento). Essa a

    Estmulo Incondicionado

    (ambiente)

    Alimento

    Resposta (eliciamento)

    Salivao

    Figura 2: Exemplo de estmulo incondicionado e resposta nas experincias de Pavlov com ces. Um estmulo natural

    existente no meio (presena de alimento) provoca uma resposta quase automtica no co (salivao).

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 9

    situao mostrada na figura 1. A princpio, o som de uma campainha no provoca reao de

    salivao nos ces. Sendo assim, esse estmulo chamado de estmulo neutro. Em uma

    situao posterior, chamada de pareamento, Pavlov colocava o alimento e tocava uma

    campainha que, inicialmente, no provocava salivao nos ces. Essa situao, chamada de

    pareamento, est ilustrada na figura 2.

    Aps repetir um certo nmero de vezes o pareamento do estmulo neutro com o estmulo

    condicionado, Pavlov notou que o estmulo neutro por si passava a eliciar a mesma resposta

    que o estmulo incondicionado eliciava. Em outras palavras, o som da campainha provocava a

    salivao nos ces sem a presena do estmulo incondicionado (presena de alimento que

    originalmente eliciava a salivao). Essa etapa chama-se condicionamento e a campainha passa

    a se chamar de estmulo condicionado (anteriormente neutro). Essa situao mostrada na

    figura 3.

    Estmulo Incondicionado

    (ambiente)

    Alimento

    Estmulo neutro (pareamento)

    Campainha

    Elicia Resposta (eliciamento)

    Salivao

    Estmulo condicionado (anteriormente neutro)

    Campainha

    Elicia Resposta (eliciamento)

    Salivao

    Figura 4: Exemplo de pareamento. Um estmulo incondicionado (presena de alimento), pareado com um estmulo

    neutro (som da campainha), provoca uma resposta de salivao nos ces.

    Figura 3: O som da campainha provoca a salivao nos ces sem a presena do estmulo incondicionado (presena

    de alimento que originalmente eliciava a salivao). Aqui, o som da campainha passa a se chamar estmulo

    condicionado e essa fase recebe o nome de condicionamento.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 10

    Pavlov postulou que o reflexo condicionado teria um papel importante no comportamento

    humano e, consequentemente, na educao. Assim, seu trabalho forneceu bases para que

    John Watson fundasse o comportamentalismo (ou behaviorismo) no mundo ocidental.

    2.2 John Watson (1878-1958)

    Watson o fundador do behaviorismo no mundo ocidental e utilizou o termo

    behaviorismo para enfatizar sua preocupao com os aspectos observveis do

    comportamento. Ele foi fortemente influenciado pelo trabalho de Pavlov e enfatizou suas

    pesquisas mais nos estmulos do que nas consequncias dos mesmos, realizando experimentos

    com animais e seres humanos (bebs, inclusive). A psicologia era, para ele, parte das Cincias

    Naturais, tendo no comportamento seu objeto de

    estudo, investigado por meio de experimentos

    envolvendo estmulos e respostas. Essa forma de

    pensar tem razes nos critrios epistemolgicos do

    positivismo, que conhecera nos seus estudos em

    Filosofia. Pode-se dizer que era um empirista.

    Para ele, a aprendizagem se dava como o

    condicionamento clssico de Pavlov: o estmulo neutro,

    quando emparelhado um nmero suficiente de vezes

    como estmulo incondicionado, passa a eliciar a mesma

    resposta do ltimo, substituindo-o. As emoes

    humanas, como por exemplo o medo, tambm

    poderiam ser explicadas pelo processo de

    condicionamento. Ou seja, o medo poderia ser

    condicionado emparelhando um estmulo

    incondicionado com um estmulo neutro. Watson

    descartava o mentalismo, a distino entre corpo e mente. Para Watson, o comportamento

    compunha-se inteiramente impulsos fisiolgicos. Devido influncia de Pavlov, focalizou seu

    estudo muito mais nos estmulos do que nas consequncias e, assim, encarou a aprendizagem

    na forma do condicionamento clssico: o estmulo condicionado, depois de ser emparelhado

    um nmero suficiente de vezes com o estmulo incondicionado, passa a eliciar a mesma

    resposta e pode substitu-lo. Apesar de no usar o conceito de reforo (como faz Skinner) na

    aprendizagem, Watson explica tal processo atravs do Princpio da Frequncia e do Princpio

    da Recentidade. O primeiro princpio diz que quanto mais frequentemente associamos uma

    dada resposta a um dado estmulo mais provavelmente os associaremos outra vez. Com isso,

    Figura 5: John B. Watson.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 11

    nessa perspectiva, cabe ao professor promover o maior nmero de vezes possvel a associao

    de uma resposta (desejada) a um estmulo para que o aprendiz adquira conhecimentos. J o

    Princpio da Recentidade coloca que quanto mais recentemente associarmos uma dada

    resposta a um dado estmulo, mais provavelmente os associaremos outra vez. Assim, o

    professor dever proporcionar ao estudante o vnculo mais rpido possvel entre a resposta

    que ele quer que o aluno aprenda e o estmulo a ela relacionado. Watson teve muita influncia

    nos Estados Unidos na dcada de trinta e chegou a proferir algumas frases que fizeram

    histria. Afirmava categoricamente que organizaes como os Escoteiros ou como a YMCA

    (Young Men's Christian Association) levavam ao homossexualismo. As meninas, segundo ele,

    so ainda mais susceptveis ao homossexualismo, j que trocavam beijos entre si, davam-se as

    mos e cotumavam dormir na mesma cama nas conhecidas festas do pijama (WATSON, 1928).

    O determinismo de suas ideias aparece claramente tambm em uma conhecida frase sua:

    D-me uma dzia de crianas saudveis, bem formadas, e meu prprio mundo

    especificado para faz-los crescer e, garanto, qualquer um que eu pegue ao acaso

    posso trein-lo para se transformar em qualquer tipo de especialista que eu poderia

    escolher - mdico, advogado, artista , o comerciante-chefe e, sim, at mesmo

    mendigo e ladro, independentemente dos seus talentos, inclinaes, tendncias,

    habilidades, vocaes e raa dos seus antepassados (WATSON, 1930).

    2.3 Edward Thorndike (1874-1949)

    Ao contrrio de Watson, Thorndike foi um terico do reforo (talvez devido a isso sua

    influncia na psicologia e na educao foi muito grande) e sua principal contribuio ao

    behaviorismo, provavelmente, foi a Lei do Efeito. Esta lei traz consigo uma concepo de

    aprendizagem na qual uma conexo fortalecida quando seguida de uma consequncia

    satisfatria ( mais provvel que a mesma resposta seja dada outra vez ao mesmo estmulo) e,

    inversamente, se a conexo seguida de um "estado irritante" ela enfraquecida ( provvel

    que a resposta no seja repetida). O professor, nesta concepo, dever proporcionar ao

    aprendiz um reforo positivo (por exemplo, um elogio), caso o aluno tenha dado uma resposta

    desejada, ou um reforo negativo (por exemplo, uma punio) quando o aprendiz apresenta

    uma resposta indesejvel. Alm da Lei do Efeito, Thorndike prope mais duas leis principais

    (Lei do Exerccio e Lei da Prontido) e cinco leis subordinadas (resposta mltipla, "set" ou

    atitude, preponderncia de elementos, resposta por analogia e mudana associativa). A Lei do

    Exerccio e da Prontido como implicao para o ensino-aprendizagem colocam que:

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 12

    preciso praticar (lei do uso) para que

    haja o fortalecimento das conexes; e o

    enfraquecimento ou esquecimento

    ocorre quando a prtica sofre

    interrupo (lei do desuso). Cabe ao

    professor, portanto, propor aos alunos a

    prtica das respostas desejadas atravs

    de muitos exerccios que fortalecem as

    conexes a serem aprendidas e, ao

    mesmo tempo, descontinuar a prtica

    de conexes indesejveis. preciso

    praticar para melhorar o desempenho;

    preciso que haja prontido

    (ajustamentos preparatrios, "sets",

    atitudes) para que a concretizao de uma

    ao seja satisfatria. Assim, se o professor demonstrar ao aluno que sua resposta

    culturalmente aceita (se for o caso) mais predisposto ele estar para responder

    de uma certa maneira.

    2.4 Burrhus Frederic Skinner (1904-1990)

    Skinner foi o terico behaviorista que mais

    influenciou o entendimento do processo ensino-

    aprendizagem e a prtica escolar. No Brasil, a

    influncia da pedagogia tecnicista remonta

    segunda metade dos anos 50, mas foi introduzida

    mais efetivamente no final dos anos 60 com o

    objetivo de inserir a escola nos modelos de

    racionalizao do sistema de produo capitalista.

    A concepo skinneriana de aprendizagem est

    relacionada a uma questo de modificao do

    desempenho: o bom ensino depende de organizar

    eficientemente as condies estimuladoras, de

    modo a que o aluno saia da situao de

    aprendizagem diferente de como entrou. O ensino

    Figura 6: Edward Thorndike.

    Figura 7: Burrhus Frederic Skinner.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 13

    um processo de condicionamento atravs do uso de reforamento das respostas que se quer

    obter. Assim, os sistemas instrucionais visam o controle do comportamento individual face a

    objetivos preestabelecidos. Trata-se de um enfoque diretivo do ensino, centrado no controle

    das condies que cercam o organismo que se comporta. O objetivo do behaviorismo

    skinneriano o estudo cientfico do comportamento: descobrir as leis naturais que regem as

    reaes do organismo que aprende, a fim de aumentar o controle das variveis que o afetam.

    Os componentes da aprendizagem - motivao, reteno, transferncia - decorrem da

    aplicao do comportamento operante. Segundo Skinner, o comportamento aprendido uma

    resposta a estmulos externos, controlados por meio de reforos que ocorrem com a resposta

    ou aps a mesma: "se a ocorrncia de um comportamento operante seguida pela

    apresentao de um estmulo (reforador), a probabilidade de reforamento aumentada".

    Os mtodos de ensino consistem nos procedimentos e tcnicas necessrios ao arranjo e

    controle das condies ambientais que asseguram a transmisso/recepo de informaes. O

    professor deve, primeiramente, modelar respostas apropriadas aos objetivos intrucionais e,

    acima de tudo, conseguir o comportamento adequado pelo controle do ensino (atravs da

    tecnologia educacional). As etapas bsicas de um processo ensino aprendizagem na

    perspectiva skinneriana so:

    Estabelecimento de comportamentos terminais, atravs de objetivos instrucionais;

    Anlise da tarefa de aprendizagem, a fim de ordenar sequencialmente os passos

    da instruo;

    Executar o programa, reforando gradualmente as respostas corretas

    correspondentes aos objetivos.

    Exemplos de aplicao da abordagem skinneriana ao ensino seriam, entre outros, a

    instruo programada e o mtodo Keller.

    3 TEORIAS DE TRANSIO ENTRE O BEHAVIORISMO CLSSICO E O

    COGNITIVISMO

    3.1 Robert Gagn (1916-2002)

    Gagn situa-se entre o behaviorismo e o cognitivismo por falar, de um lado, em estmulos

    e respostas e, por outro, em processos internos da aprendizagem (parece ser o pioneiro da

    teoria de processamento de informao).

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 14

    De acordo com este autor, a aprendizagem uma modificao na disposio ou na

    capacidade cognitiva do homem que no pode ser simplesmente atribuda ao processo de

    crescimento. Ela ativada pela estimulao do ambiente exterior (input) e provoca uma

    modificao do comportamento que observada como desempenho humano (output). Mas,

    ao contrrio de Skinner (e outros behavioristas), Gagn se preocupa com o processo de

    aprendizagem, com o que se realiza "dentro da

    cabea" do indivduo.

    Com isso, ele distingue entre eventos externos e

    internos da aprendizagem, sendo os primeiros a

    estimulao que atinge o estudante e os produtos

    que resultam de sua resposta e os ltimos so

    atividades internas que ocorrem no sistema nervoso

    central do estudante. Os eventos internos

    compem o ato de aprendizagem e a srie tpica

    desses eventos pode ser analisada atravs das

    seguintes fases: fase de motivao (expectativa),

    fase de apreenso (ateno; percepo seletiva),

    fase de aquisio (entrada de armazenamento), fase

    de reteno (armazenamento na memria), fase de

    rememorao (recuperao), fase de generalizao

    (transferncia), fase de desempenho (resposta) e fase

    de retroalimentao (reforo).

    Para Gagn a aprendizagem estabelece estados persistentes no aprendiz, os quais ele

    chama de capacidades humanas (que so: informao verbal, habilidades intelectuais,

    estratgias cognitivas, atitudes e habilidades motoras).

    A funo de ensinar, para Gagn, organizar as condies exteriores prprias

    aprendizagem com a finalidade de ativar as condies internas. Nesse sentido, cabe ao

    professor promover a aprendizagem atravs da instruo que consistiria de um conjunto de

    eventos externos planejados com o propsito de iniciar, ativar e manter a aprendizagem do

    aluno.

    3.2 Edward Tolman (1886-1959)

    A teoria de Tolman pode ser classificada como uma abordagem behaviorista intencional,

    pois, diferentemente da linha behaviorista clssica, se ocupa muito mais de variveis

    Figura 8: Robert Gagn.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 15

    intervenientes do tipo cognies e

    intenes, dos chamados processos

    mentais superiores do que de

    estmulos e respostas. Tolman chama

    de "cognio" - um construto terico -

    o que intervm entre estmulos e

    respostas.

    Define este termo tanto no

    sentido de estmulos como de

    recompensas (reforos), e a

    experincia com eles leva ao

    desenvolvimento de cognies que

    dirigem o comportamento.

    Certas necessidades produzem

    demandas para certos objetivos. A

    partir das suposies bsicas da

    proposta de Tolman podemos extrair

    alguma implicaes para o ensino-aprendizagem:

    a inteno, a meta, que dirige o comportamento, e no a recompensa (reforo)

    em si. Assim, mais importante o professor evidenciar ao estudante a meta que

    ele pode atingir caso responda corretamente a um dado estmulo do que

    recompens-lo pelo comportamento exibido.

    As conexes que explicam o comportamento envolvem ligaes entre estmulos e

    conexes, ou expectativas, as quais se desenvolvem como funo de exposio a

    situaes nas quais o reforo possvel. Para que o aluno apresenta um

    comportamento desejado, o professor dever reforar o maior nmero de vezes

    as conexes entre estmulos e expectativas.

    O que aprendido uma relao entre sinal e significado, o conhecimento de uma

    ligao entre estmulos e expectativas de atingir um objetivo. O professor deve

    promover a aprendizagem do aluno atravs do fortalecimento da ligao entre um

    sinal (estmulo) e um significado confirmando a expectativa de recompensa do

    aluno.

    Figura 9: Edward Tolman.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 16

    3.3 Teoria da Gestalt

    A Gestalt e o behaviorismo surgem praticamente na mesma poca como uma reao ao

    estruturalismo2. No entanto, so completamente diferentes. A Gestalt foi criada pelos

    psiclogos alemes Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Khler (1887-1967) e Kurt Koffka

    (1886-1940).

    A premissa bsica da Gestalt que o todo mais do que a soma de suas partes. Tomemos

    como exemplo uma rvore: ela mais do que a soma de suas partes (tronco, raiz, galhos e

    folhas). Ela isso e mais: uma rvore est presente em nossa mente como um conjunto de

    smbolos que no so suas partes. Assim, a interpretao e a percepo desempenham papis

    importantes na Gestalt. Um exemplo mais claro poderia ser ilustrado pela pintura do estilo

    pontilhista. Na figura 11, vemos a famosa pintura Uma tarde de domingo na illha de La Grande

    Jatte, feita pelo famoso Georges-Pierre Seurat (1859-1891), pintada entre 1884 e 1886.

    Georges Seurat se interessou pelo estudo de ptica e percebeu que pontos prximos pintados

    em cores distintas, quando observados juntos a partir de uma certa distncia, pareciam

    constituir uma nica tonalidade (no necessariamente usada em cada ponto). em situaes

    como essa que a Gestalt afirma que o todo no soma de suas partes: a pintura no apenas

    a soma ou justaposio dos seus constituintes bsicos (pontos e cores de cada ponto). O

    2 O estruturalismo consiste em uma tentativa de analisar um certo campo de estudos considerando-o como um sistema complexo

    de pequenas partes correlacionadas. A Gestalt, ao contrrio, argumentava que conhecer as partes no implica conhecer o todo.

    Figura 10: Da esquerda para a direita: Max Wertheimer, Wolfgang Khler e Kurt Koffka.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 17

    crebro interpreta aqueles pontos quando os mesmos so observados e uma srie de impulsos

    insere informaes que no esto na pintura. Em outras palavras, a interpretao, entre outras

    coisas, complexifica o todo.

    A Gestalt no era exatamente uma teoria de aprendizagem, mas uma teoria psicolgica. O

    seu conceito teoria mais importante para o estudo da aprendizagem o de "insight" sbita

    percepo de relaes entre elementos de uma situao problemtica. Uma caracterstica da

    aprendizagem por insight que algumas situaes so mais favorveis do que outras na

    eliciao do insight. Com isso, em uma situao de ensino, caberia ao professor selecionar

    condies nas quais a aprendizagem por insight poderia ser facilitada: por exemplo, mostrar

    ao aluno que a soluo de um problema alcanada por insight facilmente aplicvel a outros

    problemas.

    Por meio das leis de percepo/aprendizagem, na teoria da Gestalt, veem-se outras

    contribuies para o ensino-aprendizagem. Por exemplo, a Lei da Pregnncia (do alemo

    Prgnanz): nossa mente tende a organizar nossas percepes de forma a capturar as

    sensaes da forma mais simples, simtrica e ordenada possvel. Subordinados a essa lei esto,

    entre outras:

    Figura 11: A pintura Uma tarde de domingo na illha de La Grande Jatte, de Georges-Pierre Seurat, feita por meio de

    pontos coloridos (da o nome pontilhismo para esse estilo). No detalhe fica claro a estrutura dos pontos, que criam iluses

    de tonalidades em quem a observa a partir de uma distncia adequada. Essas tonalidades no necessariamente fazem

    parte do quadro e so inseridas pela observao e decorrente interpretao do nosso crebro.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 18

    O princpio da similaridade (itens semelhantes tendem a formar grupos na

    percepo), na proximidade (grupos perceptuais so favorecidos de acordo com a

    proximidade das partes);

    O princpio do fechamento (reas fechadas formam mais rapidamente figuras na

    percepo);

    O princpio da continuidade (fenmenos perceptuais tendem a ser percebidos

    como contnuos).

    Figura 12: Os quadrados A e B no parecem ter o mesmo tom de cinza (o quadrado B parece ser mais claro). No

    entanto, ambos possuem exatamente o mesmo tom. O sistema visual humano bastante complexo e realiza

    algumas armadilhas para perceber detalhes em regies sombreadas. Essa figura foi feita baseada em dois trabalhos

    de Edward H. Adelson (1993; 2000).

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 19

    Em conjunto com essas leis esto outras complementares que, combinadas, tratam da

    percepo e da interpretao. A relao observao-interpretao foi ponto de debate

    tambm na Epistemologia. O fsico e filsofo Norwood Russel Hanson (1924-1967)

    argumentava que observao e interpretao so indissociveis (HANSON, 1961; 1970;

    HANSON e TOULMIN, 1971). Isso pode se constituir em uma forte crtica ao empirismo

    baconiano, que afirmava ser a observao neutra a gnese das teorias.

    Embora haja exemplos isolados para cada um dos princpios da Gestalt, esses princpios

    aparecem combinados em situaes de percepo

    visual ambguas que podem ser encontradas

    facilmente em iluses de ptica. A percepo visual

    humana um campo extensivamente estudado pela

    neurocincia e outras cincias e tem se revelado

    bem mais complexa do que se pensava na poca em

    que e Gestalt foi criada. Ainda assim, seu princpio

    mais geral de que a soma das partes no reproduz o

    todo aplicvel a qualquer iluso de ptica. Na

    figura 12, por exemplo, os quadrados A e B no

    parecem ter o mesmo tom de cinza (o quadrado B

    parece ser mais claro). No entanto, ambos possuem

    exatamente o mesmo tom.

    No processo ensino-aprendizagem, a

    organizao psicolgica ser to boa quanto o

    permitirem as condies de contorno: a experincia

    consciente ser mais organizada se uma figura apresentada, por exemplo, for o mais simples,

    concisa, simtrica e harmnica possvel para que sua percepo assim o seja. As semelhanas e

    proximidades entre contedos devem ser ressaltadas, pois itens semelhantes e prximos

    tendem a formar grupos na percepo.

    4 TEORIAS COGNITIVAS

    A corrente cognitivista enfatiza o processo de cognio, atravs do qual a pessoa atribui

    significados realidade em que se encontra. Preocupa-se com o processo de compreenso,

    transformao, armazenamento e uso da informao envolvido na cognio e procura

    regularidades nesse processo mental. Nesta corrente, situam-se autores como Brunner, Piaget,

    Figura 13: Norwood Russell Hanson.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 20

    Ausubel, Novak e Kelly. Alguns deles so construtivistas com nfase na cognio (Brunner,

    Piaget, Ausubel e Novak), ou enfatizam o afetivo (como Kelly e Rogers).

    4.1 Jerome Bruner (1915-)

    Bruner parte da hiptese de que " possvel ensinar qualquer assunto, de uma maneira

    honesta, a qualquer criana em qualquer estgio de desenvolvimento". Levando-se em conta o

    desenvolvimento intelectual da criana, a tarefa de ensinar determinada matria a de

    representar a estrutura deste

    contedo em termos da

    visualizao que a criana tem das

    coisas. Segundo Bruner, o que

    relevante em uma matria de

    ensino sua estrutura, suas ideias

    e relaes fundamentais. Para

    haver fidelidade estrutura

    bsica da matria tratada,

    pensadores e cientistas mais

    capazes em cada disciplina

    particular devem ser mobilizados.

    Quanto questo de como

    ensinar, Bruner destaca o processo

    da descoberta, atravs da explorao de alternativas e o currculo em espiral. O mtodo da

    descoberta consiste de contedos de ensino percebidos pelo aprendiz em termos de

    problemas, relaes e lacunas que ele deve preencher, a fim de que a aprendizagem seja

    considerada significante e relevante. Com isso, o ambiente para a aprendizagem por

    descoberta deve proporcionar alternativas, resultando no aparecimento de relaes e

    similaridades. Segundo Bruner, a descoberta de um princpio ou de uma relao, pelo

    aprendiz, essencialmente idntica descoberta que um cientista faz em seu laboratrio.

    O currculo em espiral, por sua vez, significa que o aprendiz deve ter a oportunidade de ver

    o mesmo tpico mais de uma vez, em diferentes nveis de profundidade e em diferentes

    modos de representao.

    A nfase de Bruner na aprendizagem por descoberta influenciou e influencia ainda muitas

    abordagens ao ensino da Fsica. Um exemplo seria o projeto PSSC que enfatiza a atividade de

    investigao do aluno. Em guias de aulas de laboratrio, pode-se ver esta tendncia de fazer o

    Figura 14: Jerome Bruner.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 21

    aluno explorar alternativas que levem soluo do problema ou "descoberta". Livros com a

    proposta de um currculo em espiral tambm foram escritos.

    O mtodo da descoberta, atualmente, bastante questionado, pois, entre outras coisas,

    como critica Ausubel, a aprendizagem por descoberta pode dar-se de forma no significativa

    ou mecnica, isto , pode ocorrer que o estudante memorize a generalizao a que chegou por

    descoberta.

    Bruner, dez anos aps a publicao de seus dois livros sobre sua teoria de aprendizagem,

    revisa algumas questes e prope a "desnfase" no ensino da estrutura das disciplinas em

    favor de ensin-las no contexto dos problemas que a sociedade enfrenta. Alm disso, conclui

    que a elaborao de um currculo no suficiente para a melhoria da educao, pois esta

    profundamente poltica.

    4.2 Jean Piaget (1896-1980)

    A teoria de Piaget no propriamente uma teoria de aprendizagem mas uma teoria de

    desenvolvimento mental. Ele distingue quatro perodos gerais de desenvolvimento cognitivo:

    sensrio-motor, pr-operacional,

    operacional-concreto e operacional-formal.

    Segundo Piaget, o crescimento

    cognitivo da criana se d atravs de

    assimilao e acomodao. O indivduo

    constri esquemas de assimilao mentais

    para abordar a realidade.

    Todo esquema de assimilao

    construdo e toda abordagem realidade

    supe um esquema de assimilao. Quando

    a mente assimila, ela incorpora a realidade

    a seus esquemas de ao, impondo-se ao

    meio. Muitas vezes, os esquemas de ao

    da pessoa no conseguem assimilar

    determinada situao. Neste caso, a mente

    desiste ou se modifica. Quando a mente se

    modifica, ocorre o que Piaget chama de acomodao. As acomodaes levam construo de

    novos esquemas de assimilao, promovendo, com isso, o desenvolvimento cognitivo. Piaget

    considera as aes humanas e no as sensaes como a base do comportamento humano. O

    Figura 15: Jean Piaget.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 22

    pensamento , simplesmente, a interiorizao da ao. S h aprendizagem quando o

    esquema de assimilao sofre acomodao. A mente, sendo uma estrutura para Piaget, tende

    a funcionar em equilbrio. No entanto, quando este equilbrio rompido por experincias no

    assimilveis, a mente sofre acomodao a fim de construir novos esquemas de assimilao e

    atingir novo equilbrio. Este processo de reequilbrio chamado de equilibrao majorante e

    o responsvel pelo desenvolvimento mental do indivduo. Portanto, na abordagem piagetiana,

    ensinar significa provocar o desequilbrio na mente da criana para que ela, procurando o

    reequilbrio, se reestruture cognitivamente e aprenda.

    Apesar de Piaget j propor estas idias na dcada de 30 e ser um precursor da linha

    construtivista, sua teoria s conquistou um maior espao na rea educacional na dcada de 80,

    quando iniciou o declnio do comportamentalismo.

    As idias de Piaget tm influenciado muito os educadores responsveis pelo ensino de

    Fsica (ou Cincias, de um modo geral), principalmente, por mostrar que as crianas

    desenvolvem espontaneamente noes sobre o mundo fsico e que o ensino deve ser

    compatvel com o nvel de desenvolvimento mental da criana.

    A idia de ensino reversvel outra implicao da teoria de Piaget. Ensinar provocar o

    desequilbrio, mas este no pode ser to grande a ponto de no permitir a equilibrao

    majorante que levar a um novo equilbrio. Assim, se a assimilao de um tpico requer um

    grande desequilbrio, o professor deve introduzir passos intermedirios para reduzi- lo. Ensino

    reversvel no significa eliminar o desequilbrio e sim passar de um estado de equilbrio para

    outro atravs de uma sucesso de estados de equilbrio muito prximos, tal como em uma

    transformao termodinmica reversvel.

    Outra influncia da teoria de Piaget no ensino da Fsica o recurso aos mtodos ativos,

    conferindo-se nfase pesquisa espontnea da criana ou do adolescente atravs de trabalhos

    prticos para que os contedos sejam reconstrudos pelo aluno e no simplesmente

    transmitidos. Mas as aes e demonstraes s produzem conhecimento se estiverem

    integradas argumentao do professor.

    Como referencial construtivista para o processo ensino-aprendizagem, o construtivismo

    piagetiano foi muito difundido e utilizado.

    4.3 David Ausubel (1918-2008)

    O conceito central da teoria de Ausubel o de aprendizagem significativa, um processo

    atravs do qual uma nova informao se relaciona de maneira no arbitrria e substantiva a

    um aspecto relevante da estrutura cognitiva do indivduo. Neste processo a nova informao

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 23

    interage com uma estrutura de conhecimento

    especfica, a qual Ausubel chama de "subsunor",

    existente na estrutura cognitiva de quem

    aprende. O "subsunor" um conceito, uma

    idia, uma proposio j existente na estrutura

    cognitiva, capaz de servir de "ancoradouro" a

    uma nova informao de modo que ela adquira,

    assim, significado para o indivduo: a

    aprendizagem significativa ocorre quando a nova

    informao "ancora-se" em conceitos relevantes

    preexistentes na estrutura cognitiva.

    Segundo Ausubel, este tipo de aprendizagem

    , por excelncia, o mecanismo humano para

    adquirir e reter a vasta quantidade de informaes de um corpo de conhecimentos. Ausubel

    destaca o processo de aprendizagem significativa como o mais importante na aprendizagem

    escolar. A ideia mais importante da teoria de Ausubel e suas implicaes para o ensino e a

    aprendizagem podem ser resumidas na seguinte proposio:

    Se tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um s princpio, diria o

    seguinte: o fator isolado mais importante que influencia a aprendizagem aquilo

    que o aprendiz j sabe (MOREIRA e OSTERMANN, 1999, p. 45).

    Ausubel v o armazenamento de informaes na mente humana como sendo altamente

    organizado, formando uma espcie de hierarquia conceitual na qual elementos mais

    especficos de conhecimento so ligados a conceitos, idias, proposies mais gerais e

    inclusivos.

    Em contraposio aprendizagem significativa, Ausubel define aprendizagem mecnica na

    qual a nova informao armazenada de maneira arbitrria e literal, no interagindo com

    aquela j existente na estrutura cognitiva e pouco ou nada contribuindo para sua elaborao e

    diferenciao.

    Uma abordagem ausubeliana ao ensino da Fsica envolve o professor em pelo menos

    quatro tarefas fundamentais. A primeira seria determinar a estrutura conceitual e

    proposicional de matria da ensino, organizando os conceitos e princpios hierarquicamente.

    Uma segunda tarefa seria identificar quais os subsunores relevantes aprendizagem do

    Figura 16: David Ausubel.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 24

    contedo a ser ensinado, que o aluno deveria ter na sua estrututura cognitiva para poder

    aprender significativamente. Uma outra etapa importante seria determinar dentre os

    subsunores relevantes, quais os que esto disponveis na estrutura cognitiva do aluno.

    Finalmente, ensinar utilizando recursos e princpios que facilitem a assimilao da estrutura da

    matria de ensino por parte do aluno e organizao de suas prpria estrutura cognitiva nessa

    rea de conhecimentos, atravs da aquisio de significados claros, estveis e transferveis.

    5 TEORIAS HUMANISTAS

    5.1 Carl Rogers (1902-1987)

    Rogers segue uma abordagem humanista, muito diferenciada das anteriores, pois seu

    objetivo no o controle do comportamento, o desenvolvimento cognitivo ou a formulao de

    um bom currculo e sim o

    crescimento pessoal do aluno. Esta

    abordagem considera o aluno como

    pessoa e o ensino deve facilitar a sua

    auto-realizao, visando

    aprendizagem "pela pessoa inteira",

    que transcende e engloba as

    aprendizagens afetiva, cognitiva e

    psicomotora. Para Rogers, s uma

    mudana muito grande na direo

    bsica da educao, pode atender s

    necessidades da cultura de hoje. O

    ponto final de nosso sistema

    educacional, de acordo com Rogers,

    deve ser o desenvolvimento de pessoas "plenamente atuantes". O objetivo educacional deve

    ser a facilitao da aprendizagem. Por esse ponto de vista, o nico homem educado o

    homem que aprendeu a aprender; o homem que aprendeu a adaptar-se e mudou, que

    percebe que nenhum conhecimento seguro e que s o processo de buscar conhecimento d

    alguma base para segurana. Para que o professor seja um facilitador, segundo Rogers, ele

    precisa ser uma pessoa verdadeira, autntica, genuna, despojando-se do tradicional "papel",

    "mscara", ou "fachada" de ser "o professor" e tornar-se uma pessoa real com seus alunos.

    Figura 17: Carl Rogers.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 25

    Uma segunda atitude que deve existir na relao entre o facilitador e o aprendiz a que

    nasce de duradoura confiana e aceitao. E a aceitao do outro como uma pessoa separada,

    como sendo digna por seu prprio direito e como merecedora de plena oportunidade de

    buscar, experimentar e descobrir aquilo que engrandecedor do eu. E, finalmente, em

    qualquer relao que deva ocorrer aprendizagem, precisa haver comunicao entre as pessoas

    envolvidas. Comunicao por natureza, s possvel em um clima caracterizado, por

    compreenso emptica. Os estudantes precisam ser compreendidos, no avaliados, no

    julgados, no ensinados. Facilitao exige compreenso e aceitao emptica.

    Para Rogers, a aprendizagem significante envolve a pessoa inteira do aprendiz

    (sentimentos, assim como intelecto) e mais duradoura e penetrante. Alm disso, aprender a

    ser aprendiz, isto , ser independente, criativo e autoconfiante mais facilitado quando a

    autocrtica e a auto-avaliao so bsicas e a avaliao por outros tem importncia secundria.

    5.2 George Kelly (1905-1967)

    Kelly elaborou uma teoria formal, com um postulado e onze corolrios, que ele chama de

    Psicologia dos Construtos Pessoais. Seu postulado fundamental diz que os processos de uma

    pessoa so psicologicamente canalizados pelas maneiras nas quais ela antecipa eventos.

    Para Kelly, a construo da realidade subjetiva, pessoal, ativa, criativa, racional e

    emocional. Segundo filsofos de cincia contemporneos estes so adjetivos que se aplicam

    tambm a teorias cientficas. A metfora do

    homem-cientista utilizada por Kelly prope

    que o homem pode ser visto como um

    cientista engajado em um processo de

    observao, interpretao, predio e

    controle. A filosofia kellyana dita

    alternativista construtivista, isto , as

    pessoas, assim como os cientistas, criam

    modelos pessoais que no representam o

    mundo tal como ele , mas so realidades

    construdas que no so baseadas em

    verdades absolutas.

    Segundo este autor, o fato de uma pessoa

    mudar seus construtos depende da sua

    permeabilidade, do xito das predies geradas pelos construtos, e a extenso da mudana

    Figura 18: George Kelly.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 26

    depender da natureza das relaes entre os construtos e o repertrio do indivduo. O

    corolrio da organizao ("cada pessoa caracteristicamente desenvolve, para sua convenincia

    em antecipar eventos, um sistema de construo abrangendo relaes hierrquicas entre

    construtos") coloca o desenvolvimento conceitual como um processo evolutivo que envolve a

    diferenciao progressiva de estruturas conceituais em subestruturas organizadas de modo

    independente e a integrao hierrquica dessas subestruturas em nveis de progressiva

    abstrao. Uma implicao do corolrio da fragmentao de Kelly que o alternativismo

    construtivista permite que as pessoas testem suas novas hipteses sem ter de descartar as

    velhas hipteses ou construtos. Como os construtos so hipteses, podem-se manter

    construtos que so incompatveis. Seu corolrio da individualidade ("pessoas diferem uma das

    outras na sua construo de eventos") pode ajudar a explicar as construes cientficas dos

    alunos. Estes, mesmo antes de estudar a cincia na escola, so cientistas, isto , tm suas

    teorias pessoais e realizam experincias e esta a base a partir da qual eles constroem o

    conhecimento formal. De um ponto de vista kellyano, o professor precisa reconhecer que

    essas teorias so viveis em seus contextos e que algumas podem estar firmemente inseridas

    em um sistema de relaes com outras teorias. Uma tarefa do professor, segundo o

    construtivismo de Kelly, consiste em apresentar aos estudantes situaes atravs das quais

    seus construtos pessoais possam ser articulados, estendidos ou desafiados pelos construtos

    formais da viso cientfica. Adotar o ponto de vista kellyano no significa que os alunos

    deveriam ser deixados a si mesmos para que construam suas vises do mundo sem que lhes

    sejam apresentadas as teorias cientficas (e relativamente melhores). Entretanto, o essencial

    que tal conhecimento formal seja apresentado como hipottico e passvel de reconstruo e

    avaliao por parte do aluno.

    6 TEORIAS SCIO-CULTURAIS

    6.1 Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934)

    O conceito central da teoria de Vygotsky o de atividade, que a unidade de construo

    da arquitetura funcional da conscincia; um sistema de transformao do meio (externo e

    interno da conscincia) com ajuda de instrumentos (orientados externamente; devem

    necessariamente levar a mudanas nos objetos) e signos (orientados internamente; dirigidos

    para o controle do prprio indivduo). Uma atividade entendida como mediao onde o

    emprego de instrumentos e signos representa a unidade essencial de construo da

    conscincia humana, entendida como contato social consigo mesmo e, por isso, constituda de

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 27

    uma estrutura semitica (estrutura de signos) com origem na cultura. Para Vygotsky, o

    desenvolvimento humano est definido pela interiorizao dos instrumentos e signos; pela

    converso dos sistemas de regulao externa em meios de auto-regulao.

    Os processos elementares (como os reflexos) so de origem biolgica e constituem a "pr-

    histria" das funes superiores e

    conscientes (pensamento,

    linguagem, formao de conceitos,

    ateno voluntria) que so de

    origem scio-cultural. Atravs da

    atividade que os processos

    psicolgicos superiores so

    desenvolvidos.

    A arquitetura funcional

    proposta por Vygotsky muito

    diferente do modelo piagetiano.

    Trata-se de um modelo de

    arquitetura varivel, na

    ontognese, mas cuja forma est

    definida precisamente pela

    interao e pela cultura. Nesse

    modelo, a sociedade e a cultura no

    tm simplesmente um papel

    ativante de estruturas endgenas da

    razo - como prope Piaget - mas uma funo efetivamente formante.

    O conceito de zona de desenvolvimento proximal talvez o conceito mais original e de

    maior repercusso, em termos educacionais, da teoria de Vygotsky. Trata-se de uma espcie

    de desnvel intelectual avanado dentro do qual uma criana, com o auxlio direto ou indireto

    de um adulto, pode desempenhar tarefas que ela, sozinha, no faria, por estarem acima do

    seu nvel de desenvolvimento.

    A implicao pedaggica mais relevante deste conceito reside na forma como vista a

    relao entre o aprendizado e o desenvolvimento. Ao contrrio de outras teorias pedaggicas,

    como a piagetiana, que sugerem a necessidade de o ensino ajustar-se a estruturas mentais j

    estabelecidas, para Vygotsky, o aprendizado orientado para nveis de desenvolvimento que j

    foram atingidos ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criana. Ele no se

    Figura 19: Lev Semenovitch Vygotsky.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 28

    dirige para um novo estgio do processo de desenvolvimento, mas, ao invs disso, vai a

    reboque desse processo. Assim, a noo de zona de desenvolvimento proximal capacita-nos a

    propor uma nova frmula, a de que o "bom aprendizado" somente aquele que se adianta ao

    desenvolvimento.

    Assim, a escola como motor do desenvolvimento tem um papel importante nesta

    perspectiva. Para Vygotsky:

    ...o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e

    pe em movimento vrios processos que, de outra forma, seriam impossveis de

    acontecer. Assim, o aprendizado um aspecto necessrio e universal do processo de

    desenvolvimento das funes psicolgicas culturalmente organizadas e

    especificamente humanas (VYGOTSKI, 2003, p. 118).

    destacada, portanto, a importncia da figura professor como identificao/modelo e

    como elemento chave nas interaes sociais do estudante. Os sistemas de signos, a linguagem,

    os diagramas que o professor utiliza tm um papel relevante na psicologia vygotskyana, pois a

    aprendizagem depende da riqueza do sistema de signos transmitido e como so utilizados os

    instrumentos. O objetivo geral da educao, na perspectiva vygotskyana, seria o

    desenvolvimento da conscincia construda culturalmente.

    6.2 Paulo Freire (1921-1997)

    Paulo Freire considerado ainda um dos educadores mais influentes em todo o planeta.

    Suas concepes da educao tiveram incio na em 1960 e causaram grande impacto mundial.

    Seu livro Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1987) que foi escrito em 1966 e provavelmente o

    mais conhecido de seus livros foi publicado em vrios idiomas entre 1970 (ingls) e 1981

    (hebraico). Apenas em 1974 essa obra pde ser publicada no Brasil.

    Seus primeiros projetos educacionais se voltavam alfabetizao de adultos, que se

    originaram no final da dcada de 50 a partir de seu trabalho com os crculos de cultura. Em

    1962, em Angicos (RN), ele e seu grupo alfabetizaram 300 cortadores de cana em apenas 45

    dias (GADOTTI, 1991). Em 1963, graas eficcia dessa experincia, foi convidado pelo ento

    presidente Joo Goulart , por intermdio do ministro da educao Tarso Santos, para reformar

    o sistema de alfabetizao de adultos no Brasil.

    Em 1964 estava prevista a criao de 20.000 crculos de cultura que beneficiariam 2

    milhes de analfabetos. O golpe militar desse ano reprimiu a iniciativa. Paulo Freire foi preso

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 29

    nessa ocasio. Paulo Freire apresentou suas

    experincias em alfabetizao de adultos na

    obra Educacin como Prctica de Libertad

    (FREIRE, 1968) publicada no seu exlio no

    Chile.

    Primeiramente, no correto nos

    referirmos a um mtodo freireano (GADOTTI,

    1991) de educao. A perspectiva

    educacional de Paulo Freire muito mais uma

    teoria do conhecimento e uma filosofia da

    educao do que um mtodo propriamente

    dito. Apesar dessa distino, seu trabalho

    com adultos analfabetos terminou por ser

    conhecido como mtodo freireano, at por

    quem contra essa denominao. Assim,

    entenda-se aqui mtodo como filosofia ou

    teoria do conhecimento. Mais adequado seria nos referirmos ele como perspectiva freireana.

    No prefcio da edio italiana de Pedagogia do Oprimido, Linda Bimbi coloca bem o

    motivo do incmodo causado por Paulo Freire (GADOTTI, 1991):

    A originalidade do mtodo de Paulo Freire no reside s na eficcia dos mtodos de

    alfabetizao, mas, acima de tudo, na inovao de seus contedos para

    "conscientizar" (...). A conscientizao nasce em um determinado contexto

    pedaggico e apresenta caractersticas originais: com as novas tcnicas se aprende

    uma nova viso de mundo, a qual implica uma crtica cujos caminhos no so

    impostos, mas deixados capacidade criadora da conscincia livre; No se

    conscientiza um indivduo isolado, mas sim uma comunidade, quando ela

    totalmente solidria com respeito a uma situao-limite comum. Portanto, a matriz

    do mtodo, que a educao concebida como um momento do proceso global de

    transformao revolucionria da sociedade, um desafio toda situao pr-

    revolucionria e sugere a criao de atos pedaggicos humanizantes (e no

    humansticos) que se incorporam em una pedagogia da revoluo (GADOTTI, 1991,

    p. 37).

    Assim, Linda Bimbi enfatiza a forte relao existente entre o mtodo de Paulo Freire e a

    transformao social. O mtodo freireano est, ento, comprometido com uma transformao

    total da sociedade.

    Figura 20: Paulo Freire.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 30

    Nos crculos de cultura, no existia um programa de contedos definidos previamente. Os

    temas eram debatidos e era o grupo que os estabelecia. No era o grupo de educadores que

    desenvolvia o tema. Cabia aos educadores orientar os alunos enriquecendo os debates e

    propondo temas secundrios que impulsionavam o processo educativo. Esses temas tornavam

    mais claro e ilustravam o tema inicialmente estabelecido.

    Freire argumentava que existe uma sabedoria popular, ou seja, os alunos trazem consigo

    vivncias, conhecimentos e hbitos que devem ser levados em conta no sentido de uma

    conscientizao visando, como fim, a uma transformao social. Os resultados obtidos nesses

    crculos de cultura foram excelentes tanto quanto ao aprofundamento que os alunos atingiam

    no que diz respeito aos temas tratados e quanto ao compromisso na compreenso e

    conscientizao (postura crtica).

    Sendo assim, Freire se perguntou: se possvel alcanar esse nvel de discusso, com

    grupos populares, independente de estarem ou no alfabetizados, por que no fazer o mesmo

    em uma experincia de alfabetizao? Por que no engajar criticamente os alfabetizados na

    constituio de seus sinais grficos como sujeitos desse processo, no como objetos dele?

    Essa forma de trabalhar pressupunha o que se chama de hierarquia horizontal entre

    educador e educando, e influenciaria toda a obra de Paulo Freire a partir desse ponto. Ao

    contrrio da forma tradicional de ensino, muito centrada na autoridade de um professor, a

    forma horizontal em que alunos e professor aprendem juntos com intensa interao, se

    mostrou bastante mais eficiente. Convm salientar que, quando se fala hierarquia horizontal,

    no est se eliminando a hierarquia professor-aluno. Apenas ele se estabelece de forma

    totalmente distinta da tradicional. A hierarquia horizontal pressupe uma participao

    igualitria do professor e do aluno no processo de aprendizagem.

    A forma de trabalho nos crculos de cultura era, basicamente, a seguinte (GADOTTI, 1991):

    1 - Investigao temtica:

    O educador ia ao ambiente dos educandos com um caderno ou um gravador, quando

    possvel. Registrava tudo que via e ouvia;

    No havia normas ou regras rgidas nesse processo: o educador perguntava sobre a

    vida dos alunos, suas vises de mundo e aspiraes. O objetivo primordial era registrar

    as palavras mais usadas pela comunidade j alfabetizada.

    Tudo era registrado: formas de falar, versos, descries do mundo;

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 31

    Da nasciam as chamadas palavras geradoras e temas geradores. As palavras geradoras

    eram escolhidas no apenas pelo significado, mas pela relevncia social. Tinham

    tambm que representar todos os fonemas da lngua portuguesa.

    2 - Estabelecimento das palavras geradoras e temas geradores:

    Essas palavras deviam representar a forma de vida das pessoas da comunidade.

    Posteriormente essas palavras seriam esmiuadas e integradas a um conjunto de

    perguntas.

    Essas perguntas poderiam ser existenciais ou seja, ligadas vida das pessoas na

    comunidade. Mas poderiam tambm ser polticas.

    Exemplo disso a palavra geradora governo. Associada a ela poderiam estar os temas

    geradores poder poltico, plano poltico, papel do povo na organizao social,

    participao popular.

    Note que os temas geradores so sempre amplos e, principalmente,

    conscientizadores.

    Um exemplo que se pode citar da poca dos crculos de cultura seria a palavra geradora

    salrio, estudada ao alfabetizar um grupo de camponeses. O estudo era dividido em fases,

    como mostrado abaixo (GADOTTI, 1991):

    1 - Idias para discusso:

    A valorizao do trabalho e da remunerao;

    Finalidade do salrio: manuteno do trabalhador e da sua famlia;

    O horrio de trabalho, segundo a lei;

    O salrio mnimo e o salrio justo;

    Descanso semanal, feriados, dcimo terceiro ms.

    2 - Finalidade da discusso:

    Levar o grupo a discutir sobre a situao do salrio dos camponeses;

    Discutir com eles sobre o valor e a remunerao do trabalho;

    Levar o grupo a perceber o dever que cada um tem em exigir um salrio justo.

    3 - Orientao da discusso:

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 32

    O qu se v neste quadro? (professor mostrando um quadro comparativo de faixa

    salarial)

    Qual a situao do salrio dos camponeses? Por qu?

    O que salrio?

    Como deve ser o salrio? Por qu?

    O que ns sabemos a respeito das leis sobre o salrio?

    O que podemos fazer para conseguirmos um salrio justo?

    Nesse processo, mostrou-se que no eram necessrias mais do que aproximadamente 20

    palavras geradoras para completar o processo de alfabetizao inicial.

    A grande originalidade do trabalho de Freire est no fato de considerar a educao como

    libertadora. Essa a ideia bsica do seu mais famoso livro, Pedagogia do Oprimido.

    Independente do trabalho em um dado crculo de cultura ser ou no relacionado com

    alfabetizao de adultos, o educador deve promover o debate, instigando fortemente os

    alunos com perguntas em torno das palavras geradoras. Deve tambm estar atento s

    eventuais dificuldades do grupo, procurando san-las sempre por meio de intensa discusso.

    Essa discusso era incrementada com vrios recursos didticos como psteres, projetor de

    transparncias ou slides, onde sempre era destacada a palavra geradora.

    Assim, com a orientao de um educador, os adultos se educavam em um cenrio onde

    eram discutidas suas experincias de vida e seus principais anseios com pessoas que viviam

    experincias semelhantes e tinham anseios tambm semelhantes.

    Logo, no que se refere ao papel da escola, no prprio da pedagogia freireana

    (libertadora) falar em ensino escolar, j que sua marca a atuao no formal. Entretanto,

    professores e educadores engajados no ensino escolar vm adotando pressupostos dessa

    pedagogia. Assim, quando se fala na educao em geral, diz-se que ela uma atividade onde

    professores e alunos, mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extraem o

    contedo de aprendizagem, atingem um nvel de conscincia dessa mesma realidade, a fim de

    nela atuarem, num sentido de transformao social. Tanto a educao tradicional,

    denominada bancria que visa apenas depositar informaes sobre o aluno , quanto a

    educao renovada que pretenderia uma libertao psicolgica individual so

    domesticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a realidade social de opresso. A

    educao libertadora, ao contrrio, questiona concretamente a realidade das relaes do

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 33

    homem com a natureza e com os outros homens, visando a uma transformao da ser uma

    educao crtica.

    Segundo Freire e Shor (1986, p. 97):

    O currculo padro, o currculo de transferncia uma forma mecnica e autoritria

    de pensar sobre como organizar um programa, que implica, acima de tudo, numa

    tremenda falta de confiana na criatividade dos estudantes e na capacidade dos

    professores! Porque, em ltima anlise, quando certos centros de poder

    estabelecem o que deve ser feito em classe, sua maneira autoritria nega o exerccio

    da criatividade entre professores e estudantes. O centro, acima de tudo, est

    comandando e manipulando, distncia, as atividades dos educadores e dos

    educandos (FREIRE e SHOR, 1986, p. 97).

    Freire via o processo educacional tradicional (assim como o currculo tradicional) como

    autoritrio. Como j dito, ele denominava a educao tradicional como educao bancria. O

    professor, que tudo sabia, transmitia os contedos aos alunos, que nada sabiam e que

    passivamente tinham suas mentes preenchidas pelo conhecimento transmitido.

    O termo bancria vem da comparao com o depsito de dinheiro em uma conta bancria,

    inicialmente zerada. O conhecimento que o professor transmitia era gradativamente

    depositado na mente do aluno exatamente como o dinheiro depositado em uma conta de

    um banco. A negao da educao bancria era, segundo Freire, a educao problematizadora,

    base de seu trabalho.

    Autores americanos como Giroux (1986) e Apple e Nvoa (1998) ou brasileiros como

    Moreira (1994.), defendem o que se chama de teoria crtica de currculo. De forma distinta um

    do outro, esses autores afirmam que um currculo deve ir bem alm da mera grade curricular,

    organizao de disciplinas e justaposio de contedos. Um currculo deve ser encarado como

    instrumento poltico, incorporando idias da perspectiva freireana. Conscientizao, libertao

    e outros termos chave esto presentes na teoria crtica do currculo e, portanto, h uma

    aproximao dela com a perspectiva educacional de Paulo Freire.

    Os passos da aprendizagem codificao-decodificao, e problematizao da situao

    permitem aos educandos um esforo de compreenso do "vivido", at chegar a um nvel mais

    crtico de conhecimento da sua realidade, sempre atravs da troca de experincia em torno da

    prtica social. Se nisso consiste o contedo do trabalho educativo, dispensam-se um programa

    previamente estruturado, trabalhos escritos, aulas expositivas, assim como qualquer tipo de

    verificao direta da aprendizagem, formas essas prprias da "educao bancria", portanto,

    domesticadoras. Entretanto, admite-se a avaliao da prtica vivenciada entre educador-

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 34

    educandos no processo de grupo e, s vezes, a auto-avaliao feita em termos dos

    compromissos assumidos com a prtica social.

    A prpria designao de educao problematizadora como correlata de educao

    libertadora revela a fora motivadora da aprendizagem. A motivao se d a partir da

    codificao de uma situao problema, da qual se toma distncia para analis-la

    criticamente.

    Aprender um ato de conhecimento da realidade concreta, isto , da situao real vivida

    pelo educando, e s tem sentido se resulta de uma aproximao crtica dessa realidade. O que

    aprendido no decorre de uma imposio ou memorizao, mas do nvel crtico de

    conhecimento, ao qual se chega pelo processo de compreenso, reflexo e crtica. O que o

    educando transfere, em termos de conhecimento, o que foi incorporado como resposta s

    situaes de opresso, ou seja, seu engajamento na militncia poltica.

    A transposio da pedagogia freireana para a educao formal e, ainda, para o ensino de

    cincias (em especial, Fsica), no trivial e requer pesquisa. As sistematizaes que se

    originaram de vrios projetos vinculados pedagogia freireana em espaos formais, apontam

    para alguns aspectos que podem ser valiosos quando se considera a ideia de transpor essa

    pedagogia para a escola. Uma anlise detalhada desses projetos pode ser encontrada no

    trabalho de Delizoicov (2008).

    6.3 James V. Wertsch (?)

    A aproximao sociocultural de Wertsch tem razes intelectuais profundas na teoria de

    Vygotsky. O termo sociocultural utilizado em reconhecimento a essa herana intelectual,

    ainda que Vygotsky, Luria, Leontiev e outros tenham utilizado o termo scio-histrico para

    descrever o mtodo utilizado em suas pesquisas.

    O termo sociocultural, no entanto, resulta mais adequado uma vez que se refere forma

    com que o legado de Vygotsky e de seus colaboradores tem sido apropriado em debates

    contemporneos em cincias humanas no ocidente (WERTSCH, DEL RIO PEREDA e ALVAREZ,

    1998). Wertsch (1993; 1995) delineou a teoria de Vygotsky a partir de trs temas gerais que

    esto presentes em todas as suas obras: (a) a confiana no mtodo gentico ou evolutivo; (b) a

    afirmao de que as funes mentais superiores no indivduo derivam da vida social; (c) a

    afirmao de que a ao humana, tanto no plano individual como no social, mediada por

    instrumentos e signos. De acordo com Wertsch (1996), os estudos de tradio vygotskyana

    conduzidos no ocidente tm-se centrado em grande medida no segundo desses trs temas,

    especialmente no modo como ele se relaciona com a noo de zona de desenvolvimento

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 35

    proximal (VYGOTSKI, 2003). A aproximao

    sociocultural de Wertsch, por sua vez, desloca o

    foco das origens sociais das funes mentais

    superiores para o terceiro tema relativo

    mediao. Segundo Wertsch (1995), a mediao

    de instrumentos e signos analiticamente mais

    interessante porque fornece a chave para

    compreender as mudanas quantitativas e

    qualitativas no desenvolvimento, assim como a

    transio das formas de funcionamento

    interpsicolgico em intrapsicolgico.

    Ao explicar e estender a teoria de Vygotsky,

    Wertsch recorreu s idias de diversos outros

    tericos, em especial aos estudos de Bakhtin

    (1981; 2006) sobre translingustica. Wertsch empregou as noes de gneros discursivos,

    definidos como tipos de enunciados produzidos em situaes tpicas de comunicao verbal, e

    de linguagens sociais, relativas aos tipos de falante (WERTSCH, 1993). Wertsch tambm se

    apoiou firmemente nas idias de Burke (1969) sobre o dramatismo, principalmente no que

    se refere s mltiplas perspectivas da ao humana.

    Uma forma de ao humana de particular interesse para a aproximao sociocultural

    delineada por Wertsch a ao mediada. Ela consiste na unidade de anlise mais adequada

    para o estudo do funcionamento mental humano (WERTSCH, 1993; 1998; 1999; 2002). Isso por

    que a ao tipicamente humana emprega meios mediacionais, ou ferramentas culturais

    (como a linguagem e os instrumentos de trabalho), que moldam a ao de maneira essencial.

    Devido ao fato de que essas ferramentas culturais so sempre fornecidas por um cenrio

    sociocultural particular, a ao humana inerentemente situada em um contexto cultural,

    histrico e institucional.

    Essa formulao contrasta com o individualismo metodolgico que supe que possvel,

    ou at desejvel, investigar o indivduo em isolamento. Isso no significa, no entanto, que a

    ao humana no possui uma dimenso psicolgica individual ela certamente possui.

    Entretanto, essa dimenso deve ser pensada como um momento, mais do que como um

    processo separado da ao.

    A ao mediada caracterizada por uma tenso irredutvel entre os agentes e as

    ferramentas culturais que eles empregam. Essa formulao est no ncleo da aproximao

    Figura 21: James V. Wertsch.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 36

    sociocultural (WERTSCH, 1999) e obriga ir alm do agente individual para explicar as foras que

    configuram a ao humana. Isto no significa, no entanto, que as ferramentas culturais causam

    a ao de alguma forma mecnica. Dentro delas mesmas, as ferramentas culturais por si s so

    incapazes de operar. Somente juntos os agentes e as ferramentas culturais podem causar

    impacto. Mesmo que uma distino analtica entre agentes e meios mediacionais seja possvel,

    e at mesmo desejvel e til, a relao existente entre a ao humana e as ferramentas

    culturais resulta to fundamental que mais adequado falar de indivduos atuando com

    meios mediacionais do que simplesmente falar de indivduos.

    Desse modo, a resposta para a questo fundamental quem est realizando a ao?

    sempre o agente junto com a ferramenta cultural utilizada. As idias de Wertsch acerca do

    domnio de ferramentas culturais apontam para um importante aspecto relativo capacidade

    dos agentes: o de que o desenvolvimento de certas habilidades especficas vem da

    experincia. Essa noo contrasta com as prticas pedaggicas tradicionais, cuja principal

    atividade docente a realizao de aulas expositivas.

    Ao invs de apenas apresentar os diversos itens do kit de ferramentas da cincia oficial e

    esperar que os alunos os dominem espontaneamente, o ensino de cincia deveria oferecer

    mais oportunidades para os alunos atuarem com essas ferramentas culturais, seja atravs de

    debates em grupo, resoluo de problemas ou atividades experimentais nos laboratrios

    didticos e de informtica. A sala de aula poderia ser pensada em termos de espao de

    trabalho, mais do que em termos de auditrio.

    A ideia de que ao mediada responde a vrios propsitos e de que ferramentas culturais

    restringem e possibilitam a ao dos alunos crucial. Na medida em que se reconhece que os

    alunos no so possuidores de uma inteligncia geral, mas sim habilidosos com certas meios

    mediacionais, pode-se propiciar o questionamento acerca de que ferramentas so mais

    adequadas a cada aluno na realizao de uma dada tarefa. O fato de que as ferramentas

    culturais so, com frequncia, utilizadas pelos alunos com pouca ou nenhuma reflexo

    consciente tambm traz implicaes para o ensino.

    A tomada de conscincia o recurso mais poderoso para identificar e modificar as formas

    de mediao que tem consequncias indesejveis para os alunos e esse um exerccio

    intelectual de deveria ser fomentado pelos professores. A percepo de que novas

    ferramentas culturais transformam a ao e o entendimento de como essas transformaes

    ocorrem fundamental para o processo de domnio e apropriao por parte dos estudantes.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 37

    7 CONSIDERAES FINAIS

    Este texto teve como objetivo sintetizar algumas teorias de aprendizagem (behavioristas,

    de transio, cognitivas, humanistas e socioculturais) e explicitar algumas de suas implicaes

    para o ensino e a aprendizagem. Esta discusso est baseada no pressuposto de que a

    qualidade do ensino em sala de aula est intimamente relacionada ao conhecimento de

    referenciais tericos que orientem o planejamento, a implementao e a avaliao de prticas

    educacionais.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 38

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ADELSON, E. H. Perceptual organization and the judgment of brightness. Science, New York, v. 262, n. 5142, p. 2042-2044, Dec. 1993. Disponvel em: . ______. Lightness perception and lightness illusions. In: GAZZANIGA, M. S.; BIZZI, E. (Eds.). The new cognitive neurosciences. Cambridge: MIT Press, 2000. p. 339-351. APPLE, M.; NVOA, A. (Eds.) Paulo Freire: poltica e pedagogia. Porto: Porto Editora. 1998. BAKHTIN, M. M.; HOLQUIST, M. The dialogic imagination: four essays by M. M. Bakhtin. Austin: University of Texas Press, 1981. (University of Texas Press Slavic series, no. 1). BAKHTIN, M. M.; MCGEE, V. W.; HOLQUIST, M.; EMERSON, C. Speech genres and other late essays. Austin: University of Texas Press, 2006. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formacao de Professores da Educacao Basica, em Nvel Superior, Curso de Licenciatura, de Graduacao Plena. 2002. CARVALHO, A. M. P.; PREZ, D. G. Formao de professores de cincias: tendncias e inovaes. So Paulo: Cortez, 1995. FREIRE, P. Educao como prtica de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. ______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. GADOTTI, M. Paulo Freire: su vida y su obra. Bogota: Codecal, 1991. GIROUX, H. Teoria crtica e resistncia em educao. Petrpolis: Vozes, 1986. GRAEBER, W.; BNDER, W.; NENTWIG, P. From academic knowledge to PCK: The need for transformation and contextualization of knowledge. In: International Conference on Science Education Research in the Knowledge Based Society, 3, Thessaloniki. Proceedings Thessaloniki: Aristotle University of Thessaloniki, 2001. p. 407410. HANSON, N. R. Patterns of discovery: an inquiry into the conceptual foundations of science. Cambridge: University Press, 1961. ______. Perception and discovery: an introduction to scientific inquiry. San Francisco: Freeman, Cooper, 1970. HANSON, N. R.; TOULMIN, S. Observation and explanation: a guide to philosophy of science. London: G. Allen and Unwin, 1971.

  • Fernanda Ostermann e Cludio Jos de Holanda Cavalcanti

    Pgina | 39

    LEMKE, J. L. Articulating communities: Sociocultural perspectives on science education. Journal of Research in Science Teaching, v. 38, n. 3, p. 296-316, Mar. 2001. Disponvel em: . MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T. Currculo, cultura e sociedade. So Paulo:: Cortez, 1994. MOREIRA, M. A.; OSTERMANN, F. Teorias construtivistas. Porto Alegre: UFRGS, 1999. (Textos de apoio ao professor de Fsica). PRIMO, A. Conhecimento e interao: fronteiras entre o agir humano e inteligncia artificial. In: LEMOS, A.; CUNHA, P. (Eds.). Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 37-56. SRIO, T. M. D. A. P. The radical behaviorism and the psychology as science. Revista brasileira de terapia comportamental e cognitiva, So Paulo, v. 7, n. 2, p. 247-262, dez. 2005. Disponvel em: . SILVEIRA, F. L. D.; OSTERMANN, F. A insustentabilidade da proposta indutivista de "descobrir a lei a partir de resultados experimentais". Caderno Brasileiro de Ensino de Fsica, Florianpolis, p. 7-27, jun. 2002. Disponvel em: . Acesso em: 4 jan. 2010. Nmero especial. SKINNER, B. F. Behaviorism at fifty. In: SKINNER, B. F. (Ed.). Contingencies of reinforcement: a theoretical analysis. New York: Appleton-Century-Crofts, 1963/1969. p. 221-268. VYGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem. So Paulo: Martins Fontes, 1989. ______. A formao social da