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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CLAUDIA PAIVA CARNEIRO DA SILVA O AMICUS CURIAE NA SUPREMA CORTE AMERICANA E NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO: um estudo de direito comparado RIO DE JANEIRO 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CLAUDIA PAIVA CARNEIRO DA SILVA

O AMICUS CURIAE NA SUPREMA CORTE AMERICANA E NO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO: um estudo de direito comparado

RIO DE JANEIRO

2011

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Cláudia Paiva Carneiro da Silva

O AMICUS CURIAE NA SUPREMA CORTE AMERICANA E NO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO: um estudo de direito comparado

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito

Orientadora: Margarida Maria Lacombe Camargo

Rio de Janeiro 2011

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FICHA CATALOGRÁFICA

S586 Silva, Claudia Paiva Carneiro da.

O Amicus Curiae na Suprema Corte Americana e no Supremo Tribunal Federal Brasileiro: um estudo de direito comparado / Cláudia Paiva Carneiro da Silva – 2011.

108 f.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Direito, Rio de Janeiro, 2011.

Orientadora: Margarida Maria Lacombe Camargo

1. Controle da constitucionalidade. 2. Amici curiae - Direito comparado. 3. Direito - Teses. I. Camargo, Margarida Maria Lacombe (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade Nacional de Direito. III. Título.

CDD 341.202

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Cláudia Paiva Carneiro da Silva

O AMICUS CURIAE NA SUPREMA CORTE AMERICANA E NO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO: um estudo de direito comparado

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito

Aprovada em

Margarida Maria Lacombe Camargo Orientadora

Faculdade Nacional de Direito - UFRJ

José Ribas Vieira Faculdade Nacional de Direito - UFRJ

Ana Lúcia de Lyra Tavares Departamento de Direito – PUC-Rio

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DEDICATÓRIA

Ao meu pai

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AGRADECIMENTOS

À professora Margarida Maria Lacombe Camargo pelo tema e pela imprescindível orientação, sempre atenta e precisa. À professora Ana Lúcia de Lyra Tavares pelo decisivo e fascinante aprendizado do direito comparado. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro pelo aprendizado, especialmente ao professor José Ribas Vieira pelo exemplo de dedicação à pesquisa. Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialmente Flávia e Bernardo pelo companheirismo. Ao Procurador-Chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região, Dr. José Antonio Vieira de Freitas Filho, pelo inestimável apoio. À Procuradora do Trabalho, Doutora Daniela Ribeiro Mendes, pelo incentivo fundamental. Aos meus irmãos Valéria e Carlos pela colaboração. Ao meu marido Marcelo e aos meus filhos Guido e Ivan por tudo.

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RESUMO

SILVA, Cláudia Paiva Carneiro da. O Amicus Curiae na Suprema Corte Americana e no Supremo Tribunal Federal Brasileiro: um estudo de direito comparado. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. O objetivo desta pesquisa é ampliar o olhar crítico sobre o amicus curiae na

jurisdição constitucional brasileira através da comparação com o mesmo instituto na

jurisdição constitucional americana. A pesquisa inova pela análise empírica

realizada, fundamental para as conclusões de pesquisa sobre um instituto que está

sendo construído na prática do Supremo Tribunal Federal (STF). Em ambas as

dimensões comparadas – teórica e prática –, encontramos semelhanças e

diferenças significativas. Uma das diferenças consiste na relevância da participação

de amici curiae na fase de certiorari da Suprema Corte americana comparada à total

ausência deles na análise de repercussão geral pelo STF. Quanto ao interesse, na

Suprema Corte, os amici partidários são aceitos e esperados, enquanto no STF, há

ainda indefinição quanto ao interesse esperado, se neutro ou partidário. Em relação

aos procedimentos, uma diferença a favor do instituto brasileiro foi constatada: a

sustentação oral é mais restrita nos Estados Unidos que no Brasil. Quanto à função

exercida na jurisdição constitucional, no Brasil, a verdadeira função do amicus curiae

parece ser dar legitimidade às decisões do Supremo Tribunal Federal. Os casos-

referência reforçam as conclusões quanto à ausência de função democrática e

predominância de função legitimadora do amicus curiae brasileiro. A pesquisa

conclui que os amici curiae são efetivamente importantes no processo decisório da

Suprema Corte americana, mas ainda não o são no Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Amicus curiae. Hermenêutica Constitucional. Direito Constitucional

Comparado.

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ABSTRACT

SILVA, Cláudia Paiva Carneiro da. O Amicus Curiae na Suprema Corte Americana e no Supremo Tribunal Federal Brasileiro: um estudo de direito comparado. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. This research extends a critical look at the amicus curiae in Brazilian constitutional

jurisdiction by comparing it with the same institute in American constitutional

jurisdiction. The research breaks new grounds of empirical analysis, critical to the

findings of an institute that is being constructed in the practice of the Supremo

Tribunal Federal (STF). In both dimensions compared - theory and practice - we find

similarities and differences. One difference is the importance of the participation of

amici curiae in the certiorari stage of the Supreme Court compared to the total

absence of them in the analysis of overall impact by the STF. As for the interest, at

the American Supreme Court, the partisan amici are accepted and expected, while at

the Brazilian Court there is still uncertainty about the value expected if neutral or

partisan. As far as procedures are concerned, a difference in favor of the Brazilian

institute was observed: the oral argument is more restricted in the United States than

in Brazil. As to the function performed in a constitutional court, in Brazil, the true

function of the amicus curiae seems to be to give legitimacy to the decisions of the

Brazilian Court. The reference cases reinforce the conclusions about the lack of

democratic function and prevalence of the legitimizing function of the amicus curiae

in Brazil. This research leads to the conclusion that the amici curiae are indeed

important in the decision making of the American Supreme Court, but they are not

so, yet, on the Brazilian Supremo Tribunal Federal.

Keywords: Amicus curiae. Constitutional Hermeneutics. Comparative Constitutional Law.

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 Memoriais de amici curiae por categoria – Suprema Corte – 1982

Tabela 2 Memoriais de amici curiae por categoria – STF – 1999 a 2005

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LISTA DE ABREVIATURAS ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

AgR Agravo Regimental

AMC Associação dos Magistrados Catarinenses

CDC Código de Defesa do Consumidor

CDH Conectas Direitos Humanos

CF Constituição Federal

CONFENEM Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino

CPC Código de Processo Civil

CUT Central Única dos Trabalhadores

DCE Diretório Central dos Estudantes

DJ Diário de Justiça

DJe Diário de Justiça Eletrônico

EC Emenda Constitucional

FENAJUFE Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores do Judiciário Federal

MS Mandado de Segurança

RE Recurso Extraordinário

RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

STF Supremo Tribunal Federal

TJ Tribunal de Justiça

UENF Universidade Estadual do Norte Fluminense

UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro

UFRS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UnB Universidade de Brasília

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................11

PARTE I – O AMIGO AMERICANO .........................................................................16

Capítulo 1 – Contextualização...................................................................................16

1.1. A Tradição Jurídica da Common Law........................................................................................ 16

1.2. O Sistema Judicial Americano .................................................................................................... 18

1.3. A Suprema Corte dos Estados Unidos ...................................................................................... 20

1.4. Breve histórico do instituto americano....................................................................................... 24

Capítulo 2 – Configuração Jurídica ...........................................................................27

2.1. Participantes .................................................................................................................................. 27

2.1.1. Os amici individuais..............................................................................................................................29

2.1.2. Os amici governamentais ....................................................................................................................29

2.1.3. Os amici grupos de interesse .............................................................................................................31

2.2. Interesse do Participante..........................................................................................................................33

2.3. Procedimentos ...........................................................................................................................................36

2.3.1. As regras da Suprema Corte ..............................................................................................................37

2.3.2. Contribuições monetárias....................................................................................................................39

2.3.3. Sustentação oral...................................................................................................................................40

2.4. Função ........................................................................................................................................................42

2.4.1. Função informativa...............................................................................................................................42

2.4.2. Função estratégica...............................................................................................................................44

2.4.3. Função lobista.......................................................................................................................................44

Capítulo 3 – Caso-referência: “Cotas” nas universidades americanas......................47

3.1. Ação afirmativa.............................................................................................................................. 47

3.2. Grutter v. Bollinger ........................................................................................................................ 49

3.3. Participação de amici curiae ....................................................................................................... 50

PARTE II – O AMIGO BRASILEIRO ........................................................................54

Capítulo 1 – Contextualização...................................................................................54

1.1. A Tradição Jurídica Romano-Germânica .................................................................................. 54

1.2. O Sistema Judicial brasileiro ....................................................................................................... 57

1.3. O Supremo Tribunal Federal....................................................................................................... 58

1.4. Breve histórico do instituto brasileiro ......................................................................................... 59

Capítulo 2 – Configuração jurídica ............................................................................63

2.1. Participantes .................................................................................................................................. 63

2.1.1. Os amici individuais..............................................................................................................................65

2.1.2. Os amici governamentais ....................................................................................................................66

2.1.3. Os amici grupos de interesse .............................................................................................................67

2.2. Interesse do Participante ............................................................................................................. 69

2.2. Procedimentos .............................................................................................................................. 73

2.2.1. Requisitos de admissibilidade ............................................................................................................77

2.2.2. Poderes recursais.................................................................................................................................79

2.2.3. Sustentação oral...................................................................................................................................81

2.2.4. Audiências públicas..............................................................................................................................82

2.3. Função............................................................................................................................................ 84

2.3.1. Função informativa................................................................................... Erro! Indicador não definido.

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2.3.2. Função democrática.............................................................................................................................85

2.3.3. Função legitimadora.............................................................................................................................86

Capítulo 3 – Caso-referência: Cotas nas universidades brasileiras ..........................88

3.1. Ação afirmativa no Brasil ............................................................................................................. 88

3.2. ADPF 186 e Recurso Extraordinário 597.285/RS.................................................................... 89

3.3. Participação de amici curiae ....................................................................................................... 93

CONCLUSÃO ...........................................................................................................95

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................102

ANEXOS .................................................................................................................109

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INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, vários artigos e livros dedicados à figura do amicus curiae

foram publicados no Brasil. A maioria deles aborda os aspectos processuais do

instituto, buscando estabelecer seus contornos, devido à pouca normatização

existente em nosso ordenamento jurídico (AGUIAR, 2005; BUENO, 2008). Alguns

estudiosos também abordam a função exercida pelo amicus curiae, ressaltando seu

papel democrático e pluralizador do debate constitucional (DEL PRÁ, 2008; PRADO,

2010).

Há ainda quem procure abordar a eficácia do ingresso do amicus curiae no

controle de constitucionalidade brasileiro, buscando verificar a sua influência no

processo de tomada de decisão no Supremo Tribunal Federal (MEDINA, 2010).

Entretanto, esse tipo de abordagem, tão comum nos Estados Unidos1, onde o

instituto é largamente utilizado desde os anos quarenta, acaba sendo prejudicado no

Brasil devido à participação de amici curiae em somente 13,4% das ações do

controle concentrado de constitucionalidade no período compreendido entre 1999 e

2005.2

No presente trabalho, pretendo colaborar para a construção do conhecimento

sobre a controvertida figura processual através do enfoque do direito constitucional

comparado. Apesar de este não ser o primeiro estudo comparado sobre o amicus

curiae no Brasil (BISCH, 2010), pretende ser inovador pela utilização da metodologia

comparada de forma sistemática e, principalmente, pela análise empírica realizada,

fundamental para as conclusões de pesquisa sobre um instituto que está sendo

construído na prática do Supremo Tribunal Federal.

1 Paul Collins (2003, p.1) cita 40 estudos que analisam a influência de amici curiae no decision

making da Suprema Corte americana. São eles: Acker (1990), Barker (1967), Behuniak-Long (1991), Day (2001), Ennis (1984), Epstein (1985, 1993), Harper and Etherington (1953), Hassler and O’Connor (1986), Heberlig and Spill (2000), Hedman (1991), Ivers and O’Connor (1987), Kearney and Merrill (2000), Kobylka (1987), Kolbert (1989), Krislov (1963), Lawrence (1989), Manz (2002), McGuire (1990, 1995), Moorman and Masteralexis (2001), Morris (1987), O’Connor (1980), O’Connor and Epstein (1982b, 1983), O’Neill (1985), Parker (1999), Puro (1971), Roesch, Golding, Hans and Reppucci (1991), Ross and Catalano (1988), Rushin and O’Connor (1987), Samuels (1995), Songer and Sheehan (1993), Spriggs and Wahlbeck (1997), Sungaila (1999), Tai (2000), Vose (1955, 1959), Wasby (1995), and Wohl (1996). 2 Segundo Almeida, foram identificadas 242 ações com manifestações de amicus curiae de um total de 1800 ações no Supremo Tribunal Federal no período compreendido entre 1999 e 2005. (2006, p.66).

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A pesquisa está delimitada à utilização do amicus curiae no âmbito do

Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Não há como comparar

em outras instâncias judiciais pela diferença na abrangência do instituto nos dois

países. Nos Estados Unidos o amicus curiae é utilizado de forma ampla em todos os

graus de jurisdição, o que não ocorre no Brasil, onde sua utilização é praticamente

restrita ao controle de constitucionalidade.3 Este quadro pode mudar se o

anteprojeto do novo Código de Processo Civil for aprovado com a previsão de

amicus curiae em todos os graus de jurisdição.4

O amicus curiae americano foi escolhido como contraponto pelo fato de ser

paradigmático,5 servindo de “modelo para o mundo”, tal como a própria corte

constitucional americana (BARBOSA MOREIRA, 2003). Além disso, a literatura

nacional e estrangeira sobre o assunto é extensa, permitindo o acesso a pesquisas

abordando o instituto sob os mais diversos ângulos.6 Assim, a profundidade do

debate americano e a maturidade alcançada pelo instrumento processual nos

Estados Unidos permitem olhar o amicus curiae brasileiro de forma diferenciada.

A pesquisa se fixa na prática jurídica atual, levando em conta a diferença

temporal entre os institutos, pois, se considerarmos apenas o tempo de regramento

formal, o amigo americano tem mais de 70 anos, enquanto o amigo brasileiro tem

apenas 10 anos de vida. Contudo, um breve histórico dos institutos é necessário

3 Alguns autores entendem que as intervenções da Comissão de Valores Mobiliários (Lei nº 6.385/76), do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Lei nº 8.884/94), do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94) e das pessoas jurídicas de direito público (Lei nº 9.469/97) são hipóteses anteriores e em outros graus de jurisdição de atuação do amicus curiae, o que não iremos abordar por não fazer parte do objetivo do presente trabalho. 4 Na exposição de motivos do novo CPC consta que: “criou-se regra no sentido de que a intervenção pode ser pleiteada pelo amicus curiae ou solicitada de ofício, como decorrência das peculiaridades da causa, em todos os graus de jurisdição. Entendeu-se que os requisitos que impõem a manifestação do amicus curiae no processo, se existem, estarão presentes desde o primeiro grau de jurisdição, não se justificando que a possibilidade de sua intervenção ocorra só nos Tribunais Superiores. Evidentemente, todas as decisões devem ter a qualidade que possa proporcionar a presença do amicus curiae, não só a última delas”. (p.23) 5 Daniela Medeiros corrobora afirmando que “o amicus curiae no ordenamento pátrio desenvolve-se inspirado no direito norte-americano, de onde ‘importamos’ o instituto fazendo as devidas burilações à nossa realidade jurídica. É notável o patamar de apuração do amicus curiae nas cortes dos Estados Unidos, sendo o país referência quando se investiga a aplicação desse curioso ‘amigo da corte’ (2008, p.20-21). 6 Existe, por exemplo, uma pesquisa qualitativa em que foram entrevistados os assistentes dos Justices para verificar se todos os memoriais de amici curiae são realmente lidos e se a decisão acerca da leitura do memorial depende da importância ou notoriedade do signatário (LYNCH, 2003).

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para diferenciar o percurso de construção do amicus curiae em ambos os

ordenamentos jurídicos e auxiliar na compreensão de suas configurações atuais.

O objetivo da pesquisa é ampliar o olhar crítico sobre o amicus curiae na

jurisdição constitucional brasileira através da comparação com o mesmo instituto na

jurisdição constitucional americana. Nessa avaliação comparativa, não se pretende

exaltar um modelo em detrimento do outro, mas justamente o contrário: verificar se,

na doutrina e na prática judicial, não está havendo a exaltação de um modelo que

pode não ser aplicável à realidade brasileira.

A relevância desta pesquisa reside no fato de que o amicus curiae é um dos

temas centrais do debate acadêmico atual e que ganhou destaque em projetos

desenvolvidos no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito da

Universidade Federal do Rio de Janeiro7, contribuindo para uma perspectiva

reflexiva e crítica sobre o Poder Judiciário brasileiro.

A pesquisa se divide em duas partes: na primeira, o amicus curiae nos

Estados Unidos é analisado; na segunda, o amicus curiae no Brasil, utilizando as

mesmas variáveis de comparação, assinalando as semelhanças e, principalmente,

as diferenças em suas configurações atuais.

Em ambas as partes, utilizamos casos-referência de matéria correlata para

verificar, na prática, a participação de amici curiae nas cortes supremas dos dois

países. Na parte americana, analisamos o caso Grutter v. Bollinger (539 U.S. 306)

que, em 2003, retomou na Suprema Corte americana a questão da utilização do

critério de raça para ingresso no ensino público superior, decidida em 1978 no caso

Regents of University of California v. Bakke (438 U.S. 265); na parte brasileira, as

ações judiciais que tratam da constitucionalidade das políticas de ação afirmativa de

reserva de vagas no ensino superior, que foram objeto de audiência pública

realizada no Supremo Tribunal Federal em março de 2010.8

Desta forma, iremos fazer o contraste entre as realidades comparadas para

verificar se os amici curiae, aparente ou nominalmente, se assemelham, pois não é 7 Especialmente nos projetos desenvolvidos pela minha orientadora, Margarida Maria Lacombe Camargo, tanto individuais (“As audiências públicas nas decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro: repercussão e alcance”) quanto coletivos (“Representação Argumentativa e Desenhos Institucionais: um estudo sobre o Supremo Tribunal Federal Brasileiro”). 8 São elas a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 e o Recurso Extraordinário (RE) 597.285/RS.

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suficiente levar em conta somente o nome do instituto. Para tanto, é indispensável

considerar o que ele significa na lógica de cada sistema jurídico e na forma como o

instituto é atualizado na prática jurídica local.

A análise da dimensão prática do objeto de comparação é essencial na

metodologia do direito comparado, pois a dimensão teórica pode ser similar à fonte

de inspiração. O fenômeno do mimetismo jurídico nos mostra que Estados

emergentes, como o nosso, costumam importar soluções de Estados desenvolvidos,

como os Estados Unidos, sem necessariamente se refletirem na prática jurisdicional

(TAVARES, 1983).

Nesse sentido, Barbosa Moreira acrescenta que “o funcionamento de certas

instituições está longe de deixar-se captar na descrição das normas editadas para

discipliná-las. Há um sem número de aspectos e elementos a cujo respeito guardam

silêncio os textos, mas que nem por isso deixam de ter relevância às vezes muito

considerável” (2003, p. 51).

É fato que o Brasil, “na condição de ordem jurídica secundária, isto é,

construída sob a influência de sistemas exportadores de direito, seja por via da

colonização portuguesa (de 1500 a 1822), seja através de recepções voluntárias de

direito (a partir da Independência)”, o direito estrangeiro foi amplamente utilizado em

todos os ramos do direito, em maior ou menor grau (TAVARES, 1990, p.56).

No direito constitucional, fomos profundamente influenciados pelo

constitucionalismo americano. Contudo, na pesquisa, consideramos também a

possibilidade do recurso às fontes européias, especialmente do direito constitucional

alemão, influência marcante em nosso constitucionalismo recente.

O amicus curiae é uma figura processual bastante difundida nos últimos

séculos tanto em sistemas jurídicos das famílias da common law quanto da civil law,

assumindo as mais diferentes feições e funções. Por este motivo, não há definição

uniforme ou conceito que consiga abarcar toda a complexidade do multifacetado

amicus curiae.

Há controvérsia sobre todos os seus elementos e, até mesmo, quanto a sua

origem, que muitos autores atribuem ao direito romano clássico. Com esta

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denominação – amicus curiae9 –, ele surgiu no século XIV na Inglaterra, tendo sido

transportado do sistema da common law inglesa, no início do século XVII, para os

Estados Unidos10, onde se tornou mundialmente conhecido.

Os elementos que caracterizam o amicus curiae variam de tal forma nos

atuais ordenamentos jurídicos que o vínculo com o instituto original do direito anglo-

saxão, muitas vezes, é apenas na denominação11, não existindo correspondência de

conteúdo. É o caso, por exemplo, do direito indiano atual, onde o amicus curiae

também exerce a função de advogado dativo12.

Em outros ordenamentos, não há denominação própria, mas, quando um

terceiro apresenta algum aspecto do instituto, a doutrina e a jurisprudência passam a

denominá-lo como amicus curiae.

Desta forma, o que chamamos de amicus curiae nos dois ordenamentos

jurídicos em consideração podem ser institutos diferentes e necessitam ser

contextualizados para que se possa proceder à análise das suas configurações

atuais e, principalmente, da função que exercem na jurisdição constitucional das

duas cortes supremas.

9 Significa “amigo da corte” em latim. 10 De acordo com Marc Ancel, “foi o caso especialmente da Inglaterra, onde um verdadeiro regime de expansão legal foi verificado no início do século XVII. Logo após a expedição do May Flower e a instalação dos primeiros colonos sobre a costa Este da América, considerou-se que eles haviam transportado consigo, enquanto cidadãos britânicos, o sistema da common law, bem como as leis (o Statute book) aplicáveis nessa data.” (1980, p. 75) 11 O atual instituto processual britânico mudou sua denominação para Advocate to the Court em 2001 (BISCH, 2010, p. 31). 12 Na Índia, se uma parte não está representada por advogado, a Corte pode indicar um amicus

curiae para defendê-la tanto em matéria civil quanto criminal. A Corte também pode indicar um amicus curiae em qualquer matéria de interesse público (SEHGAL, 2008).

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PARTE I – O AMIGO AMERICANO

Capítulo 1 – Contextualização

1.1. A Tradição Jurídica da Common Law

Há duas tradições jurídicas altamente influentes no mundo contemporâneo: a

common law e a romano-germânica, denominada pelos common lawyers de civil

law. Segundo John Henry Merryman, o termo “tradição” é mais apropriado que

“sistema”, utilizado por outros autores (DAVID, 1996), pois sistema corresponde à

idéia de um conjunto de instituições, procedimentos e regras de um determinado

país, enquanto tradição jurídica é o conjunto arraigado de atitudes historicamente

condicionadas sobre a natureza do direito, sobre o seu papel na sociedade e na

política, sobre a organização e o funcionamento adequados do sistema jurídico e

sobre a forma como a lei é ou deveria ser aplicada, estudada, aperfeiçoada e

ensinada (MERRYMAN, 1985, p.3-4). É, portanto, parte da expressão cultural de

uma sociedade ou, mais simplesmente, sua cultura jurídica.13

As tradições da common law e da civil law não são isoladas e fazem parte da

história e cultura ocidentais, tendo se influenciado reciprocamente através dos

séculos14. A tradição da civil law, segundo Merryman, é mais antiga, mais difundida

(Europa continental, América Latina e em muitas partes da Ásia e da África) e talvez

mais influente que a tradição da common law, que engloba a Grã-Bretanha, Irlanda e

os países colonizados durante a expansão do império britânico – Estados Unidos,

Canadá, Austrália e Nova Zelândia –, além de exercer influência em algumas

nações da Ásia e da África.

A distinção entre as duas tradições é atribuída basicamente às diferentes

fontes formais do direito: decisões judiciais precedentes nos sistemas de common

law e as leis nos sistemas de civil law. Entretanto, Merryman esclarece que esta é

“uma simplificação exagerada e pouco representativa da realidade” (2009, p.53).

13 Segundo Garapon e Papapoulos, “a cultura jurídica não seria senão a versão moderna do que se entendia outrora por tradição jurídica” (2008, p.7) 14 Merryman apresenta alguns exemplos e leciona que “a Constituição dos Estados Unidos poderia ser parcialmente explicada pela influência do Iluminismo europeu. Mais tarde, o constitucionalismo norte-americano teve uma influência enorme na América Latina e na Europa. O controle de constitucionalidade, por exemplo, está agora firmemente enraizado em ambas as tradições. O instituto jurídico do condominium, uma invenção da civil law, foi entusiasticamente recepcionado nos Estados Unidos, enquanto que muitos sistemas da civil law incorporaram um instituto típico da common law como o truste” (2009, p.25).

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17

Afinal, a produção legislativa também tem força normativa nos sistemas de common

law e, da mesma forma, a produção judicial do direito nos sistemas de civil law.

A diferença consistiria na ideologia subjacente às concepções do que é a lei

ou o precedente em cada tradição. Assim, o código na civil law teria a pretensão de

completude justamente para impedir a criação do direito pelo juiz, valorizando o

legislador. Na common law, ao contrário, um conhecido brocardo – as leis que

derroguem a common law devem ser interpretados restritivamente15 – demonstra a

valorização da decisão judicial e, consequentemente, dos juízes.

De toda forma, a idéia principal da common law pode ser traduzida pela

preferência dada ao precedente e não à lei como veículo do direito e, uma vez que

uma decisão foi tomada, a mesma deve se repetir em todos os casos similares,

garantindo a segurança jurídica. Por este motivo, é utilizada a expressão stare

decisis, isto é, ater-se aos (casos) decididos (BARBOSA MOREIRA, 2003, p.43).

Entretanto, isto não significa que a tese do precedente seja aplicada de maneira

automática16. É possível não engessar os casos futuros, pois apenas o núcleo

central da decisão – ratio decidendi – tem autoridade e as variações nos casos

concretos dão a flexibilidade necessária à permanente construção da jurisprudência,

através da denominada técnica do distinguish para distinguir casos semelhantes ou

mesmo quando o precedente é overruled, ou seja, quando é substituído por um novo

precedente (BARBOSA MOREIRA, 2003, p.43-44).

Para a tradição da common law, portanto, maior importância é dada ao caso

concreto e ao procedimento judicial e, consequentemente, àquilo que as partes

podem trazer de contribuição para o processo, enquanto que para a tradição

romano-germânica o destaque maior é do direito substantivo, que constitui um

sistema fechado em que toda questão deve encontrar sua solução na codificação.

Importante, ainda, salientar que a cultura jurídica da common law sofreu

importantes modificações nos Estados Unidos pelos “pais fundadores impregnados

de Iluminismo” que, segundo Garapon e Papadopoulos, efetuaram uma síntese com

os ideais franceses da Revolução. Para eles, a genialidade na construção do direito

15 Tradução livre do original: Statutes in derogation of the common law should be strictly construed. 16 Merryman afirma que há um folclore corrente nas duas grandes tradições jurídicas a respeito do processo judicial, pois não é mecânico o processo de encontrar e aplicar o precedente na common

law, como também não é o processo de encontrar e aplicar a legislação na civil law (2009, p.73).

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18

americano estaria nessa combinação dos dois grandes modelos ocidentais: civil law

e common law (2008, p.30).

A Constituição, a Suprema Corte e a idéia de direitos civis constituem,

segundo os citados autores comparativistas, as maiores originalidades americanas

em relação à common law tradicional, onde a perspectiva de um direito abstrato e

geral não cabe na mentalidade daqueles que permanecem com a idéia de direitos

apenas subjetivos (GARAPON; PAPADOPOULOS, 2008, p. 30-31).

Uma característica da relação dos americanos com o direito é que eles

consideram o procedimento jurídico a essência do direito. Segundo a antropóloga

Carol Greenhouse, os americanos não julgam o direito pela sua substância, mas,

sim, por seus elementos processuais (apud GARAPON; PAPADOPOULOS, 2008, p.

31-32).

1.2. O Sistema Judicial Americano

O sistema judicial americano é dividido em um sistema de âmbito federal e 50

sistemas estaduais autônomos. A autonomia dos Estados americanos é mais

acentuada que no Brasil, repercutindo diretamente nos órgãos judiciais que, apesar

de possuírem uma estrutura semelhante, são totalmente independentes, podendo

apresentar características e procedimentos distintos (REIS, 1996, p.39).

Basicamente os Estados têm, na primeira instância, uma jurisdição que divide os

casos de maior ou menor importância. Na segunda instância, nos estados menores

eles apenas têm um tribunal de apelação. Nos estados maiores, existem alguns

tribunais de apelação. Em todos os estados, existem as cortes supremas estaduais.

No sistema federal, a base são as cortes distritais (District courts), de um a

quatro por estado americano, que correspondem à primeira instância federal. A

segunda instância conta com 12 cortes de apelação (Circuit Courts ou Courts of

Appeal) para o total de 50 Estados americanos, sendo que cada uma delas constitui

o denominado circuito judiciário, incluindo três estados ou mais. A segunda instância

também possui cortes especializadas (Specialized Courts) que são: Tax Court, Court

of Federal Claims, Court of Veterans Appeals, Court of lntemational Trade.

O sistema legal nos Estados Unidos é baseado em um sistema acusatório

(adversary system), como geralmente ocorre nos países de tradição da common law,

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19

ao contrário dos países de tradição romano-germânica, onde o sistema é,

normalmente, inquisitorial.

No sistema acusatório, as partes da controvérsia desenvolvem e apresentam

seus argumentos, suas evidências e suas testemunhas e, assim, controlam o

processo. O juiz ou o júri permanecem neutros e passivos durante todo o

procedimento e a participação voluntária de terceiros não é bem vinda pelas

partes17. Entretanto, a estrita observância do sistema acusatório nos Estados Unidos

não é possível ou mesmo desejável, segundo Barker (1967, p.1). Afinal, muitas

controvérsias levadas ao Judiciário, especialmente em matéria constitucional,

afetam mais pessoas do que os adversários imediatos e que, pelo alcance dos

precedentes, poderiam ser prejudicadas18.

A participação de terceiros no sistema acusatório americano foi formalmente

admitida em 1939 com a adoção do Federal Rules of Civil Procedures,19

que regulou

a intervenção de terceiros de forma obrigatória e de forma facultativa. A facultativa

não se confunde com a intervenção do amicus curiae, pois exige uma questão

comum de fato ou de direito, sendo semelhante ao instituto do litisconsórcio em

nosso direito. Neste caso, o terceiro é admitido como parte por motivo de economia

processual, como esclarece Elisabetta Silvestri:

A intervenção facultativa, ao contrário, parece não estar relacionada ao papel do amicus, na medida em que ignora totalmente o interesse de terceiros no caso, mas pode ser autorizada pelo juiz apenas quando o pedido apresentado pelo terceiro levanta questões idênticas às descritas pelas partes originárias e por motivo de economia processual, permitindo uma adequada decisão unitária (1997, p.685-686, tradução nossa).

A admissibilidade na intervenção obrigatória depende do interesse do terceiro

na propriedade ou transação objeto da demanda e na sua submissão aos efeitos da

decisão, o que também afasta o papel exercido pelo amicus curiae nessa forma de

intervenção. Assim, o memorial de amicus curiae não é a única forma pela qual

terceiros podem ingressar em um litígio nos Estados Unidos.

17 Segundo Krislov, “o princípio fundamental subjacente ao procedimento legal é que as partes na controvérsia devem ter o direito de pleitear livres da interferência de estranhos” (1969, p.2, tradução nossa). 18 Munford acrescenta que “as decisões, porém, não pertencem apenas às partes. Como a Suprema Corte afirmou [...], as decisões são importantes para a comunidade jurídica como um todo. A comunidade merece uma voz” (1998, p.1, tradução nossa). 19 As regras para participação de terceiros no Federal Rules of Civil Procedures podem ser conferidas no Anexo A.

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20

1.3. A Suprema Corte dos Estados Unidos

A Suprema Corte é uma criação original dos americanos e é tão importante

na organização político-administrativa dos Estados Unidos que a Constituição (1787)

previu em seu texto apenas a Corte Suprema, dando ao Congresso liberdade para a

criação dos demais órgãos jurisdicionais20.

A Suprema Corte existe há 221 anos e é, ao contrário do STF,

assumidamente política21, sendo que os seus membros são geralmente pessoas que

participaram da política e suas nomeações, objeto de considerável disputa política.

A Suprema Corte americana tem atualmente nove integrantes, denominados

Justices (o Chief Justice, que a preside, e oito Associate Justices), que são

nomeados pelo Presidente dos Estados Unidos, depois de confirmados pela maioria

do Senado. O Senado Americano já rejeitou 20% das indicações na história da

corte, mas somente quatro no último século. O presidente da corte não precisa ser

escolhido entre os Associate Justices, podendo até mesmo não ter qualquer

experiência judicial. Entretanto, mesmo sendo Associate Justice, o indicado precisa

ser confirmado pelo Senado Americano.

O papel do Chief Justice é muito importante, tanto que a história da Suprema

Corte é contada pelos nomes dos seus presidentes, que imprimem à Corte um estilo

próprio – liberal ou conservador – durante todo o longo mandato vitalício. A Corte

Marshal, por exemplo, durou 34 anos (1801-1835) e a Corte Rehnquist, 19 anos

(1986-2005).

Inicialmente, o número de membros era de seis juízes, tendo variado bastante

durante o primeiro século de existência da corte e, desde 1869, se fixou em nove

Justices. Não há divisão em colegiados menores e o quorum mínimo é de seis

juízes, sendo que, apenas no caso de empate, a decisão do tribunal inferior é

mantida e não são anunciados os votos individuais.

A competência da Suprema Corte pode ser originária ou recursal:

20 A Constituição Americana estabelece no artigo III, seção I, que: o Poder Judiciário dos Estados Unidos será investido em uma Suprema Corte e em tribunais inferiores que o Congresso poderá de tempos em tempos ordenar e estabelecer. 21 Segundo Hoffer, desde a primeira década de existência da Suprema Corte, “a experiência prova que a fronteira entre o jurídico e o político tem sido quase invisível e facilmente atravessada” (2007, p.29).

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21

A originária se subdivide em casos obrigatórios, como as disputas entre

Estados, e casos facultativos, como aqueles em que um Estado é parte ou disputas

entre um Estado e o Governo Federal, além de demandas que envolvam membros

do corpo diplomático.

A recursal se subdivide em casos obrigatórios como aqueles em que um

tribunal federal declara inconstitucional uma lei do Congresso, quando o governo

federal é parte ou quaisquer casos nos quais uma Corte Suprema Estadual declara

inconstitucional uma lei do Congresso.

Os casos facultativos na competência recursal correspondem às demais

decisões de cortes de apelação federais e às decisões do tribunal estadual de

instância mais alta com competência sobre um caso que envolva questão de lei

federal.

Assim, a Suprema Corte possui competência para julgar recursos advindos do

sistema federal e dos diferentes sistemas estaduais. Contudo, independente da

origem, Baum afirma que “na maior parte das vezes, os casos levados à

consideração da Corte se situam sob sua competência facultativa. Eles chegam à

Corte na forma de pedido de carta requisitória (writ of certiorari)” (1987, p.26).

Quando o caso se situa sob a competência obrigatória, são levados como apelação

(mandatory appeal) ou certificação (certification), que raramente são utilizados na

Suprema Corte (BERMAN, 2009, p.25).

Importante ressaltar que nos Estados Unidos o controle de

constitucionalidade é exercido somente de maneira difusa e não existe, como no

Brasil, o controle abstrato exercido mediante ação direta.

Na lição de Barbosa Moreira, “a Suprema Corte norte-americana só pode

declarar inconstitucional uma lei quando lhe caiba decidir caso concreto; a questão

da compatibilidade ou incompatibilidade entre a lei e a Constituição não representará

o objeto do julgamento, senão apenas etapa lógica do raciocínio que a Corte deva

fazer para pronunciar-se num ou noutro sentido” (2003, p.38).

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22

A Suprema Corte recebe mais de sete mil casos por ano e menos de cem são

julgados22 a cada ano. Não havendo, portanto, acúmulo de processos para o

exercício seguinte.

De acordo com Baum, “mesmo quando a Corte aceita, de fato, um caso, pode

emitir uma decisão apenas sumária em vez de uma decisão completa sobre as

questões legais. A Corte é altamente seletiva em suas escolhas: para cada caso que

aceita e decide plenamente, mais de vinte são rejeitados ou decididos

sumariamente” (1987, p.112).

Assim, o processo que determina quais casos a corte realmente vai apreciar –

o processo de organização da pauta da corte (agenda setting) – é muito importante

e se inicia no chamado certiorari pool. Trata-se de um pool formado pelos

assistentes dos Justices que lêem todos os casos submetidos à corte e elaboram o

preliminary memo. O memorando segue uma forma padrão, com o resumo dos

fatos, a decisão da corte inferior, os argumentos dos advogados, dos amici curiae e,

finalmente, o parecer de algum assistente do Justice. O assistente finaliza com a

recomendação – to grant or deny cert – ou ainda, CVSG (call for the views of the

SG) 23.

Baseado no memorando do certiorari pool e nas suas próprias inclinações, o

Chief Justice elabora a discuss list, indicando apenas os casos que serão

considerados pela Corte em sessão. Os demais Justices podem acrescentar casos à

lista apresentada, mas não retirar. Apenas 20% a 30% dos casos submetidos à

Corte fazem parte desta lista; os demais são automaticamente rejeitados, mantidas

as decisões das cortes inferiores.

Por tradição, quando a corte se reúne em sessão secreta para votar os casos

de certiorari, é utilizada a chamada “regra dos quatro” (rule of four), ou seja, é

necessária a concordância de no mínimo quatro Justices para que o caso seja

apreciado. A decisão não precisa ser fundamentada e assim não se sabe quem

22 No relatório anual da Justiça Federal americana consta que o total de casos submetidos à Suprema Corte diminuiu de 8241 em 2007 para 7738 em 2008. Entretanto, os casos discutidos aumentaram de 75 em 2007 para 87 em 2008. Disponível em: http://www.supremecourt.gov/publicinfo/year-end/2009year-endreport.pdf. 23 Tradução livre: “para conceder ou para negar o certiorari” e “para dar vista ao Solicitor General”.

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23

votou pelo acolhimento ou pela rejeição do certiorari. Se o pedido for negado, a

decisão da instância inferior é mantida e as partes não poderão requerer novamente.

Não existem critérios formais para a escolha dos casos a serem julgados pela

Suprema Corte, mas leva-se em conta a importância da matéria, a repercussão

política, a pressão pública e o interesse social (REIS, 1996, p.42).

Desta forma, a participação de amici curiae na Suprema Corte americana

nesta fase – certiorari stage - é mais importante do que a participação na fase de

mérito, pois sem a primeira, a segunda simplesmente não acontece. Por este

motivo, o principal manual americano de prática da Suprema Corte (Stern,

Gressman and Shapiro, 1986) ensina que não se deve peticionar quando a posição

for contrária ao deferimento do certiorari. Afinal, um memorial deste tipo pode

simplesmente chamar a atenção para o caso (CALDEIRA, 1988, p.1113).

Se o pedido for deferido, isto é, se a Corte decidir reexaminar o caso, as

partes e os amici curiae têm a oportunidade de apresentar seus arrazoados no

mesmo prazo. A data para discussão pública do caso (oral argument) é agendada,

ocasião em que advogados e amici curiae tem a oportunidade de sustentar suas

teses, sendo interpelados pelos Justices durante a sessão. Após o debate, não há

decisão, se iniciando a etapa mais importante do processo de decisão, com um

“longo e às vezes tormentoso processo de negociação” (BARBOSA MOREIRA,

2003, p.41), no qual o redator do acórdão, designado pelo Chief Justice, é forçado a

acolher críticas e sugestões e, até mesmo, a fazer concessões para garantir o apoio

dos colegas.

Nos Estados Unidos não há obrigatoriedade de motivação das decisões

judiciais, mas a Suprema Corte, em geral, fundamenta suas decisões, exceto

quando anuncia uma decisão sumária, sem a indicação do relator (per curiam). Além

disso, mesmo quando há unanimidade é possível a existência de concurring

opinions, ou seja, um ou mais Justices podem concordar com a decisão, mas

preferem apresentar argumentos próprios. Quando há discordância, é freqüente a

apresentação de dissenting opinions pelos Justices minoritários na decisão.

Quanto ao estilo das opinions, Barbosa Moreira faz a seguinte comparação:

“diversamente do que se dá entre nós, as decisões da Suprema Corte não

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24

costumam citar obras doutrinárias. De ordinário, as citações que se fazem são as de

outras decisões da própria Corte” (2003, p.42-43).

1.4. Breve histórico do instituto americano

O amicus curiae não foi um dos primeiros dispositivos utilizados para a

intervenção de terceiros na Suprema Corte, nem o mais utilizado inicialmente. A

Corte e os demais tribunais, quando percebiam que uma injustiça seria causada por

falta de representação adequada, geralmente permitiam que estranhos interviessem

pelo que foi chamado de "o poder inerente de um tribunal de controlar seus

processos" (KRISLOV, 1963)

Muitas vezes os tribunais se limitavam a conceder o privilégio da

apresentação de memorial "com a autorização da corte". Gradativamente essa

prática passou a ser controlada por um conjunto de regras cada vez mais formais

comunicadas mais ou menos informalmente para os praticantes regulares perante o

tribunal. Foi somente muito mais tarde que estas práticas foram regulamentadas.

A primeira aparição formal de um amicus curiae na Suprema Corte americana

foi no caso Green v. Biddle de 1823, uma decisão relativa à posse da terra no

Kentucky, sem a representação daquele estado. O caso envolvia a tentativa de

Green de remover Biddle de suas terras sem compensação pelas melhorias

efetuadas, que era prevista nas leis do estado do Kentucky. Green se defendia

dizendo que as leis eram inválidas devido a um acordo em que o Kentucky

concordava em seguir as leis do estado da Virginia, onde não havia previsão para a

compensação por melhorias nas terras. Quando o caso chegou à Suprema Corte,

Biddle não apareceu para defender sua causa e a Corte decidiu em favor de Green.

Considerando as repercussões que a decisão iria causar em outros indivíduos em

situação similar a de Biddle, Henry Clay, um candidato presidencial nas eleições de

1824, atuou como amicus curiae em nome do Estado do Kentucky, agindo tanto

como informante da corte, ao levantar a possibilidade da ação ser colusiva, quanto

como um defensor dos cidadãos do estado prejudicado.

O segundo amicus curiae importante para caracterizar o desenvolvimento do

instituto ocorreu quando os justices foram obrigados a decidir se concediam ou não

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25

permissão para o Attorney General24 dos Estados Unidos participar no caso Florida

v. Georgia (1854), após a participação ter sido negada pelos representantes dos

dois estados (KRISLOV, 1963, p.5). A permissão foi concedida, apesar dos quatro

votos contrários que afirmavam ser inadmissível a intervenção da União em matéria

relativa aos Estados. A partir deste caso, a intervenção dos órgãos e agências

governamentais tornou-se predominante na Suprema Corte.

O primeiro caso de uma organização não-governamental levada a atuar como

amicus curiae foi o da Associação Chinesa Beneficente e de Caridade de Nova York

em Ah How v. United States, uma caso de imigração ocorrido em 1904. Vários

outros se seguiram, especialmente por parte da NAACP (National Association for the

Advancement of Colored People) e da ACLU (American Civil Liberties Union).

Outro passo importante no desenvolvimento do instituto foi o famoso

Brandeis-Brief, quase um sinônimo para o memorial de amicus curiae. Em 1908, no

caso Muller v. Oregon, o advogado Louis Brandeis apresentou um brief com duas

páginas dedicadas às questões jurídicas e outras 110 voltadas para os efeitos da

longa duração do trabalho sobre a mulher, inaugurando assim os memoriais com

matéria científica.25

Curiosamente, este não é um “verdadeiro” amicus curiae, porque Brandeis

insistiu em participar do caso como advogado do demandado, temendo que os

membros da Suprema Corte não dessem a devida atenção se ele estivesse na

qualidade de amicus curiae. Posteriormente Brandeis foi designado Associate

Justice da Suprema Corte americana (1916 a 1939).26

A participação de amici curiae atingiu o ápice de notoriedade, e também de

críticas, durante a última metade dos anos quarenta e início dos anos cinquenta.

Embora uma série de casos de natureza fiscal e comercial tenha encontrado no

24 O Attorney General é o chefe do Departamento de Justiça americano. 25 A importância desse memorial é ampliada por Gilmar Mendes quando ele afirma que “o chamado Brandeis-Brief permitiu que se desmistificasse a concepção dominante, segundo a qual a questão constitucional configurava simples ‘questão jurídica’ de aferição de legitimidade da lei em face da Constituição” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3998. Requerente: Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE. Requerido: Congresso Nacional. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, 31 de março de 2008). 26 Brandeis foi o primeiro judeu a ser nomeado para a Suprema Corte e tornou-se um de seus membros mais famosos e influentes. Suas decisões são consideradas algumas das maiores defesas da liberdade de expressão e do direito à privacidade já escritas por um membro da corte. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Louis_Brandeis

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26

amicus curiae um instrumento útil e poderoso, foi o uso do instituto por organizações

de direitos civis que atraiu a atenção e deu notoriedade ao instituto.

Em 1946, de acordo com as estatísticas (KEARNY; MERRILL, 2000 e

EPSTEIN; OWENS, 2005), os amici curiae participavam de pouco mais de 20% dos

casos na Suprema Corte. Em 1971, eles já participavam de mais de 50% e, em

2001, houve a participação de pelo menos um amicus curiae em 95% dos casos.

Atualmente, é raro o caso que não tenha alguma manifestação.

De tudo percebe-se que nos Estados Unidos o amicus curiae é uma

instituição jurídica em constante desenvolvimento. Foi um dispositivo flexível e útil

para lidar com algumas das dificuldades apresentadas pelas características do

common law e do sistema acusatório, permitindo, em especial, a representação de

órgãos governamentais e dos estados americanos.

Além disso, a Suprema Corte dos Estados Unidos contribuiu no

desenvolvimento do amicus curiae como um veículo para a ampla representação de

interesses. Os grupos de interesses fracos nas arenas políticas ou desigualmente

dotados de recursos foram naturalmente os maiores beneficiários deste instrumento

processual.

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27

Capítulo 2 – Configuração Jurídica

São vários os elementos necessários à completa caracterização do amicus

curiae em um determinado ordenamento jurídico, contudo, iremos nos deter em

quatro elementos, ou variáveis, que respondem as seguintes perguntas básicas:

i) quem são os amici curiae que participam dos processos na corte suprema?

ii) por que os amici curiae participam dos processos, ou seja, qual o interesse

em participar de processos dos quais não são parte?

iii) como os amici curiae participam dos processos, ou seja, quais são as regras

e procedimentos que regulam essa participação?

iv) qual a função que os amici curiae exercem na jurisdição constitucional, ou

seja, qual a finalidade de sua existência nos processos perante a corte

suprema?

2.1. Participantes

Com o objetivo de verificar a variedade e os tipos de organizações que atuam

como amici curiae, Caldeira e Wright realizaram uma pesquisa denominada “Amici

Curiae perante a Suprema Corte: quem participa, quando e quanto?27” A pesquisa é

relativa ao ano de 1982, quando 1481 memoriais de quase três mil amici curiae

foram submetidos à corte nas fases de certiorari e de mérito.

A pesquisa apresenta os percentuais de participação de várias formas: pela

quantidade de ações com a presença de, pelo menos, um amicus curiae, pela

quantidade de memoriais submetidos à corte e pela quantidade real de amici curiae,

incluindo todos aqueles que patrocinaram memoriais em conjunto.

Como o único dado disponível em pesquisa brasileira recente (ALMEIDA,

2006) sobre as categorias de amici curiae é baseado na quantidade de memoriais,

iremos utilizar somente esta informação da pesquisa americana para efeito de

comparação na seguinte tabela:

27 Tradução livre do original: Amici Curiae before the Supreme Court: Who Participates, When, and

How Much?

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28

Tabela 1 Memoriais de amici curiae por categoria – Suprema Corte – 198228

Categoria Fase de

Certiorari

Fase de Mérito

Percentual (Fase de Mérito)

Exemplo

Individual 7 37 4% Juízes, legisladores, médicos

Empresas 29 61 6% Mobil Oil, Owens

Corning

Governo 177 215 21% US Solicitor General,

State of Alaska

Associações de Defesa de Direitos

70 322 31% ACLU, Pacific Legal

Foundation, NAACP,

Americans for

Democratic Action

Associações de classe e profissionais

122 283 27% United Mine Workers,

American Sociological

Association

Associações de atividades econômicas

17 47 5% AFL-CIO, Chamber of

Commerce

Outros 25 69 7% Hills College, Baptist

Church

Total 447 1034 100%

Fonte: CALDEIRA; WRIGHT, 1988, p.796

Com base nestes dados iremos analisar os amici curiae que participam de

processos na Suprema Corte americana em três grandes categorias: individuais,

governamentais e os grupos de interesses29, que compreendem as associações de

defesa de direitos, as associações de classe e profissionais e as associações de

atividades econômicas.

28 Também para permitir a comparação, consolidamos alguns tipos de amici curiae da pesquisa americana como, por exemplo, na soma da participação de sindicatos (unions) com outras organizações profissionais e de negócios (business, trade, or professional organization), pelo fato de a pesquisa brasileira ter considerado apenas como associações de classe e profissionais. A tabela original se encontra no anexo B. 29 Collins conceitua grupo de interesse como uma variedade de organizações que buscam pontos comuns através da ação política (2008, p.19).

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29

2.1.1. Os amici individuais

Não há e nem nunca houve qualquer restrição à participação de pessoas

físicas como amicus curiae na Suprema Corte dos Estados Unidos. Não havia,

inclusive, cadastro nos processos com o nome das entidades que atuavam como

amici curiae, mas sim, dos advogados que as representavam perante a corte.

Krislov acredita que a mudança na atribuição do memorial, antes ao

advogado e depois à entidade, é reflexo da suposta mudança de perfil do amicus

curiae:

Anteriormente, o amicus curiae mantinha uma relação essencialmente profissional com a corte e as organizações não eram consideradas como amicus curiae, mas sim o próprio advogado. [...] Na década de 1930, a identificação de uma organização patrocinadora na abertura de um memorial de amicus curiae era bastante comum. A atribuição de um memorial a uma organização desmente o papel de advogado do amicus, mas realmente abraça e ratifica a transformação para seu atual padrão de comportamento e sua nova função. O amicus curiae não é mais uma modalidade neutra e amorfa de justiça, mas um participante ativo na luta dos grupos de interesse (1969, p.7, tradução nossa).

Ainda que esta não seja a principal razão, fato é que os amici individuais

podem, ao contrário do que ocorre no Brasil, participar dos casos perante a

Suprema Corte. A participação atual, entretanto, é em apenas 4% dos casos.

Importante notar que nas pesquisas americanas a participação de juízes e

legisladores é considerada como individual, enquanto nas pesquisas brasileiras é

considerada como manifestação do Estado, assim compreendido em oposição à

Sociedade Civil.30

2.1.2. Os amici governamentais

Outra característica dos amici curiae na Suprema Corte americana é a grande

participação de órgãos governamentais (21%), que possuem tratamento privilegiado,

haja vista que não necessitam solicitar autorização às partes antes da submissão de

seus memoriais, conforme estabelece a Regra 37,4 do Regimento Interno.

30 Eloísa Almeida distingue os amici curiae como representantes do Estado, da Sociedade Civil e do Mercado, neste último considerando apenas as empresas, pois as associações de natureza econômica são também classificadas como sociedade civil, “na medida em que não constituem a atividade econômica propriamente dita, mas a defesa de interesses econômicos no debate público” (2006, p.69).

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30

A União Federal, através do Solicitor General31

, pode atuar de duas formas

perante a Corte: como litigante nas causas em que a União é parte e como amicus

curiae, por iniciativa própria ou a convite da Suprema Corte. Na qualidade de amicus

curiae, o Solicitor General pode atuar tanto no interesse da União quanto como

“fiscal da lei”. Nesse caso se assemelha ao nosso Procurador Geral da República.

Segundo pesquisa de Collins e Nicholson, de 1953 a 1999, o Solicitor General atuou

como amicus curiae em 20% dos casos na fase de mérito que, somados aos mais

de 40% de sua atuação como parte, correspondem a quase 2/3 de todos os casos

na Suprema Corte americana.

É fato que o Solicitor General é um dos mais freqüentes amici curiae a atuar

na Suprema Corte e também aquele que obtém mais sucesso, tendo suas posições

praticamente todas endossadas pela Corte.

No entanto, é evidente que a influência dos memoriais do Solicitor General está longe de ser trivial. Esse fato tem pelo menos duas implicações. Primeiro, ele sugere que a corte pode ser deferente com os interesses do Poder Executivo (ver também Puro,1981; Scigliano,1971; Yates, 2002). Em segundo lugar, e talvez mais importante, sugere que o prestígio dos participantes como amicus curiae pode ser vital para o sucesso na Suprema Corte (COLLINS, 2004, p.827, tradução nossa).

Há quase uma parceria entre o Solicitor General e a Corte Suprema, que

confere ao Governo Americano, como litigante, um status especial na corte. Este

status se traduz no fornecimento de um gabinete para o pessoal do Solicitor General

usar naquele tribunal. Também se reflete nos pedidos para que ele participe como

amicus curiae em casos em que o Governo Americano não seja parte (BAUM, 1987,

p.138). Raramente a Corte requer a participação de outro amicus curiae. Em geral,

requer apenas a participação do Solicitor General que, segundo Collins e Nicholson,

é obrigatória:

Como um ex-funcionário do gabinete do SG salientou, tal pedido "não é um convite. É um convite do rei. Você não pode recusá-lo" (Salokar, 1992, p. 143). Diante disso, quando o SG participa como amicus, a pedido da Corte, na verdade não é por sua própria vontade. Em vez disso, esses convites podem ser vistos como participações obrigatórias de amicus (2008, p.385, tradução nossa).

Assim, o Solicitor General atua tanto na defesa da lei, sendo considerado,

nesta função, o Tenth Justice (CALDEIRA; WRIGHT, 1988, p.115), quanto como

31 A figura americana do Solicitor-General é equivalente ao nosso Advogado-Geral da União quando representa a União perante a corte suprema.

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31

“advogado” do Presidente dos Estados Unidos e responsável pela implementação

de suas políticas.32

Tanto é verdade que os pesquisadores citam como exemplo o caso Regents

of the University of California v. Bakke (1978). Neste caso, o Solicitor General

preparou um memorial de amicus curiae em favor de Bakke, argumentando que a

ação afirmativa da Universidade da Califórnia era inconstitucional. Quando o

memorial foi enviado para consideração pela Casa Branca, a Administração do

Presidente Carter, que tinha anunciado seu apoio para os programas de ação

afirmativa naquele mesmo ano, sinalizou sua insatisfação com o memorial. O

Solicitor General voltou atrás e argumentou em novo memorial que raça poderia ser

levada em consideração para reparar os efeitos da discriminação passada.

Além da União, a participação dos Estados é também bastante significativa.

Segundo Caldeira e Wright, eles correspondem a mais de 50% dos amici curiae

governamentais, confirmando que a atuação da Suprema Corte é claramente do

interesse dos estados federados. Aliás, segundo os autores, isto explica a tendência

de os estados manterem escritórios em Washington for lobbying purposes (1990,

p.794).

2.1.3. Os amici grupos de interesse

Um dos aspectos mais interessantes do processo evolutivo do amicus curiae

nos Estados Unidos é a difusão do seu uso por parte de organizações com

finalidades institucionais as mais diversas. Como exemplo, podemos citar as

associações em defesa de direitos civis e políticos, em defesa do ambiente e do

direito do consumidor, além de outros grupos de interesse mais ou menos

institucionalizados, sociedades científicas, associações profissionais e de categorias.

Para os diversos grupos de interesse, o amicus curiae se apresentou como

uma das alternativas encontradas para influenciar as decisões da Suprema Corte, já

que não era possível fazer lobby diretamente com os juízes americanos da mesma

32 Nas palavras de um antigo Solicitor General, Rex Lee: “uma das finalidades do Solicitor General é representar seu cliente, o Presidente dos Estados Unidos. Uma das maneiras de implementar as políticas do presidente é através das posições tomadas na corte. Quando eu tiver essa oportunidade, vou aproveitá-la” (SALOKAR apud COLLINS; NICHOLSON, 2008, p.390-391).

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32

forma que os grupos de interesses fazem lobby com os legisladores no congresso

americano.

Ao contrário dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, os Justices da Corte

Suprema americana, em geral, procuram evitar contato com os litigantes e com

outros interessados nos resultados de determinados casos. (BAUM, 1987, p.124-

125)

Além dos memoriais de amici curiae, existem outras alternativas que os

grupos de interesses utilizam para influenciar as decisões da corte:

Em primeiro lugar, um grupo pode ajudar a fazer com que casos cheguem à Corte. [...] Em segundo lugar, um grupo pode tentar influenciar as decisões da Corte, seja para aceitar casos ou seja para decidir aqueles que são aceitos através de participação na defesa oral da causa ou do encaminhamento de arrazoados. [...] Quando um grupo não controla um caso, ainda assim pode apresentar arrazoados à Corte através do que é chamado de arrazoados amicus curiae (amigo do tribunal). Com o consentimento das partes de um caso ou por permissão da Corte, qualquer pessoa ou organização pode apresentar um arrazoado amicus para suplementar a argumentação das partes. (BAUM, 1987, p.125)

Barker acrescenta que o patrocínio de processos judiciais é um dos métodos

para a participação voluntária e informal na Suprema Corte, pois permite que

terceiros promovam seus próprios objetivos sem se tornarem partes formais do

processo. O autor cita como exemplo o famoso caso Brown v. Board of Education:

[…] a NAACP pediu à Corte no caso Brown para declarar a segregação racial no ensino público, por si só, inconstitucional. A organização gastou tempo e dinheiro nesse esforço. Ela encorajou e aconselhou demandantes, garantiu peritos como testemunhas, encomendou pesquisas, preparou vários memoriais e, claro, financiou o litígio. Brown é de longe o caso mais caro que a Associação administrou, custando mais de $ 200.000 (1967, p.44-45, tradução nossa).

Silvestri sustenta que a escolha de intervir em um processo “in veste di

amicus curiae” resulta mais conveniente para a associação, por constituir uma

manifestação de ativismo que pode atrair associados e influenciar favoravelmente a

opinião pública, sem requerer o investimento econômico que seria necessário para

promover uma causa com autonomia (1997, p.691-692). Epstein e O’Connor

concordam, afirmando que as “organizações apresentam memoriais de amicus

curiae por uma série de razões, mas a principal delas é a incapacidade de um grupo

em financiar litígios importantes desde a primeira fase no tribunal” (1981-82, p. 313).

Richard Almeida conclui que:

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33

A participação nestes memoriais é uma maneira com relativo baixo custo de os grupos serem ativos no processo político, especialmente em comparação com uma campanha de lobby em larga escala do Congresso, e o exame superficial de sua participação [...] confirma que uma grande variedade e diversidade de grupos são, de fato, ativos no lobby junto à corte através dos memoriais de amici curiae (2003, p.23, tradução nossa).

Almeida, em estudo sobre as coalizões e acordos entre grupos de interesse

para influenciar a Suprema Corte, constatou a existência de 1543 amici curiae

diferentes entre 1999 e 2003, sendo que aqueles mais frequentes (repeat players)

são apenas 52, ou seja, menos de 4% dos amici curiae submeteram mais de sete

memoriais nos quatro anos do estudo. Os amici governamentais não foram

considerados devido ao objetivo do trabalho, mas o autor informa que há a

participação em quase 30% dos casos (2003, p.16-17).

Segundo o cientista político, é notável a variedade e equilíbrio ideológico dos

grupos mais participativos, que incluem conhecidos grupos liberais (American Civil

Liberties Union - ACLU, People for the American Way), grupos conservadores (Cato

Institute, Rutherford Institute), grupos cristãos (Focus on the Family, Christian Legal

Society), grupos judeus (Anti-Defamation League, American Jewish Congress) e

organizações pro-negócios (US Chamber of Commerce, American Association of

Retired Person - AARP). Relativamente poucas associações de classe (National

Association of Manufacturers e American Bar Association) aparecem entre os grupos

mais frequentes e nenhum sindicato conseguiu ficar entre os “top 50”, apesar de

estes grupos participarem regularmente como amicus curiae.

2.2. Interesse do Participante

O interesse do amicus curiae em se manifestar e efetivamente participar de

processo do qual não é parte é um dos aspectos mais controversos e importantes na

sua configuração. O debate na doutrina americana gira em torno da definição quanto

ao necessário desinteresse (ou neutralidade) do amicus curiae em contraponto à

possibilidade de interesse em favor de uma das partes (partidarismo).

Praticamente todos os pesquisadores citam o clássico texto de Samuel

Krislov, The amicus curiae brief: from friendship to advocacy, de 1963, quando

tratam da mudança do chamado “perfil original” do amicus curiae. Segundo Krislov,

por volta dos anos 30, o “instituto do amicus curiae passou da neutralidade ao

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34

partidarismo, da amizade à advocacia” (1969, p.7, tradução nossa). Essa tese,

entretanto, foi contestada por Stuart Banner, que aprofundou a pesquisa em 2003 e

não encontrou um caso sequer de neutralidade do amicus curiae nos primeiros cem

anos da figura processual nos Estados Unidos.

É, portanto, um mito a pretensa neutralidade original do amicus curiae

americano, conseqüência do descompasso entre o nome e a função exercida pelo

terceiro, motivo de tantos jogos de palavras na literatura sobre o assunto.33

Banner sustenta que, ainda hoje, muitos tribunais americanos, inclusive o

influente juiz Richard Posner,34 têm invocado essa pretensa neutralidade original

para não permitir a participação de terceiro como amicus curiae, alegando que

somente os “desinteressados” são elegíveis a se tornarem amici curiae.

Em sua extensa pesquisa, Banner mostra que, quando a participação do

amicus curiae deixou de ser apenas oral para ser escrita, sempre foi uma

participação interessada, ao contrário do entendimento convencional sobre a figura

processual.

(1) Nunca houve na prática americana um período em que um amicus

curiae só foi autorizado a oferecer aconselhamento neutro. Alguns eram amici partidários mesmo no início do século XIX. (2) Amici neutros foram ligeiramente mais comuns do que amici partidários até 1820. A partir de 1830, no entanto, amici partidários que procuram promover os interesses de seus clientes se tornaram muito mais comuns do que amici neutros e assim permaneceram até 1890, término do estudo. (3) Antes da década de 1870, a maioria dos amici neutros não apresenta memoriais escritos. Amici neutros eram quase sempre os advogados que estavam presentes no tribunal, observando as alegações de um caso em que não estavam envolvidos e seus conselhos eram orais e espontâneos. (4) A mudança em meados do século XIX, quando os amici eram muito mais propensos a estarem representando os interesses de um cliente do que oferecendo conselhos desinteressados, foi provavelmente causada pela passagem de uma prática oral a uma prática escrita, e não por qualquer perda de neutralidade por parte dos advogados. Estas conclusões estão em desacordo com o entendimento convencional da história do amicus curiae (2003, p.3, tradução nossa).

De fato, Elisabetta Silvestri entende que os papéis de “advogado” e de

“amigo” da parte coexistem no amicus curiae e isso explicaria o sucesso do instituto.

33 Alguns exemplos: Amigo da Corte ou Amigo da Parte?, When does the party begin after the friends

leave?, Un’Amicizia Interessata, From friendship to advocacy, How friendly are they?, With friends like

these… 34 O Juiz Richard Posner critica fortemente os memoriais de amicus curiae afirmando que eles deveriam ser "friend of the Court, not friend of the party" (FLANGO et al, 2006, p.2-3).

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35

Em conclusão, podemos dizer que a evolução, segundo a qual o amicus

curiae assumiu a função de defensor dos interesses não representados no processo, não levou necessariamente ao abandono do papel neutro que a tradição atribuiu ao amicus: pelo contrário, parece que justamente a coexistência de advocacia, na defesa de pessoas que podem ser prejudicadas pelo resultado do processo, e de amizade desinteressada, nos confrontos da corte, constitua o ponto de força do instituto e represente uma das razões que explicam o seu sucesso (1997, p.693, tradução nossa).

Assim, a dicotomia neutro/partidário não é suficiente para a compreensão do

interesse do amicus curiae no resultado do processo. A possibilidade de

neutralidade absoluta, bem como a exclusividade de interesse próprio, em se

tratando de jurisdição constitucional, são, no mínimo, pouco prováveis, para não

dizer inviáveis.

De acordo com Banner, a distinção entre amici neutros ou partidários seria

muito mais difícil e subjetiva atualmente, quando muitos amici são organizações

ideológicas que poderiam tanto ser caracterizadas como partidárias (quando elas

têm uma visão definitiva sobre o que a lei deveria ser) ou neutras (quando são

indiferentes àquelas partes perante o tribunal). Ele afirma que, antes de 1890, no

entanto, não houve amici institucionais ou ideológicos, com um interesse no

desenvolvimento a longo prazo da lei. Quando o amicus tinha interesse no caso, era

um interesse em quem iria ganhar.

O perfil parcial, partidário ou litigante, tão comum nos Estados Unidos,

também faz sentido na configuração processual do amicus curiae americano, onde a

informação de qual parte está sendo apoiada é um dos requisitos para apresentação

dos memoriais, que devem ser identificados pela cor da capa,35 que tanto pode ser

em apoio ao autor, ao réu e, o que é mais raro, “in support of neither party”36.

É fato que a definição do "interesse" do amicus curiae pela Suprema Corte

nunca foi claramente estabelecida. Embora a corte parecesse exigir que o amicus

demonstrasse um interesse jurídico em comum com uma das partes, a corte apenas

desencorajava a participação como amicus curiae por alguém com apenas um

interesse genérico no resultado do litígio (EPSTEIN; O’CONNOR, p. 36-37).

35 Na Rule 33.1.g do regimento da Suprema Corte americana é estabelecido que as capas verde claro são para os memoriais de amicus curiae em apoio ao autor, peticionário ou apelante e, ainda, quando em apoio a nenhuma das partes. As capas verde escuro são para os memoriais de amicus

curiae em apoio ao réu, demandado ou apelado. 36 Tradução livre: “sem apoio a quaisquer das partes”.

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36

Além disso, tem sido reconhecido há décadas que os interesses partidários

podem também serem “amigáveis”, fornecendo informações úteis, mesmo

beneficiando apenas um dos lados. Assim, a autorização para atuar como amicus

curiae não deveria depender de quão partidário ou interessado ele é ou parece ser

(MUNFORD, 1998, p.1).

Quanto ao interesse público, Elisabetta Silvestre assinala o possível

paralelismo entre a participação em juízo do Attorney General, como amicus curiae,

e os casos em que, no ordenamento jurídico italiano e em outros da Europa

continental, o Ministério Público tem o poder de intervir nas causas que apresentam

aspectos de interesse público. Ela esclarece, no entanto, que o conceito de

interesse público, como é entendido nos ordenamentos de civil law, é mais amplo

que a noção americana de public interest.

2.3. Procedimentos

Antes de 1937 não havia nenhuma regra escrita sobre a apresentação de

memorial de amicus curiae e a permissão da Corte era sempre necessária. A

determinação, neste ano, quanto à obrigatoriedade de as partes litigantes darem

consentimento para os amici privados não fez nenhuma diferença na prática, pois,

antes mesmo da adoção de qualquer regra, era procedimento padrão solicitar

permissão às partes. Na falta desse consentimento, a permissão era facilmente

obtida da Corte em quase todos os casos, tanto antes, como após o

estabelecimento da regra.

As regras concernentes à participação de amicus curiae permaneceram

essencialmente as mesmas desde que foram adotadas pela primeira vez em 1939

no regimento interno da Suprema Corte – Rules of the Supreme Court of the United

States (Anexo 1), mesmo ano, aliás, em que foi admitida a intervenção de terceiros

nas Federal Rules of Civil Procedure.

Durante os setenta anos de existência das regras para participação de amici

curiae na Suprema Corte, ocorreram apenas três mudanças importantes em 1949,

1954 e 1998. Contudo, mais importante foram as mudanças ocorridas na prática,

que tiveram conseqüências desastrosas para o instituto durante alguns anos.

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37

Em 1949 a Corte enfatizou que o consentimento das partes era um

requerimento necessário, além de reforçar os procedimentos que dificultavam que

um memorial fosse submetido à Corte sem o devido consentimento.

A partir deste momento, a Corte passou a negar praticamente todos os

pedidos que não apresentassem o consentimento das partes. O Solicitor-General,

que é parte na maioria dos casos perante a Suprema Corte, entendeu a nova atitude

como um sinal para que negasse todos os pedidos de participação de amici curiae,

diminuindo a carga de trabalho da corte e, assim, passou a não mais admitir

qualquer participação de amicus curiae.

A redução foi drástica no período, o que significou a diminuição de 118

memoriais em 1949 para apenas 34 memoriais em 1953 (COLLINS, 2008, p.43).

Atualmente, as regras permitem a participação praticamente ilimitada de amici

curiae. A corte até gostaria de negar a participação de tantos para evitar a grande

quantidade de documentos que acompanham esses memoriais. Entretanto, os

autores americanos (COLLINS, 2008, p.45 e EPSTEIN; O’CONNOR, 1983, p.41)

acreditam que os Justices não optam por políticas que limitem a participação dos

amici porque são realmente beneficiários da assistência deles.

Epstein e O’Connor constataram que 11% dos requerimentos (motions for

leave to file an amicus brief) submetidos à corte, após terem sido negados pelas

partes, também foram indeferidos pela Suprema Corte de 1969 a 1981, sendo que,

parte deles, por serem intempestivos (untimely). As autoras concluem que a corte

não utilizou a possibilidade de indeferir a participação de amici curiae de forma

rotineira, nem para diminuir a demanda de trabalho (1983, p. 41). Segundo as

autoras, a corte acredita que a utilidade do amicus curiae supera o seu impacto

sobre a demanda de trabalho.

2.3.1. As regras da Suprema Corte

A Regra 37, Brief for an Amicus Curiae, é a regra principal e se encontra na

Parte VII, concernente às práticas e aos procedimentos perante a Suprema Corte,

mas existem outras regras relativas à participação de amici curiae no regimento

interno. A regra específica tem seis parágrafos que contêm:

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38

37.1 Os requisitos para submissão do memorial, que são apenas dois: matéria

relevante e nova, ou seja, matéria ainda não trazida à atenção da Corte pelas

partes.

37.2 As regras para submissão de memoriais na denominada “fase de petição”

(petition stage) ou fase do certiorari, ou seja, antes da Corte decidir se vai

apreciar ou não o caso.

37.3 As regras para submissão de memoriais na fase do mérito.

37.4 A exceção à regra do prévio consentimento das partes quando o memorial for

submetido em nome dos Estados Unidos e de qualquer de suas agências

administrativas; em nome de um estado, da commonwealth37, de território ou

possessão ou em nome de uma cidade, condado ou entidade semelhante.

37.5 As regras quanto ao pagamento de taxas e quanto às exigências previstas em

outras partes do regimento, além de estabelecer o limite de 1500 palavras para

a petição (motion) que requer à Corte a submissão do memorial (brief).

37.6 As regras quanto à identificação das contribuições monetárias das partes e de

qualquer outra pessoa, que não seja o amicus curiae, seus membros ou

advogados, para a preparação e submissão do memorial. A regra obviamente

excepciona os memoriais dos amici curiae governamentais.

A Regra 37.1 requer expressamente que o amicus curiae apresente material

não somente relevante para a controvérsia, mas, sobretudo, ainda não apresentado

pelas partes. Por este motivo, Silvestri conclui que não é necessário estabelecer se

a “ajuda” prestada pelo amicus curiae seja endereçada a sustentar as razões de

qualquer das partes. Afinal, considera-se apenas a novidade das questões fáticas e

das teses jurídicas apresentadas pelos amici.

As Regras 37.2 e 37.3 possuem dois subparágrafos e ambas requerem o

prévio consentimento das partes, por escrito, para submissão do memorial e, na

ausência de consentimento, a petição à Corte indicando qual parte não consentiu e

a natureza do interesse do requerente. Ressalte-se que a norma se limita a requerer

genericamente que ele identifique o interesse que justifica sua participação em juízo,

sem precisar qual a natureza de tal interesse (SILVESTRI, 1997, p. 682). 37 Existem atualmente duas áreas insulares dos Estados Unidos classificadas com o estatuto de comunidade (Commonwealth): Ilhas Marianas do Norte e Porto Rico.

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39

Além disso, a Regra 37.3 trata da fase de mérito, mas dá a impressão de

tratar apenas da submissão de memoriais para sustentação oral.38 Essa impressão é

desfeita no índice temático que denomina de Briefs on merits e com a Regra 28, que

trata exclusivamente da sustentação oral na Suprema Corte.

2.3.2. Contribuições monetárias

A Regra 37.6 foi adotada em 1997 e é provavelmente a alteração mais

importante da regulamentação formal quanto à participação do amicus curiae desde

1939. Ela exige a divulgação das relações entre as partes no processo e qualquer

pessoa ou entidade que submete memoriais de amicus curiae.

Esta regra estabelece que cada memorial de amicus curiae informe na

primeira nota de rodapé na primeira página de texto "se os advogados das partes

autorizaram o memorial no todo ou em parte”, assim como a identidade de "toda

pessoa física ou jurídica, seus membros ou seus advogados, além do próprio amicus

curiae, que fizeram contribuições monetárias para a preparação ou submissão do

memorial” (KEARNEY; MERRILL, 2000). Afinal, os custos são extremamente altos,

como informam Caldeira e Wright:

Dos conselhos de várias organizações de grande porte com sede em Washington, DC, obtivemos as estimativas dos custos externos de preparação de um amicus curiae na fase de certiorari. Suas estimativas caíram consistentemente na faixa entre US$ 15 mil e 20 mil dólares por um único memorial preparado por uma firma de advocacia conceituada. Um deles sugeriu que tinha pagado por volta de $ 60.000. Assim, até mesmo as organizações com um grande orçamento para litígio não podem e não submetem memoriais de amicus curiae de forma descuidada (1988, p.1112, tradução nossa).

Kearney e Merrill apresentam como possíveis motivos para esta mudança nas

regras as seguintes ponderações: a) os justices simplesmente querem saber se os

memoriais são escritos ou financiados por uma das partes; b) refletem uma

percepção dos justices de que algumas partes estão financiando ou ghost-writing39

os memoriais para fugir do limite de páginas que se aplicam às partes; c) refletem

uma preocupação crescente por parte dos justices de que os memoriais estão sendo

38 As regras da Suprema Corte podem ser consultadas no Anexo B. 39 Ghost-writer ("Escritor-fantasma", em inglês) é como se chama à pessoa que, tendo escrito uma obra ou texto, não recebe os créditos de autoria - ficando estes com aquele que o contrata ou compra o trabalho.

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40

manipulados para criar uma falsa impressão de amplo apoio político para uma

determinada posição.

2.3.3. Sustentação oral

A Regra 28 do Regimento Interno da Suprema Corte americana trata dos

procedimentos para sustentação oral e, da mesma forma que as partes, o amicus

curiae necessita inicialmente ter o memorial recebido pela Corte, o que se encontra

previsto na Regra 28.6: “oral argument will not be allowed on behalf of any party for

whom a brief has not been filed.”

A Regra 28.7 estabelece que o advogado de um amicus curiae pode

sustentar oralmente em favor de uma parte, com o consentimento desta parte. Na

ausência de consentimento, o advogado de um amicus curiae pode requerer à corte

para sustentar oralmente, por meio de petição, estabelecendo específica e

concisamente porque a sustentação oral irá colaborar com a corte, o que de outra

forma não estaria disponível. A regra alerta que este tipo de requerimento será

autorizado apenas em circunstâncias excepcionais.

Esta regra dificulta a sustentação oral pelos amici curiae, com a exceção dos

amici governamentais, e significa que as barreiras para um amicus curiae participar

de um caso são pequenas se comparadas com as barreiras para sustentar

oralmente perante a Suprema Corte (JOHNSON; ROBERTS, 2003, p.8).

Por este motivo, a sustentação oral por parte de amici curiae na Suprema

Corte é muito rara, ocorrendo apenas em 7% dos casos submetidos à corte,

segundo pesquisa realizada por Johnson e Roberts, que assim justificam:

[…] os juízes são geralmente relutantes em aumentar o tempo estipulado para a sustentação oral em um caso, porque o recurso mais precioso da Corte – o tempo - é limitado. Como conseqüência, se uma parte não está disposta a ceder pelo menos um terço de seu tempo - o que a maioria dos litigantes não está disposta a fazer - os amici são simplesmente proibidos de comparecerem nesses procedimentos (2003, p.8, tradução nossa)

De acordo com as regras, se as partes consentissem, a Corte não poderia

impedir a sustentação oral pelos amici curiae. Entretanto, são os advogados das

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partes que, em 74% dos casos, não aceitam compartilhar a meia hora concedida a

cada lado para sustentar40.

De acordo com Collins, geralmente a participação do amicus curiae se

encerra com a apresentação dos memoriais:

Em geral, uma vez que a permissão para apresentar um memorial de amicus é concedida, o memorial é juntado aos autos e o envolvimento do amicus curiae no processo termina. Assim, ao contrário dos intervenientes, que estão vinculados ao resultado do julgamento, os amici não são afetados além das ramificações mais amplas do processo. No entanto, em raras ocasiões, aos amici pode ser concedido tempo para alegações pela Corte, em geral, apenas com o consentimento das partes (2004, p.809).

Roberts e Johnson, em pesquisa recente, constatam que a presença de amici

curiae na sustentação oral influencia de fato o resultado do julgamento, com o lado

apoiado pelos amici ganhando em 72% dos casos (2009, p.47). Nos casos com

várias disposições legais, nos casos com um número grande de amici curiae e nos

casos em que o Solicitor General foi convidado a participar, há maior chance de

contarem com amici curiae na sustentação oral.

Também aumenta a chance de amici curiae sustentarem oralmente quando

os advogados das partes não são experientes na Suprema Corte e terminam por

ceder seu tempo para os advogados bem mais experientes de grupos de interesses

que estão atuando como amicus curiae:

Talvez o mais interessante, porém, é o papel da experiência prévia dos advogados na Suprema Corte. Quando os advogados de ambas as partes nunca apareceram perante a Corte, a probabilidade de que o caso terá amici na sustentação oral mais do que duplica (ROBERTS, 2009, p. 16).

Afinal, no momento da sustentação oral, a experiência diante dos nove

Justices faz muita diferença. Na pesquisa anterior, Johnson e Roberts apontam que

apenas 14 advogados sustentaram 51% dos casos na Suprema Corte em 1979

(2003, p.42).

40 Segundo Johnson e Roberts, “isso demonstra que entre os casos nos quais os amici participam da sustentação oral, a Corte não é normalmente envolvida na decisão se eles estão autorizados a participar. Especificamente em 74% dos casos, os litigantes tomam a decisão, enquanto em apenas 26% a Corte decide (2003, p.12, tradução nossa).

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42

2.4. Função

Na doutrina americana, podemos encontrar três funções para o amicus curiae

que não são mutuamente excludentes: função informativa, função estratégica e

função lobista.

2.4.1. Função informativa

A função esperada é a função informativa. Silvestri associa esta à função

originária do amicus curiae como um terceiro que presta assistência no exclusivo

interesse da Corte e da Justiça. Em suas palavras:

[...] o amicus curiae desempenha uma importante função fornecendo ao tribunal o conhecimento adequado da realidade (social, econômica, etc.) da qual nasce e na qual vive um determinado "caso", de modo que, de tal conhecimento, advenha uma decisão mais "informada" e, portanto, mais "justa": uma função não substancialmente diferente daquela originalmente destinada ao amicus reconhecido como um terceiro que presta assistência à corte, no interesse dessa última e da justiça (1997, p.693, tradução nossa).

Basicamente, o memorial traz vários tipos de informação fática ou jurídica à

atenção da Corte e, mesmo quando há repetição, o memorial é útil, pois reforça o

argumento ou “reflete o sabor de ‘grupo de combate’ nesses memoriais” (BARKER,

1967, p.62). 41

A apresentação de um memorial de amicus curiae, além da qualidade ou capacidade de persuasão dos argumentos apresentados, fornece aos juízes a indicação do conjunto de forças sociais em jogo no litígio. Em Bakke v.

Regents of the University of California, por exemplo, a Corte recebeu 57 memoriais de “amigos” e, sem dúvida, obteve um vívido retrato de quais interesses estavam em risco (CALDEIRA, 1988, p.1111, tradução nossa).

A função informativa tem no Brandeis-brief seu melhor exemplo, como aponta

Lucius Barker:

Basicamente, o memorial de amicus curiae é um mecanismo através do qual vários tipos de informações são levados ao conhecimento da Corte. Em muitos aspectos, serve a propósitos semelhantes àqueles para os quais o famoso memorial Brandeis foi projetado. Por um motivo, o memorial inclui a quantidade de dados factuais que são as vezes necessários para a tomada de decisão racional, especialmente quando os juízes são confrontados com questões com ampla ramificação político-social. Esta, então, é uma função de informação do amicus, o papel de encontrar o fato (1967, p.54, tradução nossa).

41 Tradução livre do original: reflects the "group combat" flavor of these briefs.

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43

Segundo o autor, os dados fornecidos pelo amicus curiae permitem à Corte

ver a controvérsia na mesma perspectiva que as outras arenas de decisão sobre

políticas públicas, como o Congresso, além de chamar atenção da inabilidade ou

falta de vontade de outras instituições governamentais para lidar com questões

político-sociais prementes.

Importante ressaltar que os amici curiae podem contribuir para decisões

consequencialistas da Suprema Corte ou, nas palavras de Barker, o memorial “não

só confere aos juízes uma "sensação" da polêmica da mesma forma que aos outros

tomadores de decisão, mas pode também permitir-lhes avaliar melhor as prováveis

consequências de suas ações” (1967, p.57-58, tradução nossa).

Spriggs e Wahlbeck, em estudo específico sobre o papel informativo do

amicus curiae na Suprema Corte, sustentam que a visão convencional de que os

memoriais apresentam novas informações, consideradas úteis pela Corte, pode não

corresponder à realidade. Em seu trabalho, apontam estatísticas de que, pelo menos

no período estudado (1992), 36% e 29,7% dos memoriais em favor dos autores e

dos réus, respectivamente, continham apenas reiteração de argumentos, ou seja,

nada de novo.

Ainda quanto à função informativa, Collins efetuou pesquisa para verificar se

os memoriais de amicus curiae apenas informavam à corte quem seria afetado pela

decisão ou se realmente traziam informação relevante à solução da controvérsia.

Em suas palavras:

Neste estudo, foram examinadas duas teorias a respeito de porque amici

curiae podem aumentar o sucesso do litigante. A primeira, a hipótese de grupos afetados, sustenta que os amici são eficazes porque eles sinalizam para a Corte que uma ampla variedade de pessoas fora do processo será afetada pela decisão da Corte. Assim, independentemente da origem científica, jurídica ou política das informações que os memoriais contêm, esta hipótese afirma que é simplesmente o número de organizações presentes em um memorial que deve influenciar a decisão da Corte. A segunda, a hipótese da informação, afirma que os amici são eficazes, não porque sinalizam quantos grupos serão afetados pela decisão, mas porque eles fornecem aos litigantes a informação científica, jurídica ou política adicional em apoio dos seus argumentos (COLLINS, 2004, p.808, tradução nossa).

O autor conclui que a influência exercida pelos amici curiae é, de fato,

explicada pela qualidade da informação fornecida à corte.

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44

2.4.2. Função estratégica

Para Krislov, o amicus curiae desempenha uma função estratégica nos casos

onde os pontos de vista fundamentais são adequadamente representados pelas

partes e o amicus curiae pode desempenhar um papel valioso por meio da

introdução de variações sutis do argumento básico ou mesmo de argumentos

emotivos e questionáveis que podem acabar resultando em uma sentença bem-

sucedida, mas que são muito arriscados para serem abraçados pelos litigantes

principais.

Argumentos que podem contrariar os Justices, doutrinas que ainda não

tenham sido legalmente aceitas e apresentações emotivas podem ser melhor

utilizadas na maioria dos casos pelos amici curiae em vez de pelas partes. Krislov

cita como exemplo a NAACP que sugeriu ignorar o precedente Plessy v. Ferguson42

em Henderson v. United States43 (1969, p.11). Assim, a função do amicus curiae

pode ser vista simplesmente como um endosso ou pode ser vista também como

parte das estratégias complementares à disposição dos litigantes principais.

2.4.3. Função lobista

A função predominante para os cientistas políticos explica a verdadeira

indústria para produção de memoriais de amici curiae atualmente existente e que

tem por objetivo influenciar as cortes em uma espécie de lobby judicial nas causas

de grande repercussão.

Em 1963 Krislov já mostrava que o memorial de amicus curiae fornecia a

contrapartida judiciária da prática do lobby no Congresso e das audiências públicas

no processo legislativo. Em 2007, Kay Schlozman, acrescenta que:

42 PLESSY v. FERGUSON, 163 U.S. 537 (1896) é o caso em torno da constitucionalidade de lei do estado da Louisiana, aprovada em 1890, que previa vagões separados nos trens para brancos e negros. 43 HENDERSON v. UNITED STATES, 339 U.S. 816 (1950) é o caso envolvendo uma ferrovia interestadual em que os carros-restaurantes eram divididos de forma a colocar dez mesas exclusivamente para passageiros brancos e uma mesa exclusivamente para passageiros negros, com uma cortina separando a mesa reservada para os negros. Thurgood Marshall apresentou memorial pela NAACP - National Association for the Advancement of Colored People em apoio ao apelante, Mr. Henderson. Thurgood Marshall foi o primeiro negro na Suprema Corte Americana.

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45

Como uma forma de defesa de interesses organizados, os memoriais de amici curiae são a expressão da voz política. Nesse sentido, podem ser pensados como a contrapartida judiciária do lobby legislativo. No entanto, ao contrário dos lobistas legislativos que podem aumentar sua influência acrescentando incentivos – especialmente as doações de campanha – os memoriais de amici não podem oferecer nada além de um argumento convincente (2007, p.4-5, tradução nossa).

Além disso, as atitudes, práticas e regras da Corte, relativas à concessão de

permissão para os amici, podem indicar a extensão na qual a Suprema Corte deseja

se envolver no que alguns autores chamam de atividades “quase-legislativas”, e

assim afastar-se de um papel limitado na resolução adversarial de litígios.

Epstein e O’Connor ensinam que Arthur Bentley foi, em 1908, o primeiro

cientista social a estudar a influência de grupos no judiciário, mas, segundo as

autoras, foi David Truman o primeiro a avaliar minuciosamente o lobby no judiciário

americano (The Governmental Process, 1951), quando ele estabeleceu a relação

entre as arenas legislativa e judicial, concluindo que os grupos buscam reparação

nos tribunais quando há diminuição de sua influência em outras arenas políticas

(1981-82, p.311-312).

Collins e Solowiej concluem em sua pesquisa sobre o counterative lobbying

na Suprema Corte que, como os ramos eleitos do governo, a arena judicial é vista

como um campo de batalha para as políticas públicas, onde as organizações se

chocam na tentativa de gravarem suas preferências políticas na lei (2008, p.28).

Ao contrário da doutrina brasileira, a função democrática é citada por um

autor americano apenas: Joseph Fred Benson em seu artigo em defesa do amicus

curiae no jornal da American Bar Association (ABA),44 escrito para confrontar com o

artigo de Kurland e Hutchinson que sugerem eliminar os amici curiae com o objetivo

de diminuir a sobrecarga dos tribunais americanos, especialmente da Suprema

Corte.45

De acordo com Benson, “com o aumento crescente nos litígios de direito

público, nos quais as questões de interesse público têm um impacto direto ou

indireto sobre os não-representados, o amicus curiae pode exercer uma função

democrática” (1984, p. 16, tradução nossa). Kurland e Hutchinson, por sua vez,

44 A ABA corresponde a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). 45 Na introdução do artigo, afirma-se que “tem sido sugerido que a Suprema Corte, bem como outros tribunais, podem reduzir a sobrecarga de trabalho eliminando as alegações apresentadas por estes amigos da corte” (KURLAND; HUTCHINSON, 1984, p. 16, tradução nossa)

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46

ironizam a função dos amici curiae: “Os memoriais de amicus curiae não podem ser

considerados totalmente sem efeitos benéficos. Eles, por exemplo, frequentemente

servem como fonte de renda para professores de direito com muita necessidade de

suplementação salarial” (1984, p. 16).

Kurland foi assistente do Justice Frankfurter e Hutchinson, dos Justices White

e Douglas na Suprema Corte americana, além de serem os editores do anuário

Supreme Court Review.

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47

Capítulo 3 – Caso-referência: “Cotas” nas universidades americanas

3.1. Ação afirmativa

O termo ação afirmativa tem origem nos Estados Unidos dos anos 60, após o

movimento pelos direitos civis, quando se passou a exigir que o Estado, além de

garantir leis anti-segregacionistas, viesse também a assumir uma postura ativa para

a melhoria das condições da população negra.

Segundo Sabrina Moehlecke (2002, p. 199), a ação afirmativa não ficou

restrita aos Estados Unidos e, na Europa, as primeiras orientações nesse sentido

foram elaboradas em 1976, utilizando-se a expressão ação ou discriminação

positiva.

Ação afirmativa, ou discriminação positiva, consiste em uma ação ou

programa governamental, que concede tratamento diferenciado a minorias étnicas,

raciais ou sexuais em áreas como o mercado de trabalho, com a contratação,

qualificação e promoção de funcionários; o sistema educacional, especialmente o

ensino superior; e a representação política.

As ações afirmativas partem da premissa que tratar pessoas de fato desiguais

como iguais, somente amplia a desigualdade inicial entre elas. A ideia é de

restituição de uma igualdade que foi rompida ou que nunca existiu. As práticas

discriminatórias, ao contrário, têm como objetivo estabelecer uma situação de

desigualdade entre determinados grupos.

Nos Estados Unidos, a primeira vez que a Suprema Corte enfrentou a

questão da utilização do critério de raça para ingresso no ensino público superior foi

em 1978 no famoso caso Regents of University of California v. Bakke. Neste caso, o

programa de admissão reservava 16 de 100 vagas em uma faculdade de medicina

para membros de minorias. A decisão produziu seis votos separados, nenhum deles

majoritário e a regra de que as universidades podem usar raça como um fator nas

admissões, mas não podem criar cotas, corresponde apenas ao voto do relator,

Justice Lewis Powell. Esta decisão apenas estabeleceu que a fixação de cotas era

inconstitucional, deixando em aberto como o “fator raça” poderia ser considerado

nas admissões pelas universidades.

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48

Durante vários anos, as decisões da Suprema Corte em ações afirmativas

não estabeleceram nenhum padrão de revisão constitucional e não se firmaram

como jurisprudência, mas apenas apontaram uma série de fatores a serem levados

em consideração, tais como, se os programas de admissão das universidades eram

rígidos ou flexíveis, se operavam com cotas, se foram criados por lei, etc. Somente

em 1989, no caso City of Richmont v. J.A. Croson Co46, a corte estabeleceu um

padrão de revisão (standard of review), ou seja, qual o nível de controle de

constitucionalidade a ser exercido nas ações afirmativas, demonstrando a

importância que a matéria adquiriu ao ser definido o controle mais rigoroso (strict

scrutiny).

Existem três padrões de revisão judicial utilizados pelos tribunais americanos

para controle de constitucionalidade: revisão básica racional, controle intermediário e

controle rigoroso (rational basis review, intermediate scrutiny, strict scrutiny). Os

padrões são utilizados para medir o interesse em face de um direito ou princípio

constitucional que entra em conflito com a forma como este interesse esta sendo

perseguido no caso concreto. Assim, para uma ação ou programa que diferencia

pessoas utilizando o critério de raça ser considerado constitucional, é necessário

que seja submetido ao controle rigoroso, que irá verificar se o interesse estatal é

convincente e se a ação é sob medida para se atingir tal interesse.

Apesar do controle mais rigoroso e, após duas décadas do caso Bakke, a

incerteza quanto à constitucionalidade das ações afirmativas por universidades

públicas ainda permanecia, dependendo, por exemplo, de detalhes dos programas

de admissão das universidades, permitindo que, enquanto um programa fosse

aceitável, outro poderia não ser. Por este motivo, Cass Sunstein afirma que a

Suprema Corte, com suas decisões minimalistas47, ajudou a nação a “ficar de olho”

na questão das ações afirmativas, pelo menos até o caso Grutter.

46 O caso Croson versava sobre um programa da cidade de Richmond, Virginia, que dava preferência em 30% dos contratos municipais de obras públicas às empresas de propriedade de minorias. 47 O minimalismo é uma teoria da decisão judicial de Cass Sunstein que, em síntese, procura restringir a decisão apenas às questões indispensáveis para a justificação do caso sob exame, evitando os debates amplos e profundos sobre temas políticos ou morais que dividem opiniões na sociedade.

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49

3.2. Grutter v. Bollinger

Em 1996 Barbara Grutter, uma estudante branca, tentou o ingresso na

Faculdade de Direito com pontuação de 3.8 GPA (Grade Point Average) e 161 LSAT

(Law School Admission Test). Em Yale, a média atual dos aprovados é 173 LSAT e

um GPA acima de três é considerado bom.

Por não ter sido admitida, Grutter ingressou com uma ação em face da

Universidade de Michigan e de seu decano (Lee Bollinger), entre outros48,

questionando a política da universidade pública que considera raça como critério de

admissão, alegando que esta política, ao incentivar a diversidade do corpo

estudantil, viola os seus direitos constitucionais a igual proteção. A District Court for

the Eastern District of Michigan decidiu que considerações raciais ou étnicas nas

decisões de admissão são contrárias à lei e condenou o uso da raça como critério

nas decisões de admissão da faculdade de direito. A apelação da universidade foi

endereçada a Court of Appeals for the Sixth Circuit, que reverteu o julgamento da

corte distrital e cassou a liminar concedida.

O certiorari foi admitido e, em julgamento que durou apenas três meses –

01/04/2003 a 23/06/2003 –, a Suprema Corte americana decidiu que: (1) a faculdade

de direito tem um interesse convincente em manter um corpo docente diversificado e

(2) seu programa de admissão é feito sob medida para atender este interesse

convincente em obter benefícios educacionais que derivam de um corpo docente

diversificado e que tal fato não viola a cláusula de igual proteção.

Segundo Cass Sunstein, no artigo Affirmative Action in Higher Education: Why

Grutter Was Correctly Decided, a Suprema Corte deve ser elogiada pela sua

contenção (judicial restraint) nesse caso. Para o constitucionalista americano, o caso

Grutter forneceu parâmetros para definir quando ações afirmativas baseadas em

critérios de raça podem ser utilizadas nos programas de admissão nas faculdades

de direito, mas se absteve de explicar quando outras instituições educacionais

podem fazer uso de ações afirmativas para assegurar os benefícios educacionais

advindos de um corpo estudantil racialmente diverso. 48 Bárbara Grutter foi a autora da ação em face dos seguintes réus: Faculdade de Direito da Universidade de Michigan, Universidade de Michigan, Lee Bollinger (decano da faculdade e depois presidente da universidade), Jeffrey Lehman (decano da faculdade) e Dennis Shields (diretor de admissão da faculdade).

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50

Ao deixar algumas questões em aberto no caso Grutter, a decisão da corte

manteve a postura minimalista dos casos anteriores e, dessa forma, a Suprema

Corte ainda não decidiu, de forma ampla e abstrata, se as ações afirmativas nas

instituições de ensino superior nos Estados Unidos são constitucionalmente

permitidas.

3.3. Participação de amici curiae

O caso Grutter v. Bollinger foi recordista (ROBERTS, 2008, p.14) na

participação de amici curiae com 84 memoriais apresentados por faculdades,

universidades, associações de alunos, de professores, empresas, entre outros, além

de quase 20 memoriais apresentados por indivíduos.

O recorde anterior era também de uma ação afirmativa, Regents of the

University of California v. Bakke, que contou com 54 memoriais de amici curiae.

Com tantos memoriais e, segundo alguns autores, devido à qualidade deles49,

não é surpresa que vários tenham sido citados na decisão do caso.50 Aliás, alguns

autores consideram a influência de amici curiae pela quantidade de vezes em que

são citados nas opinions. Collins alerta, entretanto, que este não é um dado

suficiente, pois muitas vezes os juízes aceitam os argumentos dos amici curiae, sem

citá-los diretamente nas decisões.51

Na decisão de Grutter v. Bollinger, a relatora, Justice Sandra Day O’Connor52

citou diretamente oito amici curiae como, por exemplo, o memorial do Amherst

College et al. que reforça seu argumento de que "as universidades públicas e

49 Segundo Epstein e Owens, “à luz do grande número de participantes, sem mencionar a qualidade de, pelo menos, algumas das alegações apresentadas, não é nenhuma surpresa que a relatora do voto majoritário, Sandra Day O'Connor, tenha feito inúmeras referências aos memoriais de amicus curiae (2005, p.131) 50 Os seguintes amici curiae foram citados na decisão: Judith Areen et al., Amherst College et al., American Educational Research Association et al., 3M et al., General Motors Corp., Julius W. Becton, Jr. et al., United States, Association of American Law Schools, Law School Admission Council, National Urban League et al., Harvard Black Law Students Association et al. 51 De acordo com Collins, “uma segunda medida da influência do amicus curiae na corte consiste em contar as citações dos memoriais nos votos dos juízes. No entanto, esse "indicador contundente" não deixa de apresentar seus problemas. Os juízes podem, por exemplo, adotar argumentos ou responder aos amici sem fazer uma citação direta ao memorial (2003, p.5). 52 Sandra Day O’Connor foi a primeira mulher na Suprema Corte americana, onde ingressou em 1981. Ela se aposentou em 2006.

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privadas de toda a nação modelaram os seus próprios programas de admissão de

acordo com os pontos de vista do Justice Powell [em Bakke] sobre as políticas

raciais permitidas".

Da mesma forma e para reforçar o argumento de que a diversidade do corpo

estudantil promove benefícios na aprendizagem, O'Connor citou o memorial da

American Educational Research Association da seguinte forma:

A alegação da Faculdade de Direito de um interesse convincente é ainda reforçada pelos seus amici, que apontam para os benefícios educacionais que decorrem da diversidade do corpo estudantil. Além dos estudos e relatórios dos peritos que foram apresentados no julgamento, vários estudos mostram que a diversidade do corpo estudantil promove resultados na aprendizagem e “melhor prepara os alunos para um mercado de trabalho e uma sociedade cada vez mais diversificados, e como profissionais”.

Contudo, as citações mais famosas e importantes nesta decisão foram as

relativas aos memoriais apresentados por grandes empresas americanas listadas

entre as 500 maiores da revista Fortune, como a General Motors e a 3M, e os

memoriais de oficiais aposentados e de líderes civis do exército americano.

A participação das empresas trouxe para o debate uma nova linha de

argumentação quanto aos efeitos benéficos da diversidade fora da universidade. De

acordo com O’Connor, “os benefícios [da diversidade] não são teóricos, mas reais,

como as maiores empresas americanas deixaram claro ao afirmar que as

habilidades necessárias no crescente mercado global somente podem ser

desenvolvidas através da exposição aos mais diversos tipos de pessoas, culturas,

idéias e pontos de vista”.

A participação dos militares demonstrou que a diversidade no contexto militar

também é essencial para que “cumpram sua principal missão de garantir a

segurança nacional” e, para cumprir esta missão, eles também são seletivos no

recrutamento e nas políticas de admissão para a formação de um corpo de oficiais

altamente qualificado e racialmente diversificado.

Lynch acrescenta que:

A vasta gama de organizações que participaram dos casos Michigan incluíram a American Educational Research Association, a American

Psychological Association, e a American Sociological Association, que apresentaram "provas das ciências sociais sobre as questões constitucionais centrais da ação afirmativa" em seus memoriais. O memorial da Sidley Austin Brown & Wood apresentado em nome dos líderes militares aposentados (incorretamente chamado de memorial "Carter Phillips" por vários ministros, durante as alegações), foi, indiscutivelmente, fundamental

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52

na decisão, haja vista que a juíza Sandra Day O'Connor citou o memorial pelo nome em sua opinião majoritária e no resumo verbal da decisão - uma prática rara (2004, p.34).

A participação do Governo Americano como amicus curiae se deu em apoio à

estudante e, portanto, contrária à ação afirmativa. Entretanto, a Justice O’Connor

aproveitou a argumentação do Solicitor General de que "assegurar que as

instituições públicas estão abertas e disponíveis a todos os segmentos da sociedade

americana, incluindo pessoas de todas as raças e etnias, representa um objetivo

primordial do governo” para sustentar que a participação efetiva de membros de

todos os grupos raciais e étnicos na vida cívica da nação é essencial se o sonho de

uma nação indivisível é para ser realizado.

Ela acrescenta, com base em um precedente (Sweatt v. Painter, 339 U. S.,

1950), que as universidades e, em particular, as faculdades de direito, representam

o campo de treinamento para um grande número de líderes da Nação. E, neste

ponto, a Justice O’Connor utiliza o memorial de amicus curiae da Association of

American Law Schools na função informativa, acrescentando que indivíduos com

formação em direito ocupam cerca de metade dos governos estaduais, mais de

metade dos assentos no Senado Federal e mais de um terço dos assentos na

Câmara dos Deputados dos Estados Unidos.

Ainda na função informativa, porém relativa à quantidade de interessados na

decisão, no caso Grutter encontramos um memorial com a assinatura de 13.922

estudantes de direito de todo o país. Este tipo de memorial, praticamente um abaixo-

assinado, serve para comunicar à corte que um grande número de indivíduos pode

ser afetado pela decisão. O memorial dos estudantes em apoio à ação afirmativa

não foi citado em nenhuma das opinions.

Da mesma forma que indivíduos, a participação de um grande número de

organizações patrocinando em conjunto os memoriais não acrescenta informação

jurídica, política, social ou científica, mas sinaliza para a corte que um grande

número de grupos de interesses e seus membros serão atingidos por aquela

decisão (COLLINS, 2004, p. 811-812), desequilibrando a relação de forças entre as

partes.

No caso Grutter, a quantidade de amici curiae em apoio à ação afirmativa,

como partidários da universidade, foi muito superior à quantidade de amici curiae em

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53

favor de Bárbara Grutter. Foram 68 amici curiae em favor da política de admissão da

Universidade de Michigan, correspondendo a 81% do total, não considerando os

amici individuais e os memoriais assinados em conjunto. Este desequilíbrio entre os

lados no caso Grutter v. Bollinger contradiz conclusão de recente estudo brasileiro

sobre o tema,53 mas ressalta a importância de questionamento realizado no mesmo

estudo:

Esse desequilíbrio informacional provocado pelo ingresso polarizado do amicus e o conseqüente aumento da distribuição assimétrica de informações podem repercutir no processo de tomada de decisão no STF (MEDINA, 2010, p.170).

Ainda assim podemos concluir que a participação de amici curiae no caso

Grutter v. Bollinger correspondeu à configuração do amigo americano, sendo ampla

e representativa, com a participação de amici individuais, governamentais e de

grupos de interesses os mais diversos e surpreendendo com a participação de

grandes empresas e militares.

As funções do amicus curiae americano também foram contempladas no

caso-referência, desde a função informativa em todos os seus aspectos (fática,

científica, etc.) até a constatação de amici curiae funcionando como parte das

estratégias complementares à disposição dos litigantes principais.

Desta forma, a análise da dimensão prática do amigo americano corresponde

à dimensão teórica apresentada, permitindo o avanço do estudo, nos mesmos

moldes, em direção ao amigo brasileiro.

53 Segundo Medina, “na Suprema Corte dos EUA, a política de portas abertas possibilita a participação praticamente ilimitada dos amici curiae, que atuam de forma majoritariamente equilibrada, apoiando ambos os lados da disputa constitucional” (2010, p.168).

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54

PARTE II – O AMIGO BRASILEIRO

Capítulo 1 – Contextualização

1.1. A Tradição Jurídica Romano-Germânica

Para René David, o agrupamento dos direitos em famílias é o meio próprio

para facilitar a apresentação e a compreensão dos diferentes direitos do mundo

contemporâneo (1996, p. 17). Da mesma forma que se reconhece a existência de

famílias em matéria de linguística ou de ciências naturais, recorre-se à noção de

família unicamente para fins didáticos.

O comparatista francês atribui o surgimento do sistema de direito romano-

germânico ao século XIII, com o renascimento dos estudos de direito romano nas

universidades. Segundo ele, os direitos desta família tem como base o direito

romano, mas suas regras substantivas e de processo, além da própria concepção

que se tem do direito, afastam a conclusão por uma continuidade evolutiva.

Merryman considera a civil law mais antiga por atribuir sua origem à suposta

publicação da Lei das XII Tábuas em Roma no ano de 450 a.C.

A família ou tradição romano-germânica é hoje prevalecente na Europa, em

toda a América Latina, em muitas partes da Ásia e da África, e até mesmo em

algumas partes do mundo da common law, como o estado americano da Louisiana,

o estado canadense de Quebec e em Porto Rico. Esta expansão, da mesma forma

que a expansão da common law, deveu-se principalmente à colonização.

Estabelecendo sinteticamente as diferenças, David leciona que:

A common law foi formada pelos juízes, que tinham de resolver litígios particulares, e hoje ainda é portadora, de forma inequívoca, da marca desta origem. A regra de direito da common law, menos abstrata que a regra de direito da família romano-germânica, é uma regra que visa dar solução a um processo, e não formular uma regra geral de conduta para o futuro (1996, p.19)

Para Merryman, a civil law é o produto de três subtradições – direito civil

romano, direito canônico e direito comercial –, estando ausente o direito público, em

particular o direito constitucional e o direito administrativo que são, segundo ele,

produto da revolução intelectual que ocorreu no mundo ocidental a partir de 1776,

que incluiu eventos como as revoluções americana e francesa.

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55

Assim, tanto o direito público da common law quanto da civil law seriam de

origem moderna, sem raízes profundas em períodos romanos ou medievais da

história européia, apesar de serem encontradas numerosas instituições anteriores à

revolução (MERRYMAN, 2009, p.39-40).

Um dos postulados dessa revolução intelectual foi a separação de poderes

que apresentou profundas diferenças nas duas tradições. Na França, como os

cargos judiciais eram considerados, antes da Revolução Francesa, propriedade da

aristocracia, alguns escritores, entre eles Montesquieu, defendiam a separação entre

legislativo e executivo de um lado e judiciário de outro. De acordo com Merryman, “o

objetivo era prevenir a intromissão do judiciário em áreas – elaboração de leis e sua

aplicação – reservadas aos dois poderes” (2009, p.41) demonstrando assim a

desconfiança em relação aos juízes, antes considerados como a “aristocracia de

toga”.

Na Inglaterra e nos Estados Unidos ocorreu exatamente o contrário: os juízes

se constituíram em força progressiva ao lado dos indivíduos contra o abuso de poder

do governante. Ainda Merryman: “o poder dos juízes em amoldar o desenvolvimento

da common law era familiar e bem-vindo” e, assim, a separação de poderes na

common law não isolou o judiciário, nem desvalorizou o papel dos juízes.

Além disso, a valorização da legislação no sistema romano-germânico é

também uma decorrência da preocupação em não deixar espaços ao julgador,

preenchendo-os com a codificação que deve ser completa e suficiente. Dessa forma:

A lei é a fonte primeira do direito. A codificação aumenta consideravelmente a força da lei, hierarquizando as suas disposições e as reagrupando em um conjunto exaustivo e coerente: em suma, racional. A codificação é certamente a técnica mais característica dos direitos da família romanista (GARAPON; PAPADOPOULOS, 2008, p.33)

Importante, também, salientar que a cultura jurídica da família romano-

germânica sofreu importantes modificações na América Latina, principalmente, pelo

fato de o nosso direito público ter se inspirado na common law americana, e não na

civil law. Este é, inclusive, o motivo por que alguns estudiosos, como Pierangelo

Catalano, professor da Universidade La Sapienza, consideram o sistema jurídico

latino-americano um subsistema do sistema romanista (1981, p.19).

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Independente de classificações, fato é que o ecletismo da cultura jurídica

latino-americana não se prende apenas às circunstâncias históricas, como leciona a

professora Ana Lúcia de Lyra Tavares:

Caracteriza-se o direito latino-americano por conciliar a sua vinculação ao sistema romanista, com a adoção de institutos, conceitos e princípios originários de Common Law, notadamente na área de direito público. As razões desse ecletismo prendem-se não apenas às circunstâncias históricas [...] prendem-se, igualmente, à manutenção de uma receptividade intelectual dos países latino-americanos às fórmulas jurídico-políticas geradas nos Estados Unidos, malgrado as diferenças econômicas, sociais, culturais e políticas existentes entre o modelo e seus seguidores (1991, p.97-98).

Neste sentido, Athanase Papachristos associa o recurso ao direito estrangeiro

pelas elites intelectuais à meta de elevação do padrão econômico e social, o que ele

denomina de “mística do desenvolvimento” (apud TAVARES, 2006, p.63). Para

Carlos F. Rosenkrantz, professor da Universidade de Buenos Aires, esse mimetismo

jurídico, tem por objetivo o progresso econômico e político, conforme se depreende

da passagem abaixo:

[...] ao longo da história argentina recente houve uma profunda convicção de que a Constituição Americana incutiu o germe do progresso político e econômico nos Estados Unidos e assumiu-se que o mesmo germe iria penetrar a Argentina se ela simplesmente adotasse a mesma Constituição (ROSENKRANTZ, 2009, p. 271).

Por este motivo, a influência americana foi tão expressiva nas origens do

constitucionalismo latino-americano, quando se chegou a utilizar a lei e a

jurisprudência americana em decisões locais.54 Entretanto, muitas outras influências

se seguiram, principalmente francesas e portuguesas, na constituição e na

legislação em geral, o que a Professora Ana Lúcia explica como “tendência

tradicional do legislador brasileiro de efetuar transplantes ecléticos com inspiração

simultânea em mais de uma fonte e de promover adaptações durante o próprio

processo de recepção” (1991, p.87).

Finalizando este panorama da cultura jurídica brasileira, podemos concluir

que não há qualquer incompatibilidade entre o instituto do amicus curiae, cuja

54 No Brasil, o artigo 387 do Decreto nº 848/1890 prescrevia que: “os estatutos dos povos civilizados, notadamente aqueles que regulam as relações jurídicas da República dos Estados Unidos da América do Norte, os casos de common law e de equity serão subsidiários da jurisprudência e do processo federal”.

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57

origem é a common law, e o direito constitucional brasileiro, profundamente

influenciado desde O Federalista55, pelo constitucionalismo norte-americano.

1.2. O Sistema Judicial brasileiro

A estrutura do sistema judicial brasileiro também compreende um sistema de

âmbito federal e sistemas de âmbito estadual na denominada justiça comum. Há,

entretanto, uma justiça especializada, que julga matéria de competência trabalhista,

eleitoral ou militar.

A Constituição Federal determina que os estados organizem a sua Justiça

Estadual, observando os princípios constitucionais federais. Como regra geral, a

Justiça Estadual compõe-se de duas instâncias, o Tribunal de Justiça (TJ) e os

Juízes Estaduais. Os Tribunais de Justiça dos estados possuem competências

definidas na Constituição Federal, na Constituição Estadual, bem como na Lei de

Organização Judiciária do Estado.

No sistema federal, a base são as varas federais que correspondem à

primeira instância estabelecidas nas cinco regiões judiciárias no Centro-Oeste,

Norte, Nordeste, Leste e Sul. A segunda instância conta com os cinco Tribunais

Regionais Federais.

A intervenção de terceiros na modalidade de assistência é prevista no Código

de Processo Civil de 1973 no artigo 50 que assim estabelece:

Art. 50. Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la.

Parágrafo único. A assistência tem lugar em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus da jurisdição; mas o assistente recebe o processo no estado em que se encontra.

Desta forma, a participação de assistentes no Supremo Tribunal Federal é

permitida, com exceção das ações do controle concentrado, onde a participação é

vedada desde 1985 pelo art. 169, § 2º do RISTF. Segundo o Ministro Celso de

Mello, “tratando-se de lex specialis, a norma regimental prevalece sobre o disposto

55 A obra "O Federalista" (Federalist Papers) é uma série de 85 artigos, escritos por James Madison, Alexander Hamilton e John Jay, que resultaram de reuniões que ocorreram na Filadélfia em 1787 para a elaboração da Constituição Americana.

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58

no art. 50, parágrafo único, do Código de Processo Civil” (ADI-AgR 748).

Atualmente, a vedação existe por força do artigo 7º da Lei nº 9.868/99.

1.3. O Supremo Tribunal Federal

É fato que a instituição do Supremo Tribunal Federal, após a proclamação da

república, buscou inspiração no modelo da Suprema Corte americana. Entretanto,

há muitas diferenças entre as duas cortes que precisam ser destacadas.

O Supremo Tribunal Federal existe há 120 anos, ou seja, é um século mais

jovem que a Suprema Corte americana e, desde sempre, se manteve distante da

política. No Brasil, considera-se que a jurisdição constitucional desempenha uma

tarefa jurídica, e não política (BINENBOJM, 2002, p.143) e que “somente um órgão

[o STF] isento da disputa política, composto de membros independentes, poderia

exercer tão relevante função, mantendo o equilíbrio entre os Poderes”

(BINENBOJM, 2002, p.147).

O STF tem atualmente onze integrantes, denominados Ministros, que são,

como os Justices americanos, nomeados pelo Presidente da República, depois da

confirmação pelo Senado. O Senado Federal também já rejeitou indicações

presidenciais, pelo menos cinco, durante o governo de Floriano Peixoto. O

Presidente do STF é eleito por seus pares, com mandato de dois anos, de acordo

com o Regimento Interno, mas a praxe é a escolha dos ministros mais antigos que

ainda não tenham ocupado o cargo. Barbosa Moreira afirma que a nomeação do

Presidente do STF pelo Presidente da República, como ocorre nos Estados Unidos,

seria, para nós, incompatível com o princípio da separação dos poderes (2003,

p.46).

O papel do Presidente do STF é importante, pois ele também influencia na

orientação do tribunal. Porém, ao contrário do americano, o brasileiro não tem tantos

poderes, pois não é ele quem define os casos que têm repercussão geral e que

serão apreciados pela corte.

O número de membros era de quinze juízes inicialmente, tendo variado

bastante e, afinal, fixado em onze a partir de 1969. Segundo Barbosa Moreira, “é

possível que se haja percebido desde cedo que, pela maior extensão de sua

competência, o nosso Supremo Tribunal Federal necessitaria de mais juízes [do que

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59

a Suprema Corte americana] para dar conta do recado” (2003, p.45). Há a divisão

em duas turmas e o quórum mínimo do pleno é de oito ministros, sendo que, no

caso de empate, não há regra prevista e tanto pode ser mantida a decisão da corte

inferior, como o Presidente do STF proferir um “voto de qualidade”.

A competência do STF pode ser originária ou recursal.

A originária compreende as ações do controle concentrado de

constitucionalidade, as representações para fins de intervenção nos estados, as

demandas que envolvam membros do executivo, legislativo e outros, disputas entre

os estados, conflitos de competência entre alguns tribunais e várias outras

competências relacionadas na Constituição Federal. Importante ressaltar que não

existem casos facultativos como na Suprema Corte americana.

A recursal compreende as ações do controle difuso de constitucionalidade,

recebidas através de recurso extraordinário, sempre que a decisão recorrida

contrariar dispositivo da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou

lei federal e julgar válida lei local contestada em face da Constituição ou de lei

federal.

Também não existem casos facultativos na competência recursal e a fórmula

encontrada para diminuição da demanda de recursos extraordinários que se

aproximava dos 50 mil em 2007 foi a exigência de demonstração de repercussão

geral, que reduziu para pouco mais de 8 mil casos em 2009, desafogando um pouco

o Supremo Tribunal Federal. Em 2009, além dos recursos extraordinários, foram

distribuídas outras 34.381 ações no STF.

Assim, o STF possui demanda muito superior a da Suprema Corte americana,

que recebe 8 mil casos por ano em seu controle difuso de constitucionalidade e que

seleciona discricionariamente quais serão julgados, sem a obrigação de dar sempre

a última palavra no judiciário americano.

1.4. Breve histórico do instituto brasileiro

Da mesma forma que o instituto americano, o amicus curiae não foi um dos

primeiros dispositivos utilizados para a intervenção de terceiros no STF. Até 1985 a

participação como assistente era possível e, mesmo após a alteração do regimento

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interno vedando a intervenção de terceiros no controle concentrado de

constitucionalidade, sempre ocorreu a prática informal da juntada de memoriais por

linha. Assim, os memoriais de terceiros eram recebidos e analisados, mas não eram

juntados oficialmente ao processo, constando apenas da contracapa dos autos.

A primeira aparição formal de um amicus curiae no STF ocorreu em decisão

do Ministro Celso de Mello, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental contra

a admissão de memorial da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia

Legislativa do Rio Grande do Sul, em ação direta no controle abstrato de

constitucionalidade.56

A ação versava sobre a constitucionalidade do “calendário rotativo” para as

escolas da rede pública estadual, instituído pelo Governador do Estado, que era o

agravante, sendo agravada a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, que

suspendeu a medida através de decreto legislativo.

O memorial da Comissão de Constituição e Justiça continha estudos técnicos

e pareceres sobre o impacto pedagógico representado pela implantação do

calendário rotativo escolar, além de relatório da auditoria realizada pelo Tribunal de

Contas para aferir os resultados da medida instituída no sistema escolar gaúcho.

Na verdade, o memorial foi juntado por linha e a participação da Comissão de

Constituição e Justiça só foi reconhecida como de amicus curiae devido ao agravo

do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Entretanto, o agravo sequer foi

conhecido, pois a decisão do relator de juntar o memorial era interlocutória e,

portanto, não podia ser impugnada por meio de agravo. Ainda assim, o Ministro-

Relator sustentou que: “caso viesse a conhecer do presente agravo [...] não teria

como acolher a pretensão recursal do Governador do Rio Grande do Sul”.

Acrescentando que:

[...] na verdade, não poderia ter admitido, como efetivamente não admiti, a intervenção assistencial desse órgão legislativo, eis que – como se sabe – o RISTF e a jurisprudência deste Tribunal não autorizam a intervenção assistencial de terceiros no processo de controle normativo abstrato.

56 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI-AgR 748/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18.11.1994.

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Segundo o ministro, “não se pode desconhecer, neste ponto – e nem há

possibilidade de confusão conceitual com esse instituto -, que o órgão da

Assembléia gaúcha claramente atuou, na espécie, como verdadeiro amicus curiae.”

Após a aprovação da Lei 9.868/99, foi também o Ministro Celso de Mello

que estreou o instituto em duas oportunidades. Em outubro de 2000, ao deferir a

participação da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores do Judiciário

Federal e do Ministério Público da União - FENAJUFE57 como amicus curiae em

medida cautelar na ADI 2321/DF e, logo em seguida, da Associação dos

Magistrados Catarinenses – AMC na ADI 2130 decidida em dezembro/2000, mas

publicada em 02/02/2001.

A primeira decisão, transcrita a seguir, estabeleceu os fundamentos do

amicus curiae – pluralizar o debate e legitimar a atuação do STF -, além de ter

criado um novo requisito (“razões que tornem desejável e útil a sua atuação”) que, a

partir de então, passou a ser exigido pelos demais ministros:

PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO "AMICUS CURIAE": UM FATOR DE PLURALIZAÇÃO E DE LEGITIMAÇÃO DO DEBATE CONSTITUCIONAL. - O ordenamento positivo brasileiro processualizou, na regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, a figura do "amicus curiae", permitindo, em conseqüência, que terceiros, desde que investidos de representatividade adequada, sejam admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. A intervenção do "amicus curiae", para legitimar-se, deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional. - A idéia nuclear que anima os propósitos teleológicos que motivaram a formulação da norma legal em causa, viabilizadora da intervenção do "amicus curiae" no processo de fiscalização normativa abstrata, tem por objetivo essencial pluralizar o debate constitucional, permitindo, desse modo, que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Suprema Corte, quando no desempenho de seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle concentrado de constitucionalidade.58

A partir de 2001, a participação de amici curiae no controle concentrado de

constitucionalidade vem aumentando, segundo pesquisa realizada por Damares

Medina, que leva em consideração as intervenções como assistente e os memoriais

57 Damares Medina, autora do livro Amicus Curiae – Amigo da Corte ou Amigo da Parte, foi a advogada da FENAJUFE nesta intervenção. 58 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI 2321/DF, Decisão Monocrática, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.10.2000.

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62

juntados por linha e, assim, incluindo todas as participações de terceiros não

expressamente deferidas como amicus curiae.

Em 2000, de acordo com estas estatísticas (MEDINA, 2009, p.120), os amici

curiae (somados aos assistentes nos recursos extraordinários e aos memoriais

juntados por linha) participavam de pouco mais de 5% das ADIs, em 2003

representavam quase 20% e, em 2007, ultrapassavam os 30% de participação.

Concluindo este breve histórico, podemos afirmar que, no Brasil, o amicus

curiae é um instituto jurídico em construção e ainda longe de garantir a participação

da sociedade civil no STF. Foi um dispositivo criado para flexibilizar a vedação à

participação de terceiros no controle abstrato/concentrado, permitindo, em especial,

a representação das associações de classe ou profissionais e, apenas em segundo

plano, a participação das associações de defesa de direitos.

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63

Capítulo 2 – Configuração jurídica

Como visto na primeira parte, iremos nos deter apenas em quatro elementos,

ou variáveis, do instituto brasileiro, para permitir a comparação com o instituto

americano: participantes, interesse na participação, procedimentos e função59.

Antes, porém, é importante esclarecer que, na doutrina brasileira, o debate quanto à

configuração jurídica gira em torno da natureza do amicus curiae no processo, que

tanto pode ser terceiro interveniente quanto auxiliar do juízo, segundo Carlos

Gustavo Rodrigues Del Prá60.

Alguns autores, como Mirella de Carvalho Aguiar61 e Freddie Didier Jr., não

admitem a natureza de intervenção de terceiros e Cássio Scarpinella Bueno

classifica o amicus curiae apenas como terceiro, em oposição à parte, incluindo

nesta categoria os terceiros intervenientes e os auxiliares do juízo62. Basicamente, a

diferença consistiria na forma da manifestação do amicus curiae: se voluntária, sua

natureza seria de terceiro interveniente,63 se requisitado pelo juiz, sua natureza seria

de auxiliar eventual do juízo. Entretanto, toda essa discussão doutrinária perde sua

razão de ser com a futura aprovação do novo Código de Processo Civil, onde o

amicus curiae é arrolado entre as demais espécies de intervenção de terceiros.

2.1. Participantes

Com o objetivo de analisar a participação da sociedade civil como amicus

curiae, Eloísa Machado de Almeida realizou pesquisa em 1800 ações de controle

concentrado de constitucionalidade distribuídas de 1999 até 2005. Na pesquisa

59 Segundo Bueno, “são, como destacamos, a sua função e o seu interesse que qualificam a sua intervenção [do amicus curiae], que o estremam de todos os demais “sujeitos do processo” ou quaisquer outros intervenientes” (2008, p.646, grifo no original). 60 De acordo com Del Prá, “o problema, agora, fica mais claro: o amicus curiae é terceiro interveniente

ou auxiliar do juízo? A resposta há de ser direta: ambos.” (2008, p. 124, grifo no original) 61 Para Aguiar, “afigura-se claramente absurda a atribuição de outra natureza jurídica ao instituto que não a de auxiliar do juízo” (2005, p. 58). 62 Bueno afirma que “ser terceiro, aqui, quer significar, apenas, que o amicus não é parte. Também são terceiros os assistentes, os opoentes, os nomeados, os denunciados e os chamados. Mas também são terceiros os peritos, os intérpretes e o próprio Ministério Público quando atuante na qualidade de fiscal da lei.” (2008, p. 427) 63 Segundo Theodoro Jr, “a intervenção de terceiros é sempre voluntária, sendo injurídico pensar que a lei possa obrigar o estranho a ingressar no processo.” (2005, p. 108)

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64

foram identificadas 242 ações com participação de amicus curiae (13,4%) e 692

memoriais, distribuídos nas seguintes categorias:

Tabela 2 Memoriais de amici curiae por categoria – STF – 1999 a 2005

Categoria Repercussão Geral (após

2007)

Fase de Mérito

Percentual (Fase de Mérito)

Exemplo

Individual 50 7% Especialistas (1),

membros do Poder

Judiciário e Legislativo

Empresas 12 2% Banco Nossa Caixa,

América Futebol Clube

Governo 129 19% União, Estados,

Municípios, MP,

Defensoria e CADE

Associações de Defesa de Direitos

142 21% Conectas, CDH,

Associação Nacional

de Biossegurança,

Instituto Sou da Paz

Associações de classe e profissionais

276 40% CNTS, CNTE, OAB,

FENAJUFE, ANDES,

SINDJUS, UNIFISCO,

FENAFISP

Associações de atividades econômicas

75 11% Associação Brasileira

de Loterias Estaduais,

Instituto Brasileiro de

Petróleo e Gás

Outros 8 1% Partidos Políticos

Total 692 100%

Fonte: ALMEIDA, 2006, p.67

Importante esclarecer que as categorias da tabela anterior não são as

categorias da pesquisa original64, pois houve a necessidade de reagrupá-las para

permitir a comparação com a pesquisa americana.

64 A tabela original se encontra no Anexo C.

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Registre-se, ainda, que 95,8% das manifestações ocorreram em ações diretas

de inconstitucionalidade e 4,2% em argüições de descumprimento de preceito

fundamental.

Com base nestes dados, iremos analisar os amici curiae que participam de

processos no Supremo Tribunal Federal em três categorias: individuais,

governamentais e os grupos de interesses, que compreendem as associações de

defesa de direitos, as associações de classe ou profissionais e as associações de

atividades econômicas.

2.1.1. Os amici individuais

Não é permitida a participação de pessoas físicas como amicus curiae, mas

apenas de órgãos ou entidades nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas

declaratórias de constitucionalidade, conforme estabelece o segundo parágrafo do

artigo 7º da Lei nº 9.868/99. A Lei nº 9.882/99, relativa às argüições de

descumprimento de preceito fundamental (ADPF), é mais abrangente, permitindo, “a

critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento dos

interessados no processo”.

Por este motivo, temos no período analisado apenas a participação

excepcional de um especialista na ADI 2575, confirmando a ausência de pessoas

físicas no controle concentrado de constitucionalidade, apesar das várias

solicitações neste sentido frequentemente indeferidas pelos ministros do STF, como

no exemplo abaixo:

EM 07/10/2003, NO PG 121277/03: DEVOLVA-SE, AO SEU ILUSTRE SUBSCRITOR, A PETIÇÃO PROTOCOLADA, NESTA CORTE, SOB O N° 121277/03, EIS QUE NÃO LHE ASSISTE LEGITIMIDADE PARA INGRESSAR NA PRESENTE CAUSA, NEM PARA INTERVIR NESTA RELAÇÃO PROCESSUAL. COMO SE SABE, A LEI 9868, AO REGULAR O PROCESSO DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE, PRESCREVE QUE "NÃO SE ADMITIRÁ INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NO PROCESSO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE." DESSE MODO, NADA PODE JUSTIFICAR O INGRESSO, NESTES AUTOS, DO ORA PETICIONÁRIO, AINDA QUE NA QUALIDADE DE AMICUS CURIAE, EIS QUE O INTERESSADO NÃO SE AJUSTA A CONDIÇÃO ESPECIAL EXIGIDA PELO ART. 7°, §2°, DA LEI 9868/99. SENDO ASSIM, INDEFIRO A PRETENDIDA INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO SERVIDOR PÚBLICO INTERESSADO. DEVOLVA-SE, EM CONSEQÜÊNCIA, AO SEU ILUSTRE SUBSCRITOR, A PETIÇÃO

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66

ACOMPANHADA DE CÓPIA DA PRESENTE DECISÃO, CUJO TEXTO ORIGINAL DEVERÁ PERMANECER NOS AUTOS DA ADI 2945/PR.65

Entretanto, como na pesquisa americana os membros do Poder Judiciário e

do Poder Legislativo são considerados participantes individuais, procedemos da

mesma forma com relação à pesquisa brasileira e encontramos um percentual maior

(7%) que os amici individuais americanos (4%).

Esse resultado pode estar comprometido com a participação de 28 membros

do poder legislativo (do total de 50 manifestações) em apenas uma ação (ADI 3345),

mas, de toda forma, demonstra que a participação de amici individuais nos Estados

Unidos não é tão significativa.

No Brasil, os juízes e legisladores que atuam como amicus curiae são

cadastrados pelo nome nos andamentos processuais no STF66 e não pelo nome do

órgão, e muitas vezes suas manifestações são juntadas apenas por linha,67

caracterizando uma participação mais individual do que institucional.

2.1.2. Os amici governamentais

A participação de amici governamentais no STF é bastante significativa

(19%), sendo equiparável à participação dos amici governamentais americanos

(21%).

Esse fato é mais surpreendente se considerarmos que, nos Estados Unidos,

esta é a única forma de atuação dos entes públicos na Suprema Corte, devido à

existência apenas de controle concreto/difuso de constitucionalidade.

Na jurisdição constitucional brasileira, os entes públicos podem ajuizar ações

do controle abstrato/concentrado, pois fazem parte do rol de legitimados.68 Assim, a

atuação, por exemplo, do Ministério Público e dos Estados na jurisdição 65 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI 2945/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16.10.2003. 66 Como exemplos, Deputado Federal Max Rosenmann (ADI 3530) e Deputado Chico Leite (ADI 3343). 67 Os memoriais juntados por linha constam apenas da contracapa dos autos. 68 Nos termos do art. 103 da Constituição de 1988 dispõem de legitimidade para propor a ação de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembléia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

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constitucional brasileira é muito mais expressiva do que a atuação apenas como

amicus curiae, pois são eles os requerentes responsáveis pelo ajuizamento de

20,7% e 24,4% das ações diretas de inconstitucionalidade.69

Importante ainda destacar que o Ministério Público exerce no Brasil parte das

atribuições do Solicitor General nos Estados Unidos quando atua na defesa da lei e

que suas manifestações devem ser incluídas, na comparação com pesquisa

americana, entre as manifestações da União.

Da mesma forma que na Suprema Corte americana, a participação dos

estados corresponde à metade da participação dos amici governamentais. Os

estados manifestam-se muitas vezes em conjunto e normalmente em ações relativas

a competências de tributos estaduais e federais.

2.1.3. Os amici grupos de interesse

As associações civis são as que mais figuram como amicus curiae nas ações

diretas de inconstitucionalidade, com mais de 70,64% das manifestações (ALMEIDA,

2006, p.77).

Eloisa Almeida classifica as associações em três grupos – de classe, de

direitos e de atividades econômicas – o que facilita a análise da participação de

grupos de interesse como amicus curiae no STF.

As associações de classe representam 40% do total de amici curiae e

correspondem, em sua grande maioria, à representação do funcionalismo público

como os auditores fiscais da Receita Federal e os servidores da Justiça Federal e do

Ministério Público da União. É importante registrar que quase a metade dessas

associações possui âmbito nacional e pode propor ações de controle concentrado

como os amici governamentais.70 Assim, a participação de associações de classe na

jurisdição constitucional brasileira é bem mais expressiva que na Suprema Corte

americana (27%), pois corresponde a 40% da atuação como amicus curiae somada

69 Fonte: Portal de Informações Gerenciais do STF. Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Legitimado de 1988 a novembro de 2010. 70 Eloisa Almeida cita como exemplo o Conselho Federal da OAB que ofereceu apenas três manifestações como amicus curiae no período, mas propôs 4% de todas as ações diretas de inconstitucionalidade.

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à atuação como requerente de ações diretas de inconstitucionalidade que

correspondem a 23,8% das ações de 1988 a novembro de 2010.71

Apesar da maior visibilidade, as associações civis de defesa de direitos

representam apenas 21% do total de amici curiae, com participação menos

significativa que a mesma categoria apresenta na Suprema Corte americana (31%).

Contudo, é importante destacar que a participação da Conectas Direitos Humanos

(CDH) com 16 manifestações no período é a maior participação individual de todos

os amici curiae em qualquer categoria.

As associações de empresas e federações de atividades comerciais

representam 11% do total de amici curiae e participaram geralmente de ações

referentes à incidência de impostos.

Importante notar que, ao contrário dos juízes da Suprema Corte americana,

os ministros do Supremo sempre receberam advogados em seus gabinetes e

memoriais de grupos interessados, que eram juntados por linha aos autos judiciais.

Esta prática informal certamente beneficiava alguns grupos em detrimento de outros,

fazendo com que a normatização do amicus curiae colabore na transparência

desses relacionamentos.

Contudo, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, nem a normatização

impede que grupos de interesses com mais recursos econômicos tenham mais

acesso às cortes constitucionais. Afinal, um memorial de amicus curiae de um

renomado escritório de advocacia, especializado no STF, pode custar até cento e

cinqüenta mil reais, com este valor sendo acrescido de uma taxa de sucesso de até

quatrocentos e cinqüenta mil reais. A taxa de sucesso pode ser dividida com o

pagamento de cinqüenta mil reais se a participação do amicus curiae for deferida e o

restante apenas se o lado apoiado pelo amicus curiae for o vencedor.

É assim possível concluir que nem todos os interesses são representados na

jurisdição constitucional, mas apenas aqueles com mais recursos e, portanto mais

poderosos, têm acesso e voz nas duas cortes supremas.

71 Fonte: Portal de Informações Gerenciais do STF.

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69

2.2. Interesse do Participante

No Brasil, da mesma forma que nos Estados Unidos, a questão da

neutralidade dos amici curiae é motivo de controvérsia na doutrina e jurisprudência,

porém, ao contrário da Suprema Corte americana, que aceita e regula o amicus

partidário, o Supremo Tribunal Federal se encontra dividido quanto a sua aceitação.

Por este motivo, a definição do interesse que anima o amicus curiae a se manifestar

e efetivamente participar de processos no âmbito do STF é questão essencial para a

sua configuração na jurisdição constitucional brasileira.

Grande parte da doutrina e da jurisprudência brasileira entende que não está

presente no instituto o caráter ad coadjuvandum (em auxílio a uma das partes), com

a ressalva de que “não implica que da sua atuação não possa decorrer tal efeito”

(AGUIAR, 2005, p. 58), como se fosse possível ao amicus curiae não saber qual

lado está se beneficiando de sua manifestação.

Na ADPF 134/CE, o Ministro Ricardo Lewandowski sustentou que “o

deferimento dos pedidos ora formulados implicaria abrir espaço para a discussão de

situações de caráter individual, incabível em sede de controle abstrato, além de

configurar condição que refoge à figura do amicus curiae”72, negando a participação

de dois amici curiae interessados.

Na ADI 3931/DF, a Ministra Carmem Lúcia negou a participação da

ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho)

justamente por não ter interesse direto na ação, afirmando que: “a decisão a ser

proferida nesta ação direta de inconstitucionalidade em nada afetará a atuação

profissional, a situação financeira ou as prerrogativas inerentes aos juízes da Justiça

do Trabalho”.73

Segundo Isabel Bisch, “de fato, os Tribunais ora reconhecem e admitem que

a atuação do amicus curiae advenha de indissociável e particular interesse no

resultado da causa, ora exigem performance mais imparcial na interpretação das

leis” (2010, p. 119).

72 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADPF 134/CE, Decisão monocrática, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 01/08/2008. 73 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI 3941/DF, Decisão monocrática, Rel. Min. Carmem Lúcia, DJ de 19/08/2008

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70

Para solução dessa controvérsia, é importante confrontar as figuras

processuais do assistente e do amicus curiae, pois são os únicos terceiros

intervenientes do processo civil brasileiro que não adquirem a qualidade de parte

quando efetivamente ingressam no processo.74 Além disso, o assistente somente

pode atuar no controle concreto de constitucionalidade (recursos extraordinários),

enquanto o amicus curiae, a princípio, somente nas ações do controle abstrato (ADI,

ADC, ADPF).

Quanto ao assistente, não há dúvida: se o seu interesse for subjetivo, ou seja,

se a esfera jurídica do sujeito puder ser atingida pela decisão, trata-se da figura

processual do assistente.75 Entretanto, é importante ressaltar que, nesse caso, o

interesse subjetivo deve ser individual, pois se a decisão atingir a esfera jurídica de

um grupo de pessoas, o interesse passa a ser transindividual.76

Os interesses transindividuais são espécie de interesse público que, como

observa Antonio do Passo Cabral, devem autorizar a admissão do amicus curiae:

Por interesse público, entende-se, por conseguinte, aquele constante, não só nos interesses transindividuais – os difusos e coletivos, que, muito embora por ele compreendidos, não encerram seu conceito – mas também os interesses individuais homogêneos, que, apesar de terem como titulares sujeitos individualmente considerados, atingem consideráveis parcelas da população, autorizando a admissão do colaborador no processo (2004, p. 31).

74 As espécies de terceiros intervenientes previstas no atual Código de Processo Civil são oposição, nomeação à autoria, denunciação à lide e chamamento ao processo. 75 Theodoro Jr leciona que “segundo o art. 50, dá-se a assistência quando o terceiro, na pendência de uma causa entre outras pessoas, tendo interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma das partes, intervém no processo para prestar-lhe colaboração. O assistente, portanto, não é parte da relação processual e nisso se distingue do litisconsorte. Sua posição é de terceiro que tenta apenas coadjuvar uma das partes a obter vitória no processo. Não defende direito próprio, mas de outrem, embora tenha um interesse próprio a proteger indiretamente.” (2005, p. 132) 76 Os direitos ou interesses transindividuais estão previstos e conceituados no artigo 81 Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), transcrito a seguir: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

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71

Segundo o autor, o interesse público é também jurídico - porque agasalhado

pela ordem jurídica - e, ainda, interesse institucional porque diz respeito a uma

coletividade que o amicus curiae pode representar, extrapolando o interesse

meramente individual daqueles que compõem a relação jurídica processual.

Para tanto, em que pese cuidar de interesse jurídico aquele que legitima manifestação do amicus, trata-se de um jurídico distinto dos demais, na medida em que, ao contrário daquele que conduz o assistente e o terceiro interventor a se manifestar[3], o interesse do colaborador não é “interesse jurídico subjetivado.” (BUENO, 2006, p. 501).

Nesse sentido, Cássio Scarpinella Bueno traz excelente contribuição para a

definição do interesse jurídico do amicus curiae, porém concluindo de maneira

diversa que o presente estudo.

Segundo Bueno, há no CPC normatização quanto ao processo individual que

exige interesse subjetivo para a intervenção de um terceiro em processo alheio. Não

há ainda o código de processo coletivo, mas há normatização quanto ao processo e

a necessidade de interesse coletivo. Entretanto, há outros interesses a serem

tutelados, que podem ser considerados como interesse público lato senso, mas que

são denominados por Bueno como institucionais, considerando o interesse de

qualquer membro da sociedade em zelar pelas suas instituições.

Essa espécie de interesse é o que explica o agir do amicus curiae em

benefício da corte, ou seja, da instituição destinada à justiça. Para Bueno, esse deve

ser o único interesse do amicus curiae, além de um elemento essencial na sua

caracterização. Contudo, quando há interesse público institucional na solução de

uma controvérsia, há também a possibilidade de o amicus curiae ter interesse

próprio na vitória de um dos pólos da demanda, dependendo de ser ele, direta ou

indiretamente, atingido pelo resultado da decisão.

Ainda que a manifestação seja requisitada pelo magistrado, o sujeito pode ser

pessoalmente interessado em defender uma das teses apresentadas, o que não

inviabiliza sua participação, nem contamina a qualidade de sua informação, desde

que sua posição, favorável a uma das partes, seja assumida expressamente e assim

levada em conta na decisão.

Para Bueno, o interesse do amicus curiae é semelhante à função precípua do

Ministério Público:

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Generalizou-se, assim, a legitimidade do Ministério Público para atuar como custos legis, aprimorando e fiscalizando o andamento do processo, para abarcar também outras entidades e órgãos interessados em que a decisão propalada corresponda aos anseios sociais, embora não atuando com fiscais, mas sim como auxiliares, intérpretes e informantes do processo (2006, p. 509).

Daniela Medeiros também aborda a semelhança dos papéis do amicus curiae

e do Ministério Público, porém apontando as diferenças:

O amicus não assiste às partes, senão ao juiz, defendendo interesses difusos e coletivos, pertencentes à sociedade em geral. O papel do amicus curiae distingue-se, ainda, do desempenhado pelo Ministério Público como custos legis, vez que ele não age como fiscal da qualidade das decisões; em regra, sua intervenção não é peremptória; e pode atuar em lides que versem sobre direitos disponíveis. A intervenção do Parquet como fiscal da lei é função intrínseca à instituição, norteia-se pelo interesse mais alto de ajudar o juiz a descobrir a verdade e de primar pela aplicação mais correta e técnica das normas jurídicas ao caso concreto. Atua de forma imparcial e descomprometida com as partes, zelando pela efetividade da lei e supervisionando o andamento do processo. (2009, p.9)

Interesse público ou mesmo interesse público institucional são conceitos

jurídicos muito amplos e indeterminados e, em se tratando de jurisdição

constitucional, estariam sempre presentes. Dessa forma, uma conceituação mais

precisa do interesse que move o amicus curiae a intervir em sede de controle de

constitucionalidade pode ser denominada de interesse objetivo.

O interesse objetivo é o interesse na preservação da ordem constitucional

vigente que pode ser conjugado ao interesse subjetivo na solução de questão

constitucional incidente no caso concreto. Segundo Damares Medina, as ações

diretas de inconstitucionalidade e as declaratórias de constitucionalidade possuem

caráter puramente objetivo, enquanto nas ADPFs e nos recursos extraordinários, há

duplicidade de interesses, “ainda quando prevalente o interesse objetivo” (MEDINA,

2005, p.6).

Por este motivo, nas ações do controle de constitucionalidade, o terceiro que

se manifestar no processo será um amicus curiae se apresentar interesse apenas

objetivo e também quando apresentar interesse subjetivo conjugado com objetivo.

Afinal, o resultado favorável à constitucionalidade, ou não, de determinada questão

não afetará somente às partes ou aos amici curiae, mas toda a sociedade, ou pelo

menos, parte dela.

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73

2.2. Procedimentos

Muitos autores brasileiros, como Gustavo Binembojm77, creditam a introdução

do amicus curiae na legislação brasileira à Lei 6.385/1976 que trata da participação

da Comissão de Valores Mobiliários – CVM em determinados processos “para,

querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos”.

Não me parece ser caso configurável como amicus curiae, pois se trata de

intimação obrigatória, por lei, de órgão fiscalizatório, da mesma forma que a

participação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, prevista na

Lei nº 8.884/94 também apresentada como um dos antecedentes do instituto no

Brasil, apesar de ser literal a sua atuação como assistente.78 Entretanto, estas

considerações não serão aprofundadas, pois a presente pesquisa está restrita ao

Supremo Tribunal Federal.

No STF, a participação de terceiro como amicus curiae começa a nascer em

1996, quando o Ministro da Justiça Nelson Jobim instituiu uma comissão de juristas

para deliberar sobre matéria constitucional. Nessa comissão, Gilmar Ferreira

Mendes, então assessor técnico do Ministério da Justiça, foi o relator do anteprojeto

de lei sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e

da ação declaratória de constitucionalidade (ADC), que resultou na Lei nº 9.868/99.

Gilmar foi também membro da comissão que elaborou o anteprojeto de lei que

disciplina a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF),

resultando na Lei nº 9.882/99.

Ambas as leis são consideradas por toda a doutrina, e principalmente pelo

relator Gilmar Mendes, como a positivação do amicus curiae no direito constitucional

brasileiro,79 apesar da ausência de expressa denominação que caracterizaria o

instituto.

77 Segundo Binembojm, “a disciplina legal da figura do amicus curiae, de longa data admitida em outros ordenamentos jurídicos, já se encontrava contemplada no Brasil desde 1976, no art. 31 da Lei nº 6.385, de 07.12.1976, que admite a intervenção da Comissão de Valores Mobiliários – CVM em processos intersubjetivos nos quais se discutam questões de direito societário sujeitas, no plano administrativo, a competência dessa entidade autárquica federal.” (2005, p.3-4) 78 Lei 9.994/94, Art. 89 Nos processos em que se discuta a aplicação desta Lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente. 79 O Ministro Gilmar Mendes consagra o instituto ao afirmar que “positiva-se, assim, a figura do amicus curiae no processo de controle de constitucionalidade, ensejando a possibilidade de o

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74

Atualmente, as hipóteses de atuação do amicus curiae na jurisdição

constitucional são as seguintes: ADI e ADC (art. 7º da Lei nº 9.868/9980), ADPF (art.

6º da Lei nº 9.882/9981), incidente de constitucionalidade no âmbito dos tribunais

superiores (art. 482, CPC82), análise de repercussão geral (Art. 543-A, §6º do CPC)83 e

recursos extraordinários advindos dos juizados especiais federais.

No controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADC e ADPF), houve

participação de amici curiae em pouco mais de 13% das ações de 1999 até 200884.

Contudo, no controle difuso de constitucionalidade, há expressa permissão legal

para a participação de amicus curiae apenas na análise de repercussão geral e nos

recursos extraordinários dos juizados especiais federais.

O instituto da repercussão geral, inspirado no writ of certiorari da Suprema

Corte americana (BERMAN, 2009), foi a fórmula encontrada pelo STF para

diminuição da demanda de recursos extraordinários que chegaram a 50 mil em

2007. Em 2009, após a análise de repercussão geral, foram distribuídos 8.348

recursos.

Tribunal decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suas implicações ou repercussões.” (1999, p. 1173-1174) 80 Lei 9.868/99, Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. [...] § 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades. 81 Lei 9.882/99, Art. 6o Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias. [...] § 2o Poderão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo. 82 Código de Processo Civil, Art. 482 Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento. [...] § 3º O Relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidade. 83 Art. 543-A, §6º do CPC Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. [...] § 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 84 Eloísa Machado de Almeida realizou pesquisa em 1800 ações de controle concentrado de constitucionalidade distribuídas de 1999 até 2005. Na pesquisa foram identificadas 242 ações com participação de amicus curiae (13,4%) e 692 memoriais. Damares Medina realizou pesquisa em 2719 ADIs julgadas até 2008 e em apenas 5% (119 ações) existiam pedidos de ingresso de amicus curiae. Se forem considerados os percentuais de amicus curiae por ano, ela apresenta os seguintes números: 2000 (7%), 2003 (18%), 2005 (27%) e 2007 (mais de 30%).

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75

Como o STF não poderia atribuir competência facultativa, a exemplo da

Suprema Corte americana, a solução foi delimitar a sua competência às questões

relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem

os interesses subjetivos das partes.85 Neste sentido, a participação do amigo

brasileiro na análise da existência, ou não, de repercussão geral é essencial, pois

demonstra que os interesses não estão restritos às partes da mesma forma que a

participação do amigo americano na fase de certiorari na Suprema Corte americana.

Entretanto, apesar de prevista legalmente desde 2007, não há praticamente

nenhuma manifestação de amicus curiae sobre a questão da repercussão geral nos

últimos três anos.

Em pesquisa realizada no sítio do Supremo Tribunal Federal, há apenas uma

petição da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais

Brasileiras (ABRASF) requerendo “que seja atribuída repercussão geral ao

julgamento do feito, bem como seu ingresso no recurso extraordinário na qualidade

de amicus curiae”.86 Entretanto, como a repercussão geral já tinha sido reconhecida

em outro recurso, a petição e os autos foram devolvidos ao tribunal de origem.

Nos recursos extraordinários interpostos nos Juizados Especiais Federais, há

permissivo legal também desde 2007,87 porém nos demais recursos extraordinários,

a questão é controvertida com alguns ministros recebendo os terceiros como

assistentes e outros como amicus curiae.

O Ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, decidiu no RE 439.796 que: “esta

Corte admite a participação de terceiros nos recursos extraordinários, na condição

de assistente simples, se atendidos os requisitos legais”.88

85 Art. 322 do RISTF. O Tribunal recusará recurso extraordinário cuja questão constitucional não oferecer repercussão geral, nos termos deste capítulo. Parágrafo único. Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões que, relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassem os interesses subjetivos das partes. 86 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 593.884, Decisão monocrática, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 28/05/2010. 87 Art. 321 do RISTF. §5 Ao recurso extraordinário interposto no âmbito dos Juizados Especiais Federais, instituídos pela Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, aplicam-se as seguintes regras: [...] III – eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão manifestar-se no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação da decisão concessiva da medida cautelar prevista no inciso I deste § 5º. 88 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 439.796, Decisão monocrática, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 13/08/2009

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Um ano antes, a Ministra Carmem Lúcia recebeu todos os interessados na

RE 565.714 como amicus curiae com a seguinte fundamentação:

A norma parece ter limitado a presença do amicus curiae apenas à fase de reconhecimento de existência ou inexistência da repercussão geral. Esse seria o raciocínio simplório a que chegaria o intérprete se este considerar apenas os dois dispositivos legais transcritos como base para a manifestação de terceiros. [...] A presença do amicus curiae no momento em que se julgará a questão constitucional cuja repercussão geral fora reconhecida não só é possível como é desejável. A exigência de repercussão geral da questão constitucional tornou definitiva a objetivação do julgamento do recurso extraordinário e dos efeitos dele decorrentes, de modo a que a tese jurídica a ser firmada pelo Supremo Tribunal Federal seja aplicada a todos os casos cuja identidade de matérias já tenha sido reconhecida pelo Supremo Tribunal ou pelos juízos e tribunais de origem.89

De fato, tanto nas ações do controle abstrato, onde não há partes, quanto nas

ações do controle difuso, após a exigência da repercussão geral, não há porque não

se admitir a participação de amicus curiae, pois não se discutem interesses

individuais e concretos e, portanto, subjetivos, mas se verifica objetivamente acerca

da constitucionalidade de norma.

É importante lembrar que o controle de constitucionalidade nos Estados

Unidos é difuso e, segundo Gilmar Mendes, o amigo americano permite a conversão

de processo aparentemente subjetivo em processo verdadeiramente objetivo.

Nesse sentido, a prática americana do amicus curiae brief permite à Corte Suprema converter o processo aparentemente subjetivo de controle de constitucionalidade em um processo verdadeiramente objetivo (no sentido de um processo que interessa a todos), no qual se assegura a participação das mais diversas pessoas e entidades. (MENDES, p.35)

É a “objetivação” do controle difuso de constitucionalidade, como se pode

verificar na decisão abaixo do Min. Marco Aurélio, que evita a denominação de

amicus curiae ou assistente, deferindo a participação apenas “como terceiro”:

Há de tomar-se com flexibilidade pedidos visando à admissão de terceiros em processo revelador de recurso extraordinário interposto após a vigência do sistema da repercussão geral. É que o julgamento pelo Supremo se mostrará único, repercutindo em um sem-número de relações jurídicas. Defiro o pleito de participação do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – Anis como terceiro.90

89 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 565.714, Decisão monocrática, Rel. Min. Carmem Lúcia, DJ de 16/06/2008. 90 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 567.985, Decisão monocrática, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 05/02/2009.

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Nas demais ações de competência do STF, podemos encontrar a

participação por requisição do magistrado como, por exemplo, no Caso Elwanger,

um habeas corpus onde “pareceres técnicos de renomados juristas foram obtidos ex

officio pelo relator do acórdão Min. Maurício Correa e oferecidos na condição de

amicus curiae (expressão contida nos votos do Min. Moreira Alves e do Min. Celso

de Mello), com intuito de definir a expressão ‘raça’” (BISCH, 2010, p. 115). Neste

caso, há divergência conceitual, pois a figura do parecerista não foi substituída pelo

amicus curiae em nosso direito processual.

Dessa forma, podemos concluir preliminarmente que, apesar da perspectiva de

previsão legal de amicus curiae em todo e qualquer processo e grau de jurisdição,

previsto no capítulo da intervenção de terceiros do novo Código de Processo Civil,91

a participação do amigo brasileiro é limitada a algumas espécies de ação, ao

contrário do amigo americano, que não sofre restrição dessa natureza.

2.2.1. Requisitos de admissibilidade

São dois os requisitos previstos na lei: relevância da matéria e

representatividade dos postulantes. A pertinência temática, embora não prevista na

lei, também é exigida pelo STF como requisito para admissão do memorial de

amicus curiae e consiste na relação que deve existir entre os fins institucionais e

atribuições do órgão ou entidade e o conteúdo do ato normativo impugnado por meio

da ação direta.

Como todas as matérias discutidas no controle de constitucionalidade são

relevantes socialmente, o requisito de relevância da matéria é considerado por

muitos autores como relevância daquela matéria específica para aquele grupo

representado pelo órgão ou entidade e, dessa forma, os dois requisitos – pertinência

e relevância – acabam se confundindo. Assim, para Edgard Silveira Bueno Filho,

“[...] se o processo está em andamento é porque é relevante a matéria. Com efeito,

91 Novo Código de Processo Civil. Art. 320. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da lide, poderá, por despacho irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes, solicitar ou admitir a manifestação de pessoa natural, órgão ou entidade especializada, no prazo de dez dias da sua intimação. Parágrafo único. A intervenção de que trata o caput não importa alteração de competência, nem autoriza a interposição de recursos.

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não se pode imaginar um processo de controle de constitucionalidade de matéria

irrelevante” (2002, p. 6).

Contudo, há também entendimento que a relevância da matéria diz respeito à

necessidade de que a entidade ou órgão comprove as implicações jurídicas

decorrentes da decisão proferida, com as consequentes repercussões políticas,

sociais, econômicas e culturais.

Quanto à representatividade dos postulantes, a doutrina entende ser a

verificação “se o órgão ou entidade postulante congrega dentre seus afiliados porção

significativa (quantitativa ou qualitativamente) dos membros do(s) grupo(s) social(is)

afetado(s)” (BINENBOJM, 2004, p. 5).

Importante notar que o requisito da representatividade é oriundo do direito

americano, como leciona Antonio do Passo Cabral:

A representatividade adequada (adequacy of representation) é requisito utilizado nas class actions norte-americanas para que o tribunal possa aferir se a parte que está em juízo defendendo direito supra-individual tem capacidade técnica e empreenderá uma proteção efetiva aos interesses dos membros da coletividade, que poderá ser atingida pelos efeitos da decisão e pela formação da coisa julgada mesmo em relação aos ausentes do litígio, como é típico nas demandas coletivas (2004, p. 21).

Entretanto, na jurisprudência do STF, o requisito da representatividade não é

objetivo, como se constata, por exemplo, pelo indeferimento de participação como

amicus curiae do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília

(DCE-UnB) na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 186),

ajuizada contra a instituição de cotas raciais na própria Universidade de Brasília

(UnB).

O Relator Min. Ricardo Lewandowski fundamentou o indeferimento com

precedente do próprio STF, afirmando que: “para legitimar-se, a intervenção

do amicus curiae deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua

atuação processual na causa, de forma a proporcionar meios que viabilizem uma

adequada resolução do litígio constitucional”.92 Dessa forma, o STF construiu mais

um requisito, além dos anteriores, para a admissão de amici curiae no controle de

constitucionalidade, criando mais uma restrição que o legislador não criou.

92 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI 2.321-MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 25/10/2000.

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79

Por este motivo, podemos concluir preliminarmente que, em nosso

procedimento, todo poder discricionário é dado ao relator, que pode indeferir a

participação de qualquer amicus curiae se considerar que não é “desejável e útil”

sua participação, mesmo estando presentes os requisitos de relevância da matéria e

representatividade do postulante. Em contrapartida, no procedimento americano, a

participação depende da anuência das partes, embora o juiz possa suprir o

consentimento delas posteriormente. Dessa forma, a participação do amigo

americano é praticamente ilimitada, enquanto a participação do amigo brasileiro é

limitada pela discricionariedade dos relatores.

2.2.2. Poderes recursais

Diversos autores entendem que, no art. 7º, §2º, é expressamente vedada a

possibilidade de recorrer da decisão que não admite o amicus curiae. Entretanto,

desde 2004, Gustavo Binenbojm tem entendimento diferente, transcrito a seguir:

A previsão de irrecorribilidade da decisão do relator se aplica, por óbvio, àquelas decisões de conteúdo positivo, pois o dispositivo menciona expressamente apenas como “despacho irrecorrível” [...] a decisão que admite a manifestação do amicus curiae. As decisões de conteúdo negativo – indeferitórias do ingresso formal do amicus – podem à evidência, ser impugnadas pelo interessado através do recurso cabível de agravo regimental (BINENBOJM, 2004, p.17, grifo no original).

Mesmo entendimento tem Daniela Medeiros93 e Cássio Scarpinella Bueno,

que acrescenta:

Para nós, o melhor entendimento é aquele que entende ser recorrível essa decisão, aplicando-se à hipótese a diretriz do sistema processual civil de que toda decisão monocrática proferida no âmbito dos tribunais é recorrível por intermédio do recurso de agravo, aqui na sua modalidade ‘interna’. (2008, p.172, grifo no original).

No mesmo sentido tem caminhado a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal como, por exemplo, na ADI-ED 3.615, de que foi relatora a Ministra Carmen

Lúcia, publicada em 24/4/2008: 93 Segundo a autora, “o postulante do amicus também tem a possibilidade de recurso contra o despacho do relator que indefere o pedido de intervenção nos autos. Isto decorre da interpretação de que a regra da irrecorribilidade da decisão inscrita no § 2º do art. 7º refere-se apenas à decisão positiva, que acolhe o pedido do interveniente na qualidade de amicus curiae. Se a manifestação já foi admitida, quis o legislador restringir o direito recursal, visualizando os fins práticos e a celeridade do processo, posto que desnecessário aceitar recurso de algo que já foi concedido. De outro modo, a decisão denegatória gera um agravo específico ao postulante, tolhido em seu direito de participar como interessado. Assim, é justo que queira impugnar o despacho, exercendo legítimo direito à inconformação” (2008, p.14).

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80

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR AMICUS CURIAE. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE. INTERPRETAÇÃO DO § 2º DA LEI N. 9.868/99. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é assente quanto ao não-cabimento de recursos interpostos por terceiros estranhos à relação processual nos processos objetivos de controle de constitucionalidade. 2. Exceção apenas para impugnar decisão de não-admissibilidade de sua intervenção nos autos. 3. Precedentes. 4. Embargos de declaração não conhecidos.

Entretanto, quanto à possibilidade de o amicus curiae recorrer da decisão de

mérito, a jurisprudência do STF está consolidada, segundo a citada Ministra, no

sentido do não-cabimento de recursos interpostos por terceiros nos processos

objetivos de controle de constitucionalidade94.

Parte da doutrina brasileira concorda com esse entendimento, considerando a

possibilidade de prejuízo à celeridade processual, entre outros princípios do

processo. Damares Medina, em coro com a jurisprudência majoritária do STF,

sintetiza bem sua posição contrária à recorribilidade da seguinte forma: “a

inexistência do direito subjetivo do amicus curiae a ingressar no processo de

controle de constitucionalidade [...] conduz, necessariamente, à impossibilidade de

reconhecer o interesse recursal do amigo da corte” (2010, p. 78).

Gustavo Binenbojm, ao contrário, não vê motivo lógico para que o amicus

curiae possa apresentar seus argumentos, por escrito ou oralmente, e não possa se

insurgir contra as decisões que contrariem tais argumentos. Afinal, se houve

interesse jurídico para participação do amicus curiae naquele processo, há

possibilidade de a decisão afetar, ainda que indiretamente, à esfera jurídica dos

amici curiae participantes e, portanto, haverá também legitimidade recursal (2004, p.

18-19).

Diante da controvérsia, podemos constatar que a legitimidade recursal do

amicus curiae vai depender do entendimento sobre a função a ser exercida por ele

no controle de constitucionalidade, se meramente informativa ou se efetivamente

democrática participativa.

94 Segundo a Ministra Carmem Lúcia, “nessa linha, por exemplo: ADPF 18-ED, Rel. Min. Menezes Direito, decisão monocrática, DJe 4.5.2009; ADI 1.199-ED, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão monocrática, DJ 26.5.2006; ADI 2.581-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, decisão monocrática, DJ 18.4.2002. Esse entendimento vale também para os casos nos quais houver sustentação oral pelo amicus curiae recorrente, conforme ficou decidido no julgamento dos Embargos de Declaração na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.615, do qual fui relatora” (DJe 24.4.2008).

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Se meramente informativo, o amicus curiae pode ser comparado a um perito

e não faz sentido o perito recorrer de uma decisão que contrarie seu parecer. Nesse

caso, a participação do amicus curiae se exaure após o fornecimento das

informações. Entretanto, se a função é democrática, faz todo sentido que o amicus

curiae possa recorrer de decisão que ele pretende ajudar a construir. De toda forma,

podemos concluir preliminarmente que, independente da função exercida, tanto o

amigo brasileiro quanto o americano não possuem o poder processual de recorrer

das decisões nos processos em que participam.

Finalmente cumpre esclarecer que o único recurso cabível da decisão de

mérito no controle concentrado de constitucionalidade são os embargos de

declaração.95

2.2.3. Sustentação oral

Em 2000, ainda no primeiro ano de vigência das Leis nº 9.868/99 e nº

9.882/99, o Ministro Celso de Mello defendeu a sustentação oral de terceiros

admitidos como amicus curiae da seguinte forma:

Daí, segundo entendo, a necessidade de assegurar, ao “amicus curiae”, mais do que o simples ingresso formal no processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, a possibilidade de exercer a prerrogativa da sustentação oral, perante esta Suprema Corte (grifo no original)96

Contudo, em decisão monocrática o então Presidente do Supremo, Ministro

Carlos Veloso, entendeu pela impossibilidade da sustentação oral.

Novamente submetida a matéria à análise do STF em 2001, o plenário, por

voto da maioria de seus membros, resolvendo questão de ordem, reiterou

entendimento já firmado em 2000, não permitindo sustentação oral por parte de

amicus curiae nos autos da ADI 2.223.

Foi somente em 2003 que o Supremo Tribunal Federal revisou seu

entendimento, por maioria dos votos, em questão de ordem na ADI 2777-8 relatada

95 Lei nº 9.868/99 Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória. 96 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI 2.321-MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 25/10/2000

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82

pelo Ministro Cezar Peluso, admitindo excepcionalmente a sustentação oral de uma

advogada representando vários amici curiae.97

Registre-se trecho do voto do Ministro Celso de Mello nesta ação direta de

inconstitucionalidade:

[...] entendo que a atuação processual do amicus curiae não deve limitar-se à mera apresentação de memoriais ou à prestação eventual de informações que lhe venham a ser solicitadas. Essa visão do problema – que restringisse a extensão dos poderes processuais do “colaborador do Tribunal” – culminaria por fazer prevalecer, na matéria, uma incompreensível perspectiva reducionista, que não pode (nem deve) ser aceita por essa Corte, sob pena de total frustração dos altos objetivos políticos, sociais e jurídicos visados pelo legislador na positivação da cláusula que, agora, admite o formal ingresso do amicus curiae no processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade.Cumpre permitir, desse modo, ao amicus curiae, em extensão maior, o exercício de determinados poderes processuais, como aquele consistente no direito de proceder à sustentação

oral das razões que justificaram a sua admissão formal.

Com a Emenda Regimental nº 15/2004, o artigo 131 do Regimento Interno do

Supremo Tribunal Federal (RISTF) garantiu quinze minutos (art.132) para a

sustentação oral de terceiros no controle concentrado de constitucionalidade:

Art. 131. Nos julgamentos, o Presidente do Plenário ou da Turma, feito o relatório, dará a palavra, sucessivamente, ao autor, recorrente, peticionário ou impetrante, e ao réu, recorrido ou impetrado, para sustentação oral. § 3º¹ Admitida a intervenção de terceiros no processo de controle concentrado de constitucionalidade, fica-lhes facultado produzir sustentação oral, aplicando-se, quando for o caso, a regra do § 2º do artigo 132 deste Regimento.

Assim, podemos concluir preliminarmente que, em nosso

procedimento, o amicus curiae tem voz, sendo assegurada sua sustentação oral

perante o tribunal, enquanto no procedimento americano, por depender da

autorização das partes, o amicus curiae praticamente não pode sustentar oralmente

suas razões.

2.2.4. Audiências públicas

Há controvérsia na doutrina brasileira acerca da relação do amicus curiae

com as audiências públicas.

97 São eles: os proprietários de 350 postos de combustíveis de São Paulo, duas empresas do ramo Transportador, Revendedor e Retalhista de combustível - a Servoil e a Grigolleto - além do Recap - Sindicato dos Revendedores de Combustíveis de Campinas e Região e da SP Combustíveis - Associação dos Revendedores do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo e Afins no Estado de São Paulo.

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Damares Medina afirma que: “os principais casos envolvendo o ingresso de

um grande número de amici curiae acabaram adotando o procedimento das

audiências públicas” (2010, p. 79) e cita como exemplos as ADI 3.510 (Pesquisa

com células-tronco), ADPF 54 (Anencefalia) e ADPF 101 (Importação de Pneus

usados). Entretanto, na ADPF 101, a Ministra Carmem Lúcia justifica a adoção do

procedimento das audiências públicas pela especificidade da matéria objeto da

discussão, e não, pelo grande número de amici curiae: “Também não se há

desconhecer que questões técnicas sobre a importação dos pneus e a forma de tal

providência ser adotada ou afastada, [...] impõe, para maior compreensão das

questões postas, audiência de especialistas”98.

Além disso, a Ministra faz claramente a distinção entre amici curiae e

participantes de audiência pública ao estabelecer que: “os amici curiae admitidos e

que manifestarem interesse em indicar especialistas para participar da audiência

pública deverão fazê-lo pelo endereço eletrônico [email protected], até o dia

20.6.2008, consignando a tese que defendem”. Assim, o sujeito que participa de

audiência pública é especialista, enquanto o amicus curiae é órgão ou entidade que

participa do processo e que poderá sustentar oralmente suas razões no dia do

julgamento.

A diferença entre a participação como amicus curiae e a participação em

audiência pública se torna ainda mais evidente na ADPF 186, onde quatorze amici

curiae requereram ingresso na ação e 252 requerimentos de participação na

audiência pública foram recebidos.

Apenas 42 pessoas tiveram a oportunidade de se manifestar na audiência,

sendo oito convidadas pelo Ministro Relator, quatro pelas partes e apenas seis amici

curiae. Apenas um participante da audiência pública requereu posteriormente

ingresso no feito como amicus curiae. Dessa forma, considerando que as regras e

os critérios para participar de audiências públicas são diferentes dos critérios para se

admitir a participação como amicus curiae, não há por que persistir nesta

controvérsia.

98 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADPF 101, Decisão monocrática, Rel. Min. Carmem Lúcia, DJ de 17/06/2008.

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Aliás, a ausência de regras claras e precisas em relação ao amicus curiae

tem sido uma característica do instituto, como já alertava Krislov em 1969:

Na medida em que a permissão para participar como um amigo da corte tem sido sempre uma questão de graça, em vez de direito, os tribunais, desde o início, têm evitado a definição precisa dos perímetros e das circunstâncias que envolvem a possível utilização do dispositivo. Isto, naturalmente, aumenta a discricionariedade judicial, ao mesmo tempo que maximiza a flexibilidade do dispositivo (KRISLOV, 1963, p.2, grifo e tradução nossos).

2.3. Função

Segundo Ana Lúcia de Lyra Tavares, no processo de adaptação de institutos

do common law, “verifica-se a criação de mecanismos complementares, a

combinação com elementos oriundos de outras fontes ou a atribuição de funções

diversas às que lhe são próprias na origem”. (1991, p.98-99, grifo nosso)

A atribuição de função diferente no STF ao instituto do amicus curiae oriundo

do direito americano é evidente, bastando por ora constatar que existem funções

pretendidas, como a democratização da interpretação constitucional, que são

distintas das funções efetivamente exercidas pela participação de terceiros na corte

suprema brasileira.

2.3.1. Função informativa

Na primeira menção expressa ao amicus curiae na jurisprudência do STF, sua

função seria meramente informativa, como se depreende do voto do Ministro Celso

de Mello no Agravo Regimental na ADI nº 748-499, transcrito a seguir:

Não se pode desconhecer, neste ponto – e nem há possibilidade de confusão conceitual com esse instituto –, que o órgão da Assembléia gaúcha claramente atuou, na espécie, como verdadeiro amicus curiae, vale dizer, produziu informalmente, e sem assumir a condição jurídica de sujeito do processo de controle normativo abstrato, peças documentais que, desvestidas de qualquer conteúdo jurídico, veiculam simples informações ou meros subsídios destinados a esclarecer as repercussões que, no plano social, no domínio pedagógico e na esfera do convívio familiar, tem representado, no Estado do Rio Grande do Sul, a experiência de implantação do Calendário Rotativo Escolar. (grifo nosso)

99 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI-AgR 748/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18.11.1994.

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Na doutrina brasileira, a função informativa tem sido valorizada desde o

primeiro livro publicado sobre o amicus curiae:

Convém ressaltar que a interpretação teleológica do instituto conduz à inexorável conclusão de que o seu escopo é pluralizar a discussão da matéria sub judice, expandindo-lhe os contornos, de modo a contribuir para a qualidade da decisão da Corte através da apresentação de novas informações, sejam atinentes a aspectos fáticos, jurídicos ou meramente hermenêuticos (AGUIAR, 2005, p.61).

Para Damares Medina, o amicus curiae pode atuar como mecanismo

mitigador ou potencializador da vantagem informativa das partes. Assim, ele pode

surgir para equilibrar a demanda, mas também pode “provocar um desequilíbrio

informacional que repercutirá diretamente no processo de tomada de decisão,

aumentando a vantagem informacional do lado apoiado, bem como as suas chances

de êxito” (2010, p.165).

Segundo Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá, o amicus curiae exerce dupla

função: instrumento de informação para o juiz e instrumento de participação

democrática.

2.3.2. Função democrática

A função do amicus curiae, pretendida pelo relator do projeto de lei, Gilmar

Mendes, seria a de conferir caráter pluralista ao processo objetivo de controle de

constitucionalidade, influenciado pelo conceito de sociedade aberta de intérpretes de

Peter Häberle, apresentado em livro traduzido por ele no mesmo ano.

Na apresentação, Gilmar Mendes afirma que:

Häberle enfatiza que os instrumentos de informação dos juízes constitucionais devem ser ampliados e aperfeiçoados, especialmente no referente às formas gradativas de participação e à própria possibilidade de interpretação no processo constitucional (notadamente nas audiências e nas “intervenções”).

Com as “intervenções”, ele pretendia ampliar o círculo de intérpretes da

Constituição, conferindo ao amicus curiae uma função democrática, considerando

que o controle abstrato de constitucionalidade, apesar de objetivo, não configura

simples questão jurídica de aferição de legitimidade da lei em face da Constituição.

Entretanto, segundo Inocêncio Mártires Coelho, “a proposta legislativa, [...]

nos termos em que foi enviada ao Congresso Nacional, acabou ficando aquém das

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expectativas” (COELHO, 1998, p.160), acrescentando que “os redatores finais do

projeto” viram-se obrigados a limitar a pretendida abertura na interpretação

constitucional.

2.3.3. Função legitimadora

Apesar da intenção de democratizar a interpretação constitucional, admitindo

a participação daqueles que atuam como “pré-intérpretes do complexo normativo

constitucional”, como cidadãos e grupos de interesse, órgãos estatais, o sistema

público e a opinião pública, de acordo com Gilmar Mendes na apresentação do livro

de Peter Häberle, não há, entretanto, dez anos após a “positivação” do instituto,

participação efetiva da sociedade.

Dessa forma, a função real da participação de amici curiae no STF não é a

função pretendida, conforme pode ser constatado em várias pesquisas como, por

exemplo, na de Aline Lisboa Naves Guimarães:

A pesquisa permitiu identificar que, a despeito de os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal exaltarem a sua aproximação da sociedade, há muita dificuldade em se desvencilhar do modelo restritivo anterior, de modo que o Tribunal busca referências e aplica concepções advindas de outros contextos para sustentar interpretações que excluem as entidades da sociedade civil (2009, p.5).

Sendo assim, parece que a verdadeira função do amicus curiae no Brasil foi

dar legitimidade às decisões do Supremo Tribunal Federal, se tratando apenas de

mais um instrumento – a audiência pública seria outro – para legitimação da

interpretação constitucional pelo procedimento.

A “legitimação pelo procedimento” é um conceito também desenvolvido por

Häberle no mesmo livro sobre a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição.

No capítulo sobre a “Legitimação do ponto de vista da teoria do direito, da teoria da

norma e da teoria da interpretação”, Häberle diferencia o seu conceito do de Niklas

Luhmann, da seguinte forma:

Também a “legitimação pelo procedimento” no sentido de Luhmann é uma legitimação mediante participação no procedimento. Todavia, trata-se aqui de algo fundamentalmente diferente: participação no processo não significa aptidão para aceitação de decisões e preparação para se recuperar de eventuais decepções (assim, Luhmann, Legitimation durch Verfahren, 1969, p. 27 s., 107 s.). Legitimação, que não há de ser entendida apenas em

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sentido formal, resulta da participação, isto é, da influência qualitativa e de conteúdo dos participantes sobre a própria decisão (2010, p. 31).

Desta forma, o amicus curiae brasileiro assumiu função legitimadora mais

próxima do conceito de Luhmann do que do conceito de Häberle.

Afinal, não há ainda comprovação de “influência qualitativa e de conteúdo”

dos amici curiae nas decisões do STF, apesar do estudo de Damares Medina

afirmar que “o amicus influencia o processo de tomada de decisão no STF” e

concluir que “o ingresso do amicus curiae contribui positivamente para o aumento

das alternativas interpretativas do processo de tomada de decisões, promovendo a

abertura procedimental e a pluralização da jurisdição constitucional” (2010, p. 168-

170).

José Guilherme Berman conclui de forma diversa, e com a qual concordamos,

em seu estudo sobre a democratização da interpretação constitucional pelo

Supremo Tribunal Federal:

Tudo isso parece indicar que a assimilação do pensamento de Häberle é feita de forma parcial, apenas para legitimar um ativismo e uma supremacia judicial na interpretação da Constituição que se desenham de maneira cada vez mais forte entre nós. (2009, p.17)

Assim, constata-se que o chamamos de amicus curiae nos dois

ordenamentos jurídicos em comparação são institutos semelhantes, porém

diferentes, pois exercem diferentes funções na jurisdição constitucional das duas

cortes supremas.

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Capítulo 3 – Caso-referência: Cotas nas universidades brasileiras

3.1. Ação afirmativa no Brasil

As ações afirmativas são recentes no Brasil. As políticas públicas pioneiras no

ensino público superior foram criadas pelas leis estaduais no 3.524/00 e 3.708/01,

para a seleção de estudantes na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e

na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) através do sistema de

reserva de vagas para negros que foi levado a efeito no Exame Vestibular de 2003.

Cerca de trezentos candidatos brancos que não obtiveram êxito no exame

vestibular, mas que tiraram nota superior às obtidas pelos vestibulandos

beneficiários do sistema de reserva de vagas, impetraram mandados de segurança

contra as universidades requerendo a vaga que lhes foi negada. Além disso, um

deputado estadual propôs no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro duas

Representações por Inconstitucionalidade contra as leis estaduais e a CONFENEN -

Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino ajuizou perante o Supremo

Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2858) contra essas

mesmas leis em 19/03/2003.

Nesse caso, o STF negou pedido liminar para a suspensão provisória dos

efeitos das leis, mas antes que a ação fosse julgada no mérito, a Assembléia

Legislativa do Estado do Rio de Janeiro editou uma nova lei (nº 4.151/03), que

revogou as leis anteriores, estabelecendo novas cotas: uma reserva de vagas de

45% (quarenta e cinco por cento) para os próximos cinco anos, distribuída da

seguinte forma: 20% (vinte por cento) para os estudantes advindos da Rede Pública

de Ensino, 20% (vinte por cento) para negros e 5% (cinco por cento) para pessoas

com deficiência e integrantes de outras minorias étnicas. Esse fato importou na

extinção da ADI por perda de objeto, pois a lei impugnada não se encontrava mais

em vigor.

A nova ação ajuizada em 3 de maio de 2004 pela CONFENEN (ADI 3197),

que dispõe sobre a constitucionalidade da ação afirmativa imposta pela Lei Estadual

4.151/03, contou com 25 manifestações de amicus curiae e é a ADI que conta com

maior número de manifestações de associações civis de defesa de direitos

(ALMEIDA, 2006, p.82).

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Após vários pedidos de ingresso como amici curiae100 e várias reiterações

desses pedidos, em 19 de dezembro de 2008, é protocolada petição do Estado do

Rio de Janeiro, comunicando a revogação da Lei nº 4.151/03 e requerendo, mais

uma vez, que o processo seja julgado prejudicado.

A ação foi inicialmente distribuída ao Ministro Sepúlveda Pertence e, com sua

aposentadoria (agosto/2007), distribuída ao Ministro Menezes Direito em agosto de

2009. Com o falecimento do ministro (setembro/2009), foi distribuída ao Ministro

Dias Toffoli, que se declarou impedido por ter atuado como Advogado-Geral da

União. Finalmente, a ação foi redistribuída em fevereiro de 2010 para o Ministro

Celso de Mello e está sem andamento desde então. Entretanto, também já perdeu o

objeto devido à nova Lei 5346, de 11 de dezembro de 2008.

Importante registrar que várias organizações que pediram ingresso como

amicus curiae na ADI da UERJ, não o fizeram na ADPF da UnB, além de notar a

presença na ação direta de inconstitucionalidade de algumas organizações de cunho

religioso como a Congregação Espírita Beneficente Pai Jerônimo e o Templo da

Águia Dourada e a presença da Grande Loja Maçônica do Estado do Rio de Janeiro.

3.2. ADPF 186 e Recurso Extraordinário 597.285/RS

Em 20 de julho de 2009, cinco anos após o ajuizamento da ADI 3197 e sete

meses após a sua perda de objeto, a Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental 186 foi ajuizada pelo Partido Democratas em face da Universidade de

Brasília – UnB, visando a declaração de inconstitucionalidade de ação afirmativa que

100 Associação Carnavalesca Bloco Afro Olodum; Central Única das Favelas do Rio de Janeiro (CUFA); Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro (CIDAN); Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP); Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT); Comunidade Bahá'ís do Brasil; Conectas Direitos Humanos; Congregação Espírita Beneficente Pai Jerônimo; Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB); Conselho Religioso do Instituto de Desenvolvimento Cultural (INDEC); CRIOLA; Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (EDUCAFRO); Fala Preta! Organização de Mulheres Negras; Grande Loja Maçônica do Estado do Rio de Janeiro (GLMERJ); Ilé Axé Ya Manjele e o Templo da Águia Dourada Sagrada; Ilé Omi Ojú Aro; Instituto da Mulher Negra (GELEDÉS); Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA); Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO); Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (INSPIR); Núcleo de Estudos Negros; Irohin; Movimento Pardo-Mestiço-Brasileiro (MPMB); Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural (AFROBRAS); Sociedade Nossa Senhora das Candeias.

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reserva 20% (vinte por cento) do total das vagas oferecidas pela universidade a

candidatos negros.

O Recurso Extraordinário 597.285/RS foi interposto em 10 de fevereiro de

2009 em face da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRS por Giovane

Pasqualito Fialho, que foi reprovado na prova do vestibular de 2008 para o curso de

Administração. Havia 160 vagas e Fialho obteve a 132ª melhor nota. Entretanto,

como 30% das vagas (48) foram reservadas a candidatos em razão de sua etnia e

condição social e 10 vagas a candidatos indígenas, o estudante foi reprovado para

as vagas universais por conta das vagas reservadas. Fialho é filho de pai negro e

mãe branca.101

Em 4 de agosto de 2009, a ADPF foi distribuída ao Ministro Ricardo

Lewandowski, relator do RE 597.285, e no dia 10 de agosto a Central Única dos

Trabalhadores (CUT) protocolou o primeiro pedido de ingresso como amicus curiae.

No dia 15 de setembro de 2009, antes da “solicitação de ingresso no feito na

qualidade de amicus curiae” da Defensoria Pública da União e de cinco

organizações defensoras de direitos dos negros (Instituto de Advocacia Racial e

Ambiental - IARA, da AFROBAS - Sociedade Afro-Brasileira de Desenvolvimento

Sócio Cultural, do ICCAB - Instituto Casa da Cultura Afro-Brasileira, do IDDH -

Instituto de Defensores dos Direitos Humanos, e da CRIOLA), o Ministro Relator

convocou audiência pública para:

ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em matéria de políticas de ação afirmativa no ensino superior. No que tange à arguição de descumprimento de preceito fundamental, a ação foi proposta contra atos administrativos que resultaram na utilização de critérios raciais para programas de admissão na Universidade de Brasília - UnB. Os dispositivos tidos por afrontados são os artigos 1º, caput e III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II, XXXIII, XLII e LIV, 37, caput, 205, 206, caput e I, 207, caput, e 208, V, da Constituição Federal. No que concerne ao recurso extraordinário, este foi interposto contra acórdão que julgou constitucional o sistema de reserva de vagas (sistema de "cotas") como forma de ação afirmativa estabelecido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS como meio de ingresso em seus cursos de ensino superior. (...) O debate em questão consubstancia-se na constitucionalidade do sistema de reserva de vagas,

101 Filho de pai negro e mãe branca, Fialho se diz prejudicado pela política da UFRGS. “Eu não sou negro, nem branco”, diz. “Meu pai é negro e de família pobre. Estudou a vida toda em escola pública e conseguiu passar em concurso público sem cotas. Com esforço, conseguiu me dar condição de estudar em escola particular. Agora, estou sendo prejudicado por isso”, afirma. http://www.gazetadopovo.com.br/ensino/conteudo.phtml?tl=1&id=979037&tit=Vidas-mudadas-pelas-cotas. Acesso em 20 de dezembro de 2010 às 13:17h.

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baseado em critérios raciais, como forma de ação afirmativa de inclusão no ensino superior.

A audiência pública foi realizada no mês de março de 2010 e organizada

para durar três dias.

No primeiro dia (3 de março) foram ouvidas as partes dos processos e as

instituições estatais responsáveis pela regulação e organização das políticas

nacionais de educação e de combate à discriminação étnica e racial (Ministério da

Educação, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial,

Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Fundação Nacional do Índio e Comissão

de Constituição e Justiça do Senado Federal), bem como a instituição responsável

por mensurar os resultados dessas políticas públicas (Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada - IPEA), todas instituições convidadas pelo Ministro-Relator.

Na Suprema Corte, essas instituições iriam requerer o ingresso como amicus

curiae e apenas o Solicitor General seria provavelmente convidado, caso não

estivesse participando como amicus curiae.

No segundo dia (4 de março) houve o início do contraditório, com cinco

defensores da inconstitucionalidade das políticas de reservas de vagas falando

primeiro e em seguida os cinco defensores da tese da constitucionalidade.

A divisão dos participantes da audiência pública entre os que apóiam uma ou

outra tese demonstra a impossibilidade de exigir neutralidade do participante de

audiência pública, assim como do amicus curiae. Afinal, há que se decidir

dicotomicamente entre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma

determinada matéria.

A primeira organização a falar na audiência pública contra a reserva de

vagas, na verdade, é um movimento que defende a tese da constitucionalidade das

cotas sociais para os estudantes hipossuficientes e critica apenas o desvirtuamento

do “espírito da política das ações afirmativas” nas universidades públicas, pois,

segundo o movimento, ao invés de beneficiar alunos carentes, acabou beneficiando

estudantes oriundos de escolas de excelência de todo o país. Os demais

especialistas contrários à reserva de vagas eram um médico-geneticista, duas

antropólogas e um historiador.

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Entre os defensores da constitucionalidade das cotas, se encontrava a

Conectas Direitos Humanos (CDH), recordista na participação como amicus curiae

no STF, e um cientista político que participou das reuniões de elaboração do amicus

curiae apresentado pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), no

caso Grutter v. Bollinger e trouxe ao debate a questão da diversidade que seria

necessária às universidades para produzir conhecimento.102

No terceiro dia (5 de março), pela manhã, houve a continuação do

contraditório, invertendo a ordem, com cinco defensores da constitucionalidade das

reservas de vagas falando primeiro e em seguida os cinco defensores da tese da

inconstitucionalidade.

Com tantos pedidos para participar da audiência pública indeferidos, é

importante registrar que a Fundação Cultural Palmares obteve permissão para falar

por duas vezes em favor da reservas de vagas no ensino superior.

O período da tarde foi destinado à apresentação das experiências das

universidades públicas na aplicação das políticas de reserva de vagas para acesso

ao ensino superior.

No caso Grutter v. Bollinger as universidades apoiaram ambos os lados como

amici curiae, sendo que a Massachusetts School of Law participou “sem apoio a

quaisquer das partes”,103 apresentando o seu próprio programa de admissão como

exemplo para aumentar a diversidade sem considerar raça nas admissões.

Nenhuma universidade no Brasil requereu ingresso como amicus curiae, nem

ao menos a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade

Estadual do Norte Fluminense (UENF), e apenas cinco universidades participaram

da audiência pública: Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de

Santa Maria (UFSM), Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Universidade

Federal de Santa Catarina (UFSC).

102 Leonardo Avritzer, Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, afirmou que: “senhores Ministros, a universidade só é capaz de cumprir sua missão de produzir conhecimento se há diversidade de atores e de saberes no seu interior.” 103 Tradução livre do original: in support of neither party.

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Registre-se ainda que a iniciativa das ações afirmativas americanas é das

próprias universidades e não do legislativo, como no caso das universidades do

Estado do Rio de Janeiro.

No final da audiência pública, a Associação dos Juízes Federais expôs como

tem julgado os conflitos decorrentes da aplicação das ações afirmativas. Na

Suprema Corte, os juízes teriam ingressado como amici curiae também em apoio a

ambos os lados, como fez o juiz federal da 2ª Vara Federal de Florianópolis,

contrário à reserva de vagas, que falou na parte da manhã desse mesmo dia.

3.3. Participação de amici curiae

De acordo com o andamento processual, quatorze amici curiae104 requereram

ingresso como amicus curiae na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental

- ADPF 186, sendo que dois tiveram seu pedido indeferido (CUT/DF e DCE/UnB).

Na ADI da UERJ, vinte e cinco amici curiae ingressaram na ação e, portanto, muitos

deles não repetiram a participação na ADPF da UnB.

No Recurso Extraordinário 597.285/RS apenas a União solicitou ingresso

como Terceiro Interessado.

Após a audiência pública, dois amici curiae requereram ingresso: um deles

(DCE/UnB) teve sua participação indeferida e o outro (Movimento Contra o

Desvirtuamento do Espírito da Reserva de Quotas Sociais) requereu apenas em 1º

de julho, depois de ter sido a primeira entidade a falar no primeiro dia do

contraditório.

Duzentos e cinqüenta e dois requerimentos de participação na audiência

pública foram recebidos, mas apenas 42 pessoas fizeram apresentações, sendo que

oito convidados pelo relator e quatro pelas partes das duas ações (ADPF e RE).

Assim, 222 requerimentos foram negados.

104 São eles: Central Única dos Trabalhadores (CUT); Conectas Direitos Humanos; CRIOLA; Defensoria Pública da União (DPU); Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília (DCE-UnB); Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (EDUCAFRO); Fundação Cultural Palmares; Fundação Nacional do Índio (FUNAI); Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA); Instituto de Direito Público e Defesa Comunitária Popular (IDEP); Movimento Contra o Desvirtuamento do Espírito da Política de Ações Afirmativas nas Universidades Públicas; Movimento Negro Unificado (MNU); Movimento Pardo-Mestiço-Brasileiro (MPMB); Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural (AFROBRAS).

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Dos doze amici curiae cuja participação no processo foi deferida, inclusive

para sustentação oral no dia do julgamento, apenas seis foram autorizados a falar

na audiência pública, sendo que um deles, Fundação Cultural Palmares, fez duas

apresentações.

O Estado do Rio de Janeiro, possivelmente por causa da ADI da UERJ e da

UENF, requereu participação apenas na audiência pública, mas teve seu pedido

negado por ter sido feito após o prazo. Apesar de ainda estar no prazo para

participar como amicus curiae, o Estado do Rio de Janeiro ainda não apresentou

requerimento neste sentido.

Registre-se, finalmente, que, além dos vinte amici curiae que participaram da

ADI da UERJ que não quiseram apresentar memoriais na ADPF da UnB, duzentos e

vinte e duas pessoas que tiveram sua participação na audiência pública indeferida,

também não quiseram participar como amicus curiae, mesmo com a possibilidade de

sustentação oral no dia do julgamento.

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CONCLUSÃO

Ao cotejar a utilização do amicus curiae na Suprema Corte americana e no

Supremo Tribunal Federal brasileiro, nosso objetivo foi ampliar o olhar crítico sobre o

amicus curiae brasileiro na dimensão teórica e, principalmente, na dimensão prática.

Em ambas as dimensões, encontramos semelhanças e diferenças

significativas que permitem as seguintes conclusões:

Tradição jurídica

Em relação à contextualização necessária, não há, de fato, incompatibilidade

entre o amicus curiae e o direito constitucional brasileiro. As diferenças na

configuração do modelo brasileiro podem ser explicadas por uma provável

adaptação durante o processo de recepção do instituto com inspiração simultânea

em mais de uma fonte – americana e européia – seguindo uma tendência tradicional

do legislador brasileiro.

Apesar de o direito constitucional brasileiro se inspirar na common law

americana, nossos juízes têm formação na cultura jurídica da civil law. Para a

tradição da common law, maior importância é dada ao caso concreto e ao

procedimento judicial, consequentemente, àquilo que as partes podem trazer de

contribuição para o processo, enquanto que, para a tradição romano-germânica, o

destaque maior é do direito substancial. Assim, maior importância é naturalmente

dada à lei e não à contribuição de amici curiae na jurisdição constitucional brasileira.

Sistema judicial

No sistema acusatório americano, a participação voluntária de terceiros não é

bem vinda pelas partes, que conduzem o processo. Talvez por este motivo, os amici

curiae acabem sendo utilizados estrategicamente pelas partes como arma

acusatória e sendo caracterizados pelo partidarismo na sua atuação.

Em nosso sistema inquisitorial, o juiz conduz o processo e tem liberdade para

ouvir terceiros. Assim, a participação voluntária de terceiros é bem vinda, mas se

espera maior neutralidade do amicus curiae e, por este motivo, grande parte da

doutrina brasileira não aceita a participação interessada ou partidária do amigo

brasileiro.

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As cortes supremas

Uma das diferenças mais significativas na comparação do instituto consiste

na relevância da participação de amici curiae na fase de certiorari da Suprema Corte

americana comparada à total ausência deles na aferição de repercussão geral pelo

STF.

Apesar da previsão normativa para a participação do amicus curiae nessa

decisão fundamental, não há praticamente notícia de amici curiae contribuindo na

análise e reconhecimento de repercussão geral dos milhares de processos

submetidos ao STF nos últimos três anos.

Com a participação de amici curiae em pouco mais de 13% das ações do

controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADC e ADPF) de 1999 até 2008 e

nenhuma participação na aferição de repercussão geral no controle difuso de

constitucionalidade, podemos também concluir que não há efetiva participação da

sociedade como amicus curiae no Supremo Tribunal Federal brasileiro.

Histórico

Na comparação do histórico do amicus curiae, podemos concluir que nos

Estados Unidos, ele foi um dispositivo flexível e útil para lidar com algumas das

dificuldades apresentadas pelas características do common law e do sistema

acusatório, permitindo, em especial, a representação de órgãos governamentais e

dos estados americanos.

No Brasil, ele foi um dispositivo criado para flexibilizar a vedação à

participação de terceiros no controle abstrato/concentrado de constitucionalidade,

permitindo, em especial, a representação das associações de classe ou profissionais

e, apenas em segundo plano, a participação das associações de defesa de direitos.

Participantes

A diferença quanto à participação de indivíduos não é tão significativa quanto

parecia em um primeiro momento da pesquisa. Com a inclusão de membros do

Poder Judiciário e do Poder Legislativo, nosso percentual superou o percentual

americano, nos permitindo concluir que a vedação existente no Brasil quanto à de

participação individual talvez não afaste tantos indivíduos da jurisdição

constitucional.

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Quanto à participação de órgãos governamentais como amicus curiae, ela é

muito mais necessária nos Estados Unidos que no Brasil devido à forma de controle

de constitucionalidade. Como não há controle abstrato, se os órgãos

governamentais não participarem como amicus curiae (ou não ajuizarem ações na

primeira instância federal), não terão a possibilidade de participar da jurisdição

constitucional. Além disso, o percentual é maior devido à participação do Solicitor

General como fiscal da lei nos Estados Unidos, o que no Brasil é papel do Ministério

Público.

A participação de grupos de interesses é assumidamente lobby judicial nos

Estados Unidos e uma grande diferença é o fato de os grupos de interesse

necessitarem ajuizar várias ações em vários estados americanos com o objetivo de

que alguma acabe chegando à Suprema Corte. A participação como amicus curiae

nos Estados Unidos é uma oportunidade para os grupos de interesse participarem

das decisões devido ao custo dos processos.

No Brasil, os grupos de interesses não têm esta preocupação e, apesar da

maior visibilidade, as associações civis de defesa de direitos representam apenas

21% do total de amici curiae, com participação menos significativa que a mesma

categoria apresenta na Suprema Corte americana (31%).

Contudo, a participação de associações de classe na jurisdição constitucional

brasileira é bem mais expressiva que na Suprema Corte americana (27%), pois

corresponde a 40% da atuação como amicus curiae somada à atuação como

requerente de ações diretas de inconstitucionalidade.

Interesse

Quanto ao interesse de os amici curiae participarem de processos,

encontramos uma semelhança: a ausência de neutralidade é utilizada como motivo

para indeferir a participação de amici curiae tanto nos Estados Unidos, quanto no

Brasil em outros graus de jurisdição. Entretanto, na Suprema Corte, os amici curiae

partidários são aceitos e esperados, haja vista a existência de cor específica da

capa da manifestação para o lado que está sendo apoiado, enquanto no STF, há

ainda indefinição quanto ao interesse esperado, se neutro ou partidário.

Neste sentido, em se tratando de jurisdição constitucional, concluímos pela

impossibilidade de neutralidade absoluta, além da improvável exclusividade de

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interesse próprio. Nas ações do controle de constitucionalidade, o terceiro que se

manifestar no processo será amicus curiae se apresentar interesse apenas objetivo

e também quando apresentar interesse subjetivo conjugado com objetivo. Afinal, é

justamente a coexistência de advocacia e de amizade desinteressada o ponto forte

do instituto processual.

Procedimentos

Nos Estados Unidos, o amicus curiae é normatizado de forma ampla nas

regras da Suprema Corte, ao contrário do Brasil, onde temos poucos artigos de lei,

reproduzidos no regimento interno do Supremo Tribunal Federal, regulando sua

participação.

Uma diferença em favor do instituto brasileiro deve ser apontada: a

sustentação oral é mais restrita nos Estados Unidos que no Brasil. Assim, em nosso

procedimento, o amicus curiae tem voz, sendo assegurada sua sustentação oral

perante o tribunal, enquanto no procedimento americano, por depender da

autorização das partes, o amicus curiae praticamente não sustenta oralmente suas

razões perante a Suprema Corte.

Contudo, a maior diferença em relação aos procedimentos é que, no Brasil,

todo poder discricionário é dado ao relator, que pode indeferir a participação de

qualquer amicus curiae se considerar que não é “desejável e útil” sua participação,

mesmo estando presentes os requisitos de relevância da matéria e

representatividade do postulante.

No procedimento americano, a participação depende apenas da anuência das

partes, embora o juiz possa suprir o consentimento delas posteriormente. Dessa

forma, a participação do amigo americano é praticamente ilimitada, enquanto a

participação do amigo brasileiro é limitada pela discricionariedade dos relatores.

Em ambos os ordenamentos, o amicus curiae não pode recorrer da decisão

de mérito.

Função

Nos Estados Unidos, a função preponderante é a função lobista e estratégica

das partes, enquanto no Brasil, a verdadeira função do amicus curiae parece ser dar

legitimidade às decisões do Supremo Tribunal Federal.

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A atribuição de função diferente no STF ao instituto do amicus curiae oriundo

do direito americano é evidente, sendo que a função pretendida, como a

democratização da interpretação constitucional, não corresponde à realidade

brasileira, principalmente levando em conta os percentuais de participação e os

procedimentos adotados no Brasil.

Casos-referência

Várias são as diferenças encontradas na participação de amici curiae nas

ações afirmativas para utilização do critério de raça para ingresso no ensino

superior, apesar de a ação afirmativa brasileira ainda não ter sido julgada pelo

Supremo Tribunal Federal.

A primeira delas é quantitativa: apenas 16 dezesseis amici curiae requereram

ingresso na ação afirmativa brasileira, enquanto na americana foram apresentados

84 memoriais por faculdades, universidades, associações de alunos, de professores,

empresas, entre outros, além de quase 20 memoriais apresentados por indivíduos.

A segunda diferença é qualitativa: nenhuma universidade brasileira requereu

ingresso como amicus curiae na ADPF da Universidade de Brasília (UnB), nem ao

menos a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual

do Norte Fluminense (UENF), que também estavam tendo suas ações afirmativas

questionadas judicialmente.

Apenas cinco universidades participaram da audiência pública: Universidade

Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade do Estado do

Amazonas (UEA) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nenhuma

destas universidades e nenhuma das outras universidades federais que serão

afetadas pela decisão da ADPF requereu ingresso como amicus curiae para

apresentar suas razões e colaborar na construção desta decisão.

Outra grande diferença é a participação ampla e representativa de vários

setores da sociedade americana em Grutter v. Bollinger e não apenas de

organizações do movimento negro. Os memoriais apresentados por grandes

empresas americanas listadas entre as 500 maiores da revista Fortune, como a

General Motors e a 3M, e os memoriais de oficiais aposentados e de líderes civis do

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exército americano comprovam o envolvimento de toda a sociedade americana nas

questões constitucionais.

Registre-se ainda que a iniciativa das ações afirmativas americanas é das

próprias universidades e não do legislativo, como ocorreu no caso das universidades

do Estado do Rio de Janeiro, apesar da autonomia das universidades brasileiras

para definirem seus critérios de ingresso.

Outra diferença significativa é que, na ação afirmativa americana, todos os

memoriais de amici curiae foram recebidos e juntados aos autos, apesar de alguns

deles não apresentarem o requisito de matéria nova como o memorial com a

assinatura de 13.922 estudantes de direito de todo os Estados Unidos. Entretanto,

na ação afirmativa brasileira, que tem a Universidade de Brasília como argüida, o

Diretório Central dos Estudantes da própria Universidade de Brasília teve sua

participação como amicus curiae indeferida pelo Ministro-Relator, apesar de possuir

os dois requisitos necessários a sua participação.

Estas diferenças reforçam as conclusões quanto à ausência de função

democrática e predominância de função legitimadora do amicus curiae brasileiro.

Finalmente, o caso-referência brasileiro nos apresenta um novo aspecto

sobre a participação de amicus curiae no Supremo Tribunal Federal que, devido aos

novos questionamentos abertos, não poderá ser aprofundado na presente pesquisa,

mas que deve ser mencionado para pesquisas futuras.

Duzentos e cinqüenta e dois requerimentos de participação na audiência

pública foram recebidos, mas duzentos e vinte e dois requerimentos foram

indeferidos e nenhum deles requereu ingresso na ação como amicus curiae, apesar

da possibilidade de sustentação oral no julgamento da ADPF.

Mais de 200 pessoas pretendiam se manifestar em audiência pública sobre a

constitucionalidade da ação afirmativa da UnB, mas não se sabe quem são, nem o

motivo de não terem interesse em se manifestar através de memoriais nos autos da

ação e, eventualmente, sustentar oralmente suas razões no dia do julgamento pelo

STF.

A relação dos requerimentos indeferidos não consta das informações sobre a

audiência pública fornecidas na página do Supremo Tribunal Federal na internet,

nem do andamento processual da ADPF. Nem mesmo o Gabinete do Ministro

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Ricardo Lewandowski, consultado por telefone, possui uma relação dos

requerimentos indeferidos, que foram direcionados para um endereço eletrônico e

não foram divulgados ou juntados ao processo.

Desta forma, futura pesquisa sobre a motivação dos requerentes para

participar de audiência pública, televisionada pela TV Senado, e não participar nos

autos como amicus curiae, é essencial para a devida compreensão do instituto em

sua configuração brasileira.

Concluímos, portanto, que não há dúvida de que os amici curiae são

efetivamente importantes no processo decisório da Suprema Corte americana.

Segundo vários autores, eles moldaram as decisões judiciais em mais casos do que

se imagina e Ennis afirma que os amici curiae não são “only icing on the cake. In

reality, they are often the cake itself”105.

No Brasil, os amici curiae são, por enquanto, apenas um elemento de

decoração.

105 Tradução livre: apenas o glacê do bolo. Em realidade, eles são geralmente o próprio bolo.

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ANEXOS

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ANEXO A

Federal Rules of Civil Procedures

Rule 24. Intervention

(a) Intervention of Right.

On timely motion, the court must permit anyone to intervene who:

(1) is given an unconditional right to intervene by a federal statute; or

(2) claims an interest relating to the property or transaction that is the subject of the action, and is so situated that disposing of the action may as a practical matter impair or impede the movant's ability to protect its interest, unless existing parties adequately represent that interest.

(b) Permissive Intervention.

(1) In General.

On timely motion, the court may permit anyone to intervene who:

(A) is given a conditional right to intervene by a federal statute; or

(B) has a claim or defense that shares with the main action a common question of law or fact.

(2) By a Government Officer or Agency.

On timely motion, the court may permit a federal or state governmental officer or agency to intervene if a party's claim or defense is based on:

(A) a statute or executive order administered by the officer or agency; or

(B) any regulation, order, requirement, or agreement issued or made under the statute or executive order.

(3) Delay or Prejudice.

In exercising its discretion, the court must consider whether the intervention will unduly delay or prejudice the adjudication of the original parties' rights.

(c) Notice and Pleading Required.

A motion to intervene must be served on the parties as provided in Rule 5. The motion must state the grounds for intervention and be accompanied by a pleading that sets out the claim or defense for which intervention is sought.

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ANEXO B

Numbers of Cases and Briefs Filed by Type of Amicus

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ANEXO C

Amicus curiae protocolados nas ações de controle concentrado de

constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal por categoria – 1999 a 2005

paiva
Stamp
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ANEXO D

Rules of the Supreme Court of the United States

Rule 37. Brief for an Amicus Curiae

1. An amicus curiae brief that brings to the attention of the Court relevant matter not already brought to its attention by the parties may be of considerable help to the Court. An amicus

curiae brief that does not serve this purpose burdens the Court, and its filing is not favored.

2. (a) An amicus curiae brief submitted before the Court’s consideration of a petition for a writ of certiorari, motion for leave to file a bill of complaint, jurisdictional statement, or petition for an extraordinary writ may be filed if accompanied by the written consent of all parties, or if the Court grants leave to file under subparagraph 2(b) of this Rule. An amicus curiae brief in support of a petitioner or appellant shall be filed within 30 days after the case is placed on the docket or a response is called for by the Court, whichever is later, and that time will not be extended. An amicus curiae brief in support of a motion of a plaintiff for leave to file a bill of complaint in an original action shall be filed within 60 days after the case is placed on the docket, and that time will not be extended. An amicus curiae brief in support of a respondent, an appellee, or a defendant shall be submitted within the time allowed for filing a brief in opposition or a motion to dismiss or affirm. An amicus curiae shall ensure that the counsel of record for all parties receive notice of its intention to file an amicus curiae brief at least 10 days prior to the due date for the amicus curiae brief, unless the amicus curiae brief is filed earlier than 10 days before the due date. Only one signatory to any amicus curiae brief filed jointly by more than one amicus curiae must timely notify the parties of its intent to file that brief. The amicus curiae brief shall indicate that counsel of record received timely notice of the intent to file the brief under this Rule and shall specify whether consent was granted, and its cover shall identify the party supported.

(b) When a party to the case has withheld consent, a motion for leave to file an amicus

curiae brief before the Court’s consideration of a petition for a writ of certiorari, motion for leave to file a bill of complaint, jurisdictional statement, or petition for an extraordinary writ may be presented to the Court. The motion, prepared as required by Rule 33.1 and as one document with the brief sought to be filed, shall be submitted within the time allowed for filing an amicus curiae brief, and shall indicate the party or parties who have withheld consent and state the nature of the movant’s interest. Such a motion is not favored.

3. (a) An amicus curiae brief in a case before the Court for oral argument may be filed if accompanied by the written consent of all parties, or if the Court grants leave to file under subparagraph 3(b) of this Rule. The brief shall be submitted within 7 days after the brief for the party supported is filed, or if in support of neither party, within 7 days after the time allowed for filing the petitioner’s or appellant’s brief. An electronic version of every amicus

curiae brief in a case before the Court for oral argument shall be transmitted to the Clerk of Court and to counsel for the parties at the time the brief is filed in accordance with guidelines established by the Clerk. The electronic transmission requirement is in addition to the requirement that bookletformat briefs be timely filed. The amicus curiae brief shall specify whether consent was granted, and its cover shall identify the party supported or indicate whether it suggests affirmance or reversal. The Clerk will not file a reply brief for an amicus

curiae, or a brief for an amicus curiae in support of, or in opposition to, a petition for rehearing.

(b) When a party to a case before the Court for oral argument has withheld consent, a motion for leave to file an amicus curiae brief may be presented to the Court. The motion, prepared as required by Rule 33.1 and as one document with the brief sought to be filed, shall be submitted within the time allowed for filing an amicus curiae brief, and shall indicate the party or parties who have withheld consent and state the nature of the movant’s interest.

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4. No motion for leave to file an amicus curiae brief is necessary if the brief is presented on behalf of the United States by the Solicitor General; on behalf of any agency of the United States allowed by law to appear before this Court when submitted by the agency’s authorized legal representative; on behalf of a State, Commonwealth, Territory, or Possession when submitted by its Attorney General; or on behalf of a city, county, town, or similar entity when submitted by its authorized law officer.

5. A brief or motion filed under this Rule shall be accompanied by proof of service as required by Rule 29, and shall comply with the applicable provisions of Rules 21, 24, and 33.1 (except that it suffices to set out in the brief the interest of the amicus curiae, the summary of the argument, the argument, and the conclusion). A motion for leave to file may not exceed 1,500 words. A party served with the motion may file an objection thereto, stating concisely the reasons for withholding consent; the objection shall be prepared as required by Rule 33.2.

6. Except for briefs presented on behalf of amicus curiae listed in Rule 37.4, a brief filed under this Rule shall indicate whether counsel for a party authored the brief in whole or in part and whether such counsel or a party made a monetary contribution intended to fund the preparation or submission of the brief, and shall identify every person other than the amicus

curiae, its members, or its counsel, who made such a monetary contribution. The disclosure shall be made in the first footnote on the first page of text.

Rule 28. Oral Argument

4. Only one attorney will be heard for each side, except by leave of the Court on motion filed in time to be considered at a scheduled Conference prior to the date of oral argument and no later than 7 days after the respondent’s or appellee’s brief on the merits is filed. Any request for divided argument shall be presented by motion under Rule 21 and shall set out specifically and concisely why more than one attorney should be allowed to argue. Divided argument is not favored.

7. By leave of the Court, and subject to paragraph 4 of this Rule, counsel for an amicus

curiae whose brief has been filed as provided in Rule 37 may argue orally on the side of a party, with the consent of that party. In the absence of consent, counsel for an amicus curiae

may seek leave of the Court to argue orally by a motion setting out specifically and concisely why oral argument would provide assistance to the Court not otherwise available. Such a motion will be granted only in the most extraordinary circumstances.

Rule 33. Document Preparation:

Booklet Format; 81/2- by 11-Inch Paper Format

(g) Word limits and cover colors for booklet-format documents are as follows:

(x) Brief for an Amicus Curiae at the Petition Stage or pertaining to a Motion for Leave to file a Bill of Complaint (Rule 37.2) - 6,000 - cream

(xi) Brief for an Amicus Curiae in Support of the Plaintiff, Petitioner, or Appellant, or in Support of Neither Party, on the Merits or in an Original Action at the Exceptions Stage light (Rule 37.3) - 9,000 - green

(xii) Brief for an Amicus Curiae in Support of the Defendant, Respondent, or Appellee, on the Merits or in an Original Action at the Excep- dark tions Stage (Rule 37.3) - 9,000 - green

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INDEX TO RULES

AMICUS CURIAE

Argument [28.7]

Briefs at petition stage —Consent of parties to file [37.2] —Copies, number to be filed [33.1(f )] —Cover color [33.1(g)(x)] —Cover, identification of party supported [37.2(a)] —Documents, format and general requirements [33, 34] —Notice of intent to file [37.2(a)] —Preparation and submission costs, identification of sources paying [37.6] —Purpose [37.1] —Service [37.5] —Time to file [37.2] —Word limits [33.1(g)(x)]

Briefs on merits —Consent of parties to file [37.3] —Copies, number to be filed [33.1(f )] —Cover color [33.1(g)(xi), (xii)] —Cover, identification of party supported [37.2(a)] —Documents, format and general requirements [33, 34] —Electronic submission [37.3(a)] —Preparation and submission costs, identification of sources paying [37.6] —Purpose [37.1] —Service [37.5] —Time to file [37.3] —Word limits [33.1(g)(xi), (xii)]

Cities, counties, and towns [37.4]

Consent of parties —To argument [28.7] —To file brief [37.2, 37.3, 37.5]

Electronic transmission [37.2(a)]

Motions for leave to file briefs —At petition stage [37.2(b)] —Objection to [37.5] —On merits [37.3(b)] —Service [37.5] —Time to file [37.2(b), 37.3(b)] —When unnecessary [37.4] —Word limits [37.5]

Notice of intent to file [37.2(a)]

Rehearing [37.3(a), 44.5]

States, Commonwealths, Territories, and Possessions [37.4]

United States [37.4]