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Ficha Catalográfica elaborada pela Coordenadoria de BibliotecasUNEMAT - Cáceres

Copyright © 2010 / Editora UnematImpresso no Brasil - 2009

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Coordenação EditorialRevisãoDiagramaçãoCapaArte Final/Capa Final

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estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Revista da Faculdade de Educação/Universidade do Estado de Mato Grosso: multitemática – Coordenação: Ilma Ferreira Machado. AnoVII, nº 12 (Jul./Dez. 2009) – Cáceres-MT: Unemat Editora.

Semestral

Multitemática

184 p.

ISSN 1679-4273 CDU – 37 (05)

M961

Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer

meios, sem a prévia autorização por escrito da editora.

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SUMÁRIO

EDITORIAL..............................................................................................07Ilma Ferreira Machado

ARTIGOSCRESCIMENTO DO ENSINO SUPERIOR E SUA MERCANTILIZAÇÃO.................13Claudia Pereira de Pádua Sabia

A CONTRIBUIÇÃO DO PENSAMENTO DE PIERRE BOURDIEU PARAO PROCESSO DE FORMAÇÃO DOCENTE E CONSTRUÇÃOCURRICULAR...........................................................................................45Jéferson Dantas

PERCEPÇÕES DE ACADÊMICOS DE CURSOS DE LICENCIATURASOBRE A FORMAÇÃO E OS PROBLEMAS DA PROFISSÃODE PROFESSOR NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA......................................67Gildo VolpatoEdina Regina BaumerJeferson Luis de AzeredoLucas Dominguini

UMA EXPERIÊNCIA DE RECUPERAÇÃO DA APRENDIZAGEMEM UM CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA.....................................89Maria Aparecida Silva CruzMaria Gládis Sartori Proença

O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS DA DITADURA MILITAR...........................103Eliane Mimesse

O TRABALHADOR DOCENTE FRENTE ÀS TRANSFORMAÇÕESNA ECONOMIA MUNDIAL E NO CONTEXTO EDUCACIONAL...........................121Natália Morais Corrêa Borges de Aguiar

ÊXITO ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO: UM ESTUDO DE CASO...........................133César Fernando MeurerPaulo Fossatti

INOVAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO ENSINO SUPERIOR................153Maria de Lurdes Cró

PESQUISA PARTICIPANTE: UM RECORTE TEÓRICO ACERCA DA ABORDAGEMDE PESQUISA E SUAS INFLUÊNCIAS EPISTEMOLÓGICAS.................................169Fábio MarianiAdemar de Lima Carvalho

NORMAS DA REVISTA PARA APRESENTAÇÃO DE PRODUÇÕES CIENTÍFICAS.......183

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EDITORIAL

Como é gratificante apresentar aos nossos leitores reflexões tão impor-tantes como as que permeiam os artigos selecionados para Revista da FAED nº 12!A ampliação dos estudos e debates sobre as questões da educação, nos últimosanos, tem sido proporcionada de um lado pelas exigências de realização de produ-ção científica e, de outro lado, pela relativa democratização dos instrumentos depublicação. O que antes era restrito às universidades e às agências científicas do

centro-sul do país agora é conquista de instituições e educadores de outras partesdesse nosso imenso país. Um dos maiores desafios agora é garantir a qualidadedessas publicações, de modo que o conhecimento veiculado nos periódicos cientí-ficos sejam de fato relevantes e contribuam significativamente para a compreen-são de nossa realidade objetiva, na perspectiva de produzir as melhorias almejadaspor tantos educadores, pais e educandos. Fica aqui a nossa disposição de colabo-

rar efetivamente com esse processo, primando sempre pela ética e pela liberdadede expressão.

É interessante observar que nesse número da Revista fala-se bastantesobre ensino superior, formação de professores, prática pedagógica e trabalhodocente, o que evidencia o quanto tais questões incomodam e desafiam a busca desoluções, que não se viabilizarão por ações esparsas e isoladas, mas sim queserão fruto de ações articuladas entre os diversos sujeitos e instâncias envolvidas

com a educação, o ensino e a escola. E que, mais do que isso, demandam a defini-ção de políticas públicas garantidoras das novas condições a serem criadas e dasnovas práticas a serem instituídas. Essa é um pouco a tônica das discussões feitaspelos autores que publicam nesse número da Revista.

No artigo Crescimento do ensino superior e sua mercantilização, ClaudiaPereira de Pádua Sabia discute como o conceito de público vem sendo (re)significado

e as consequências desse processo, mostrando, também, como a privatizaçãopode atingir as universidades públicas, principalmente por meio dos projetos decooperação universidade-empresa.

Em Inovação e formação de professores no ensino superior, Maria de LurdesCró, partindo da realidade de Portugal, procura analisar como vem sendo realiza-da a formação de professores nas instituições de ensino superior e como poderia

ser desenvolvida, tendo como perspectiva uma educação que promova aautoformação e a construção do conhecimento pedagógico, permitindo ao futuroprofessor desempenhar a sua profissionalidade docente com determinação, com-petência e compromisso com aqueles sujeitos que procuram a escola.

Uma atuação profissional consequente depende em grande medida daidentificação da pessoa com a área escolhida. Como se dá esse processo em rela-

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ção aos profissionais formados em cursos de licenciatura, como os futuros pro-fessores avaliam sua formação e como concebem o papel do professor? Essasforam algumas das indagações que nortearam o estudo feito por Gildo Volpato,Edina Regina Baumer, Jeferson Luis de Azeredo e Lucas Dominguini. A análise des-

sas questões está sistematizada no artigo Percepções de acadêmicos de cursos delicenciatura sobre a formação e os problemas da profissão de professor na sociedadecontemporânea.

Jéferson Dantas, no artigo intitulado A contribuição do pensamento dePierre Bourdieu para o processo de formação docente e construção curricular, faz umaanálise das contribuições de Boudieu para a área do currículo escolas e da Forma-

ção Docente, tendo como objeto a experiência social das escolas públicas (Comis-são de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz), que atendem crianças ejovens em situação de risco na cidade de Florianópolis-SC.

O quarto artigo, O trabalhador docente frente às transformações na eco-nomia mundial e no contexto educacional, apresentado por Natália Morais CorrêaBorges de Aguiar, traz uma reflexão muito pertinente sobre a condição do trabalho

docente na atualidade. A autora fala dos desafios que o trabalhador docente en-frenta com o advento da globalização, com as inovações tecnológicas e com atransformação do conhecimento em um bem comercializável. Todas essas ques-tões estão articuladas com a análise das mudanças na economia mundial e seusreflexos no mundo do trabalho.

O texto Uma experiência de recuperação da aprendizagem em um curso delicenciatura em matemática, das autoras Maria Aparecida Silva Cruz e Maria Gládis

Sartori Proença, discute os resultados de um projeto de pesquisa, com caráter deintervenção, realizado no Curso de Licenciatura em Matemática da UniversidadeEstadual de Mato Grosso do Sul, campus de Dourados. Esse projeto objetivou visousanar as deficiências da formação básica dos acadêmicos que ingressam no cursoe produziu resultados significativos, evidenciando as possibilidades de realiza-ção de práticas alternativas e concomitantes ao curso, ao mesmo tempo, colocan-

do em discussão a responsabilidade da Universidade na tarefa de auxiliar osalunos em suas dificuldades de aprendizagem e em promover melhorias no desem-penho acadêmico, o que, em última instância, significa promover reais condiçõesde permanência e progressão escolar.

A autora Eliane Mimesse, no artigo intitulado O ensino de história nosanos da ditadura militar, traz uma contribuição muito significativa, também, ao

abordar sobre o ensino de história nos idos passados, nas escolas de primeiro esegundo graus. Mediante a utilização de fontes documentais, buscou-se resgatar aprática pedagógica dos professores de história em um período de grande restriçãopolítica e ideológica no Brasil, caracterizado pela ditadura militar.

No texto Êxito escolar no ensino médio: um estudo de caso, de autoria deCésar Fernando Meurer e Paulo Fossatti, analisa-se a questão do êxito escolar de

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estudantes de 3º Ano do Ensino Médio de uma Escola Particular no Rio Grande doSul. Os resultados encontrados para o êxito escolar centram-se em quatro catego-rias: o querer pessoal dos estudantes; a cultura institucional com profissionalismodocente; a cultura familiar e local e a dinâmica interna do grupo de estudantes. É

interessante atentar para a preocupação com a qualidade da formação que, tam-bém, perpassa a discussão feita pelos autores, que em última instância procuraobservar em que medida o ensino foi significativo e relevante para o estudante doensino médio da escola pesquisada.

O artigo Pesquisa participante: um recorte teórico acerca da abordagem depesquisa e suas influências epistemológicas, de Fábio Mariani e Ademar de Lima

Carvalho, é extremamente oportuno para todos os estudiosos e pesquisadores queadotam uma perspectiva de pesquisa qualitativa, interativa e, por que não dizer,militante, que, por vezes, se não for bem entendida e conduzida, torna-se muitoconflitante e desafiante, uma vez que depende da participação dos sujeitos“pesquisados” para que ocorra. Assim, o trabalho Mariani e Carvalho objetivadiscutir alguns pressupostos históricos, teóricos e epistemológicos referentes à

pesquisa participante, que traz como premissa norteadora “a inserção social dainvestigação científica, visando ao engajamento no processo de transformaçãodas estruturas sociais opressoras”.

Transformação. Eis a palavra-chave do trabalho do educador e pesqui-sador. Que outro horizonte buscamos senão a transformação e um mundo melhorpara nossas crianças e jovens? Enfim, a perspectiva de construirmos paulatina-mente uma nova sociedade, por mais que às vezes pareça que andamos dez passos

e recuamos cinco. A clareza das contradições e dos limites interpostos em nossasações educativas e científicas é essencial para que continuemos firmes no propó-sito de alavancar a cultura de nosso país, ajudando a produzir melhorias paramilhões de trabalhadores, cujos saberes e experiências se fazem refletir, de umamaneira ou de outra, nos conhecimentos sistematizados na academia. Nesse sen-tido, precisamos continuar o debate e uma boa medida para alimentá-lo é a leitura

dos artigos dispostos nesta Revista.

Ilma Ferreira Machado Editora da Revista da FAED/UNEMAT

Dezembro de 2009.

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CRESCIMENTO DO ENSINO SUPERIOR E SUA MERCANTILIZAÇÃO1

Claudia Pereira de Pádua Sabia2

RESUMO: O artigo apresenta o crescimento do ensino superior e suamercantilização, com destaque, nas últimas décadas, para o crescimentodas matrículas e do número de instituições de ensino superior públicas eprivadas. Discutiu-se, também, como o conceito de público vem sendo(re)significado e as consequências desse processo. Por fim, apontou-secomo a privatização pode atingir também as universidades públicas, prin-cipalmente por meio dos projetos de cooperação universidade-empresa.PALAVRAS-CHAVE: ensino superior, mercantilização, (re) significação doconceito de público, cooperação universidade-empresa.

ABSTRACT: The article presents the growth of higher education and itsmercantilization, featuring the last few decades, focusing on the boost ofschool enrollments and the increasing number of public and private highereducation institutions. It was also argued, how the concept of public hasbeen reinvented in meaning and the consequences of this process. Finally,it was pointed to how privatization can also reach the public universities,mainly through the projects of cooperation university-company.KEYWORDS: higher education, mercantilization, reinvented meaning ofthe public concept, cooperation university-company

As últimas três décadas do século XX foram, grosso modo, marcadaspela profunda crise da social-democracia e do Estado do Bem-Estar, namaioria dos países centrais e em muitos países da periferia latino-ameri-

1 Este artigo faz parte da minha tese de doutorado (um capítulo), defendida em 2007, intitulada Opúblico e o privado na política de cooperação universidade-empresa da Universidade EstadualPaulista. Professora substituta das disciplinas de Legislação da Educação e Estrutura e Funciona-mento do Ensino Fundamental e Médio do Departamento de Administração e Supervisão Escolar– DASE, da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – UNESP, campusde Marília.2 E-mail: [email protected] Neste parágrafo me refiro à obra de TOMMASSI, L.; WARDE, M.J.; HADDAD, S. (Orgs). O BancoMundial e as políticas educacionais (1996). Os autores referem-se aos países centrais como Ingla-terra, Estados Unidos, França, Alemanha e os países da Escandinávia, nos quais o Estado de BemEstar Social possibilitou a implantação de um amplo sistema de políticas sociais aos cidadãos, aopasso que nos países da periferia latino-americana (América do Sul e América Central), apenasalguns serviços sociais foram oferecidos de forma setorizada, fragmentada, emergencial e queapós a década de 1970 eles tendem a ser minimizados cada vez mais, em virtude da crise econô-mica e da reforma do Estado.

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cana3.Diante da crise, das novas exigências que se põem para a economiae para o Estado, diante das demandas da chamada sociedade do conheci-mento, a educação superior e a universidade em particular são pressiona-das a mudar. Essas mudanças na universidade são provocadasprincipalmente pela diminuição do papel do Estado em vários setores,particularmente, no educacional. Conforme Sguissardi (2002, p. 144),

[...] em relação ao aparelho do Estado, avançam asmedidas apoiadas na concepção de Estado Subsidiá-rio e Controlador (Cf. SANTOS, 1998), que conduzem,por um lado, a desertar de sua função de provedor deserviços sociais (educação, saúde, seguridade), e, poroutro, a aumentar sua presença como regulador, ava-liador e controlador no interesse do(re)estabelecimento da hegemonia do mercado e daintegração do país ao mercado mundial, no âmbito doprocesso de mundialização do capital, ainda que, nocaso dos países da periferia, de forma claramente su-balterna. Ainda do ponto de vista do Estado, vale res-saltar o novo e inarredável papel que lhe impõe deobtenção do equilíbrio orçamentário e do controle dainflação a qualquer preço via redução dos gastos pú-blicos, aumento dos juros, privatização das empresasestatais e transferência para a iniciativa privada deobrigações que tradicionalmente lhe cabia cumprir.

Segundo o referido autor, a reforma do Estado rege-se, em termosmundiais, entre outras coisas, pela ótica gerencialista e eficientista4 dasempresas privadas ou do mercado. Nesse sentido, as mudanças na educa-ção superior são direcionadas pelo poder de intervenção dos organismosmultilaterais de crédito (Fundo Monetário Internacional – FMI, BancoMundial – BM, Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID). A res-peito do Banco Mundial, Sguissardi (2002, p. 145) enfatiza, ainda,

[...] em especial, vai utilizar como estratégia à dissemi-nação de teses como as de que: 1) o ensino superiorseria antes um bem privado que público; 2) o retorno

4 Estamos nos referindo à visão empresarial que orienta a administração de recursos de uma

organização, pautando-se pela redução de custos, aumento da produtividade e maximização dos

lucros para atingir objetivos exclusivamente econômicos.

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individual e social dos investimentos em educaçãosuperior seria inferior ao dos investimentos aplica-dos na educação fundamental; 3) a universidade depesquisa – da associação, ensino, pesquisa e exten-são – seria muito cara tanto para os países ricos, quan-to especialmente para os países pobres ou emdesenvolvimento, às voltas com problemas de crônicodéficit público.

A adoção dessas teses em vários países traz como consequência ageneralizada redução do financiamento público para a educação superior,embora todos se defrontem com o duplo desafio da explosão da demandae da pressão universal por qualidade do sistema.

Outra consequência apontada pelo autor é um processo generaliza-do de privatização, seja direta – com abertura do campo para a iniciativade empresas comerciais de serviços –, seja indireta – com a introdução demecanismos de administração e gerenciamento corporativo-empresari-ais e busca de recursos junto ao mercado.

Ao se analisar as políticas educacionais que vêm sendoimplementadas no Brasil desde a década de 1980, percebe-se que cami-nham nessa mesma direção. Basta observar a diminuição de recursos parao ensino superior público, a privatização direta e indireta, a diversificaçãoe diferenciação do sistema de educação superior, etc.

Altos índices de privatização direta foram atingidos; isto é, houveexpressiva expansão do número de Instituições de Ensino Superior – IES ede matrículas do setor privado. O número de IES privadas corresponde aaproximadamente 89% do total e as matrículas, a 72% (BRASIL, 2005c). Apartir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (1996), inicia-seum processo de diferenciação e diversificação do sistema de educaçãosuperior. A redação do artigo 45 não estabeleceu mais o princípio daindissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, permitindo abertu-ra para que, posteriormente, através do artigo 8º do Decreto 2.306/97,pudessem ser criadas outras formas de organização acadêmica, tais comoos Institutos Superiores, Escolas Superiores e os Centros Universitários.

A privatização indireta está relacionada às mudanças “em curso” nauniversidade para adequação ao novo papel do Estado – regulador, avali-ador e controlador – que disponibiliza cada vez menos recursos para o seufinanciamento. Nesse contexto, a universidade vai sendo incentivada aadotar mecanismos de administração e gerenciamento corporativo-em-presariais e buscar recursos junto ao mercado para auxiliar sua manuten-ção. Esta universidade, nomeada de universidade operacional por MarilenaChauí (2000, p. 220), é definida da seguinte maneira:

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[...] regida por contratos de gestão, avaliada por índi-ces de produtividade, calculada para ser flexível, auniversidade operacional está estruturada por estra-tégias e programas de eficácia organizacional e, por-tanto, pela particularidade e instabilidade dos meiose dos objetivos. Definida e estruturada por normas epadrões inteiramente alheios ao conhecimento e à for-mação intelectual, está pulverizada emmicroorganizações que ocupam seus docentes e cur-vam seus estudantes a exigências exteriores ao traba-lho intelectual. A heteronomia da universidadeautônoma é visível a olho nu: o aumento insano dehoras-aula, a diminuição do tempo para mestrados edoutorados, a avaliação pela quantidade de publica-ções, colóquios e congressos, a multiplicação de co-missões e relatórios, etc. Virada para seu próprioumbigo, mas sem saber onde este se encontra, a uni-versidade operacional opera e por isso mesmo nãoage. Não surpreende, então, que esse operar co-operepara sua continua desmoralização pública e degrada-ção interna.

Essa posição de Chauí chamando a atenção para a perda de autono-mia da universidade, ou seja, para a heteronomia da universidade, sub-metendo-se cada vez mais às leis (de mercado) externas a ela, é adotadatambém por Sguissardi (2002), segundo o qual o processo de reconfiguraçãoda educação superior e a mudança do ethos universitário caminham emdireção à hipótese de Schugurensky (2002, apud SGUISSARDI, 2002, p. 147),para quem

[...] estaria ocorrendo de forma cada vez mais visível otrânsito, no Canadá como em muitos países, de ummodelo universitário centrado na autonomia pra ummodelo centrado na heteronomia, no qual setores ex-ternos (principalmente o Estado e a indústria) têm cadavez mais poder na definição da missão, da agenda edos produtos das universidades.

Nesse sentido, os autores sugerem que muitas universidades teri-am perdido, nas últimas décadas, importantes porções de sua autonomiainstitucional e estariam constrangidas a adequar grande parte de suasatividades às demandas do mercado e à agenda estatal.

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Slauher e Leslie (1999, p. 209 apud TRINDADE, 2003, p. 175) tambémcompartilham dessa posição sobre a perda de autonomia das universida-des públicas, afirmando:

Todos esses fatores estão alterando a identidade pró-pria da universidade pública e sua singularidade en-quanto instituição social, atingindo sua autonomiaacadêmica pela erosão do espaço público e pelaprivatização do ethos acadêmico. Esse processo levoua especialistas americanos, que comparam universi-dades australianas, canadenses, americanas e ingle-sas, a usar o conceito de ‘capitalismo acadêmico’ nosentido de ‘os esforços institucionais e do corpo do-cente para obter fundos externos da mesma forma queo mercado, como parte do mercado’.

A universidade pública, ao buscar essa adequação, pode deixar es-paço para o processo de privatização interno – chamado por Sguissardi(2002, p.145) “de privatização indireta”. O objeto do presente trabalho - acooperação universidade-empresa - está inserido nesse contexto.

Tendo em vista essas colocações preliminares, o tópico seguinteindicará aspectos relativos à privatização direta, ou seja, à expansão priva-da. Em seguida, discorrerá sobre a ressemantização do conceito de públi-co e suas consequências, para, finalmente, versar sobre a privatizaçãoindireta – inserindo a cooperação universidade-empresa neste contextode mercantilização da educação.

1. Privatização direta: expansão privada

O crescimento do ensino superior brasileiro foi intensificadoquando o regime militar concedeu uma série de incentivos fiscais be-neficiando a iniciativa privada; concomitantemente, no final da déca-da de 1960, havia uma grande demanda por esse nível de ensino. Deacordo com Marques (2005, p. 40), “até meados da década de 1960,as instituições públicas eram responsáveis por 65% das matrículas doensino superior e as instituições de ensino privado ficavam com 35%das matrículas”.

Outros números sobre o crescimento de matrículas são aponta-dos por Maciel (1991 apud VIEITEZ; DAL RÍ, 2005), segundo os quais,num período de quinze anos - de 1962 a 1977 - o número de matrícu-las na rede pública teve uma expansão de 642,5%, enquanto que arede privada expandiu 1.681,5%, ou seja, o crescimento da rede pri-

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vada foi 2,6 vezes maior.Essa expansão do ensino superior privado também prevaleceu nas

décadas seguintes e, no início do século XXI, o número já tinha ultrapassa-do em mais de 70% o total de matriculados nesse nível de ensino (BRASIL,2000). Apenas para efeito de comparação, durante toda a década de 1980,houve um crescimento de 11,82% nas matrículas, ao passo que, na décadade 1990, essa porcentagem atingiu os 74,94%. Atualmente, um conjuntode políticas públicas neoliberais, iniciadas a partir da década de 1990, eoutras em fase de implantação/estudo no governo Lula, buscam propiciara expansão do acesso ao ensino superior contando prioritariamente como setor privado. Essas medidas tendem a reduzir investimentos em áreassociais e indicam cada vez mais o direcionamento para o mercado.

Contudo, de acordo com Vieira (1995, p. 39), é possível identifi-car a coexistência de formas de educação pública e privada desde as ori-gens da construção de um sistema educacional no país. Afirma a autora:

[...] é a partir dos anos vinte, entretanto, que começa adelinear-se a presença de ‘ideologias em conflito’(BUFFA, 1979), movimento que iria explicitar-se nosanos trinta e ter continuidade ao longo da história,culminando com a polêmica sobre ‘liberdade de ensi-no’, no decorrer dos anos 50. Até então, a idéia do con-flito estava presente, muito embora a expressãoprivatização não tivesse ainda se enraizado no ideárioeducativo. É somente a partir dos anos 60 que o termoprivatização começa a ser adotado, assumindoconotações próprias e relativas à possibilidade de‘privatização do público’.

Sabe-se que a expansão privada do ensino superior no Brasil foiincentivada a partir da década de 1960 com isenções tributárias, transfe-rências diretas e indiretas (como bolsas de estudo para as escolas priva-das), empréstimos com juros negativos e subsídios a fundo perdido.

Esses incentivos podem ser identificados, a partir de 1965, pelaEmenda à Constituição de 1946, que reformulou o sistema tributário naci-onal, e pelas Constituições Federais seguintes. Cunha (1995, p. 15-16, grifosdo autor) relata esse processo:

[...] o novo texto, que passou a fazer parte da Constitui-ção, vedava à União, aos estados e aos municípios acobrança de impostos sobre o patrimônio, a renda ouos serviços das instituições de educação. Por essa

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emenda, a isenção fiscal das escolas privadas, insti-tuídas pela Constituição de 1946 foi ampliada. Enquan-to esta previa a isenção de impostos sobre os bens eserviços, a emenda de 1965 estendeu a isenção à suarenda. [...] A Constituição de 1967 e a emenda de 1969mantiveram esse dispositivo, alterando-o somente emaspectos secundários. [...] A Constituição de 1988reeditou esse privilégio das escolas privadas. Emcomplementação à isenção tributária, o governo fede-ral estendeu seu apoio mediante a criação de um me-canismo de aporte de recursos financeiros aosestabelecimentos privados de ensino. Em 21 de novem-bro de 1968 (menos de um mês antes da promulgaçãodo Ato Institucional no 5) foi promulgada a Lei no 5.537,que criou o Fundo Nacional de Desenvolvimento daEducação — FNDE. Sua finalidade era reunir recursosfinanceiros e canalizá-los para o financiamento deprojetos de ensino e pesquisa, inclusive alimentaçãoescolar e bolsas de estudo para alunos carentes narede privada [...].

Portanto, o regime militar favoreceu enormemente a iniciativa pri-vada no campo educacional. O autor esclarece que essa orientação privatistafoi possível pela LDB de 1961, por transferir para os conselhos de educação(federal e estaduais) importantes competências antes concentradas nosdetentores dos cargos executivos. Os membros desses conselhos, nome-ados livremente pelo Presidente da República e pelos governadores dosEstados, eram pessoas escolhidas mediante pressão e articulação privada,menos visíveis para as forças políticas partidárias. Esses conselheiros fica-vam expostos a pressões e atrativos de diversas espécies. Além disso,divididos os centros de tomada de decisões, tornava-se mais difícil a resis-tência às pressões e aos atrativos das instituições privadas de ensino.

No final da década de 1960, encontrava-se em curso um aumentoexpressivo na demanda por matrículas no ensino superior brasileiro. Onúmero limitado de vagas desencadeou a crise dos excedentes, ou seja,alunos aprovados por nota no vestibular, mas não classificados por faltade vagas. A União Nacional dos Estudantes (UNE) encabeçou um movi-mento reivindicatório por mais vagas. A principal solução encontrada pelogoverno foi a abertura e o incentivo para a expansão de vagas no setorprivado do ensino superior.

Diante dos incentivos fiscais propiciados pelo Estado e da grande

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demanda por esse nível de ensino, os grupos empresariais interessadosno mercado educacional promoveram intensa e sistemática propagandanos meios de comunicação de massa, alardeando a ineficiência e a insufi-ciência da administração pública, em contraste com as excelências da ges-tão desenvolvida pela iniciativa privada, tais como agilidade na tomadade decisões e racionalidade no uso dos recursos.

Com o esgotamento do regime militar, essa ideologia privatista ga-nhou força e aos poucos foi sendo incorporada às ideias e práticas já arrai-gadas no Brasil. Os grupos econômicos privados passaram a acusar o Estadopela crise dos anos 80. A retomada do processo inflacionário, a manuten-ção de uma grande, onerosa e desnecessária burocracia, e a crescentedívida interna atribuída à necessidade de empréstimos a juros cada vezmais altos, alimentando uma especulação financeira sem precedentes,são alguns dos fatores apontados por esses grupos econômicos interessa-dos no mercado educacional:

Nessa luta ideológica, o privatismo brasileiro teveimportantes modelos externos: o crescente movimentopela privatização de funções públicas em países decentro capitalista (Estados Unidos, Inglaterra, França,Espanha e Itália), na América Latina (o México, e aArgentina) e até mesmo na reinterpretação daPierestróika soviética, como se esta nada mais fossedo que uma face diferente do mesmo processo, isto é, aincorporação da economia de mercado capitalista e oabandono da planificação estatal (CUNHA, 1995, p. 13).

O termo “privatismo brasileiro” é definido pelo autor “como aprática de pôr a administração pública a serviço de grupos particulares,sejam econômicos, religiosos ou político-partidários” (p. 11).

Com a ascensão de Margareth Thatcher ao poder, a Inglaterrainstituiu um amplo programa de privatização. Influências semelhantesocorreram também com o início do governo de Ronald Reagan, nos Esta-dos Unidos. De acordo com Vieira (1995, p. 34),

[...] havia condições prévias no cenário internacionalpara que o Brasil viesse a ingressar no ciclo deprivatização e compor o cenário dos países adeptosdas teses neoliberais. Ao lado disso, é necessário ter-se em conta que a “crise da dívida” deve ter tido influ-ência marcante neste aspecto. Os primeiros sinaismais concretos nesta direção se manifestam pelo ex-

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pressivo lobby do setor privado por ocasião da elabo-ração da constituição de 1988, a exemplo do debateem torno da definição de empresa nacional, do fim dareserva de mercado e de outros temas correlatos. Masé sob a égide do governo Collor que se acelera o pro-cesso de privatização.

Cabe destacar também a definição de Leher (2003, p. 8) – maiscomplexa – sobre privatização:

Genericamente, o termo privatização designa as inici-ativas que ampliam o papel do mercado em áreas an-teriormente consideradas privativas do Estado. Istoinclui não apenas a venda de bens e serviços de pro-priedade ou de prerrogativa exclusiva do Estado, mas,também, a liberalização de serviços, até então de res-ponsabilidade do Estado como a educação, saúde emeio ambiente, pela desregulamentação e estabeleci-mento de contratos de gestão de serviços públicos porprovedores privados.

No cenário interno, o debate sobre a redução da interferênciaestatal começou a tomar corpo no final dos anos 70, quando foi inaugura-do o primeiro programa governamental de privatização. Contudo, foi nadécada de 1990 que essa discussão efetivamente veio à tona, de modomais específico com o início do governo Collor. Conforme citado no pará-grafo anterior, já existia no mundo inteiro um movimento pela redefiniçãodas funções do Estado e, no Brasil, a falência da mediação estatal, comoconsequência primordial de uma profunda crise fiscal em diversos seto-res da vida econômica e social, teve a sua contrapartida noquestionamento da intervenção estatal na realidade brasileira.

Warde (1993, p. 11) assinala também a influência externa no cam-po educacional: “[...] a agenda neoliberal é introduzida por organismosinternacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial,que já no início dos anos 80 concebem programas de avaliações dos siste-mas de ensino e de projetos de reforma em diversos países da AméricaLatina”.

A posição de Warde (1993) é corroborada também por Soares(1996, p. 23), ao afirmar que

[...] por meio das condicionalidades, o Banco Mundialcomeçou a implementar um amplo conjunto de refor-

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mas estruturais nos países endividados, pautadas emuma concepção mais adequada de crescimento: libe-ral, privatista, de abertura ao comércio exterior e orto-doxa do ponto de vista monetário.

A prestação de serviços educacionais pelo setor privado já vinhase expandindo desde a década de 1960, mas foi intensificado a partir dadécada de 1970, juntamente com o crescimento do ensino superior brasi-leiro. As políticas educacionais, posteriores à década de 1980, atendiam àsrecomendações do Banco Mundial que, após a eclosão da crise doendividamento, passou a impor uma série de condicionantes para a con-cessão de novos empréstimos. Mediante a essas condicionantes, o BancoMundial – tal como o FMI – passou a intervir diretamente na formulação dapolítica interna e a influenciar a própria legislação do país.

Essa interferência pode ser identificada na legislação que, se-gundo Cunha (2000), favoreceu a iniciativa privada e reconheceu as insti-tuições privadas com finalidade lucrativa a partir da LDB de 1996, ao mesmotempo que mantinham estagnados os recursos financeiros para as insti-tuições públicas. Soares (1996) complementa tal ideia afirmando que osprogramas de ajuste do Banco Mundial possuíam cinco eixos principais,dentre os quais destacam-se, aqui, a privatização das empresas e dos ser-viços públicos. A privatização no ensino superior brasileiro é identificadacom o acentuado crescimento de matrículas, bem como com o aumentodas instituições privadas, como pode ser verificado na lustração 1, a se-guir.

5 Acrescentado para atualização dos dados obtidos na Sinopse Estatística do Ensino Superior

2007 do INEP para este artigo.

Ilustração 1– Quadro de matrículas no ensino superior nas redes pública e privada. Fonte: Brasil (2000; 2001, 2005 e 2007).

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Analisando os números apresentados, verifica-se que, na déca-da de 1980, houve um crescimento de 11,82% nas matrículas para cursosde graduação; já na década de 1990, o crescimento de matrículas foi de74,94% e, no período de sete anos, de 2000 a 2007, houve um crescimentode 81,14%. O número de matrículas na rede privada, que já vinha crescen-do desde a década de 1990, atingiu, no ano de 2007, 74,57% do total dematriculados, quando o número de instituições privadas atingiu 89,08%do total das instituições de ensino superior do país.

Outro aspecto que chama a atenção nesses dadosdisponibilizados pelo INEP é que até o ano de 1998, o quadro que apresen-ta o número de instituições do país é dividido por natureza e dependênciaadministrativa. A natureza é subdividida em universidades, faculdadesintegradas, centros universitários e estabelecimentos isolados. A partirde 1999, foi acrescentada a natureza Centros de Educação Tecnológica,que faz parte da diferenciação das instituições de ensino superior volta-das para atender demandas específicas. Esse processo está em consonân-cia com o PNE 2001 que, dentre os 35 objetivos e metas para a educaçãosuperior, contempla a “diversificação do sistema superior de ensino paraatender clientelas com demandas específicas de formação” (CATANI; OLI-VEIRA, 2002, p. 4).

Nos últimos anos, segundo os referidos autores (2000, p. 5),

[...] aquilo que se iniciou de modo disperso e desarti-culado assumiu, claramente, a forma de um amplo pro-cesso de diversificação e diferenciação do sistema deeducação superior no Brasil. Esse empreendimentotornou-se mais visível no final do primeiro governo deFernando Henrique Cardoso (1995-1998), em decor-rência de diagnóstico6 que incluía como problemasprincipais o: a) esgotamento do modelo único basea-do na indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão; b)tamanho do sistema extremamente modesto para asdimensões e necessidades do país; c) inadequação doprocesso de credenciamento de novas instituições, oque gerou um sistema sem competição e de baixa qua-lidade; d) falta de um sistema abrangente de avaliaçãodo ensino de graduação; e) desafio de modernizar oensino de graduação; f) ineficiência no uso dos recur-sos públicos na parte federal do sistema.

6 A esse respeito, ver Souza (1998) e MEC (1996).

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Portanto, esse processo de diferenciação e diversificação cola-borou para o crescimento de matrículas no ensino superior que, desde adécada de 1990, tem sido acelerado. Em números, de 2000 a 2004, o au-mento ultrapassou a década anterior. Esse crescimento de matrículas noensino superior deve ser intensificado nos próximos anos, permanecen-do a preponderância do setor privado, se levadas em conta as metas doPlano Nacional de Educação – PNE 2001 – aprovado pela lei no 10.172, de09/01/2001, no Governo Fernando Henrique Cardoso, que previa o acessoao ensino superior, até 2010, de 30% da população entre 18 e 24 anos, oque significaria dobrar os números atuais (BRASIL, 2001c). Esse objetivonão possui a contrapartida necessária, ou seja, o financiamento, pois oPNE sofreu nove vetos presidenciais que anularam os subitens do Planoque promoviam alterações ou ampliavam recursos financeiros para a edu-cação, sendo cinco deles referentes diretamente à educação superior.

Essa constatação inicial indica que não há intenção do governoem incrementar os recursos para a educação, em particular, para o ensinosuperior, e não havendo ampliação dos recursos, o setor público só pode-rá oferecer mais vagas pela racionalização dos recursos das InstituiçõesFederais de Ensino Superior – IFES, permitindo ampliação de vagas a custozero, sobretudo nas universidades federais (CATANI; OLIVEIRA, 2002).Nessas condições, é notório que a expansão pública será limitada, já quenão haverá ampliação de recursos, ficando para a iniciativa privada a gran-de expansão de vagas desejada.

2. Tentativa de ressemantização do conceito de público

A proposta deste tópico é destacar como o significado do concei-to de público vem sofrendo modificações ao longo do tempo e do espaçoe quais as repercussões dessas mudanças na Educação. No Brasil, princi-palmente após 1995, com o Plano Diretor da Reforma do Estado, a tentati-va de ressemantização7 do conceito de público foi acentuada, favorecendoa privatização do sistema educacional.

Sanfelice (2005, p. 178-179) descreve:

[...] grande parte da historiografia produzida na áreaconsagrou a terminologia ‘educação pública’ como si-

7 Estamos nos referindo ao processo de transformação do conceito de público a partir da Reforma

de Estado iniciada no Brasil a partir de 1995, conforme apontado por Sguissard (1996). Nesse

processo de transformação, o conceito se distancia cada vez mais do adjetivo público apontado

por Sanfelice (2005), que pertence a todos, que é comum e aberto a quaisquer pessoas.

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nônimo de educação estatal. Nesse sentido referimo-nos à educação pública para expressarmos a educa-ção oferecida pela escola pública e, muito raramente,a defesa da escola pública não é outra coisa senão adefesa da escola estatal. Rigorosamente, entretanto,escola estatal não é escola pública, a não ser no senti-do derivado pelo qual o adjetivo ‘público’ se relacionaao governo de um país ou de Estado: o poder público. Aescola estatal não é necessariamente pública quantotomamos o adjetivo ‘público na forma de qualificaçãodaquilo que pertence a um povo, a uma coletividade,que pertence a todos, que é comum, aberto a quaisquerpessoas, que não tem caráter secreto, é manifesto etransparente.

É nos anos 90 que se efetivam, no Brasil, tanto a “abertura demo-crática” quanto os ajustes de sua economia no contexto da mundializaçãodo capital e nos moldes da denominada modernização conservadora, fatoque ocorreu também com outros países periféricos. Vejamos, por exem-plo, a afirmação de Mollis (2002, apud SGUISSARDI, 2002, p. 137), referin-do-se à Argentina:

A partir de diagnósticos e consultoria permanente doFundo Monetário Internacional e do Banco Mundial,esse país [Argentina] teria cumprido, seja na esferaestritamente econômica, seja na esfera do Estado e daEducação Superior, a agenda de modernização reco-mendada. No caso da educação superior e da relaçãoEstado/Universidade, isto incluía a diminuição dossubsídios públicos e a delegação de certas responsa-bilidades a mãos privadas e de outros agentes.

Os ajustes no caso brasileiro tiveram início no Governo Collor deMelo (1990-1991), seguiram, embora em grau menos intenso, no de ItamarFranco (1992-1994) e recrudesceram a partir da ascensão ao poder deFernando Henrique Cardoso, em janeiro de 1995. Nessa década, especial-mente em seu segundo mandato, efetuaram-se os ajustes estruturais efiscais e as reformas especialmente orientadas para o mercado. A partirde 1995, ocorreram as principais mudanças que conduziram àreconfiguração das esferas pública e privada no âmbito do Estado, assimcomo da educação superior.

As diretrizes da reforma gerencial do Estado foram colocadas em

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prática a partir do Plano Diretor da Reforma do Estado, de 1995. NessePlano se encontram os conceitos básicos tanto da reforma do aparelho doEstado quanto das reformas pontuais que se traduzirão no capítulo “DaEducação Superior” da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96),nos decretos 2.207/97, 2.306/97 e 3.860/01, que se seguiram e em muitasportarias, propostas de emendas constitucionais, medidas provisórias ouprojetos de lei, como os da Autonomia das Universidades Federais.

Segundo Sguissardi (2002, p. 139, grifos do autor), o Plano Dire-tor da Reforma de Estado estabeleceu:

O diagnóstico dos supostos males da administraçãopública federal, assim como as principais diretrizespara modernizá-la. Ao identificar quatro setores com-pondo o aparelho do Estado - núcleo estratégico, ativi-dades exclusivas, serviços não exclusivos ou competitivos,e a produção de bens e serviços para o mercado, si-tuou as universidades, as escolas técnicas, os centrosde pesquisa entre os serviços não exclusivos ou com-petitivos do Estado. Convicto que, em razão do déficitpúblico, não seria mais viável ao Fundo Público doEstado a manutenção e o financiamento, com expan-são, da educação superior e outros serviços, comosaúde, pesquisa, etc., propõe que as Instituições Fede-rais de Ensino Superior (IFES) sejam transformadas emum tipo especial de entidade não-estatal, as organiza-ções sociais. Propunha-se transformá-las voluntaria-mente em organizações sociais, em entidades quecelebrassem um contrato de gestão com o poder Exe-cutivo e contassem com a autorização do Parlamentopara participarem do orçamento público. Seriam asorganizações sociais espécies de entidades públicasnão estatais ou fundações públicas de direito privado.

O autor conclui que embora a proposta não tenha se realizadoem plenitude, cabe salientar a importância que esse conjunto de concei-tos que lhe serviram de suporte teve como substrato de muitas ações dereforma da educação superior, que conduzem ao atual estágio daprivatização do sistema. Entre os conceitos que merecem destaque estãoos de propriedade pública não estatal ou semipública ou semiprivada8. Oprograma que visaria a transformar as instituições públicas estatais dessanatureza em organizações sociais denominou-se de Programa dePublicização9.

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Conforme mencionado, a Reforma do Estado brasileiro, buscan-do “modernizar e racionalizar” as atividades estatais, distribuídas em se-tores, incluiu a educação no setor de serviços não-exclusivos do Estado. Apartir de então, a proposta era transformar a universidade em uma organi-zação social, prestadora de serviços que celebraria “contratos de gestão”com o Estado. Todavia, essa mudança de instituição social para organiza-ção social – que aparentemente parece insignificante - traria consequênciasdesastrosas para as universidades públicas que perderiam sua autono-mia, fazendo, ainda, com que setores externos a ela teriam cada vez maispoderes para a definição de sua missão, de sua agenda e de seus produ-tos.

Chauí (2000, p. 217-218 grifos do autor) apresenta a diferençaentre instituição social e organização social:

[...] A universidade sempre foi uma instituição social,isto é, uma ação social, uma prática social fundada noreconhecimento público de sua legitimidade e de suasatribuições, num princípio de diferenciação, que lheconfere autonomia perante outras instituições soci-ais, e estruturada por ordenamentos, regras, normas evalores de reconhecimento e legitimidade internos aela. [...] Uma organização difere de uma instituição pordefinir-se por uma outra prática social, qual seja, a desua instrumentalidade: está referida ao conjunto demeios (administrativos) particulares para obtenção deum objetivo particular. Não está referida a ações arti-culadas às idéias de reconhecimento externo e inter-no, de legitimidade interna e externa, mas a operaçõesdefinidas como estratégias balizadas pelas idéias de

8 Valdemar Sguissard (1996, p.140) não define os conceitos semipública ou semiprivada, mas

indica que os mesmos tinham como objetivo afastar o Estado da manutenção integral das insti-

tuições federais de ensino superior.9 Sobre o Programa de Publicização, ele afirma: “para que esse Programa pudesse efetivar-se

havia necessidade, entre outras medidas, de concessão de autonomia financeira e administra-

tiva às universidades, escolas técnicas e centros de pesquisa. A concessão da autonomia finan-

ceira será outro conceito fundamental para os que pretendiam afastar o Estado da manutenção

integral das IFES. Ele distingue-se do conceito constitucional de gestão financeira previsto para as

Universidades. São, portanto, conceitos como esse ou como o de serviço não exclusivo do Estado

ou competitivo, de contratos de gestão, de público não estatal, de semipúblico e semiprivado,

etc., que irão permear as linhas e entrelinhas seja da legislação aprovada pelo Parlamento, seja

dos decretos presidenciais e das portarias ministeriais (da Educação)”.

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eficácia e de sucesso no emprego de determinadosmeios para alcançar o objetivo particular que a defi-ne.

Nesse contexto de mudanças, hoje, a norma, na educação emnível superior, é o Estado atribuir-se as funções de controle do sistemaeducacional, mas não mais aquelas relativas à sua plena manutenção,modificando-se, assim, profundamente o sentido da qualidade e daequidade do sistema público.

Sguissardi (2002, p. 126), ao definir as tendências da educaçãosuperior neste século, afirma:

Dada a premissa de que o ensino superior é antes umbem privado que público e que se trata, segundo a teo-ria econômica neoclássica do capital humano, de umelemento agregador de valor, prega-se cada vez mais aaproximação da Universidade com o mundo empresa-rial, com o objetivo proclamado de superar o desajusteentre universidade e mundo do trabalho.

A tentativa de ressemantização do conceito de público atinge oseu ápice com a aprovação da Lei das Parcerias Público-Privadas, em de-zembro de 2004, que parece diluir a fronteira entre o público e o privado.Com essa medida, o Estado promove a ressemantização do conceito depúblico, abstém-se da responsabilidade da plena manutenção do ensinosuperior e prega a aproximação da universidade pública com o mundoempresarial, desconfigurando sua natureza ao querer instituir no seu in-terior a lógica do mercado. Esse processo traz, como consequências, aprivatização do sistema e uma “campanha” de desvalorização da universi-dade pública, utilizando-se, para avaliá-la, a ótica gerencialista eeficientista. Cabe, agora, observar algumas indicações dessasconsequências.

Conforme já afirmado, a privatização começou a ser incenti-vada a partir do regime militar, que contribuiu para a hegemonia do setorprivado na educação. As mudanças introduzidas foram articuladas e atin-giram tanto a universidade quanto os demais graus de ensino. Buffa (2005,p. 53) aponta a consequente precarização do ensino público com a seguin-te afirmação:

Mais recentemente, os defensores do ensino públicodenunciam o descaso do Estado pelo ensino, em todosos níveis. Já não se trata tanto de defender o ensino

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básico para todos, o que estaria quase conquistado,mas de garantir a qualidade deste ensino. No superior,o descaso revela-se nas condições cada vez mais pre-cárias de trabalho – salários desajustados, não-contratação de docentes, sucessivas ameaças de perdade aposentadoria integral, espaços insuficientes, fei-os e malcuidados, salas de aula, bibliotecas e labora-tórios indigentes.

À medida que a expansão do ensino superior privado foi sendoviabilizada e incentivada, no decorrer da década de 1970, a expansão dosetor público ocorreu em um ritmo bem inferior. Conforme dados do INEP,o número de instituições públicas, na década de 1980, teve um modestocrescimento: em 1980 havia 200 instituições públicas; em 1990, 222 e, nadécada de 1990, houve um decréscimo, pois no ano 2000 havia apenas 176instituições públicas. A partir de 2001, o número de instituições públicasvoltou a crescer, totalizando 249 em 2007. Vieitez e Dal Rí (2005, p. 25)apresentam a maneira como esse processo foi sendo desenvolvido:

[...] para o ensino superior o acontecimento fundamentalfoi a implantação de uma política que favoreceu a ex-pansão deste nível de ensino predominantemente pormeio de estabelecimentos particulares. As providênci-as tomadas visando essa finalidade foram várias. Amais importante foi o quase congelamento do setorpúblico numa conjuntura em que a demanda por va-gas estava fortemente reprimida e que dera origem àcrise dos excedentes. Outras providências tomadaspara incentivar o crescimento desse setor foram, porexemplo, isenções fiscais, subsídios financeiros e le-gislação amigável quanto aos requisitos para o funci-onamento das unidades de ensino.

Apesar do número reduzido de novas instituições públicas,registrou-se um aumento nas matrículas no ensino superior público. Ana-lisando os dados do INEP até 2007, identifica-se um crescimento da déca-da de 1980 para 1990 de 17,55%; de 1990 para o ano 2000, o crescimento foide 53,30% e, de 2000 para 2007, o crescimento foi de 39,90%. Portanto,ainda que em ritmo bem menor que o setor privado, as matrículas noensino público continuaram crescendo a despeito de uma série de dificul-dades, como a redução do financiamento, a proibição de novas contrataçõesde docentes e funcionários técnico-administrativos, a exigência de busca

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de outras fontes de recursos, etc.Contudo, esse crescimento de matrículas do ensino superior

público não acompanhou a demanda, já que não houve aumento de recur-sos que pudesse viabilizar a expansão requerida. Embora o debate sobrea privatização tenha sua origem na esfera econômica, a área social nãoestá isenta de ser atingida por seus efeitos, tendendo a aprofundar-se emtodos os setores, de modo específico na saúde e na educação. As observa-ções de Ferreiro (1993, p. 56) a esse respeito esclarecem essa questão:

O Estado delega ao setor privado a maior parte de suasobrigações e retém somente aquelas de tipo assistencialpara os setores cujo poder aquisitivo não lhes permitepagar por um serviço necessário. A noção de direito àsaúde, moradia e educação perde assim seu sentidoglobal. Em lugar de os cidadãos reclamarem um direi-to, estabelece-se, como se fosse ‘normal’, que eles ‘com-prem’ serviços. Aqueles que não podem comprá-losdevem conformar-se com uma ação assistencial doEstado, que se limita a dar o mínimo necessário (e,freqüentemente, bem abaixo do mínimo requerido paramanter os níveis de subsistência e funcionamento de-gradado dessa parcela da população).

O sistema educacional público tem sido minimizado cada vezmais pelas políticas governamentais em curso e incentivada amercantilização da Educação10 sem restrições. A esse respeito, a Organi-zação Mundial do Comércio – OMC – no Documento S/CSS/W/23, de 18 dedezembro de 2000 (OMC, 2000), elenca as condições para um mercadolivre, acessível aos investidores.

A questão da regulamentação do enfoque comercial no setoreducacional pela OMC e pelo Acordo Geral sobre Comércio em Serviços –AGCS (ou GATS, em sua sigla em inglês) foi analisada por Siqueira (2004, p.154) e dele destaca-se o seguinte:

A perspectiva da educação na agenda do GATS, comoum serviço comercial, implica a não-existência de bar-

10 Entendemos como processo de transformação da Educação de um direito social oferecido pelo

Estado gratuitamente aos cidadãos a um serviço prestado pela iniciativa privada e cobrado aos

consumidores como se a mesma fosse uma mercadoria. Essa mudança foi sendo viabilizada pela

abertura à iniciativa privada na legislação (Constituições Federais, Leis de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, dentre outras regulamentações específicas).

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reiras para o seu “livre-comércio”. Há cláusulas geraisas quais os países-membros estão automaticamentesujeitos, como, por exemplo, a de estender a todos ospaíses signatários o mesmo tratamento dado à naçãomais favorecida, a de não ter normas internas muitoexigentes, a de aceitar os títulos e as qualificaçõesobtidos no exterior, etc. As cláusulas de “adesão vo-luntária” (tratamento nacional e acesso ao mercado),ao que parece, se depender dos Estados Unidos deve-rão ser aceitas sem restrições. Ou seja, não deveráhaver tratamento diferenciado para grupos nacionaise estrangeiros, tenham eles sede ou não no país, em-preguem ou não mão-de-obra nacional, desenvolvamou não cursos de acordo com a realidade regional.Nesse caso, a oferta de subsídios, isenções de impos-tos, programa de bolsa de estudos hoje existentes paraas instituições privadas educacionais nacionais po-derá ser requerida para todos os grupos estrangeirosque aqui estabeleçam negócios.

Diante do crescente processo de mercantilização do ensino su-perior, inclusive da internacionalização do mesmo, a universidade públicavem sofrendo com a escassez de recursos, sendo cada vez mais orientadaa buscar recursos externos para sua sobrevivência. Catani e Oliveira (2002,p. 5) confirmam essa tendência ao analisarem as políticas da educaçãosuperior no PNE:

A ausência dos itens vetados no PNE por FHC parecesubstanciar ainda mais o processo de mercantilizaçãoda educação superior em curso no país, à medida quepromove a ampliação crescente do setor privado; eli-mina aportes financeiros para manter ao menos a si-tuação atual ou aumenta a oferta de vagas no setorpúblico; induz as IFES, em geral, a assumirem perfilmais empresarial quanto à obtenção de recursos fi-nanceiros para a sua manutenção e desenvolvimento.

Enquanto a universidade pública vem sofrendo com a escassezde recursos, o governo de Luís Inácio Lula da Silva cria programa que repas-sa recursos públicos para as instituições privadas; o Programa Universida-de para Todos – PROUNI, criado pela Medida Provisória 213 de 10/09/2004(BRASIL, 2004), destinado à concessão de bolsas de estudo integrais e

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parciais de cinquenta por cento (meia bolsa) para cursos de graduação esequenciais de formação específica em instituições privadas de ensinosuperior, com ou sem fins lucrativos. Essa medida foi editada aproximada-mente 48 horas depois do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública(que reúne diversas entidades ligadas ao setor) ter declarado que o PROUNIé uma medida nefasta para a educação.

Segundo Leher (2004b, p. 2), esse programa consiste na “bóia desalvação” das instituições de ensino superior privado, que

[...] conta com uma inadimplência da ordem de 35 a40%, de acordo com as entidades patronais. Elas nãotêm mais como ampliar o número de estudantes, poisos jovens das classes mais baixas não têm poder aqui-sitivo para comprar serviços educacionais. Hoje, onúmero de vagas oferecido pelas instituições priva-das já é mais ou menos semelhante ao número deconcluintes do segundo grau; às vezes, alguns delesaté fazem um sacrifício e ficam um, dois semestres, edepois evadem ou ficam inadimplentes. O ProUni é umaoperação de salvamento para o setor privado [...].

O autor afirma, ainda, que essa MP não vai sequer arranhar oproblema de acesso às universidades, porque o número de bolsas ofere-cidas é pequeno, não atende a demanda e não garante a democratizaçãodo acesso. Hoje, de cada 100 jovens com idade entre 18 a 24 anos, 9 estãomatriculados em alguma instituição de ensino superior. Com o PROUNI,esse índice chegará a 10, até 12 de cada 100 jovens com idade entre 18 e 24anos, o que não modifica a exclusão dos setores mais pobres.

Em outro artigo sobre o PROUNI, Leher (2004a, p. 2) acrescenta:

[...] um estudo da entidade dos reitores das universi-dades federais afirma que com apenas R$ 1 bilhãoseria possível generalizar o ensino noturno das IFES,criando aproximadamente 400 mil novas vagas. Como total de verbas públicas que está sendo previsto paraas instituições privadas poderíamos ter mais de ummilhão de novas vagas. Os fatos desmentem o propó-sito social desta política que faz avançar ainda mais aprivatização do ensino superior, setor que totaliza 88%das instituições e 72% dos estudantes do ensino supe-rior.

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Cabe destacar, conforme dados do mesmo artigo citado, que setodas as instituições aderirem ao PROUNI, haverá um subsídio superior aR$ 2 bilhões/ano aos empresários. Isso sem contar os cerca de R$ 1 bilhãode FIES – Financiamento Estudantil, programa criado pela Medida provi-sória 2.094, de 13/06/1999 e transformado na Lei 10.260 em julho/2001 (BRA-SIL, 2001b) pelo governo Fernando Henrique Cardoso, para financiar parteda mensalidade dos estudantes.

Portanto, o PROUNI é um programa que busca propiciar a expan-são do acesso ao ensino superior por meio do setor privado. Aponta suaposição de reduzir investimentos em áreas sociais, favorecendo cada vezmais as empresas educacionais. A aprovação da MP 213 se deu num con-texto em que as universidades públicas de um modo geral vivem um mo-mento de muita dificuldade. Marques (2005, p. 36) confirma esse contextocom seu relato:

Segundo dados da Associação Nacional de Dirigentesde Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes),no período de 1995 a 2001, as 54 universidades fede-rais perderam 24% dos recursos para custeio (água,luz, telefone, compra de materiais) e 77% dos recursospara investir em salas de aula, laboratórios, computa-dores e acervo bibliográfico.

Essa orientação para o mercado pode ser identificada pela ex-pansão de vagas no ensino superior pelo setor privado em detrimento dopúblico. O que passou a contar foram os dados estatísticos, ou seja, au-mento de cursos sequenciais e outras modalidades aligeiradas (para osestudantes de renda mais baixa), em vez da expansão de vagas no setorpúblico com cursos qualitativamente superiores.

De acordo com o Catani e Oliveira (2002, p. 3), a “estratégia dediversificação” para as IFES inclui “pensar na expansão do pós-secundário,isto é, na formação em áreas técnicas e profissionais. Nesse sentido, su-gere-se a modulação do ensino universitário, com diploma intermediário,o que permitiria expansão substancial do atendimento sem custo adicio-nal excessivo”.

Leher (2004a, p. 2) apresenta essa questão da expansão devagas da seguinte forma:

Qual a melhor alternativa: estabelecer a política deacesso vinculada à expansão do ensino público, dealta qualidade, esforço que fortalecerá a capacidadede produção do conhecimento socialmente relevante

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ou inflar as estatísticas com cursos seqüenciais ali-geirados, sufocando o setor público? Há dez anos, oBanco Mundial elaborou um documento afirmando que,no caso dos países latino-americanos, a única alter-nativa era esta última opção. A expectativa dos 52 mi-lhões de brasileiros que votaram contra oneoliberalismo é de que a educação deve ser vistacomo um direito fundamental e não como uma merca-doria.

Essa posição do Banco Mundial foi reafirmada em 2000 no docu-mento “Educação superior nos países em desenvolvimento: perigos e pro-messas”. Trindade (2001, p. 34) menciona que a leitura do documentomostra que

[...] apesar de algumas mudanças na linguagem e ade-são a algumas teses da Unesco11, o Banco Mundialdefende o estabelecimento de um sistema estratificadoem termos de criação, acesso e disseminação do co-nhecimento. Países e indivíduos com renda superiordeveriam produzir e ter acesso a conhecimento de altaqualidade, enquanto que os de baixa renda deveriamassimilar a produção. Essa é a divisão social e econô-mica do saber proposta pelo Banco: os de baixa rendatêm que se especializar na “capacidade de aceder eassimilar o conhecimento novo”.

Em outras palavras, a proposta é a hegemonia plena das “políti-cas neoliberais”, que tornam obsoletas as estruturas atuais, legitimam aprivatização interna, mantêm a comunidade acadêmica sob pressão per-manente em virtude da precarização do espaço público12 e possibilitam aexpansão do setor privado. Analisando as medidas implementadas até omomento, é possível constatar que as políticas dos organismos internaci-

11 Por exemplo, a necessidade de expansão da educação superior, sua missão pública, sua rela-

ção com o desenvolvimento da sociedade e a formação da cidadania democrática e, inclusive, a

revalorização do papel do Estado no financiamento e a importância de dirigentes com liderança

para melhorar os níveis de gestão universitária e a relevância da educação humanística para os

países em desenvolvimento.12 Processo de obsolescência das instalações físicas, dos equipamentos, dos laboratórios provo-

cados pela queda de financiamento do Governo às instituições públicas inviabilizando reformas,

reposições e atualizações de seus ambientes e materiais.

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onais seguem orientando a equipe do governo de Luis Inácio Lula da Silva,conforme aponta Leher (2005, p. 51):

A modernização do MEC coincide no fundamental comas agendas do Banco Mundial, do BID e da Cepal paraas instituições de educação superior públicas: racio-nalização do acesso não por medidas universais, maspor cotas; programas de estímulo à docência por meiode gratificações por produtividade; avaliação padro-nizada da “qualidade” (Exame Nacional de Desempe-nho) inspirada na teoria do capital humano; vinculaçãoentre os planos de desenvolvimento institucional (es-tabelecidos com a participação empresarial), avalia-ção (Sinaes) e financiamento (financiamento por meiode contratos); direcionamento do “mercado educativo”da instituição para o âmbito regional, e associaçãolinear e estreita entre eficiência acadêmica epragmatismo universitário. Em suma o Banco difundeum posicionamento ideológico de modo a conformar auniversidade pública em um setor mercantil balizadopelos valores neoliberais.

Apesar da mobilização da comunidade acadêmica, por meio deuma série de publicações e eventos em defesa da universidade pública,apontando para a crise a que estão sendo submetidas essas instituições,seu sucateamento, desmantelamento e perda de identidade; apesar danecessidade urgente de uma nova reforma universitária, que priorize res-gatar a missão pública da instituição universitária no contexto daglobalização e da ‘sociedade do conhecimento’, do anteprojeto da LeiOrgânica da Reforma da Educação Superior Brasileira (BRASIL, 2004), nãoconstam políticas que viabilizem a reestruturação da universidade públi-ca; pelo contrário, o que se percebe é a presença do mercado como o eixonorteador da proposta.

O anteprojeto citado afirma que a meta de crescimento do setorpúblico para 2011 é de 40% das vagas. Na prática, chegar à mesma situaçãoconstatada 10 anos atrás. Em 1994, conforme o INEP (BRASIL, 2000), opercentual de estudantes nas universidades públicas era de 41%. O Minis-tério da Educação - MEC (BRASIL, 2004) argumenta que, em 2011, opercentual significará um número maior de estudantes. Entretanto, nãohá previsão de recursos novos. Desse modo, é de se esperar que a expan-são das universidades públicas se dê por meio de modalidades aligeiradase da implementação da educação à distância, já que o MEC estuda a possi-

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bilidade de autorizar 270 mil vagas à distância para formar professores.Leher (2005, p. 52, grifo do autor) relata outro aspecto importan-

te do anteprojeto que amplia o processo de mercantilização do ensinosuperior no âmbito internacional:

Coincidindo também com a agenda da OMC e do ALCA,o anteprojeto admite, pela primeira vez na história dopaís, que a educação é um campo específico de investi-mentos estrangeiros. O Anteprojeto autoriza uma par-ticipação de até 30% de capital estrangeiro, criando a“segurança jurídica” que os empreendedores tanto re-clamam nos tratados de livre-comércio (TLC). O queimporta, por agora, é que o princípio de que o setorcomporta investimentos estrangeiros está estabeleci-do.

Nesse contexto, não são identificados no PNE de 2001, nem noanteprojeto da reforma universitária, indicadores que propiciem um avan-ço significativo da educação pública e da inclusão social.

Em relação ao anteprojeto, Cafardo (2006, p. A17) destaca que “ogoverno Lula chega ao seu último ano sem uma nova regulamentação parao sistema de ensino superior no país. O projeto de lei da reforma univer-sitária, depois de quase dois anos de discussão, está parado Casa Civil”(p.A17). Segundo o referido autor, em fevereiro de 2006, o MEC “divulgouo chamado decreto-ponte, que tem regras quase exclusivas para as insti-tuições privadas” (p. A17).

Além do decreto citado, outras medidas, com implicações edu-cacionais, como, por exemplo, a Lei de Inovação Tecnológica e a Lei dasParcerias Público Privadas – PPP(s) (explicitadas com suas possíveis reper-cussões no próximo capítulo), entre outras, tendem a aprofundar aindamais as distinções sociais entre a minoria incluída e a maioria dos cada vezmais excluídos da sociedade da informação e do conhecimento.

3. Privatização indireta: cooperação universidade-empresa

Conforme exposto no presente artigo, a privatização (direta) doensino superior no Brasil, incentivada a partir da década de 1960, acabouatingindo um dos maiores índices não apenas da América Latina, mas domundo.

Deu-se destaque, também, à tentativa de ressemantização doconceito de público na década de 1990, o que contribuiu para favorecer

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ainda mais o processo de privatização, já que o limite entre os conceitos(propriedade pública não estatal, semipública ou semiprivada) fica muitotênue e as diferenças parecem “quase” dissipadas.

Nesta seção, destacar-se-á a maneira como a privatização podeavançar também no interior das universidades públicas. Conforme afir-mado por Catani e Oliveira (2002, p. 5), as políticas públicas estão induzin-do “as IFES, em geral, a assumirem perfil mais empresarial quanto àobtenção de recursos financeiros para a sua manutenção e desenvolvi-mento”. Desse modo, a universidade pública, ao buscar essa adequação,acaba possibilitando o processo de privatização interno ou privatizaçãoindireta.

Trindade (2001, p. 20), quando explica as metáforas decorrentesdo desmantelamento da universidade pública, realça a questão daprivatização interna:

A outra metáfora é a do livro-denúncia Universidadeem ruínas na república dos professores, simbolizadapela iconografia clássica da “Torre de Babel” com umduplo significado. De um lado, as ruínas físicasprovocadas pela queda progressiva no financiamentodas universidades públicas federais, a partir dos go-vernos da nova República, que atinge o seu ápice, pa-radoxalmente, na “república dos professores” dirigidapelo Presidente-sociólogo. De outro lado, as ruínasinstitucionais com seu efeito mais perverso: a erosãodo próprio tecido acadêmico que se esgarça progres-siva e perigosamente, inclusive por sua privatizaçãointerna na captação crescente de recursos externoscompensatórios, decorrentes da erosão salarial e daqueda no financiamento da pesquisa pelas agênciasgovernamentais.

Para que se compreenda melhor a colocação de Trindade, é pre-ciso retomar o conceito de Sguissardi (2002, p. 126): “a privatização indire-ta consiste na introdução de mecanismos de administração egerenciamento corporativo-empresariais e busca de recursos junto aomercado”. A cooperação universidade-empresa é uma das formas de bus-car recursos junto ao mercado e, nesse processo, se as regras da coopera-ção não estiverem explícitas ou se forem omissas, vão favorecer aprivatização no interior da universidade.

Impende, pois, que se aprofunde o entendimento do que con-

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siste a política de cooperação universidade-empresa e que se identifi-quem alguns aspectos relevantes para este estudo: atividade concomitantedo docente nas atividades fim da universidade e nos projetos de coopera-ção (carga horária dedicada, remuneração, patentes, etc.),operacionalização (órgãos envolvidos no desenvolvimento dos projetosde cooperação), gestão financeira dos recursos obtidos (percentual dauniversidade, dos docentes, do Departamento, Unidade , etc.).

De acordo com estudo de Akamatsu (1997), foi implementado naUNESP o Programa de Difusão da Ciência e da Tecnologia – PDCT em 1993.Seu principal instrumento de execução foi o Projeto REDE UNESP de Difu-são da Ciência e da Tecnologia, que tinha como objetivo estimular a coo-peração universidade-empresa por todos os campi da universidade. Alémdo REDE UNESP, outros quatro projetos constituíam o PDCT, a saber: Fo-mento à Iniciativa Empresarial (parques, polos e incubadoras); GruposSetoriais; Empresa Júnior e Propriedade Intelectual.

Ainda segundo Akamatsu (1997, p. 89):

Quando do início deste trabalho, em fevereiro de 1993,na UNESP existiam atividades de extensão sendo reali-zadas por iniciativa e organização das Unidades Uni-versitárias, dos Departamentos, de grupos de docentese até por docente individualmente. Sem uma política eorganização da instituição como um todo para a ques-tão da cooperação com o setor produtivo, isto dificul-tava o dimensionamento e tomada de decisão dasatividades.

A afirmação, em relação à UNESP, de que não existiam uma polí-tica e uma organização como um todo para a questão da cooperação com osetor produtivo, foi feito, também, em estudo desenvolvido por Velho(1996, p. 136) em relação a outras instituições, destacando que inexistiam,ainda, normas claras para as relações entre universidade e empresa:

As entrevistas com dirigentes de órgãos responsáveispela política de C&T, aliadas à análise da bibliografiapertinente, mostraram que no plano das políticas ex-plícitas a interação UE13 aparece como meta desejadadesde 1970. No entanto, no plano das políticas implí-citas, salvo exceções, as universidades estudadas nãoimplementaram ações efetivas no sentido de definir

13 UE - Universidade-Empresa.

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claramente linhas de atuação para parcerias com osetor empresarial. Nossa pesquisa mostrou, por exem-plo, que nessas instituições não há informações sobreo número de professores que têm contratos deconsultorias ou desenvolvem outras atividades juntoa empresas. Tampouco há informações sobre o volumede recursos envolvidos em tais relações e sobre pro-dutos que delas decorrem. Inexistem, ainda, normasclaras para as relações UE, ficando ao sabor das pre-ferências de cada pesquisador o tipo de projeto, a for-ma de cooperação a ser desenvolvida, o montante dopagamento a ser efetuado, o número de horas a seremdedicadas a essas atividades e propriedade dos resul-tados eventualmente obtidos pela cooperação.

As instituições pesquisadas pela autora foram as seguintes: Uni-versidade de Campinas – UNICAMP, Universidade Federal de São Carlos –UFSCar e Universidade de Brasília – UnB. Em 1996, apenas a UNICAMPpossuía estruturas organizacionais montadas com o objetivo de estimulare acompanhar os projetos consorciados.

Em relação à política de cooperação universidade empresa, Cu-nha (1995, p. 26) destaca bem o cerne dessa questão:

Por fim, mas não em último lugar, é preciso reconhecera existência de iniciativas promissoras de interaçãoda universidade com o sistema produtivo, com as em-presas públicas e privadas, bem como a indução deempreendimentos novos, as chamadas “sementeirasde empresas”. Essas iniciativas mostram que as uni-versidades podem inserir-se no mercado sem perdersua autonomia, com a condição de determinarem,quando, como e para que se fará tal inserção. Porém,elas não podem deixar de atuar, ao mesmo tempo, con-tra o mercado, cujos mecanismos, tão celebrados nes-te momento de globalização hegemonizada, reproduzemeficazmente a miséria e a dominação na América Lati-na.

Ao afirmar que a universidade pode inserir-se sem perder suaautonomia, determinando quando, como e para que se fará tal inserção,Cunha foi preciso. Esse processo é delineado na política de cooperaçãoexistente na universidade, cujo estudo é extremamente importante, pois

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poderá se constituir num instrumento valioso para impedir a chamada“privatização interna” ou indireta.

Em Leher (2003, p. 8) encontram-se indicações de como esse pro-cesso de privatização tem sido viabilizado:

Na área educacional, a criação de condições legaispara o livre fornecimento privado e para odirecionamento das instituições públicas para a esfe-ra privada, por meio das fundações privadas, convêni-os com o setor empresarial, é tão ou mais importantedo que a venda da participação estatal de um determi-nado setor. Com efeito, nessas instituições, outrosmétodos de privatização são experimentados.

Considerações finais

Conclui-se, assim, o presente artigo, enfatizando que política decooperação universidade-empresa está contida no contexto de mudançasda universidade, provocadas principalmente pela diminuição do papel doEstado em vários setores, particularmente o educacional, que traz comouma das consequências o processo de privatização. Com o intuito de im-pedir a mercantilização da universidade, é necessário estabelecer açõesefetivas, no sentido de definir claramente as linhas de atuação para aparceria como setor empresarial. Portanto, a política de cooperação deveser regulamentada, devem ser criados instrumentos de controle das ativi-dades de cooperação, gerenciando os recursos obtidos, para evitar que osdocentes priorizem as atividades de cooperação em detrimento das ativi-dades fim da universidade.

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Recebido em: 30/05/2009

Aprovado em: 05/08/2009

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A CONTRIBUIÇÃO DO PENSAMENTO DE PIERRE BOURDIEU PARA OPROCESSO DE FORMAÇÃO DOCENTE E CONSTRUÇÃO CURRICULAR1

Jéferson Dantas2

RESUMO: Este artigo procura trazer a contribuição teórica do sociólogofrancês Pierre Bourdieu (1930-2002) para uma análise no campo do Currí-culo e da Formação Docente, tendo como objeto a experiência social dasescolas públicas (Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro daCruz), que atendem crianças e jovens em situação de risco na cidade deFlorianópolis, Santa Catarina.PALAVRAS-CHAVE: Pierre Bourdieu, currículo e formação docente, comis-são de educação, Fórum do Maciço do Morro da Cruz.

ABSTRACT: This article attempts to bring theoretical contribution of theFrench sociologist Pierre Bourdieu (1930-2002) for analysis concerning theareas of Curriculum and Teacher Training, with the object of research thesocial experience of public schools (Comissão de Educação do Fórum doMaciço do Morro da Cruz), that serve children and youth at risk in the cityof Florianópolis, Santa Catarina.KEYWORDS: Pierre Bourdieu, curriculum and teacher training, comissãode educação, Fórum do Maciço do Morro da Cruz.

Considerações iniciaisAs categorias de análise utilizadas pelo sociólogo francês Pierre

Bourdieu (1930-2002), tais como espaço social, classe, campos de forças,agentes, espaço das posições, espaço relacional, poder simbólico, distin-ção, habitus, capital de origem, capital escolar e trajetória interrompidaserão tratadas preliminarmente neste breve estudo3.

1 Agradeço imensamente as contribuições teórico-metodológicas do “Seminário de Especialida-

de: Dominação e Reprodução Social - a Sociologia de Pierre Bourdieu”, ministrado pela Profª. Dra.

Ione Ribeiro Valle, do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências da Educa-

ção da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGE/CED/UFSC). Agradeço também a revisão do

texto realizada pela educadora Justina Sponchiado (Mestre em Educação pela PUC/SP e Douto-

randa em Educação pela UFSC).2 Historiador, professor universitário, ensaísta e Mestre em Educação. Doutorando em Educação

(UFSC). Articulador e pesquisador dos estudos do currículo na Comissão de Educação do Fórum do

Maciço do Morro da Cruz (CE/FMMC). Pesquisador de Doutorado CNPq. E-mail:

[email protected] Tais categorias de análise serão discutidas e problematizadas em meu objeto de pesquisa no

Doutorado (2008-2012), concernente à formação docente e à construção curricular nas escolas

públicas do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (FMMC), na cidade de Florianópolis, Santa Catarina.

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Em primeiro lugar, é importante compreender as estratégias deformação docente tendo como referência um currículo que atenda crian-ças e jovens em situação de risco social. Todavia, tais compreensões deum currículo efetivamente inclusivo não são mecânicas e homogêneas,tendo em vista que cada unidade de ensino apresenta suas próprias de-mandas específicas, o que dificultaria a construção de um currículo inte-grado para todas as escolas e centros de educação infantil4. Historicamente,a organização do Fórum do Maciço do Morro da Cruz (FMMC) deu-se emmeados da década de 1990, fruto de um processo de discussão geradodurante o governo da Frente Popular5 no município de Florianópolis (1993-1996). Nas palavras do coordenador-geral do FMMC, Vilson Groh6, o espa-ço pedagógico não se concentra tão-somente no território escolar, mastambém nas comunidades periféricas atendidas por essas escolas, numprocesso de redes e parcerias, “onde [sic] os territórios vão sendodesguetizados [sic] e ampliam suas relações na construção das políticaspúblicas, através do fortalecimento dos movimentos comunitários” (2003,p. 9). Entretanto, não é sem tensões e conflitos que esses diferentes es-paços de convívio se legitimam e buscam suas próprias identidades. Hádiferentes agentes7 no território escolar que podem ao mesmo tempo

4 Atualmente, as escolas públicas estaduais que atendem diretamente as comunidades perten-

centes ao Fórum do Maciço do Morro da Cruz são as seguintes: Lúcia do Livramento Mayvorne

(comunidade Mont Serrat), Jurema Cavalazzi (comunidade do Morro da Queimada), Celso Ramos

(comunidade do Morro do Mocotó), Lauro Müller (bairros centrais e comunidades dos morros

adjacentes), Henrique Stodieck (bairros centrais e comunidades dos morros adjacentes), Hilda

Teodoro Vieira (comunidade do Morro da Penitenciária), Silveira de Souza (bairros centrais e co-

munidades dos morros adjacentes) e Padre Anchieta (comunidade do Morro do Horácio). Os três

CEIs (Centros de Educação Infantil) que eram mantidos pelo poder público estadual e faziam parte

da Comissão de Educação do Fórum do Maciço foram recentemente municipalizados, ocasionan-

do a dispersão de suas lideranças pedagógicas. Eram eles: Cristo Redentor (comunidade do Morro

da Mariquinha), Anjo da Guarda (comunidade do Morro da Penitenciária) e Nossa Senhora de

Lourdes (Morro da Penitenciária).5 A Frente Popular era formada pelos seguintes partidos: Partido dos Trabalhadores (PT), Partido

Popular Socialista (PPS), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Verde (PV), Partido Comu-

nista do Brasil (PC do B) e Partido Socialista Brasileiro (PSB). No que tangia à forma de governar em

Florianópolis, estas agremiações partidárias implementaram uma marca administrativa até

então inédita, que passou a ser uma referência em várias capitais e cidades capitaneadas pela

Frente Popular: o orçamento participativo.6 Vilson Groh, padre, é Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Inspirado na Teologia da Libertação, iniciou suas atividades sociais e eclesiásticas na periferia de

Florianópolis, em especial, na comunidade Mont Serrat, a partir de 1983.7 O termo Agente não é congruente ao termo sujeito. Tais diferenças de ordem semântica são

importantes na obra de Bourdieu, já que os agentes representariam homens e mulheres atuantes,

e não sujeitados.

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promover uma formação emancipatória ou desqualificar histórias de vidade crianças e jovens, naturalizando as desigualdades sociais e ampliandoos já assustadores índices de evasão e repetência nos primeiros anos devida escolar. Para Pierre Bourdieu (2001), torna-se fundamental compre-ender o espaço social como espaço das posições, ou seja, compreendê-locomo espaço relacional. Nessa direção, num mesmo território, numa mes-ma comunidade ou numa mesma escola, existem lutas políticas e lutassimbólicas entre diferentes agentes, demarcando posições, oposições eproposições (a busca de um “consenso”).

Bourdieu chama a atenção para os reducionismos no que tan-ge à ideia de classe social, principalmente aquela herdada do marxismoalthusseriano. Uma classe social, por se encontrar num espaçomultidimensional, apresenta diferentes compreensões estéticas e dife-rentes níveis de capital incorporado/materializado (cultural e econômico,sobretudo). As diferentes percepções de mundo social de uma classe nãosão determinadas tão-somente pelo mundo econômico, como os “marxis-tas vulgares” preconizavam. Deve-se levar em conta a “experiência elabo-rada” desses grupos sociais, que podem se organizar a partir de divisõesétnicas (BOURDIEU, 2001, p. 138), como é o caso do FMMC, em que boaparte das comunidades é formada por mulheres e homens negros.

Conhecer o mundo social, nos termos de Bourdieu, é trazer àtona o que está em jogo na luta política, construindo um quadro teórico-prático que possa encontrar as categorias analíticas que permitam umapercepção mais aguçada do mundo. Assim, não é a “teoria” que muda arealidade social, mas as demandas dessa realidade em forma de pergun-tas, evidências, que confrontam as hipóteses do/a pesquisador/a em seutrabalho de campo.

Sobre a realidade a qual me disponho a estudar, é importanteesclarecer que o FMMC é formado por várias comissões, sendo uma delasa Comissão de Educação8. Nessa comissão são pensadas as estratégias deformação continuada docente, assim como a atualização dos projetos po-líticos pedagógicos (PPPs). Ficam-nos, todavia, indagações concernentesà legitimidade dessa comissão, não apenas do ponto de vista das proposi-ções, mas de sua própria relação com os demais agentes do território es-colar. No campo de disputas, a Comissão de Educação do Fórum do Maciço(CE/FMMC) fica, para os professores e professoras, aparentemente auto-

8 A Comissão de Educação (formada basicamente pelos diretores das unidades de ensino e suasecretaria-executiva) do FMMC se reúne quinzenalmente, tendo como sede dos encontros aspróprias unidades de ensino pertencentes ao Fórum. Uma vez por mês ocorre o Fórum ampliado,com a participação de todas as comissões e, fundamentalmente, a presença de lideranças comu-nitárias.

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rizada a encaminhar projetos e a decidir o destino formacional de milharesde crianças e jovens. Isso não é verdade, pois uma comissão que se orga-niza no interior do aparato político-institucional, ainda que apresente pro-posições coletivas comuns, necessita realizar o embate com o sistemaeducacional de ensino que forja suas própria lógica de formação docente;consequentemente, impõe pela autoridade legal alterações de ordemcurricular (o que não deve ser confundido apenas com mudanças de gradecurricular).

Acompanhando o raciocínio de Bourdieu de que uma “classe so-cial não pode mais ser definida apenas por sua situação e por sua posiçãona estrutura social” (2004, p.14), devemos levar em consideração ainda asdistinções simbólicas que ocorrem no espaço social e, mais precisamente,no espaço escolar. O consumo simbólico, a ostentação de bens econômi-cos transmutados em signos promove diferentes escalas de valor paracada grupo social ou grupos de status (conforme o conceito weberiano).Desse modo, as unidades de ensino do FMMC não têm conseguido emgrande medida evitar a reprodução de uma tragédia significativa: a eva-são, a repetência e a não apropriação dos códigos de leitura e escrita. Háuma percepção “intuitiva” dessas crianças e jovens de que o capital esco-lar oferecido ainda é bastante insuficiente para qualificá-los para o mer-cado de trabalho ou, simplesmente, fazê-los compreender os rudimentosda escrita e interpretação de pequenos textos. Segundo Bourdieu (2007,p. 100),

[...] o capital escolar possuído em determinado mo-mento exprime, entre outras coisas, o nível econômicoe social da família de origem [...] que nada tem a vercom uma relação mecânica já que o capital cultural deorigem pode ter sido reconvertido, apenas imperfeita-mente, em capital escolar ou ter exercido efeitosirredutíveis aos do diploma, como é possível observarem todos os casos em que a origem social estabeleceuma distinção entre indivíduos cujo nível escolar é idên-tico.

Entre os professores e professoras das unidades de ensino doFMMC, há um risco muito elevado em se considerar que a dinâmicaoperacional do currículo deva se concentrar tão-somente na violência9,

9 A violência estrutural deve ser compreendida como uma síntese de múltiplas determinaçõessócio-histórico-culturais, associada a um modelo econômico pautado na exploração da força detrabalho dos que não detêm os meios de produção. Tal exploração, contudo, atinge todos os es-paços de convivência comunitária dos indivíduos; o capital refinou sua lógica exploratória aotransformar os seres humanos em “autômatos” ordinariamente “convictos” de suasubalternidade. Para os setores marginalizados da sociedade, a violência estrutural representamuito mais do que isso: representa a inempregabilidade, a ausência de capital cultural, a anula-ção de suas subjetividades e um alvo predileto de extermínio do aparato repressor estatal (cf.DANTAS, 2008).

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compreendida aqui como uma ameaça sistemática ao “bom funcionamentoda escola”. Todavia, quando a própria escola não se dá conta de seus meca-nismos de distinção simbólica, quando prioriza processos de avaliaçãodescontextualizados e repreende operações de linguagem que fogem desua lógica pragmática, há um elevado risco de se naturalizar e/ou reforçara ideia de destino social, ditada por um fatalismo que oprime e desmobilizaextratos sociais que mais necessitam se apropriar das diferentes formasde conhecimento.

A noção de capital: o capital cultural

Para compreender melhor a ideia de “capital cultural”, procureiestabelecer um roteiro investigativo que ajudasse a esclarecer a linha deraciocínio do autor, assim como as críticas teóricas empreendidas no Brasildurante a década de 1980 - sobretudo as que partiram do filósofo da edu-cação Dermeval Saviani. Foram analisados três fragmentos de obras deBourdieu: 1) O capital social – notas provisórias (NOGUEIRA; CATANI, 1998);2) Razões práticas: sobre a teoria da ação (BOURDIEU, 2003); 3) A Reprodu-ção: elementos para uma teoria do sistema de ensino (BOURDIEU;PASSERON, 1982). No que tange à abordagem das referidas obras, elenqueios seguintes tópicos para discussão: a) Rendimento desigual de capital(econômico/cultural); b) Capital social; c) Rede de relações sociais; d) Astrês formas de capital cultural (incorporado, objetivado einstitucionalizado); e) Sistema escolar e títulos escolares; f) Campo esco-lar, campo econômico e campo de poder; g) Monopólio estatal da violên-cia física/simbólica; h) Capital cultural e ethos de classe; i) Práticasdocentes e realidade intra e extraescolar.

Bourdieu aborda, inicialmente, a importância da compreen-são conceitual de capital cultural, entendido aqui como elemento indis-pensável

[...] para dar conta da desigualdade de desempenhoescolar de crianças provenientes das diferentes clas-ses sociais, relacionando o sucesso escolar [grifos doautor], ou seja, os benefícios específicos que as crian-ças das diferentes classes e frações de classe podemobter no mercado escolar, à distribuição do capitalcultural entre as classes e frações de classe (1998, p.73).

Logo, o sociólogo critica com veemência a lógica das “aptidõesnaturais”, tendo em vista que o rendimento escolar estaria associado ao

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capital cultural agregado pelas famílias que apresentam melhores condi-ções sociais ou, em outras palavras, que apresentam maior capital social eeconômico. Ainda que tal relação – maior ou menor capital econômico –não possa ser associada de forma mecanicista ao rendimento escolar decrianças e jovens, não há como negar que dependendo do capital socialherdado, o desempenho escolar será diferenciado. No caso específico decrianças e jovens em situação de risco social atendidas pelas unidades deensino do FMMC, tal elaboração teórica se torna bastante relevante. Atéporque há uma compreensão fatalista por parte de alguns educadores eeducadoras de que a “origem social” dessas crianças e jovens que habitamos morros e encostas de Florianópolis já traz consigo as “marcas do fracas-so”. Consequentemente, tal determinismo social (“desestruturação fami-liar”, pobreza, parco capital cultural, contextos de violência, maiordificuldade de acesso a bens culturais) tenderia a ser reforçado no territó-rio escolar, levando à exclusão ou à multirrepetência.

Para Bourdieu, o capital cultural poderia ser dividido em trêsformas e/ou estados: estado incorporado; estado objetivado e estadoinstitucionalizado. Em seu estado “incorporado”, o capital cultural é “umter que se tornou ser” (1998, p. 74-75). Em outros termos, é um capital quese torna integrante do indivíduo, um habitus. Evidente que tal capitalincorporado depende do capital cultural herdado pela família. As diferen-ças de capital cultural agregadas por diferentes grupos familiares geramuma

[...] precocidade de início do empreendimento de trans-missão e acumulação [grifos meus], tendo por limite aplena utilização da totalidade do tempo biologicamentedisponível, ficando o tempo livre máximo a serviço docapital cultural máximo (p. 76, grifos meus).

Poderíamos considerar então – mas não de maneira categórica -como crianças e jovens em situação de risco social, aquelas que vivem emcondições materiais e contextuais pouco satisfatórias, estão mais expos-tas a diferentes tipos de violências e tendem a apresentar dinâmicasrelacionais menos propensas às interações. Em contrapartida, o “tempolivre” da criança ou do jovem burguês apresenta uma “mais-valia simbóli-ca e econômica” (PINTO, 2000) que amplia e reforça o capital cultural em-preendido na transmissão e acumulação econômica inicial.

Desta maneira, na medida em que cresce o capital cultural incor-porado, mais ele se “objetiva” em suas destinações e funções sociais.Ganha força coletiva de domínio. Tais detentores do capital cultural

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“objetivado” estariam mais “aptos” à concorrência no mercado de traba-lho pelas condições de sua formação e seleção, obtendo melhores classi-ficações no território escolar e em variados tipos de concurso. Por fim, oestado “institucionalizado” do capital apenas reforçaria os estados anteri-ores, ou seja, “permite também estabelecer taxas de convertibilidadeentre o capital cultural e o capital econômico, garantindo o valor em di-nheiro de determinado capital escolar” (BOURDIEU, 1998, p. 78-79).

Todavia, os diferentes estados do capital por si só não consegui-riam se reproduzir de forma espontânea se não existisse uma “rede derelações” que garantisse o rendimento desigual de capital econômico/cultural. Tais redes de relações representam estratégias de investimentosocial orientados para a reprodução de relações sociais diretamente “uti-lizáveis” a curto ou longo prazo. O “pertencimento de classe” (ethos declasse) tem seus códigos e também suas exigências ritualísticas, num sis-tema de proteção coletiva que fortalece, distingue e protege seus seletose “eleitos” membros10.

Em Razões Práticas: sobre a teoria da ação (2003), Bourdieu de-dica-se a analisar os diferentes graus de importância institucional (rituais,diplomas, cerimônias solenes) como elementos de reconversão dos títu-los nobiliárquicos em títulos escolares. Trata-se de conferências proferi-das pelo autor no Japão e nos EUA. Em tom enfático, Bourdieu consideraque

[...]. No Japão, como na França, os pais extenuados, osjovens fatigados, os empregadores desiludidos com oproduto de um ensino que acham mal adaptado, sãoas vítimas impotentes de um mecanismo que não é maisdo que o efeito acumulado de suas estratégias engen-dradas e produzidas pela lógica da competição de to-dos contra todos (p. 45).

Se levarmos em consideração que tal conferência foi proferidaem 1989, podemos entender que a preocupação de Bourdieu era, justa-mente, com a produção excessiva de diplomas e expansão de centrosuniversitários de qualidade duvidosa. As demandas de um mercado sele-tivo e cada vez mais competitivo criaram precedentes para umamercantilização da educação jamais vista. Entretanto, o oferecimento de

10 Grosso modo, poderíamos citar o exemplo da maçonaria em tal explanação, porém, não só:concorrem ainda para esta análise as relações no mundo acadêmico, a aproximação com gruposde pesquisa coordenados por instituições e intelectuais renomados e também as relações ma-trimoniais que agreguem capital social, econômico e cultural aos nubentes.

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títulos e/ou diplomas em tal contexto não assegurara “igualdade de con-dições” no mercado de trabalho. Antes, porém, fortaleceram o dualismo“campo escolar” e “campo econômico”:

Acredito que é nas transformações do campo escolare, sobretudo, nas relações entre o campo escolar e ocampo econômico, na transformação da correspon-dência entre os títulos escolares e os cargos, que seencontraria o verdadeiro fundamento dos novos movi-mentos sociais que surgiram na França no prolonga-mento de 1968, [...] (p. 46).

Se entendermos que a ideia de “campo” para Bourdieu deve seranalisada como um espaço social de luta, de litígio, tais “campos de força”e seus respectivos agentes, inevitavelmente, travarão conflitos para amanutenção ou a transformação de suas condições sociais. Logo, o campode poder “é o espaço das relações de força entre os diferentes tipos decapital ou, mais precisamente, entre os agentes [...] providos de um dosdiferentes tipos de capital para poderem dominar o campo” (p. 52). Con-tudo, não há como olvidarmos a função do Estado como regulador dastensões sociais nos diferentes campos de luta, já que ao impor a sua vio-lência legítima, realiza diferentes intervenções financeiras e jurídicas nadireção de normatizar o comportamento dos agentes individuais.

A última obra aqui analisada, A Reprodução: elementos para umateoria do sistema de ensino (1982), construída em parceria com Jean-ClaudePasseron – publicada originalmente na França em 1970 e traduzida paranosso país em 1975 - foi duramente criticada no Brasil, principalmentepelo educador Dermeval Saviani.

Saviani (2000) dialoga mais com o contexto histórico nacional doque propriamente com a obra de Bourdieu e Passeron. O Brasil vivia ummomento de “silenciamento político” imposto pela ditadura militar (1964-1985), o que comprometia gravemente uma formação educacional quelevasse em conta princípios democráticos e respeito às liberdades indivi-duais. Nessa direção, Dermeval Saviani assim traduziu suas impressões daobra de Bourdieu e Passeron:

[...]. Boa parte dos educadores não aceita a educaçãooficial e busca articular as críticas ao regime militar,autoritário e tecnocrático, e à sua proposta educacio-nal. Essas formuladas ao longo da década de 70, tive-ram forte apoio de uma concepçãocrítico-reprodutivista de Educação. Esta concepção foi

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sistematizada por alguns teóricos, entre os quais sedestacam alguns autores franceses, basicamenteBourdieu e Passeron, com a Teoria do Sistema de Ensi-no como Violência Simbólica sistematizada na obra “AReprodução” (1970); Althusser, com o artigo “Ideolo-gia e Aparelhos Ideológicos do Estado”, publicado narevista ‘La Pensée’, em 1969, e depois republicado naforma de livro; e o livro de Baudelot e Establet ‘A EscolaCapitalista na França’, que data de 1971. Por influên-cia dessas obras se procurou empreender a crítica daeducação, pondo em evidência seu caráterreprodutivista, isto é, educação como reprodução dasrelações sociais de produção [...]. Sendo assim, essaconcepção crítico-reprodutivista não apresenta pro-posta pedagógica, além de combater qualquer uma quese apresente. Assim, dada uma sociedade capitalista,sua Educação reproduz os interesses do capital. Estaconcepção serviu para municiar a denúncia da peda-gogia oficial dominante e, no período entre 1975 e 1978,era confundida com a concepção dialética (p.104-105).

Guardados os devidos distanciamentos históricos em que a críti-ca de Saviani se projetou, torna-se importante não cairmos numreducionismo teórico que oculta mais do que revela as proposições deBourdieu e Passeron. Ainda que passível de críticas, o fatalismo pedagógi-co apontado por Saviani na obra A Reprodução é pertinente. Todavia, aorealizar uma pesquisa que demonstrava claramente as distinções de clas-se na França e de como o sistema educacional francês era segregador,seletivo e condicionador, Bourdieu e Passeron não estavam simplesmen-te denunciando um sistema educacional dualista como um sistema im-possível de ser transformado. Aí reside a crítica de Saviani: afinal, as escolassão apenas reprodutoras da lógica do capital? Simples aparelhos ideológi-cos do Estado? Evidente que Bourdieu e Passeron não estavam respon-dendo a essas problematizações. Não era a intenção desses sociólogosapresentar uma estratégia de superação das práticas tradicionais de ensi-no, mas sim de oferecer instrumentos teóricos para a compreensão dosmecanismos de reprodução do sistema, via educação. Contudo, ainda quenessa obra em particular as leituras e/ou interpretações enviesadas ten-dam a formalizar ou estigmatizar os objetivos dos autores, pode-se perce-ber em determinada passagem da obra algumas indicações depossibilidades no campo educacional:

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[...]. Só a construção do sistema das relações entre osistema de ensino e a estrutura das relações entre asclasses sociais permite que se escape realmente a es-sas abstrações reificantes e se produza conceitosrelacionais que, como os de oportunidade escolar, dedisposição relativa à Escola, de distância à culturaescolar ou de grau de seleção se integram na unidadede uma teoria explicativa das propriedades ligadas àdependência de classe (como o ‘ethos’ ou capital cul-tural) e das propriedades pertinentes da organizaçãoescolar, tais como, por exemplo, a hierarquia dos va-lores que implica na hierarquia dos estabelecimentosdas seções, da disciplina, dos graus ou das práticas(BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 114).

As implicações no campo de forças estão explícitas, portanto, osautores reconhecem as limitações no campo educacional, mas não de-marcam o fatalismo pedagógico como resultado último desta pesquisaainda lacunar. Ao reconhecerem que o sistema de ensino e a cultura esco-lar são “campos de possibilidades”, já que os mesmos são constituídos poragentes individuais e agentes coletivos, dão um bom indicativo de que aresistência e a luta nos mais diferentes espaços sociais estavam no hori-zonte desses sociólogos.

A teoria da violência simbólica no espaço escolar

Ainda em relação à obra A Reprodução: elementos para uma te-oria do sistema de ensino, desenvolvida por Pierre Bourdieu e Jean-ClaudePasseron (1975), quatro elementos de análise foram estruturados pelosautores para se compreender a violência simbólica no território escolar: a)do duplo arbitrário da ação pedagógica (AP); b) da autoridade pedagógica(AuP); c) do trabalho pedagógico (TP) e d) do sistema de ensino (SE). Po-rém, a abordagem teórica de Bourdieu e Passeron foi construída em fun-ção de dezenas de proposições (83 no total) e mais algumas dezenas deescólios. Farei, contudo, uma síntese, dialogando com alguns referenciaisteóricos presentes em meu objeto de pesquisa.

Inicialmente, Bourdieu e Passeron, na proposição ‘0’, assinalam que:

Todo poder de violência simbólica, isto é, todo poderque chega a impor significações e a impô-las comolegítimas, dissimulando as relações de força que es-tão na base de sua força acrescenta sua própria força,

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isto é, propriamente simbólica, a essas relações deforça (1975, p. 19).

Nessa direção, o arbitrário cultural presente nas relações de for-ça estruturais, ou seja, no jogo de forças entre diferentes grupos sociais,com distintos bens econômicos e simbólicos, refletem-se, sobremaneira,no território escolar. Mas esse reflexo não se dá de forma automática ereducionista. Os valores ideológicos da lógica do capital necessitam demediadores ou de arbitrários culturais que reforcem, reproduzam ou in-culquem tais valores. Se levarmos em conta que o arbitrário cultural, asso-ciado a uma determinada classe social com todas as redes de relações aíimplicadas, configuram-se ou se determinam na escola a partir da AP comoalgo naturalizado, podemos garantir então que a AP é, concretamente,uma violência simbólica, já que pelo seu poder igualmente arbitrário legi-tima o arbitrário cultural presente no campo das lutas sociais.

Os autores ressaltam que:

A AP é objetivamente uma violência simbólica, numprimeiro sentido, enquanto que as relações de forçaentre os grupos ou as classes constitutivas de umaformação social estão na base do poder arbitrário queé a condição da instauração de uma relação de comu-nicação pedagógica, isto é, de imposição e deinculcação de um arbitrário cultural segundo um modoarbitrário de imposição e de inculcação (p. 21).

No caso específico das escolas públicas em torno das quais seagrega CE/FMMC, a violência simbólica tem outros contornos não menostraumáticos para crianças e jovens em situação de risco social11. Emboratenham condições econômicas semelhantes, há distinções evidentes nasescolas que compõem a CE/FMMC, principalmente naquelas situadas nasregiões centrais e periféricas de Florianópolis. Em relação aos/às estu-dantes, estão presentes elementos valorizados pelos professores e pro-fessoras que correspondem ao ideário escolar, ou seja, aqueles/as que,por seu capital cultural, atendem melhor às expectativas da escola e,consequentemente, ao seu currículo (cultura escolar). Sobre esse aspec-to, é importante indagar: quem são os educadores e educadoras que es-

11 De acordo com Shuler, citado por Ximenes, “estudantes em situação de risco são aqueles queestão em perigo de abandonar a escola ou graduar-se sem dominar o conhecimento e as habili-dades que são necessárias para serem cidadãos efetivos e assim contribuírem para a economia”(2001, p. 54).

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tão à frente desse processo educacional voltado às crianças e jovens emsituação de risco? O sociólogo François Dubet (2008, p. 34-35, grifos meus)analisa que:

A oferta escolar está longe de ser igual, homogênea, ede maneira geral a escola trata pior as crianças me-nos favorecidas. O mapa escolar12 registra as desi-gualdades sociais e suas imposições são mais rígidaspara os pobres encerrados nos estabelecimentos dos‘guetos’, onde a concentração de alunos relativamentefracos [grifos meus]13 enfraquece ainda mais o nívelgeral, reduzindo suas chances de êxito, inclusive paraos bons alunos [...]. Sabe-se também que [...] os estabe-lecimentos menos favorecidos acolhem professoresmenos experientes, que as taxas de rotatividade dopessoal são mais elevadas e que as progressões dosalunos são menores que nos outros estabelecimentos.

A citação acima expressa uma séria e complexa teia de situaçõesintra-escolares devolvidas para o público escolar a partir da comunicaçãopedagógica, representada pelo arbitrário cultural presente nas relaçõesde força entre diferentes grupos sociais. Em outras palavras, a AP comoviolência simbólica se revela “quando são dadas as condições sociais daimposição ou da inculcação, isto é, as relações de força que não estãoimplicadas numa definição formal de comunicação” (BOURDIEU;PASSERON, 1975, p. 22).

Dessa maneira, poderíamos supor com Dubet (2008) que a edu-cação oferecida às crianças desprovidas de capital econômico e culturalcaminha em descompasso com aquilo que consideramos uma “escola jus-ta” e de “qualidade”. Se as diferentes realidades da cultura escolar sãomediadas pelos educadores e educadoras, como estes/as profissionaisexpressam a concepção pedagógica da escola? Que procedimentosavaliativos, visões de mundo ou de sociedade estão embutidas em suaspráticas pedagógicas? Há uma imensa tarefa a ser empreendida nareconfiguração dos currículos escolares que não corresponde necessaria-

12 No caso de Santa Catarina, o mapa escolar é definido pelo zoneamento, ou seja, estudantesdevem se matricular nas escolas mais próximas de suas residências. Contudo, tal observâncianão é respeitada, tanto nas escolas públicas estaduais como nas escolas públicas municipais.13 Dubet (2008) não esclarece a sua compreensão sobre o significado de “alunos fracos”. Tal afir-mação deve ser relativizada, pois pode reforçar a ideia de que o determinismo social gera estu-dantes com dificuldades de aprendizagem irretorquíveis.

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mente (e apenas) a uma mudança de grade curricular. As mudanças sãoestruturais, ou seja, é necessário pensar a formação inicial e continuadados educadores que atuam com crianças e jovens em situação de risco.Contextos sociais educativos homogeneizantes precisam ser reformulados,conforme palavras de Ximenes (2001, p. 53):

A distância entre o universo cultural de alunos e pro-fessores tem sido um importante fator nodesencadeamento de conflitos, envolvendoindisciplina, agressões, depredação. Por extensão, odistanciamento entre o universo cultural da escola eda comunidade local tem contribuído para as incur-sões agressivas à escola, aos atos de vandalismo. [...].Em um local onde a criminalidade circunda a escola,essa disposição de abertura para a comunidade tor-na-se ainda mais necessária.

Todavia, a “criminalidade” que circunda a escola é produto dadesigualdade social estrutural, que pode ser reforçada no ambiente esco-lar se não for observado, justamente, esse distanciamento do universocultural de professores e estudantes. Os repertórios do currículo escolar(com seus saberes ou áreas de conhecimento bastante hierarquizadas)são frutos desta comunicação pedagógica “naturalizada” pelo arbitráriocultural que independe, num primeiro momento, de outros arbitráriosculturais presentes na escola (manuais didáticos e a própria autoridadepedagógica dos professores e professoras).

A violência simbólica está inerentemente associada à lógica docapital. Não é possível transformar as relações sociais de produção commedidas paliativas ou reformistas, o mesmo acontecendo com a educaçãoformal pública. Afinal,

[...], o capital é irreformável porque pela sua próprianatureza, como totalidade reguladora sistêmica, é to-talmente incorrigível. [...]. É por isso que hoje o sentidoda mudança educacional radical não pode ser senão orasgar da camisa-de-força incorrigível do sistema: per-seguir de modo planejado e consistente uma estraté-gia de rompimento do controle exercido pelo capital,com todos os meios disponíveis, bem como com todosos meios ainda a ser inventados, e que tenham o mes-mo espírito (MÉSZÁROS, 2005, p. 27; 35).

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Numa sociedade motivada e mobilizada por interesses de clas-se, parece-nos óbvio que o que alimenta a lógica do capital é a necessida-de incessante de reprodução dos valores hegemônicos capitalísticos,valores cingidos pelo fetiche, em que tudo se torna mercantilizável ecoisificado. O maior mérito do capital tem sido exatamente esse: anularos dissensos pelas “relações de uso” e pelas “relações de troca”.

Nesse contexto, a autoridade pedagógica (AuP) pode desem-penhar um importante trabalho de inculcação ideológica, já que é com-preendida como autoridade legítima na execução, elaboração, reproduçãoou construção de um trabalho pedagógico (TP):

Enquanto poder arbitrário de imposição que, só pelofato de ser desconhecido como tal, se encontra objeti-vamente reconhecido como autoridade legítima, a AuPpoder de violência simbólica que se manifesta sob aforma de um direito de imposição legítima, reforça opoder arbitrário que a estabelece e que ela dissimula(BOURDIEU; PASSERON, 1975, p. 27).

Pode parecer fatalista tal assertiva de Bourdieu e Passeron, masse levarmos em consideração que a AuP é compreendida como uma auto-ridade legítima e que em nome dessa legitimidade são construídas asmais diferentes formas de exclusão, tal proposição necessita estar no ho-rizonte de nossas reflexões. Os diferentes sistemas de ensino (SE) tam-bém impõem suas grades curriculares e o perfil de formação continuadasob a sua responsabilidade. No que se refere ao sistema estadual de ensi-no de Santa Catarina e, principalmente, no que tange ao atual governo emvigor, isso é bastante visível:

[...]. Em grande medida, os teóricos da educação prove-nientes dos quadros do PMDB em Santa Catarina – queadvogaram para si, em várias unidades da Federação,na década de 1980, a liderança na elaboraçãocurricular das escolas públicas – ainda estão muitodistantes das reais necessidades educacionais em ní-vel estrutural. Sob a égide de um passado históricocomprometida com os ideais de centro-esquerda, osgovernos peemedebistas em Santa Catarina têm pro-movido um sistemático esvaziamento da discussãopolítica do currículo, posicionando-se contrariamenteàs ações do FMMC (DANTAS, 2007, p. 131).

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Evidente que ao se realizar um fórum de educadores no interiordo aparato político-institucional, com uma dinâmica formacional que es-capa à homogeneidade determinada por seus quadros técnicos, não ésem embate que o sistema de ensino assimile sua menor interferênciapedagógica. Logo, é de se esperar que os SE e, nesse caso, o de SantaCatarina, utilizem a “estratégia da desqualificação” para imobilizar a CE/FMMC. Ameaças sistemáticas aos diretores eleitos; ausência de pessoalnas escolas (supervisores, orientadores, assessores); ausência de materi-ais de limpeza e de expediente são apenas alguns exemplos de como osistema de ensino pode arruinar o processo pedagógico de uma escola.

Enfim, os quatro pontos de análise levantados por Bourdieu ePasseron (AP, AuP, TP e SE) estão inextricavelmente relacionados, já queas ações pedagógicas estão atravessadas por agentes formadores, práti-cas sociais e o embate ou a conivência com os sistemas de ensino. De todomodo, a principal contribuição teórica dos autores diz respeito à naturali-zação dos arbitrários culturais presentes no modelo capitalista e que sãoincorporados pela escola sem qualquer mediação. Isso se torna ainda maisagudo quando os professores e professoras reproduzem tais arbitráriosculturais sem levar em conta os diferentes grupos sociais que,despossuídos dos capitais (social, econômico e cultural) necessários à “so-brevivência” no território escolar, acabam por desistir ou não se apropria-rem adequadamente dos saberes nele veiculados. E não há ataque maiorà construção da cidadania do que um indivíduo frequentar a escola duran-te anos e permanecer iletrado ou semialfabetizado!

Considerações finais: críticas e contribuições teóricas de Bourdieu

Por fim, apresento quatro autores e autoras que discutem e/oudelineiam o inventário teórico do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Afrâ-nio Catani faz sua análise a partir da indispensabilidade de um autor comoBourdieu para o “regime de leituras” de qualquer pesquisador ou pesqui-sadora, notadamente proveniente das ciências humanas; Maria DrosilaVasconcelos opta por uma abordagem cronológica em relação à obra dosociólogo; Bernard Lahire realiza uma profícua discussão de suas princi-pais categorias de análise e, por fim, M.A. Nogueira e C.M.M. Nogueiraapontam os principais críticos de Bourdieu.

A obra de Bourdieu só pode ser compreendida e devidamenteanalisada se levarmos em consideração a “permanência” de seus propósi-tos teórico-metodológicos, assim como a coerência de seu pensamento.No que tange às suas pesquisas sobre o sistema de ensino francês, não éde se admirar o quanto se debruçou sobre a problemática educacional,

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conforme análise de Catani (2002, p. 64):

Estima-se que, em sua vida escolar tenha recebido maisde 300 advertências ou punições. Uma das poucas lem-branças positivas eram as bagunças (evocadas peloscolegas como ‘memoráveis’) que aprontavam, sendoque muitos deles viviam num ‘estado próximo de umaespécie de delinqüência’. Chegou um momento em quenão tinha com quem falar de suas angústias, dúvidas einquietações. Nos poucos fins de semana quando po-dia deixar o internato e tentava conversar com os pais,entendia que o culpavam por eventual fracasso esco-lar: praticamente o consideravam um privilegiado, poisseu pai deixou a escola aos 14 anos, enquanto a mãesaiu aos 16 [...].

As privações materiais da vida em família, o seu local de nasci-mento, as sanções no internato ajudaram a talhar um teórico pouco afeitoàs bajulações acadêmicas. Não por acaso Bourdieu foi insistentementequalificado de hermético, impessoal e árido. Assim, ao longo de seus 45anos de pesquisa, alguns conceitos-chave ou categorias de análise passa-ram a fazer parte do jargão dos cientistas sociais, muitas vezes utilizadoscomo “pastiches involuntários’, conforme observação de B. Lahire (2002,p. 38):

A questão que começou a ser levantada antes mesmodo seu desaparecimento, é a do modo de apropriaçãodessa preciosa herança. De fato, existem duas manei-ras principais de zelar pelo que ele nos deixou. A pri-meira consiste, no melhor dos casos, em aplicarinfinitamente, em novos campos ‘sua teoria’ e, no piordos casos, em contentar-se com utilizar seu léxico esua gramática, dando (se) a impressão de pensar aopasso que nada se fez a não ser pôr a máquina deproduzir textos ‘à maneira de Bourdieu’ para funcio-nar.

Nessa direção, não basta “encaixar” as categorias analíticas em-preendidas por Bourdieu naquilo que se pretende estudar, pois os riscosde um reducionismo teórico seriam desastrosos. A “deificação” do soció-logo francês também é um grande perigo, pois relevar suas lacunas teóri-cas e, principalmente, o fato de o mesmo não revelar com quem dialogava

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em seus textos14 tornava-o, aparentemente, autossuficiente. Não era tam-bém um homem de enfrentamentos, “recusando-se a reconhecer os ad-versários verdadeiros e reduzindo-os a inimigos mal-intencionados”(ibidem, p. 41).

Porém, é justamente no construto de suas categorias queBourdieu permanece sendo um “autor obrigatório” ou, como enfatizaCatani, um “autor indispensável para o nosso regime de leituras”. Vascon-celos (2002, p. 69) aponta que na década de 1960 Bourdieu desenvolveuum dos conceitos-chave de sua teoria: o conceito de habitus:

[...] o conceito de habitus que ele desenvolverá ao lon-go de sua obra corresponde a uma matriz, determina-da pela posição social do indivíduo, que lhe permitepensar, ver e agir nas mais variadas situações. Ohabitus traduz, dessa forma, estilos de vida, julgamen-tos políticos, morais, estéticos. Ele é também um meiode ação que permite criar ou desenvolver estratégiasindividuais ou coletivas.

De fato, como confirma Lahire (2002, p. 45), com o conceito dehabitus,

[...] o sociólogo pretendia apreender o social sob suaforma incorporada (o que o mundo social deixa emcada um de nós na forma de propensões a agir e reagirde certa forma, de preferências e detestações, de mo-dos de perceber, pensar e sentir) e assim atacar asbases do mito da liberdade individual.

Não somente a categoria habitus foi fundamental para as pre-tensões metodológicas do sociólogo francês, como também as categoriasde capital cultural, campo e violência simbólica. No que se refere ao capitalcultural, Catani (2002, p. 67) assinala que a distribuição desigual de benssimbólicos entre diferentes grupos sociais constitui ethos de classes to-talmente distintos, i.e., que a “escola ao ignorar desigualdades culturaisentre crianças de diferentes classes sociais ao transmitir os conteúdosque opera [...], favorece os mais favorecidos e desfavorece os maisdesfavorecidos”. Contudo, a categoria capital cultural arrasta consigo di-

14 Suas leituras se dirigiam principalmente às obras de Bachelard, Austin, Berger, Cassirer,Chomsky, Duby, Durkheim, Marx, Weber, Elias, Freud, Husserl, Kant, Merleau-Ponty, Nietzsche,Sartre, Spinoza, Veyne, etc. (LAHIRE, 2002, p. 40).

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versos elementos menos visíveis, tais como o valor dos diplomas; nível deconhecimento geral; boas maneiras e gosto estético refinado (VASCON-CELOS, 2002, p. 79-80).

As categorias violência simbólica e campo são discutidas pelosautores de maneira bastante pontual. Para Vasconcelos (2002, p. 81), “[...]o termo violência simbólica aparece como eficaz para explicar a adesãodos dominados; dominação imposta pela aceitação das regras, das san-ções, a incapacidade de conhecer as regras de direito ou morais, as práti-cas lingüísticas e outras”.

Associado à violência simbólica, importante considerar como sedeterminam as relações entre diferentes grupos sociais em seus diferen-tes campos de disputa. Dessa maneira, a escola representa um campoatravessado por diversos e diferentes mecanismos de exclusão, sanções,punições, seleções, qualificações e desqualificações. Lahire (2002, p. 48)sintetiza muito bem a ideia de campo na obra de Bourdieu:

Um campo é um microcosmo incluído no macrocosmoconstituído pelo espaço social (nacional) global; cadacampo possui regras do jogo e desafios específicos,irredutíveis às regras do jogo ou aos desafios dos ou-tros campos. [...]. Esse espaço é um espaço de lutasentre os diferentes agentes que ocupam as diversasposições. As lutas dão-se em torno da apropriação deum capital específico do campo [...] e/ou da redefiniçãodaquele capital; [...]. Apenas quem tiver incorporado ohabitus próprio do campo tem condição de jogar o jogoe de acreditar n(a importância d)esse jogo.

Entretanto, Bourdieu foi acusado pelos seus críticos de serdeterminista e fatalista, já que, aparentemente, não depositava qualquervoto de confiança na escola ou em seus agentes pedagógicos (educado-res) como “agentes de mudança”. Para Bernard Charlot, mais do que com-preender a escola como local de reprodução ou de seleção, é importanteenfatizar o “sentido” que os diferentes grupos sociais atribuem àescolarização (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006, p. 106-107). Para Singly, a he-rança cultural (bens simbólicos e materiais), tratada por Bourdieu comouma das condições de distinção e de desigualdade no território escolar,representa um “processo emocionalmente complexo e de resultados in-certos de identificação [...]. Haveria sempre a possibilidade de dilapidaçãoda herança” (p. 112). Para Snyders, Bourdieu e Passeron (na obra A Repro-dução) reduziram de forma indevida a cultura dominante e, indiretamen-te, a cultura escolar: a legitimidade atribuída pelo conjunto da sociedade

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e pela escola à cultura dominante não se justificaria pelo valor intrínsecodessa cultura, mas exclusivamente pelo papel social que ela cumpriria dedemarcação social da fronteira entre dominantes e dominados” (p. 115).

Philippe Perrenoud Nogueira e Nogueira pondera que dentrodas escolas nem todos os “professores são iguais” (2006 p. 115-116). Emoutras palavras, se há variações no modo de organização das escolas emseus princípios pedagógicos (avaliação, currículo, didática), então não hácomo negar o campo dos possíveis neste território, ainda que não deixe-mos de lado os “arbitrários culturais” que afetam e influenciam suas prá-ticas pedagógicas.

Bourdieu, entretanto, chegou aos anos 1990 como um dos maisimportantes intelectuais da Europa e um dos mais lidos sociólogos domundo. Acima de tudo, intelectual engajado e compromissado socialmen-te. O início dos anos 1990 na França foi marcado por grave crise econômica,desemprego e emergência do fenômeno da exclusão social:

Diante desses processos, Bourdieu mobiliza um im-portante número de sociólogos do centro de estudosque havia criado e outros que se associam a suas idéi-as e, através de numerosas entrevistas recolhidas jun-to a um público variado [...] ele elabora uma crítica aoneo-liberalismo [sic]. O resultado é um livro de quase1000 páginas consagrado à La misere de monde (1993)(VASCONCELOS, 2002, p. 84).

Ainda que reconheçamos - e com razão - o inventário de PierreBourdieu e todo o seu rigor metodológico, concordo com Lahire (2002, p.52) quando o mesmo afirma que o “verdadeiro respeito científico paracom uma obra (e seu autor) consiste na discussão e na avaliação rigorosase não na repetição sem fim dos conceitos, tiques de linguagem, estilo deescritor, raciocínios preestabelecidos, etc.”. Enfim, as elaborações teóri-cas de Bourdieu ainda podem contribuir de modo significativo para asanálises sociológicas no campo da educação. No que diz respeito especial-mente à minha pesquisa, suas categorias sugerem análises que devemcontribuir para a compreensão de como se organizam as lideranças comu-nitárias no FMMC, de como se deu a ocupação espaço-temporal e socialnos morros de Florianópolis, sobretudo, dos limites e possibilidades daCE/FMMC no que tange a uma agenda articulada de formação continuadadocente e ao respeito às características curriculares específicas de cadaunidade de ensino.

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Recebido em: 12/01/2009Aprovado em: 18/06/2009

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PERCEPÇÕES DE ACADÊMICOS DE CURSOS DE LICENCIATURA SOBRE AFORMAÇÃO E OS PROBLEMAS DA PROFISSÃO DE PROFESSOR NA SOCIE-

DADE CONTEMPORÂNEA1

Gildo Volpato2

Edina Regina Baumer3

Jeferson Luis de Azeredo4

Lucas Dominguini5

RESUMO: O objetivo da pesquisa foi compreender os motivos que leva-ram os alunos escolherem um curso de licenciatura e como avaliam suaformação. Também compreender as percepções sobre a função do pro-fessor na sociedade atual e as perspectivas de futuro no âmbito dessaprofissão. Foi uma construção coletiva desenvolvida na disciplina “Teori-as Contemporâneas sobre formação de professores” no Mestrado em Edu-cação da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, Criciúma, SantaCatarina. Foram entrevistados 05 alunos de Artes Visuais e 05 de Matemá-tica. A entrevista foi do tipo semiestruturada e ocorreu no segundo se-mestre de 2008. O estudo demonstrou que a escolha do curso se deu pelaidentificação com a área ou com a profissão docente ou por influênciafamiliar; a função do professor é de mediar conhecimento, desenvolver opensamento crítico, formar o cidadão. Há críticas sobre o distanciamentoentre a formação e a realidade escolar e sonham em transformar a socie-dade.PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores, profissão docente, ensino,licenciaturas

ABSTRACT: This research aimed to comprehend the motives that havedriven the students to choose a licentiate course and how they evaluatetheir study. We also tried to understand their perceptions about theteacher’s role in the current society and the perspectives to the future in

1 A pesquisa e a escrita do texto também tiveram colaboração dos mestrandos Eduardo VonBorowski, Elisabete Antunes Milanez, Eraldo Teixeira, Robinalva Borges Ferreira, Rodrigo Piovesan,Valdirene Savi, que frequentaram a disciplina Teorias contemporâneas sobre formação de profes-sores, no Mestrado em Educação da UNESC. E-mail: giv.unesc.net2 Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS. Professor colabora-dor do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, da Universidade do Extremo SulCatarinense, UNESC. Endereço: Rua Imigrante de Luca, n. 440 – CEP: 88804-600 – Bairro: Pinheirinho,Criciúma, SC. E-mail: [email protected] Mestranda em Educação na UNESC. E-mail: [email protected] Mestrando em Educação na UNESC. E-mail: [email protected] Mestrando em Educação na UNESC. E-mail: [email protected]

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this profession. It is a group creation, developed in the subject“Contemporary Theories about Teachers Formation” at the Post-graduationProgram in Education – Masters Course, at Universidade do Extremo SulCatarinense – UNESC, located in Criciúma, Santa Catarina. Five students ofMathematics and five students of Visual Arts were interviewed. The semi-structured interview happened in the second term of 2008. The studydemonstrated that the students chose their course because they identifywith that area, or they identify with the teacher’s profession, or by fami-liar influence. Related to teacher’s role the most evident ideas wereknowledge mediation, critical thought development, citizens’ formation.Related to the course they attend, they criticize the remoteness betweenformation and school reality. It was found a formation perspectivegrounded of autonomy and dreams of transforming society.

KEYWORDS: Teacher’s formation, teacher’s profession, teaching; licentiate

Introdução

Em cada etapa do desenvolvimento social e econômico, novosprojetos pedagógicos são postos em curso, os quais exigem perfis dife-renciados de professores, de modo que possam atender a certas deman-das do sistema social e produtivo. Historicamente, essas demandas deramorigem a diferentes propostas pedagógicas, ora centrando-se nos conteú-dos, ora nas atividades, tendo como base, muitas vezes, uma concepçãopositivista de ciência, concepção de conhecimento rigorosamente for-mal, fragmentado e linear. Cada especificidade do conhecimento, ao con-figurar sua especialidade e seu campo de atuação, automatizava-se e sedesvinculava dos demais, distanciando-se, também, do vínculo com asforças sociais e produtivas, como alerta Kuenzer (1999).

Numa sociedade com pequenas alterações nas relações sociais eprodutivas, era possível esse tipo de formação, fragmentada, formal, line-ar. No entanto, a globalização da economia e a reestruturação produtiva,ocorridas principalmente nas últimas décadas, mudaram radicalmente essequadro, colocando novos desafios, provocando novas exigências na for-mação dos sujeitos e, em decorrência disso, daqueles que são os respon-sáveis por efetivamente promoverem essas mudanças, os professores.

Muito se tem falado e escrito sobre a formação do professor nocontexto das inúmeras reformas educacionais que vêm sendoimplementadas no Brasil e em várias partes do mundo. A formação deprofessores tem sido colocada em xeque, tendo em vista as mudançasocorridas nos processos produtivos e no mundo do trabalho, o que de-

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mandou mudanças também nas políticas públicas e vem requerendo umaformação diferenciada daquela que se dava até poucas décadas atrás.

Nesse contexto, frente à complexidade da ação docente, ao pro-fessor não basta conhecer o conteúdo específico de sua área, nem tãopouco as formas de transmiti-lo. Precisa ter uma formação abrangente,conhecer a sociedade do seu tempo, compreender as relações entre edu-cação, economia e sociedade.

Tornaram-se frequentes as cobranças por parte dos empresári-os, de parte da sociedade e do próprio Estado de que as universidades nãoestão mais dando conta da formação de professores sintonizados com ocontexto atual e que, em decorrência, as escolas não estão formando mão-de-obra adequada à necessidade do mercado. No entanto, esse tipo deperspectiva de formação, que prioriza atender um perfil de profissionalque atenda aos interesses e a lógica do mercado, vem sendo contestadopor diferentes autores, como Apple (1997), Kuenzer (1999), Correia e Ma-tos (1999), Santos (2004), Lüdke (1999, 2004), Cury (2006), Fanfani (2007),dentre outros, vinculados a uma concepção mais crítica e progressista daeducação.

Nota-se que a perspectiva desses autores é pensar a formaçãode professores, fundamentalmente, no contexto da estrutura social, re-sultante de fatores sociais, culturais, políticos e econômicos.

Percebe-se, no contexto atual, principalmente no âmbito dapesquisa sobre formação de professores, uma perspectiva de se pensar aformação também do ponto de vista da vida das pessoas, dos sujeitos quevivem no cotidiano o processo de exercer a profissão de professor e que,de alguma forma, adquirem conhecimentos na prática e na experiênciadocente. Podemos citar alguns autores como Nóvoa (1992), Therrien (1997)e Tardif (2002), que defendem essa perspectiva, de se pensar o processode formação do ponto de vista local, singular e pessoal, considerando queos professores ou futuros professores vivem no cotidiano de suas vidasum processo de autoformação que determina, em certa medida, um modode ser docente.

É comum haver, também, uma tensão entre uma corrente quesupervaloriza os conhecimentos científicos, acadêmicos, filosóficos e so-ciológicos na formação de professores e outra que embora não os despre-ze, requer que os conhecimentos adquiridos na prática e na experiênciadocente sejam incorporados de alguma forma no processo de formaçãodos futuros professores.

Com isso estamos afirmando não haver um modelo único de for-mação de professores, mas modelos que se diferenciam, tendo em vistadiferentes perspectivas teóricas, concepções de educação e de socieda-

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de. Conforme Kuenzer (1999, p. 166), esses modelos “correspondem àsdemandas de formação dos intelectuais (dirigentes e trabalhadores) emcada etapa de desenvolvimento das forças produtivas, em que se con-frontam finalidades e interesses que são contraditórios”.

Dependendo do contexto e das perspectivas dos sujeitos envol-vidos no processo de formação profissional, muitas são as percepções queacabam sendo construídas a respeito da formação e da função do profes-sor na sociedade contemporânea.

Foi com essa perspectiva que buscamos pesquisar, em dois cur-sos de licenciatura, Artes Visuais e Matemática, os motivos da escolha docurso pelos alunos e suas percepções a respeito da função do professor nasociedade atual e as dificuldades de ser docente no contexto das mudan-ças ocorridas no mundo do trabalho, nas políticas públicas e educacionais.Também tomamos como objetivo conhecer como avaliam seus cursos deformação e quais são suas perspectivas de futuro no âmbito dessa profis-são.

Trata-se de uma construção coletiva, realizada a partir de estu-dos teóricos e de uma pesquisa de campo, que ocorreu durante a discipli-na “Teorias Contemporâneas sobre formação de professores” no Programade Pós-Graduação em Educação - Mestrado, da Universidade do ExtremoSul Catarinense, UNESC, situada em Criciúma, Santa Catarina. Foram en-trevistados 10 alunos concluintes dos cursos de licenciaturas, sendo 05 deArtes Visuais e 05 de Matemática dessa mesma instituição de ensino su-perior. A entrevista foi do tipo semiestruturada e ocorreu no segundosemestre de 2008.

Motivos da escolha da área de conhecimento e da profissão de professor

Iniciamos nossa investigação perguntando aos acadêmicos so-bre as razões de suas escolhas quanto ao curso e quanto à profissão deprofessor. As respostas revelaram que as escolhas dos cursos se derampredominantemente por uma afinidade com a área de saber já identificadaem seus tempos escolares. Dentre os oito que apontaram a identificaçãocom área de conhecimento como a principal influência, destacamos duasfalas:

Eu adoro cálculo. Desde pequeninha. Sempre me deibem na escola, sempre gostei muito. (Acadêmica deMatemática)Desde o tempo de escola sempre gostei da disciplinade Artes. (Acadêmico de Artes Visuais)

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Raymond, Butt e Yamagishi (apud TARDIF, 2002, p. 73) tambémdemonstraram em seus estudos autobiográficos que “experiências reali-zadas antes da preparação formal para o magistério levam não somente acompreender o sentido da escolha da profissão, mas influem na orienta-ção e nas práticas pedagógicas dos professores e professoras”.

Embora a ligação com a área tenha sido o principal motivo para aescolha do curso de graduação, apareceu também, no discurso de trêsdeles, a identificação com a profissão docente:

Escolhi o curso de Matemática pelo professor que ti-nha no ensino médio, pela maneira como ele dava aula(Acadêmico de Matemática).

Em suas pesquisas, Tardif (2002, p. 76) também evidenciou quemuitos professores falaram da influência de seus antigos professores naescolha de sua carreira e na maneira de ensinar. Um de seus pesquisadosassim se expressou:

Eu acho que são os professores que encontrei e que euachava que trabalhavam de maneira muito interessantecom os alunos. É um retorno ao passado meio difícil,porque, naquele momento, esses professores que memarcaram, é provável que alguns deles nunca tenhamsabido da influência que tiveram numa decisão queestava se formando pouco a pouco.

Ainda por parte de um de nossos entrevistados a influênciafamiliar foi determinante no desenvolvimento do gosto pela arte, comopodemos perceber no seu depoimento:

Meu avô é pintor, isso já me ajudou muito. Quando euera pequeno também minha mãe tinha aptidão artísti-ca, sempre desenhava, fazia os desenhos, fiquei fasci-nado (Acadêmico de Artes Visuais).

Essa ligação familiar com a área é também um dos fatores pre-sentes para a escolha do curso que se reflete em toda a formação dofuturo professor. Conforme afirma Tardif (2000, p. 73), “a vida familiar e aspessoas significativas na família aparecem como uma fonte de influênciamuito importante que modela a postura da pessoa”.

A identificação com a área é, sem dúvida, o principal ponto para

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a escolha do curso, porém, deve-se considerar que os argumentos utiliza-dos demonstram o quanto a socialização que eles têm durante toda a vidaescolar, familiar e/ou as experiências marcantes com outras pessoas temgrande influência nessas escolhas.

A influência familiar também foi determinante para uma acadê-mica decidir pela profissão de professor:

Eu venho de uma família de seis professoras, cincotias e uma prima e convivo muito com elas. Sempregostei do trabalho delas. Elas me influenciaram bas-tante (Acadêmica de Matemática).

Tardif (2002) aponta a relação familiar como importante na esco-lha da profissão, a partir das pesquisas que realizou com professores deséries iniciais do ensino fundamental. Afirma que, muitas vezes, a deci-são tem forte relação com uma “história de família”. O autor cita pesquisafeita por Atkinson & Delamont demonstrando que embora a experiênciapessoal na escola seja significativa na escolha do magistério, ela seriamenos importante do que o fato de ter parentes próximos na área daeducação pelos efeitos provocados pela observação, em casa, do habitus6

familiar de um dos pais ou parentes próximos, concentrados em tarefasligadas ao ensino.

Embora ocorra uma identificação com a área de atuação por par-te da maioria dos acadêmicos entrevistados, nem sempre a escolha docurso de licenciatura corresponde ao desejo de exercer a atividade do-cente. Quando perguntados sobre o porquê escolheram a profissão deprofessor, somente a metade deles apresentou argumentos que nos leva-ram a interpretar como uma identificação com a atividade docente. Apre-sentamos um depoimento como dado empírico que demonstra essaafirmativa:

Eu me identifico com a sala de aula, com o grupo, comensinar, educar, direcionar, dar um rumo na vida daspessoas (Acadêmico de Matemática).

Mesmo com baixa remuneração, as pessoas acreditam na ques-tão educacional e veem como uma chance de contribuir ou mesmo ajudaras crianças e jovens, preparando-os para enfrentar a realidade de uma

6 Conceito utilizado por Bourdieu (1983) para designar uma matriz de princípios e representações

que predispõe o indivíduo de pensar e agir de determinadas formas.

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sociedade capitalista. O gosto pelo ensinar, pelo educar, a identificaçãocom a posição de estar à frente interagindo com outras pessoas aparececomo motivações da escolha da profissão de professor.

Também surgiu o sentido de “vocação” como determinante naidentificação com a docência, conforme o depoimento de um dos entre-vistados:

Penso que a gente já nasce com essa vocação, depoisvai desenvolvendo no decorrer da vida. O professortem um desenvolvimento que tem a ver com a lideran-ça durante todo o seu crescimento. Professor tambémé um líder que se desenvolve, se envolve com a comuni-dade, com atividades [...] e assim vai desenvolvendoteu trabalho (Acadêmico de Matemática).

O componente vocacional desse ofício se nega a desaparecer,porém, redefine-se em função das realidades contemporâneas. ParaFanfani (2007, p. 349), duas dimensões clássicas que definem a vocaçãoestão em crise: “A vocação como atividade não escolhida ou como manda-to inato que o agente está obrigado a assumir como uma missão e o com-ponente de gratuidade, desinteresse, sacrifício, etc.” (tradução nossa).Segundo o mesmo autor, todo o trabalho, em especial, os serviços perso-nalizados, além de exigir o domínio de certas competências técnicas ins-trumentais, requer uma dimensão ética, de compromisso, respeito ecuidado com o outro, nesse caso, as crianças e adolescentes, ao aluno, queé com quem trabalha o docente. Portanto, o termo vocação em educaçãodeveria não mais ser utilizado no sentido de doação, mas no sentido deideal, como responsabilidade, compromisso com a melhoria da educação,da sociedade.

A opção pelo curso de licenciatura apareceu também ligada àpossibilidade de aumento de empregabilidade no mercado de trabalho.Dois acadêmicos do curso de Artes Visuais disseram que a habilitação deprofessor lhes daria uma ampliação no campo de atuação:

Optei pela licenciatura, pois para exercer a função dedesigner o bacharelado também oferece, mas a vanta-gem é que com a licenciatura também podemos daraula (Acadêmico de Artes Visuais).

Percebe-se que a educação ainda é vista como uma oportunida-de para muitas pessoas ingressarem no mercado de trabalho.

Embora esteja concluindo um curso de licenciatura, para um dos

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nossos interlocutores, isso não quer dizer que irá atuar como professor. Hácerta indefinição sobre a profissão, sobre o caminho que irá seguir, comopodemos perceber: “Não sou professor, não me decidi se irei seguir estaprofissão. Dependerá das oportunidades que surgir” (Acadêmico de ArtesVisuais).

Sobre a função de professor e o que caracteriza a profissão docente

Sobre a função do professor e o que caracteriza a profissão do-cente na perspectiva dos acadêmicos, percebemos o quanto é diversifica-do, abrangente e complementar os seus entendimentos a respeito daimportância dessa profissão na sociedade atual. As muitas expressõesutilizadas para descrever a função do professor foram por nós interpreta-das constituindo-se em cinco categorias as quais denominamos: mediar oconhecimento, desenvolver o pensamento crítico, formar o cidadão, trans-mitir conhecimentos e desenvolver o pensamento abstrato favorecendoa aplicabilidade do conhecimento.

Embora tenhamos atribuído termos separados para apresenta-ção em forma de palavras síntese, caracterizando funções específicas doprofessor, no discurso dos alunos elas aparecem num contexto maisabrangente, inclusivo, complementar, como podemos perceber nessesdepoimentos:

Trabalhar o conteúdo desenvolvendo a sensibilidade ea criticidade para que possa perceber e relacionar coma realidade e ser mais cidadão (Acadêmica de ArtesVisuais).Promover o desenvolvimento do conhecimento cientí-fico, buscando formar cidadãos, por meio de uma edu-cação inclusiva, preparando-os para viver emsociedade (Acadêmico de Matemática).

Ao longo do processo de formação, os acadêmicos, embora te-nham tido os mesmos professores, acabam construindo a sua forma deinterpretar e representar a função do professor no contexto da sociedadeatual. O contato com as diferentes correntes de pensamentos sobre oprocesso de ensinar e aprender acaba dando condições dos acadêmicosatribuírem um sentido particular, próprio e, ao mesmo tempo, comple-mentar e abrangente a respeito da função do professor.

De acordo com Tardif (2002, p. 180),

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[...] as faculdades de educação devem ter como missãodemonstrar ao aluno a grande variedade de correntese pensamentos que norteiam a educação atual paraque possam reconhecer o pluralismo de saberes quefundam a cultura atual e por conseqüência a atividadeeducativa.

Dois alunos de Artes Visuais entendem que a função do profes-sor é desenvolver o pensamento crítico para que os alunos possam melhorcompreender a sociedade em que vivem e assim poder transformá-la paramelhor.

Quatro acadêmicos destacam, em seus depoimentos, que for-mar o cidadão é a principal função do professor na sociedade atual, um deArtes Visuais e três de Matemática. Eles falaram sobre a importância doconhecimento para que o sujeito possa agir na sociedade para modificá-la.

Um aluno do curso de Matemática ressaltou a função do profes-sor de desenvolver o pensamento abstrato, mas, além disso, problematizare demonstrar a aplicabilidade dos conhecimentos. Esse aluno parece apon-tar para a importância da relação teoria e prática, de que o professor deveser capaz de auxiliar o aluno na transposição prática dos conhecimentosteóricos. A capacidade de o professor relacionar teoria e prática é bastan-te valorizada também por parte de alunos universitários de outros cursosde graduação, conforme já foi apontado por Volpato (2007), quandopesquisou alunos formandos de cursos que tradicionalmente formam pro-fissionais liberais.

É significativo também o número de alunos que compreendemque a principal função do professor é a de fazer a mediação entre o conhe-cimento do aluno e o conhecimento científico, de forma que, de possedeste, ele possa superar o conhecimento cotidiano. Esse é o entendimen-to de quatro alunos, dois de Artes Visuais e dois de Matemática:

Transmitir o conhecimento científico para o aluno emsubstituição ao seu conhecimento cotidiano (Acadê-mico de Matemática).

Da mesma forma, dois acadêmicos de Matemática, embora te-nham utilizado o termo transmitir conhecimento como principal função doprofessor, apontam a importância da apropriação do conhecimento cientí-fico específico de matemática em substituição ao conhecimento do sensocomum. Aparece na fala de um desses acadêmicos a função do professor

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de problematizador do conhecimento.Nesse sentido, embora a palavra “transmissão” nos remeta a

pensar uma educação tradicional, o fato de terem utilizado esse termonão representa que possuem uma concepção de educação tradicional,antes, indica uma compreensão de que a função do professor não estácentrada numa simples transmissão de conhecimentos prontos e acaba-dos, mas sim no entendimento de que há necessidade de buscar a melhorforma de mediá-los e socializá-los para que os alunos, de forma ativa,possam se apropriar deles, compreendê-los e relacioná-los com outrasáreas. Ficou evidente, também, que compreendem a função do professorpara além do ensino dos conteúdos, como podemos perceber por estafala: “Não devemos só ficar repassando conhecimento, mas fazer com queo aluno comece a pensar e interagir com o mundo” (Acadêmico de Mate-mática).

A preocupação com uma formação integral, que alia a técnica àformação humana, também ficou demarcada pelos alunos. Isso nos fazlembrar as palavras de Therrien (1997, p. 7), quando afirma:

Dotado de uma sólida formação centrada sobre o en-sino, o mestre deve ser capacitado para atuar não so-mente na sala de aula, mas em todos os ambientes daescola, exercendo seu papel de educador capaz de re-fletir na ação em contexto complexo.

O autor defende que as universidades devem passar de ummodelo especialista para um modelo mais globalista, que assegure umacompetência profissional e uma prática mais consciente do papel socialdo educador, preparando-o para assumir um compromisso com a escolapública de qualidade, atendendo aos anseios da população. Nesse senti-do, Therrien acredita que os cursos de formação de professores devemassumir uma abordagem que visa a “formar educadores detentores de umsaber crítico e comunicativo, além de competentes para um trabalhointerativo” (THERRIEN, 1997, p. 14).

A atividade educativa realiza-se entre seres humanos e, portan-to, a função do professor está vinculada tanto à formação acadêmica, pormeio da socialização do conhecimento científico, quanto ao que se refereà formação da cidadania. Talvez isso justifique o fato de os acadêmicosrelacionarem a função do professor com a formação da cidadania.

Todas as atribuições inferidas à função do professor na socieda-de atual também são mencionadas pelos entrevistados quando pergunta-mos qual é a função da escola. Esse fato é compreensível, considerando

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que a escola não foi interpretada pelos acadêmicos enquanto estrutura eespaço físico, mas sim o conjunto formado pelas pessoas que constroemeste ambiente e o contexto social na qual está inserida.

Quanto ao que diferencia de outras atividades e caracteriza aprofissão de professor, são diversas as expressões utilizadas pelos nossosinterlocutores: seis deles falaram ensinar, seis citaram formar seres hu-manos, um estabeleceu a relação entre ensinar e aprender, outro falouque é cuidar da educação, outro que é estar em constante aprimoramen-to.

A maioria, ou seja, seis deles mencionaram que o que caracteri-za a profissão é “ensinar e formar seres humanos”. Sem dúvida o ensinohistoricamente está relacionado à atividade docente. Tanto que se desen-volveu um campo de conhecimento em educação chamado didática quetem como principal objetivo melhor compreender o ensino. Ensinar étarefa do professor, apesar de não ser unicamente, e está relacionadasempre com a formação dos sujeitos.

As formas de conceber e valorar o ensino, provavelmente, origi-na-se nas diferentes maneiras de defini-lo e por isso pode ser necessárioestabelecer uma base para precisar o que o conceito designa. TantoPassmore como Fenstermacher (apud FELDMAN, 2001) propõem um con-ceito de ensino que inclui como aspecto central o compromisso de duaspessoas, uma que possui algum conhecimento ou habilidade e outra queprecisa dela e algum tipo de relação para que o primeiro sujeito transfirao que sabe, sem especificar os meios, à pessoa que não sabe.

Essa característica de ensino não define de antemão as maneirascomo deve circular o conhecimento e como ele deve ser adquirido. Issonão impede, como afirma o autor, de que se construam juízos de valorpara analisar os resultados dessa atividade.

Feldman (2001) alerta que é questionável oferecer uma defini-ção muito elaborada sobre o ensino, pois se corre o risco de se tomarcomo base a adesão a um método, a uma estratégia ou a um único princí-pio. Mais importante que enquadrar a atividade de ensino é saber se elasforam significativas para os sujeitos que participaram do processo.

Para Tardif (2002, p. 31), o educador “é alguém que sabe algumacoisa e cuja função consiste em transmitir esse saber a outros”, porém,alerta que a função do professor não se reduz à transmissão de saberesconstituídos; além disso, ele está envolvido com saberes curriculares, dis-ciplinares, experienciais e de sua formação profissional.

Freire (1996, p. 25) diz que

[...] ensinar não é transferir conhecimentos, conteú-

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dos, nem formar é ação pela qual um sujeito criadordá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomo-dado. Não há docência sem discência, as duas se ex-plicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que osconotam, não se reduzem à condição de objeto, um dooutro.

O fato de um acadêmico expressar que o que caracteriza a profis-são de professor é “estar em constante aprimoramento” nos fez refletirsobre essa necessidade. Embora saibamos que não é somente a profissãode professor que exige tal postura, no contexto atual, ele recoloca a ques-tão da autoridade do lugar da docência, remete à necessidade de certaerudição, de o professor ser vanguarda tanto na apropriação quanto naprodução do conhecimento.

Um dos entrevistados registra como característica do trabalho deprofessor a relação ensinar e aprender, considerando-a um movimento,uma troca entre professor e aluno. Embora seja algo que parece óbvio,esse assunto tem sido motivo de discussão e debates entre pesquisado-res do campo da didática. A questão se volta principalmente à problemá-tica ou à pergunta: há ensino se não houver aprendizagem?

Se nos basearmos em Dewey (1959, p. 43), diríamos que não,pois para ele

[...] ensinar é como vender mercadorias. Ninguém ven-de, se ninguém compra. Seria ridículo um negocianteque dissesse ter vendido muitos artigos, embora nin-guém tivesse comprado nada. Mas haverá, talvez, pro-fessores que, sem cogitar do que aprenderam os alunos,julguem terem um bom dia de ensino. Existe a mesmaexata equação entre ensinar e aprender que entre ven-der e comprar. O único meio de fazer que os alunosaprendam é ensinar verdadeiramente, mais e melhor.

Já Feldman (2001) afirma que o ensino não se define pelo êxito,mas pelo tipo de atividade em que dois sujeitos estão envolvidos. Se umarelação atinge as propriedades já enunciadas, pode ser considerado ensi-no, porque o ensino expressa um propósito, promover a aprendizagem, enão um ganho. A definição genérica de Feldman (2001) sobre o “ensino”aceita limites, admite que o sucesso da aprendizagem é um objetivo, masnão uma certeza, e transfere ao estudante parte importante da responsa-bilidade. Nesse sentido, há possibilidades de fracassar nossos esforçostalvez por motivos nos quais devamos intervir através de outros meios,

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por exemplo, ação política para modificar estruturas educativas ou condi-ções de trabalho precárias.

Parece um tanto óbvio que o objetivo da docência é conseguirboas aprendizagens por parte dos alunos. Nesse sentido, a Didática procu-ra chegar na essência da particular relação que há entre ensino e aprendi-zagem, entre a atuação dos docentes e os seus efeitos nos estudantes.Para Zabalza (2006), esse princípio exige assumir que quando falamos deprocesso ensino-aprendizagem, estamos, de fato, falando de um mesmoprocesso. Não se trata de duas fases que funcionam independentemente,mas de dois momentos de um mesmo processo que se integra, sendo queo primeiro condiciona o segundo. No entanto, ensino e aprendizagemconstituem elementos diferentes e que dependem de fatores, pelo me-nos em parte, diversos. A tarefa de ensinar, por mais perfeita que seja,não pode provocar por si só a aprendizagem. Aprender é algo que aconte-ce no estudante e está, de certo, condicionado por múltiplas variáveispessoais do aluno que os professores não têm capacidade para mudar.Mas, ainda assim, a atuação didática do professor constitui um dos princi-pais fatores de determinação do processo de aprendizagem do aluno.

Além da característica do ensino, foram atribuídas qualidadespessoais esperadas de um professor como componentes que caracteri-zam a profissão. Dentre elas, destacamos: interagir com o ser humano,estar ligado com a vida, ter paciência, tentar entender/compreender oaluno, gostar de conhecer gente nova, gostar de trabalhar com pessoas.

Em Tardif (2002) encontramos como característica do professor aquestão da interação: lida-se com pessoas que têm valores, símbolos,sentimentos, atitudes; pessoas que interpretam e decidem. Portanto, alémde saber sobre sua disciplina e a prática necessária para conseguir o obje-tivo de ensinar, o professor precisa comportar-se como sujeito e ator nes-ta relação.

A atividade docente, como bem lembra Tardif (2002, p. 50), “nãoé exercida sobre um objeto, sobre um fenômeno a ser conhecido ou umaobra a ser produzida. Ela é realizada concretamente numa rede deinterações com outras pessoas, num contexto onde o elemento humano édeterminante e dominante”.

Os termos compreender, entender o aluno, ter paciência apare-cem como qualidades indispensáveis para o professor. Essas atitudes eposturas acabam sendo valorizadas de forma a caracterizar algo específicoà profissão docente. Volpato (2007), em sua tese de doutorado, eviden-ciou que a indicação de 56% dos alunos, quando escolhem um professorcomo referência na docência, baseia-se nas atitudes e qualidade pessoaisdo professor. Isso demonstra o quanto às dimensões afetiva, emocional,

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relacional e ética são valorizadas pelos alunos: “São dimensões humanas,transversais, pois atravessam questões metodológicas e de domínio deconteúdo, mas que têm um grande peso quando os alunos avaliam umprofessor como referência” (VOLPATO, 2007, p. 132).

Assim também Cunha (1992, p. 69), em seus estudos, demons-trou que

[...] dificilmente um aluno apontaria um professor comobom, ou melhor de um curso, sem que este tenha ascondições básicas de conhecimento de sua matéria deensino ou habilidades para organizar suas aulas, alémde manter relações positivas. Contudo, quando os alu-nos verbalizam o porquê da escolha do professor,enfatizam os aspectos afetivos.

Para Balzan (2003, p. 47), o professor marcante não é só o que sedesafia a tornar o conhecimento de sua disciplina significativo, mas o queprocura, além disso, estabelecer relação “com problemas sociais, políti-cos, econômicos e culturais que caracterizam o momento atual” de formaparticipativa e dialógica, rompendo com a figura do professor “detentorabsoluto do conhecimento”.

Críticas à formação e percepções sobre os problemas da profissão

Em nossa pesquisa, procuramos identificar, entre os acadêmi-cos, alguns problemas na formação e dificuldades para exercer a profissãono contexto atual

No que diz respeito à formação profissional no curso de ArtesVisuais, registramos duas falas referentes à boa formação pedagógica,uma mencionando a importância da formação humana, outra destacandoa necessidade da formação continuada e do saber da experiência. Umacadêmico apontou a defasagem de conhecimentos referentes ao uso detecnologias educacionais.

Kuenzer (1999) evidencia que os projetos pedagógicos devemlevar em consideração o desenvolvimento social e econômico, as mudan-ças ocorridas no mundo do trabalho e a incorporação da ciência e tecnologiaaos processos produtivos e sociais, o que aponta para um perfil diferenci-ado na formação do professor.

Os acadêmicos do curso de Matemática avaliaram sua formaçãocomo muito técnica em detrimento da formação pedagógica, ou seja, oconhecimento científico específico da área recebe um tratamento privile-

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giado, enquanto a formação didático-pedagógica fica num segundo plano.Em suas falas, os acadêmicos evidenciam a necessidade do saber da expe-riência e da formação continuada como complemento à sua formação pro-fissional.

Um dos destaques dados por dois acadêmicos de Matemáticademonstram insatisfação com a matriz curricular do curso:

O curso é muito informativo e não formativo (Acadê-mico de Matemática).

Segundo eles, a organização curricular está voltada para a forma-ção específica da área. Percebe-se claramente um desejo, por parte dosacadêmicos do curso de Matemática, de mudanças curriculares para con-templar a formação pedagógica e humana, bem como a modificação daabordagem de algumas disciplinas didático-pedagógicas no que diz res-peito à prática docente. Em virtude desses problemas na formação, osacadêmicos apresentam uma grande expectativa referente às primeirasexperiências profissionais, nas quais esperam encontrar subsídios parasuprir as defasagens da formação. Outra expectativa é a de que as dificul-dades na formação profissional podem ser dirimidas por meio de forma-ção continuada, após a conclusão do curso.

A Formação Continuada tem, entre outros objetivos, propor no-vas metodologias e inserir os profissionais a par das discussões teóricasatuais, com a intenção de contribuir para as transformações que se fazemnecessárias para a melhoria da ação pedagógica na escola e,consequentemente, da educação. É certo que conhecer novas teorias fazparte do processo de construção profissional, mas isso não basta, se estasnão possibilitam ao professor relacioná-las com seu conhecimento práti-co construído no seu dia-a-dia (NÓVOA, 1995).

De acordo com Tardif (2002, p. 169-170), “a formação continuadaé de fundamental importância na formação do profissional docente, alémdo saber do mundo vivido, saber estético, saber da experiência, do sabertécnico-científico”. O mesmo autor destaca que as faculdades de educa-ção teriam como principal responsabilidade propiciar aos acadêmicos umasólida cultura geral, ou seja, o pluralismo de saberes que caracteriza acultura contemporânea e a cultura educativa atual. Para tal, a cultura pro-fissional deve ter como base a prática da profissão de professor, concebi-da como processo de aprendizagem profissional.

De certa forma, aparece nas falas dos acadêmicos um pouco dosvários saberes colocados por Tardif (2002), pois afirmam que só a forma-ção técnico-pedagógica não dá conta da formação profissional, sendo ne-cessário o saber da experiência e a formação continuada comocomplementação. Para Tardif (2002), os saberes docentes são a soma en-

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tre os saberes técnicos (conhecimentos científicos, didáticos e pedagógi-cos), adquiridos durante a formação, e os saberes docentes (experiência,formação continuada) adquiridos na prática profissional.

A pesquisa aponta que os acadêmicos, futuros professores, nãose sentem preparados para trabalhar com alunos de realidades distintas,como, por exemplo, a heterogeneidade de culturas na escola. Como dizuma entrevistada:

Você precisa lidar com muitas realidades diferentes,então às vezes tu não consegues dar a volta por cimaou enfrentar certas situações dentro de sala de aula[...] é como se eu sentisse uma necessidade de apren-der um pouco mais sobre como lidar com alguns pro-blemas dos alunos e certas situações de sala de aula(Acadêmica de Artes Visuais).

Em seus estudos, Tardif (2000, p. 229) tem demonstrado que

Ao estrearem em sua profissão muitos professores selembram de que estavam mal preparados principal-mente para enfrentar condições de trabalho difíceis,sobretudo do ponto de vista do interesse pela função,da turma de alunos, da carga de trabalho, etc.

Portanto, a formação fica aquém da prática, da ação propriamen-te dita em sala, inibindo as relações no âmbito escolar, indispensáveis noprocesso de aprendizagem. O professor tem que saber lidar com aheterogeneidade em todos os níveis (social, cultural, étnico, econômico)e fazer com que essa diversidade amplie o repertório de experiências econhecimentos entre os alunos.

Três acadêmicos apontaram como problema na formação odistanciamento entre a formação e a realidade da escola e da profissão.Segundo eles, as teorias elaboradas e didáticas avançadas aprendidas nocurso nem sempre traduzem a realidade escolar e podem ser utilizadas nasala de aula. Há um distanciamento entre o que se aprende com o que,como e onde se ensina.

No entanto, é preciso considerar que não há como fazer umaadequação ou adaptação da teoria à prática. A teoria é sempre mais está-tica e resultante de múltiplas generalizações, enquanto a prática é maisdinâmica e sempre singular, única. Por isso, na prática, a teoria nunca caicomo uma luva. Há práticas e teorias se construindo, se modificando, seressignificando o tempo todo, para serem compreendidas em cada con-texto.

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Outra questão a considerar é que o julgamento da formação,geralmente, tem como base as representações e expectativas dos acadê-micos sobre como deveria ser a sua formação. Porém, a dinâmica de for-mação, para Ferry (1997), é sempre um desenvolvimento pessoal, orientadosegundo os objetivos que o acadêmico busca e de acordo com sua posiçãoe condição pessoal. O processo de formação, por ser um processo de de-senvolvimento pessoal, é sempre complexo, heterogêneo e, ao mesmotempo, contextual. Ferry (1997) e Freire (1996) compartilham a ideia deque, por um lado, o sujeito se forma a si mesmo e, por outro, somente seforma por meio da mediação.

Ferry (1997) percebe três condições necessárias para a realiza-ção desse “trabalho sobre si mesmo”: condições de lugar, condições detempo e relação com a realidade.

Condições de lugar são fundamentais, pois trabalhar sobre simesmo só pode acontecer em lugares previstos para esse propósito, oque requer pensar, viver a reflexão sobre o que foi feito, além de buscaroutras formas de fazer. Entende o autor que a formação é o momento dareflexão e, ao mesmo tempo, de tratar de compreender. Nesse sentido,só existe formação quando um sujeito tiver, além do espaço, condições detempo para esse trabalho sobre si mesmo. A relação com a realidade éentendida como uma necessidade de estabelecer certa distância da reali-dade, desprender-se dela, para poder representá-la. Em um espaço e tem-po de formação, é fundamental retirar o sujeito desse contato direto coma realidade, para que ela fique configurada por representações.

Para Ferry (1997, p. 56), “quando se está em um lugar ou em umaação de formação se trabalha sobre as representações. Não se trabalhasobre a realidade [...] Representar quer dizer trabalhar com imagens, comsímbolos, com uma realidade mental, porém não com uma realidade eudiria, real” (tradução nossa).

Como não é possível nem viável trazer uma turma de alunos parademonstrar e fazer uma aula real – e mesmo assim não seria –, o possívelé raciocinar sobre as diversas situações de uma aula. O que deve ser feitoé um processo dialético entre afastar-se da realidade para representá-la,julgá-la e depois poder voltar a ela e captá-la, compreendê-la. Nesse sen-tido, defende o autor que o processo de formação exige um tempo e umespaço de preparação, de antecipação de situações reais, em favor dessasrepresentações, para encontrar atitudes, gestos convenientes e adequa-dos para impregnar-se de e nessa realidade.

O autor alerta que se um sujeito, quando decidisse desempe-nhar a função docente, fosse colocado de maneira direta e abrupta diantedessa realidade, teria grandes chances de fracassar. No processo inicial, o

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ideal seria garantir um espaço e tempo para que antes de adentrar a salade aula, o pretendente a docente pudesse representar e se representarnos papéis que vai ter de desempenhar na profissão de professor e é issoque os acadêmicos estão vivenciando nesse período que antecede o exer-cício da profissão.

As dificuldades e problemas no mundo atual para ser professorpodem estar além da sala de aula, além do ambiente fechado onde seencontram frente a frente professores e alunos. Nossa pesquisa demons-tra que a indisciplina, a precariedade da estrutura física nas escolas e osbaixos salários não são exclusivamente o centro das reclamações dentrodo grupo de acadêmicos entrevistados. O que constatamos é que a desva-lorização profissional, a própria formação deficitária mencionada anteri-ormente e o distanciamento entre a formação e a realidade fazem partedesse universo de desmotivações.

Dos dez entrevistados, seis levantaram a desvalorização profissi-onal como forte empecilho ao trabalho de professor. Essa desvalorizaçãoocorre principalmente devido à falta de reconhecimento do professor naatualidade, como expressaram os acadêmicos. Esse reconhecimento éesperado por meio de melhores salários, maior autonomia, legitimidadedo saber ensinado e incentivo à participação em programas de formaçãocontinuada. São reivindicações que buscam valorizar a profissão docente,que poderiam resultar em melhoria na qualidade de ensino.

A indisciplina dos alunos aparece como uma dificuldade para exer-cer a profissão docente. Quatro acadêmicos explicitam a questão da se-guinte forma: alunos desrespeitosos, desinteressados, indiferentes aoprofessor. Vejamos como isto se expressa na fala de um acadêmico docurso de Matemática:

O problema hoje é a questão da indisciplina, você podeser um artista [...] e inventar todo momento uma formadiferente de chamar a atenção, mas o aluno perdeu orespeito e isto faz com que a gente perca um pouco asrédeas em sala de aula, na hora de ensinar, porquenão existe o compromisso por parte dos alunos.

Outro aspecto enfatizado nas entrevistas como fonte de insatis-fação é a má gestão educacional. A gestão influi diretamente no desem-penho e no grau de satisfação do professor com o trabalho docente. Aimpossibilidade de participar das decisões sobre o rumo do ensino, o ex-cesso de burocracia e a falta de apoio e de reconhecimento do trabalho,por parte das instâncias superiores do sistema educacional, são citados

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pelos acadêmicos como fatores geradores de desmotivação e insatisfaçãocom o trabalho:

Falta um maior empenho das autoridades públicas,tanto na esfera municipal quanto na estadual [...]. Umdetalhe que incomoda bastante é a falta de autonomiapara o professor. As autoridades muito sabem ditar, oque deve e o que não deve fazer o professor, mas nãoassumem seus discursos, isso faz toda a diferença. E aquestão salarial é bastante defasada (Acadêmico deArtes Visuais).

Isso demonstra que ainda são muitos os problemas a seremenfrentados pela profissão, dadas as dificuldades diversas percebidaspelos alunos para exercer a docência na sociedade contemporânea.

À guisa de conclusão...Apesar de prevalecerem em suas percepções aspectos críticos

em relação à formação e a muitos problemas a serem enfrentados noexercício da profissão docente, os acadêmicos são alimentados por so-nhos e ideais futuros.

A busca pela valorização do ensino da arte foi apontada comosonho a ser alcançado no transcorrer do exercício da profissão pelos aca-dêmicos do curso de Artes Visuais. A preocupação com a busca de valori-zação da área não foi mencionada como meta de futuro pelos acadêmicosdo curso de Matemática, isso porque já há, na sociedade capitalista, oreconhecimento da importância dessa área no desenvolvimento detecnologias, inovações e produtos que movimentam a economia. Essesjuízos de valores, diferenciados entre conteúdos e áreas de conhecimen-to, foram construídos ao longo do processo histórico de formação da soci-edade atual.

Embora tenha sido apontada a diferença em relação à valoriza-ção das áreas por parte dos acadêmicos de Artes Visuais, os problemasgerais a serem enfrentados pelos professores na sociedade contemporâ-nea são percebidos por eles como questões que afetam a categoria profis-sional, independentemente da especificidade da área de atuação.

Dentre todos os acadêmicos, apenas um lembrou-se de apontarcomo sonho ver valorizada a profissão docente. A grande maioria dos aca-dêmicos tem como meta fazer a diferença, buscando contribuir para atransformação da sociedade, reduzindo as injustiças e buscando a igual-dade: “Poder contribuir para uma melhor cidadania, menos induzida e

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mais autônoma” (Acadêmico de Artes Visuais); “O meu ideal seria contri-buir para esse processo de melhoria da sociedade, através da educação”(Acadêmico de Matemática).

Assim, evidenciou-se uma perspectiva de formação alicerçadanão só no ensino de conteúdos exclusivos, específicos, mas que contem-pla uma formação de princípios e compromissos dos futuros professorescom a busca da autonomia e a emancipação dos sujeitos e de sonhos detransformação da sociedade em geral.

Para alcançar a meta e ajudar a transformar a sociedade, os aca-dêmicos sentem a necessidade de continuar estudando. Na perspectivados acadêmicos, isso pode ocorrer, formalmente, em cursos de aperfeiço-amento ou pós-graduação, ou, informalmente, principalmente no caso deArtes, como “viajar para a Europa, para estudar arte e outra língua, conhe-cer a arte no mundo” (Acadêmico de Artes Visuais). Os conhecimentosempíricos advindos de observações e oficinas, dentre outros, constituem-se em saberes que podem ser legitimados pelo campo da Arte, diferentedo que ocorre nas ciências exatas.

Nossa pesquisa revelou que os dois cursos, tanto o de Artes Vi-suais quanto o de Matemática, têm proporcionado que os acadêmicosreflitam sobre as implicações políticas, sociais e culturais da educação noprocesso de formação dos cidadãos. Em seus depoimentos, podemos iden-tificar preocupações que advêm do pensamento crítico sobre o que foi, oque é e o que pode ser a escola, a sala de aula, o processo de ensino eaprendizagem. No início de suas trajetórias profissionais, eles trazem con-sigo suas inseguranças, mas trazem também seus sonhos e suas metas deatuação. O que não percebemos neles é a acomodação ou a depreciaçãoda profissão de professor, pela qual muitos já optaram antes de iniciar ocurso.

Este resultado é motivante pelo fato de fortalecer a nossa espe-rança de continuar trabalhando em sala de aula e com pesquisas que pos-sam ajudar a elucidar a complexa e heterogênea tarefa de formar futurosprofessores.

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Recebido em: 30/03/2009Aprovado em: 16/06/2009

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UMA EXPERIÊNCIA DE RECUPERAÇÃO DA APRENDIZAGEM EM UMCURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

Maria Aparecida Silva Cruz1

Maria Gládis Sartori Proença2

RESUMO: O objetivo deste artigo é discutir os resultados de um projeto depesquisa sob o título de “Projeto de Nivelamento”, realizado durante trêsanos no Curso de Licenciatura em Matemática – UEMS, Dourados- MS. Oprojeto visou a sanar as deficiências da formação básica dos acadêmicosque ingressam no curso de graduação em Matemática, sendo desenvolvi-do sob a forma de pesquisa intervenção. Foi adotada uma metodologia deensino diferenciada, que buscou proporcionar ao aluno a reflexão sobre asua própria aprendizagem. O projeto contribuiu para a superação das difi-culdades, promovendo um salto qualitativo3 dos conhecimentos mate-máticos dos alunos. Verificou-se a importância da Universidade tomar parasi a responsabilidade de auxiliar os alunos em suas dificuldades de apren-dizagem, desenvolvendo propostas alternativas, concomitantemente como curso.PALAVRAS-CHAVE: aprendizagem, ensino básico, licenciatura em Mate-mática.

ABSTRACT: This paper aims to discuss the results of a research projectentitled “Leveling Project”, carried out for three years in the MathematicCourse at State University of Mato Grosso do Sul, in Dourados, MS. Theobjective of the project was to address the deficiencies brought by first-year Mathematic students from basic education. The project was developedas intervention research. A differentiated teaching methodology wasadopted, aiming to provide the students with an opportunity to reflect ontheir own learning process. The project contributed to overcome thedifficulties, therefore promoting qualitative advance in terms of thestudents’ mathematical knowledge. It is important for the University totake responsibility and help students overcome their learning difficulties,

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS, professora do Curso deMatemática da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul-UEMS e membro do grupo de estu-dos em Educação Matemática – GEEMA. Bolsista da Fundect. E-mail: [email protected] Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS, professora do Curso deMatemática da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul-UEMS. Bolsista da Fundect. E-mail:[email protected] Entendemos por salto qualitativo a passagem de um nível de desenvolvimento em relação àdificuldade de um determinado conhecimento para um outro nível de compreensão desse mes-mo conhecimento.

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with the development of alternative solutions during the university years.KEYWORDS: learning, basic education, bachelor of Mathematics.

Introdução

Os cursos de Matemática da UEMS têm enfrentado, ao longo desua existência, um problema comum à maioria dos cursos de Matemáticado país, que é o despreparo de grande parte dos alunos ingressantes naUniversidade.

Diante desse fato, há uma busca de se conhecer a origem desseproblema. Muito se tem culpado a escola do ensino básico que se diz demá qualidade, os professores que são mal formados e não conseguemproporcionar ao aluno do ensino Fundamental e Médio uma boa aprendi-zagem, os alunos que não se esforçam em aprender, os pais que não auxi-liam seus filhos, o governo que paga mal seus professores. Enfim, há umabusca de culpados que já vem se arrastando por longas décadas.

As evidências demonstram que não há um único fator envolven-do as dificuldades dos alunos. Um dos aspectos importantes refere-se àquestão metodológica do professor e à mobilização do aluno para apren-der, mas existem também outros elementos importantes, como o contex-to social, político e cultural de uma dada sociedade.

D’Ambrósio (2002) recomenda a busca de uma nova postura edu-cacional, ou seja, a busca por um novo paradigma de ensino e aprendiza-gem, em substituição àquele baseado numa relação de causa e efeito. Oautor ressalta que se faz necessário acreditar que há sempre um novojeito de ensinar. Para ele, simplesmente colocar todas as crianças na esco-la e não investir em programas e conteúdos relevantes não é suficiente,pois assim a escola torna-se inútil e desinteressante para os alunos.

É comum o nosso aluno deixar a escola de ensino médio com umconhecimento superficial da matemática. Ao ingressar no curso de gradu-ação, no qual os tópicos são mais avançados, ele passa a ter muitas difi-culdades de adaptar-se e de ser aprovado no curso, porque o seuconhecimento de matemática, objeto de sua futura profissão, é insufici-ente.

Se, durante sua formação, os futuros professores não tiverem aoportunidade de dominar tais conhecimentos, como estes poderão sertransformados em objeto de ensino? Quais as consequências da falta dedomínio deste objeto?

Para os autores Grossman, Wilson e Shulman (1989, p.9): “Ensi-nar conteúdos dos quais não se tem domínio é difícil e os professoresusam uma variedade de táticas para lidar com essa tarefa”. Como resulta-

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do de suas pesquisas, ressaltam que as táticas, comumente utilizadas pe-los professores, são: descarte da unidade da qual não se tem domínio,realização de palestra sobre o assunto não instigando o questionamento,o ensino frequentemente tem base no livro didático. Os autores defen-dem que os professores necessitam de uma fundamentação sólida doconhecimento sobre o conteúdo, para que suas competências sejam de-senvolvidas, idéias essas que também compartilhamos.

O CNE/CP 009/2001 chama a atenção para o fato de existir umaidealização por parte dos formadores, de que os alunos deveriam chegar àUniversidade dominando determinados conteúdos. Diante disso, não sepreocupam em buscar conhecer as experiências que eles têm como estu-dantes para o planejamento de suas ações pedagógicas.

A principal consequência disso aparece rapidamente na formade reprovação, ocasionando grande evasão, apatia ou aumento exagera-do do tempo de formação.

Cabe observar que o CNE/CP 009/2001 considera ainda que:

Para reverter esse quadro de desconsideração do re-pertório de conhecimentos dos professores em forma-ção, é preciso que os cursos de preparação de futurosprofessores tomem para si a responsabilidade de su-prir as eventuais deficiências de escolarização básicaque os futuros professores receberam tanto no ensinofundamental como no ensino médio. (p. 20).

Diante desse contexto, durante os estudos para a reformulaçãodo Projeto Pedagógico do Curso de Matemática da UEMS, os professores docurso, preocupados com essas questões, propuseram a formulação e a exe-cução de um projeto, denominado Projeto de Nivelamento, para minimizaras deficiências do ensino fundamental e médio em Matemática.

O Curso de Licenciatura em Matemática da UEMS: suas características

O curso de Matemática Licenciatura Plena foi implantado na UEMSa partir de agosto de 1994 na Unidade de Glória de Dourados-MS, no perí-odo noturno. O currículo mínimo do curso proposto inicialmente apresen-tava uma estrutura conflitante em relação à realidade e necessidades dosalunos. Assim, em 1995, os professores do departamento apresentarammudanças na estrutura curricular. Em 1998, o curso foi avaliado por umaComissão Verificadora, que apresentou as recomendações necessárias paraa adequação do seu currículo. Levando em consideração as recomenda-

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ções da Comissão, a partir de 1999, uma comissão de professores de mate-mática propôs a reestruturação do projeto pedagógico do Curso de Mate-mática, que passou vigorar em três locais: Cassilândia-MS, Dourados-MS eNova Andradina-MS a partir do ano de 2003, todos no período noturno.

Tendo em vista que um curso de licenciatura se destina a formarprofissionais para atuarem no ensino fundamental e médio, além das dis-ciplinas de formação específica e as de formação pedagógica, como Filo-sofia e História da Educação, Psicologia da Educação, Estrutura eFuncionamento do Ensino Nacional, Didática, Práticas de Ensino, integramo currículo disciplinas que oferecem uma formação geral complementar,envolvendo outros campos do conhecimento necessários ao exercício dadocência, tais como Linguagem e Técnica de Programação, Introdução àCiência da Computação, Língua Portuguesa e Introdução à MetodologiaCientífica.

Defendemos que o perfil de um futuro professor de matemáticadeve caracterizar-se pelo domínio dos conhecimentos pedagógicos espe-cíficos e pela visão crítica da realidade, em seus aspectos sociais, econô-micos, culturais e políticos, de modo especial em relação às implicaçõesque têm entre si as Ciências, a Tecnologia, a Educação e a sociedade.

De uma maneira geral, o Projeto Pedagógico do curso de Mate-mática prevê, entre outros objetivos, formar profissionais que possuam:competência não apenas no domínio do conteúdo matemático, como tam-bém compreensão das ideias básicas que o suportam, ou seja, domíniodos modos de pensar próprios da criação e do desenvolvimento da mate-mática; compromisso com o não-conformismo do quadro geral de fracas-so do ensino da matemática em suas múltiplas dimensões.

Nesse novo projeto, que apresentaremos a seguir, pensou-se nainclusão de um curso visando a sanar as deficiências da formação básicados acadêmicos que ingressam no Ensino Superior. Esse projeto foi ofere-cido pela primeira vez no ano de 2004 para alunos do 1º e 2º anos, confor-me será descrito.

O Projeto de Nivelamento e o seu percurso metodológico

Com o intuito de proporcionar aos alunos a recuperação dos con-teúdos defasados, idealizamos um projeto de nivelamento, com uma pro-posta metodológica diferente daquela com a qual os alunos estavamhabituados nas escolas de ensino fundamental e médio, ou seja, umaprática pedagógica fundamentada no modelo de ensino tradicional, que,a nosso ver, pouco contribui para a aprendizagem por pautar-se namemorização. Conforme explica Mizukami (1986), é um ensino que prioriza

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a variedade e quantidade de conceitos e informações em detrimento aformação do pensamento reflexivo.

Freire (1987, p.57) designa a educação tradicional como “educa-ção bancária4”, na qual “o educador aparece como seu indiscutível agente,como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é ‘encher’ os educandosdos conteúdos de sua narração [...]”. O educador destaca que essa práticanão contribui para a transformação do aprendiz, para o desenvolvimentoda criatividade, criação e recriação do saber. O autor ressalta que o saberno ensino tradicional é uma doação do professor aos alunos que nadasabem. Destaca que “a rigidez destas posições nega a educação e o conhe-cimento como um processo de busca” (p.58).

Observamos que Mizukami (1986) corrobora as mesmas preocu-pações de Paulo Freire ao afirmar que na abordagem tradicional, a relaçãoprofessor e aluno é vertical, sendo que um dos polos (o professor) tem opoder de decisão sobre o qual conteúdo ensinar, sobre a metodologia eavaliação, sem considerar a participação do aluno.

Com base no exposto, a metodologia adotada privilegiou a parti-cipação dos alunos em todos os momentos, seja na seleção dos conteúdosa serem trabalhados, no diálogo entre professor e aluno, seja num traba-lho constante de reflexão sobre a própria aprendizagem.

No ano de 2004, o projeto de nivelamento foi implantado pelaprimeira vez, com a intenção de ser uma forma de ajudar os acadêmicos aenfrentar e superar suas dificuldades com conceitos matemáticos, paraacompanhar o curso com menos dificuldades. Assim, o projeto foi execu-tado em três módulos: Módulo I no ano de 2004, Módulo II no ano de 2005e Módulo III no ano 2006.

Para darmos início aos trabalhos, aplicamos um questionário comquestões abertas e fechadas, respondido pelos alunos do primeiro e se-gundo anos, totalizando 60 alunos do Curso de Licenciatura em Matemáti-ca. O questionário tinha por objetivo conhecer os alunos. Assim,abordamos aspectos como identificação, idade, meio de locomoção parachegar à Universidade, preferência pelo dia para frequentar o projeto, setrabalhavam ou não e o motivo da escolha pelo curso de Licenciatura emMatemática.

A partir desses dados, iniciou-se o que chamamos de Módulo I,cujo objetivo era resgatar aqueles conhecimentos que deveriam ter sidoadquiridos no ensino básico. Os conteúdos ministrados foram seleciona-dos a partir de uma avaliação aplicada a todos os acadêmicos, para diag-

4 Na educação bancária, o aluno é visto como vasilhas ou recipientes a serem cheios pelo educa-dor.

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nosticar as dificuldades em relação aos conteúdos da matemática. A ava-liação podia ser resolvida fora da Universidade e com o auxílio de livros.Os alunos apresentaram dificuldades em resolver situações que envolvi-am proporcionalidade; não possuíam domínio das noções geométricas;demonstraram muitas dificuldades nas representações dos números raci-onais e muitos não sabiam trabalhar com as operações básicas. Porém,pensamos que os conteúdos a serem ministrados nesse Módulo não de-veriam ser impostos por nós, sem a participação dos acadêmicos. Levamosos resultados para a reflexão do grupo e foi decidido o que deveria sertrabalhado naquele momento.

Decidimos trabalhar os seguintes conteúdos: Conjunto dos Nú-meros Reais, Expressões Algébricas, Equações, Inequações e Sistemas,Equações e Inequações Modulares, Conceitos Trigonométricos Básicos eNúmeros Complexos, buscando sempre fazer um trabalho durante o qualos alunos pudessem refletir sobre o seu aprendizado.

No segundo ano do projeto, 2005, passamos a ter dois Módulos:o Módulo I para os alunos ingressantes no curso e o Módulo II para osalunos que já haviam cursado o Módulo I. Numa reunião realizada comtodos os acadêmicos, decidimos que os conteúdos a serem trabalhadosno Módulo I seriam os mesmos do ano anterior. Essa decisão foi tomada apartir de uma avaliação feita pelos acadêmicos que cursaram o Módulo I.Consideraram que os conteúdos trabalhados no referido Módulo contri-buíram para minimizar muitas dificuldades que traziam ao longo da traje-tória escolar, além de possibilitar a compreensão destes conteúdos, o queresultou, segundo eles, em um maior desempenho nas disciplinas ofere-cidas pelo curso. Diante desse resultado, acreditamos ser relevante ofe-recer o mesmo conteúdo aos ingressantes.

Dessa forma, os alunos do Módulo II poderiam ser monitoresdessa nova turma e ministrarem esses conteúdos, sempre sob orientaçãode um docente. Em relação ao Módulo II, os acadêmicos solicitaram quefossem trabalhados conteúdos considerados mais complexos. Diante dis-so, consultamos os professores que haviam ministrado aulas no 1º e 2ºanos do curso de Matemática em 2004, para nos inteirarmos sobre quaishaviam sido as maiores necessidades dos alunos durante aquele ano. Apartir desses dados, optamos por oferecer os seguintes tópicos: Introdu-ção aos Números Reais, Limites, Aplicações do Cálculo e Matemática Fi-nanceira. Cabe ressaltar que os acadêmicos que cursavam esse Módulo jáestavam no 2º e 3º anos, o que nos permitiu trabalhar com conteúdos daDisciplina de Cálculo I. Observamos também que vários outros tópicosforam analisados pelo grupo, mas houve um consenso em relação a estes.O grupo avaliou que o momento seria bastante propício para (re)ver aque-

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les tópicos.No ano de 2006 já estávamos com três turmas, referentes aos

Módulos I, II e III. No entanto, nesse momento, estávamos com um núme-ro reduzido de alunos, pois muitos ingressavam na primeira turma e aca-bavam desistindo. Eram poucos os alunos que davam continuidade aosMódulos II e III. Numa reflexão com o grupo a esse respeito, concluímosque essa desistência se dava pelo fato de o projeto estar sendo realizadoaos sábados. A grande maioria dos acadêmicos trabalhava; muitos mora-vam em cidades vizinhas.

Nesse ano, o processo da monitoria continuou, ou seja, os aca-dêmicos que se encontravam nos Módulos II e III poderiam ser osministrantes nos Módulo I e II, cujos conteúdos se repetiram. No MóduloIII oferecemos conteúdos que não eram incluídos no nosso projeto peda-gógico, como Introdução à Lógica Matemática e Equações Diferenciais eOrdinárias.

Cabe ressaltar que o Projeto de Nivelamento sempre almejoucontribuir para o fortalecimento dos conhecimentos específicos da áreade Matemática, por considerarmos ser essencial o domínio de tais conhe-cimentos para que os futuros professores possam desenvolver suas com-petências em relação à função docente.

Resultados

Os resultados que ora apresentamos referem-se às observaçõesque pudemos realizar durante esses três anos de trabalho com os acadê-micos e nos dois questionários aplicados nos anos de 2004 e 2007. Em2004, responderam o questionário todos os acadêmicos do Curso de Ma-temática. Em 2007, responderam o questionário apenas os acadêmicosque participaram do projeto, independentemente da quantidade demódulos de que participaram.

O primeiro questionário mostrou que a maior parte dos alunosfrequentou o curso de ensino médio em escolas públicas, no período no-turno. Muitos deles já trabalhavam e moravam em cidades próximas aDourados. Alguns viajavam em torno de 120 km para chegar à Universida-de, que é o caso dos alunos que moravam em Ponta Porã. O meio detransporte utilizado pelos nossos alunos, na maioria das vezes, era o ôni-bus.

Os motivos pelos quais escolheram o curso de Licenciatura fo-ram variados. No entanto, o que mais se destacou foi o gosto pela mate-mática, seguido pela facilidade que tinham em aprender matemática noensino básico. Dois motivos que nos chamaram a atenção, embora citadosapenas uma vez, foram o gosto pelos números e a oportunidade de em-prego que teriam após concluir o curso. Percebemos que alguns alunos

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veem a profissão docente com uma forma de ascensão social.O segundo questionário, aplicado após o terceiro ano de execu-

ção do projeto, foi respondido por 17 acadêmicos, sendo que sete partici-param apenas do Módulo I, cinco participaram dos Módulos I e II e cincoparticiparam dos Módulos I, II e III. O número de acadêmicos que ingres-savam no Módulo I era bem maior. No entanto, havia uma desistênciasignificativa. Dos 17 participantes, apenas cinco não residiam em Doura-dos, sendo um destes da aldeia indígena. O meio de transporte utilizadopor todos os acadêmicos era o ônibus (Tabela 1). Verificamos que os fato-res distância e meio de transporte, além do trabalho, dificultaram a parti-cipação dos alunos.

TABELA 1: Cidade de origem

Perguntamos aos acadêmicos se encontraram dificuldades aoingressar no curso de Matemática e de que tipo eram essas dificuldades.Pelos resultados apresentados na Tabela 2, concluímos que apenas quatroalunos não tiveram dificuldades ao ingressar no curso, correspondendo a23,5% do total. Por outro lado, 76,5% reconheceram que enfrentaram al-gum tipo de dificuldade. Chamamos a atenção para o fato de que dentreos que enfrentaram algum tipo de dificuldade5, 46,2% assumiram que oensino básico não lhes proporcionou suporte suficiente.

TABELA 2: Tipos de dificuldades ao ingressar no curso

5 Neste cômputo foram inclusos os três acadêmicos que não especificaram as dificuldades, po-rém, entendemos que tiveram algum tipo de dificuldade.

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Neste trabalho, não buscamos conhecer os “culpados” pelas difi-culdades no Ensino Básico. Partimos do pressuposto de que é um curso deformação inicial que prepara o professor para atuar nessa modalidade deensino e que devemos assumir o compromisso de desafiar, estimular eajudar os alunos a se responsabilizarem pela construção de seu conheci-mento. De acordo com Anastasiou e Alves (2003, p. 32), é preciso auxiliaros alunos

[...] a tomar consciência das necessidades socialmen-te existentes numa formação universitária. Isso somen-te será possível num clima favorável à interação, tendocomo temperos a abertura, o questionamento e a di-vergência, adequados aos processos de pensamentocrítico e construtivo: um clima do compartilhar.

Pensar num ensino compartilhado requer a adoção de novasposturas, tanto por parte dos professores quanto dos alunos, o que possi-bilitará a autoconstrução de saberes e de exercício profissional. Essa foi aintenção do projeto desenvolvido com os alunos.

Após identificar as dificuldades, perguntamos aos alunos se otrabalho que realizamos junto a eles no Projeto de Nivelamento havialhes dado suporte para enfrentar essas dificuldades. A grande maioriaacredita que sim, conforme os resultados apresentados na Tabela 3:

TABELA 3: Suporte propiciado pelo Projeto de Nivelamento

Alguns alunos citaram mais de uma razão pela qual acreditaramque o Projeto de Nivelamento lhes ajudou, o que justifica o total de 23respostas. Em relação à questão realizada, 21 acadêmicos, que

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correspondem a 91,3%, consideraram que houve um avanço em relaçãoaos conhecimentos, ao comparar a sua situação no início e no final doProjeto de Nivelamento. Pode-se considerar que a Universidade, quandotoma para si o compromisso com a aprendizagem dos alunos, por meio deum trabalho diferenciado, pode propiciar as condições necessárias pararesgatar aquele conhecimento que, muitas vezes, não lhes foi oferecidode maneira adequada. Observamos que oito dos 21 acadêmicos,correspondendo a 38%, relataram que passaram a compreender conceitosbásicos não esclarecidos no ensino médio. Os dois alunos que considera-ram que o Projeto não os ajudou a sanar as dificuldades apresentadasargumentaram que o Módulo no qual haviam ingressado não apresentavadificuldades no conteúdo. Podemos inferir que isso se deve ao fato deque o projeto não previa o ingresso de alunos no Módulo II e III sem teremcursado o Módulo I. Consideramos que o projeto não os ajudou, não pelotrabalho realizado, mas sim pela sua execução funcional, que seria aobrigatoriedade de passar pelos três Módulos.

Outra questão abordada refere-se à nota que os alunos dariampara o seu conhecimento e sua base matemática ao ingressarem no proje-to e ao seu final. Vejamos os resultados na Tabela 4:

TABELA 4: Avaliação do aluno quanto ao seu desempenho

Uma das justificativas que nos chamou muita atenção se revelana seguinte fala de um aluno: “Quando ingressei, não sabia que não sabiamatemática, hoje penso que ainda tenho muito pouco conhecimento,muita coisa para compreender”. Essa expressão leva-nos a compreenderque talvez esse aluno soubesse apenas reproduzir algoritmos, como amaioria das pessoas, sem a real compreensão dos conceitos matemáticos.Isso vem ao encontro das ideias de Grosmann et al (1989) que constata-ram, numa pesquisa, que poucos formandos em matemática possuíamuma compreensão da matemática que não se limitava apenas aos conhe-

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cimentos procedimentais necessários para resolver problemas.Concordamos com o autor sobre essa falta de compreensão da

Matemática por muitos acadêmicos e destacamos uma questão que muitonos preocupa na área de Matemática. Existe uma grande fragilidade nacompreensão dos conteúdos por parte até de educadores6 que, mesmoconhecendo os algoritmos necessários para efetuar determinadas opera-ções, encontram dificuldades em buscar soluções. Muitas vezes não com-preendem por que utilizam determinado algoritmo, simplesmente sabemusá-lo. O fato de o aluno perceber que havia muito a aprender é um pontomuito significativo do projeto.

Schliemann e Carraher (1988) confirmam que há, no ensino damatemática, uma ênfase nas regras, na sintaxe, muito mais do que nosignificado.

Contribuindo com o debate sobre as dificuldades dos alunos naaprendizagem da Matemática, Jardinetti (1997) considera que os livrosdidáticos têm transmitido aos alunos uma concepção formada por concei-tos estanques, desconexos e justapostos, distantes da realidade da vidacotidiana dos alunos.

Pensamos que este é um ponto a ser levado em consideraçãoquando se refere ao ensino de qualquer área de conhecimento, pois con-sideramos que o princípio básico da aprendizagem é a capacidade que osujeito tem de lidar com as informações, resolver problemas não só sob oponto de vista matemático, mas também sob o ponto de vista da constru-ção social do conhecimento.

Considerações finais

A análise dos dados revelou-nos que os alunos, ao ingressaremna Universidade, encontram dificuldades para cursarem a Licenciatura emMatemática. No entanto, verificamos que eles buscam caminhos parasuperá-las.

Por outro lado, apesar da busca por alternativas para sanar suasdificuldades, existe o fato de serem alunos de um curso noturno. Umacaracterística comum à maioria dos alunos de cursos noturnos é trabalhardurante o dia e estudar à noite. Diante disso, nem sempre têm disponibi-lidade para participar de atividades fora do horário de aula. Torna-se difícilcompartilhar o tempo entre os estudos e o trabalho.

O fato de o projeto ter sido desenvolvido aos sábados mostrou

6 Observação feita em cursos de Formação Continuada de Professores e de Especialização emEducação Matemática da UEMS.

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que propostas que envolvam a presença dos alunos fora do dia de sala deaula é um problema. Dentre os pontos que consideramos limitadores naexecução do projeto em relação à presença dos alunos, destacamos: amaioria dos alunos trabalha e tem dificuldades de conciliar o trabalho coma frequência às reuniões; alunos que moram em cidades vizinhas têm quesuperar dificuldades financeiras e falta de disponibilidade para viajar nofinal de semana e a dependência dos ônibus de estudantes, que não tran-sitam aos sábados.

No decorrer da execução do projeto, confirmamos o que a litera-tura discute sobre a superficialidade dos conhecimentos matemáticos dosalunos. No entanto, por meio do projeto realizado, concomitantementeao curso de formação, foi possível aos alunos reconhecerem que não com-preendiam muitos conceitos matemáticos. Os alunos reconheceram queo projeto contribuiu para a superação de suas dificuldades e que houveum crescimento em relação aos conhecimentos matemáticos que possuí-am inicialmente.

Enquanto professoras do curso de Licenciatura em questão e pro-fessoras do referido Projeto, concordamos com nossos alunos que houvea superação de dificuldades; porém, não podemos garantir que foi na suatotalidade.

Em concordância com a CNE/CP 009/2001, pensamos que a Uni-versidade, mais do que buscar culpados, deve elaborar projetos alternati-vos com o intuito de minimizar as deficiências trazidas pelos alunos daescolarização básica, contribuindo, dessa forma, não somente para suapermanência e conclusão do curso, como também para a sua formaçãocomo futuro professor.

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Recebido em: 31/03/2009Aprovado em: 14/09/2009

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O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS DA DITADURA MILITAR1

Eliane Mimesse2

RESUMO: Este estudo apresenta como se desenvolveu a prática pedagógi-ca dos professores de História. Focaram-se os profissionais que ministra-ram aulas da disciplina de História nas escolas estaduais, nas séries quecompreendiam o 1º e o 2º graus. A pretensão desta pesquisa centrou-sena perspectiva de se resgatar as práticas desses professores a partir daleitura e análise dos relatórios de estágios aqui usados como fontes. Operíodo foi delimitado entre os anos de 1972, pela inexistência de fontescom datas anteriores e por coincidir com a publicação da Reforma do Ensi-no, e 1988, quando se notou o retorno efetivo das aulas de História nocurrículo; esses foram os anos da existência dos Estudos Sociais. As fontesanalisadas foram documentos oficiais e os relatórios de estágios produzi-dos para a disciplina Prática de Ensino no curso de licenciatura em Históriada Universidade de São Paulo.PALAVRAS-CHAVE: prática pedagógica, ensino de História.

ABSTRACT: This study presents how the history teachers’ pedagogicalpractice was developed. It was focused in the professionals who taughtthe history subject in the state schools in the terms of the 1st and 2nddegrees. The purpose of this research was centered in the perspective ofrescuing the teachers’ practices from the training teaching programs reportsthat were used as sources. The period was delimited from 1972 to 1988. Itstarted in 1972 because there weren’t previous sources and dates and alsobecause of the coincidence of the Teaching Reform publication. Theresearch was collected until 1988 because we perceived the effectivereturn of history classes in the curriculum and these years were marked bythe existence of Social Studies. The data collection was basically officialdocuments and the teaching program reports produced by the TeachingPractice subject in the licensed History course of São Paulo University.KEYWORDS: pedagogical practice, History teaching.

1 Texto modificado, apresentado originalmente no VIII Congreso Iberoamericano de História de laEducación Latinoamericana, realizado em novembro de 2007, na cidade de Buenos Aires (Argen-tina).2 Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora do Progra-ma de Pós-Graduação - Mestrado em Educação - da Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail:[email protected]

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Introdução

Esse artigo apresenta um breve panorama dos resultados da pes-quisa desenvolvida sobre o ensino de História nas escolas estaduaispaulistas nos anos da ditadura militar, época que compreendeu os anosentre 1964 e 1985. O período de estudo abrangeu os anos entre 1972 e1988. As datas foram estipuladas por compreender a época da existênciaoficial dos Estudos Sociais, que pretendeu substituir as disciplinas de His-tória e Geografia nas séries do 1º e do 2º graus e também por existir umaditadura militar implantada no país.

No início da década de 1970, houve a publicação da Reforma doEnsino, que contou com a colaboração de pessoal, acordos e planos norte-americanos. Nesse contexto, ocorreu a publicação dos “Guias Curricularespropostos para as matérias do núcleo comum do ensino de 1º grau” no anode 1973; esse é o momento em que os Estudos Sociais tornaram-se disci-plina em duas das séries da grade curricular do ensino de 1º grau.

Nos anos da década de 1980, as aulas de Estudos Sociais foramextintas e é interessante notar as mudanças metodológicas no ensino deHistória durante esses anos, que culminaram com a elaboração e a publi-cação da terceira versão da “Proposta Curricular para o ensino de História— 1º grau” no ano de 1986. Essa “Proposta” foi comentada e debatida poralguns estagiários nos seus relatórios, bem como os períodos referentesaos outros anos das décadas estudadas. As anotações e as observaçõescontidas nos relatórios de estágios produzidos para a disciplina de Práticade Ensino do curso de Licenciatura em História da Universidade de SãoPaulo foram utilizadas como fontes. Todos os relatórios de estágios deobservações e de regências, produzidos entre os anos de 1972 e 1988,foram lidos e analisados; o recorte ateve-se nas descrições das práticaspedagógicas dos professores e na compreensão de como as novas publi-cações do governo e alterações nas sugestões oficiais interferiram nessaspráticas.

Foi a partir da leitura dos relatórios de estágios que se puderamreconstituir os passos da sedimentação dos Estudos Sociais nas escolaspaulistas. Essa leitura conduziu a busca por outras fontes quecomplementassem os dados. Assim, tem-se a contribuição da legislaçãode ensino, de alguns documentos oficiais, das propostas estaduais e deoutras publicações bibliográficas que abordaram os anos estudados.

A estrutura deste texto desenvolve-se iniciando pela descriçãoe relevância das fontes utilizadas. Focou-se a Reforma do Ensino – institu-ída em 1971 e vigente até 1996 - e nas mudanças que essa efetivou nasescolas e na disciplina de História; atemo-nos às práticas pedagógicas dos

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professores e como estes se apropriaram dos novos métodos de ensino;verificou-se como ocorreu a organização sindical desses profissionais ecomo as mudanças metodológicas nas propostas do governo aguçaram odebate sobre o ensino de História.

Os relatórios de estágios como fontes

Faz-se necessária uma breve descrição dos relatórios de estági-os para compartilhar com o leitor as descobertas propiciadas por essa fon-te. Os relatórios vinculavam-se à disciplina de Prática de Ensino, que eraministrada nos dois últimos semestres do curso de licenciatura em Histó-ria. Esses relatórios foram elaborados de modo individual, em duplas ouem grupos, divididos em relatórios de observação e de regência. Em geral,os relatórios de observação resultavam do registro contínuo dos aconteci-mentos que ocorriam em sala de aula e explicitavam o assunto da aulaobservada. Todo relatório de observação incluía comentários iniciais so-bre as condições físicas da escola, do quadro administrativo, do corpodocente e discente; eram produzidos sempre como complemento ao pri-meiro semestre das aulas da disciplina de Prática de Ensino.

Os relatórios de regência eram compostos por uma ou mais aulasdo estagiário que, na maioria das vezes, complementavam os conteúdosdesenvolvidos pelo professor da sala. Existia a possibilidade desses esta-giários organizarem e aplicarem minicursos sobre assuntos quecomplementassem as aulas do professor. Esses relatórios foram desen-volvidos sempre no semestre seguinte após a observação. A regência peloestagiário poderia ser desenvolvida de acordo com um projeto de defini-ção e formação de conceitos.

Assim, a partir das leituras e análises dos relatórios de estágios,pode-se recompor parte do cotidiano das práticas pedagógicas dos pro-fessores e dos estagiários de História. Mas é relevante levar-se em contaas alterações na legislação educacional e as consequências dessas nasgrades curriculares.

Nas duas décadas estudadas, além de mudanças na gradecurricular, foram criadas as disciplinas: Estudos Sociais, Educação Moral eCívica, Organização Social e Política do Brasil e Educação para o Trabalho. Acriação dessas disciplinas foi propiciada pela Reforma do Ensino.

A Reforma do Ensino de 1971 e as sugestões metodológicas oficiaisA chamada – não teve oficialmente essa denominação - Reforma

de Ensino foi promulgada pelo governo federal, denominada oficialmen-te como Lei de n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971, fixando as diretrizes e

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bases do ensino de 1º e de 2º graus. Essa lei foi idealizada, aprovada sememendas e publicada durante o governo militar que foi instaurado em1964. Revogou mais de 50 artigos de lei federal anterior, a de n.º 4.024, de20 de dezembro de 1961.

Após o golpe militar, em 1964, reestruturações em várias áreasforam se desenvolvendo; na educação, pôde-se destacar a criação de con-vênios de cooperação e apoio técnico entre o Ministério da Educação eCultura do Brasil e a “Agency for International Development” dos EstadosUnidos. Esses convênios pretendiam a reorganização do sistema educaci-onal brasileiro desenvolvendo a área educacional de tal modo que elafosse adequada ao modelo de modernização das indústrias, que requeri-am mão-de-obra barata com um mínimo de qualificação.

A escola passou a ser vista mais como uma instituição que deve-ria estar em busca de eficiência e eficácia, voltada ao mercado de traba-lho. Deste modo, a profissionalização do ensino encontrou espaço, com acriação e o desenvolvimento de um modelo de currículo mais adequadoàs inovações, mais ágil, mais prático, reduzindo alguns dos conteúdos te-óricos considerados dispensáveis ao novo profissional, ação essa que jus-tifica a redução da carga horária de disciplinas como História ou Geografia.

Algumas das mudanças determinadas pela Reforma do Ensinoforam a extensão do tempo de escolaridade obrigatória, de quatro paraoito anos, com a união dos quatro anos do curso primário aos quatro anosdo curso ginasial; generalização do ensino profissionalizante nas três ouquatro séries do 2º grau; organização do currículo em duas partes, o núcleocomum, “obrigatório em âmbito nacional”, e a parte diversificada, “paraatender, conforme as necessidades e possibilidades concretas, as peculi-aridades locais” e designação como obrigatórias das disciplinas EducaçãoMoral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde(BRASIL, 1971a).

O currículo de ensino de 1º e de 2º graus, organizado em núcleocomum e parte diversificada, foi composto por matérias. O Conselho Fe-deral de Educação fixou para cada série as matérias do núcleo comum e osConselhos Estaduais de Educação indicaram as matérias que constituiriama parte diversificada, para assim ser formado o currículo pleno dos estabe-lecimentos de ensino.

O Conselho Federal esclareceu como deveriam ser trabalhadosos conteúdos, do mais amplo para o mais específico. Nas atividades, aaprendizagem deveria ocorrer a partir de experiências concretas; já nasáreas de estudo, as situações concretas seriam equilibradas com os co-nhecimentos sistemáticos, além de se efetuar a integração de conteúdosafins. Nas disciplinas, a aprendizagem deveria se desenvolver por meio

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do conhecimento sistemático (BRASIL, 1971b).As matérias do currículo pleno foram classificadas segundo as

áreas do conhecimento em Comunicação e Expressão, Estudos Sociais eCiências. A área de Estudos Sociais apresentou objetivos, conteúdo espe-cífico, amplitude e extensão estabelecidos pelo Conselho Estadual deEducação. O currículo de todas as séries do 1º grau deveria conter a área deEstudos Sociais. Os objetivos do ensino de Estudos Sociais visavam “aoajustamento do educando ao meio, cada vez mais amplo e complexo, emque deve não apenas viver como conviver, dando-se ênfase ao conheci-mento do Brasil”, segundo documento do governo do Estado de São Pau-lo, de 1972. O conteúdo específico da área ficou composto por Geografia,História, Organização Social e Política do Brasil e Educação Moral e Cívica.No item sobre a amplitude e extensão da área, o mesmo Conselho sugeriaque, nas primeiras séries do 1º grau, os Estudos Sociais deveriam se apre-sentar sob a forma de Integração Social, tratado nas duas primeiras sériescomo atividade e nas séries subsequentes como área de estudo. Ainda deacordo com o documento do governo, no 2º grau, a área de Estudos Sociaisseria entendida como disciplina.

Na sugestão de currículo específico para as séries do 2º grau epublicada pelo governo federal em 1971, o então “Guia Metodológico paraCadernos MEC – História” trazia parágrafos sobre a área de Estudos Sociais.Essa publicação considerava a criação da área como forma de fazer o pro-fessor de História atualizar-se, em função da preocupação com outros pro-fissionais que poderiam ocupar o seu cargo e com o trabalho que essanova área requeria, pois “novos e amplos estudos” seriam necessários:“Devemos estar sempre preparados para analisar com isenção as novida-des, mesmo que afetem os nossos interesses particulares” (BRASIL, 1971c).

Em 1973, um órgão da Secretaria da Educação do Estado de SãoPaulo publicou os “Guias Curriculares propostos para as matérias do nú-cleo comum do ensino de 1º grau”, que segmentam os conhecimentos emáreas: Comunicação e Expressão (Língua Portuguesa, Educação Artística eEducação Física); Ciências (Ciências, Programa de Saúde e Matemática) eEstudos Sociais. Para a área de Estudos Sociais, estavam listados os objeti-vos, os conteúdos mínimos e as sugestões de atividades para cada conteú-do a ser abordado. Esses “Guias” estaduais seguiam as indicações federais,separavam os conhecimentos por áreas e reforçavam a ideia de que a áreade estudo Estudos Sociais deveria ser entendida como matéria. Enfatizavama importância da área de conhecimento composta por outros elementosdas ciências humanas e, assim, não indicava quais conteúdos referem-seespecificamente à Geografia, História, Organização Social e Política doBrasil ou Educação Moral e Cívica.

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Em decorrência das dificuldades na implantação das sugestõesdos “Guias Curriculares”, foram organizados e publicados, em 1977, os“Subsídios para a implementação do Guia Curricular de Estudos Sociaispara o 1º grau”. Esse texto explicitava os conteúdos que deveriam serministrados em cada série, os objetivos que se deveriam atingir e comque atividades seriam mais bem apreendidos.

A prática pedagógica dos professores

Na prática, os Estudos Sociais — como matéria, não como área deestudo — passaram a fazer parte do currículo das escolas estaduais de 1ºgrau em 1977, da 3ª até a 6ª série. Na 7ª série e na 8ª série, os EstudosSociais, como matéria, nunca existiram: nessas séries, permaneceram nocurrículo Geografia e História em anos alternados. Nas séries do 2º grau,continuaram a existir de modo autônomo.

Um comentário efetuado pelo estagiário, em seu relatório deobservação, no ano de 1977, expressa o que ocorria nas aulas:

[...] Estudos Sociais, na maneira como é dado, é umautopia, pois não há qualquer vinculação, as matériassão estanques e descontínuas só servem para uma vi-são social distorcida. A Geografia aqui vista, não aju-da, ou melhor, apenas atrapalha a História e vice-versa;não há interação; o que há são duas matérias separa-das e sem qualquer significação neste contexto. Serianeste caso, a interação de História e Geografia, vincu-ladas à realidade do aluno? Para o aluno, e tambémpara nós, o que ficou, foi que na 5ª série é dada ênfaseà Geografia, levando o aluno a memorizar conceitosque nunca mais verá (RELATÓRIO 15, 1977).

As observações desse relatório expressam o que ocorria com osconteúdos de Estudos Sociais e como, na prática, eram ministrados pelosprofessores das escolas estaduais. Deve-se levar em conta que a forma-ção dos professores dessas séries, nesse período, poderia ser em EstudosSociais, com uma licenciatura curta, ou em História, com licenciatura ple-na. Desse modo, segundo Prado (2004), a formação acadêmica e o conhe-cimento do professor refletiam-se na sala de aula, em sua práticametodológica diária.

Quanto ao ensino de 2º grau, após a publicação da Reforma deEnsino, esse deveria obrigatoriamente se tornar profissionalizante. Nas

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escolas do Estado de São Paulo, a implantação do ensino profissional teveinício nos estabelecimentos de ensino privados e públicos municipais,que deveriam, em 1972, apresentar ao órgão competente um plano detrabalho para a organização didática e administrativa a ser implantada nasséries do ensino de 2º grau. Prado (2004) indica que os estabelecimentosestaduais que já mantinham cursos técnicos deveriam providenciar asmudanças curriculares até 1974; os outros precisavam elaborar uma revi-são de seus currículos para a implantação do ensino profissional. Apenasapós a reforma administrativa da Secretaria de Educação, em 1976, teveinício a implantação do ensino profissional de 2º grau na maior parte dasescolas estaduais.

Foi instituída a “intercomplementaridade de estabelecimentos”,que possibilitava a implantação dos cursos referentes aos setores primá-rio e secundário. Com essa alternativa, alguns estabelecimentos ofereci-am apenas as disciplinas das habilitações profissionais e outros ministravamas da parte de educação geral. Assim, os estabelecimentos que tivessemas disciplinas das habilitações deveriam se “intercomplementar” com vá-rios outros.

As habilitações profissionais para o 2º grau deveriam ser instala-das e funcionar regularmente a partir de 1977. Nesse ano, portanto, a 1ªsérie ainda contaria com as disciplinas da parte geral e os alunos teriam deoptar por uma habilitação quando ingressassem na série seguinte, em1978. Mas, ainda no início daquele ano, foi criada uma nova habilitação,denominada “Formação Profissional Básica”. Essa habilitação conseguiusanar as dificuldades de implantação do ensino profissional na maioriadas escolas estaduais de 2º grau, pois tiveram suas disciplinas adaptadas àsituação existente e os estudantes que ingressaram nesse nível de ensinoem 1978 cursaram as novas disciplinas nesse ano e concluíram o curso como certificado na modalidade.

As escolas estaduais começaram a cumprir a obrigatoriedadelegal criada pela Reforma. A criação da área de Estudos Sociais decorreu damesma Reforma e, por conseguinte, o início de sua implantação efetiva-se no mesmo ano do ensino profissionalizante.

No ano de 1978, foi publicada uma sugestão de currículo deno-minada de “Proposta Curricular de História e Geografia para o ensino de 2ºgrau”, pautando-se pela integração da área de Estudos Sociais, relacionan-do conteúdos de Geografia e de História e acrescentando História da Amé-rica ao programa de ensino da 1ª série, além de conteúdos específicospara a 2ª e a 3ª série vinculadas ao recém-criado setor terciário da habilita-ção “Formação Profissional Básica”.

Durante a década de 1970, a pedagogia tecnicista influenciou as

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práticas dos professores, a forma como abordavam os conteúdos: aplica-vam exercícios, utilizavam os livros didáticos e avaliavam os alunos. Prado(2004) apresenta o estudo dirigido como o método mais utilizado nas au-las de História, já que essa pedagogia apresentava como preocupação bá-sica “a eficiência e a eficácia do processo de ensino”.

Com as regras para o desenvolvimento do estudo dirigido, o pa-pel do professor passou a ser o de orientador individual dos alunos. Ospassos eram bem estabelecidos; pretendia-se moldar os comportamen-tos dos educandos, criando hábitos saudáveis de estudo que pudessemser utilizados em todas as disciplinas e em toda a vida escolar. O estagiáriocomenta como se desenvolvia o estudo dirigido em uma sala de 1º grau:

O estudo dirigido é de maneira tal, que o aluno é indu-zido a entender o que o professor quer, e não é levadoa questionar o texto, muito menos a criticá-lo. Esteestudo é realizado através do ponto dado em aulaexpositiva, esta aula baseia-se em esquema posto nalousa, de maneira bastante desordenada. Posterior-mente, é feita uma leitura do capítulo do livro e sãolevantadas questões para o debate em grupo. Ou en-tão, é levantada uma questão principal de um textoinformativo, em que os alunos em grupo, para respon-der tem que consultar o livro ou o ponto. A aulaexpositiva parte do título do capítulo do livro e a partirdaí é desenvolvida (RELATÓRIO 15, 1977).

Nos relatórios, encontram-se muitas críticas à técnica do estudodirigido. Em um dos relatórios, referente a atividades de 1º grau, o estagi-ário aponta as falhas da técnica, como a omissão de informações impor-tantes, a desvinculação do conteúdo no contexto histórico e a amenidadedo trabalho do professor:

A grande falha na adoção de tal sistema é a ausênciade uma aula expositiva. Esta seria muito importante emesmo imprescindível para se ligar um fato ao outro,para dar coerência ao assunto. A impressão que setem é que tudo fica meio vago e solto. Somente uma vezpôde ser observada uma interferência mais direta doprofessor. No entanto, foram perguntas feitas à classe,perguntas respondidas por dois ou três alunos, en-quanto que os outros se mantinham numa atitude bas-tante apática. O mal de tal sistema é que, apesar da

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boa disciplina em classe, os capítulos são mal lidos,os exercícios são constantemente copiados, uns dosoutros, assim como os resumos. Enfim, pode-se con-cluir que o sistema de estudo dirigido, da maneira comoé dado no Colégio Estadual traz somente vantagenspara o professor: dá menos trabalho, não necessita depreparo de aulas, não exige exposição, pesquisa e co-nhecimento do professor (RELATÓRIO 2, 1972).

Nem todos os professores que utilizaram o estudo dirigido agi-am como o citado acima. Outro estagiário de uma classe de 1º grau explicao procedimento da professora, que antes expôs os conteúdos, para de-pois aplicar a técnica:

Inicialmente há uma aula expositiva onde ela dá umavisão geral do texto, a segunda etapa é o estudo dirigi-do onde os alunos conseguem aprofundar-se no estu-do com o material que trazem de casa. A enciclopédiaBarsa e as publicações da Abril Cultural são as maisutilizadas (RELATÓRIO 2, 1977).

Mas, em decorrência do grande número de alunos evadidos ereprovados, nos anos da década de 1970, os métodos de ensino começa-ram a ser revisados. No final da referida década e no início da década de1980, as discussões sobre as causas do fracasso escolar apontavam a escolacomo uma das culpadas nesse processo. Assim, como apresentado porVeiga (2002), no decorrer desses anos, tendeu-se a mudar a concepçãosobre o papel da escola, que deveria, a partir de então, contribuir com atransformação da sociedade, formar cidadãos críticos e participativos, commétodos que utilizassem a realidade cotidiana dos estudantes. A pedago-gia crítica pretendia “ir além dos métodos e técnicas, procurando associarescola-sociedade, teoria-prática”.

As ações preteridas pela nova metodologia de trabalho previamprocedimentos renovados do professor com relação aos alunos. Foramidentificados em um relatório de estágio os comentários elaborados apartir das observações decorrentes das aulas de um professor, que desen-volvia suas aulas segundo a realidade dos alunos:

Nas 5ª séries, (o professor faz) a análise de mapas (osquais pareciam não despertar o interesse total da clas-se), enfatizando a localização espacial e temporal.Mapas confeccionados, pintados e escritos pelos alu-

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nos, com ajuda do professor e do livro didático e ain-da havendo leitura dos capítulos correspondentes, comanálise e discussão de palavras e parágrafos, questio-nários, etc. Para as 6ª séries, além das atividades jácitadas, assisti também a leitura, o debate e em segui-da a encenação de uma peça de costumes (RELATÓRIO5, 1987).

Com essa metodologia difundida na década de 1980, ampliaram-se as críticas à precariedade da escola pública, ao uso dos livros didáticos,a luta pela democratização do ensino e a baixa remuneração dos professo-res, ação essa que gerou vários momentos de reivindicações coletivas egreves.

Professores organizados: paralisações, greves e reformulações curriculares

Até a década de 1960, os professores paulistas reuniram-se prin-cipalmente em duas associações, o Centro do Professorado Paulista, queconcentrava os profissionais da escola primária, e a Associação dos Pro-fessores do Ensino Oficial Secundário e Normal do Estado de São Paulo(Apesnoesp). A Apesnoesp, em 1973, mudou de denominação para Asso-ciação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp),como consequência ao fato da Reforma do Ensino haver unificado o cursoprimário com o ginasial. Em 1979, essa Associação obteve uma nova dire-toria, que apoiava a atuação da entidade segundo os moldes do “novosindicalismo” e se pautava pelos

[...] princípios e práticas da esfera sindical, defendiauma reação coletiva à degradação da escola pública,provocada pelo intenso crescimento do sistema deensino e pela crise do Estado desenvolvimentista [...]conivente com interesses privados de amplos segmen-tos econômicos (VIANNA, 1999, p. 91).

Essa opção conduziu a mobilizações coletivas, como greves, pa-ralisações e manifestações públicas dos professores. Nos anos de 1979,1984, 1986, 1987, 1988 e 1989, ocorreram greves cuja duração variou de 21a 80 dias. A greve relatada por Vianna (1999) foi a forma escolhida paraprovocar impactos sobre a sociedade e tentar conscientizá-la a respeitodas condições de trabalho dos professores em consequência da deficiên-cia da escola pública e dos seus baixos salários. A Apeoesp tinha comoprincipais reivindicações a questão salarial e a defesa da escola pública,

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gratuita e democrática.Na década de 1980, o número de professores associados ao sin-

dicato da categoria cresceu, mas nem todo professor associado participa-va dos movimentos de greves e das paralisações. É o que se pode constatarnos relatórios de estágios de observações dos alunos. Em dois dos relató-rios de 1987, verificam-se posturas diferentes. No primeiro o estagiáriocomenta sobre as paralisações que ocorreram:

Esse movimento se fez pouco presente, com paralisa-ções alternadas e apenas em dias de manifestaçõespúblicas programadas, sem nenhum tipo de discussãoe posicionamento frente aos alunos e a comunidade.Esse pequeno quadro ilustra a descrença, a desespe-rança da categoria e mais a falta de vivência e treinopara a organização e ao debate democrático dentro dacategoria (em especial o professorado) visando o ma-nuseio de instrumentos para transformar a realidadeem que vive hoje a educação e a coisa pública no país(RELATÓRIO 1, 1987).

No segundo relatório, o estagiário elogia a atitude dos professores:

São bastante unidos, foi o que pude observar na épocadas paralisações, quando a totalidade do corpo do-cente aprovou a paralisação, apresentando com issouma boa consciência de classe. Durante os intervalosdas aulas, pelo que pude perceber, existe um bom rela-cionamento entre eles, com bom nível de comunicaçãoentre todos (RELATÓRIO 3, 1987).

Infelizmente, são raros os relatórios de estágio com outroscomentários sobre participações e opiniões dos docentes durante os perí-odos de greves. A hipótese para tal é a própria situação - inusitada aoestagiário - que deveria compor seu estagiário a partir da observação dasaulas, desde que elas ocorressem.

Em 1982, com a promulgação da Lei n.º 7.044, passou a existir apossibilidade de extinção e substituição de algumas disciplinas existen-tes na grade curricular do ensino de 1º e de 2º graus, desde a publicação daReforma do Ensino. Assim, as aulas de Organização Social e Política doBrasil foram paulatinamente substituídas pelas aulas de História e as aulasde História e de Geografia começaram a retornar à 5ª e à 6ª série, ocupan-do o lugar das aulas de Estudos Sociais. Foi a partir da publicação dessa lei

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que o ensino de 2º grau deixou de ser obrigatoriamente profissionalizantee que puderam ocorrer substituições de algumas das disciplinas da gradecurricular do 1º grau.

No ano de 1983, iniciou-se o processo de reformulação dos currí-culos. Esse processo foi possível porque a ditadura militar começava a serdesmontada e o governador eleito era da oposição. Os “Guias Curriculares”,de 1973, e os “Subsídios para implementação do guia”, de 1977, eram assugestões oficiais vigentes publicadas pelo governo e,consequentemente, foram substituídas por novas sugestões de trabalho,que consideraram História e Geografia como disciplinas independentes apartir da 5ª série do 1º grau. Essas novas sugestões foram denominadas de“Propostas Curriculares de 1º grau” e eram elaboradas por equipes com-postas por professores e especialistas de cada área respectiva. Todas asáreas do conhecimento foram contempladas com um volume referente àdisciplina específica, exceto a disciplina de História, cujo debate sobre arelevância de seus conteúdos e a tendência teórico-metodológica de suaredação alongou-se por vários anos, envolvendo outros setores na discus-são, como os meios de comunicação.

A nova metodologia e a revisão de livros didáticos, recursos e conteúdos

A discussão sobre a “Proposta Curricular para o ensino de Histó-ria” foi acentuada pelo contexto da década de 1980. Existia certodesestímulo por parte dos professores em virtude da baixa remuneração,do desgaste com os períodos de greves em que nem sempre as reivindica-ções eram alcançadas, bem como em decorrência da deficiência dainfraestrutura nas escolas públicas, como a quantidade mínima de livrosnas bibliotecas escolares, a inexistência de equipamentos para projeçãode filmes e a falta de materiais básicos, como giz, entre outros problemas.Essa situação possibilitou a crítica também aos materiais didáticos e aosconteúdos constantes nos livros didáticos, por permanecerem difundin-do um discurso considerado ultrapassado e irreal.

Unindo-se a esse quadro, a metodologia de ensino em voga naépoca - a denominada pedagogia crítica - enfatizava que a educação deve-ria ser desenvolvida a partir da realidade dos alunos e incentivava os pro-fessores a utilizar textos avulsos vinculados ao cotidiano em que estavamsituados. Essa tendência pedagógica, relacionada às precárias condiçõesfinanceiras dos alunos das escolas públicas e à desmotivação dos profes-sores, contribuiu para a redução na adoção ou na utilização de livros didá-ticos nesses anos.

Pode-se ainda, considerar que nem todos os alunos tinham re-

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cursos para adquirir um livro didático para cada disciplina, como foi relata-do pelo estagiário, por meio do Relatório 4 (1980): “Sempre que um livro éexigido, os alunos alegam que não tem dinheiro para comprá-lo.” E a novametodologia preconizava a construção dos conhecimentos a partir da rea-lidade e das experiências concretas dos alunos, sem necessariamente seressencial a utilização de um manual. Houve também o incentivo de publi-cações com experiências de aplicação dessa nova metodologia e as suges-tões formuladas pela terceira versão preliminar do programa oficial deHistória de 1º grau. Assim, o recurso a recortes de jornais e revistas e aapostilas elaboradas pelos professores foi mais eficaz do que a utilizaçãode um manual. Um estagiário que assumiu algumas aulas por quatro me-ses, em substituição ao professor, desenvolveu seu trabalho com recortesde jornais e revistas:

No segundo bimestre resolvi mudar tudo radicalmen-te. Saímos das salas de aula, sempre imundas, e pas-samos a nos reunir no salão da biblioteca da escola(que tem estantes, mas não tem livros, desde o últimoassalto). Pedi que todos trouxessem jornais e revistas,e passamos a pesquisar o assunto “Tancredo Neves”.Os próprios alunos elaboraram uma lista com sessen-ta perguntas-chave a serem pesquisadas: era precisoprocurar a resposta nos jornais e transcrevê-las, fa-zendo a citação competente. Agora, terminada a “pes-quisa”, eles deverão redigir “um capítulo do livro deHistória do ano que vem”, explicando os acontecimen-tos deste ano. Salvo algumas exceções, o interesse foimuito bom, de tal forma que estou pensando em reto-mar o livro didático no segundo semestre “de trás paraa frente”, isto é, a partir de Tancredo Neves (RELATÓRIO9, 1985).

O incentivo à utilização de materiais diversos no desenvolvimen-to das aulas acabou por viabilizar, nessa década de 1980, a produção delivros que relatavam experiências docentes realizadas com alunos dasséries do 1º grau. Podem-se citar nesse modelo as obras de Marcos A. daSilva, Repensando a História, de 1984, o Cadernos Cedes nº 10, de 1985 e Oensino de História: revisão urgente, de Conceição Cabrini et al., de 1987,entre outros autores. Esses professores-autores, vinculados às universi-dades ou que participaram das equipes técnicas que haviam elaborado aspropostas curriculares, começaram a publicar livros nos quais comenta-vam experiências. Descreviam passos de suas pesquisas, as atitudes e as

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reações dos alunos perante uma aula de História sem a utilização propria-mente dita de livros didáticos. Incentivavam, desta forma, os professoresa produzirem os próprios materiais curriculares, a coletarem documentose fotografias com a comunidade e a criarem o seu material de trabalho.

A terceira versão preliminar da “Proposta Curricular de História”foi distribuída nesse contexto. Sugeria nova metodologia de trabalho e depesquisa com os alunos, além de propor que o professor elaborasse suasaulas a partir de documentos. Desta forma, para colocar em prática a “Pro-posta Curricular de História”, o docente deveria ter amplo conhecimentodos conteúdos da História. Essa necessidade de conhecimentos amplosgerou outro problema, nesse caso, com os professores formados nos cur-sos de licenciatura curta em Estudos Sociais. Isso porque esses cursos ti-nham a duração de três anos e foram criados, segundo a justificativa dogoverno, para suprir a falta de profissionais habilitados na área de ciênciashumanas. Habilitava o professor a lecionar Estudos Sociais, Educação Mo-ral e Cívica, Organização Social e Política do Brasil e, quando necessário,História ou Geografia, de tal modo a habilitar um profissional com conhe-cimentos específicos superficiais.

A “Proposta Curricular de História” trazia também sugestões parao desenvolvimento das aulas sem o uso contínuo de um manual de con-teúdos específicos de História. A equipe que a elaborou entendia as difi-culdades didáticas encontradas pelo professor no seu cotidiano eincentivava o uso de textos avulsos e documentos históricos,

[...] com a intenção de possibilitar um trabalho que oajude a libertar-se do uso de um único livro didáticoque no decorrer destes anos tem-se transformado tan-to numa “camisa-de-força” como muitas vezes no úni-co amparo de suas aulas. Na tentativa de superar essecírculo vicioso e tendo presentes as dificuldades daíadvindas, pretendemos na continuidade desta Propostaaté sua redação final acrescentar orientações biblio-gráficas mais detalhadas para facilitar o trabalho emclasse, como também coletâneas de textos e documen-tos históricos que auxiliem o professor em seu cotidi-ano (SÃO PAULO, 1986, p. 5).

As críticas insistentes ao uso do livro didático, a defesa da novametodologia de ensino à produção de material didático e a formação aca-dêmica dos professores em Estudos Sociais geraram novos protestos. Es-ses cursos continuavam existindo, mesmo, segundo Martins (2000), comas manifestações dos profissionais e das entidades contra a expansão e a

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manutenção dessa modalidade de ensino. Muitos professores que minis-travam aulas nas escolas estaduais não tinham conhecimentos teóricossuficientes na área de História para desenvolver as sugestões da novaproposta e relutavam quanto à possibilidade de sua aplicação, como podeser constatado nos relatórios de estágios:

A maioria que leciona hoje não está preparada paraabsorver e transmitir o que a proposta tem em vista,tanto por falta de preparo de muitos, a acomodação deoutros e a própria falta de tempo da maioria. Alémdisso, junta-se a falta de estímulo em mudar a situa-ção existente, pois falta material adequado e um salá-rio condizente e estimulador para que o professortenha condições de introduzir as mudanças e objeti-vos da proposta da Coordenadoria de Estudos e Nor-mas Pedagógicas (RELATÓRIO 3, 1987).

Os debates entre os professores da área organizados pelo Go-verno Estadual conduziram a várias interpretações sobre a utilização doeixo temático em sala de aula, como se o tema “trabalho” — por ser único— impedisse o professor de tratar com os vários conteúdos sugeridos. Emum dos relatórios de estágio, encontra-se o registro da opinião doprofessor:

Um dos pontos contra a proposta que o grupo (dosprofessores) levanta é que ela, da maneira como foiimposta, tornou-se tão dogmática quanto a anterior. Ooutro ponto contra é o próprio eixo escolhido: o traba-lho, que é visto como pobre e fechado, por impedir odesenvolvimento dos conteúdos por outros ângulos(RELATÓRIO 2, 1987).

Outro professor entendeu que o eixo temático reduziria os con-teúdos básicos porque deveria, a partir de então, ensinar a história demodo linear. Suas críticas indicam que via naquele eixo “um novo golpe”na qualidade do ensino público. Nos relatórios produzidos pelos profes-sores nos debates patrocinados pelo governo estadual, notou-se que

[...] nem sempre era apresentada a rejeição total ou aaceitação incondicional. Alguns aspectos conviviamharmoniosamente em um mesmo relatório. No entan-to, as sínteses elaboradas por Supervisores, Diretores

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de Escola ou mesmo por Professores Representantesde escolas buscavam, em geral, classificar as obser-vações dos professores entre contra ou a favor da pro-posta. Em algumas sínteses a classificação vai além,estabelecendo como conservadores aqueles que seposicionaram contra a proposta e como progressistasos favoráveis (SILVA, 1999, p. 62).

As sínteses desses debates demonstravam que os professoresnão recusavam a proposta. Apenas apontavam críticas e sugestões, princi-palmente pela falta de material didático, por sua formação acadêmicafalha e pelas difíceis condições de trabalho — este foi mais um ano degreve dos professores. Em um dos relatórios de estágio, esta posição deincerteza também pode ser notada. O professor entende a “Proposta”como algo inovador, mas, ao mesmo tempo, indica a impossibilidade deadequá-la à realidade:

Com relação ao projeto de mudança da CENP, para aárea de História, seu posicionamento foi muito lúcidoe objetivo: a proposta, segundo ele, é bastante interes-sante e a mudança no esquema atual é necessária.Porém, essa proposta excede bastante a realidade exis-tente no país, tanto no que se refere aos alunos comoaos professores. Quanto aos alunos, é improvável aobtenção dos objetivos propostos pela proposta daCENP, com a atual realidade dos alunos que freqüen-tam nossas escolas, pois mais do que mudar a reali-dade do ensino, é preciso mudar a própria realidadeeconômica, social e cultural desses alunos, pois semisso não se conseguirão alunos que alcancem os obje-tivos contidos na proposta da CENP. Já em relação aosprofessores, coloca o professor que a maioria dos pro-fessores que lecionam hoje não estão preparados paraabsorver e transmitir o que a proposta tem em vista,tanto por falta de preparo de muitos, a acomodação deoutros e a própria falta de tempo da maioria (RELATÓ-RIO 3, 1987).

Os professores criticavam a fragilidade na execução da proposta,por falta de material pedagógico e de melhores condições salariais, masapoiavam as mudanças sugeridas na forma de desenvolvimento dos con-teúdos e da metodologia. Cunha (1995) concorda com as críticas dos pro-

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fessores e classifica a proposta como inaplicável; todavia, lembra fatoresque contribuíram para impossibilitar sua aplicação. Indica a dificuldade dese usar a prática da pesquisa em todas as séries do ensino porque os pro-cedimentos não foram detalhados, mas simplesmente transferidos para oensino, sem articulação. Criou-se apenas uma “ identificaçãometodológica”, que se vinculava à rejeição do uso da teoria, já que todo oconhecimento deveria ser construído pelos alunos, a partir de suas expe-riências de vida. O autor discorda da equipe que elaborou a proposta enão crê nas possibilidades mínimas de sua implementação, devido aodespreparo dos docentes na utilização em aula de documentos e da inici-ação à pesquisa.

Na verdade, as críticas sobre a deficiente formação dos profes-sores remontam à discussão sobre a licenciatura curta em Estudos Sociais.Desde sua criação, no final da década de 1960, continuava a formar profis-sionais habilitados para lecionar Estudos Sociais na 5ª e na 6ª séries e quese não existissem profissionais habilitados com licenciatura plena em His-tória, poderiam assumir as aulas da 7ª e da 8ª séries.

Além das dificuldades e das críticas sinalizadas pelos professo-res nos relatórios de estágio e nos relatórios dos debates, há ainda oseditoriais de alguns jornais de São Paulo. Esses criticavam o caráterpolitizado da “Proposta Curricular” e o incentivo ao rebaixamento do ní-vel do ensino público. A justificativa para tanto, segundo Silva (1999), eraa forma como os conteúdos eram apresentados, de modo temático, assimpodendo ignorar fatos importantes e favorecer a tendência ideológica “deesquerda” — que, segundo esses periódicos, predominava na equipe deHistória da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas.

Considerações finais

Os cursos de Estudos Sociais foram extintos na década de 1980.Muitas das instituições de ensino que o ofertavam ao público continua-ram a oferecê-lo, mas com dois anos de duração e com a necessidade deos alunos cursarem mais dois anos após o seu término. Esses dois anosseguintes possibilitariam ao aluno adquirir a habilitação plena em Histó-ria ou em Geografia.

A disciplina de História, nos anos da ditadura militar, teve suasaulas semanais reduzidas e, consequentemente, seus conteúdos; em al-gumas séries esta chegou a ser suprimida e substituída por Estudos Soci-ais; em outros casos, foi alternada com as aulas de Geografia. Essa situaçãoocorreu quando o governo do Estado de São Paulo resolveu que apenasuma das duas disciplinas – História ou Geografia - poderia ser ministrada

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no mesmo ano escolar. Mas, mesmo com todas as adversidades ocorridas,a disciplina de História retornou paulatinamente no final da década de1980 aos currículos das escolas estaduais de ensino de 1º e de 2º graus.

Os professores resistiram às sugestões metodológicas apresenta-das pelo governo durante esses anos, mas acabaram por incluí-las paulati-namente no seu cotidiano. A prática pedagógica, normalmente, tende apermanecer e resistir às inovações, apenas os livros didáticos e as propos-tas metodológicas oficiais, insistentemente, reforçaram o seu ponto devista e acabam por contribuir com as alterações na prática cotidiana da salade aula.

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Recebido em: 13/03/2009Aprovado em: 04/07/2009

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O TRABALHADOR DOCENTE FRENTE ÀS TRANSFORMAÇÕES NA ECONO-MIA MUNDIAL E NO CONTEXTO EDUCACIONAL

Natália Morais Corrêa Borges de Aguiar1

RESUMO: Este artigo apresenta subsídios teóricos para a análise das mu-danças na economia mundial e seus reflexos no mundo do trabalho, prin-cipalmente na área de educação, por meio das políticas educacionais emque predominam discursos que influenciam os educadores e suas práti-cas. De maneira resumida, pretendemos refletir sobre os desafios que otrabalhador docente enfrenta hoje, com o advento da globalização, comas inovações tecnológicas e com a transformação do conhecimento numbem comercializado.PALAVRAS-CHAVE: conhecimento, educação, globalização, formação e tra-balho docentes, análise do discurso.

ABSTRACT: This article presents theoretical benefits for the analysis ofchanges in world economy and its effect on the world of work, especiallyin education, through educational politics that dominate the discoursesthat influence educators and their practices. Way of summary, we reflecton the challenges facing the teaching today, with the advent ofglobalization, with technological innovations and the transformation ofknowledge in a well marketed.KEYWORDS: knowledge, education, globalization, training and teaching,discourse analysis.

Introdução

O objetivo desse estudo é refletir sobre os rumos da economiamundial e as implicações no modo de trabalho, mais especificamente nocontexto educacional, buscando analisar como os reflexos dessas mudan-ças interferem na prática docente. Como metodologia, optamos pela pes-quisa bibliográfica.

Na primeira parte deste artigo, pretendemos conduzir as refle-xões na direção do caráter evolutivo da educação brasileira, discorrendosobre as abordagens de Shiroma et al. (2005, p. 440) quanto às mudançasdiscursivas para melhor compreendermos as mudanças sociais, porque aprática discursiva está atrelada à prática social numa relação dialética.

1 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Oficial Pedagoga da Marinha.E-mail: [email protected]

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Num segundo momento, abordaremos as questões quepermeiam o processo de desvalorização e precarização do trabalhadordocente, questões que têm como reflexos os baixos salários e as máscondições de trabalho enfrentadas pelos professores, de modo geral. Cadavez mais os trabalhadores docentes são “obrigados” a acompanhar as no-vas exigências de trabalho, buscando a capacitação desejada, propagadapelos discursos das TIC, por exemplo. Para referendar tais assuntos, nosremetemos aos estudos de Demo (2000; 2002), Oliveira (2003; 2004),Barreto (2004), Rodrigues (2002), entre outros.

Desde 1994, a Organização Mundial do Comércio (OMC) vem tra-balhando para a implementação do Acordo Geral para o Comércio emServiços (Gats), que rege o comércio mundial de serviços. O Gats temcomo objetivo diminuir as barreiras legais para a privatização do setor deserviços como: educação, saúde, água, serviços postais e outros.

A educação, marcada por processos de mudanças e reformaseducacionais, não deve ser analisada de forma dissociada do contextopolítico e sócio-econômico. Pelo contrário, para entendermos as múlti-plas reformas educacionais, é preciso investigar a lógica que perpassa taisreformas e o discurso dominante. Para isso, partilhamos das ideias deShiroma et al. (2005, p. 440) quando consideram que a análise do discursovisa compreender como um objeto simbólico produz sentido.

As políticas educacionais adotadas trazem a produtividade, acompetência, a autonomia, a competitividade como palavras de ordemno mercado de saberes. Mas, quando a educação se reduz a conhecimen-to, este privilegia ligações funcionais e pragmáticas dos trabalhadorescom seu processo de trabalho, perpetuando cada vez mais os valores docapitalismo. Observamos a penetração da ideologia do gerencialismo naeducação, constituindo-se um novo discurso educacional, um híbrido depedagógico e gerencial (SHIROMA et al., 2005, p. 438).

Para Demo (2000, p. 17), o mercado não está propriamente inte-ressado por educação, mas pelos efeitos funcionais em termos de manejodo conhecimento. Estar “bem educado”, nesta lógica, significa estar bemtreinado tecnicamente, principalmente em processos produtivosinformatizados. Partilhamos das ideias de Pedro Demo quando ele aponta que:

Assim, se, de um lado, a educação é cada vez maisimprescindível para criar chances na vida e no merca-do, essa mesma educação, reduzida a mero conheci-mento a serviço da competitividade, é o motor centralda redução das chances. Enquanto educação redistribuichances mais que qualquer outra política social, ela mesmaas afunila, pois não tem como escopo direto as necessidadese direitos humanos, mas o mercado (DEMO, 2000, p. 52).

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Com o Plano de Reforma do Aparelho do Estado, no primeiromandado do Governo Fernando Henrique Cardoso, não encontramos maisuma polaridade entre público e privado. A dicotomia existente, nos perí-odos anteriores da evolução, entre as empresas e o Estado, tende a dimi-nuir. Segundo Meneghel e Lamar (2002, p.153) o discurso das propostas dogoverno brasileiro de avaliação do ensino, por exemplo, enfatiza a neces-sidade de obter subsídios para a tomada de decisões que levem à melhoriada gestão e ao controle de resultados, impregnado por critérios e valoresutilitários e práticos que seguem a lógica econômica. Hall (2004, p. 50)afirma que “uma cultura nacional é um discurso – um modo de construirsentidos que influencia e organiza tanto nações quanto a concepção quetemos de nós mesmos.”

Vimos, então, que a educação, considerada como serviço, passaa ser influenciada e financiada por Organismos Internacionais, servindoaos interesses do mercado, trazendo uma linguagem nova que revela ummisto de pedagógico e gerencial. Essas mudanças afetam as relações detrabalho e, conseqüentemente, o trabalhador docente, conforme vere-mos a seguir.

A precarização do trabalho docente

Analisaremos agora, de maneira sucinta, as mudanças ocorridasno cenário educacional com o advento da globalização e com a revoluçãotecnológica, bem como suas interferências no ambiente escolar, no traba-lho e na formação docentes.

A educação, quando assume a responsabilidade pela inserçãodos indivíduos no mercado de trabalho, fica também reduzida e submissaàs necessidades da reprodução do capital e se apropria de conceitos, teo-rias, estratégias e competências educacionais utilizadas no mercado.Shiroma et al. (2005, p. 431) alertam que “os textos da política dão margema interpretações e reinterpretações, gerando, como consequência, atri-buição de significados e de sentidos diversos a um mesmo termo”. Cita-mos, como exemplo, os termos “gestão escolar” e “qualidade total”,passando, a escola, a ser considerada uma empresa. Segundo Demo (2000,p. 18 e 161), a linguagem simpática da qualidade total, defendendo a im-portância dos recursos humanos para a empresa e sua capacitação ofereci-da por cursos rápidos, tem como objetivo principal a motivação e oadesismo do trabalhador para que possa, com mais alegria, empenhar-see se dedicar ao aumento da produtividade. Seria uma exploração indevidaque visa o lucro dos empresários. As relações de trabalho são modificadasem função do movimento histórico vivido, trazendo consequências para o

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trabalhador docente, como afirma Oliveira, a seguir.

É justamente no momento em que a globalização ajus-ta o mundo em uma etapa de acumulação capitalista,sem excedentes para o Estado de bem-estar, que semodifica de forma substantiva a relação com trabalhoe seu valor/salário, sua organização e regulação, équando os docentes tornam explícita sua condição detrabalhadores assalariados como identidade, comosujeitos históricos (OLIVEIRA, 2003, p.76).

Na lógica neoliberal, o modelo de gestão escolar defende umasuposta universalidade e visa formar os indivíduos para empregabilidade.Vários programas são adotados nas escolas públicas com o intuito de ga-rantir uma equidade social. Os professores são responsabilizados peloêxito ou fracasso desses programas e assumem diversas funções que es-tão além de sua formação e capacidade, como, por exemplo, a de assis-tente social, psicólogo e outras.

Concordamos com Oliveira (2004, p. 1.132), ao afirmar que o tra-balho docente não se resume à atividade em sala de aula, mas compreen-de a gestão da escola no que se refere à dedicação dos professores aoplanejamento, à elaboração de projetos, à discussão do currículo e daavaliação. Porém, ao mesmo tempo em que se cobra do professor o seuenvolvimento nessas questões, retira-se dele a autonomia e a capacidadepara decidir questões mais amplas, que vão além da escolha dos conteú-dos e das formas de se trabalhar esse conteúdo. Mas, é preciso ter umavisão otimista, porém madura, de que o professor pode fazer a diferença,como revelam Shiroma et al.

No contexto das práticas, os educadores são influen-ciados pelos discursos da política, contudo, a leituradiferenciada dos mesmos pode conduzir aconsequências não previstas pelos reformadores e le-var a implicações práticas diferentes (2005, p. 434).

Quando as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC)invadem a escola, acentua-se o movimento ideológico de flexibilização eprecarização do trabalho docente. Esse movimento de flexibilização su-gere formas mais flexíveis de organização e gestão do trabalho (OLIVEIRA,2004, p. 1.139) e os trabalhadores precisam se adaptar às situações novasinerentes ao movimento. Isso acarreta numa intensa exploração do traba-

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lhador, que deverá sempre buscar uma qualificação por conta própria,pois, muitas vezes, não recebeu formação para as novas exigências. Aculpa do insucesso e da inadaptabilidade do trabalhador, nesta nova lógi-ca capitalista, recai de maneira perversa sobre ele próprio, que não foicapaz de acompanhar as mudanças ocorridas no seu tempo. Infelizmente,é preciso reconhecer que o discurso dominante sobre o valor da educaçãona sociedade, na atualidade, vem impregnado de interesses escusos, ondenão há, em primeira instância, a preocupação com a causa da cidadania.Afinal, a educação é útil à competitividade globalizada, conforme alertaDemo (2002, p. 92).

Reparem que todas essas questões da realidade estão imbricadase não devem ser analisadas fora do contexto sócio-econômico atual. Vi-mos que o trabalhador docente se sente obrigado a responder às novasexigências pedagógicas e administrativas da escola, superando insegu-ranças e dificuldades e se sujeitando às condições precárias de trabalho.No campo empresarial, surge o discurso da qualidade, a escola passa a serchamada de empresa, os professores, de funcionários e os alunos, declientes. É o sistema educacional se ajustando às necessidades do setorempresarial, aos grupos dominantes. Os professores recebem treinamen-to, se “reciclam”, passam a ter uma “formação continuada”, porém, dequalidade cada vez mais duvidosa. Nessa caminhada, “o conhecimento é amercadoria, o aluno e as famílias são clientes, os mestres são bons vende-dores, e os diretores bons gestores dessa venda chamada escola” (ARROYO,2000, p. 157).

Com as TIC, o trabalho pedagógico é reestruturado e surge umnovo paradigma educacional, posicionando as tecnologias no lugar dossujeitos. O computador com seus efeitos multimídia, e não mais o profes-sor, ocupa a posição do sujeito, capaz de desenvolver ações estratégicasde ensino. O professor nesse movimento fica cada vez mais desvaloriza-do, ocupando o lugar de monitor, gerenciador e regulador das atividadesdiscentes. Ele passa a ser um mero instrumento, monitorado pelas TIC,passando a ser designado como facilitador, animador, tutor. É o processode precarização do trabalhador docente, que mesmo sem ter formaçãoadequada para trabalhar com as TIC, deve se adequar ao seu novo papel.Para minimizar as resistências ao uso das TIC, chavões como “plugados ouperdidos” são criados. O trabalhador docente que não se ajusta e não seadapta rapidamente às mudanças tecnológicas, fica taxado de “perdido”,“ultrapassado” ou “desqualificado”.

Nesta lógica, o professor é visto como tecnologia cara e poucoeficiente. Discursos como: “quanto maior a presença da tecnologia, me-nor a necessidade do trabalhador humano” e/ou “os alunos precisam mais

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dos materiais utilizados na sua formação, do que dos professores”, sãoideologicamente propagados para desvalorizar cada vez mais o trabalhodocente e contribuir para a desprofissionalização do professor.

Para Rodrigues (2002, p. 71), “a tendência para adesprofissionalização assenta naquilo que se pode chamar mecanismosde desqualificação de conhecimentos e saberes, seja para os consumido-res, o público em geral, os computadores ou os manuais”. Na medida emque se pretende abalar o monopólio docente na transmissão do conheci-mento, alegando que o conhecimento que a escola transmite estádesatualizado, estando as informações atualizadas disponíveis via Internete que o aluno deverá buscá-las por meio dos materiais auto-instrucionais,não só o trabalho do professor está sendo esvaziado, como a escola estásendo desterritorializada. Apoiado nos discursos de que a escola não vemacompanhando as rápidas transformações científico-tecnológicas, surgemalternativas e propostas de educação acadêmica, educação corporativa ede uma sociedade sem escola. Compactuamos com Freire (1996, p. 33), aoconsiderar que “transformar a experiência educativa em puro treinamen-to técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano noexercício educativo: o seu caráter formador”.

Segundo Barreto (2004, p. 1191), as propostas de utilização dasTIC são distintas nos países do Sul (países periféricos, em desenvolvimen-to) e do Norte (países centrais). Enquanto nos países desenvolvidos elasrepresentam estratégias de substituição tecnológica, nos países em de-senvolvimento, a ênfase é dada na formação de professores à distância(EAD), onde ocorre uma certificação em massa. Os professores não estãosendo propriamente formados, mas treinados para desempenharem aatividade de transmissão de conhecimentos, por meio dos modernos equi-pamentos de comunicação, que se tornaram mais atraentes e eficazes, namedida em que atingem a massa facilmente. Partilhamos dos argumentosde Pedro Demo, quando ele aponta que o processo ensino-aprendizagemé algo mais amplo, e que:

Ofertas de teleducação apressam-se em facilitar ascoisas, esquecendo que aprender é fenômeno bem di-ferente daquele de transmitir informação. Enfeitar aaula não muda nada, mesmo com toda a parafernáliaeletrônica. E continuamos todos dando aula, aquelade sempre, numa roda-viva de repetição constante, paraque tudo fique como dantes, em nome da inovação. Omundo avançado usa, sem pudor, conhecimento paradinamizar o mercado, inovando para o mercado(DEMO, 2002, p. 14).

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O trabalhador docente deve estar atento às consequências domovimento de virtualização do ensino, pois, segundo Barreto (2004, p.1.196), é quebrada a unidade ensino-aprendizagem, acreditando na apren-dizagem sem ensino, onde o aluno é auto-suficiente, autodidata. Surgemvários cursos de modalidade EAD que, em função da formação simplificadae da pequena duração, podemos inferir que não são satisfatórias.

As simplificações e os deslocamentos que têm carac-terizado as propostas oficiais de EAD expressam o es-vaziamento da formação de professores,progressivamente deslocada para a “capacitação emserviço” ou até mesmo “reciclagem”, visto que a forma-ção inicial “presencial” não conta com o financiamen-to internacional alocado nas TIC para a EAD, nãogarantindo sequer o direito de acesso às tecnologias(BARRETO, 2004, p. 1.191).

Podemos perceber, no trecho acima, como a educação se tornoualvo de interesses financeiros, políticos e ideológicos. O esvaziamento daformação dos professores, segundo Barreto (2004, p. 1.191), tem sido mar-cado por pelo menos duas cisões. A primeira, diz respeito à dicotomizaçãoformação inicial - formação continuada. A formação inicial estágradativamente desaparecendo e a formação continuada se caracterizan-do como capacitação, treinamento. Para a autora, a segunda cisãocorresponde à modalidade presencial - à distância.

Na modalidade presencial, o ensino tem sido dissociado da pes-quisa, rompendo com o modelo europeu de universidade, onde ensino-pesquisa-extensão eram indissociáveis. O professor não é formado maiscomo um profissional capaz de produzir conhecimento, indagar, duvidar,e ter a pesquisa como atitude cotidiana. Demo (2002, p. 56) alerta que “omodismo só se estabelece onde a capacidade de questionamento é medí-ocre. É aceito por falta de postura elaborada e sobretudo de projeto pró-prio”. É necessário ver o mundo criticamente, sendo capaz de reconstruí-lopelo questionamento permanente. “Questionar significa desconstruir,desfazer, desmanchar – quer dizer, olhar pela face negativa, como todacrítica” (DEMO, 2002, p. 68).

Sobre a formação à distância, Barreto (2004, p. 1.192) alertapara as simplificações que são feitas como a mera transposição de aulaspara os meios informatizados, caracterizando-se como telensino, haven-do uma redução das tecnologias às ferramentas de ensino à distância, semuma reflexão adequada sobre os modos da sua apropriação na formação e

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trabalho docentes.Sobre a formação do docente, Giroux e Mclaren (2002, p. 127)

argumentam que “as escolas de formação de docentes necessitam serreconcebidas [...] na medida em que estão perniciosamente destituídasnão só de consciência social, mas também de sensibilidade social”. Depouco vale mudar o atrelamento da educação ao mercado por outro volta-do para teorias, ideologias e modismos. A educação precisa, entre outrascoisas, libertar-se disso, como comenta Demo (2002, p. 57). Os futurosprofessores precisam ser educados como intelectuais críticos, eles devemaprender a ver e entender o mundo para intervir. Porém, cabe ressaltarque, aos organismos internacionais, não interessa a formação dos docen-tes para atuarem como intelectuais orgânicos, autônomos, mas para atua-rem como técnicos, cada vez mais alienados e desprestigiados. Talvezporque percebam a importância que a escola e o professor têm para aemancipação dos sujeitos. Nesse sentido, Demo (2002, p. 27) afirma que“o sistema não teme pobre que tem fome; teme pobre que sabe pensar;para saber pensar, entretanto, há que virar a escola pelo avesso, começan-do pelo professor”. O papel da escola deve ser repensado.

Para Gramsci (1978), o papel da escola era o de formar os intelec-tuais que iriam organizar e formar uma nova cultura, com o objetivo decontribuir com o processo de criação de uma contra-hegemonia, ahegemonia dominante. Gramsci considerava a importância do trabalha-dor docente fundamental nesse processo de libertação. O professor deveser um intelectual orgânico, um guia amigável, que vai difundir a concep-ção revolucionária de mundo entre as classes subalternas.

Gramsci (1978) rompe com a idéia de que a escola está reservadaa função exclusiva de reproduzir desigualdades sociais e inaugura umavisão mais otimista e, ao mesmo tempo, de maior responsabilidade eimportância da escola, que passa a ser um lugar de transformação. Segun-do o autor, a educação significava muito mais do que instrução escolar. Eledefendia o que se poderia chamar de concepção ativa ou ativista de edu-cação. Mas, atualmente, verificamos um movimento contrário nas políti-cas de educação. Segundo Barreto (2004, p. 1.189), o discurso do MEC operaduas inversões. A primeira substitui a lógica da construção e produção doconhecimento pela da circulação, acreditando que o acesso ao saber uni-versal é mais importante que a construção dos saberes. E a segunda inver-são, está na substituição da lógica do trabalho pela da comunicação,considerando que o importante é fazer o conhecimento, já existente, cir-cular e que todas as escolas estejam equipadas com as TIC.

Concordamos com os argumentos de Demo (2000, p. 10), de que“é loucura reduzir a escola a uma mera transmissão de conhecimento co-

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piado, porque fabricamos um povo subalterno, conservando-o massa demanobra nas mãos do neoliberalismo [...]”. Mas, não adianta a escola seequipar de computadores e televisores e o professor continuar transmi-tindo conteúdos, agora informatizados, sem uma postura crítica, servindopara perpetuação das desigualdades sociais, e para os interessesmercadológicos. A educação não deve ser tratada como mercadoria, eladeve possibilitar conscientização para emancipação dos sujeitos, comoforma de intervenção no mundo. O professor, nesse sentido, tem um pa-pel importantíssimo e deverá estar atento às questões políticas e ideoló-gicas que perpassam os discursos que são propagados no meio educacional.Pois, como ressalta Paulo Freire no pensamento abaixo:

Se a possibilidade de reflexão sobre si, sobre seu estarno mundo, associada indiscutivelmente à sua açãosobre o mundo, não existe no ser, seu estar no mundose reduz a um não poder transpor os limites que lhesão impostos pelo próprio mundo, do que resulta queeste ser não é capaz de compromisso. É um ser imersono mundo, no seu estar, adaptado a ele e sem ter deleconsciência [...] (FREIRE, 1999, p. 16).

O trabalho dignifica o homem e o trabalhador docente deve res-gatar a sua dignidade, o seu espaço como profissional da educação, comoprodutor de cultura, como intelectual, priorizando o seu lado humano,político, crítico. Para Gramsci (1978), o que caracteriza o trabalho comohumanizante, não é o seu caráter industrial ou artesanal, mas o lugar queo trabalhador ocupa na organização do processo de produção. Não é o fatode desempenhar uma função considerada técnica que torna o trabalhoalienante, mas o fato de, enquanto classe social, o trabalhador estar alijadodos processos decisórios a respeito da produção. De acordo com Antunes(1999, p. 145), pelo trabalho, o ser social produz-se a si mesmo como gêne-ro humano: pelo processo de autoatividade e autocontrole, o ser socialsalta da sua origem natural baseada nos instintos para uma produção ereprodução de si como gênero humano, dotado de autocontrole consci-ente, caminho imprescindível para a realização da liberdade.

O docente deve buscar, em seu ambiente de trabalho, a autono-mia necessária para inovar, desconstruir/construir novas práticas e man-ter-se atento, com uma postura crítica frente aos modismos, aos discursose interesses que são propagados nas políticas educacionais, lutando con-tra as dominações de toda espécie, valorizando-se enquanto cidadão eprofissional da educação. Educação, esta mola propulsora da transforma-ção social. Neste sentido, reforçamos o pensamento de Mochcovitch (2001,

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p. 41) quando afirma que “qualquer processo de transformação da consci-ência passa forçosamente pelo senso comum criticado e pelo bom sensoelaborado.”Considerações Finais

Pretendemos neste estudo refletir sobre o movimento dereconfiguração do trabalho docente frente às mudanças tecnológicas eeducacionais ocorridas com o advento da globalização. Buscamos ressal-tar a estreita relação entre o trabalhador, a economia e os interesses domercado de trabalho, bem como alertar sobre as ideologias implícitas eperigosas que são incorporadas ao campo educacional, a exemplo dasvantagens propagadas pelas TIC.

Não queremos negar que existem vantagens no uso das TIC, po-rém não devemos acreditar no seu poder miraculoso ou nos fascinar coma atratividade dos meios de comunicação e artefatos tecnológicos, semuma postura crítica sobre os processos de desterritorialização da escola ede flexibilização e precarização do trabalhador docente provocados pelaonda tecnológica que invade a educação.

O desafio do trabalhador docente será superar as ideologias do-minantes, a visão neoliberal da vida e do mercado, buscando emancipar-se. Lutar contra o movimento de enfraquecimento dos professores,buscando a importância histórica e social da escola. Estar ciente dos meca-nismos de manipulação implícitos nos discursos contemporâneos, na re-tórica presente nas reformas educacionais, para não se submeter a elesde maneira inocente e passiva. Enfim, defender que a tarefa da educaçãoé muito mais ampla do que preparar o indivíduo para o mercado de traba-lho de maneira alienada, priorizando o lado funcional e técnico. A educa-ção também deve se preocupar com a dimensão política e com osprofissionais da educação, com a busca pela emancipação dos sujeitospara exercerem uma cidadania plena, consciente e atuante.

ReferênciasACORDO da OMC mercantiliza a educação. Ciência e Cultura, v. 55, n. 2, p. 20-20,abr/jun, 2003.ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.ARROYO, M. G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis-RJ: Vozes,2000.BARRETO, R. G. Tecnologia e educação: trabalho e formação docente. Educação eSociedade, Campinas, v. 25, n. 89, p. 1181-1201, set/dez 2004.COUTINHO, C. N.; TEIXEIRA, A. de P. (Orgs.) Ler Gramsci, entender a realidade. Riode Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.DEMO, P. Educação e conhecimento: relação necessária, insuficiente e controver-

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Recebido em: 16/02/2009Aprovado em: 18/05/2009

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ÊXITO ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO: UM ESTUDO DE CASO

César Fernando Meurer1

Paulo Fossatti2

RESUMO: No presente trabalho investiga-se o êxito escolar de estudantesde 3º ano do ensino médio de uma escola particular no interior do RioGrande do Sul, Brasil. Caracteriza-se por um estudo de caso, pautado numametodologia em que se utilizou questionário, entrevista semi-estruturadae análise documental. A análise dos dados segue a Análise de Conteúdoproposta por Bardin. Os resultados encontrados para o êxito escolarcentram-se em quatro categorias, a saber: (a) o querer pessoal dos estu-dantes; (b) a cultura institucional com profissionalismo docente; (c) a cul-tura familiar e local e (d) a dinâmica interna do grupo de estudantes.PALAVRAS-CHAVE: êxito escolar, ensino médio, estudo de caso.

ABSTRACT: This essay deals with a research on the schooling achievementof the third grade students of a Private Secondary School in a backcountryof the State Rio Grande do Sul - RS, Brazil. Characteristically it is a casestudy, methodized on the use of a list of questions, semi-structuredinterviews and document analyses. The analyzation of the data was madeaccordingly to Bardin’s proposed Analysis of the Contents. The outcomeshappened upon to explain the schooling efficiency have been centeredon the following four categories: a) the personal volition of the students.b) The institutional culture added to the professionalism of the teachers.c) the culture of the local families, and d) the social, intellectual and moralforces applied by the students themselves.KEYWORDS: schooling achievement, private secondary school, case study.

IntroduçãoNeste trabalho se investiga fatores de êxito escolar dos estu-

dantes do 3º ano do ensino médio do Colégio La Salle Medianeira, no anode 2008. É resultado de um projeto de estudo de experiências bem suce-didas, desenvolvido pela Direção de Educação e Pastoral da Rede La Salle.Objetiva, neste âmbito, contribuir para o diálogo, o entendimento eoperacionalização eficiente e eficaz da proposta educativa lassalista. Oêxito escolar no ensino médio é um tema ainda pouco explorado por pes-

1 Mestre em Educação nas Ciências. E-mail: [email protected] Mestre em Psicologia Social e Institucional. Doutor em Educação. Professor do Unilasalle – Ca-noas – RS. E-mail: [email protected]

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quisadores brasileiros: no banco de dados da Capes não encontramos es-tudo correspondente, apenas similar ao tema e delimitação aqui propos-tos.

O Colégio La Salle Medianeira integra a Rede La Salle3 e funcionaem Cerro Largo, Rio Grande do Sul, Brasil, desde 1935. Seus estudantesparticipam anualmente, da Avaliação de Conhecimentos4 da referida Rede.Nas edições 2007 e 2008, o Colégio conquistou o 1º lugar, no total geral,dentre as 20 escolas de Educação Básica participantes. Nas mesmas edi-ções, a turma do 3º ano do ensino médio obteve o 1º lugar no ranking das15 unidades que oferecem esta modalidade de ensino. Em 2007, a médiageral do 3º ano do La Salle Medianeira foi de 6,92 pontos, enquanto amédia geral do 3º ano das outras escolas da Rede foi de 6,34. Em 2008, 7,65sobre média geral da Rede de 6,21.

O projeto de estudar experiências internas bem-sucedidas paraqualificar os processos educativos remete ao fundador e à tradição lassalistade ensino de qualidade e de resultados. Hengemüle lembra a orientaçãode La Salle aos Irmãos de sua época:

A solução, então, é garantir ensino eficaz e eficiente: estabele-cer metas claras e usar os melhores meios para realizá-las; ensinar deverdade e fazer os alunos realmente progredir, para que eles e seus paisvejam que frequentar a escola não é tempo perdido (HENGEMÜLE, 2007,p. 39).

Na mesma perspectiva, a Proposta Educativa Lassalista afirma:Em nosso processo educativo propomo-nos a ajudar a desenvol-

ver as pessoas a nós confiadas na qualidade de seres conscientes, livres,responsáveis e criativos, justos e solidários, participantes na construçãoda sociedade e abertas ao transcendente (2004, p. 40).

Consoante com os legados do fundador e com os objetivos da

3 Rede La Salle compreende 16 escolas de educação básica, particulares, que atendem aproxima-damente 18 mil estudantes; 12 centros assistenciais de educação formal e informal, que aten-dem aproximadamente 10 mil estudantes; 02 faculdades e 01 Centro Universitário, que atendemaproximadamente 10 mil estudantes. Está presente em 11 estados brasileiros e no Distrito Fede-ral.4 A Comissão de Educação e Pastoral da Província Lassalista de Porto Alegre, em parceria com oCentro Universitário La Salle, desenvolve o projeto denominado “Avaliação de competências ehabilidades dos estudantes do Ensino Fundamental e Médio das escolas da Rede Lassalista”. Oobjetivo geral deste projeto é diagnosticar o nível de desempenho dos alunos em termos decompetências e habilidades em cada componente curricular, visando o aprimoramento e a qua-lificação dos processos de ensino aprendizagem, desde 2006, para estudantes da última sériedos anos iniciais (4ª série), das séries finais (8ª série) e do ensino médio (3º ano) das suas unida-des. Trata-se de uma prova escrita preparada no Unilasalle/Canoas e aplicada conjuntamenteem todo país. Todas as edições realizadas contemplam os componentes curriculares de Matemá-tica, Língua Portuguesa e Redação.

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educação lassalista, compreendemos, neste texto, êxito escolar no ensinomédio como produção e apropriação do conhecimento, através das maisvariadas formas de organização, sendo o estudante sujeito da própriaaprendizagem e assumindo-a de forma livre, autônoma e co-responsável(Cf. PROJETO PEDAGÓGICO, Art. 52, p. 58).

1. Metodologia

Mediante questionário e entrevista semi-estruturada, colhemoso ponto de vista dos estudantes, de seus professores e de seus familiares5

acerca dos elementos que participam do excelente desempenho escolardos estudantes em questão.

A investigação foi conduzida como estudo de caso. Duarte (2005)considera o estudo de caso um método qualitativo, de matriz indutiva,centrado em uma situação descrita com a finalidade de obter novas inter-pretações e perspectivas, novos significados e visões. Para Yin (2001, p.32),

[...] o estudo de caso é uma inquirição empírica queinvestiga um fenômeno contemporâneo dentro de umcontexto da vida real, quando a fronteira entre o fenô-meno e o contexto não é claramente evidente e ondemúltiplas fontes de evidência são citadas.

O corpus do trabalho foi composto (a) por um questionário6 comconvite para devolução espontânea, respondido por 09 (n 30) estudantes,07 (n12) professores e 07 (n 30) familiares. Tal questionário serviu comoparte metodológica preliminar à realização de (b) entrevistas semi-estruturadas7, com pessoas intencionalmente escolhidas nos três segmen-tos: 03 estudantes de reconhecido êxito escolar; 03 respectivos familiarese 03 professores; e (c) por registros baseados em vivência direta com osestudantes, familiares e professores, elaborados por um dos autores des-te trabalho, que ocupa a função de diretor da instituição pesquisada.

Na compreensão da questão investigativa, realizamos carto-

5 Optamos pelos termos “estudante”, “familiar” e “professor” para manter as expressões prefe-ridas na cultura da instituição pesquisada: estudante caracteriza uma postura e uma atitudeinteressada e dedicada; familiar é uma expressão que pode incluir outros familiares além do paiou mãe do estudante; professor designa um estilo profissional que valoriza o domínio do conteú-do, a firmeza e a proximidade com os estudantes.6 O questionário possuía uma única questão: - Discorra sobre os principais fatores de êxito dosestudantes do 3º ano do Colégio La Salle Medianeira.7 As entrevistas foram realizadas individualmente, gravadas em áudio e posteriormente transcri-tas.

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grafia de livros, dissertações e teses com discussões similares ao nossofoco de estudo, já que nenhuma tese ou dissertação encontrada tratou damesma questão em tela.

Analisamos o corpus à luz da Análise de Conteúdo, conformeBardin (1988). Tal estratégia conjuga-se num conjunto de técnicas quepossibilita, por meio de procedimentos sistemáticos de descrição do con-teúdo, a realização de inferências acerca de determinada mensagem(BARDIN, 1988). Em relação aos procedimentos, Bardin apresenta três eta-pas seguidas por nós, pesquisadores:

a) Fase de pré-análise: nesta fase acontece o primeiro contatocom o conteúdo dos questionários e das entrevistas realizadas, objetivandoidentificar e organizar as categorias de análise. Esta organização deu-secom base nas regras apontadas pela autora, a saber: 1º Exaustividade:consideração dos elementos presentes no conteúdo dos questionários eentrevistas; 2º Representatividade: seleção daqueles elementos presen-tes nos conteúdos que são representativos em relação à nossa propostade investigação; 3º Homogeneidade: os conteúdos são agrupados consi-derando-se a estreita relação com a categoria temática e 4º Pertinência:os conteúdos selecionados atendem à adequação, em termos de informa-ção, e correspondem aos objetivos e questões propostos.

b) Fase de exploração: nesta fase de exploração do material,procedemos ao estabelecimento das categorias de análise.

c) Fase de tratamento dos resultados, inferência e interpretaçãodos dados: esta é a fase da análise dos dados no seu todo, inclusive com asinferências dos autores.

2. Resultados

A apresentação e análise das percepções apontam para as se-guintes categorias responsáveis pelo excelente desempenho deste gru-po de estudantes: (a) o querer pessoal dos estudantes; (b) a culturainstitucional com profissionalismo docente; (c) a cultura familiar e local e(d) a dinâmica interna do grupo de estudantes.

2.1 O querer pessoal dos estudantes

Os estudantes descrevem-se como envolvidos intelectual,volitiva, emocional e existencialmente em seus estudos. Definem-se comocomprometidos, interessados, envolvidos, dedicados, concentrados eatentos em sala de aula. Afirmam serem pessoas com vontade de apren-der para se dar bem na vida. Para tal, realizam um tempo expressivo de

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estudo em casa, numa média de 5h diárias, com disciplina e foco nos con-teúdos trabalhados em aula. Dizem-se cientes de que estudo é uma res-ponsabilidade pessoal.

O estudo rege a nossa vida. Não consigo ver uma pes-soa sem estudo como uma pessoa que tenha consciên-cia de resolver um problema mais complexo com umafacilidade maior do que pessoas que estejamdedicadas e corram atrás de seus objetivos (ESTUDAN-TE 2, 2008).

Os professores mencionam o querer pessoal dos estudantes eos percebem como comprometidos, dedicados, com boa autoestima econfiança pessoal, concentrados e interessados nos conteúdos das aulas.“São dedicados e gerenciam pragmaticamente a lista de conteúdos cobra-dos nos processos seletivos. Quer dizer: têm consciência do que sabem eo que precisam buscar” (PROFESSOR 3, 2008).

Tanto familiares como professores e estudantes referem à notó-ria dedicação e persistência destes como fator relevante de sucesso. Afala a seguir é testemunha desta afirmação:

É isso, é só querer e ter vontade de aprender, pois quan-do uma pessoa não quer nada com nada não adiantaalguém exigir, colocar pressão e nem oferecer presen-te, pois a pessoa pode até decorar ali no momento oconteúdo, mas ela não vai ter aprendido. Acho que é sóter vontade e não se contentar com a média (ESTUDAN-TE 3, 2008).

O querer pessoal aparece motivado pela ideia de ser competen-te naquilo que almeja profissionalmente:

Na sua vida, você sabe que se quiser viver bem, sequiser fazer o que gosta, precisará ser bom porque temN pessoas boas nisso. Fazendo o que gosta precisa serbom e para ser bom precisa estudar, para depois serbom na faculdade, para conseguir um estágio ou umemprego bom naquilo que gosta. Se não for bom, já temuma divisão de talvez precisar fazer aquilo que talveznão seja o que você mais gosta e se você não for nadabom, terá que fazer qualquer coisa que aparecer (ES-TUDANTE 1, 2008).

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Em sala de aula, o querer pessoal converte-se em autonomiapara buscar informações complementares ao que é estudado. Nas pala-vras de uma professora entrevistada:

Eles buscam e o professor incentiva, eles vão buscarem jornais, revistas e internet, chegam no dia seguintee dizem: professora eu descobri, encontrei aquela res-posta (PROFESSOR 1, 2008).

O querer pessoal se expressa na atenção permanente à lista deconteúdos dos vestibulares pretendidos:

Uma coisa que sempre me chamou atenção foi que erauma turma que pedia tal conteúdo, acompanhava agrade de vestibulares e testes e perguntava quandoiam trabalhar tal conteúdo (PROFESSOR 2, 2008).

O querer pessoal, enquanto categoria explicativa do sucesso leva-nos à investigação das motivações mais profundas da pessoa. Se “todostemos dentro de nós forças que não conhecemos, até sermos verdadeira-mente desafiados” (SELIGMAN, 2004, p. 27), então a questão parece ser: oque verdadeiramente desafia e motiva estes estudantes? “Em relação àturma, pelo que conheço deles, todos foram muito dedicados e sabiam oque queriam” (FAMILIAR 3, 2008).

Os dados analisados apontam para a definição profissional, queé encarada como uma responsabilidade pessoal8. Familiares e professo-res são fortes influências na insistência da centralidade do estudo para osucesso profissional.

Sabe-se que a sociedade exerce forte influência sobreos tipos de comportamento que cada indivíduo elabo-ra no decorrer de sua existência. Deste modo, pessoascom direção interna têm desempenhos que as caracte-rizam e individualizam, já no caso de indivíduos diri-

8 Possivelmente as aulas de Ensino Religioso contribuíram significativamente para a definiçãoprofissional dos estudantes. Em 2007 e 2008, tais aulas centraram-se em um projeto de estudodo Eneagrama. Nesse período, a turma estudou com grande interesse e proveito todo o conteúdode dois livros: PALMER, Helen. O eneagrama: compreendendo-se a si mesmo e aos outros em suavida.São Paulo: Paulinas, 1993 e CUNHA, Domingos. Que imagem de Deus é você? O eneagramapotencializando a espiritualidade. São Paulo: Paulus, 1998. Além disso, os setores de orientaçãoeducacional e psicologia desenvolveram atividades e orientação profissional.

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gidos para os outros, estes têm outros tipos de com-portamento e de ação (MOSQUERA, 1987, p. 51, grifodo autor).

Os estudantes pesquisados possuem o que Mosquera chama “di-reção interna”: não estudam para agradarem familiares e professores oupara merecer presentes, etc. Enquanto “direção interna”, o querer pesso-al é sentido como investimento na vida e no futuro, na lógica segundo aqual o sucesso depende do preparo e da competência.

Se eles querem ter o futuro que almejam, precisam serpersistentes e colocar em primeiro lugar os estudos elógico que além do estudo eles têm a sua ocupação, oseu trabalho e as suas tarefas de casa que eles tam-bém não podem deixar de fazer (FAMILIAR 2, 2008).

Inferimos que esta lógica é dotada de sentido na percepção dosestudantes, dos familiares e dos professores. Para Frankl (2003), cada in-divíduo precisa satisfazer sua própria vontade de sentido:

A busca do indivíduo por um sentido é a motivaçãoprimária em sua vida, e não uma ‘racionalização se-cundária’ de impulsos instintivos. Esse sentido é ex-clusivo e específico, uma vez que precisa e pode sercumprido somente por aquela determinada pessoa.Somente então esse sentido assume uma importânciaque satisfará a sua própria vontade de sentido (FRANKL,2003, p. 92).

A construção de si é um processo permanente. Identidadeconsubstancia-se com autoimagem e autoestima em um processointerativo que leva a novos níveis reflexivos e comunicacionais(MOSQUERA, 1987, p. 52-53):

Essa construção de si próprio é um processo de forma-ção [...] Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõetroca, experiência, interações sociais, aprendizagens,um sem fim de relações. Ter acesso ao modo como cadapessoa se forma é ter em conta a singularidade da suahistória e, sobretudo o modo singular como age, reagee interage com os seus contextos. Um percurso de vidaé assim um percurso de formação, no sentido em que é

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um processo de formação (MOITA, 2000, p. 114-115).A permanente construção de si, processo pessoal e singular de

formação se expressa em um princípio antropológico:

Centramos nossa ação educativa nesta pessoa e pro-curamos educá-la integralmente. Queremos ajudá-laa desenvolver-se em sua originalidade, acrescida dasexperiências acumuladas da cultura e da realidadeatual (PROJETO PEDAGÓGICO, Art. 14, p. 49).

Vasconcelos (2001) pesquisou o sucesso escolar do universo fe-minino no ensino médio como opção de inserção no universo social. Ana-lisou as mediações entre contexto histórico, produção teórica e o que fazsentido às jovens estudantes para resultar em altos índices nas avalia-ções. Os resultados da pesquisa dessa autora apontam para a imbricaçãode fatores da ordem econômica, social e política que criam e recriam no-vas necessidades e arranjos da educação formal rumo à ascensão social esucesso profissional. Ao falar sobre fracasso ou êxito escolar a autora re-mete-se ao seu aporte teórico:

O enfoque teórico considera que o êxito ou fracassoescolar são produtos da forma como se organizam osistema escolar, o sistema familiar, os padrões cultu-rais e os fenômenos macroestruturais, resultado doprocesso histórico em movimento na sociedade (VAS-CONCELOS, 2001, p. 9).

Os elementos aqui examinados confirmam o querer pessoal, jun-tamente com os outros elementos apontados por Vasconcelos, como con-dição inicial sine qua non para o êxito nos estudos, como veremos a seguir.

2.2 Cultura Institucional com profissionalismo docente

Estudantes, familiares e professores descrevem o Colégio comouma instituição de qualidade diferenciada, que possui e constrói resulta-dos; que oferece estudos adicionais em turno inverso; que dispõe dematerial para pesquisa; que funciona bem no todo e que possui normasbem definidas para garantir o ambiente favorável ao estudo. O colégiotambém é referido como uma instituição de qualidade e tradição; comestrutura e infraestrutura física e pedagógica que atende as necessidadeseducativas; exigente nas regras internas e lugar agradável para se estudar,tendo uma direção próxima e motivadora.

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Neste contexto institucional, os estudantes percebem os pro-fessores como exigentes; com elevado nível de conhecimento; como pro-fissionais qualificados, envolvidos, interessados, dedicados e bempreparados.

Se você tiver um professor bom, irá gostar da matéria,agora se ele não for bom, você vai achar a matériadifícil, chata e não vai prestar atenção na aula, ouseja, a matéria não vai ser boa para você. Acho que ainfluência dos professores é essa, mais que meio ca-minho para você aprender (ESTUDANTE 3, 2008).

Petersen (2008) ao estudar as percepções dos alunos de EnsinoMédio sobre o professor real e ideal, conclui que as características pesso-ais e profissionais do professor real e ideal têm relação direta na qualida-de das relações interpessoais em sala de aula e na escola, no rendimentoescolar, na vida profissional e social como um todo.

Confirmando essa conclusão, constatamos que os próprios pro-fessores percebem a si como pessoas e profissionais exigentes; motiva-dos para buscar bons resultados; orgulhosos do colégio e da suaparticipação nele; dedicados e próximos aos estudantes; competentes ecapazes de escutar os estudantes; preocupados com a própria formaçãocontinuada; eficientes, pontuais, organizados em sala de aula e autoresde metodologias e recursos didáticos próprios. Scheid e Casagrande (2007,p.50) sumarizam tal caracterização inferindo que “o êxito da sala de aulagira em torno da competência e do compromisso do professor consigomesmo ao longo de sua profissão e de sua existência”.

Tais percepções coincidem com o perfil do educador lassalista,descrito no Projeto Pedagógico:

Desenvolvemo-nos no ensinar e educar, através da for-mação permanente, da pesquisa e investigação peda-gógica. Nossa ação educativa é focada naaprendizagem, na apropriação e produção do conhe-cimento e na formação humana e cristã dos educandos(PROJETO PEDAGÓGICO, Art. 61, p. 60).

Na percepção do estudante 1, o professor

[...] tem que falar só o essencial, deixar o resto porconta do aluno, deixar que ele descubra e que ele sintacomo é. Por exemplo, se tiver dúvida, vem aqui e fala

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comigo, mas não ficar dando n exemplos, falar o es-sencial e se o aluno estiver interessado, ele olha e co-pia o que precisar copiar e não ficar obrigando o alunoa colocar tudo no caderno (ESTUDANTE 1, 2008).

No olhar dos estudantes, seus professores são comprometidoscom o elevado grau de exigência; seguros, claros e diretos na transmissãodo conteúdo da sua disciplina; sérios e capazes de interagir para conquis-tar a parceria da turma; cuidadosos e criativos no planejamento das aulase no acompanhamento individual; modelos de disciplina pessoal; exigen-tes para com as tarefas de casa e incentivadores e apoiadores para osprocessos seletivos mais concorridos ao ensino superior.

Isso que eu falei de ligar a matéria o quanto possívelcom o cotidiano para você entender qual a utilidadedaquele conteúdo, mostrar que aquilo é útil, fazer comque os alunos achem a matéria interessante e útil paraaprender. Ser amigo dos alunos é importante. Que namedida do possível o aluno sinta que o professor éacessível de conversar e mostrar sua dúvida (ESTU-DANTE 3, 2008).

Os três segmentos pesquisados creditam parte do sucesso à atu-ação dos docentes, percebidos como bons por serem exigentes, seguros,claros e diretos na explicação do conteúdo:

O professor que pode dizer: é assim porque estou di-zendo que é assim e podem procurar em qualquer lu-gar que verão que é assim! Pode-se perceber isso nosprofessores do nosso colégio: nunca tiveram proble-ma com indisciplina em sala de aula, como por exem-plo, de bagunça (ESTUDANTE 1, 2008).

O profissionalismo docente refere-se também à atenção e in-centivo individuais: “os professores sempre me elogiavam, sempre gosta-vam de mim, me achavam uma garota bastante interessada, muitointeligente e bastante dedicada aos estudos” (ESTUDANTE 2, 2008).

O alto nível de exigência nas avaliações é percebido pelos pro-fessores como fator relevante:

Surpreende-me quando, às vezes, faço uma prova umpouco mais caprichada e eles não vão bem, mas nos

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concursos fora eles são aprovados e se destacam. Derepente é porque puxamos bastante no conteúdo (PRO-FESSOR 1, 2008).

Ao fazerem memória da sua trajetória de estudantes, os profes-sores descrevem-se em contextos exigentes e desafiantes:

Como estudante eu era muito dedicada e tinha muitocompromisso com o que estava fazendo, tinha consci-ência que precisava vencer. Já naquela época eu viaque só meu pai não dava conta e que eu tinha que iradiante (PROFESSOR 1, 2008).

Os referenciais destes professores também são recuperados emsuas falas, como expressa o professor 2:

Um professor meu sempre desafiava dizendo: ninguémvai conseguir tirar tanto nesta prova. E eu me sentiamuito desafiada, então era eu e ele debatendo em salade aula e isso eu achava o máximo (PROFESSOR 2, 2008).

Outro aspecto do profissionalismo docente é a gestão eficientedo tempo de aula para buscar os resultados almejados. A instituiçãopesquisada possui uma matriz curricular semanal de 25 horas/aula para o3º ano do ensino médio. Cientes do pouco tempo, os professores adotama estratégia de priorizar a exposição do conteúdo e o esclarecimento dedúvidas, indicando os trabalhos complementares a serem feitos em casa,de forma sistemática. “Sinto o permanente desafio de dar aulas muitoeficientes devido à baixa carga horária na grade curricular. Eles fazem osexercícios sempre em casa” (PROFESSOR 3, 2008).

É notável que os professores sentem-se bem sucedidos profissi-onalmente. Também aqui encontramos a questão do processo identitário,perpassada pelos fatores tempo e autonomia:

A construção de identidades passa sempre por um pro-cesso complexo graças ao qual cada um se apropriado sentido da sua história pessoal e profissional. É umprocesso que necessita de tempo. Um tempo para refa-zer identidades, para acomodar inovações, para assi-milar mudanças [...] Passa também pela capacidadede exercermos com autonomia a nossa atividade, pelosentimento de que controlamos o nosso trabalho. Amaneira como cada um de nós ensina está diretamen-

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te dependente daquilo que somos como pessoa quan-do exercemos o ensino (NÓVOA, 2000, p. 16, grifo doautor).

Nóvoa ajuda-nos a compreender a segurança que os estudantessentem nos professores. Pessoal e profissional já não são distinguidosquando a intenção é educar pelo exemplo (Cf. PROJETO PEDAGÓGICO,Art. 60, p. 60). Nas palavras de Goodson (2000, p.72), “o estilo de vida doprofessor dentro e fora da escola, as suas identidades e culturas ocultastêm impacto sobre os modelos de ensino e sobre a prática educativa”.

Cerdeira (2008), ao mapear o perfil docente para a compreensãodo sucesso escolar, conclui sobre a importância da articulação ente osdiversos agentes que compõem o universo escolar: escola, alunos, famíliae professores. Sua ênfase recai sobre o perfil de professores bem sucedi-dos, com boa formação, qualificação, vasta experiência e com amadureci-mento pessoal e profissional.

Scheid e Casagrande (2007) relacionam o profissionalismo do-cente do La Salle Medianeira ao conceito escola em pastoral:

Tal conceito implica a compreensão de que a propostapedagógica lassalista possui como intenção uma for-mação integral e integradora dos seres humanos, naqual o educador não é um mero transmissor de conhe-cimentos, mas um formador (p. 45).

Na prática, tal compreensão é reforçada e desenvolvida em umPrograma de Educação Continuada – PEC, que envolve professores e fun-cionários da Instituição pesquisada.

O PEC constitui um espaço privilegiado para a refle-xão e para a partilha da própria prática pedagógica.Os professores que participam dos encontros apre-sentam evidências de um coletivo no sentido propostopor Fleck (1986), pois se percebe um Estilo de Pensa-mento que se vem delineando no grupo. Este Estilo dePensamento reflete-se no direcionamento dos conteú-dos/temas que se têm discutido nos encontros (SCHEID;CASAGRANDE, 2007, p. 51-52).

A consistência teórica e prática do Programa de Educação Conti-nuada do La Salle Medianeira é referência obrigatória para ilustrar oprofissionalismo docente aqui tematizado.

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2.3. A cultura familiar e localBoa parte dos estudantes é oriunda de famílias de cultura

germânica, que acentua valores como: estudo, determinação, persistên-cia, compromisso pessoal, dentre outros.

Meus dois filhos entraram para o colégio sabendo lere escrever e aprenderam porque nós líamos historinhaspara eles e eles mesmos queriam ler estas historinhas,então observavam quando a gente lia e começaram ajuntar as letras e aprender (FAMILIAR 1, 2008).

Os familiares falam de si como apoiadores exigentes dos filhos;que incentivam utilizando seu tempo e recursos; que se consideram satis-feitos com o investimento em educação e apoiadores dos projetos dosfilhos.

Uma coisa que sempre incentivei foi: eles a procurarfazer aquilo que eles gostam e se aprofundar nissoapostando aí. Se vocês querem estudar, então vão estu-dando e fazendo opções na vida, afinal se você querestudar precisa excluir outras coisas (FAMILIAR 1,2008).

Os resultados indicam que a cultura das famílias pesquisadas érelevante no entendimento dos fatores de sucesso dos estudantes. Paraestas famílias, num clima de competitividade de mercado, não basta serbom – precisa ser ‘o melhor’:

Ser bom não é o suficiente, tem que tentar ser o melhor,porque se não for o melhor, as chances são mínimasna vida, então se esforça naquilo que você quer ser navida (FAMILIAR 1, 2008).

Os estudantes reconhecem-se em um ambiente familiar queprivilegia explicitamente a dedicação aos estudos:

O que fez a diferença para mim foi a cultura de família:sempre tive apoio para estudar, se precisava umtempinho para estudar, isso estava sempre em primei-ro lugar, nunca tinha que deixar de estudar para fazerqualquer outra coisa (ESTUDANTE 1, 2008).

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Faz parte da cultura local orientar e encorajar os filhos a batalharpor suas preferências, com altos níveis de exigência e com uma hierarquiade valores que prioriza o conhecimento:

Hoje sou bem mais exigente com meus filhos a respeitodos estudos do que os meus pais foram comigo, o pou-co estudo que eles tinham eles valorizavam (FAMILIAR2, 2008).

Um dia minha irmã disse: eu tenho dinheiro para com-prar um carro ou viajar e eu disse a ela o carro um diavocê pode perder, mas o teu conhecimento nunca iráperder. E é o que eu digo para minha filha, podem metirar tudo na vida, menos o conhecimento e o estudo(FAMILIAR 3, 2008).

Em sentido pragmático, a cultura das famílias valoriza o saberfazer, a força da determinação e a economia:

Eu brinco com a mãe que ela é meu espelho de queroter mais, porque ela recebe o salário e começa: isso épara pagar o colégio, isso para pagar aquilo e eu digopara ela que não quero ter que fazer isso, eu quero terdinheiro para pagar todas as contas e sobrar bastan-te. Eu não quero precisar separar dinheiro (ESTUDANTE3, 2008).

A família tem característica de apoio e suporte para a realizaçãodos objetivos de seus filhos:

O incentivo dado por nós a eles é em mostrar que oestudo faz a vida deles, porque vendo colegas meus deantigamente, não vou dizer que a nossa vida é fácil,pois é difícil como professora, mas eu vejo que na par-te financeira ainda conseguimos ajudar os filhos, pornós termos sido persistentes naquilo que queríamos(FAMILIAR 2, 2008).

Aquino (2008), ao analisar o efeito da família sobre o desempe-nho educacional da criança no ensino fundamental brasileiro, deu ênfaseà participação materna no mercado de trabalho sobre o desempenhoeducativo da criança e o papel da família no auxílio às atividades escola-

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res. Os resultados apontaram para a relevância dos dois fatores na vidaeducacional da criança: o impacto negativo em função da participaçãomaterna no mercado de trabalho e o impacto positivo no auxílio da famíliana realização das atividades escolares e outras intervenções familiares.

Em relação às conclusões de Aquino, nossos dados apontam parauma cultura familiar que relaciona fortemente estudo e trabalho: êxito noestudo significa posterior êxito na profissão. Acerca da realização das ati-vidades escolares, verificamos que a postura das famílias é proporcionartempo, insistir na responsabilidade pessoal e cobrar resultados. Não apa-receram referências ao auxílio de familiar ou professor particular para arealização das tarefas escolares.

2. 4 A dinâmica interna do grupo de estudantes

Além das categorias supracitadas nos detemos, por fim, nos pro-cessos de identificação grupal destes estudantes. O “sentimento coleti-vo” cria uma identidade singular para um grupo, em seus discursos epráticas (BARBALHO, 2008). No caso estudado, a identificação grupal ca-racteriza-se em: pontualidade, organização, autonomia, respeito, alegriae competitividade por nota.

A pontualidade e assiduidade estão nas pouquíssimas ausênci-as, sempre justificadas. A maioria chegava cedo, alguns mais de 15 minu-tos antes do início da aula, e saía sem pressa.

A organização mostra sua face no envolvimento ativo em diver-sas atividades extraclasse, tais como grupo de jovens, gincana, semana doestudante e celebrações. A título de exemplo, como turma, organizaram erealizaram com absoluto sucesso um torneio de futsal com mais de 40equipes participantes.

A autonomia esteve presente no ato de decidirem, no início doano letivo, sem influência de professor, que assuntos ligados à formaturaseriam todos tratados fora do horário de aula. Desse modo, almoçaramjuntos na área coberta do colégio (salsichão com pão e refrigerante) emmeio a debates “intermináveis” sobre a camiseta da turma, o local daformatura, o cardápio, os preços, detalhes do convite, etc.

O respeito entre seus pares e com os professores sempre pautoua turma. Não houve, durante todo ano letivo de 2008, intervenção da coor-denação de turno ou direção para mediar desentendimentos ou desres-peitos.

A característica da alegria na maioria das vezes foi marca da tur-ma. Eram vistos como estudantes leves, sorridentes, não se separavamnos intervalos, cantavam juntos em sala de aula.

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A competição por nota era regular e envolvia a maioria dos estu-dantes. Tão importante quanto saber a própria nota era saber a nota dosoutros. Curiosamente, em cada disciplina uma pessoa diferente era tidacomo a melhor em notas.

3. Considerações finais

Investigamos uma escola particular do interior do Rio Grande doSul e concluímos que as categorias que explicam o êxito escolar do casoestudado são: (a) o querer pessoal dos estudantes; (b) a culturainstitucional com profissionalismo docente; (c) a cultura familiar e local e(d) a dinâmica interna do grupo de estudantes. O que podemos considerara partir do recorte dessas categorias?

Cremos que esse conjunto é a resultante do sucesso destes es-tudantes. Não podemos incorrer no erro de atribuir a uma ou outra cate-goria atenção diferenciada. Nosso estudo sobre uma experiência deeducação formal bem sucedida requer e aponta para a integração do con-junto das categorias enunciadas.

As análises e inferências apresentadas não podem ser tomadascomo modelo ou receita. Cumprem seu objetivo na medida em que con-tribuem para o diálogo, o entendimento e operacionalização eficiente eeficaz da proposta educativa lassalista em contextos diversos. Podem serlidas como saudável provocação para que educadores, instituiçãoeducativa, família e estudantes discutam as variáveis intervenientes dosêxitos e fracassos escolares.

Outra questão de relevo é o conceito de êxito ou bom desempe-nho escolar, acima anunciado como produção e apropriação do conheci-mento, através das mais variadas formas de organização, sendo oestudante sujeito da própria aprendizagem e assumindo-a de forma livre,autônoma e corresponsável (Cf. PROJETO PEDAGÓGICO, Art. 52, p. 58).Para nossos entrevistados, a tônica recai sobre um resultado objetivo ex-presso em notas escolares e em aprovação em processos seletivos para aeducação superior, especialmente das Universidades Federais do Sul doBrasil, como bem expressa o estudante 1:

O que caracteriza um bom desempenho? É aquela ve-lha história, você está acostumado ao difícil, o difícil ésó o normal para você. Se passar a vida inteira fazen-do coisas fáceis, chega na hora de um vestibular ouuma prova, aquilo ali é uma coisa difícil, aí está tudoperdido. Se desde o 1º ano você só faz provas de vesti-

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bulares ou mais difíceis, ficará fácil e o que você con-segue tirar na nota do colégio, consegue tirar em ou-tros lugares. Esse é o grande mérito do Medianeira,espero que nunca baixe o nível, o aluno que aprovaaqui, tem que aprovar numa federal. Não adianta ter70% da turma passando por média, dar os parabéns eos caras irem lá e metade não passar no vestibular dafederal (ESTUDANTE 1, 2008).

Apesar de toda a aprendizagem do êxito aqui anunciado, conti-nuamos a nos perguntar: o conceito de sucesso escolar assumido nestetrabalho contempla o todo da proposta educativa lassalista e os valoresdas famílias atendidas? O que eu, leitor (educador, estudante, familiar)entendo por sucesso escolar? Qual é o conceito de êxito escolar que bus-camos para nossos estudantes e para a comunidade educativa em geral?9

Registramos, com insistência, a participação das categoriasevocadas pela pesquisa como fatores centrais para o êxito escolar e oêxito na vida. Somos sabedores da importância de termos políticasinstitucionais claras, que busquem resultados em humanização e exce-lência acadêmica. Soma-se a isto o profissionalismo docente em processode formação integral e integradora continuada.

A participação da família nos processos educativos continua sen-do o grande desafio na educação brasileira e ao mesmo tempo a grandeesperança para melhorar nossos índices de desempenho.

Por fim, não menos importante, o querer da pessoa é funda-mental para dar alma e transformar o comprometimento com os estudosem grande meta presente no projeto de vida de tantos jovens quantosnossos sonhos e esperanças por uma sociedade melhor. O caminho paraessa transformação também passa pela qualidade da proposta educativaoferecida a estes jovens.

O Colégio La Salle Medianeira apresenta um processo educativosignificativo e inspirador para outras escolas que trabalham arduamentepara dar um rumo a uma educação de qualidade que contabiliza efetivosresultados. Não copiemos modelos, eles são únicos, irrepetíveis. Contu-do, cabe a cada segmento envolvido em processos educativos assumir odesafio por uma nova educação e construir novas experiências exitosasdignas de serem escritas na história e na vida de nossos estudantes. Nestepercurso, interrogações se fazem presentes como balizas na caminhada:quais são as variáveis intervenientes para o sucesso escolar no contextoem que eu, você, nós trabalhamos? Como podemos escrever nossa histó-ria de sucesso escolar?

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Recebido em: 23/03/2009Aprovado em: 03/08/2009

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INOVAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO ENSINO SUPERIOR

Maria de Lurdes Cró1

RESUMO: Partindo da constatação de que os sistemas educativos, quer dealguns países da Europa, quer doutros países, tal como os USA, AméricaLatina e outros têm revelado resultados, pouco menos que alarmantes,no que concerne à literacia em matemática e à literacia em leitura e cien-tífica, o presente trabalho pretende reflectir sobre um dos factores (cons-cientes de que há uma multiplicidade de outros) que poderá ser explicativode um tal fenómeno de insucesso dos alunos e abandono escolar: Comoestá a ser realizada a formação de professores nas instituições de ensinosuperior; como poderia ser desenvolvida, tendo como perspectiva umaEducação que promova, quer a auto-formação, quer a construção do co-nhecimento pedagógico, isto é, que desenvolva determinadas compe-tências no aluno, futuro professor, que lhe permitam desempenhar a suaprofissionalidade docente com convicção, eficácia e bem-estar.PALAVRAS-CHAVE: inovação, formação de professores, ensino superior,construção do conhecimento pedagógico, programa de formação.

ABSTRACT: Considering the somehow worrying results we have beingobserving about the Education Systems in some countries either in Europeor, for example, in the U.S.A. or in Latin America or in some others countriesconcerning Maths, Reading and Scientific literacy, this work wants toemphasize one factor (being aware that there are many others ) that mayexplain such a reality _ pupils learning failure and school abandoning: Theway teaching formation is being developed at College; the way it could bedeveloped, considering Education may promote self-formation as muchas pedagogic knowledge construction, this is, it may develop certainabilities in the students, teachers to be, that they may teach with a convictspirit, efficiency and pleasure. KEYWORDS: innovation, teacher formation, higher education, pedagogicknowledge construction, formation programme.

1. IntroduçãoA imagem do professor como pessoa que corresponde a um de-

terminado papel, isto é encarregado de educar/ensinar, de formar, deorientar, continua ambivalente na nossa sociedade. Para uns, o papel do

1 Professora Coordenadora c/ Agregação–Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico deCoimbra. E-mail: [email protected]

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professor não mudou porque a função permanece idêntica a ela mesma(educação, formação, orientação); para outros, se a função geral perma-nece, na prática, o papel mudou, em função das exigências actuais dasociedade e, portanto, das tarefas a realizar. É finalmente em relação auma determinada perspectiva do papel do professor/educador que sepoderão distinguir alternativas na caracterização do “bom educador” eassim determinar as condições da sua avaliação: as características da suapersonalidade, as competência (de ordem diversa), os estilos de ensinar,tudo isto subjacente à definição de uma função concebida na perspectivade objectivos a desenvolver e que é necessário especificar.

A ténue relação, frequentemente duvidosa ainda, entre os tra-ços de personalidade do professor e a sua produtividade profissional veiosuscitar o questionamento da própria concepção de educação ou de inter-venção pedagógica, que servia de base teórica a este género de estudos.

À caracterização do bom educador pelos traços de personalida-de, substituiu-se, a do treino das competências.

Estas levam-nos a pensar espontaneamente em atitudes,construídas sob medida, se assim nos podemos expressar, que permitiri-am ao educador intervir de forma adequada, em relação aos objectivos daeducação, de forma tão eficaz e completa quanto possível. Tendo em con-ta a diversidade das disciplinas, dos níveis, das situações físicas e cultu-rais... que tipo de competências devemos encarar para caracterizar osprofessores/educadores e, portanto, fazer a sua avaliação?

Caracterizar o bom professor/educador, avaliá-lo, supõe a per-cepção duma relação, na qual temos de situar o professor.

2. O processo ensino/aprendizagem

Uma análise do processo ensino/aprendizagem revelaria ao ob-servador que o professor/educador é também um elemento dum siste-ma: o professor vive uma relação interpessoal com os alunos, os colegas,os superiores, com quem tem contactos ou troca experiências muito es-pecíficas; vive também uma relação com o contexto, isto é, com o meio:instituição escolar, sistema adoptado, enquadramento social e cultural.Assim, pois, para além destes princípios, o bom profissional não pode serdefinido no absoluto. É no seio duma relação pedagógica que se identifi-carão os critérios da eficácia do educador e é no concreto das situaçõesque se encontrarão os sinais particulares ou comportamentos que perten-cem ás diversas categorias de variáveis significativas ou pertinentes, apartir das quais se pode proceder a uma verdadeira avaliação.

Face a uma concepção estática da formação de professores exis-

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te uma outra, mais dinâmica, baseada na construção racional da aptidão,da capacidade, da competência. “Efectivamente numa sociedade em mu-dança como a nossa, a dinâmica de formação dos professores tem que seroutra, que lhes permita adaptarem-se às mudanças e mesmo reconverter-se para fazer face ao imprevisto” (TAVARES, 1996, p. 70). Na medida emque o educador é percebido como uma pessoa encarregada de organizar,numa classe, uma situação de relação, em que intervêm os factores empresença, com origem nas inter-relações e interacções no mundo que orodeia (pessoas - contexto pedagógico ...), o papel do professor releva deuma concepção de educação que vê nela uma Ecologia, com tudo o queisso implica.

O conceito de competência na formação dos professores/educa-dores tem sido usado de modo ambíguo e genérico (BORICH, 1979; MEDLEY,1985) e, segundo este último, a competência em sentido estrito pode serreservado aos casos, em que pode ser determinada a relação entre o com-portamento docente, o desempenho do professor e os resultados dosalunos.

De qualquer forma, passando em revista os investigadores quese ocuparam e ocupam deste assunto, verificamos que na última décadase tem dado sobretudo ênfase, na formação dos professores, a temascomo o ensino reflexivo, o prático-reflexivo, a investigação-acção, os pro-fessores/investigadores, a que os formadores de professores aderiram. Euma revisão da Literatura é disso mesmo indicador: Posner (1989); Clift,Houstan e Pugach (1990); Tabachuick e Zeichner (1991); Ashcroft e Grifiths(1989); Mackinnon e Erickson (1988); Russel (1991) etc. etc. “Professor re-flexivo é, no estado actual da formação de professores uma dessas idéi-as... Autores actuais como Schön e Zeichner... tentam explorar modelosde formação de cariz reflexivo” (ALARCÃO, 1996 p. 32). Qual será então ofenómeno social ou outro que está na origem de um tal interesse. É umanova concepção de homem? Tratar-se-á de satisfazer necessidades? Equais? Como refere Patrício: “De que homem vai precisar Portugal no pró-ximo futuro? A organização da educação para o próximo futuro vai serdecisiva, porque a educação é, na integridade, a própria edificação huma-na do homem...” (1993 p. 23). Encontramo-nos, assim, perante novos mo-dos de vida, cujos objectivos permanecem ainda por determinar? Quecontingências sociais, económicas, culturais justificam uma formação es-pecial para professores/educadores? “Quelle formation concevoir pourles enseignants, afin qu’ ils puissent s’adapter avec bonheur auxexigences... En d’autres mots, quelle formation générale pourrait-t-ellepermettre de transcender les particularités?” (BONBOIR, 1989 p. 7).

Alarcão (1996); Alves (1991); Carrilho Ribeiro (1989); Estrela

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(1990); Rodrigues Lopes (1991); Borich (1986); Piper e Houston (1980);Medley (1985); esclarecem o conceito, sobretudo ao nível das implicaçõesde competência do professor. Por outro lado, apesar da controvérsia que anoção gera, fica-nos a ideia de que uma preparação dos professores/edu-cadores, quer em formação inicial, quer em formação contínua e perma-nente, ao longo da sua carreira, é uma tarefa complexa.

Que modalidades de preparação ou de formação serão ade-quadas ao desempenho de tais funções?

Que competências construir? Nesta perspectiva perguntar-se-á: o que é uma competência

e como se constrói? Embora haja alguma dificuldade em definir o conceito, dadas

as inúmeras acepções com que é utilizado, a propósito de várias realida-des, a verdade é que já em 1978, Sundberg [et al.] o definem como sen-do... uma habilidade cognitiva, capacidades interpessoais ou sociais,objectivos para programas educativos..., isto é, uma competência seriaum conjunto de características pessoais que implicam conhecimentos,capacidades e atitudes, que corresponderão a desempenhos na práticaprofissional.

O significado que ora mais interessa é o de “competência emeducação”. Como refere Ralha Simões, (1995 p. 152-155) apoiando-se emEstrela, (1990); Piper e Houston (1980), o conceito é utilizado em educaçãode uma forma generalizada e abusiva e com acepções diferentes. Só nofinal dos anos 60 a palavra aparece ligada à formação de professores. Em1974, Nodlings refere que uma teoria sobre a competência seja aplicada àeducação ou a outro domínio, é sempre uma descrição idealizada da orga-nização mental, subjacente ao conjunto de comportamentos que não seespera encontrar em nenhum indivíduo concreto, mas uma situação ideal.Short (1985) procura clarificar o seu significado identificando quatro con-cepções comuns de competências com diferentes tipos de significações.A primeira refere-se a comportamentos específicos ou desempenhos edeve ser concebida como apreensão ou realização de coisas precisas emensuráveis. Então competência é comportamento.

Em nossa opinião a competência não deve ser encarada comoum comportamento ou um desempenho, como, aliás, foi concebida nadécada de setenta, não podendo reduzir-se a competência a aspectosisolados da personalidade do indivíduo. Estrela (1991, p. 32) atribui aoconceito um sentido mais abrangente e diferente do treino de “Skills”. “Éantes um conjunto de conhecimentos, saberes-fazer e atitudes que sãoindispensáveis para definir o professor competente”.

A ideia actual em favor do movimento de construção das com-

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petências ou da construção do conhecimento pedagógico, abre um longodebate sobre a formação a dar aos futuros professores. Gostaríamos deevocar alguns dos aspectos implicados neste debate, sobretudo no planodos princípios.

Nesta perspectiva, os que preconizam a formação dos profes-sores baseada na construção de competências ou construção do conheci-mento pedagógico evidenciam a necessidade de assegurar o que se podeconsiderar a credibilidade científica do professor/ educador. Nós diríamosa credibilidade profissional do professor, isto é, a credibilidade profissio-nal de uma prática esclarecida pela ciência. De facto o professor não é umcientista. Aproxima-se dele quando aplica um processo científico na suaintervenção educativa, considerando os diversos níveis que fundamen-tam essa credibilidade.

a) nível prático, empírico, validado pelos resultados obtidosna sua ação educativa,

b) nível de inspiração prática: integração dos conhecimentose concepções novas, que resultam da investigação, nas aplicações quoti-dianas da intervenção pedagógica,

c) nível do professor-investigador, na sua própria ação.

3. Objetivos de formação dos professores

Assegurar os valores que o homem hoje procura é um dosobjectivos: jamais o desejo de liberdade e vontade de libertar os sujeitosforam afirmados como hoje, com tanto vigor como nos nossos dias. Atéaqui o homem sentia-se subjugado pela natureza, pela sociedade e assuas pressões. Quanto mais o homem aspira a ser ele próprio num mundoque ele crê ser convidado a construir. ... mais a mudança incessante domeio é aceite como condição indispensável para ele poder afirmar a suapessoa, os seus poderes de exploração, de observação e de construção.

Deve facilitar-se ao professor a tomada de consciência do seuvalor profissional, de lhe fornecer meios e instrumentos de acção e umaformação sempre contínua e continuada.

Esta formação far-se-á em função de tarefas esperadas, diría-mos. Será essencialmente questão de considerar as competências de or-dem diversa que se distinguem da análise das próprias actividades doeducador.

A formação será a mais humana possível, a fim de oferecer àsociedade uma geração de professores/educadores que responda ade-quadamente às expectativas do homem de hoje, donde os seguintes as-pectos:

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a) formação intelectual, pondo a tónica nas competências de or-dem cognitiva

b) formação social, pondo a tónica na aquisição das competênci-as de ordem afectiva, de colaboração, de cooperação e de trabalho emequipa.

c) formação para a auto-formação, pondo a tónica nas qualida-des de organização, de estruturação, de invenção e de criatividade.

Sem dúvida que a formação dos professores/educadores é umaresposta à questão: como educar? Mas para além desta questão há umaoutra: para quê educar? E o papel do professor/educador define-se, en-tão, como sendo aquele que, com todo o seu empenho, toda a sua vonta-de, toda a sua arte e com todas as suas competências, trabalha na realizaçãode um projecto educativo, com a ajuda daqueles que também estão impli-cados e aproveita os recursos materiais, tecnológicos e humanos suscep-tíveis de tornar o processo pedagógico mais eficaz e optimizador. “Trabalhara partir das potencialidades dos aprendentes numa dinâmica de pesquisa,de estudo de reflexão... [é] o caminho a seguir para uma aprendizagem...de excelência” (TAVARES, 1996 p. 48).

O processo ensinar/aprender é complexo e implica que o pro-fessor/educador conheça os seus mecanismos, o funcionamento, osfactores, a fim de que, através de uma acção apropriada possa suscitarmudanças.

Rejeitando a imagem de um professor transmissor passivo deordens vindas de cima, no actual contexto pedagógico, esta deve ser en-tendida como reconhecendo ao professor o direito a uma reorganizaçãodos programas, o direito a um arranjo dos objectivos, tendo em conta assituações reais, vividas num determinado contexto.

4. Que programa de formação

A fim de assegurar a plena eficácia do professor/educador, con-cebida na óptica da relação pedagógica, a formação baseada na construçãode competências propõem-se vários objectivos fundamentais:Formação humana: isto é, individualizada e personalizada. Um programadestinado a individualizar a formação do professor e do educador consis-te, principalmente, em seguir cada aluno-professor, como se ele fosse oúnico a formar, a fim de lhe assegurar uma formação em conformidadecom o seu nível de aquisições, o seu temperamento e as suas aspiraçõesprofissionais.

Um programa personalizado consistirá, além do mais, na inicia-ção do aluno, futuro professor em deter o domínio da sua própria forma-

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ção sob a orientação do formador. Um programa como esse deixa ao estu-dante uma grande margem de iniciativa na aquisição das competênciasrelativas às tarefas de ensino/educação, com intenção manifesta de pro-mover, no futuro professor, o sentido da responsabilidade pessoal na suaprofissão.Formação pluridimensional: reprova-se nalgumas investigações quererpraticar ou favorecer uma formação de professores/educadores frequen-temente unidimensional, fundada nomeadamente no aspecto verbal dainteracção professor-aluno. O programa de formação, baseado na cons-trução de competências, propõe-se cultivar o conjunto das dimensõeshumanas, susceptíveis de influenciar o processo ensino/aprendizagem.Os factores internos e externos, formais e não formais determinam asdimensões interculturais, afectivas e pragmáticas, que serão tidas em con-sideração na formação e preparação do professor e do educador.Formação realista e prática: O programa da formação baseado na constru-ção de competências não se contentará apenas com o sucesso dos alunos,futuros professores, nos cursos teóricos e em determinadas matérias.Implica a aquisição efectiva, pelos futuros professores e educadores decompetências que se devem poder demonstrar no decurso da sua prepa-ração, como ao longo da sua carreira e transponíveis para qualquer siste-ma educativo. Uma formação baseada na construção do conhecimentopedagógico implica, assim, que o novo formador de professores terá tam-bém de construir-se numa confrontação pessoal com os dados da investi-gação teórica e da investigação aplicada, garantindo a seriedade e a solidezdos conhecimentos. Um segundo princípio tem a ver com o clima emotivoque deve caracterizar a relação comunicacional entre as pessoas implicadasno processo ensino/aprendizagem.Formação para os Valores: Se queremos a preparação de professores com-petentes, a educação de jovens orientados para o desabrochar da perso-nalidade e para a realização de si, ao nível do grupo social como ao nívelindividual, então a educação que nós propomos para os professores devefundar-se num humanismo que preconiza a fé em certos valores huma-nos, a que chamamos valores educacionais, que estão acima de qualquerideologia política ou religiosa.

Numa época em que a contestação, de toda uma geração, con-duz à recusa da obediência, à submissão às regras e ao dever decretadopela autoridade, o estatuto dos valores nos programas de formação deprofessores tem interesse em se mostrar mais flexível, adoptando os quesubstituem os valores rejeitados, isto é, centrando-se nos de primeiraimportância. A época actual parece aderir a um sistema de valores pesso-ais ligados ao serviço dos outros, a compreender o outro.

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Maturidade Emocional: se reconhece no professor/educador o papel deactivador do ensino/aprendizagem, será preciso que os processos espon-tâneos sejam liderados por ele, a fim de que as relações autênticas te-nham lugar.A maturidade emocional compreendida no sentido dum rearranjo das re-lações com o meio envolvente (o professor está em relação com os alunosno contexto da aprendizagem) só é possível no âmbito duma comunicaçãointerpessoal que signifique uma presença com duplo polo: presença em sie presença do outro, ou melhor, reconhecimento do outro como manifes-tação humana que é preciso ter em conta. Se o professor se recusa a umacomunicação interpessoal, arrisca a tornar-se num “manipulador” de pes-soas, tendo em conta a sua posição, na relação pedagógica (PICKLE, 1985,p. 75).Aprendizagem da Acção Psicológica: a intervenção do formador em rela-ção ao futuro professor e este junto dos alunos, quer individual quercolectivamente requer:- uma informação sólida sobre as teorias e métodos de abordagem dapersonalidade;- uma iniciação às técnicas psicoterapêuticas, com a finalidade de ajudaros indivíduos em situações de crise (de notar que no mundo global, emque nos movemos, os estudantes recorrem a outros países para completara sua formação ou simplesmente para conhecerem outros sistemas deformação), em que terão necessidade de um conforto moral da parte doformador;- uma iniciação relativamente às teorias e métodos de acção, relacionadoscom fenómenos de grupo (dinâmica de grupos), sendo a classe um peque-no grupo;- uma iniciação ao escutar o outro, à tomada de decisão susceptível deregular os diferendos, os conflitos do grupo, etc.

A ideia central, implícita nos estudos e iniciações diversas e de-sejáveis da preparação do professor, para a acção psicológica, implica odesenvolvimento de relações humanas, que facilitem o advento das mu-danças desejadas nos alunos, quer individualmente, quer em grupo. Opapel do professor competente será proceder de forma a que os alunosatinjam uma maturidade e uma autonomia que os torne capazes de serealizarem eles próprios, de tomar decisões, de gerir os seus problemas ede depender cada vez menos do professor.Formação para e pela Acção: O conhecimento intelectual, a capacidade deestabelecer relações interpessoais, não basta no mecanismo da constru-ção de competências. Concebida como um saber-fazer, a competênciapara educar implica uma aplicação concreta dos conhecimentos e uma

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demonstração das atitudes aceites. Há também uma dimensãocomportamental, que age na competência. O futuro professor deverá pro-var a sua capacidade na actividade de educar.

Devolver à experiência o lugar que merece na aprendi-zagem dos conhecimentos necessários à existência(pessoal, social e profissional) passa pela constataçãode que o sujeito constrói o seu saber activamente aolongo do seu percurso de vida. Ninguém se contentaem receber o saber, como se ele fosse trazido do exteri-or pelos que detêm os seus segredos formais. A noçãode experiência mobiliza uma pedagogia interactiva edialógica [… ](DOMICÉ, 1990, p. 149-150, apud NÓVOA,1992, p.122).

Definir o lugar do professor na obra da educação, tal como ela seapresenta hoje, e tal como ela será dia após dia, implica dizer qual é a suafunção, tendo em conta a evolução das mentalidades e das condições devida e tendo em conta o respectivo lugar dos outros agentes educativos eda importância dada às novas tecnologias da informação e da comunica-ção.

Dizer em que consiste a função do professor num sistema peda-gógico particular (que é preciso analisar desde o pré-escolar ao secundá-rio e ao ensino superior, universitário ou não) é descrever o seu papel,quando se fazem certas opções específicas, quanto à concepção educativa,que fundamentam as diversas intervenções, distinguindo o campo dascompetências, quer se trate duma pedagogia entendida como organiza-ção dum processo e manifestação de condições, com vista à suaoptimização neste processo, quer a pedagogia seja concebida como umaecologia (em, por e para o meio, trocas e interacções no meio tendo comobase o modelo das relações ecológicas ...).

Tudo isto implica escolha de estratégias. Estas escolhas dizemrespeito à definição dos objectivos, à elaboração dum projecto de acçãoou a micro-planificação da intervenção pedagógica, a passagem à acçãoprática, a avaliação dos resultados da acção desenvolvida,

Os professores vêm-se na circunstância de receber informaçõesque são obrigados a interiorizar. Estas informações são-lhes apresentadasem “tranches” entre as quais escolhem livremente ou ao acaso das cir-cunstâncias ou da disponibilidade. Frequentemente, estas “tranches” são“absorvidas” pelos leitores, os auditores ou os “participantes” como enun-ciados isolados, como elementos ou estratégias, que se juntam uma às

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outras, que se é livre de assimilar, não importa por que ordem, pondo-seainda a questão da organização da informação na época de “sobre- infor-mação” em que vivemos, quer em pedagogia, quer noutros domínios.

Sem dúvida, podíamos dirigir à sociedade pedagógica a críticaque faz J. M. Pelt às sociedades modernas que se deixam gerir “em dehorsde tout project finalisé” quaisquer que sejam os valores que essas socie-dades impõem:

Nos sociétès poursuivant, sans le savoir e peut-êtresans le vouloir, des objectifs précis, qu’elles incernentdans les mentalités et sur le terrain. Ces projectsimplicites, téléonomiques, inconscients, en fontd’équivalent des ‘biocenoses’2 naturelles ou dessocietés animales. Malgré les prises de consciencepersonelles, trop souvent encore partielles etfragmentaires, la puissante machine social porsuitobstinément et inconscienement ses fins obscures,résultant de millions d’atitudes individuellesprogrammés et convergents (PELT, 1977, p. 243).

Da passagem citada, retemos a ideia essencial da convergênciade concepções e de práticas, mas esta capacidade é a favor de projectosou finalidades obscuras, implícitas, inconscientes.

Os professores são convidados por via oficial, a empenhar-senum projecto. Este empenhamento significa, em geral, adoptar algumaspráticas, certas estratégias mais ou menos bem descritas. Raramente osprofessores são informados do projecto global e raramente a sua adesãocrítica a este projecto é solicitada. Supõe-se que os professores devamestar ocupados com a acção (que fazer? como fazer?), como é frequente-mente o caso, com efeito. Mas perguntar-se-á se isso não é o resultadoduma certa maneira de ver, de uma concepção abusiva, quanto ao valorabsoluto duma metodologia de intervenção. Intervir de determinadamaneira é frequentemente o convite lançado aos professores para nãodizer que é a “ordem” que lhes é dada.

Então, para nós, a verdadeira formação dos professores devetorná-los capazes de se empenhar num projecto bem definido, responderà questão do porquê, quer este projecto lhes seja proposto, quer sejamconvidados a participar na sua elaboração. Frequentemente, dão-se in-formações em termos de conduta a seguir. Raramente se convida à deci-

2 Conjunto de seres vivos que formam uma comunidade num determinado meio, com o qual estãoem inter-relações.

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são responsável em matéria de acção pedagógica concreta. Pára-se na“receita” [...]. É mais simples [...], mas está longe de ser eficaz no contextoda relatividade que caracteriza o processo educativo. E o que, para nós,não deixa de ser paradoxal, é o facto de formarmos professores que que-remos executantes competentes, que desenvolvam a sua acção de formatão perfeita quanto possível, quase sempre exigida pelos órgãos dirigen-tes; e a estes executantes pedimos para formar educandos capazes deprojectos criadores e de decisão responsável!

Em nossa opinião, a formação inicial, ou o primeiro passo parauma formação contínua, reside numa apresentação da problemática pe-dagógica, com vista à sua interiorização. Apreendidas as finalidades, osmeios serão escolhidos. A iniciação à reflexão relativa ao valor funcionaldos meios, parece-nos constituir o essencial precedendo toda a práticaque, sem isso, se arriscaria ser inorganizada.

Este deveria ser o cuidado dos poderes políticos que têm na suaesfera de competências os sistemas educativos duma nação ou das na-ções. Este deveria ser o cuidado dos formadores e dos cientistas que pu-blicam para os professores/educadores. É o meio de assegurar a constanteadaptabilidade... a que se reclama “criatividade”. Para além da repetiçãode maneiras de fazer, do recurso a métodos ou procedimentos outecnologias existentes, deverá proceder-se à análise dos problemas no-vos postos aos professores, à elaboração de novas soluções.

A iniciação que propomos, parece-nos uma via susceptível deassegurar a transposição de competências, para os casos de situações no-vas. O que não significa negligenciar a formação prática, concreta, paranão parar senão na reflexão; nós queremos simplesmente dizer que odomínio do como é pouco, sem a reflexão e que esta é a única capaz depermitir afrontar a mudança, num como revisto sem cessar e avaliado emfunção do que é esperado.

Os princípios assim formulados deixam uma grande latitude deinterpretação, em função da concepção em curso. Importa assegurar oaspecto operacional dos princípios enunciados, tendo em conta o papelque terá o professor. Assim sendo a sua formação deve ter em conta:a) Conhecimentos- um conjunto de informações, como por exemplo, sobre os modeloseducativos existentes; potencialidade de diversas linguagens; novastecnologias, etc.- conhecer o conteúdo do que se quer transmitir (a disciplina e a suaepistemologia);- conhecimento dos sujeitos a educar (psicologia geral e diferencial, ca-racterísticas e leis do desenvolvimento);

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- conhecimento das leis de aprendizagem;- conhecimento da relação dos sujeitos de diferentes idades, com as apren-dizagens específicas a realizar;- conhecimento das componentes das situações educativas e das leis dassuas interrelações, nomeadamente a nível sócio-afectivo.b) Competências- competências de análise das situações educativas;- competências para planificar a acção, tendo em conta essa análise, eaplicando os conhecimentos teóricos adequados;- competências para pôr o plano em execução e de o concluir avaliando aprogressão e reajustando trajectórias (colectivas ou individuais), modifi-cando as condições do meio, quando isso se justifica.c) Qualidades pessoais- capacidade de comunicação;- capacidade para ouvir e para uma observação empática;- capacidade para aceitação incondicional do aluno, dos colegas, de outrosparceiros com diversas funções;- aptidão para a responsabilidade sem autoritarismo,- flexibilidade; criatividade: visão original dos problemas e das soluções.Por outras palavras a formação implica, pois o saber, o saber - fazer, opoder fazer (competências), o ser pessoal.

Em síntese, na formação de professores/educadores perspecti-va-se uma acção a dois níveis: acção dos formadores de futuros professo-res, ou de formadores em serviço, isto é, formação de pessoas para aintervenção em educação.

Esta formação deve conduzir a uma intervenção optimizadora,quer para os professores, quer para os alunos, pelo que deve ser passívelde uma avaliação rigorosa e objectiva.

Tentámos, de algum modo, fornecer elementos de um projectode formação de professores, numa perspectiva de crítica positiva, eacentuámos as grandes operações que são requeridas ao professor, enca-rando-as numa óptica de “construção de competências”.

De seguida abordaremos outras questões fundamentais, a terem conta, também, na formação de professores.

5. Formação nas teorias e na prática da Avaliação pedagógica

Medir ao nível pedagógico implica a observação do processo en-sinar/aprender, ao mesmo tempo que sugere vias de ajustamento pelamelhoria da acção de ensinar e, por consequência, do rendimento peda-gógico dos alunos. Assim, é ultrapassado o problema espinhoso dos ins-

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trumentos de medida. O que importa para o professor “é encontrar técni-cas variadas e apropriadas que lhe permitam planificar o desenvolvimen-to dos temas a ensinar, de prever os resultados em termos de objectivoscomportamentais, de provocar as mudanças desejadas e de controlar aque-las que estão em vias de aquisição” (CRÓ, 2006, p. 205). A utilização de“instrumentos de medida, pelo professor, integrando a avaliação formativarequer, pois, pelo facto da sua especificidade, uma formação especial dosprofessores, que podem e devem utilizá-los em circunstâncias particula-res de aprendizagem e para fins bem específicos” (CRÓ, 2005, p. 25).

6. Avaliação de uma relação. Avaliação dos alunos e do professor

Se avaliar é uma função do professor em relação ao aluno, essafunção não pode deixar ser, também, uma função do formador, em rela-ção à sua própria acção.

Neste sentido quem fala de avaliação do aluno, fala em avalia-ção do professor também e dos formadores de professores. A avaliaçãodos professores (como as dos seus métodos, dos seus programas...) deve-rá ter as mesmas exigências que avaliação dos alunos. “Parece, pois, que aavaliação é uma operação que inclui os mesmos processos, quer se tratedos alunos, quer se trate dos professores e também formadores de pro-fessores” (CRÓ, 1996, p. 35).

7. Planificação em colaboração

Uma das vertentes essenciais da formação do professor é o sa-ber planificar. Sem dúvida o professor é, talvez, o melhor colocado paraplanificar o desenvolvimento das tarefas, já que dispõe de informaçõesrecentes e directas, relativamente aos alunos, é ele quem conhece asáreas do desenvolvimento ou deveria conhecer, é ele que deve dominaros procedimentos e as técnicas em relação a tal ou tal método. Estes re-cursos permitir-lhe-ão prever, racionalizar a sua intervenção, tendo emvista os objectivos imediatos e longínquos. Assim o professor deve utili-zar as informações sucessivas recolhidas das suas intervenções, a fim deorientar a sua acção, isto é, explicitará os resultados da sua educação, parapôr em questão permanente os progressos realizados pelos alunos, osmétodos em vigor e a sua própria acção.

É uma tarefa árdua. Certamente, demasiado árdua para uma sópessoa. Mas a Escola não conta apenas com um professor/educador e osseus alunos, terá de evoluir para assentar em novas fórmulas de coopera-ção, como a equipa pedagógica, verdadeira comunidade de professores/

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educadores, com qualificações diversas e variadas. “O grupo enquantomediador de crescimento individual, permite o aparecimento de formasde trabalho necessárias ao comportamento e ao desenvolvimento deprojectos...” (ESTRELA,1986 p. 32).

8. Mudança pedagógica

O progresso em educação implica mudança pedagógica, um pôrcontinuamente em causa, uma forma de interrogar os conteúdos da edu-cação, mas ainda, e sobretudo, das concepções, das estruturas, dos méto-dos. A disponibilidade para a mudança é uma das qualidades exigidas aoprofessor, como também ao formador de professores.

Cada vez mais vamos tomando consciência que toda a reformapedagógica deveria começar ao nível dos professores e dos formadoresde professores. Numa crítica cerrada à educação americana, R. J. Fisherenumera uma quantidade de respostas para resolver o problema da criseem educação: programas novos, dispensas acrescidas, novos métodos deensino, financiamento... . A despeito de tudo, a educação americana per-maneceu confusa, rígida e frustrante, justamente, porque “os professoresamericanos não mudaram” (FISHER, 1972, p. 97). Já Montessori (1938, p.41) tinha tido um discurso semelhante: “Pour résoudre le problème del’éducation, le premier pas ne doit être fait vers l’enfant, mais vers l’adulteeducateur”.

9. Conclusão

A investigação pedagógica nascida do movimento a favor de umaformação baseada na construção de competências tende, com efeito, aapreender o processo ensinar-aprender como um todo complexo, ondepodemos descobrir a importância das inter-relações e das interacçõesmúltiplas e variadas entre professores/educadores e alunos, métodos,meio físico, meio psicológico, etc. Deste contexto de relações nasceu umaimagem renovada do ensino/educação. Estes aparecem como agentesprincipais dos ajustes previstos, planificados e racionalizados na sequênciadas decisões que são capazes de justificar. Este novo papel do professor edo educador não pode ser ignorado pelos formadores de professores,nem o seu comportamento abandonado ao acaso das improvisações. Umanova pedagogia da preparação de professores/educadores impõe-se. Estaestá já a ser realizada num grande número de instituições de formaçãonos Estados Unidos, sobretudo, e em certos países da Europa, isto é, umaformação de professores fundada na construção de competências.

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Recebido em: 16/02/2009Aprovado em: 21/08/2009

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PESQUISA PARTICIPANTE: UM RECORTE TEÓRICO ACERCA DA ABORDA-GEM DE PESQUISA E SUAS INFLUÊNCIAS EPISTEMOLÓGICAS

Fábio Mariani1

Ademar de Lima Carvalho2

RESUMO: O presente trabalho objetiva discutir especificamente algunspressupostos históricos, teóricos e epistemológicos referentes à pesqui-sa participante. Inserida no contexto das abordagens qualitativas de pes-quisa nas ciências sociais, a pesquisa surge como uma resposta aosquestionamentos dos cientistas sobre a função social da pesquisa científi-ca, sobretudo, nos meios educativos. Com claro posicionamento políticoem favor dos grupos oprimidos da sociedade, essa modalidade de pesqui-sa traz como premissa norteadora a inserção social da investigação cientí-fica, visando o engajamento no processo de transformação das estruturassociais opressoras.PALAVRAS-CHAVE: pesquisa participante, transformação social.

ABSTRACT: This paper aims to discuss some presupposed specificallyhistorical, theoretical and epistemological referring to the participantresearch. Inserted in the context of the qualitative research approaches insocial sciences, the research comes as an answer to the questions ofscientists about the social function of scientific research, particularly ineducation circles. With clear political position in favor of oppressed groupsin society, this type of research has as a guiding premise the social scientificresearch, to engagement in the process of transformation of oppressivesocial structures.KEYWORDS: research participant, social transformation.

1. IntroduçãoA pesquisa científica, no âmbito acadêmico, tem sido amplamen-

te discutida e questionada, principalmente, no que se refere a sua “utili-dade”, tanto no sentido utilitarista e mercadológico, quanto na sua funçãosocial.

Para que e para quem serve a dinâmica científica? Quem pesqui-sa, e para quem se pesquisa? Toda pesquisa científica se dá no contexto deuma sociedade, mas estará ela, contribuindo para o desenvolvimento jus-to e igualitário desta sociedade? Ou estará servindo aos interesses dedeterminados grupos em detrimento de outros? São estes alguns dos1 Mestrando em educação – PPGE/UFMT. E-mail: [email protected] Professor Doutor – PPGE/UFMT. E-mail: [email protected]

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questionamentos mais recorrentes e que acentuam, entre outros moti-vos, o propósito de se discutir a pesquisa participante, enquanto processoemancipatório da pesquisa educacional.

No contexto da pesquisa educacional, tem-se como referênciahistórica que do início da revolução científica no século XVI aos nossosdias, é inegável a contribuição da ciência no desenvolvimento da socieda-de planetária. São igualmente inegáveis, os avanços e benefícios nos maisvariados setores da sociedade, desde a medicina, a produção de alimen-tos, transportes e comunicação. Mas, a questão que se coloca que consti-tui motivo de sério questionamento, é a das condições de acesso aoconhecimento e bens produzidos historicamente pela humanidade, a partirdas descobertas e inovações científicas. Quem realmente se beneficiados frutos dessa revolução científica?

Ao mesmo tempo em que conseguimos nos comunicar simulta-neamente com todas as regiões do planeta, grande parte da sociedadenão tem acesso sequer à alimentação diária. Grupos humanos são margi-nalizados, subjugados, tendo negada a própria condição de humanidade.

É dentro deste contexto que na década de cinqüenta, mas princi-palmente nas décadas de sessenta e setenta, grupos de cientistas sociaiscomeçam a questionar a sua própria condição de cientistas, produtores deconhecimento. Diante da realidade de empobrecimento social, bem comoda socialização e apropriação do conhecimento produzido ser reservadoapenas a uma parcela ínfima da população, os estudiosos das “realidadessociais” colocaram em suspensão a própria produção. Logo, de que adian-taria compreender e elaborar grandes teorias a respeito da sociedadeexcludente e injusta em que viviam, se tal conhecimento ficaria circulan-do apenas entre os meios acadêmicos, ou na melhor das hipóteses, seudestino seria o ”emprateleiramento” nas bibliotecas universitárias? So-bre que princípios éticos poderiam se estruturar tal ciência e tais cientis-tas que tomam comunidades humanas subjugadas, como objeto de estudo,invadem suas estruturas internas na tentativa de compreendê-las e, umavez concluídos os estudos, retiram-se sem contribuição efetiva para amudança ou transformação da realidade?

Nesta perspectiva, e em resposta a essa situação, é que surgemas abordagens participantes de pesquisa, que por sua postura militante ede engajamento com o processo de transformação das estruturas injustasda sociedade, subvertem muitos dos princípios ortodoxos da pesquisatradicional, e se convertem numa nova abordagem de pesquisa nas ciên-cias sociais.

Portanto, nosso intuito neste trabalho é discutir questões pon-tuais deste tipo de abordagem de pesquisa, no que se refere aos aspectos

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históricos e conceituais, epistemológicos e metodológicos, sem nenhu-ma intenção de grandes aprofundamentos, uma vez que acreditamos quea natureza deste tipo de trabalho não nos permitiria isso.

2. Pesquisa participante: ação, militância e transformação

Marx na última das onze “Teses sobre Feurbach” publicadas e1845 escreve: “até hoje os filósofos só fizeram interpretar o mundo dediferentes maneiras, agora trata-se de transformá-lo”. Logicamente, Marxestá situado em outro contexto e pensando sob outra perspectiva, masqueremos nos permitir tal apropriação de sua idéia, porque acreditamosque ilustra bem o contexto histórico e epistemológico dos cientistas soci-ais que inauguraram a abordagem participante da pesquisa, além de ten-tar contemplar alguns questionamentos, anteriormente levantados, sobrea aplicação da evolução científica e seus reais beneficiários.

Partindo da concepção que o envolvimento no processo de pes-quisa constitui um pressuposto significativo do aprendizado educativo,visando à ampliação do conhecimento da realidade que impulsiona o su-jeito à ação (CHIZZOTTI, 2006). Comprometidos como o processo deelucidação e transformação da realidade, é que os cientistas sociais deixa-ram os confortáveis assentos acadêmicos e as comodidades das análisespuramente teóricas e partiram para a inserção social, assumindo posturaspolíticas e ideológicas dos grupos menos favorecidos da sociedade com ointuito claro de se tornarem colaboradores nos processos de transforma-ção das estruturas opressoras e libertação da condição humana alienada.

Boaventura de Sousa Santos em seu célebre livro “Um discursosobre as ciências”, em que discute os novos paradigmas das ciências nacontemporaneidade, traz, para ilustrar o início de suas reflexões, algunsquestionamentos do filósofo Rousseau, que acreditamos serem pertinen-tes, também, a nossa reflexão:

Há alguma relação entre a ciência e a virtude? Há algu-ma razão de peso para substituirmos o conhecimentovulgar que temos da natureza e da vida e que partilha-mos com os homens e mulheres de nossa sociedadepelo conhecimento científico produzido por poucos einacessível à maioria? Contribuirá a ciência para di-minuir o fosso crescente na nossa sociedade entre oque se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saberfazer, entre a teoria e a prática? (SANTOS, 2008, p. 16).

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É preciso lembrar que Rousseau se situa no século XVIII, numcontexto histórico em que a ciência moderna dava os seus primeiros pas-sos. Tais questionamentos soam quase com um ar profético se levarmosem consideração o momento histórico em que escreve, mas que hoje sãode absoluta atualidade e concreticidade para as nossas reflexões. Segun-do Santos (2008), Rousseau teria respondido aos seus própriosquestionamentos com “um redondo não”, antevendo, podemos assimconcluir, o percurso, por vezes, pouco virtuoso em que enredaria todauma proposta de ciência na modernidade.

2.1 Aspectos históricos e conceituais

A pesquisa participante tem sua origem no contexto histórico demeados do século XX. Momento de reestruturação social, principalmentena América Latina onde as estruturas agrárias passavam por significativatransformação. Todavia não se restringe ao contexto Latino Americano,surge simultaneamente em vários países nos vários continentes, mas comperspectivas diferenciadas, isso de acordo com as realidades conjunturaisde cada uma das regiões onde se desenvolveu. É importante lembrar queo mundo da década de cinqüenta e sessenta ainda avaliava os horrores daSegunda Guerra Mundial, e os temas relacionados a existência humanaestavam sendo amplamente discutidos; muitos países do chamado tercei-ro mundo3 lutavam contra a dominação imperialista dos países capitalis-tas desenvolvidos e movimentos revolucionários alimentados pelos ideaiscomunistas se propagavam pelo mundo, especialmente, pelos países sub-desenvolvidos. Todo este contexto histórico social de grandeefervescência, podemos assim dizer, foi decisivo para o aparecimento dapesquisa participante nas ciências sociais.

Na afirmação de Chizzotti (2006, p. 90), a pesquisa participante“tem como pressuposto, subjacente à sua história, a democratização daprodução do conhecimento e da sociedade, e o desenvolvimento da justi-ça social”. Neste sentido, é que julgamos ser de fundamental importânciaconstruir uma reflexão acerca do recorte teórico que trata sobre a aborda-gem de pesquisa e suas influências epistemológicas.

Sobre esse novo estilo de pesquisa, Teresa Maria Frota Haguette(1995) propõe uma diferenciação entre as experiências européias e asexperiências latino-americanas, optando pela designação “pesquisa-ação”para as práticas na Europa e “pesquisa participante” para as práticas naAmérica Latina:

3 Expressão utilizada genericamente para designar, de forma excludente, os países subdesenvol-vidos ou emergentes. Foi utilizada também durante o período da Guerra Fria para designar ospaíses que não estavam alinhados diretamente aos EUA ou a URSS.

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Assim é que na Europa, especialmente na França, apesquisa-ação se direcionou para as instituições so-ciais, concebidas como portadoras de uma “violênciasimbólica”, e para os movimentos sociais de liberta-ção (ecológicos, estudantis, de minorias) enquanto naAmérica Latina, onde as desigualdades materiais sãomais ostensivas e a participação da maioria da popu-lação no “poder do saber” representa um privilégio depoucos, esta alternativa de investigação dirigiu-se paraos oprimidos ou dominados, aqueles que estão na baseda estrutura social (campesinos, operários, índios)(HAGUETTE, 1995, p.110).

Também não existe um conceito unívoco sobre a pesquisa parti-cipante, ou seja, não existe uma definição única em que se encaixamtodas as experiências participantes de pesquisa. Portanto, a pesquisa par-ticipante é mais um estilo alternativo de abordagem de pesquisa em queo fundamento é a co-participação responsável dos grupos sociaispesquisados em todo o processo de estudo. Compartilham de algunsreferenciais epistemológicos e metodológicos, mas as experiências emcada contexto produziram, e por vezes continuam produzindo, caracterís-ticas próprias de abordagem.

Prova disso é que existem várias denominações propostas paraeste tipo de pesquisa, conforme encontramos em Haguette (1995, p.111):“investigação alternativa, investigação participativa, auto-senso, pesqui-sa popular, pesquisa dos trabalhadores, pesquisa confronto, investigaçãomilitante, pesquisa-ativa, estudo-ação, pesquisa-ação, intervenção soci-ológica, enquête-participação”.

Como não há um consenso quanto a um conceito exato de pes-quisa participante, trazemos aqui, para ilustrar uma possível discussãoconceitual deste tipo de pesquisa, as definições que propuseram doisautores:

[...] é uma pesquisa da ação voltada para as necessi-dades básicas do indivíduo que responde especialmen-te às necessidades de populações que compreendemoperários, camponeses, agricultores e índios – as clas-ses mais carentes nas estruturas sociais contemporâ-neas – levando em conta as suas aspirações epotencialidades de conhecer e agir (BORBA, 1999, p.43).

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É um processo de pesquisa no qual a comunidade participa daanálise de sua própria realidade, com vistas a promover transformaçãosocial em benefício dos participantes que são oprimidos (DEMO, 2008, p.98).

Vários aspectos característicos nesta modalidade de pesquisapodem ser percebidos nas duas definições propostas: a clara ruptura comos pressupostos de objetividade e neutralidade, característicos das abor-dagens tradicionais das ciências; a dimensão política implícita na tomadade postura do pesquisador em favor dos grupos marginalizados da socie-dade; o envolvimento dos grupos pesquisados como sujeitos da pesquisae não como objetos; a característica da ação transformadora que este tipode abordagem exige; a possibilidade do diálogo com esferas não acadê-micas no processo de construção do conhecimento; a necessidade de in-serção do pesquisador na realidade a que se propõe conhecer paratransformar. Propomo-nos a discutir estes aspectos levantados, no item aseguir.

2.2 Aspectos epistemológicos e metodológicos da pesquisa participante

As ciências – e aqui nos referimos às ciências sociais – em seusmoldes tradicionais, tinham como preocupação e função analisar e com-preender as realidades sociais, pautando-se nos princípiosepistemológicos da neutralidade e objetividade. O pesquisador precisavadistanciar-se – até de si mesmo – “livrar-se” de suas ideologias em nomeda verdade científica. Não era permitido um envolvimento com o “objeto”de pesquisa, porque isso assinalaria resultados falaciosos e, portanto, semvalor científico. Vale lembrar que as ciências sociais se constituíram emsua origem, nos moldes do paradigma positivista das ciências naturais, ebuscavam compreender os fenômenos sociais a partir desse modelo deciência sem levar em consideração a complexidade que envolve o serhumano em suas relações histórico-cultural-sociais. A abordagemmetodológica de referência para as pesquisas era a análise quantitativados dados, com o intuito de se estabelecer leis universais.

Rosiska Darcy de Oliveira e Miguel Darcy de Oliveira escrevem:

Durante muito tempo, as ciências sociais acalentaramo sonho e a ilusão de poder estudar a sociedade damesma maneira que as ciências naturais estudaram anatureza. Conhecer os fenômenos, ser capaz de prevê-los e de descrever seu funcionamento, quantificá-lospara melhor explicá-los [...] dentro deste marco de re-

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ferência, todas as ações humanas, as pautas de com-portamento dos grupos sociais, os movimentos religi-osos, os acontecimentos históricos, os hábitos sexuais,os sonhos e as esperanças, tudo isso deveria ser ana-lisado e estudado de maneira objetiva (OLIVEIRA; OLI-VEIRA, 1999, p. 22).

Entretanto, os fatos ou os fenômenos sociais, que são os objetosde investigação das ciências sociais, constroem-se na estrutura dinâmicae histórica da sociedade, que tem como princípio a imprevisibilidade econtextos bastante singulares, desafiadores e, ao mesmo tempo,instigadores para as pesquisas educacionais. Em se tratando de fenôme-nos sociais, não há como garantir a previsibilidade dos acontecimentos,como acontece nas ciências naturais. Assim, exclui-se qualquer possibili-dade de recorte, controle objetivo e imparcial, ou enquadramento emexperimentos laboratoriais, de tais fenômenos investigados.

O pesquisador, ele próprio, é sujeito desta estrutura social, eestá condicionado às contradições internas, às ideologias conflitantes, ouao jogo de interesses travados no interior da sociedade. Não sendo possí-vel, portanto, imaginá-lo distanciado o suficiente do seu objeto de inves-tigação, a ponto de poder fazer uma análise totalmente neutra e isenta deposicionamento ideológico e político.

O que se verifica, muito frequentemente, é que por traz de umapretensa neutralidade científica e política, as pesquisas nas ciências soci-ais têm servido de instrumento de manipulação e manutenção de umaordem social que beneficia os grupos detentores do poder.

Foi diante de tal realidade que muitos pesquisadores sociais secolocaram numa posição crítica e autocrítica quanto ao seu papel na socie-dade e, como tentativa de superação da realidade vigente se propuserama novas abordagens de pesquisa que tivessem como premissas a partici-pação dos grupos pesquisados e a transformação da realidade que os en-volvia:

A pesquisa participante surgiu, pois, da angústia dealguns pesquisadores que iniciaram um processo dequestionamento sobre a finalidade do conhecimentoque produziam, sobre os usos deste conhecimento esobre os beneficiários deste conhecimento. Surgiu danecessidade sentida por eles de incorporar ospesquisados como sujeitos de um trabalho comum degeração de conhecimento, onde pesquisadores epesquisados conhecem e agem em busca da transfor-

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mação de estruturas sociais desigualitárias(HAGUETTE, 1995, p. 161).

A partir desta perspectiva fica evidente que a pesquisa partici-pante pressupõe um engajamento e posicionamento político por parte dopesquisador. Engajamento este, que necessariamente, configura-se emfavor dos grupos marginalizados. Isto porque quando se fala emposicionamento político este pode ser muito bem em favor dos gruposdominantes. E toda a trajetória da pesquisa participante pelo mundo, masde forma muito particular na América Latina, centra-se na ótica dos opri-midos.

Paulo Freire, considerado o precursor das abordagens partici-pantes de pesquisa no campo da educação, insiste nesta idéia:

Considero importante, nesta altura de nossa conver-sa, insistir mais uma vez sobre o caráter político daatividade científica. A quem sirvo com a minha ciên-cia? Esta deve ser uma pergunta constante a ser feitapor todos nós. E devemos ser coerentes com a nossaopção, exprimindo a nossa coerência na nossa práti-ca (FREIRE, 1999, p. 36).

Ao posicionar-se política e ideologicamente em favor dos opri-midos, o pesquisador participante assume a postura de elevar esses gru-pos pesquisados, à condição de sujeitos da pesquisa, co-participantes detodo o processo de investigação, desde a definição da problemática a serpesquisada, o processo de levantamento de dados, a sistematização dasinformações recolhidas e a construção de estratégias de ação/transforma-ção.

Por questão de uma nova metodologia de investigação, e poruma questão até propriamente ética, os grupos pesquisados não são en-carados como objetos de investigação do pesquisador. O objeto de pes-quisa passa a ser a realidade conflitante e por vezes opressora, em queestão imersos. E a pesquisa, então, passa a ter a função de libertação:

Se a minha opção é libertadora [...] não posso reduziros grupos populares a meros objetos de minha pesqui-sa. Simplesmente não posso conhecer a realidade deque participam a não ser com eles como sujeitos tam-bém deste conhecimento [...]. Na perspectivalibertadora em que me situo [...] a pesquisa, como ato

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de conhecimento, tem como sujeitos cognoscentes, deum lado, os pesquisadores profissionais; de outro, osgrupos populares e, como objeto a ser desvelado, arealidade concreta (FREIRE, 1999, p. 35).

Quando se tomam a realidade concreta como objeto de investi-gação, e a população nela envolvida como sujeitos participantes em par-ceria com o pesquisador acadêmico, os resultados desta pesquisa nãopodem se configurar apenas em uma análise e reflexão de dados e fatos jáacontecidos. Devem, isto sim, instrumentalizar-se em uma açãotransformadora da realidade, efetivando a prática pensada no movimen-to reflexivo, nas ações de análise de dados e gerando autonomia e ouemancipação dos membros participantes da pesquisa na condição de su-jeitos da investigação.

Aqui podemos perceber uma das grandes características da pes-quisa participante e, ainda, o ponto de diferenciação desta abordagem depesquisa. A intervenção, no sentido de superação ou libertação dos gru-pos oprimidos se dá como condição de caracterização de uma pesquisaparticipante.

Neste sentido, mais uma vez, pode-se afirmar que a pesquisaparticipante oxigena as abordagens de pesquisas convencionais e tradici-onalmente conhecidas, em que o intuito do pesquisador e de sua pesqui-sa consiste unicamente em uma análise, reflexão e, em alguns casos,denúncia de uma determinada realidade.

Esta característica da abordagem participante, também, consti-tui-se no principal alvo de crítica dos intelectuais acadêmicos adeptos deuma postura conservadora da pesquisa científica, por julgarem que noprocesso de inserção e intervenção do pesquisador e da participação dogrupo popular, a pesquisa se esvazia do rigor metodológico eepistemológico exigidos pela comunidade científica como critério deconfiabilidade dos resultados alcançados.

Tornou-se institucionalizada, ao longo da modernidade, a idéiade que a ciência detém o poder de certificar o que é a verdade, o que é e,o que não é, aceito e digno de respeitabilidade dentro do universo doconhecimento, pautada num processo dialético, na maioria das vezes,tornando-se assim, irrefutável em alguns casos. O conhecimento “popu-lar”, conceituado como “senso comum” por não seguir os rigorosos pa-drões metodológicos da ciência não desfruta, portanto, de respeito dentroda comunidade científica. Os cientistas adeptos dos métodos participan-tes de pesquisa rompem com esta postura, e passam a utilizar-se do co-nhecimento popular como base para as suas pesquisas e produções. Não

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se trata, no entanto, de acreditar que a pesquisa participante carece derigor científico, ou que não se pauta nos princípios epistemológicos emetodológicos da pesquisa tradicional. O que se propõe é não sedesconsiderar o conhecimento dos grupos populares pesquisados, mastomá-lo como ponto de partida para a reflexão e análise da realidade quese pretende transformar. Pois como lembra Borba (1999, p. 41) “este co-nhecimento popular também possui sua própria realidade e sua estruturade causalidade, isto é, pode-se demonstrar que tem mérito e validadecientífica per se”.

Portanto, vale ressaltar, que é de absoluta necessidade, que parase configurar em uma pesquisa participante, o pesquisador esteja abertoao diálogo com outras possibilidades de conhecimentos além dos queestão circunscritos na esfera da academia, além de se permitir a possibili-dade de encontrar ou pontuar dados que reconduzam a pesquisa, apre-sentando novas perspectivas e reformulando os novos paradigmas erompendo com os atuais paradigmas que instituem o estatuto decientificidade das pesquisas convencionais.

2.3 Possíveis etapas da pesquisa participante

Para iniciar as discussões sobre as possíveis etapas da pesquisaparticipante é preciso pontuar que não há um itinerário metodológicofixo para o desenvolvimento da pesquisa. As experiências que se utiliza-ram de tal abordagem de pesquisa ao longo da história – e nos dias atuais,não é diferente – construíram seus passos levando em consideração asnecessidades e realidades dos contextos onde se desenvolveram. Entre-tanto, podemos perceber alguns caminhos comuns que podem nos servirde base para ampliarmos nossa compreensão de pesquisa participante: aescolha do grupo popular onde a pesquisa será desenvolvida, bem como aaproximação e inserção do pesquisador; a escolha da problemática deinvestigação; a definição das estratégias de coleta de dados; o trabalho desistematização e análise do material coletado; e a apropriação dos resul-tados da pesquisa que se convertem em estratégias de ação/transforma-ção.

A aproximação com intuito de inserção junto a um grupo socialque se encontra em situação de opressão é a primeira e decisiva etapa aser cumprida por um pesquisador que pretende desenvolver seu trabalhode investigação tomando como referencial metodológico a abordagemparticipante de pesquisa.

A postura do pesquisador nesse processo de aproximação dogrupo deverá ser cuidadosa, uma vez que a proposta é a construção de um

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conhecimento conjunto. O processo de conscientização da situação deopressão a ser superada é construído em um processo mútuo entre ossujeitos da pesquisa, que no caso da pesquisa participante se constituemdo pesquisador erudito e o grupo que vivencia a situação de opressão.

Tal processo deve ser cuidadoso, justamente porque pode seconfigurar na tentativa, por parte do pesquisador acadêmico, de levaruma proposta já definida pelos seus estudos acadêmicos para ser apenasimplantada na comunidade. Uma proposta que parte da ótica do pesqui-sador, e que na maioria das vezes não traduz as reais necessidades dogrupo. Além de não se tratar de uma proposta participante de construçãode conhecimento, pois reflete apenas as necessidades de um dos sujeitosenvolvidos, o pesquisador erudito, também se converte em mais umatentativa paternalista de solução de uma situação de conflito. E propostaspaternalistas, nós sabemos, são estratégias dos grupos dominantes paraperpetuarem as condições de dominação.

Por outro lado também, o pesquisador não pode se anular en-quanto pesquisador e se tornar apenas mais um dentro do grupo com ajustificativa de assim demonstrar honesta e humildemente a sua opçãopelo grupo em que está se inserindo. Ele tem uma função específica a serdesempenhada dentro deste processo e precisa ter essa consciência.Orlando Fals Borba assim se pronuncia a esse respeito:

[...] de fato, nas lutas populares há sempre um espaçopara os intelectuais, técnicos e cientistas como tais,sem que seja preciso que se disfarcem como campone-ses ou operários de origem. Tem apenas que demons-trar honestamente seu compromisso com a causapopular perseguida por meio da contribuição específi-ca de sua própria disciplina, sem negar completamen-te essas disciplinas (BORBA, 1999, p.50).

A escolha da problemática de investigação deve refletir – comojá aludimos anteriormente – as necessidades do grupo pesquisado e nãoas do pesquisador. Para tanto ela deve ser construída em conjunto e devese valer de conversas, reuniões, estudos comunitários, avaliaçõesconjunturais do grupo, entrevistas com a população e seus líderes.

Do mesmo modo são construídas em conjunto as estratégias depesquisa e a escolha das pessoas que se responsabilizarão diretamentepor cada etapa e por quais etapas da coleta de dados. Mesmo sendo umapesquisa em que a comunidade está na condição de sujeitos de investiga-ção, não significa que, necessariamente, toda a comunidade estará envol-

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vida, na maioria das vezes, são escolhidos dentro da comunidade aquelesque representarão os demais nesta tarefa.

Nesta etapa, cabe ao pesquisador com sua experiência em pes-quisa científica instruir os sujeitos da comunidade nos processosmetodológicos de investigação científica, dando aparato e suporte para orecolhimento de dados confiáveis e fidedignos.

Seria uma contradição se uma vez colhidos os dados da pesquisa,estes fossem analisados e interpretados unicamente pelo pesquisadorerudito, por acreditar que somente este poderia proceder a uma análisecriteriosa. Contudo, na pesquisa participante, os dados são levados paraserem interpretados junto a comunidade e podem se tornar assim, instru-mento de conscientização, conhecimento construído e, verdadeiramen-te, assimilados.

Uma vez sistematizados, os resultados são devolvidos à comuni-dade que os toma como estratégias de ação/transformação efetiva darealidade.

Ainda uma questão merece atenção dentro da abordagem parti-cipante da pesquisa, é a linguagem utilizada durante todo o processo e,principalmente, na sistematização dos resultados, não pode ser a lingua-gem acadêmica, muitas vezes, rebuscada. O pesquisador precisa tomar ocuidado de conduzir o seu trabalho utilizando-se de um linguajar que sejaacessível a todos, simples sem ser simplista.

3. Considerações finais

Agora que nos propomos a finalizar o trabalho – sem a pretensãode fechá-lo – queremos salientar que a pesquisa participante surge den-tro de um contexto de questionamento do papel e das práticas científicasno que diz respeito às finalidades e os usos dos resultados das produçõescientíficas.

A proposta dos pesquisadores que se utilizam da pesquisa parti-cipante é a do engajamento e militância em favor de grupos marginaliza-dos da sociedade. Por este motivo assumem claramente uma posturapolítica e ideológica, superando os princípios de neutralidade e objetivi-dade das ciências tradicionais. Superando, justamente, porque propõema interação dialética entre objetividade/subjetividade/neutralidade e nãoa sua oposição.

A atividade científica, nesta perspectiva, pressupõe a participa-ção efetiva dos grupos oprimidos como sujeitos da pesquisa, tomandocomo objeto a realidade opressora a que o grupo está inserido com ointuito claro de uma ação/transformação. Acredita-se que somente com a

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participação efetiva dos membros da comunidade no processo de análisee reflexão dos dados de sua realidade conflitante, é que pode ocorrer oprocesso de construção de um conhecimento que, assimilado porque pro-duzido em conjunto, transforma-se em elemento de desalienação.

O papel do pesquisador não é o de se confundir ou se anular dacondição de pesquisador para se engajar, mas ser um fomentador e aque-le que possibilita estrutura e método para o êxito do trabalho. Além disso,não pode se eximir da militância junto a comunidade no processo de lutapela transformação da realidade investigada.

Percebemos também, que pelo fato de exigir todo um processode aproximação, compreensão e engajamento do pesquisador erudito ede uma construção conjunta dos caminhos metodológicos eepistemológicos, a pesquisa participante, em seu processo, exige um tem-po maior de dedicação.

ReferênciasBORBA, Orlando Fals. Aspectos teóricos da pesquisa participante: consi-derações sobre o significado e o papel da ciência na participação popular.In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Pesquisa participante. 8. ed. SãoPaulo: Brasiliense, 1999. p. 42 -62.CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais.Petrópolis-RJ: Vozes. 2006.DEMO, Pedro. Pesquisa participante: saber pensar e intervir juntos. 2. ed.Brasília: Líber Livro Editora, 2008.FREIRE, Paulo. Criando método de pesquisa alternativa: aprendendo afazê-la melhor através da ação. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.).Pesquisa participante. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1999. p. 34 - 41.HAGUETE, Teresa Maria Frota. Metodologias qualitativas na sociologia.Petrópolis-RJ: Vozes, 1995.MARX, K. Teses sobre Feuerbach. In: GIANNOTTI, J.A. (Org.). Manuscritoseconômico-filosóficos e outros textos escolhidos. 2.ed. São Paulo: AbrilCultural, 1978. p. 49-53. (Os Pensadores).OLIVEIRA, Rosiska Darcy de. OLIVEIRA, Miguel Darcy de. Pesquisa social eação educativa: conhecer a realidade para poder transformá-la. In:BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Pesquisa participante. 8. ed. São Pau-lo: Brasiliense, 1999. p.17-33.SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5.ed. SãoPaulo: Cortez, 2008.

Recebido em: 09/02/2009Aprovado em: 23/06/2009

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