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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X A NATURALIZAÇÃO DOS CRIMES CONTRA MULHERES TRANS E TRAVESTIS NOS PORTAIS DE NOTÍCIAS DA PARAÍBA Ana Beatriz Caldas 1 Resumo: O presente artigo busca explorar como as páginas policiais locais retratam os crimes cometidos contra mulheres trans e travestis na Paraíba, a partir de uma breve análise de notícias relacionadas ao assassinato da travesti Cicarelli, ocorrido em João Pessoa, no ano de 2016. Dentre os objetivos desse trabalho também está o de traçar um panorama dos avanços realizados nas políticas públicas estaduais para essa parcela da população após a criação da Gerência LGBT na Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana (SEMDH), já que a ausência dessas políticas é parte salutar do cenário de violência vivenciado pelas travestis. Palavras-chave: Violência de gênero. Travestis. Jornalismo. Políticas públicas. Introdução A travesti é considerada uma identidade latinoamericana do gênero feminino que, apesar de performar feminilidade, nem sempre se coloca como mulher perante a sociedade. No dicionário, no entanto, ainda lê-se a explicação simplória e pouco atualizada que a define como um “homossexual que se veste com roupas do sexo oposto ao seu”. Mesmo com um movimento atuante e crescente que luta pela visibilidade e dignidade das travestis brasileiras, essa visão pouco fiel que as coloca na mesma categoria de outras minorias políticas desconsidera agressões específicas e distorce a realidade particular em que vive esse grupo, inclusive a violência simbólica a que ele está sujeito, suas consequências em um quadro maior e seus porquês. As estatísticas, porém, são incisivas: o Brasil, de acordo com a organização Transgender Europe, é o país que mais mata transexuais e travestis em todo o mundo 2 , com larga “vantagem” sobre o segundo colocado. Entre janeiro de 2008 e dezembro de 2015, foram registradas 802 mortes de pessoas trans em território brasileiro um número subnotificado, principalmente pelo desconhecimento da diferença entre identidade de gênero e orientação sexual pelas autoridades e até pelos familiares das vítimas, o que torna os dados imprecisos 3 . 1 Jornalista e mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas no PPGC/UFPB (João Pessoa - PB, Brasil). 2 Transgender Day of Visibility 2016 Trans Murder Monitoring Update. Disponível em: http://transrespect.org/en/tdov-2016-tmm-update/. Acesso em: 06 jul. 2017. 3 Além da recusa ou ausência familiar no momento de reconhecer o corpo das vítimas, muitas vezes travestis são colocadas como “homens afeminados” e, até pelos próprios grupos que r egistram assassinatos de LGBTs, categorizadas como homossexuais.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

A NATURALIZAÇÃO DOS CRIMES CONTRA MULHERES TRANS E

TRAVESTIS NOS PORTAIS DE NOTÍCIAS DA PARAÍBA

Ana Beatriz Caldas1

Resumo: O presente artigo busca explorar como as páginas policiais locais retratam os crimes cometidos contra

mulheres trans e travestis na Paraíba, a partir de uma breve análise de notícias relacionadas ao assassinato da travesti

Cicarelli, ocorrido em João Pessoa, no ano de 2016. Dentre os objetivos desse trabalho também está o de traçar um

panorama dos avanços realizados nas políticas públicas estaduais para essa parcela da população após a criação da

Gerência LGBT na Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana (SEMDH), já que a ausência dessas políticas é parte

salutar do cenário de violência vivenciado pelas travestis.

Palavras-chave: Violência de gênero. Travestis. Jornalismo. Políticas públicas.

Introdução

A travesti é considerada uma identidade latinoamericana do gênero feminino que, apesar de

performar feminilidade, nem sempre se coloca como mulher perante a sociedade. No dicionário, no

entanto, ainda lê-se a explicação simplória e pouco atualizada que a define como um “homossexual

que se veste com roupas do sexo oposto ao seu”. Mesmo com um movimento atuante e crescente

que luta pela visibilidade e dignidade das travestis brasileiras, essa visão pouco fiel que as coloca na

mesma categoria de outras minorias políticas desconsidera agressões específicas e distorce a

realidade particular em que vive esse grupo, inclusive a violência simbólica a que ele está sujeito,

suas consequências em um quadro maior e seus porquês.

As estatísticas, porém, são incisivas: o Brasil, de acordo com a organização Transgender

Europe, é o país que mais mata transexuais e travestis em todo o mundo2, com larga “vantagem”

sobre o segundo colocado. Entre janeiro de 2008 e dezembro de 2015, foram registradas 802 mortes

de pessoas trans em território brasileiro – um número subnotificado, principalmente pelo

desconhecimento da diferença entre identidade de gênero e orientação sexual pelas autoridades e até

pelos familiares das vítimas, o que torna os dados imprecisos3.

1 Jornalista e mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas no PPGC/UFPB (João Pessoa - PB, Brasil).

2 Transgender Day of Visibility 2016 – Trans Murder Monitoring Update. Disponível em:

http://transrespect.org/en/tdov-2016-tmm-update/. Acesso em: 06 jul. 2017.

3 Além da recusa ou ausência familiar no momento de reconhecer o corpo das vítimas, muitas vezes travestis são

colocadas como “homens afeminados” e, até pelos próprios grupos que registram assassinatos de LGBTs, categorizadas

como homossexuais.

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Na Paraíba, mesmo com a atuação de organizações que lutam pelos direitos das travestis,

não existem dados precisos sobre o número de crimes contra travestis, já que, seguindo os passos do

Grupo Gay da Bahia (GGB), grupos como o Movimento do Espírito Lilás (MEL) iniciaram um

mapeamento local sobre essas mortes também tendo como principal fonte jornais e portais de

notícias, onde buscavam pelos crimes e perfis das vítimas para, a partir das estatísticas, exigirem

atenção do Estado. O problema, já citado anteriormente, é que a dificuldade – ou falta de vontade –

em diferenciar homossexuais e transexuais desequilibra a balança entre a necessidade desses grupos

também se faz presente, em larga escala, no universo das notícias, especialmente em blogs ou sites

de circulação regional.

A partir da proximidade entre a subnotificação dos crimes contra travestis e a necessidade de

políticas públicas que subsidiem melhores condições para essa população, traçaremos um paralelo

entre o modo como os crimes cometidos contra esse grupo são retratados no cenário midiático do

estado da Paraíba4 e o que se tem feito, a título governamental, para que as travestis saiam da

marginalidade no imaginário social – e das páginas policiais, que, como veremos a frente, são as

“esquinas” a que estão destinadas na internet.

“Só por que eu não sou igual à maioria?”

Em sua pesquisa sobre as diferenças entre as mulheres trans5 de São Paulo, Barbosa (2010)

conversou com várias travestis, na tentativa de compreender as diversas nuances da

transgeneridade. Renata, uma das entrevistadas, resumiu o discurso repetido em diversos estudos

etnográficos: “ser travesti é um fenômeno. Uma experiência identitária. E não necessariamente uma

doença, um transtorno, um distúrbio, um desequilíbrio. Só porque eu não sou igual à maioria?”. Na

mesma pesquisa, Renata demonstrou uma opinião que parece ser aprovada por muitas travestis: a

ideia de travessia. “Não somos homens, não somos mulheres, somos travestis. Somos um terceiro

sexo. Eu gosto dessa definição [...] eu atravesso do masculino para o feminino”.

4 O presente trabalho traz resultados parciais de uma pesquisa mais ampla, que vem sendo desenvolvida em minha

dissertação de mestrado no PPGC/UFPB, financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES).

5 A palavra “transgênero” ou apenas “trans” é considerada um termo guarda-chuva que engloba identidades de gênero

em inconformidade com o sexo biológico, como homens e mulheres transexuais e as travestis.

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Em países europeus, onde muitas aportam em busca de uma vida financeiramente estável

através da prostituição, as travestis são vistas como o melhor do Brasil, “onde alcançam visibilidade

notável, tanto no espaço social quanto no imaginário cultural” (KULICK, 2008, p. 22). São

conjuntos de seios, bundas e coxas que chamam a atenção, preenchidos com silicone (industrial, na

maioria dos casos), aliados aos padrões exacerbados de feminilidade que o país ainda preserva e que

estrangeiros veem como um corpo “exótico”, carnavalesco. No Brasil, porém, nove a cada dez

travestis brasileiras6 estão nas “pistas”; a vida nas ruas, como prostitutas, em meio a drogas e

sujeitas a violências diárias, é a única opção que possuem.

Apesar de possuir um movimento LGBT atuante, o que será comprovado mais a frente, na

Paraíba, a situação não foge à regra. Em João Pessoa e Campina Grande, maiores cidades do estado,

travestis são comumente vistas nas avenidas mais movimentadas a noite, em busca de clientes para

programas sexuais, e o índice de travestis que se prostituem se aproxima dos 90% da média

nacional. Na imprensa local, que segue os passos da grande mídia nacional, travestis só são notícia

quando cometem ou sofrem um crime – sempre com sua agência em evidência. Em seu estudo

etnometodológico realizado na década de 90 em Salvador (BA), o antropólogo Don Kulick já

constatava os deslizes da imprensa sensacionalista contra a identidade travesti. Como observou, os

meios de comunicação reforçam estereótipos, pois

essas reportagens pintam sempre uma mesma imagem das travestis como pessoas

pervertidas, armadas, viciadas em drogas, marginais, que transmitem Aids e atraem

homens inocentes, colocando-os em situações perigosas para então assaltá-los,

enfim, como pessoas que perturbam a ordem pública, espalhando o caos. (KULICK,

2008, p. 51)

Mesmo quase duas décadas depois da publicação original, a pesquisa de Kulick segue

relevante para compreendermos a situação das travestis brasileiras, ainda que o relato chegue a ter

ares fantasiosos em alguns aspectos, se comparados aos dados atualizados; em seu livro Travesti,

Kulick fala que a expectativa de vida de uma travesti não chega aos 50 anos mas hoje, segundo uma

pesquisa realizada em 2016 pela Antra, sabemos que ela não ultrapassa os 35 – menos da metade da

média nacional estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), de 75,2 anos.

Essa discrepância pode ser explicada pela fluidez entre os gêneros que faz parte da identidade

travesti. Podemos relacioná-la, sob a perspectiva da Teoria Queer, que toma o gênero como uma

construção social, com a definição de Louro para os indivíduos considerados transgressores de

gênero ou sexualidade. Segundo a autora, esses são vistos como

6 Pesquisa realizada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

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[...] infratores e devem sofrer penalidades. Acabam por ser punidos, de alguma

forma, ou, na melhor das hipóteses, tornam-se alvo de correção. Possivelmente

experimentarão o desprezo ou a subordinação. Provavelmente serão rotulados (e

isolados) como “minorias”. Talvez sejam suportados, desde que encontrem seus

guetos e permaneçam circulando nesses espaços restritos (LOURO, 2016, p. 89-90).

Ainda em Louro (idem), vemos que gênero e sexualidade estão sempre envolvidos em

relação de poder, já que “as normas regulatórias voltam-se para os corpos para indicar-lhes limites

de sanidade, de legitimidade, de moralidade ou de coerência”, sendo que os que rompem esses

limites são vistos como corpos “ilegítimos, imorais ou patológicos” (LOURO, 2016, p. 84). Como a

maioria dos teóricos queer, a autora apoia-se nos conceitos de controle dos corpos – o “biopoder” –

de Foucault (2015) através da hierarquização dos indivíduos em domínios de valor através de

tecnologias normatizadoras, sendo a sexualidade o dispositivo mais utilizado para tal.

Travestilidade e violência: uma realidade nacional

Apesar de ter sido cunhado na década de 70 e tratar de outras materialidades corpóreas e

recortes sociais, o conceito de “biopoder” se aplica perfeitamente ao cotidiano das travestis, que,

mantidas longe das instituições, devem se contentar com a noite, a prostituição como ofício único e

o submundo em que habitam, povoado por outros ditos “marginais”. Esses estereótipos, quando

replicados, resultam na naturalização das chamadas “violências específicas”, ou crimes de ódio,

contra as travestis e outras minorias políticas, como mulheres e homossexuais.

Os resultados preliminares de minha pesquisa de dissertação, que tem como objetivo

analisar o conteúdo das notícias sobre travestis em portais de cobertura policial da Paraíba, mostram

que, durante o período de amostragem que coloca o Brasil em primeiro lugar nas mortes de pessoas

trans (2008-2016) foram mortas pelo menos 48 travestis no estado7. Os crimes, em sua totalidade,

foram executados com disparos de armas de fogo, facadas ou pedradas – geralmente, dezenas deles.

Oficialmente, apenas 12% das vítimas tinha idade além da expectativa de vida estimada pela Antra.

Ainda no espectro da subnotificação, 27% das travestis assassinadas não tiveram suas idades

confirmadas. Os outros mais de 60% tinham apenas até 35 anos de idade, conforme previa o

movimento.

Construção de redes de notificação dos crimes contra LGBTs

7 Dados concedidos pela SEMDH e referentes ao período entre 1º de janeiro de 2008 e 8 de março de 2016.

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No Brasil, o primeiro passo concreto para combater os crimes contra travestis foi dado em

2004, com o Brasil Sem Homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra

GLBT e de promoção à cidadania homossexual. Na época, ainda que o programa tenha sido feito

com consultas ao movimento e dedicado a Janaína, uma militante travesti, as pautas principais ainda

giravam em torno dos direitos fundamentais dos homossexuais, contemplando pouco – ou nada – as

demandas de travestis e transexuais.

A partir desse momento, no entanto, a população LGBT começou a ser vista como “sujeito

de direito” no país, tratando das violências específicas sofridas por essa população. Foi criado o

Disque Defesa Homossexual (DDH), apenas para que as autoridades notassem que o número de

denúncias era baixíssimo. Até então, as poucas notificações eram conseguidas a partir da imprensa,

já que, na década de 80, o GGB começou a fazer um trabalho de coleta e catalogação dos casos que

envolviam pessoas LGBT – trabalho árduo e importante, mas, como já dito previamente, impreciso.

Além disso, o tom das matérias colocava a tragédia como “efeito das fraquezas sexuais, morais e de

escolhas da própria vítima, que teria encontrado um destinado procurado por ela mesma” (RAMOS,

2005, p. 36), o que persiste em muitas das páginas policiais de grandes ou pequenos veículos de

comunicação. A ideia, no entanto, era uma forma de sensibilizar e chamar a atenção das

autoridades, e foi copiada pelo MEL, na Paraíba, a partir de 1998.

Com a criação da Gerência LGBT no estado, em 2011, durante a primeira gestão de Ricardo

Coutinho (PSB), a categorização de casos, perfis de vítimas e agressores se profissionalizou, apesar

de a subnotificação não ter sido extinta. Com integrantes do próprio MEL assumindo cargos

administrativos de extrema importância, o método empregado pelo movimento foi adotado pelo

governo, e hoje uma “rede” de notificação dos casos de homo/lesbo/transfobia está consolidada,

unindo movimentos LGBT (como o Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria e a

Associação das Travestis e Transexuais da Paraíba – Astrapa), a gestão estadual e a Delegacia

Especializada de Crimes Homofóbicos (DECH).

A tabela utilizada pela SEMDH, que também conta com os casos contabilizados pelo MEL

entre 1990 e 2010, é atualizada a partir de notícias de sites locais e nacionais, notificações das

delegacias de todo o estado e também através do próprio movimento, que aciona a gestão na

possibilidade de um crime motivado por homo/lesbo/transfobia, ainda que este não seja

formalmente comunicado. Mídias sociais como o Facebook também já foram parceiras da

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iniciativa: segundo o responsável pela gerência LGBT, Victor Pilato, as mortes de dois homens

trans, notificadas como de mulheres lésbicas, já foram “desmistificadas” pela gerência através de

seus perfis na rede social, que apontavam a identidade masculina dos jovens.

A busca pelo não dito: análise da morte de Cicarelli enquanto acontecimento midiático

Dentro dos estudos da mídia, sabe-se que a notícia não possui caráter apenas informativo,

mas também antropológico, já que “reforça as percepções de padrões culturais e de arquétipos no

inconsciente coletivo” (MOTTA, 2002, p. 4). Portanto, como estudo de caso para esta breve análise,

utilizarei um caso que movimentou as páginas policiais do estado da Paraíba em fevereiro de 2016:

o assassinato de Cicarelli, travesti de 36 anos assassinada no bairro de Mangabeira I, em João

Pessoa, com mais de 20 facadas. A jovem, que foi descrita por vizinhos como alegre e tranquila,

também levou pedradas e teve uma de suas orelhas decepadas.

Selecionamos as notícias que compõem o corpus dessa análise a partir de técnicas da

análise de conteúdo de Bardin (1980), nos três principais portais noticiosos da Paraíba: o G1

Paraíba (afiliado à Rede Globo), o Jornal da Paraíba e o Portal Correio (ambos versões online dos

maiores veículos de jornalismo impresso do estado, à época). Os sites foram escolhidos a partir do

critério de exclusividade – inicialmente, pretendia-se trabalhar com alguns portais de menor

circulação, mas após alguns cliques pode-se perceber que, nestes, as notícias são copiadas dos três

endereços de mídia “oficial”, não constituindo, portanto, material relevante para a pesquisa.

Para buscar as notícias de interesse, seguimos o exemplo do site ativista Rede Trans Brasil,

que contabiliza as mortes de pessoas trans no país desde 2016, utilizando palavras-chave como

“transexual”, “travesti”, “morte” e, nesse caso, “Cicarelli”. As duas primeiras matérias, do G1 e do

Jornal da Paraíba, respectivamente, foram veiculadas ainda na manhã do dia 16 de fevereiro de

2016, poucas horas após a descoberta do corpo de Cicarelli. Pontuaremos, a seguir, algumas

questões sobre elas. Segue o conteúdo da matéria veiculada no G1:

O corpo de uma travesti de 36 anos foi encontrado na madrugada desta terça-feira

(16), na esquina entre as ruas José Tadeu Cabral e Eurydice de Barros Esteves, no

bairro de Mangabeira, em João Pessoa. De acordo com a Polícia Civil, a vítima teria

sido morta com mais de 20 facadas. Segundo a polícia, moradores do bairro saíam

de casa quando viram o corpo e ninguém soube explicar como aconteceu o

homicídio. Além das facadas, a orelha direita da vítima foi cortada e a perícia

encontrou uma pedra ao lado do corpo. O objeto será analisado para saber se foi

utilizado no crime. Ainda de acordo com a Polícia Civil, os familiares da vítima

prestaram depoimento e disseram que a vítima não tinha envolvimento com nenhum

tipo de crime e que não sabem os motivos do homicídio. O caso será investigado

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pela Delegacia de Homicídios de João Pessoa. (Corpo de travesti morta a facadas é

encontrado em João Pessoa, G1 Paraíba, 16/2/2016)

O G1, portal de notícias da Globo, apesar de suas subdivisões estaduais, não atua de forma

independente; possui, em sua linha editorial, uma linguagem mais enxuta, direta, que às vezes acaba

por deixar passar detalhes importantes à matéria, como dados precisos sobre quem ou o que se fala

(a exemplo de estabelecimentos, que não são citados, assim como na Globo, para não “dar

audiência” gratuitamente). É um portal feito exclusivamente para a internet e, portanto, baseado

unicamente na agilidade da informação. É difícil dizer, porém, se é sua forma de noticiar a

responsável pelos poucos dados divulgados sobre a vítima, já que esse é um discurso recorrente em

relação à mortes de travestis; dificilmente sabe-se algo sobre a vítima além de sua transgeneridade

(se muito) e se supõe um envolvimento prévio da vítima com a criminalidade. Outra característica

do site, a atualização da notícia com fatos relevantes sobre a investigação, é desativada nesse caso

em especial, ainda que sejam nas linhas policiais que as atualizações sejam mais necessárias – e

interessantes ao leitor. A notícia a seguir, veiculada no Jornal da Paraíba (versão online) poucos

minutos antes, segue outro padrão:

Uma travesti foi encontrada morta, por volta das 5h desta terça-feira (16), em

Mangabeira, Zona Sul de João Pessoa. Segundo a Delegacia de Homicídios, o corpo

estava entre as ruas José Tadeu Cabral e Euridicy de Barros. A vítima, de 36 anos,

era conhecida como Cicarelli e foi morta com aproximadamente 24 facadas.

Conforme a Delegacia de Homicídios, o pai e a irmã de Cicarelli, que estiveram no

local, informaram que ela não tinha envolvimento com drogas e não sabiam se

alguém tinha richa com a vítima. A perícia investiga se foi usada uma pedra, que

estava ao lado do corpo, no homicídio. A polícia vai investigar o caso para saber se a

morte está ligado (sic) a crime de ódio ou não. O cadáver foi encaminhado para a

Gerência de Medicina e Odontologia Legal (Gemol). Até as 8h desta terça-feira

(16), nenhum suspeito foi identificado. (Travesti é encontrada morta a facadas em

João Pessoa, Jornal da Paraíba, 16/02/2016)

No espectro de ações discursivas que deslegitimam a identidade de gênero das vítimas, a

matéria veiculada no JP online é uma das poucas, dentre as que pesquisei ao longo dos últimos

meses, em que se busca uma adequação da linguagem e chega a problematizar o caso. Um ponto

básico a ser citado é a utilização do pronome feminino, assim como a não menção ao nome de

batismo – masculino – da vítima. Outra questão a se colocar é a da fala da família; a ausência desta

sempre foi algo que me chocou ao ler diversas matérias na área policial. Mulheres, homens,

crianças, todos tinham familiares para chorar seu luto. Travestis raramente possuem a chance da

defesa post-mortem ou, pelo menos, do lamento.

Essa é uma realidade, no entanto, que vai além do universo das notícias, como já se foi

colocado. Boa parte das travestis acaba nas pistas justamente pelo desprezo dos entes “queridos”.

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Por fim, a simples menção sobre a possibilidade de um crime de ódio – o que seria desmentido

pouco depois na maioria das páginas que noticiassem a prisão dos assassinos de Cicarelli –

humaniza a narrativa, ainda que não a problematize. Não basta que fala-se em transfobia; é papel

social do jornalista explicar, assim como o faz em outras pautas, o que é a transfobia em si, o que

ela causa, como combatê-la. Ainda que não se sirva de ativismo, a herança do jornalismo impresso

e investigativo faz com que os textos do JP se diferenciem, de um modo geral, dos materiais

encontrados em outros portais, especialmente no tocante à minorias políticas. Seria, quem sabe,

talvez, uma aposta do jornalismo policial como jornalismo especializado.

Por fim, no Portal Correio, temos uma amostra certeira do jornalismo digital paraibano. O

portal, um dos mais acessados do estado, aposta no sensacionalismo e nas notícias policiais, tal qual

suas programações televisivas e radiofônicas demonstram, com problemáticas em relação às

minorias políticas que já fazem parte do imaginário social do grupo, a exemplo de jornalistas que

destilam misoginia em seu conteúdo8. Coincidentemente, ao buscar as palavras-chave escolhidas,

encontramos apenas uma matéria – entre, talvez, dez sobre travestis ao longo dos anos) que faz

menção ao caso de Cicarelli. A notícia, veiculada já no dia 17 de fevereiro com informações da

Secretaria de Comunicação do Estado, diz respeito a prisão de dois dos três suspeitos de

participarem do crime que levou Cicarelli à morte.

Dois jovens de 18 e 21 anos foram presos suspeitos de matar o travesti de 36 anos,

conhecido como ‘Cicarele’, nessa terça-feira (16), no bairro de Mangabeira, em João

Pessoa. A dupla foi apresentada à imprensa pela Delegacia de Homicídios da

Capital. A motivação do crime está ligada ao tráfico de drogas do bairro, conforme

revelou o delegado Luiz Cotrim, que comandou as investigações. As prisões

ocorreram nos bairros Mangabeira e José Américo, mas um terceiro suspeito ainda é

procurado. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública da

Paraíba (Seds), os jovens tinham envolvimento com o tráfico de drogas e a travesti

teria sido morta a pedradas e com mais de 20 facadas por estar desfalcando um

ponto de tráfico, levando usuários de uma ‘boca de fumo’ para outra. Ainda de

acordo com a Seds, um dos presos deu as coordenadas sobre local onde a travesti

estaria no determinado horário e outros dois a executaram. Um dos envolvidos

continua foragido. A Polícia Civil conseguiu chegar aos envolvidos através de

investigações e com a ajuda do 197. Segundo a Seds, os presos vão responder por

homicídio duplamente qualificado. A Polícia Civil segue em buscas para prender o

terceiro suspeito do crime. (Polícia descarta homofobia e confirma tráfico de drogas

em morte de travesti, em JP, Portal Correio, 17/02/2016)

Ainda que conte com informações institucionais, é pertinente perguntar-se: por que a própria

notícia do crime não foi ? O cenário paraibano, que não foge à subnotificação dos casos de mortes

8 O radialista Fabiano Gomes, na época afiliado ao Sistema Correio, foi alvo de críticas de entidades por comentários

machistas em seu programa, em 2013. Disponível em: http://agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/pautas-

violencia/diretor-de-jornalismo-da-radio-correio-da-pb-defende-no-ar-crime-virtual-contra-a-mulher-2/. Acesso em: 07

jul. 2017.

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contra pessoas trans, tem uma característica forte no meio digital. Os blogs e portais menores

basicamente se alimentam, replicam, sustentam o conteúdo dos “grandes” websites – os aqui

analisados e os que publicam notícias diretamente de agências e assessorias. O Portal Correio, seja

pela atenção ao jornalismo policial, seja pelo viés conservador, é um dos mais replicados em todos

os sites pesquisados. Afirmar que mortes com requintes de crueldade como a de Cicarelli não

tiveram motivações transfóbicas soa, se não desonesto, no mínimo ignorante, fato pontuado por

Luciel Araújo em uma das entrevistas realizadas durante essa pesquisa:

[...] o cara mataria qualquer um que não pagasse a ele, mas o fato de a travesti estar

na pobreza, analfabeta, fora de casa, na prostituição e precisando vender drogas para

sobreviver é uma consequência de ela ser travesti. Ela foi vítima da transfobia da

sociedade. (ARAÚJO, 2016, em entrevista)

Do movimento para o movimento: representatividade e efetividade nas políticas públicas

O caso de Cicarelli, ainda que chame a atenção pelos requintes de crueldade – muito comuns

em crimes de ódio – não chegou a ser novidade nem mesmo no mês em que ocorreu. Cicarelli foi

uma das três travestis mortas seguidamente, em período inferior a um mês, em João Pessoa, no

início de 2016. No início de 2017, uma pesquisa mostrou que o índice de crimes contra a vida de

pessoas trans cresceu em 22% no ano de 20169 e que as mulheres trans brasileiras correm nove

vezes mais risco de sofrer uma morte violenta do que as norte-americanas, o que confirma o status

indesejável de país mais perigoso para transicionar. Com índices tão absurdos, o que tem os

governantes realizados para proteger essa população?

Quando se fala em políticas públicas para a população LGBT, é necessário lembrar que suas

demandas não são tão bem recebidas como outros grupos. Quase duas décadas depois do Brasil Sem

Homofobia, as organizações ainda lutam pelos objetivos básicos do programa: tratamento e/ou

desvinculação de LGBT com o vírus HIV/Aids e inserção de forma igualitária no mercado de

trabalho, por exemplo. No último caso, as travestis estão à margem da margem. Ainda que algumas

trabalhem no mercado formal, poucas são as que conseguem subsídio total a partir dele; muitas

utilizam a prostituição, se não como único emprego, como um “bico” para complementar a renda.

As políticas para LGBT ainda são envoltas na violência, na sobrevivência, e não plenamente no

“viver”; ainda engatinham em campanhas de conscientização mais do que em ações efetivas, como

9 Disponível em: http://blogs.correio24horas.com.br/mesalte/assassinatos-de-transexuais-e-travestis-cresce-22-em-um-

ano-no-brasil-bahia-teve-9-mortes. Acesso em: 26 jun. 2017.

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um meio de obter aprovação de uma realidade para, então, executar essas ações. Dentro do próprio

movimento, no entanto, as travestis e transexuais ainda se consideram invisibilizadas, sendo

necessário “aproximar do ‘movimento homossexual’ travestis e transgêneros que possam falar de

violência e discriminação na primeira pessoa” (RAMOS, 2005, p. 43).

Desse modo, na Paraíba, talvez uma das principais conquistas no âmbito da gestão pública

tenha sido, de fato, a profissionalização da tabela para promover uma maior visibilidade dos casos

de transfobia – sejam eles diretos, ou indiretos; ou seja, uma morte com motivação transfóbica clara

ou decorrente da exclusão social a que as mulheres trans e travestis estão expostas na sociedade.

Sendo um dos estados mais perigosos para pessoas trans no país, há pouco o que comemorar, mas o

caminho está em curso. Em 2011, um decreto assinado pelo governador Ricardo Coutinho dispôs

sobre o tratamento nominal e inclusão do uso do nome social para travestis e transexuais no âmbito

da administração pública. João Pessoa, apesar de palco de tragédias envolvendo pessoas trans, foi a

primeira cidade no nordeste e a segunda no país a aderir totalmente ao uso do nome social –

inclusive em contextos de criminalidade, na confecção de boletins de ocorrência (Silva et al., 2017).

Outra medida a ser ressaltada é a criação do ambulatório para saúde integral de travestis e

transexuais – Ambulatório TT, inaugurado em 2013, que atende pelo Sistema Único de Saúde

(SUS) e ainda é um dos poucos do país. De maneira mais ampla, ainda pode-se citar, a nível de

benefícios para mulheres transexuais e travestis, as políticas conjuntas para a população LGBT no

estado: inauguração do Centro Estadual de Referência dos Direitos de LGBT e Enfrentamento a

Homofobia da Paraíba (2011); ampliação da visita íntima para casais LGBT no Sistema Prisional

(2012); criação do Comitê de Saúde Integral para LGBT (2012), e do Conselho Estadual dos

Direitos de LGBT do Estado da Paraíba - CEDLGBT (2014), além da realização de campanhas de

promoção da cidadania (como a bem sucedida Tire o Respeito do Armário, Todas e Todos Pelo Fim

da Homofobia) e de conferências estaduais para discutir políticas públicas para essa população.

Nota-se, porém, que os atos da gestão pública pouco tem influenciado o imaginário sobre

travestilidade na Paraíba, dados os índices altíssimos de mortes violentas de mulheres trans no

estado. Uma coincidência, possivelmente, ligada ao silêncio – ou ao falatório caricato de sua

imprensa, que ainda engatinha ao tratar da cidadania da população T, de sua existência e, mais

fortemente, de sua resistência.

Considerações finais

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A partir desse breve panorama sobre as violências sofridas pelas travestis na Paraíba e no Brasil e

sobre o que se tem feito e o que ainda é preciso fazer, é inegável a afirmação de Silva (2007, p. 64)

de que há uma ligação entre o estigma que ronda o cotidiano travesti, a exclusão social decorrente

desse estigma e a consequente banalização da violência contra essas pessoas. Também é possível

recorrer a um dos primeiros estudos aprofundados na Teoria Queer, em que Butler (2016, p. 44)

pontua que as identidades de gênero não normativas com a heterossexualidade compulsória são

vislumbradas como identidades “falhas”, pois não são compreendidas sócio e culturalmente.

Não cabe às travestis, no entanto, esse peso; podemos relacionar “o risinho no canto da boca

do intelectual macho — ou do gay respeitável — com a bala que fere o (sic) travesti”, pois é este o

responsável pelo extermínio dessa população (PERES, 2005, p. 205). famoso cenário retratado por

Kulick em 90, no entanto, segue atual, com a violência como “pano de fundo de suas vidas”

(KULICK, 2008, p. 47), ainda que a população travesti esteja cada vez mais politizada – o que

acarretou, inicialmente, na diferenciação entre o significado “prévio” da palavra “travesti” e o atual:

uma identidade de gênero a parte, por vezes, das mulheres transexuais.

A ausência das demandas travestis como pauta da mídia causa resulta num apoio parco às

políticas públicas e vice-versa. As políticas públicas seguem, portanto, sendo conquistadas apenas

pelo movimento, já que a sociedade não as vê como prioridade. A prostituição como

empoderamento (a fonte e a solução de muitos de seus problemas) e a aplicação de silicone

industrial ainda permeia a maioria das discussões sobre o grupo, apontando o desejo de

sobrevivência no meio. A diferença é que agora, anos depois da maioria dos estudos antropológicos

inéditos sobre suas vidas, as travestis que se prostituem a noite desejam ocupar seu lugar de fala e

obter seus direitos por meio das instituições médicas e jurídicas – e cabe à gestão pública ouvi-las e

fazer com que o resto da população as ouça.

Referências

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jul. 2017.

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2010. 130 páginas. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do

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Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Universidade de São Paulo, São Paulo.

BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 10ª ed. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

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Bahia teve 9 mortes. Disponível em: < http://blogs.correio24horas.com.br/mesalte/assassinatos-de-

transexuais-e-travestis-cresce-22-em-um-ano-no-brasil-bahia-teve-9-mortes>. Acesso em: 07 jul.

2017.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: A vontade de saber. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra,

2015.

KULICK, Don. Travesti: prostituição, sexo, gênero e cultura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora

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LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 2ª ed. Belo

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http://www.portcom.intercom.org.br/revistas/index.php/revistaintercom/article/viewFile/418/387.

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PERES, William Siqueira. Travestis brasileiras: construindo identidades cidadãs. In: GROSSI,

Miriam Pillar (Org.). Movimentos sociais, educação e sexualidades. Rio de Janeiro: Garamond,

2005.

RAMOS, Silvia. Violência e homossexualidade no Brasil: as políticas públicas e o movimento

homossexual. In: GROSSI, Miriam Pillar (Org.). Movimentos sociais, educação e sexualidades. Rio

de Janeiro: Garamond, 2005.

SILVA, Hélio R. S. Travestis: entre o espelho e a rua. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

The naturalization of crimes against trans women and transvestites in the news websites of

Paraíba

Astract: This paper aims to explore how the local police pages portray the crimes committed

against trans women and transvestites in Paraíba, based on a brief analysis of news related to the

murder of the transvestite Cicarelli, held in João Pessoa, in the year 2016. Also, the research will

show the progress made in state public policies for this part of the population after the creation of

LGBT Management in the Secretariat for Women and Human Diversity, since the absence of these

policies is a salutary part of the scenario of violence experienced by transvestites.

Keywords: Gender violence. Transvestites. Journalism. Public policies.