Avaliação Educacional-REESTRUTURADO · O eixo que as orienta é o de busca da qualidade social da...

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A avaliação não é um valor em si e não deve ficar restrita a um simples rito da burocracia educacional; necessita integrar-se ao processo de transformação do ensino/aprendizagem e contribuir, desse modo, ativamente, para o processo de transformação dos educandos.

Heraldo Marelim Vianna

Prezadas Educadoras, Prezados Educadores

Esta publicação é o resultado de mais uma etapa vencida na concretização de nosso compromisso em sistematizar o Projeto Político-Pedagógico da Rede Mu-nicipal de Guarulhos. Como parte das publicações que sinalizam o horizonte que vislumbramos, organizamos este material a partir do Seminário de Avaliação Educacional realizado em outubro de 2011.

Acreditamos que tratar da avaliação educacional é um passo fundamental para verificarmos se nossas ações estão construindo a educação pública que deseja-mos, que é aquela de qualidade social a todos. A avaliação educacional se reveste de uma característica diagnóstica das possibilidades de melhoria e avanço na educação que oferecemos.

Por essa razão, abrimos esta publicação com um texto sobre qualidade social da educação. Em seguida, abarcamos três dimensões da avaliação educacional: da aprendizagem, institucional e de sistema. Por fim, com o objetivo de contribuir para o acompanhamento aos Planos de Ação de nossas escolas, publicamos um texto sobre avaliação de monitoramento.

Referenciados por uma educação como prática de liberdade e emancipação, nos-sa intenção é a de que a avaliação educacional, em suas diversas dimensões, as-suma um caráter de crescimento humano, com a finalidade de diagnosticar as condições para a melhoria de nossas ações na educação.

Na certeza de que o conjunto de textos aqui reunidos embasará o debate sobre a construção da qualidade social das escolas, desejamos excelente reflexão a todos.

Prof. Moacir de SouzaSecretário Municipal de Educação

Abril de 2012

INTRODUÇÃO ......................................................................................................

POSSIBILIDADES E LIMITES PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO PÚBLICA VOLTADA PARA A QUALIDADE SOCIALSimone de Fátima Flach .........................................................................................

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM E SEUS REGISTROSRede Municipal de Educação ...............................................................................

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: ELEMENTOS PARA DISCUSSÃOSandra Zákia Sousa ................................................................................................

AVALIAÇÕES EXTERNAS E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO Ocimar Munhoz Alavarse .....................................................................................

AVALIAÇÃO DE MONITORAMENTO E PLANO DE AÇÃO: ALGUNS APONTAMENTOSSecretaria Municipal de Educação .......................................................................

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O debate em torno da avaliação educacional ganhou espaço considerável nos últimos anos. Diversos trabalhos têm sido desenvolvidos no âmbito da academia e da gestão pública para pensar sobre sua importância na prática das escolas de todo o país. Atualmente, é comum ouvirmos falar em exames ou avaliações externas como Prova Brasil, PiSA, entre outros, mas também nas polêmicas em torno das avaliações de desempenho de professores. O que se evidencia disso é a necessidade do debate cada vez mais qualificado sobre os sentidos da avaliação na educação.

O fato perceptível deste quadro é o de que já não conseguimos viver sem os ins-trumentos avaliativos, não porque eles se constituiriam como a única forma de verificar os pontos a serem melhorados, mas porque toda avaliação é um proces-so humano e, portanto, a elaboração de instrumentos ganha sentido na medida em que são verificadores das possibilidades de crescimento do que é avaliado.

As avaliações se dão sobre aspectos da realidade, ou de uma prática, de modo que avaliar é sempre avaliar alguma coisa em uma dada situação, tendo em vista a tomada de decisão sobre o que fazer. Nesse sentido, a avaliação assume um ca-ráter fundamentalmente diagnóstico e norteador, tendo por finalidade subsidiar a elaboração das formas de intervenção mais eficazes à luz do objetivo pretendi-do.

Avaliar pressupõe saber não só o que se avalia, mas para quê. Não se avalia so-mente para extrair conceitos, mas para promover a aprendizagem, olhar para uma instituição, elaborar políticas públicas, etc. Avaliar se constitui como condi-ção de crescimento, não como fonte de qualificação para inferiorizar ou garantir bonificações.

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Diante de tais considerações, o objetivo desta publicação é contribuir para o de-bate sobre a avaliação educacional em face do Projeto Político-Pedagógico da Rede Municipal. O que se verá a seguir é uma série de textos que, em conjunto, cobrem o campo de preocupação geral da avaliação, em suas diversas dimensões, no potencial que tem de melhorar nossa ação na escola e/ou na gestão pública.

Como o que nos orienta na educação é a formação humana e, mais amplamente, a formação humana integral, é importante que os elementos sobre os quais ver-samos estejam pautados em uma concepção de homem e de mundo que nos guie na elaboração dos instrumentos. isto porque a avaliação deve contribuir em sua função constitutiva para o alcance da formação humana desejada, pois sua rela-ção com a discussão acerca do currículo, que se concretiza em nossa Rede como o aprendizado e a vivência dos saberes necessários, é condição imprescindível para que ela subsidie, de fato, a tomada de decisões.

É este o horizonte que nos orienta à elaboração desta publicação, que, por um lado, é resultado do Seminário de Avaliação Educacional, ocorrido no Centro Municipal de Educação Adamastor nos dias 10 e 13 de outubro de 2011, mediado pelo Prof. Celso dos Santos Vasconcellos, consultor da Secretaria Municipal de Educação; por outro, é sistematização de debates ocorridos na Rede. É daí que decorre a escolha da forma como alguns textos aparecem publicados, nos quais procedemos a uma revisão de caráter gramatical e mantivemos sua “coloquia-lidade”, somente retirando, quando necessário, algumas marcas que poderiam levar à perda do fluxo da leitura e da exposição. Os textos são os de Simone Flach, Sandra Zákia Sousa e Ocimar Alavarse.

A motivação da publicação encontrou lugar, também, no trabalho da Rede que culminou na elaboração do Registro-Síntese do Processo Avaliativo, cujo proces-so de discussão se deu por quase dois anos, na busca da resposta à pergunta sobre que avaliação da aprendizagem intencionamos realizar com nossos educandos.

Os textos aqui reunidos foram pensados para cobrir três dimensões fundamen-tais da avaliação, mas não únicas: avaliação da aprendizagem, avaliação insti-tucional e avaliação de sistema. O eixo que as orienta é o de busca da qualidade social da educação.

Por isso, o primeiro texto é o de Simone Flach, com o título Possibilidades e limi-tes para a construção de uma educação pública voltada para a qualidade social.

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Nele observamos como, ao falar de qualidade social, estamos nos referindo a uma ideologia, isto é, a uma visão de mundo que orienta nossa ação na educação. A partir da distinção entre qualidade social e qualidade total, observamos quais são os ingredientes que compõem cada um dos projetos e por que optamos pela qualidade de caráter social.

O próximo texto, que discorre sobre o objeto de maior preocupação dos profissio-nais da educação, sobretudo dos educadores, é intitulado Avaliação da aprendi-zagem e seus registros. Trata-se de um documento “elaborado” pela Rede Muni-cipal que, durante o ano de 2010, respondeu a diversas questões sobre o que ela entendia por avaliação da aprendizagem. Quando sistematizado, ele subsidiou todas as ações do Grupo de Trabalho responsável pela elaboração do Registro- -Síntese do Processo Avaliativo. Nele a avaliação é entendida como um processo que acompanha o caminho percorrido pelo educando em sua trajetória de apren-dizagem e desenvolvimento.

Em seguida, discorrendo com base no título Avaliação institucional: elementos para discussão, Sandra Zákia Sousa nos chama a atenção, dentre outros pontos, para que a elaboração desse tipo de avaliação não se limite a uma listagem de dimensões e indicadores que resulte em um relatório sem consequências para a escola. “Consequência” entendida como a ação que decorre do diagnóstico que a avaliação fornece.

Ocimar Alavarse, por sua vez, orienta a exposição pelo seguinte título: Avaliações externas e qualidade da educação. O autor fala sobre como as avaliações externas podem contribuir para o alcance da qualidade da educação, mas problematizan-do acerca do papel negativo que elas podem ter se consideradas isoladamente ou como “algo misterioso”. Trata-se de um debate do qual não podemos nos furtar porquanto seu impacto nas políticas educacionais tem sido gigantesco.

Por fim, o texto que fecha esta publicação foi elaborado com o objetivo de subsi-diar o olhar para o Plano de Ação das escolas municipais, que é um instrumento em que as unidades formulam de maneira objetiva as metas durante o ano letivo e como farão para alcançá-las. Ele é intitulado Avaliação de monitoramento e pla-no de ação: alguns apontamentos, e discorre sobre o monitoramento como uma análise e um acompanhamento de como progride um plano ou projeto.

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Os textos aqui publicados abrangem um amplo espectro da avaliação educacio-nal. Começando pelo horizonte da qualidade social da educação, passamos pela avaliação da aprendizagem, que incide diretamente sobre a aprendizagem do educando, depois pela avaliação institucional, que amplia sua abrangência para a escola, e chegamos à avaliação de sistema, que abarca o oferecimento da edu-cação no nível da Rede Municipal. Tudo isso se relaciona com a avaliação de mo-nitoramento, que incide sobre os Planos de Ação das escolas municipais, como a possibilidade de diagnosticar as condições para garantir a aprendizagem signifi-cativa e a formação de nossos educandos.

Ligadas por esse fio condutor da qualidade social, as dimensões da avaliação devem nos ajudar a promover uma educação que faça frente aos desafios sociais colocados para a escola de nosso tempo. É esse o sentido que damos a todos os instrumentos avaliativos com que a escola e a gestão pública trabalham. Quando buscamos a concretização deste tipo de qualidade de caráter social, político e vinculado à construção de uma cidadania crítica, acreditamos que a avaliação, como componente fundamental da educação, pode, enfim, cumprir seu propósi-to humanizador.

Secretaria Municipal de Educação

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POSSIBILIDADES E LIMITES PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO PÚBLICA VOLTADA PARA A QUALIDADE SOCIAL

SIMONE DE FÁTIMA FLACH Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a presença de todos os educadores de Guarulhos. Um agradecimento bem especial à professora Sandra Soria e à pro-fessora Cristiane Machado, que, nesses últimos meses, entraram em contato para que estivéssemos aqui hoje conversando sobre a qualidade social da educação.

Meu objetivo é falar sobre as possibilidades e limites para a construção de uma educação pública voltada para a qualidade social. Pretendo trazer alguns subsí-dios para discussão e tentarei, no decorrer da exposição, mostrar que uma polí-tica voltada para a qualidade social da educação traz no seu interior uma ideolo-gia, ou seja, o que pensamos e acreditamos em termos de mundo, de sociedade e de homem que queremos formar.

Para iniciarmos quero contar uma pequena história que está no Livro dos Abra-ços, de Eduardo Galeano. Quando queremos pensar sobre aquilo que está posto, precisamos pensar naquilo que já existe e, muitas vezes, é tido como verdadeiro, como imutável. Não podemos perder jamais a capacidade do questionamento, da dúvida, por isso relato essa história.

“Martinez fez o serviço militar num quartel de Sevilha. No meio do pátio desse quartel havia um banquinho. Junto ao banquinho, um soldado montava guarda. Ninguém sabia por que se montava guarda para o banquinho. A guarda era feita por que sim, noite e dia, todas as noites, todos os dias, e de geração em geração, os oficiais transmitiam a ordem e os soldados obedeciam. Ninguém nunca questionou, ninguém nunca perguntou. Assim era feito, e sempre tinha sido feito.

E assim continuou sendo feito até que alguém, não sei qual general ou coronel, quis co-nhecer a ordem original. Foi preciso revirar os arquivos a fundo. E depois de cavucar, soube-se. Fazia trinta e um anos, dois meses e quatro dias que um oficial tinha mandado montar guarda junto ao banquinho, que fora recém-pintado, para que ninguém se sentas-se na tinta fresca”.

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O que esta história nos mostra? Que muitas práticas são feitas na escola, na edu-cação, e estão efetivadas no nosso cotidiano e nunca questionamos. Continuamos fazendo sempre do mesmo jeito, porque alguém disse que assim tinha que ser feito, e por anos, dias, semanas, décadas continuamos fazendo do mesmo jeito.Quando pensamos na escola, na escola que queremos e na sua qualidade, muitas vezes temos que pensar nessa história. O que é qualidade da educação? Alguém nos disse o que é essa qualidade? A qualidade é quando o aluno aprende? Quan-do a escola é bem equipada? Então, quando vamos discutir a qualidade, precisa-mos compreender que ela traz dentro de si inúmeros significados. A qualidade de um determinado produto, para uma determinada pessoa é uma, para outra ela não é a mesma.

Penso que a qualidade da educação, a qualidade social da educação, é aquela que melhor contribui para o avanço das classes populares, ou seja, da maioria da população brasileira, aquela que precisa da escola, porque para aqueles que não precisam de escola pública, sua qualidade não interessa. É para aqueles que ne-cessitam da escola pública que temos que pensar. É para essas pessoas que pen-samos educação, pois essa parcela da população não tem outra opção a não ser por meio da escola pública. Para tais pessoas, se a escola não for boa, não haverá outra oportunidade de uma boa educação.

Explicitarei algumas perspectivas de qualidade. Escola de qualidade é aquela que dá oportunidade de acesso? É aquela que se abre para todos, por meio de matrículas, ou seja, aquela que não nega matrícula a ninguém? É aquela que ga-rante o direito de todos? Para se pensar em qualidade, precisamos pensar na quantidade também. Não vamos ter qualidade se não conseguirmos pôr todo mundo dentro da escola.

A escola de qualidade é aquela que oferece condições estruturais adequadas para a permanência dos alunos no espaço escolar. É aquela que tem um espaço físico adequado. É aquela na qual todos, independentemente de suas condições físicas, econômicas e culturais, estejam frequentando.

Essa escola também apresenta um desempenho satisfatório, mas não só isso, o problema é quando ficamos só nisso. Precisamos saber analisar o que está por trás dos dados [das avaliações]. Eles são um parâmetro, um padrão que temos.

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Dentro da realidade que temos hoje, não podemos desconsiderar os dados, por-que as políticas públicas estão voltadas também para eles. Quem trabalha com política pública sabe que não dá para deixar de lado tudo isso, não dá para dizer “não vamos mais considerar isso, vamos jogar tudo fora, ninguém se preocupa mais com o IDEB, vamos só fazer do nosso jeito”. Não é assim, porque nós temos recursos vinculados, nós precisamos também disso. Então, vejam, há uma série de questões nas quais precisamos pensar quando refletimos sobre a questão da qualidade.

Uma escola de qualidade é aquela onde todos os profissionais estão comprome-tidos com a aprendizagem dos alunos e o avanço cultural da comunidade. Tenho certeza de que aí é que está nosso grande trunfo, a coletividade, todos os profis-sionais envolvidos, o avanço cultural da comunidade e não apenas dos alunos.

Como conseguimos fazer com que a comunidade avance em uma perspectiva de qualidade social, vindo para dentro da escola? Para isso existem os conselhos e assembléias, precisamos dinamizar ações nas escolas para que os pais partici-pem, fomentar mecanismos diversos para que as pessoas se sintam parte e sujei-tos do processo educacional, aí sim veremos alguns avanços.

Esses questionamentos iniciais sobre qualidade é para pensarmos que, às vezes, defendemos tudo isso, mas muitas vezes de forma isolada. Acostumamos a de-fender essas questões de forma muito pontual e não de forma integral. Essas questões que defendemos de forma pontual e não integrada representam algu-mas concepções de educação, algumas concepções de qualidade que estão colo-cadas nas políticas educacionais hoje.

Existem duas vertentes principais, que são as concepções de qualidade total e qualidade social da educação. Essas concepções são totalmente divergentes e es-tão colocadas nas políticas educacionais. Tentarei esmiuçar o que é uma e o que é outra, de que forma elas aparecem nas ações educacionais e como estão colo-cadas no nosso cotidiano, como defendemos muitos pressupostos da qualidade total e pressupostos da qualidade social e como teríamos que nos posicionar em relação a elas.

Começarei pela qualidade total. A educação oferecida sob os pressupostos desta concepção foi nascida e criada no bojo da administração capitalista, das empre-

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sas capitalistas, logo pautada em uma ótica empresarial. Essa educação é voltada para a produção, o lucro e o capital. Ela não é voltada para as questões sociais, como vamos ver na qualidade social.

Nessa concepção, o gerencialismo se torna regra e a própria gestão da escola é pautada no gerencialismo. O que isso quer dizer? A escola e as políticas públicas passam a se organizar pelo autogerenciamento, que é o aumento do controle ex-terno disfarçado de controle interno. Costumo dizer que é um controle interno mascarado porque as pessoas passam a controlar o seu próprio trabalho sem perceber que tem alguém controlando seu trabalho de fora. Há um incentivo bastante grande à competitividade.

Quando a qualidade total está posta, torna-se muito necessário o controle, a com-petitividade é muito grande e o individualismo é ressaltado porque cada um pensa só em si e não no coletivo. A educação passa a ser entendida como mer-cadoria e é vista e analisada como se fosse uma mercadoria na escola, e, sendo tal, precisa ser regida pelos pressupostos de eficiência e produtividade. Isso quer dizer que a escola tem que ser muito rápida e produzir muito, não pode ter repro-vação, independentemente se os alunos aprenderam ou não, o importante é que avancem, porque aluno parado no ano escolar é aluno que custa mais. Segundo essa lógica, não podemos deixar o aluno parado, ele tem que passar para frente.

Nesse sentido, tornamos o processo educativo eficiente, rápido. Essa eficiência poderia ter uma conotação positiva se não fosse pautada somente em uma inten-ção de agilidade e não de justiça, porque essa eficiência e produtividade querem rapidez no processo, querem que os alunos saiam rapidamente da escola e não que aprendam rapidamente na escola. Se eles vão aprender ou não, é outra coisa, o importante é que eles saiam da escola.

Nessa perspectiva de eficiência e produtividade, a gestão da educação também tem outra conotação na qualidade total, pois precisa ser cada vez mais eficiente. Os gestores tendem a agir impondo pontualidade nas ações, com necessidade de cumprimento rigoroso de prazos e redução de custos.

isso é negativo? Qual a negatividade disso? O que acontece é que na escola lida-mos com pessoas, diferentemente da empresa, de uma fábrica que lida com ma-téria-prima, com objetos. Na escola trabalhamos com pessoas e a padronização

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não condiz com a individualidade humana. Temos escolas diferentes. Quando padronizamos e tornamos a questão muito rígida, impedimos algumas escolas de crescerem. Precisamos considerar que muitas vezes escolas não conseguem avançar porque a exigência é muito grande, e elas não chegam ao padrão exigido. isso acontece porque desconsideramos a realidade, e é aí que mora a negativida-de desse padrão. É aí que precisamos pensar no contexto da escola, no contexto de determinadas comunidades, a comunidade que mais precisa, os professores que mais precisam, essa é a grande questão!

Se vamos reduzir custos, vamos ter pontualidade nas ações, o próprio processo de trabalho passa a ser maximizado. O processo de trabalho de quem? Dos ges-tores, dos professores, dos educadores, dos profissionais da educação, por causa da padronização do processo educativo. E o que nós vamos ter? Turmas cada vez mais numerosas, ampliação da jornada de trabalho, ausência de tempo necessá-rio para o professor viver. isso é qualidade na concepção da qualidade total.

Em outra mão, a educação com qualidade social é entendida como um instru-mento de transformação social. Nessa concepção a educação é vista como instru-mento para transformar a realidade em que vivemos, não para manter a realida-de que temos, não para deixar o aluno na mesma condição em que vive, mas para tentar mudar. Se o aluno vive em uma condição excludente, a educação deve con-tribuir para tirá-lo dessa situação, para fazer com que melhore, que tenha outras possibilidades. Acredito sinceramente no poder da escola.

A qualidade social é entendida como construção de cidadania, que não nos é dada só porque está escrita na Constituição; ela é vivida. As instituições têm que garantir isso, e a escola é uma das instituições responsáveis pela garantia da cida-dania. Não basta abrir as portas da escola e deixar todo mundo lá dentro.

A educação de qualidade social é entendida ainda como instrumento de autoemancipação de professores e alunos. Ela não pensa só nos alunos, só nos resultados dos alunos, pensa também no professor, que também é o sujeito do processo. Essa é uma perspectiva muito importante, por isso o professor se torna central nessa concepção.

A educação de qualidade social é entendida como um direito de cidadania na medida em que é princípio de justiça social, igualdade e democracia, ou seja, é

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necessário trazermos as pessoas que mais precisam para dentro da escola, mas não só elas, não podemos nos esquecer dos demais, da igualdade, da democracia, fazendo da educação um exercício de participação.

Temos que construir esse processo de cidadania dentro da escola com a comuni-dade e com os professores. Muitas vezes, discutimos a questão da educação, só pensamos nos alunos e nos esquecemos de pensar nos professores, nos pais, e eles também fazem parte do processo. Por isso, é preciso pensar no todo.

Se a educação é direito de cidadania, pautada no princípio de justiça social, igual-dade e democracia, então temos que garantir o acesso, a permanência desses alu-nos na escola e, acima de tudo, o aprendizado para todos. Não adianta colocar os alunos dentro da escola e fazer com que permaneçam sem que aprendam ade-quadamente. De nada adianta matricular, pagar bolsa para permanência se eles não aprenderem. Os alunos precisam aprender na escola. Essa é uma questão importantíssima! Se o aluno vem para escola e não aprende, nós não cumprimos nossa função social. Não podemos nos esquecer dos conhecimentos. É para isso que a escola existe!

Nessa perspectiva, a gestão também assume outra conotação, não só pautada na eficiência como qualidade total, mas privilegia a participação. Se é assim, tem que ser uma gestão democrática, por meio da participação no planejamento, na elaboração e fiscalização de ações, projetos e medidas, de modo que temos que trazer todos para a discussão, temos que trazer as pessoas para fiscalizarem e controlarem para acompanhar o processo.

Na qualidade social, o processo de trabalho e o trabalhador têm que ser valori-zados. De que forma? Por meio de condições dignas de trabalho, material ade-quado, sala de aula, número de alunos, enfim, condições para que o trabalho seja feito adequadamente. Mas não só o professor, todos os profissionais que trabalham na escola precisam disso. É necessário formação inicial e continuada. Os professores precisam ter formação na área da educação, na licenciatura, na pedagogia, precisam de formação permanente, como vocês denominam aqui. Há necessidade de um processo contínuo de formação, porque o professor nunca está totalmente pronto para atender as dificuldades e diversidades do cotidiano da escola.

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É preciso investimentos na carreira e remuneração dos professores, para que te-nham perspectivas de avanço e uma boa remuneração. Vou falar como profes-sora: sempre queremos ganhar mais, e eu costumo perguntar: “se dobrassem nosso salários, a educação melhoraria?”. Não melhoraria, por causa de todo esse conjunto de questões que precisam ser consideradas. Precisamos pensar que essa remuneração, essa carreira também é processo, não é de um dia para o outro, não se faz assim, num estalar de dedos, são conquistas também, mas nós temos que ter perspectivas de futuro.

Para se efetivar uma educação de qualidade social, há a necessidade de recursos adequados. isso não quer dizer redução de custos, mas o necessário para assegu-rar os recursos materiais, humanos e técnicos para o melhor atendimento da de-manda educacional. Na educação pública isso se efetiva aplicando corretamente os recursos da área educacional, aplicando os 25% da educação na educação, ou mais, sempre mais. Esse é o mínimo e não o máximo. É preciso aplicar esse mínimo com justiça, não desviando recursos, pensando no melhor. isso ocorre quando uma rede educacional tem um planejamento, não é clientelista em de-terminados pontos. isso é pensar na educação de qualidade, colaborando com a totalidade da população.

Nessa perspectiva, o poder público é um dos sujeitos importantes, com o papel de articular a gestão democrática, como mantenedor da escola, auxiliando na articulação do processo junto à comunidade. Comunidade aqui entendida como o coletivo das escolas, gestores escolares, não os gestores públicos sozinhos pen-sando no processo. Enquanto responsável pela articulação, o poder público pre-cisa criar oportunidades de discussão coletiva. Essa é a perspectiva da qualidade social.

Já na qualidade total, a escola é entendida como empresa, gerenciada como tal, havendo padronização do processo, eficiência, redução dos tempos e tudo o mais. Na qualidade social a escola é entendida como síntese das múltiplas influências, porém precisamos entender cada escola como única. Ela sofre influências sociais, históricas, econômicas e políticas. Uma escola é diferente da outra e tem que ser vista a partir de interações diferenciadas. Para isso tem que haver envolvimento de todos, como também dos sujeitos que estão dentro da escola. Por isso é difícil chegar à qualidade social, não é fácil.

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Mesmo assim podemos ter escolas com qualidade social. No entanto, precisamos entender que construir uma escola assim é um processo, não é simples de ser feito. As pessoas precisam se envolver, precisam se conscientizar disso, precisam lutar em prol de uma escola melhor.

O professor, na qualidade total, é o insumo do sistema produtivo, pois é vis-to como mais uma peça da engrenagem, responsável por executar o processo e acabou. Na qualidade social, ele é um trabalhador envolvido no sentido do seu trabalho, que pensa e colabora no processo.

Na qualidade total os pais ou responsáveis são vistos numa dimensão econô-mica, na maioria das vezes como colaboradores financeiros da escola, como em dias de festas, contribuição para a APM, etc. Na qualidade social, por outro lado, eles são participantes nas decisões do processo educacional que assume uma di-mensão democrática. Eles participam dos conselhos e vêm para decidir, e não apenas para assinar papéis. Dessa maneira, eles são chamados a desenvolver essa perspectiva democrática, muito mais presentes no processo educativo do que na outra perspectiva em que não fazem parte da escola.

Os alunos da qualidade total, por sua vez, são vistos meramente como clientes que irão adquirir determinado produto. Quando adquirem, muito bem, se não, o problema é deles, porque a escola continua andando. Já na qualidade social os alunos são vistos como seres sociais e históricos e a escola se preocupa com eles, pois fazem parte da escola, eles são a escola.

Na qualidade total, o objetivo da educação é manter a hegemonia capitalista, é formar as pessoas para os interesses do capital, pela permanência do status quo, ou seja, a sociedade que aí existe. A perspectiva não é mudar o que temos, é per-manecer nisso. Se a sociedade quer esconder, vamos continuar escondendo, por-que sempre vai haver ricos e pobres. Sempre vai haver alguém para trabalhar e fazer o serviço mais duro, mais pesado. Alguns vão pensar, outros vão só fazer o trabalho braçal, porque, para essa ótica, quem exerce trabalho braçal não precisa pensar.

Na qualidade social, a educação tem outro objetivo, que é superar a hegemonia capitalista, pensando uma outra forma de sociedade, na qual podemos ser mais iguais, na qual podemos discutir. Na qualidade social o objetivo é criar uma outra hegemonia, uma outra forma de sociedade, mais justa do que a sociedade capita-

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lista. Então, é preciso pensar uma outra perspectiva. A qualidade social caminha para outro objetivo, vai chegar em outras terras, buscando uma outra forma de organização social.

Como construir uma educação voltada para a qualidade social? Me baseio no pensamento do Danilo Gandin que expressa bem o que penso sobre a questão, que é um processo: “Se alguém for atirado em alto mar para aprender natação, prova-velmente morrerá. Se ficar numa piscina com água pelos tornozelos, nada aprenderá. O melhor modo de aprender a nadar é exercitar-se em águas com profundidade tal que ao mesmo tempo obriga o esforço e permite o descanso quando necessário.”.

Construir uma escola de qualidade social não é algo que fazemos imediatamente, pois se quisermos nos atirar em alto mar sem saber nadar, vamos morrer, porque vamos nos debater, nos debater e não vamos sair do lugar e logo morreremos. Ao mesmo tempo, se ficarmos com medo de entrar na água ou ficarmos com a água no tornozelo, também não faremos nada. Temos que ter a coragem de irmos mais a fundo e entender a conquista da qualidade social como um processo que necessita de ousadia, coragem, mas também planejamento, esforço e metas bem definidas. A educação de qualidade social pode não ser alcançada imediatamen-te, mas estamos caminhando. O caminho pode ser árduo, mas para quem sabe aonde quer chegar não importam as dificuldades do percurso.

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DEBATE

Comentário de Sandra Soria: Quando você [Simone Flach] fala dos aspectos que são mais relacionados à qualidade total e à qualidade social, às vezes a gente se enxerga um pouco de um lado, às vezes um pouco de outro. Como você disse, é um processo e estamos tentando construir uma qualidade social aqui na nossa Rede, e eu acho que em diversos aspectos estamos no caminho bastante acertado, mas é difícil a gente descobrir a medida, até que ponto a gente está indo nesse ca-minho, até que ponto a gente derrapa em algum aspecto da qualidade total. Com relação à avaliação, acho que é um nó bastante grande, porque como a gente ava-lia esses aspectos da qualidade social? Como a gente evidencia se estamos mais para um lado ou para o outro? Acho que a avaliação é uma estratégia, uma forma de corrigirmos os rumos, tomar o que precisa ser retomado. Nós estamos cons-truindo agora com a Rede os indicadores de qualidade social, trazendo elemen-tos e dimensões que acreditamos serem importantes para o desenvolvimento de um trabalho de qualidade. Essa seria uma forma de olhar para essa qualidade, uma forma de medir? porque a gente fica sempre com o IDEB. Como essas duas coisas se relacionam?

Resposta Simone: Os indicadores de qualidade ajudam? É claro que ajudam, porque vamos ter alguns parâmetros para pensar a qualidade social em cima des-ses indicadores. Pode ser que não sejam suficientes, precisem ser reconstruídos no processo ou não traduzam aquilo que queremos, sejam insuficientes. Então pensamos em indicadores e ainda não conseguimos chegar lá. Enfim, precisamos também pensar naquilo que até hoje não pensamos, temos que pensar diferente.

Pergunta: Gostaria de que você falasse um pouco sobre as políticas federais. Des-de o governo FHC temos um modo de tratar a educação em termos de finan-ciamento, de números. Com o governo do Lula e da Dilma, houve essa conti-nuidade, também com a valorização extrema do IDEB. Eu gostaria de que você comentasse um pouco sobre as políticas federais e a qualidade social da educação e se podemos, por meio do IDEB, quantificar a qualidade social.

Resposta Simone: Sobre as políticas federais do governo FHC, a ênfase nas ques-tões estatísticas financeiras e depois a continuidade no governo do Lula e da

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presidente Dilma, eu diria que essa questão é bastante criticada pelos pesquisa-dores da área da política educacional. Quanto à continuidade do Governo Lula de muitas ações do governo FHC, não sou profunda estudiosa a respeito dos dois governos, mas eu pergunto: é errado? Talvez não, porque a questão é que é muito difícil você sair daquilo que já existe. No governo FHC a questão da quantidade era posta com muita ênfase, tanto é que foi nesse governo que chegamos a 97% dos alunos de idade escolar dentro das escolas. O FUNDEF foi um avanço nes-se governo, e depois tivemos uma continuidade no governo Lula com a altera-ção para o FUNDEB. Temos que pensar historicamente, não podemos negar que algumas ações continuem, porque há perspectivas que, se deixarmos, negamos avanços. Alguns aspectos são negativos, mas nem todos, que é a contradição da política educacional. O Governo Lula transformou os dados, os índices, consoli-dou o IDEB, que é um indicador não só do desempenho do aluno, mas também de frequência e outras questões. Não podemos ficar só no número pelo número, precisamos pegar a fórmula do IDEB que considera todos os aspectos da escola, analisar a fórmula e ver no que a escola está avançando, em questão de assidui-dade do professor, do aluno, a evasão escolar, o desempenho, aí sim é possível quantificar. Eu não sou muito a favor do IDEB, sou bem sincera para falar a vo-cês, só o IDEB como resultado final não diz muita coisa, porque, como eu falei, eu conheço realidades em que os dados não são colocados corretamente ou são burlados. Conheço situações no Brasil inteiro, estive agora em julho na Bahia e vi situações de dados lançados de forma tão equivocada que dá arrepios. Eu diria que se nós não tivermos um controle, uma conscientização do processo, aqueles dados não significam nada.

Pergunta: Da forma como a senhora apresentou, observamos que, por um lado, a qualidade total é palpável por ser mensurável, então a gente consegue observar por meio de números e estatísticas onde ela fica estabelecida; por outro, pensan-do na qualidade social, até como um conceito abstrato, e também considerando o esforço da Rede Municipal em construir os indicadores de qualidade [social], eu queria que a senhora se posicionasse com relação à construção desses indi-cadores, se eles serão suficientes e se darão essa dimensão da possibilidade de aproximar o que parece abstrato de alguma coisa mais real e visível.

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Resposta Simone: Não é que a qualidade social não seja palpável, é que nós não estamos acostumados a lidar com ela. É essa a questão! Não é que a qualida-de social não possa ser mensurada, ela pode ser mensurada, mas como falamos em construção coletiva, em trazer as pessoas, isso amplia a discussão, amplia a questão da mensuração. Eu não conheço exatamente a forma de avaliação que vocês estão implementando aqui, mas quando falo em avaliação, por exemplo, eu amplio a discussão com os professores, os pais... Enfim, isso assume uma di-mensão que antes não era pensada, o que constitui algo muitas vezes difícil para pensarmos.

Pergunta: Como desconstruir no coletivo da escola, gestores, professores, aque-les que estão nos trabalhos mais distantes da sala de aula, no coletivo da comuni-dade a qualidade total. Como desconstruir essa herança cultural de muitos anos. Por onde a gente começa?

Resposta Simone: Como desconstruir no coletivo da escola a qualidade total? Como já estamos acostumados a ela, hoje em dia a desconstrução tem que aconte-cer com muita paciência e muita persistência, muito estudo, não tem outra forma. Precisamos entender a qualidade social como processo, que, como tal, tem avan-ços e recuos. Avançamos dois metros e recuamos um para avançar mais dois, mas tem gente que pensa assim: “quando eu recuo não deu certo”; às vezes os recuos são necessários. Alguns marxistas entendem os recuos como estratégicos, pois você avança dois, recua um e avança mais dois ou três. Então os recuos são necessários, essa é a única forma.

Pergunta: Vivo um dilema, acredito na qualidade social, porém tenho filho na escola particular, como responder a esse dilema?

Resposta Simone: O dilema não é só seu, é de muitos professores, essa questão de acreditar na qualidade social e ter filhos na escola particular, que, na maioria das vezes, trabalha na linha da qualidade total pura e simples, embora algumas escolas particulares adotem perspectivas um pouco diferenciadas. Eu também conheço escolas particulares que pautam muitas ações na perspectiva de quali-

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dade social e temos que tomar cuidado na hora de analisar isso. Eu diria: “não se sinta frustrada”. Como educadora e conhecedora da educação brasileira, digo que os professores também pensam no futuro de seus filhos e, como conhecem a escola por dentro, muitas vezes ficam amedrontados com aquilo que vivem. Eu tenho duas filhas, uma já está na universidade e a outra está nos anos finais do ensino fundamental, eu também vivi isso, porque elas estudaram em escola particular, a mais nova ainda estuda; e quando eu disse: “não se sinta frustrada” é porque nós fazemos o contraponto, porque quem acredita na qualidade social precisa fazer o contraponto também com seus filhos. Eu mantenho minha filha, por exemplo, na escola particular e tenho o tempo todo para fazer um contrapon-to com ela, fazer uma reflexão. Não podemos negar aos nossos filhos viver nesse mundo que está aí, porque é nesse mundo em que eles vão viver, porém eles têm que viver de forma crítica. Então, não tenho problema nenhum com a questão, mas temos que fazer o contraponto, fazer com que nossos alunos reflitam sobre as questões. A minha filha mais velha, por exemplo, quando estudava na escola particular, eu não lhe comprei um tênis da Nike, e ela não entendia, perguntava: “mãe, por que os meus amigos da escola têm”, eu tive que sentar com ela um dia e abrir a internet e dizer: “olha como é produzido o tênis, eu não compactuo com isso, quando você crescer, trabalhar e quiser comprar, você compra, é a sua consciência, mas eu não vou comprar”.

Depoimento de Sandra Soria sobre a pergunta: Eu tenho dois filhos, que estu-daram em escola pública desde a educação infantil até o 4° ano do ensino funda-mental. Da quinta série em diante, eles foram para a escola particular e eu vou dizer a você, professora, que está no dilema, que eu não me sinto mais satisfeita com a escola particular como eu me sentia com a escola pública. Eu acho que a escola pública tem falhas, há tropeços, a gente vai e volta nesse modelo, tentan-do vencer esse padrão da qualidade total, mas há muitos aspectos de qualidade social. Nem tudo é perfeito, nem tudo está implementado, mas a gente procura seguir por esse caminho, e a escola particular nem sempre, ela adota o modelo que é do capitalismo e isso já está posto para ela, ninguém questiona. Então, acho que o aprendizado na escola pública é muito mais significativo, porque as pessoas têm muito mais compromisso e, apesar das falhas, procuram fazer um trabalho de qualidade. Eu fiz questão de manter meus filhos na escola pública e

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considero um grande diferencial a oportunidade que eles têm de conviver com a diversidade, porque na escola pública a gente tem de tudo e esse aprendizado é muito rico, e escola particular não aceita qualquer aluno, a gente sabe disso.

Pergunta: A senhora disse que precisamos superar a hegemonia capitalista, crian-do uma contra-hegemonia. O que seria essa contra-hegemonia? O que a professo-ra pensa a esse respeito de maneira muito clara? E a segunda questão: professora, aqui em Guarulhos, investimos muito em valorização profissional, com plano de carreira e formação inicial e continuada, eu pergunto para a senhora: quem for-ma os educadores não precisa de formação?

Resposta de Simone à primeira questão: Penso que só há uma forma de supe-rarmos isso, é pelo socialismo, uma outra organização social, mas também te-nho bastante clareza do limite disso na sociedade atual, da realidade que temos hoje, também vejo como processo, não é simples, porque a ideologia posta e as conquistas do capitalismo que nos seduzem são muito grandes, de maneira que temos de ter um processo de formação e reflexão sobre isso tudo. Como falei, são pequenas coisas, costumo falar para minhas alunas da pedagogia: “são nas pe-quenas ações e nas pequenas coisas que vemos o modo de pensar, as concepções postas”, então precisamos combater as pequenas coisas, como eu falei, lá do tênis Nike para minha filha, que eu questiono na vitrine do shopping: é tão necessário isso? Será que isso vai fazer diferença na “minha” vida? Vejo dessa forma que o caminho se faz aos poucos, um passo de cada vez, não é com arma que a coisa vai acontecer, sou mais da revolução passiva do que da revolução ativa.

Resposta à segunda questão: Quem forma os educadores não precisa de for-mação? Acho que está implícito, é essencial isso. O formador do formador pre-cisa de formação também, isso é essencial e na qualidade social não pode ser desconsiderado. Os formadores não estão prontos e acabados, nenhum de nós está. Nós temos que estar em constante formação, e a formação dos formadores também precisa ser pensada na qualidade social sem dúvida nenhuma, seja de forma externa ou dentro das redes e de forma coletiva. Enfim, devem ser pensa-das alternativas para esses formadores também, porque senão caímos no vazio e a formação acaba se esgotando em si mesma.

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Pergunta: Sou Rita, coordenadora da EJA, e o que me chamou bastante atenção foi a questão da autoemancipação dos professores e eu fiquei pensando como ela pode acontecer entre professores e alunos em um contexto competitivo, exclu-dente, no qual ainda precisamos acumular cargo porque a situação econômica nos obriga. O que pensar a respeito de autoemancipação dos professores e alunos num contexto escolar que ainda não está totalmente democrático?

Resposta Simone: Como autoemancipar os professores e alunos no contexto em que vivemos, nessa loucura desenfreada, em que temos que trabalhar sempre mais e ficamos impedidos de trabalhar numa perspectiva de qualidade social, num processo de formação continuada e de forma consciente? Esse processo de emancipação acontece sim, é um processo de conscientização dos professores e dos alunos. Não perdemos a perspectiva de que é processo, não acontece da noite para o dia, isso vai acontecer, mas temos que estar sempre em formação, em discussão para que ocorra essa autoemancipação. Eu falaria primeiro de uma autoemancipação intelectual, de pensamento, para depois “se” emancipar de ou-tras questões materiais, também fundamentais, visto que precisamos sobreviver, comer, viver bem e nos vestir. Primeiro precisamos ter essa emancipação intelec-tual, nos desvestirmos de algumas necessidades muitas vezes, para rompermos com algumas coisas e talvez nos descolarmos de tantas necessidades que cria-mos. Eu costumo dizer para minhas filhas: “mas isso é necessário mesmo?”, prin-cipalmente a mais nova que é pré-adolescente e sempre quer mais. Precisamos romper com algumas coisas, e isso não consiguimos fazer da noite para o dia, esse é um processo bastante longo para nós que fomos educados nessa sociedade capitalista, onde o consumismo está posto e temos que trabalhar três turnos e ainda mais no final de semana para poder ter tudo o que a sociedade nos impõe. Há tanta coisa que nos seduz nessa sociedade que queremos sempre mais. Será que precisamos de tudo isso?

Pergunta: Uma das ferramentas que hoje tem sido utilizada para aferir a qualida-de na educação são as avaliações em larga escala ou avaliações externas. Estáva-mos em um encontro na Faculdade de Educação da USP e uma das pesquisado-ras dizia que o IDEB seria um entrave à qualidade porque geraria uma redução curricular. Em que medida a definição externa de um parâmetro de qualidade

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com base no aprendizado de determinados conteúdos não indica uma redução dos conteúdos que podem contribuir para a emancipação? Porque se “você” ava-lia somente a leitura e a resolução de problemas, você está dizendo: “isso deve ser avaliado como parâmetro da qualidade”, mas sabemos que na perspectiva da qualidade social, não basta “resolver problemas”, existem outros elementos que são conteúdos socioculturais, seja do aprendizado das artes, da vivência de valo-res como ética, democracia, etc. que não são avaliados pelos instrumentos. Então, em que medida o discurso da qualidade social não encontra seus limites também nesse estado avaliador?

Resposta Simone: O Tiago falou da questão do IDEB, em que medida a qualida-de social não encontra limites nesse estado avaliador. O IDEB está posto aí, para nós pensarmos, analisarmos, enfim, ele é necessário? Não tem como nós, gestores públicos, ignorarmos o que está colocado ali, e o que é avaliado. Não é só o IDEB, ainda temos outras avaliações externas. As outras áreas do conhecimento, a con-vivência, tão necessária na qualidade social, o respeito ao outro, não estão sendo avaliados. Será que não precisamos começar a questionar isso também? Onde estão os educadores, os gestores para começar a questionar tudo isso? Muitas ve-zes nos dobramos porque alguém pensou que tem que ser e então fazemos e não questionamos, será que está certo? Será que a escola tem que fazer tudo isso? É tão necessário? São questões para pensarmos, não sei se tenho resposta para isso, que é uma coisa que me inquieta muito. Como falei, não sou muito a favor do IDEB, não sou a favor do resultado final, mas acho que se desdobrarmos todo o cálculo há muitos pontos positivos que podemos realmente utilizar, para repen-sar e modificar muitas questões na escola.

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AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM E SEUS REGISTROS1

Rede Municipal de Educação

No que se refere às funções da avaliação da aprendizagem, importa ter presente que ela permite o julgamento e a consequente classificação, mas essa não é a sua função constitutiva. É importante estar atento à sua função ontológica, que é a de diagnóstico, e, por isso mesmo, a avaliação cria a base para a tomada de decisão, que é o meio de encaminhar os atos subsequentes, na perspectiva da busca de maior satisfatoriedade nos resultados. (Cipriano C. Luckesi)

Questão fundamental que se coloca na discussão sobre a avaliação é qual será a sua definição político-social para o trabalho na escola, porque dela decorre uma gama de ações que podem ou não servir a finalidades de melhoria do processo educativo. Por isso, a busca da definição conceitual da avaliação se mostra ne-cessária. Todavia, tal consideração não quer dizer que é a definição que deter-mina a prática, mas sim a prática que determina o pensamento sobre a avaliação para que, então, prática e pensamento estabeleçam uma relação de diálogo, ou seja, de ida e volta como duas faces de uma mesma ação pedagógica.

Para que a definição político-social de avaliação da Rede Municipal de Educação de Guarulhos não se constitua em uma abstração desvinculada da prática real das escolas, o processo de discussão do Grupo de Trabalho (GT) e do Departa-mento de Orientações Educacionais e Pedagógicas (DOEP) privilegiou a máxima fidelidade às contribuições enviadas pela Rede.

1 O processo de elaboração deste texto iniciou-se no dia 4 de fevereiro de 2010, quando a Secreta-ria de Educação solicitou que todos os educadores e equipes gestoras respondessem individual-mente a duas questões: a) Qual é a avaliação que desejamos em nossas escolas? e b) Em relação à Ficha Descritiva em uso na Rede, destaque pontos positivos, negativos e dê sugestões. Sua pri-meira publicação aconteceu no dia 24 de junho de 2010, e a versão ora apresentada é basicamente a mesma, com modificações apenas de caráter de revisão.

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Desse processo de reflexão, que não começou agora, mas que já resultou na pub-licação do Quadro de Saberes Necessários (QSN) em 2009, a avaliação é enten-dida como parte integrante do Projeto Político-Pedagógico Municipal e escolar, na medida em que é um instrumento diagnóstico das possibilidades de continui-dade do processo pedagógico, refletindo a prática, mas, sobretudo, identificando elementos para reflexão.

Avaliação da Aprendizagem como Componente Indissociável do Processo Educativo

A avaliação é todo processo que, em princípio, acompanha o caminho percor-rido individualmente pelo educando em sua trajetória de aprendizagem e desen-volvimento, pois não ocorre em um momento isolado como se fosse apenas para marcar a passagem de uma unidade de ensino (bimestre ou semestre), mas, in-tegrante de todo o currículo e das práticas escolares, é entendida como contínua, ou seja, como atividade cotidiana que permite à escola a aferição do andamento do processo, tendo em vista seu consequente avanço.

O educando é visto como sujeito de práticas sociais para as quais a escola tem uma função potencializadora, o que ressalta seu aspecto de interação. Assim, vemos a avaliação como uma interação positiva com o educando, buscando sem-pre o aprendizado e o desenvolvimento integrais, em todos os aspectos: corpo-rais, emocionais, coletivos, cognitivos, éticos e estéticos.

A busca de uma avaliação que dê conta de uma visão mais integral do educando é uma exigência social, muito mais do que uma determinação a priori de uma Secretaria de Educação ou de uma política pública, pois emerge da necessidade de uma compreensão mais geral do mundo, de suas múltiplas determinações que, certamente, uma visão fragmentada do educando e do ensino não é capaz de abarcar. O educando interage com o mundo, e, nessa interação, ele o transforma, mesmo inconscientemente, de modo que a função da avaliação, integrada ao processo pedagógico mais amplo, é exatamente tornar consciente no educando essas possibilidades de diagnosticar o mundo e não somente de verificá-lo, pois, por verificação, concebe-se uma visão estática do mundo; e por diagnóstico, no sentido avaliativo, se compreende o movimento de diálogo com o mundo. Esse movimento se dá em todo o momento de nossa vida e não somente em uma “prova”.

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Nesse sentido, a avaliação é um referencial para avançarmos nas conquistas dos saberes necessários tanto para o educando quanto para o educador no âmbito formativo, contínuo, de observação, reflexão e registro das vivências cotidianas. Por vivências cotidianas entendemos todas as ações humanas dos indivíduos, que permitem ao educando lidar com o mundo e multiplicar suas experiências mais imediatas, conscientes ou não. A avaliação, considerando essa apreensão imediata do mundo (vivências cotidianas), torna-as conscientes e vai além delas na medida em que permite o seu refinamento e sua ressignificação.

A avaliação é vista como um processo contínuo que considera o desenvolvimento global de cada educando em sua singularidade, os conhecimentos prévios e o contexto em que ele está inserido, pois ela faz parte de um processo formativo, contínuo, diário e diversificado, que procura acompanhar o sujeito em seu desen-volvimento como ser multidimensional.

O instrumento avaliativo deve ser subsidiado pelo registro objetivo das ações na escola para a tomada de decisão que contribua para o fortalecimento do processo educativo. isso se relaciona com a compreensão de que a observação atenta e seu registro fazem parte do processo avaliativo permanente do educando, em diver-sas situações: quando brinca, quando participa de uma roda de conversa, quando lê, escreve, conta uma história, quando pesquisa, resolve problemas, etc.

Além disso, a avaliação deve ocorrer ao longo do processo, adequando-se à na-tureza da aprendizagem, levando em consideração não só os resultados das tare-fas realizadas, mas o processo de aquisição dos saberes. Portanto, deve objeti-var mais do que “notas”. Trata-se de um olhar integral e não fragmentado, sem aspectos classificatórios e eliminatórios. O diagnóstico de dificuldades e facili-dades deve ser compreendido não como um veredicto que irá culpar ou absolver o educando, mas sim como uma análise da situação escolar atual, em função das condições de ensino que estão sendo oferecidas.

O educador atento a isso trabalha observando, interpretando e registrando as ações, as hipóteses e o pensamento do educando, considerando sempre a riqueza das possibilidades e as diferenças culturais e respeitando a individualidade dos sujeitos e seu Tempo de Vida, sem finalidades classificatórias, mas sim diagnósti-cas.

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Avaliação da Aprendizagem: entre a Classificação Excludente e o Diagnóstico

Por considerar a avaliação como componente do processo educativo em todos os seus momentos e facetas, ela é vista em seu aspecto constitutivo, ou seja, no sentido de avanço do ensino-aprendizagem e tendo em vista o fortalecimento da prática. Desse modo, a avaliação visa à melhoria da qualidade do ensino e ao le-vantamento de um conjunto de dados que permitem à escola e à sociedade tomar decisões sobre os rumos da escolarização dos educandos.

A avaliação tem, na sua essência, uma função diagnóstica, pois deve ser continuamente um instrumento objetivo que permite uma tomada de decisão sobre os dados colhidos, daí a importância do registro para uma discussão mais consistente no interior da escola.

A prática da avaliação nunca pode ser entendida apenas como prova, pois o edu-cando não deve provar ao educador, por exemplo, que é inocente diante dos aprendizados nele “depositados”, mas, como sujeito, esse educando verá, nos instrumentos avaliativos, a possibilidade real, expressiva do crescimento de sua compreensão relativa ao mundo e aos saberes socioculturais trabalhados durante um período, ou unidade de ensino.

Em oposição a esse modelo classificatório de cunho seletivo, excludente e coer-citivo é que surge a necessidade de a avaliação incluir e não excluir, revelando sua função fundamental: diagnóstica. A avaliação não pode ser um instrumento de mera classificação, na maioria dos casos com valorações em melhor ou pior, bom ou ruim, satisfatório ou insatisfatório, etc., mas um instrumento que auxilia a melhoria da qualidade de ensino e o desenvolvimento individual e coletivo do educando, sendo fonte de estímulo e não de desmotivação.

A avaliação não tem um fim em si mesmo, adquirindo seu sentido somente quan-do vinculada ao processo educacional mais amplo (política pública) e mais espe-cífico (o currículo e o projeto da escola), sendo um indicador de seu sucesso e das possíveis necessidades de melhora.

Avaliar é diagnosticar o desempenho dos educandos nas diversas práticas edu-cativas e nos respectivos eixos que estão contemplados no Quadro dos Saberes

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Necessários, importante documento norteador de nossa prática, para encadear sempre a correção de rumos e o replanejar do educador e do grupo-escola. Trata--se de um ato conscientemente vinculado à concepção de mundo, de sociedade e de ensino que temos (PPP), permeando toda a prática pedagógica e as decisões metodológicas.

Disso decorre que a avaliação não deve representar o fim do processo de apre-ndizagem, nem tampouco a escolha inconsciente de instrumentos avaliativos, mas sim a escolha de um caminho a percorrer na busca do desenvolvimento dos saberes necessários.

Avaliação da Aprendizagem para todos ou só para o Educando?

À primeira vista, quando nos deparamos diante de uma pergunta exclusiva como esta, a resposta se mostra quase automaticamente: em geral se escolhe que a “avaliação é para todos”. Todavia, ao nos debruçarmos sobre a realidade das escolas e vermos como realmente o processo de avaliação se dá, nem sempre toda a equipe escolar se coloca como objeto ou sujeito do processo avaliativo, pois existe uma ideia de avaliação como forma de verificar o conteúdo formal aprendido pelo educando, e não o conjunto das ações que se dão no interior da escola nas quais estão envolvidos todos os atores.

Não é exagero salientar que essa postura sobre a necessidade de o processo avaliativo abarcar a totalidade do grupo-escola decorre da concepção que temos de avaliação (PPP), entendida como os instrumentos de que a escola dispõe para diagnosticar as condições concretas de seu funcionamento (organização, gestão, didática, metodologia, etc.), tendo em vista a qualidade social da educação e do processo ensino-aprendizagem.

Dada essa necessidade de grupo nos processos avaliativos, consideramos que, em relação ao educando, a avaliação deve ter um caráter formativo e não clas-sificatório, priorizando o processo ensino-aprendizagem do grupo/coletivo e de cada indivíduo, ou seja, um processo dinâmico no qual as atividades e conteú-dos de trabalho dialoguem, constantemente, com as situações e necessidades dos educandos.

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O Quadro de Saberes Necessários, ao defender uma perspectiva de diálogo como fonte para o processo de construção do conhecimento, concebe os saberes como advindos da experiência vivida da escola, da comunidade e historicamente construídos, cuja formalização é o resultado de um exame crítico das necessidades sociais de transformação de suas condições de existência.

Em consonância com esse princípio político-social, a avaliação é um instrumento que permite a essa concepção se materializar, ou seja, no interior da escola, ela é uma das expressões da concretude da educação que queremos, daí sua relação com o currículo escolar, que é, segundo o próprio Quadro de Saberes Necessários, um instrumento de formação humana.

Conhecer os educandos, seus interesses, suas necessidades, respeitar o modo de ser e de viver (ambiente familiar) e valorizar seus múltiplos saberes e habilidades são fatores de extrema importância para a relação entre saberes, currículo e avaliação. Para isso, a sondagem é o ponto de partida para estabelecer uma relação entre o Quadro de Saberes Necessários e o conhecimento que cada educando traz em sua bagagem cultural, dando maior significado para o novo conhecimento a ser adquirido por ele.

Em seguida, faz-se necessária a discussão de uma intervenção, um planejamento fundamentado e ao mesmo tempo flexível, pois devemos contar com as possíveis necessidades de mudanças durante o processo. Surge daí uma perspectiva de reflexão e diálogo contínuos, pois um planejamento só pode ser flexível e atender às necessidades formativas do educando se, pelo diálogo e sistematização, en-contrar novas possibilidades de reorientação da prática.

Mas, como fio condutor, pensamos que avaliar o educando diariamente em todos os espaços educativos (na sala de aula, nos jogos/brincadeiras, nas atividades artísticas, nos horários de refeição, em diferentes situações que fazem parte do cotidiano escolar) e considerar suas características individuais, por meio de observações e registros, é um elemento importante da avaliação. Uma formação que se quer integral não pode limitar o ato de avaliar somente a situações em que os conteúdos conceituais prevaleçam. É preciso criar desafios e situações de aprendizagens para que os educandos desenvolvam suas diferentes capacidades (cognitivas, motoras, sociais, afetivas, interacionais, etc.).

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A avaliação é uma ferramenta que orienta a pensar o ensino-aprendizagem por meio de uma reflexão que envolva a todos: o educando, que tem o direito de conhecer o seu próprio processo de aprendizagem para se empenhar na superação das necessidades/dificuldades (autoavaliação); os seus pais, corresponsáveis pela educação dos filhos e por parte significativa dos estímulos que eles recebem; e o educador regente e os educadores das diferentes áreas do conhecimento humano, que precisam constantemente avaliar as próprias práticas em sala de aula, de modo a garantir continuidade e coerência no cotidiano escolar do educando.

Não podemos esquecer que o educador também deve se avaliar, refletindo sobre o seu próprio trabalho, verificando seu planejamento, seus procedimentos metodológicos, e, quando necessário, reestruturando sua prática.

A reflexão coletiva dos profissionais que acompanham o educando deve ser realizada nos diferentes âmbitos da escola, com o parecer de todos os envolvidos, principalmente dos gestores, pois não se trata de um olhar isolado e obrigatório do educador.

Avaliação da Aprendizagem e Registro da Prática: em Busca da Materialização de sua Finalidade Essencial

Quando nos perguntamos sobre a finalidade essencial (constitutiva) da avaliação, estamos nos perguntando sobre o seu “para quê?”, ou seja, a sua destinação fundamental, que permite relacionar a finalidade mesma e a definição, que responde a pergunta “o que é?”.

É importante relacionar a finalidade da avaliação com o processo de registro, considerando, prioritariamente, quais saberes os educandos construíram por meio de suas vivências familiares, sociais e escolares, visando a que o educando se aproprie da leitura e da escrita e dos conhecimentos historicamente construí-dos, fornecendo aos educadores, pais e aos próprios educandos, dados concretos do que já sabem e do que ainda precisam saber.

Mas, para que esse objetivo seja alcançado, é necessário que a avaliação, a par-tir do diagnóstico, ganhe de fato um movimento mediador. Para garantir sua eficiência como instrumento pedagógico, quando compartilhada com os pares,

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deve provocar reflexões, sugestões e transformações, no sentido de ampliar os horizontes e o caminho percorrido.

Permite, em suma, ao educador refletir sobre sua prática pedagógica (individual e coletivamente), e, se necessário, transformá-la, analisando assim o que se pre-tendia e o que realmente foi alcançado, o ideal e o real, valorizando e respeitando o Tempo de Vida do educando. isso mostra que a avaliação é instrumento de reflexão, que sempre ocorre em um movimento de diálogo, em que uma questão é objeto de pontos de vista, em geral discordantes, mas com um mesmo objetivo. É a partir desse processo que conseguimos a ampliação dos horizontes e propor-cionamos ao educando as ferramentas necessárias para sua ação no mundo.

Concebemos, pois, a avaliação na sua finalidade de diagnosticar o momento de aprendizagem de cada educando, revelando conhecimentos prévios, identifican-do potencialidades e dificuldades, registrando e acompanhando o seu caminhar, respeitando-o e valorizando-o, pois o educando nos mostra em que momento da aprendizagem ele se encontra. Possibilita que o educador planeje sua mediação, isto é, a prática pedagógica com a finalidade de ampliar o conhecimento dos edu-candos e o seu desenvolvimento pleno.

Quando conseguimos dimensionar essa função mediadora da avaliação é que alcançamos outra finalidade, qual seja, nortear a mediação do educador e da es-cola na formação integral do educando como cidadão autônomo, crítico, ético e solidário, sujeito de seu próprio conhecimento, capaz de ter sua própria visão de mundo, que saiba respeitar e conviver com a diversidade, colaborando, cooper-ando e estabelecendo vínculos de afetividade, de modo a buscar continuamente uma aprendizagem significativa direcionada para a Vida. Tudo isso constitui a qualidade social da educação.

Como é possível depreender da delineação dessas finalidades fundamentais da avaliação, observa-se que as palavras “compreender”, “diagnosticar” e “mediar” investem o ato de avaliar de um conteúdo político-social, responsável pela materialização do caráter processual e qualitativo que desejamos. A avaliação possibilita fazermos uma sondagem de nosso próprio trabalho, fornecendo um mapeamento da situação da turma e de cada educando, no sentido de propor intervenções significativas e norteadoras de ações subsequentes; além do quê, permite buscar meios para que os educandos alcancem os objetivos propostos,

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não para rotulá-los e classificá-los, nem penalizá-los pelos possíveis erros, mas para possibilitar registros claros sobre avanços e desafios, visando seu acompanhamento em todos os aspectos.

Para materializar a finalidade da avaliação, insistentemente reforçada, o regis-tro tem um papel fundamental e necessário. Por registro, está caracterizada toda forma de reflexão e expressão objetivas sobre momentos determinados do pro-cesso educativo e que permitem uma tomada de decisão fundamentada, tendo sempre em vista a ampliação da qualidade social da educação. O registro deve ser sistemático e atualizado sobre os acontecimentos do grupo e de cada edu-cando por meio de diferentes instrumentos, incluindo testes, provas e trabalhos com notas e descrições.

O registro também pode ser feito em formato de relatório, contendo a descrição de todas as etapas do processo em um semanário ou, então, em um “diário de bordo” que contenham itens como: frequência, participação ativa, convívio com os demais colegas, desempenho nas atividades, postura diante dos combinados realizados em sala de aula, relação educador-educando, apropriação e compreen-são dos saberes necessários, etc.

Outra forma indicada para organizá-lo [o registro] e que propicia a participação da família dos educandos no processo é a sistematização das atividades produzidas por eles, por meio de um portfólio, ou seja, de uma pasta com as atividades mais significativas realizadas num determinado período, com os devidos registros do educador, que possibilita a visualização dos avanços e desafios e que revela diferentes aspectos da aprendizagem.

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Caminho a Percorrer Continuamente em nossa Prática

Como construção contínua de acertos e erros, a Educação possui a mesma dinâmica da Vida, pois ela é a própria vida na potência de aperfeiçoamento das nossas possibilidades de agir no mundo. A Educação nunca terá seu fim, mas apenas um (re)começo, e é nessa trajetória que passamos a compreender a vida como experiência.

No que se refere à avaliação da aprendizagem, concebemos que ela não pode ser desvinculada do Projeto Político-Pedagógico, nem dos saberes necessários fun-damentais à formação do educando que desejamos. Nesse sentido, salientamos a importância da ação avaliativa de cada um dos educadores em seu modo atento, sensível e diferenciado de olhar o educando e as situações de aprendizagem e desenvolvimento, visto que consideramos cada sujeito um ser único, repleto de possibilidades, expectativas, vivências e dificuldades. Portanto, o ato de avaliar deve ser feito levando-se em consideração todos estes aspectos, sem que o educa-dor compare os educandos entre si.

Disso decorre que, embora todos os envolvidos no processo da escola participem das dinâmicas de avaliação, o princípio de que devemos estar atentos para que o educando se desenvolva integralmente deve ser imperativo. A avaliação é fun-damental para o processo ensino-aprendizagem e deve ser utilizada com respon-sabilidade a favor do educando, sem simplesmente classificar o fracasso, além de ter que existir em função da aprendizagem e do aprimoramento do trabalho do educador, que, após observações e registros, analisará as informações com a finalidade de redirecionar e reorientar a ação educativa. Esse processo deve ser focado no desenvolvimento de todas as dimensões humanas dos educandos e não ter exclusivamente como finalidade medir e quantificar estatisticamente er-ros e acertos.

Dito de outra maneira, os momentos avaliativos visam a auxiliar o educando a superar-se, nunca devem ser utilizados apenas para mostrar suas inabilidades ou deficiências, pois todos somos seres plenos, capazes de aprender e de nos tornar melhores. A avaliação deverá ser um instrumento transformador da realidade, provocador de mudanças positivas e significativas no educando, com o objetivo de formar um cidadão crítico, oferecendo oportunidades para autoavaliação e fa-

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zendo com que todos se envolvam no processo de superação coletiva das dificul-dades. Nesse movimento, o educando terá oportunidade de refletir sobre seu processo de desenvolvimento, reconhecer suas potencialidades, seus desafios e perceber que todos podem aprender com todos.

É dessa forma que o educador pode encontrar elementos para refletir sobre as seguintes questões: O que fazer para que todos avancem? O que melhorar? O que aprimorar? Elas nortearão o trabalho realizado com os educandos ao longo de sua vida escolar, para que ele não seja fragmentado nos ciclos de formação e aprendizagem e se promova a inclusão de todos, num movimento dialético.

Enfim, o educador deve conhecer seus educandos, seus avanços e dificuldades, ao passo que o próprio educando também deve aprender a se avaliar e descobrir o que é preciso mudar e/ou transformar para que se garanta uma aprendizagem de melhor qualidade. O grande desafio ainda continua sendo o de abrir o caminho da qualidade de uma educação emancipatória, que atenda às necessidades sociais do cidadão que desejamos formar.

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AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: ELEMENTOS PARA DISCUSSÃO

SANDRA ZÁKIA SOUSAUniversidade de São Paulo – USPUniversidade Cidade de São Paulo – UNICID

Bom dia a todos, agradeço muitíssimo a oportunidade de estar discutindo um tema que me é muito caro. Estou há muitos e muitos anos dentro desse campo da avaliação educacional.

A questão da avaliação da aprendizagem foi durante muito tempo o grande foco, a grande vertente do debate sobre avaliação. Sempre que falávamos de avalia-ção no contexto da escola, imediatamente o que vinha como tema de discussão era a avaliação do aluno, avaliação de aprendizagem, era como avaliar, pra que avaliar e que sentido tem a avaliação. Muitos estudos foram feitos, inclusive de-nunciando o caráter classificatório das avaliações, a dimensão da avaliação não formativa, não diagnóstica que, portanto, reafirmavam a importância de uma ressignificação da própria avaliação.

Penso que essas não são questões que foram superadas, nós ainda mantemos essencialmente uma visão de avaliação como uma ideia de julgamento do outro, que deve subsidiar uma classificação e, muitas vezes, paramos por aí. A ideia do mérito, que hoje é retomada de forma muito evidente quando se discute a avalia-ção de mérito do professor, mérito docente, é muito impregnada em todos nós.

No contexto de uma sociedade capitalista, tendemos a naturalizar as desigualda-des, uns merecem de fato mais que os outros, uns de fato são mais capazes que outros e este ideário, que é um ideário lá do liberalismo, ainda hoje é um grande elemento, um grande fator que nos impede de romper com uma visão de avalia-ção como instrumento de controle, como instrumento de classificação.

Devemos ter essa ideia presente durante a discussão, porque se não rompermos, em termos da dimensão valorativa, com estes princípios, conseguiremos cami-nhar pouco, seja em relação à avaliação da aprendizagem, seja numa perspectiva de avaliações institucional ou numa perspectiva de avaliação de sistema.

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Além desse aspecto, o que trabalhávamos muito quando discutíamos a questão da avaliação na escola era que, de todos os componentes da instituição escolar, dinâmicas, relações e interações, apenas o aluno era foco de uma ação sistemática de avaliação. Outras dimensões, usualmente, eram objeto de avaliações infor-mais. Por exemplo, sabemos que alguns professores comentam com outros: “essa diretora é isso, é aquilo, essa coordenadora pedagógica, vamos torcer para ela sair da escola, porque essa não consegue coordenar, ou ela não domina isso”. O professor de uma série fala: “estou torcendo para conseguir pegar a classe da professora tal”; ou: “não quero pegar os alunos da professora tal porque eles são pouco preparados”. Sabemos de todo um conjunto de avaliações que ocorrem, seja em relação aos profissionais, seja das condições de trabalho, das condições materiais, mas isso não acontecia de uma forma sistematizada. Somente nos anos mais recentes começamos a ter no âmbito da educação básica o debate da avalia-ção institucional. O que está por trás disso?

É uma compreensão de que nós devemos olhar o sucesso ou fracasso do alu-no como resultante do trabalho da escola, é isso que muda, que deveria estar mudando quando se pensa processo de avaliação institucional, ou seja, revela o reconhecimento de um conjunto de fatores que vêm ou não contribuindo para o sucesso escolar. Portanto, o desempenho do aluno, a ocorrência ou não da apren-dizagem, é algo que não vai ser interpretado meramente como um problema in-dividual, mas passa a ser uma questão coletiva a ser enfrentada pela escola. Logo, a avaliação institucional supõe a ampliação da abrangência de quando falamos de avaliação escolar.

Não estamos mais só falando de avaliação de aprendizagem e, portanto, o de-sempenho do aluno deve necessariamente ser analisado de modo contextuali-zado. Quando a gente trabalhava uma noção de avaliação de aprendizagem que visava superar uma perspectiva meramente discriminatória, a gente chamava muito a atenção e continua chamando para que a avaliação não possa parar no momento de julgamento.

O processo avaliativo, para ter consequência, deve envolver além da descrição da situação, uma análise da situação, seja do aluno, seja da escola como um todo, das diferentes dimensões do contexto escolar, que se expressa em julgamentos: o que está bem, o que não está bem, o que precisa ser melhorado, o que avançou,

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o que não avançou, quais as causas, quais as ações que explicam os resultados. Mas, não para por aí, pra ter consequência, o processo avaliativo precisa gerar decisões e ações. Seja avaliação do aluno, seja avaliação institucional da escola, só vai superar o caráter burocrático se gerar consequência, senão ela pode se tornar mais um formulário a ser preenchido, mais uma reunião a ser feita, mais uma convocação de pais a ser realizada, mais um relatório a ser produzido que acaba tendo, muitas vezes, um fim “engavetativo”. Esse relatório vai para as res-pectivas instâncias da escola, para as equipes centrais da secretaria, mas não se constitui como instrumento de trabalho que subsidie decisões e ações.

Esse trabalho de avaliação institucional que vocês vêm conduzindo de forma bas-tante interessante, bastante participativa no âmbito da rede, não pode resultar meramente numa listagem de dimensões e indicadores, exaustiva, num relatório decorrente que é enviado para a equipe central da Secretaria da Educação. Na verdade, desde a escola até a Secretaria de Educação, se não tiverem uma intera-ção propositiva com o resultado da avaliação institucional e não elaborarem um plano de intervenção a partir de resultados, a avaliação vai se constituir em uma atividade que será muito mais uma obrigação do que um meio e um instrumento de aprimoramento do trabalho.

Por isso, refletir que sentido tem, que finalidade, a que serve a avaliação institu-cional é fundamental. Trouxe aqui a ideia que considero nuclear no debate da avaliação institucional, que é a ideia de que a avaliação, na verdade, vai começar ou ela já começa quando estou discutindo o próprio projeto educacional, seja o projeto educacional da rede, seja o projeto educacional da rede reinterpretado no âmbito do contexto de cada uma das escolas que a integram.

Por que estou chamando atenção sobre isso? Penso que há uma linha muito tênue e que precisa ser considerada. Por um lado, quando se fala em uma rede públi-ca de ensino, é fundamental que alguns parâmetros, finalidades, prioridades se-jam estabelecidas para a rede, porque se assim não for, cada escola vai caminhar numa direção. As escolas que atendem determinado tipo de clientela ou que se localizem em determinados locais mais ou menos privilegiados vão ter influên-cias nesses seus condicionantes. Por isso estou chamando atenção para se ter um projeto de rede.

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Por outro lado, este projeto de uma educação pública de qualidade para todos, precisa ser apropriado e reinterpretado no âmbito de cada unidade escolar, a par-tir das suas especificidades, dos alunos que ela atende, da sua equipe escolar, dos professores que compõem aquela escola, da sua localização, enfim, da história e trajetória daquela escola, porque se não for apropriado pela escola, ele não ganha a identidade para aquele grupo. Então, quando falamos numa rede pública, pre-cisamos estar atentos, porque quando digo que o projeto é educacional, vamos ter que discutir o projeto em termos da rede, compromissos que são de todos, e o projeto da escola à luz daqueles compromissos, daquelas prioridades, daquelas diretrizes da rede pública de ensino.

É uma questão que se coloca fortemente tanto para aqueles que trabalham no âmbito da educação infantil quanto no âmbito das séries iniciais. As pessoas que trabalham na educação infantil costumam dizer: “a gente não tem problema de avaliação de aprendizagem”, “não, aqui não é classificatório, porque aqui a ques-tão da reprovação nunca esteve presente”, e eu costumo brincar, eu falo: “gente, infelizmente, se você olha enquanto tendência - eu sempre cuido muito disso, porque acho que as práticas são muito diferentes -, o que se observa é a reprodu-ção na educação infantil da concepção de avaliação vigente no ensino fundamen-tal, quer dizer, a avaliação servindo para conformar, controlar e, muitas vezes, ouço dizer: ‘mas a gente não tem nem nota’”. É pior que ter nota porque tem o bonequinho que dá risada, o bonequinho que chorou porque a criança não fez a lição, as estrelinhas para uns e o céu escuro para outros, o sol que brilha para uns e o sol chorando para outros. Vão se criando, inclusive, formas de representação do julgamento que espelham em grande parte a lógica vigente nas séries iniciais do ensino fundamental.

Portanto, a dificuldade de romper com uma dada concepção de avaliação não está dada para aqueles que estão no ensino fundamental, que, na verdade, já está sendo construída desde quando éramos alunos na escola.

Acho que pensar a avaliação institucional é colocá-la no âmbito da escola em ou-tro patamar que nos obrigue a pensar a partir de outros princípios visando outras finalidades. Para pensar a avaliação, teríamos que perguntar: qual é nosso proje-to educacional? Certamente, esse trabalho que vocês estão fazendo, construindo os indicadores de qualidade, começa com essa pergunta: qual é nosso projeto?

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Outras perguntas são: que noção de qualidade estamos assumindo no âmbito da rede municipal de Guarulhos? Que princípios achamos que devem orientar o trabalho escolar? A avaliação vai ser moldada para indagar se esses princípios estão presentes. Quais os nossos compromissos com os alunos das escolas, e pra além desses, com a construção de uma escola de qualidade?

No fundo, temos que nos perguntar se acreditamos mesmo que todos os alunos são capazes de se desenvolver. Será que a gente acredita mesmo que é possível uma escola de qualidade para todos? Inclusive aí, acho que tem uma especificida-de que podemos explorar no debate, que é a questão dos alunos com deficiência. Como garantir qualidade para alunos que demandam condições diferenciadas de atendimento? Muitas vezes, na rede de ensino, nem toda pessoa com deficiên-cia demanda condições diferenciadas, mas e aqueles que demandam? No limite, quando falo de avaliação, a questão central que surge é esta: o que estamos en-tendendo por qualidade?

É daí que vão emergir os indicadores que vou utilizar, as dimensões que vou pri-vilegiar na avaliação institucional. Sempre costumo dizer que muitas vezes não temos muita clareza desse projeto, mas o próprio processo de delineamento de uma proposta de avaliação institucional pode ajudar a clarear qual é o projeto. Sempre lembro outra coisa, vamos tentar trabalhar não com o projeto declarado, mas com nosso projeto real que estamos vivendo na escola, e a avaliação pode ajudar a mostrar isso.

Nós, professores, temos incorporado um discurso muito interessante da demo-cratização do ensino, de formar o aluno participativo, crítico, mas, muitas vezes, quando olhamos nossas práticas, elas nem sempre estão revelando esse poten-cial. Então, a avaliação é esse meio de permitir, inclusive, que se revele qual é o real projeto educacional que está sendo vivido na escola.

Quais os passos de construção de uma metodologia de avaliação? Acredito que vocês, de alguma forma, passaram por eles ao vivenciar a construção dessa pro-posta de avaliação institucional. O primeiro deles pergunta: para quê? Qual a finalidade? Qual é a intencionalidade de ter um processo de avaliação institucio-nal?

Precisamos ter clareza sobre essas questões para a avaliação não se tornar um procedimento meramente burocrático. Quem são os sujeitos da avaliação? Quem

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terá voz nesse processo avaliativo? Tradicionalmente, quem tem voz no processo avaliativo da escola é o professor, e quando estou pensando no projeto de avalia-ção institucional, posso continuar dando voz ao professor, mas serão só eles os sujeitos da avaliação? Que outros participantes podem contribuir para a melho-ria do trabalho institucional?

A outra questão é o que é avaliado. Vamos avaliar a aprendizagem? Vamos con-siderar desempenho de aluno? Vamos considerar condições materiais? Vamos considerar as relações e interações vigentes na escola? Sei que vocês já elencaram várias dimensões e vários focos que serão objetos da avaliação. O como avaliar, que instrumentos, que meios e com que periodicidade essa avaliação será feita, é importante ter bastante atenção, porque hoje, com esse número enorme de inicia-tivas de avaliação de desempenho de aluno a que estamos assistindo, quase não temos mais tempo para realizar o trabalho, de tanto que o aluno é submetido à avaliação.

Certa vez, entrevistei um gestor de uma secretaria estadual de educação que é um defensor da avaliação e das provas externas. Ele me disse assim: “olha, pro-fessora, vou falar uma coisa, os meninos têm tanta prova, tanta prova...” – aí ele citou a prova estadual que tinha duas versões; o SAEB, a Prova Brasil e o PiSA, de que algumas escolas participavam e continuou – “o professor está tão sufoca-do de preparar os alunos para prova que não tem mais tempo de ensinar”. E ele usou o seguinte exemplo, “nós estamos caindo em uma situação na qual quere-mos que o boi engorde, só que a gente fica tanto medindo e pesando o boi (todo dia) para ver se ele engordou, que a gente esquece de dar comida para ele”.

De novo chamo atenção do pessoal da educação infantil. Se vocês notarem, hoje temos um movimento, inclusive de criação de testes voltados para esta etapa da educação. Precisamos tomar cuidado para não trazer para a avaliação institucio-nal essa conotação. Este movimento que está acontecendo é muito forte e preci-samos situá-lo como parte da avaliação institucional, não como a referência de avaliação da escola, senão esvazio o processo de avaliação institucional que, na verdade, tem que responder a vários aspectos, dentre os quais a avaliação de ren-dimento do aluno, que é um indicador a ser considerado nesse processo, porque ela está remetendo a uma discussão que deve subsidiar a tomada de decisões de caráter político, pedagógico e administrativo desde o âmbito da escola, passando pelas instâncias intermediárias e central da Secretaria Municipal de Educação.

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Quais as dimensões da avaliação institucional? Tem uma dimensão que é uma avaliação do próprio projeto, do próprio documento. É necessário olhar os pres-supostos, os valores, as diretrizes, buscando apreender as finalidades, funções sociais e políticas. Acho que o primeiro passo é pegar o documento que a escola normalmente já tem, seus PDEs, seu plano educacional, etc.

O projeto das escolas é, muitas vezes, desconhecido da própria comunidade da escola, é algo de posse da diretora e fica lá para alguém que vai fazer uma en-trevista, uma pesquisa, se tiver que mandar para a Secretaria. Ela tem lá o docu-mento, mas é um plano de papel. Um passo importante é olhar o próprio plano: o que o nosso plano diz? A que ele se propõe? Esse plano de fato reflete o que a gente vem fazendo?

O plano foi perdendo historicamente o sentido de plano, mas é fundamental quando colocamos a discussão da avaliação institucional resgatar sua importân-cia, resgatar aquilo que está escrito e enunciado no plano escolar, e, portanto, o próprio documento deve ser objeto de analise.

Em seguida, temos a avaliação de processo, que acho que é um momento que vocês estão vivendo agora, que é estabelecer dimensões e indicadores para uma avaliação das ações tais como vêm sendo executadas, ou seja, avaliar propria-mente o trabalho em realização, comparar o executado com o previsto, identificar os resultados não previstos, e isso é um alerta bastante importante de ser feito.

Muitas vezes a gente monta um plano e, na sua implementação, ocorre a obten-ção de resultados diferentes daqueles que a gente previu, às vezes até melhores e às vezes resultados não desejáveis; é importante, enquanto avaliadores, estar-mos atentos para esses resultados não previstos. Nesse movimento, precisamos identificar os fatores facilitadores e obstaculizadores, ou seja, que fatores vêm colaborando para a consecução daquele plano e que fatores vêm impedindo ou dificultando sua consecução.

A avaliação do produto, que tem como um dos indicadores os resultados das avaliações externas de desempenho dos alunos, deve fazer parte do processo de avaliação institucional, ou seja, o grande desafio é usar os resultados das avalia-ções externas articulados com os resultados de um processo de autoavaliação. Ao olhar os resultados, a grande questão é: como aliarmos elementos tanto quantita-tivos quanto qualitativos para produzir a avaliação?

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É importante tomarmos muito cuidado com o que vem acontecendo hoje, ou a gente tem um descrédito ou abandono da avaliação, por exemplo, como o do resultado da Prova Brasil. É necessário procurarmos aprender a olhar de uma forma mais ampla o conjunto de resultados, não podemos reduzir a escola a duas disciplinas que são língua portuguesa e matemática.

Para finalizar, quero chamar atenção às características de um processo de ava-liação institucional que, no meu entendimento, pode ter um potencial efetivo de contribuir para melhoria de qualidade se for um processo democrático no sentido de que, de fato, envolva diferentes segmentos, diferentes olhares e que permita que diferentes vozes se manifestem no processo de avaliação, desde as crianças pequenas – às vezes achamos que eles não sabem participar, mas a única maneira que aprendemos a participar é participando, elas têm uma visão, elas têm um olhar. Também os pais têm uma visão e um olhar, têm uma opinião, um julgamento e sugestões para melhoria do trabalho que vem sendo desenvolvido, além dos profissionais da educação.

Esse processo deve ser abrangente, o que significa que diferentes focos de dimen-sões vão ser avaliados, inclusive o docente, inclusive o desempenho docente. Sei que esse é um foco da avaliação que merece uma outra discussão, principalmente hoje que temos as tendências de associar incentivos a resultados de avaliação do-cente. Não é isso de que estou falando, não sou favorável a incentivo em função de melhor ou pior desempenho, mas temos que reconhecer que parte da qualida-de que vem sendo produzida é decorrente do desempenho docente.

Em um processo que tem perspectiva democrática, a avaliação docente não vai ter o caráter de ameaça, ou de segmentação de bons ou não bons professores, mas é fundamental que isso também seja objeto de avaliação.

Esse processo deve ser contínuo no sentido de não ser uma ação pontual, mas ter uma perspectiva de periodicidade, ter retorno, ter acompanhamento das ações que estão sendo feitas a partir da avaliação, porque senão ela cai em descrédito. Nós sabemos como fazer para uma avaliação cair em descrédito. Então, se não se cuidar muito da ideia de ter uma sistemática de avaliação, a gente acaba tendo uma ação local, pontual e pouco consequente.

E a outra questão é ser viável. Não adianta criarmos um processo lindo, maravi-lhoso, completo, complexo e que não conseguimos executar, não tem viabilida-

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de técnica, não tem viabilidade financeira. Algumas das dimensões possíveis de serem avaliadas são, dentre outras, o ambiente educativo, a prática pedagógica, acesso, permanência, aprendizagem, gestão, condições de trabalho e ambiente físico.

Para finalizar, tenho uma publicação lá de 1995, em que colocava que o principal desafio dos educadores para aprimorarem a forma como vinha sendo conduzida a avaliação de aprendizagem era enfrentar o desafio de construir uma proposta de avaliação da escola. Esse desafio ainda é muito atual. Deixo como sugestão, também, o texto de Monica Thurler, “Eficácia nas escolas não se mede: ela se constrói, negocia-se, pratica-se e se vive”, porque acho que ele sintetiza essa no-ção de que não se implanta um processo de avaliação institucional, se constrói um processo de avaliação institucional.

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AVALIAÇÕES EXTERNAS E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO

OCIMAR MUNHOZ ALAVARSEFaculdade de Educação - USP

Introdução

Bom dia! Em primeiro lugar quero agradecer a oportunidade para, na medida do possível, poder debater com vocês algumas questões.

Quero destacar, sem um conhecimento exaustivo da Rede Municipal de Guaru-lhos, que estou conversando – com foco no ensino fundamental – com pessoas que têm responsabilidades frente a 50.683 alunos, dados referentes a maio deste ano, numa rede que tem uma característica: está um pouco acima do Brasil, por-que aqui vocês têm 15% das matrículas das séries iniciais em escolas privadas e no Brasil é perto de 10%. De toda maneira, Guarulhos, diferentemente da imensa maioria dos municípios brasileiros, tem uma rede grande, em contraste com me-tade dos municípios brasileiros, cujas redes têm abaixo de mil alunos. Este qua-dro corresponde às características demográficas do país, que é muito urbano e com a população concentrada em poucas cidades, o que destaca poucos municí-pios no Brasil, entre eles, Guarulhos. Em minha exposição, farei algumas proble-matizações em torno das avaliações externas e da qualidade da educação escolar e, também, pretendo apresentar numa certa leitura que fiz da Rede Municipal, a partir dos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

Qualidade da Educação Escolar

Para iniciarmos uma discussão sobre a qualidade da educação escolar, podemos partir da constatação de que atualmente as políticas educacionais são marcadas pela presença das avaliações externas e, sobretudo, associação do conceito de qualidade da educação escolar como resultado obtido nessas avaliações.

Mas, quando se aborda a qualidade, é preciso se acautelar, porque, na verdade, a qualidade da educação escolar é um conceito histórico. O que significa dizer duas

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coisas pelo menos. É um conceito mutável no tempo e, mesmo sem ser necessa-riamente da perspectiva marxista, com tensões e contradições. É preciso lembrar isso para não ficarmos reféns de certas concepções, como se houvesse uma única noção de qualidade da educação escolar.

Sem querer esgotar – aliás, nada aqui vai ser para esgotar – vou fazer um so-brevoo. inicialmente, posso mencionar qualidade como excelência, pressupondo algo que ultrapassa – que excede – um determinado patamar; posso, também, referir-me às propriedades de um dado fenômeno, no caso, a educação escolar. Nessa dimensão já é possível apontar a relevância da discussão da avaliação institucional, aquela que se debruça sobre o que constitui as propriedades – as características – de uma escola como um todo. Com efeito, qualidade não é ne-cessariamente descrição de quem está melhor do que o outro, que excede, mas é também o que é – o que constitui aquilo que estamos enfocando ou avaliando. isso é qualidade. E quantidade, aliás, seriam as dimensões dos elementos que constituem o que estou estudando.

Podemos, também, discutir qualidade ou como processo ou como produto, que não são coisas que se excluem. Às vezes ouvimos: “ah! não posso ver o produ-to, só tenho que ver o processo”. Não! Há momentos em que eu quero saber do produto sim, do resultado, inclusive porque pode haver momentos nos quais do resultado – do produto – posso inferir o processo. Há circunstâncias, por outro lado, em que o mais importante é o processo, o conjunto de atividades que são desencadeadas para esse ou aquele produto. Há, ainda, situações nas quais o processo quase assume a feição de produto, ele é importante em si mesmo. Por exemplo, acolher alunos com necessidades educacionais especiais, independen-temente do que essas crianças aprendam ou não, isso é necessário, não importan-do se custa caro, pois incluir todos é um imperativo moral, ético, social e pedagó-gico. Enfim, são traços que, também, se associam ao conceito de qualidade.

Outro aspecto sobre a qualidade da educação escolar diz respeito ao acesso – materializado na matrícula –, que ainda não está resolvido no Brasil, é bom que se diga. Tomando-se, como um exemplo, a educação de jovens e adultos (EJA), pelas estimativas fiz, utilizando dados da PNAD de 2009, se fôssemos estabelecer como objetivo que todas as pessoas com mais de 18 anos possuíssem ensino mé-dio, teríamos que atender mais de 80 milhões de pessoas no Brasil, observando-se

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que há pessoas para as quais só falta um ano para concluir o ensino médio e, em outro extremo, há aquelas que nunca foram para escola.

Ainda nos atendo ao acesso como uma das faces da qualidade, encontramos na educação infantil enormes desafios e mesmo no ensino fundamental – etapa que é obrigatória – temos um quadro de incompletude, pois a taxa de atendimento de 98% da população de 6 a 14 anos de idade encobre que os 2% faltantes signifi-cam um montante de crianças que oscila de 800 a quase um milhão que não estão matriculadas. Como nota histórica, vale recordar o que afirmava o professor José Mário Azanha: “Eu só discuto qualidade quando garantir escola para todo mun-do. Sem ter garantido o acesso de todo mundo, não há discussão de qualidade”.

Outro aspecto nesse vetor é a discussão da permanência, porque alguns têm matrícula sem permanecer na escola, evadindo-se na passagem de um ano para outro. Por exemplo, no ensino médio, a permanência dos jovens configura uma situação alarmante. Quanto à conclusão, temos que os concluintes do ensino fun-damental levam por volta de 10 anos para concluí-lo, pois têm, em média, entre duas ou três repetências. Reitero que esses são, também, aspectos da discussão da qualidade.

Avançando no debate sobre a qualidade da educação escolar, para além dos aspectos que a ela podem ser associados, também é possível discutir sobre sua mensurabilidade, ou seja, a propriedade de que a qualidade possa ser medida. Esse é um assunto bastante controverso entre pedagogos, pois existem os que dizem não ser nem possível nem necessária a medida em educação. De minha parte, não compartilho dessa opinião, tanto por considerar que, ademais de pos-síveis, algumas medidas são necessárias. Pondero, não obstante, que nem tudo é mensurável e as características mensuráveis demandam esforços para a cons-trução de processos de medidas com validade e fidedignidade. Em decorrência, supondo que a qualidade tenha a propriedade da mensurabilidade, o problema passa a ser o seguinte: quais aspectos e como podem ser medidos?

Nesse quesito, podemos elencar alguns aspectos tanto relativos à qualidade como mensuráveis. Sem estabelecer uma hierarquia de importância, começo pelo currículo, em relação ao qual podemos sublinhar, por exemplo, a carga horária – tendo por base que o tempo de ensino é condição extremamente relevante para

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a aprendizagem dos alunos –, dimensão mensurável e com muita precisão. Para ilustrar, no Brasil estamos assistindo a um debate que pode levar, inclusive, a alterações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em relação ao ensino médio, pois o Ministério da Educação (MEC) chegou a anunciar o au-mento da jornada diária e o governo do estado de São Paulo abriu a discussão sobre a diminuição da carga horária de determinadas disciplinas para aumentar a de outras.

Outro exemplo, que está levando muitos professores a greves, é o do Piso Nacio-nal do Professor – que articula salário com a jornada, que inclui a realização de atividades pedagógicas e acompanhamento. isso é parte da qualidade, mensurá-vel, relativa às condições de ensino, que se vincula a um amplo leque de tópicos atinentes às condições de trabalho e de operação das escolas.

Outro componente mensurável da qualidade são as taxas de matrícula – líquida e bruta – e de rendimento, medidas representativas do processo de democratização da escola no Brasil. Por exemplo, da população de jovens de 15 a 17 anos, metade está matriculada no ensino médio, embora muitos com defasagem idade-série muito alta, entre 28% e 30% estão matriculados no ensino fundamental e 20% encontram-se fora da escola – nem no ensino médio nem no ensino fundamental.

Ainda temos as taxas de rendimento, desdobradas nas taxas de aprovação, re-provação e abandono, medidas pelas quais o Brasil se notabiliza no mundo, pois na comparação que a Unesco faz para as séries iniciais do ensino fundamental, o País é o 5º que menos aprova, sendo que os quatro países com menores taxas de aprovação são países destroçados por guerras civis. Então, aumentar a apro-vação, supondo que seja uma coisa boa, é um desafio da qualidade da educa-ção brasileira. Por exemplo, no Brasil, quando enfocamos a 1ª série do ensino fundamental diacronicamente, o abandono foi reduzido em grande magnitude, chegando a 4%. Contudo, com as crianças na escola, a taxa de reprovação ainda está em torno de 15%. Ou seja, o Brasil perde quase 20% na passagem da primeira para a segunda série, sendo que os padrões europeus são da ordem de menos de 1%. Nesse caso, devemos ressaltar que a Rede Municipal de Guarulhos está se aproximando de padrões europeus.

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Finalmente, podemos, também, tentar medir os conhecimentos, as habilidades, as competências; enfim, as propriedades cognitivas resultantes da escolarização como um fator de qualidade, embora isso seja algo mais complexo, pois são carac-terísticas que devem ser medidas indiretamente, inclusive porque seriam traços latentes. Porém, a discussão da qualidade, associada à avaliação e que mencionei no início, está se concentrando muito nisso e tem sido uma tônica em várias po-líticas educacionais.

Avaliação Educacional

Abordando o conceito de avaliação educacional, inclusive no que tange às ava-liações externas, podemos salientar que se trata de um processo curricular. É pro-cesso porque compreende várias etapas que se articulam, ainda que muitas vezes pareça consistir apenas de seus resultados. É curricular porque se encontra no seio de um conjunto de atividades associadas ao processo pedagógico mais am-plo, vinculado às tarefas atribuídas à escola, quer como uma instituição social, quer como arranjo organizativo para finalidades educacionais e cognitivas.

A avaliação educacional, como conceito, tem um núcleo que é o de julgamento, que se expressa na emissão de juízos, como: “está ruim”, “está bom”, “aceito”, “não aceito”, sobre aquilo que está submetido à avaliação. Por seu turno, esses juízos devem estar apoiados em critérios, muitas vezes, baseados em escalas que, por sua vez, decorrem de medidas. Para tanto, para julgar algum objeto – um re-corte da realidade – torna-se necessário levantar informações – dados, evidências – mediante procedimentos e instrumentos compatíveis com os critérios nos quais se sustentam os julgamentos. Adicionalmente, no caso da avaliação educacional, para compor uma tríade, cujos dois primeiros termos são o levantamento de in-formações, temos os encaminhamentos, que são decisões tomadas em decorrên-cias dos juízos, podendo ser de maior ou de menor impacto.

Existem, ainda, elementos extremamente importantes da avaliação que pode aju-dar a caracterizá-la com maior acuidade. Sendo a avaliação um processo que não ocorre espontaneamente, pode-se indagar: quem é o sujeito desse processo? Su-jeito é quem controla, quem toma iniciativas. Depois, o que esse sujeito está ava-liando? Qual é o objeto de avaliação? Vale lembrar, sem desenvolver, que nesse

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tocante teríamos os objetos declarados e os que efetivamente são considerados para efeito dos julgamentos.

Na avaliação, talvez, o que seja mais importante é a finalidade, para que se está avaliando, pois neste quesito se encontra a relação mais íntima com os encami-nhamentos pretendidos – ou efetivados – dos resultados da avaliação – seus juízos. Finalmente, qual a metodologia que esse sujeito escolheu, dada a finali-dade estabelecida. Nesse tópico nos deparamos, entre outros aspectos, com os instrumentos e procedimentos adotados, com o processamento das informações frente aos critérios utilizados. Ressalto que pode haver incompatibilidade entre as finalidades anunciadas e as ações desencadeadas para dar conta do processo avaliativo, como, por exemplo, no uso de provas – tecnicamente um instrumen-to para levantamento de informações – quando estas não permitem inferir as aprendizagens que se desejam avaliar ou quando foram elaboradas sem abarcar os possíveis níveis de aprendizagem coligidos.

Avaliações Externas: Algumas Problematizações

Aproximando-nos do tema principal, ressalto que quando comecei a ser orien-tado pela Prof.ª Sandra Zákia Sousa, discutindo avaliação, quase não usávamos os termos avaliação externa ou interna. Atualmente, ao contrário, devemos usar essas expressões para apreender a complexidade do campo da avaliação edu-cacional. Quando empregamos a expressão avaliação interna, que aparece por contraponto à avaliação externa, trata-se da avaliação que acontece dentro das escolas ou das salas de aulas, conduzida pelos professores, que são os sujeitos, via de regra, pois raramente os alunos são sujeitos da avaliação à qual estão sub-metidos, ainda que, às vezes, encontremos em planos de ensino que o aluno será sujeito, crítico... No mundo, porque isso não é apenas uma questão brasileira, os professores é que são os sujeitos. E qual a finalidade dessa avaliação, na tra-dição da escola mundial e brasileira? Subsidiar o encaminhamento de aprovar ou reprovar no final do período letivo. Essa é a nossa tradição, ainda que nesse terreno sejam verificadas algumas alterações, notadamente no âmbito dos ciclos e da promoção automática.

No que tange à avaliação interna, destaco que, como resultados de pesquisas que tenho feito, alguns professores afirmam que a avaliação é da aprendizagem do

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aluno em, por exemplo, matemática, mas quando investigamos para além dos registros mais aparentes, descobrimos que, por exemplo, o comportamento do aluno pesa muito nos resultados da avaliação, inclusive com inversões, isto é, alunos que aprenderam têm resultados inferiores aos dos que não aprenderam. Nesses casos, mesmo que se seja possível apontar problemas técnicos de levan-tamento de informações, o que se ressaltam são as consequências éticas de um julgamento enviesado.

A expressão avaliação externa – embora associada às expressões “em larga es-cala” ou “sistemas” –, por seu turno, é utilizada para demarcar que o processo avaliativo é organizado por um sujeito externo às equipes escolares, ainda que se deva esclarecer que a exterioridade seja passível de matização, ou seja, não necessariamente os professores são completamente desconsiderados enquanto sujeitos. Contudo, o centro do problema, nessa delimitação do sujeito, está em reconhecer que, em última instância, há um sujeito, ainda que não seja de modo absoluto, que se encontra fora da escola. Pode estar em Brasília, em Paris – como é o caso do PiSA – ou numa secretaria municipal. E para aumentar a complexida-de, às vezes, nem é uma instância do sistema de ensino – ministério, secretaria, etc. – que controla efetivamente o processo, pois pode ser contratada uma empre-sa, ampliando, inclusive, a exterioridade da avaliação.

De passagem, deve-se compreender que a expressão avaliação de sistema é mais adequada para designar uma avaliação que tem um sistema educacional – ou traço desse sistema, como, por exemplo, a aprendizagem de grupos de alunos – como objeto de avaliação. A expressão avaliação em larga escala, por sua vez, indica que se trata de uma avaliação que abarca grandes contingentes, ressaltan-do aspectos, entre outros, de comparabilidade e de metodologia. Por exemplo, enquanto a Prova Brasil pode ser classificada como uma avaliação externa, de sistema e em larga escala, pois é conduzida pelo instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – portanto, externa às escolas com 4ª e/ou 8ª séries do ensino fundamental –, procura por resultados que permitam avaliar o sistema de escolas públicas do ensino fundamental – supondo que as competências em leitura e resolução de problemas, que são seus objetos, sejam indicadores robustos desse sistema – e em grande escala, pelos milhões de alunos que dela participam.

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É bastante discutível se é exatamente o sistema que está sendo avaliado, considerando que este seria um fenômeno muito mais amplo do que as aprendizagens aferidas, ou estaria havendo um reducionismo, com todos seus efeitos perversos. Mas, apesar dessas polêmicas, a educação escolar passou a experimentar – vivenciar – tais avaliações. Há 10 ou 15 anos, essa discussão ocorria – no Brasil pelo menos – e nós debatíamos outras coisas em torno da avaliação. Contudo, como as avaliações externas passaram a integrar, enfaticamente, as pautas das políticas educacionais, somos compelidos ao debate e à necessidade de compreendê-las, até mesmo para contestá-las. Vejamos, por exemplo, um texto de Fernando Haddad, como Ministro da Educação, publicado para apresentar o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), no qual se percebe que, ao discutir o plano, a avaliação externa é algo que assume proporções inauditas.

Com efeito, nas avaliações externas podemos identificar outras dimensões. Pri-meiro: a dimensão política. Se sempre há uma dimensão política em qualquer avaliação, nas avaliações externas essa dimensão se explicita como um modo de gerir ou administrar um sistema de ensino, pela articulação com as políticas edu-cacionais mais amplas e pelas consequências decorrentes de seus resultados. De-pois, essas avaliações têm uma dimensão educativa. Elas educam! isso não é no-vidade, porque as escolas de ensino médio privadas, onde estão 10% dos alunos, já trabalhavam em face de avaliações externas, fazendo do acesso a determinados cursos de universidades o organizador dos processos educacionais, como se o aspecto de formação – portanto, de educação – se equivalesse à preparação para a educação superior. No caso das avaliações externas, à medida que se intensi-ficam, pode-se infundir que a noção de horizonte educacional seja a preparação para a realização de suas provas.

Ocorre que a novidade hoje é que essa discussão começa a aparecer para amplos contingentes da educação básica brasileira e está começando a chegar à educação infantil. Uma sinalização que educa, que vai dizendo o que é importante e o que não é. Não estou julgando essas avaliações, mas hoje elas começam a aparecer com maior nitidez nessa dimensão educativa.

Essas avaliações também têm uma dimensão psicométrica. Elas têm característi-cas técnicas que muitas vezes se apresentam aos professores como enigmáticas. A maneira de organizá-las, encaminhá-las, processar seus resultados, é algo que

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a imensa, para não dizer a quase totalidade, dos professores nunca conheceu em seus cursos de licenciatura. Neste plano é necessário reconhecer que os instru-mentos e procedimentos adotados na maioria das avaliações externas são dota-dos de propriedades que, em geral, não são encontradas nos equivalentes das avaliações internas. Do que não se pode concluir, automaticamente, pela defesa das avaliações externas.

As avaliações externas também têm uma dimensão pedagógica, na qual a di-mensão educativa encontra uma importante materialização, pois desencadeia escolhas pedagógicas, entendidas como os conteúdos do ensino ou o currículo acadêmico – o que entra na escola e o que não entra, o que é importante e o que não é – que professores desenvolvem ou são levados a desenvolver.

Finalmente, há uma dimensão didática, para designar as práticas mais efetivas de como ensinar os alunos. Por exemplo, a discussão de fazer simulados e preparar os alunos começa a aparecer, porque mais do que o conteúdo em si, são escolhas das maneiras mais práticas de ensinar, normalmente, fazendo muita coisa girar em torno do formato das perguntas que aparecem nessas avaliações externas.

Para concluir este tópico, destaquemos alguns exemplos dessas avaliações exter-nas, de sistema, em larga escala. Uma delas é o Programa internacional de Ava-liação de Estudantes (PiSA), organizado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que compara, trienalmente desde 2000, resultados de alunos com 15 anos de 60 países, mediante provas em mais de 70 línguas.

Como uma das mais importantes avaliações externas, temos o Sistema de Ava-liação da Educação Básica (SAEB), existente desde o início dos anos 1990, que se desmembrou, em 2005, em Aneb, Avaliação Nacional da Educação Básica; e a ANRESC, cujo nome fantasia é Prova Brasil. Focado em língua portuguesa (leitu-ra) e matemática (resolução de problemas), de 1995 a 2003, foi caracterizado pela aplicação bienal de provas com itens de múltipla escolha, por amostragem, com resultados para cada um dos estados e dependência administrativa. A partir de 2005, com a Prova Brasil, as escolas públicas com 4ª e/ou 8ª séries participam cen-sitariamente e as escolas privadas e todas de ensino médio continuam participan-do por amostragem. Os resultados, desde 2005, são utilizados, juntamente com

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as taxas de aprovação, para o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de cada uma das unidades e estratos envolvidos.

Outros exemplos são o Simave, em Minas Gerais, o SARESP, na rede estadual de São Paulo desde 1996, e a Prova São Paulo, da rede municipal da capital paulista.

Quanto à Provinha Brasil, pode-se com segurança afirmar que é constituída de um instrumento padronizado para todo o Brasil, mas não se pode afirmar que seja plenamente uma avaliação externa ou em larga escala. Ao mesmo tempo, ela pode ser usada para um aluno ou pode ser usada para uma rede toda. Além disso, apesar de ser um instrumento elaborado fora da escola, sua aplicação e processamento dos resultados podem ser feitos pelo próprio professor junto aos seus alunos.

Avaliações Externas, suas Consequências e Potencialidades

Uma das consequências mais notáveis nas políticas educacionais é que os re-sultados dessas avaliações externas têm sido apresentados como o indicador, a medida da qualidade da educação escolar. Os resultados de cada uma dessas avaliações são apresentados como se fossem os únicos resultados para indicar, para medir a qualidade da escola.

Diante dessa pressão que se configura especialmente sobre os profissionais da educação, uma coisa que se destaca é que, para os professores, essas avaliações têm sido paradoxalmente verdadeiras “caixas-pretas”. Emprego essa expressão porque a revista Nova Escola usou-a quando, há dois anos, colocou na capa: “Agora abrimos a caixa-preta da Prova Brasil”. Considerando que o trabalho dos professores, em algumas redes, é medido única e exclusivamente por esses re-sultados, temos que para os professores essas avaliações são uma caixa-preta, no sentido de que sabe-se o que entra – respostas de alunos nas provas – e o que sai – os resultados –, a partir do qual se fazem inclusive ranking de escolas, sem saber o que ocorre dentro da “caixa”. E por que isso é caixa-preta para os profes-sores? Primeiro, devido às matrizes de onde partem essas avaliações, pois não é usual para os professores organizar provas tal como essas avaliações externas or-ganizam, visto que nós professores organizamos nossos tópicos e temas quando

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damos aulas. Nessas avaliações é diferente. São descritores, habilidades e compe-tências. O outro elemento que configura as avaliações externas como caixa-preta é o tratamento dos resultados, especialmente feito com uso da Teoria de Resposta ao item (TRi) ou mesmo certos aspectos da chamada teoria clássica. Os professo-res não sabem como isso é processado.

Aqueles que são efetivamente responsáveis pela educação escolar nesse país, os professores, têm nessas avaliações, que se apresentam como as únicas capazes de medir a qualidade, uma caixa-preta. O que, convenhamos, não é um cenário que favoreça a legitimidade das avaliações externas e o uso de seus resultados para os processos pedagógicos nas escolas. Mas é nesse cenário que estamos tra-balhando...

Ademais, seria preciso incorporar outros elementos, principalmente os fatores externos, para podermos relativizar um pouco esses resultados ou compreendê-los melhor, e isso raramente tem sido feito ou, quando é feito, é muito pouco difundido.

Pessoalmente, defendo que existam avaliações externas e em larga escala, pois considero que elas têm um papel bastante interessante a cumprir. Observando os dados do SAEB podemos dizer que a 4ª série, no caso de matemática, é que está apresentando um crescimento mais significativo, especialmente a partir de 2001. isso começa a ser sinalizado nos resultados da 8ª série e, mais recentemente, nos resultados da 3ª série do ensino médio, algo também detectado pelo PiSA, que são resultados das gerações que estão chegando ao final da educação básica. Agrego que, apesar do SAEB não medir tudo, quando mencionamos língua por-tuguesa (leitura) e matemática (resolução de problemas), estamos nos referindo a competências decisivas para o aproveitamento das atividades escolares.

Outra coisa interessante que se pode fazer, observando os dados do SAEB, que possui uma escala de proficiência que permite a comparação da 4ª série do ensino fundamental até a 3ª série do ensino médio, é identificar, por exemplo, no ano de 1995, qual era a distância da 4ª para a 8ª série e para a 3ª série, tanto em língua portuguesa quanto em matemática, entendendo essa distância pela quantificação e pela interpretação pedagógica, isto é, o que uns sabiam mais do que outros. Este movimento é uma análise sincrônica, num determinado momento.

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Podemos, adicionalmente, efetuar uma análise diacrônica, ao longo do tempo. Como exemplo, temos que os alunos da 4ª série de 1995, quatro anos depois, em 2009, estavam na 8ª série, ainda que nem todos, porque alguns foram ficando no caminho e foram encontrando os repetentes, raciocínio que posso aplicar para todas as gerações de alunos de 4ª série e estudar os ganhos que estariam tendo. Nestes termos, em matemática, é interessante observar que a geração de 1995, quatro anos depois, cresceu quase 30% na escala SAEB e, em língua portuguesa, cresceu 36%.

Cada geração está ganhando mais ao longo da sua escolarização. E como estou olhando a maioria, em escolas públicas, isto representa que a escola pública está acrescentando cada vez mais ao seu aluno. E isso também vai ocorrer em língua portuguesa, área onde o ganho é maior em cada geração, ainda que nos últimos anos o ganho isoladamente tenha sido de matemática. A geração de 2005 ganhou em língua portuguesa 40% e antes ganhava 23%. isso, é necessário frisar, é fruto do trabalho dos professores nessas escolas.

Outra comparação possível é aquela entre escolas privadas e públicas. E aqui ve-rificamos que está havendo ganho para 90% dos alunos – os que estão nas escolas públicas – quando comparamos seus resultados com os das escolas privadas. O que está acontecendo no Brasil, especialmente a partir de 2001 na 4ª série? Está caindo a diferença de desempenho médio entre elas; a diferença, em percentual, das escolas municipais – que respondem por quase 80% das matrículas públi-cas – que era de quase 30%, em 2001 decresceu para perto de 20%, em 2009. isto quer dizer que um crescimento de 20% em seu desempenho médio fará com que as escolas municipais tenham desempenho semelhante ao das escolas privadas. Não é pequena essa diferença, mas ela está caindo significativamente, ano a ano, a cada edição da Prova Brasil, como consequência, em boa medida, do trabalho de seus professores.

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Considerações sobre o IDEB da Rede Municipal de Ensino de Guarulhos

Quanto à Rede Municipal de Ensino de Guarulhos, onde a reprovação é muito baixa, o desempenho na Prova Brasil está um pouco abaixo da média nacional. Por quê? É preciso investigar, pois número não fala ou, como tenho destacado, a balança indica a massa que é colocada sobre ela, mas não indica se é ouro ou prata.

Evidentemente, a investigação só pode ser desencadeada se considerarmos que esses indicadores são importantes. Partindo de uma consideração afirmativa, po-demos iniciar afirmando que seria pior se os resultados do Brasil, para 4ª série de escolas municipais, estivesse crescendo e os de Guarulhos estivessem decrescen-do, quadro que não temos, ainda que haja resultados pouco inferiores. Quanto à aprovação, em Guarulhos, nas séries iniciais, praticamente não há reprovação, ou seja, quem conclui a quarta série praticamente gasta um ano para fazer cada série, um dado extremamente positivo no Brasil. Se o desempenho está um pouco abaixo do desempenho nacional, o ambiente não apresenta exclusão, ou seja, as conquistas de desempenho não se deu selecionando os alunos.

Para terminar, um dado interessantíssimo. Guarulhos tem 36 escolas municipais que participaram das três edições da Prova Brasil, sobre as quais tenho o desem-penho em língua portuguesa, matemática, o fluxo e, portanto, o IDEB. Olhando os resultados das escolas, apesar da variabilidade, nota-se que 16 escolas sempre cresceram, com o IDEB de 2007 maior que o de 2005, e o de 2009 maior do que o de 2007. Apenas uma escola sempre caiu no IDEB e três tiveram oscilação. No entanto, o mais interessante é que, no caso do IDEB, a média das escolas é prati-camente 4,2, com 70% das escolas da rede próximas desse valor, ou seja, a disper-são é muito pequena, com a diferença entre as escolas sendo muito pequena. O mesmo quadro se dá em matemática e em língua portuguesa.

Contudo, estudando os boletins da Prova Brasil de algumas escolas da rede, ob-servamos que a variabilidade é muito grande. Então, do ponto de vista da política educacional, outro passo precisaria ser dado, que é entrar nas escolas e verificar a variabilidade que o boletim da Prova Brasil permite apontar. Evidentemente que isso abre um diálogo com as escolas, com a realidade, com outros fatores.

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Concluindo, é possível sustentar, sem esgotar o assunto, que os resultados das avaliações externas podem ser um ponto de apoio para pensar ações gerais e con-tribuir com o projeto das escolas; portanto, fazer tanto política educacional, para o conjunto da rede, quanto alimentar a avaliação institucional, de cada escola, conceituada como o julgamento das atividades da escola como um todo – e não apenas da aprendizagem dos alunos. Evidente que podem encontrar pessoas que dizem: “não, essas avaliações não têm nada a ver, isso é coisa do neoliberalismo, vem lá não sei da onde, nem vou olhar para isso”. Acredito, pelas razões apre-sentadas, que essas avaliações externas, a despeito de usos inadequados e limi-tados que se podem encontrar e apesar de limitações dos processos de medidas, medem, sim, coisas importantes para as escolas. Elas não deveriam, portanto, ser descartadas e, ao serem incorporadas, poderiam contribuir para um salto de qua-lidade que seria justamente a avaliação institucional com mais e melhores dados.

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DEBATE

Pergunta: Qual é a diferença quando eu falo em avaliação de aprendizagem e avaliação de desempenho?

Resposta Sandra Zákia Sousa: Aprendizagem é um processo. Quando usamos essa expressão “avaliação da aprendizagem”, estamos nos referindo ao processo de acompanhamento do desenvolvimento do aluno. Coleto um conjunto de evi-dências, de pistas, que me possibilitem dizer: está ocorrendo a aprendizagem, ou seja, está ocorrendo o desenvolvimento do aluno, ele está mostrando avanço ou ele está tendo dificuldades no processo com base em um conjunto de evidências. Mas estou olhando o processo. É aquilo que ocorre sob responsabilidade do pro-fessor, sob responsabilidade da escola no cotidiano escolar. Quando falamos em “a avaliação de desempenho do aluno”, usualmente nos referimos ao desempe-nho do aluno diante de algum tipo de ‘testagem’ à qual ele foi submetido. Pode ser uma prova de lápis e papel, pode ser uma prova de exercício físico, no caso da educação física, enfim, estou me referindo àquele momento mais estanque e pontual. Qual foi o desempenho do aluno em relação a uma atividade. Uma avaliação de um conjunto de desempenhos pode integrar o processo de avaliação de aprendizagem. Então, uma é muito pontual, e a outra tem um aspecto mais abrangente e processual.

Pergunta: Como enfrentar a distância, a própria incoerência, entre o que se deseja que o professor faça com a criança e o que fazem com ele? Vemos como exemplo a avaliação não classificatória de que estamos insistentemente falando: “olha, a avaliação não pode ser meramente para classificar”, isso em relação ao aluno e, cada vez mais, temos políticas docentes classificatórias.

Resposta Sandra Zákia Sousa: A avaliação não pode ser algo autoritário, tem de haver participação, o aluno tem que ser sujeito da avaliação. Por outro lado, mui-tas vezes o professor é submetido a um procedimento avaliativo que vem de cima para baixo, sem que ele sequer tenha possibilidade ou voz no próprio processo de avaliação. A avaliação tem que ser pautada em critérios educativos e peda-gógicos e, muitas vezes, a avaliação do professor não contempla essa dimensão pedagógica no sentido de induzir mudanças e aprimoramento. Então, a questão

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que se coloca é que essa incoerência é uma das dificuldades de implementação de uma avaliação que emancipe. Realmente, tendo a concordar que talvez uma das questões mais delicadas e polêmicas de se discutir é avaliação docente. Sem dúvi-da o sucesso ou fracasso escolar é decorrente de um conjunto de fatores externos e internos às escolas. No entanto, sem dúvida, a concretização do projeto de es-cola depende e muito da atuação docente. Ele é um sujeito importante, ele é um sujeito central nos processos, nas relações, nas interações escolares e, portanto, defendo sim que o professor seja um dos sujeitos a serem avaliados. Agora, o que tem ocorrido, e acho que é nesse sentido que essa questão é colocada, é que, com os professores, muitas vezes os processos avaliativos são os mesmos adotados com os alunos. No entanto, o que a gente tem observado é que eles geram muito poucas alterações e consequências. Você tem todo um processo de dinâmicas que muitas vezes a escola usa, que o supervisor hierárquico usa e, portanto, acaba sendo ineficaz no sentido de gerar mudança do professor, por conta da forma como se usam os dados. Acho que é um desafio sim pensar um processo de ava-liação que traga, induza, mobilize aprimoramentos docentes e que o professor se sinta comprometido com ele. Acho que é um desafio. O que a gente está vendo hoje – que eu julgo muito complicado, diante da constatação de que os procedi-mentos de avaliação docentes muitas vezes não geram, não mobilizam processos de mudança por parte do docente – é a associação de prêmios e bonificações aos docentes em função da avaliação, sob a crença de que isto, o prêmio ou a punição, tem um potencial de induzir mudanças. É uma iniciativa que temos que resistir, acho inaceitável pensar em padrões docentes diferenciados, porque, no fundo, o que se está aceitando são padrões docentes diferenciados. Daí a oportunidade dessa questão que foi proposta, que na verdade é menos uma questão e mais uma constatação. Penso que, nesse movimento de avaliação institucional, uma das dimensões que tem que ser contempladas é a avaliação docente. Então, discutir um caminho que não sirva meramente a uma classificação, que não seja de cima para baixo, mas que envolva diferentes movimentos, que tenha uma dimensão educativa e pedagógica, essa é uma responsabilidade inclusive de vocês nesta rede, nesse momento em que vocês estão delineando um processo de avaliação institucional. É uma boa oportunidade para pôr em questão o delineamento a ser assumido para a avaliação docente, no entanto, sem abrir mão de que ela é neces-sária, importante, relevante e fundamental no processo de busca da melhoria da qualidade da escola.

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Comentário Ocimar Alavarse: Vou pegar um gancho com o primeiro comentário da Sandra [Zákia Sousa], para vinculá-lo a uma pergunta aqui. O desempenho ou, às vezes, o rendimento é algo curioso, porque no Brasil temos a palavra “ava-liação”, que é muito ampla. Em inglês, por exemplo, ao contrário, temos vários termos para diferenciar as avaliações. Em geral, o que chamaríamos aqui de ava-liação é usado para uma apreciação mais ampla, mas quando são outros tipos de avaliação a língua inglesa tem outros termos. Bem, mas estamos no Brasil... O importante então é o seguinte: quanto às avaliações externas, eu não disse na minha apresentação e vou dizer agora: durante uns dois anos fui responsável por uma avaliação de sistema, em larga escala, que é a Prova São Paulo. Ainda como funcionário da secretaria municipal de educação, tive essa incumbência e, depois, mesmo tendo me exonerado para assumir na USP, continuei acompa-nhando. É um problema nessas avaliações você fazer as provas de tal maneira que o rendimento do aluno ou seu desempenho seja o mais amplo possível para a gente poder inferir, supor, ancorar-se nas aprendizagens das crianças. isso apa-rece de duas maneiras. Uma é em uma prova mesmo. Então, por exemplo, nessas avaliações, as provas precisam ser montadas de tal maneira que a gente atraia as crianças para que elas não desistam das respostas. E nem sempre isso acontece. Um exemplo: você prepara uma prova para a 4ª série, tentando equilibrar, com pré-teste. Mas, às vezes, a criança que vai responder está matriculada na 4ª série, mas tem nível de primeira série ou de segunda. E a prova bem equilibrada para uma criança típica de 4ª série, para aquela criança é muito difícil. Ela desiste. Você vê inclusive alguns casos em que ela vai deixando de marcar, nem “chuta”. Então, o rendimento dela é tal que a gente não consegue fazer inferências da aprendizagem, que é, como a Sandra [Zákia Sousa] lembrou, um processo mais amplo; ou, em termos matemáticos, a estimativa do desempenho dela é feita com muito erro. Esse é um problema para certas consequências que alguns querem ti-rar, inclusive, da avaliação do trabalho do professor, porque, como vocês sabem, existem alguns sistemas que, a partir do desempenho do aluno na prova, querem avaliar o trabalho do professor na sala de aula. isso eu diria que estatisticamente é muito restritivo. Por outro lado, existem os que dizem que não é possível avaliar de forma alguma o trabalho dos professores. Acho isso complicado. Seria tirar o valor e o peso do trabalho do professor no processo. Então, é preciso não jogar fora todas as coisas. Nesse sentido, é preciso tomar alguns cuidados. Alguém diz assim: “se as avaliações externas não são importantes, por que são impostas?” Bom, se eu dei a entender isso, eu digo que elas são importantes, outra coisa é o

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que nós vamos fazer com seus resultados. Depois, tem a questão da imposição e aqui é polêmico, porque muitas coisas são impostas. Por exemplo, o ensino fundamental é uma imposição às crianças. Nós não perguntamos às crianças se elas querem vir para a escola. Quando perguntamos é clinicamente. Se a rádio patrulha encontrar uma criança de seis anos completos, por exemplo, em janeiro, na rua sem estar matriculada, os soldados vão providenciar no distrito policial a chamada dos pais... Não vão perguntar para a criança: você quer ir para a escola? Não... isso é uma imposição. Aliás, isso é uma violência simbólica contra as crian-ças, embora eu defenda a obrigatoriedade escolar. As crianças não estão na escola porque gostam. Elas estão lá porque o Estado, por meio das suas leis, as obriga a estar nas escolas. Pode ser que elas gostem e pode ser que elas não gostem. E esse é um dos dramas dos professores. Porque uma coisa é você trabalhar com quem gosta de estar na escola, mas acontece que muitas vezes nós vamos para uma sala de aula e as crianças estão lá sem saber por quê. Por isso, especialmente no ensino fundamental, quem dá aula precisa se lembrar da definição, a melhor que eu li até hoje do que é ser professor, que o Vigotski escreveu, ele disse: “quem quiser ser professor tem que estar disposto a lutar contra o aluno”, entendendo que es-tar contra o aluno é, nesse sentido, estar contra a desconfiança, a desmotivação, etc. Porque dar aula para quem gosta de mim, gosta do que eu gosto de ensinar, do jeito que eu ensino, talvez eu nem seja necessário como professor, então a dis-cussão é essa, quando impor essas avaliações. A Prova Brasil, por exemplo, é por adesão das secretarias, mas nós estamos num ambiente de educação escolar, que é um ambiente de imposições, tem hora para entrar, hora para sair, um monte de imposições que podemos discutir. O que eu tenho discutido é o seguinte: em existindo essas avaliações, temos que analisá-las, o que se chama meta-avaliação, e, ao mesmo tempo, discutir o que é possível ou não fazer com seus resultados. Outra questão é sobre a medida de conhecimentos e habilidades nessas provas. Por exemplo, a Prova Brasil, que é mais conhecida de vocês, ou a Provinha Brasil, tem uma filosofia do ponto de vista da medida, que tem mais de cem anos, que começa lá com Piaget, com a psicometria. Outro aspecto importante que Vigotski destacou é a tentativa de conhecer com maior precisão o que as pessoas conhe-cem, por que a aprendizagem, a rigor, a gente não vê. Eu não sei o que aprendi, ninguém sabe. O que temos são algumas evidências do processo de aprendiza-gem. Como conhecer esse processo que é invisível? Esse é um dos desafios nessas provas quando se fala de habilidades, competências, que são diferentes de conhe-cimentos específicos, pois é tentar entender os processos cognitivos subjacentes

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ao processo de aprendizagem. Uma coisa é o conhecimento, como a fórmula da água, que é H2O, outra coisa é quando investigo a água, como é que eu des-membro seus elementos. Essas provas teriam que captar isso, é por isso que eu digo que é uma caixa-preta. A maneira de organizar essas matrizes é diferente de como as organizamos tradicionalmente. Por isso, inclusive, que não se pode tirar daí todas as conclusões sobre os professores.

Pergunta: Meu nome é Sueida, sou supervisora escolar do município, quero agradecer aqui a presença dos senhores, professora Sandra [Zákia Sousa], pro-fessor Ocimar, é um prazer, vocês nos trouxeram questões que nos incomodam, não é?! Quando se diz que o professor que está “na ponta”, em sala de aula, pode ser responsabilizado, por exemplo, pelo não desempenho satisfatório do aluno, acredito que todos os professores, em sua maioria, estão envolvidos de fato com o progresso do seu aluno. O que eu como supervisora escolar constato é que, às vezes, o não apoio de algumas gestões acaba implicando o não sucesso total desta aprendizagem, porque o professor tem se empenhado em sala de aula. isso esbarra, por exemplo, na questão de ausência de alguns professores desmotiva-dos por não terem apoio, não terem acolhimento e se sentem desvalorizados. De outro lado, como enfocou o professor Ocimar, você manda o aluno para a escola porque é um ato de obrigatoriedade, não é? relembrando a fala de Rubem Alves: que a escola, às vezes, ao invés de formar, deforma o nosso aluno. Como diz Perrenoud, a questão da disciplina é muito importante no processo de ensino-aprendizagem. Então, foram essas as questões que me incomodaram, agradeço mais uma vez a presença de vocês por iluminarem aqui os nossos caminhos à frente da educação. Muito obrigada.

Resposta Ocimar Alavarse: Do fim para o começo. A obrigatoriedade só entrou aqui por causa da imposição, nem sempre a escola foi obrigatória. Há várias ra-zões para obrigar a ir para a escola na história. Em alguns países, foi obrigado para impor uma língua, para impor a noção de um país, para impor uma reli-gião. Há quem diga que a obrigatoriedade deva ser para que as pessoas possam aprender aquilo que fora da escola elas não aprenderiam e, não aprendendo, não poderiam usufruir de valores e conhecimentos na sociedade em que vivem. Existe uma miríade de justificativas, umas mais outras menos defensáveis para se obrigar. Então, eu só estava desatacando isso porque que, às vezes, a gen-

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te como professor se esquece da obrigatoriedade, a gente começa a querer que os alunos estejam ali gostando. É claro que é melhor que eles gostem, mas não podemos nos esquecer da obrigatoriedade. Desse “teorema” tem um corolário: atrair, ganhar os alunos é tarefa de quem? Dos profissionais da educação, fazer o que?! Isso às vezes é insuportável, como ter um aluno lá que “te” odeia, é hor-rível isso, mais é verdade. Então, eu só estava colocando que existem na escola muitas obrigatoriedades. É bom lembrar que o Collodi, que escreveu o Pinóquio no final do século XIX, acreditava tanto na escola que na historinha dele o menino de pau era mandado para a escola para se tornar menino de verdade, ao mesmo tempo em que nós temos na história uma série de pensadores, poetas e pedago-gos, que defenderam o fim da escola, por ver nela a ideia de prisão, de hospital psiquiátrico; dois locais, aliás, onde também não se entra e sai quando se quer. Você tem na literatura pedagógica, inclusive, gente defendendo o fim da escola obrigatória, então é só nesse sentido que eu destaquei que existem muitas coisas obrigatórias. Por exemplo, a própria avaliação, conheço pessoas que dizem que não deveria ter [avaliação] na escola, porque avaliar é julgar, e nós não deverí-amos julgar ninguém. Outros dizem que tem que haver avaliação, quem é que julga? Só o professor ou pode ser um agente externo, um supervisor, um diretor que não é interno à sala de aula? Assim vamos tendo um debate mais complexo. O que quero demarcar é que estamos num ambiente marcado por imposições, outra discussão seria: quais imposições são mais ou menos justificadas, quais são os seus argumentos, quais são os usos para isso? Por fim, a questão da responsa-bilização docente. Eu sou professor, hoje sou pago pelo povo de São Paulo como funcionário público para formar novos professores. Eu tenho alguma responsa-bilidade e não me incomodo de ser cobrado por algumas tarefas que eu tenha de desempenhar, de modo que o problema é se tudo pode ser cobrado de mim, se o meu trabalho explica tudo. O que temos no Brasil são algumas políticas educacio-nais que supõem que o professor seja o único responsável pelo desempenho do aluno nas provas. Agora, eu questiono alguns colegas meus no movimento sin-dical que tratam como se o professor não tivesse responsabilidade nenhuma, vão para o outro extremo. Por exemplo, o absenteísmo docente. Uma coisa é não ter professor, como é o caso do ensino médio, quanto aos docentes de física, quími-ca, biologia, o que faz com que alguém vá lá e dê aula dessas coisas. No entanto, existem escolas que têm professor, mas ele falta, é o chamado absenteísmo; isso é uma coisa que me incomoda. Quando eu era coordenador pedagógico na rede municipal de São Paulo, não tinha um bendito dia em que, quando ia começar

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o turno, eu não tinha que ficar na sala dos professores vendo quem é que faltou naquele dia para ver quem iria para 5ª A, 4ª E... isso me incomodava. Agora, por-que as pessoas faltam? Por várias razões, algumas justificáveis e outras possivel-mente não. De todo modo, a ausência do professor pesa; e ainda bem, porque no dia que nosso trabalho não pesar em nada, fechemos as escolas. Os professores têm responsabilidades sim, e como funcionários públicos têm que responder por essas responsabilidades, o povo nos paga. Outra coisa é se ganhamos muito ou pouco, isso eu vou discutir no meu sindicato. Distinto disso é discutir se eu tenho toda responsabilidade pelos resultados de meus alunos ou se ela é parcial. Quero deixar patente que sou radicalmente contrário, por exemplo, a abonos, que res-ponsabilizam completamente o professor; defendo o boicote, aliás, em relação às avaliações que responsabilizam completamente os professores. Então, a gente vai ter que encontrar os devidos lugares, para evitar posições que colocam tudo no “mesmo saco” e dificultam o processo de análise. Considero que as avaliações externas podem ser um processo que forneça bons indicadores – se as provas fo-rem bem feitas e bem aplicadas –, outra coisa é querer, a partir daí, explicar tudo. As provas não têm essa propriedade, como a balança que não indica se é prata ou ouro a massa sobre ela.

Resposta Sandra Zákia Sousa: Acho que a ideia da responsabilização, no sentido de que somos todos responsáveis pelo trabalho, a partir dos lugares que ocupa-mos, não significa associação de bônus para uns e para outros. A base não pode ser o reconhecimento de que uns irão trabalhar direito e outros não, uns vão estar presentes no trabalho e outros vão faltar. isso nós temos que colocar como não aceitável. Portanto, acho que a discussão se coloca em outro patamar.

Uma das questões colocadas aqui, quando eu estava falando, é sobre as provas contemplarem apenas língua portuguesa e matemática, e por que isso? Por que esse limite? A gente já tem algumas pesquisas internacionais, e algumas pesqui-sas que começam a ser concluídas no Brasil, que estão mostrando que a escola está tendendo a reduzir seu currículo no ensino de língua portuguesa e matemá-tica, porque é o que tem visibilidade, é o que tem valor. Eu costumo dizer que, nem que a escola não queira, tem uma dimensão do currículo oculto que está acontecendo ali, que ela não consegue reduzir e, portanto, ela está ensinando, viabilizando aprendizagens positivas ou não, dimensões mais ou menos educati-vas. Mas, de fato, essa ênfase nas provas, o lugar que isso ganhou, está trazendo

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sim uma redução curricular no interior da escola. Vamos lembrar e relembrar, anunciar e denunciar que qualidade não se resume ao resultado dos alunos nas provas de língua portuguesa e matemática, seja do SAEB, SARESP, de uma Prova Brasil, de uma Provinha Brasil. Há dimensões da formação humana que são es-senciais para a inserção, para o jeito e o lugar social que o indivíduo está ocupan-do. Como a escola pode abrir mão de trabalhar valores, que podem ser valores de solidariedade, cooperação, a ideia da importância do coletivo? E, portanto, é fun-damental resistirmos, aí eu concordo com as críticas que vêm sendo feitas ao uso inadequado dos resultados das avaliações externas, a que o Ocimar já chamou a atenção. O problema não são as avaliações externas, a questão é que uso vai ser feito desses resultados. O problema dessas provas é, por um lado, induzir a uma limitação da própria ideia de currículo escolar e, por outro, levar para dentro da escola o fortalecimento de uma visão individualista e competitiva, pela centrali-dade que elas passam a ocupar nas relações e interações escolares.

Depoimento de Sueida e continuidade de sua pergunta: Professor, não é nenhu-ma réplica, deixo claro que considero sim que o professor tenha sua responsabi-lidade, mas ele não é o único. Considero que a responsabilidade é de todos da escola, porque o aluno não é só daquele professor, daí a importância da avaliação institucional. Eu deixo clara a minha fala de que a responsabilidade é de todos.

Resposta Ocimar Alavarse: Poderia falar das jornadas ou de uma série de fato-res, mas eu não gostaria de comentar isso porque eu não teria alguns dados para dizer. Evidentemente que tem que se investigar as ausências. Portanto, você es-tava constatando isso: a falta no dia pesa, quando eu fiz aqui um desabafo. Você imaginou, eu era um coordenador pedagógico que tinha que ficar na entrada dos turnos todos os dias, para ver que professor iria substituir outro, e isso to-mava um tempo meu, não só físico quanto subjetivo, eu não ficava contente com isso. Foi só uma constatação. Até os alunos começam a chegar à escola e pergun-tar: “hoje vai ter aula? Quem faltou?”, como podem os alunos chegar à escola e perguntar quem vai faltar hoje? Eu sei que existem fatores de várias ordens, até morais: os professores adoecem, são fatores que escapam ao controle deles, as jornadas extenuantes, que precisam ser equacionadas... Entretanto, esse não é um problema menor, embora não seja o mais importante. Eu concordo que jornada de trabalho e estrutura da escola pesam.

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Pergunta: [Quanto ao Registro-Síntese do Processo Avaliativo] qual a necessida-de de fazer uma parte descritiva se a parte objetiva já é bem detalhada?

Resposta Sandra Zákia Sousa: Essa é uma das discussões que eu considero das mais delicadas de fazer, porque a parte descritiva tem um sentido de dar vida a aspectos pontualmente anotados. Essas fichas, muitas vezes, estão sendo usadas quase como uma coisa mecânica em termos de preenchimento que, quando você lê, pouco informa sobre o que é aquela ideia de avaliação para além do julgamen-to. A ficha deveria estar informando ações, decisões subsequentes, e o que se tem observado é que essas fichas acabam subsidiando pouco o que fazer com aquele aluno. Então se põe lá: “escreve com tal nível de palavra, com quantas sílabas, sempre, de vez em quando...”, “coopera com os coleguinhas no trabalho de clas-se”, você acaba sem uma visão viva daquele aluno. No final, como ele está? O que eu sugiro de continuidade? Acho que a ficha de registro corre o risco de ficar nela mesma. O registro que entendo tem a função de dizer quais são os próximos passos a serem dados, quais os principais desafios com o aluno, o que eu indico de destaque, aspectos importantes, etc. A tendência, ainda mais com o número de alunos, é de que o professor faça um preenchimento automático. Acho que a parte descritiva tem uma função que não é de repetir o que está assinalado, é in-terpretar o que está assinalado, para poder apontar perspectivas de continuidade do trabalho, inclusive desafios para a escola, desafios que sejam compreensíveis para o aluno. Esse eu acho um aspecto importante, é superar o caráter buro-crático. Aquilo tem que, de alguma forma, ser compreensível para o aluno, tem que ser partilhado com ele, porque se ele não se reconhece naqueles elementos que estão assinalados, você não consegue mobilizá-lo, envolvê-lo. Acredito que a orientação é muito menos pela mudança de registro e muito mais pela forma de registro, para tentar induzir à vivência de uma avaliação com outro significado, é este o movimento. Costumo dizer que não adianta meramente substituir nota por conceito, conceito por cor, cor por ficha descritiva, se eu não mudar o signi-ficado que vem sendo dado, de modo dominante, à avaliação por alunos, pais e professores.

Pergunta: Meu nome é Adalgisa, sou da EPG Pixinguinha, eu queria só abordar duas coisas. Quando a gente se reúne para falar sobre avaliação da instituição, acho que a gente passa por um processo, principalmente quando você fica muito

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tempo em uma escola e tem uma grande rotatividade de professores e alunos. A gente percebe que aquela avaliação que avalia a instituição está sendo feita sobre um grupo que teve uma história, um processo, uma trajetória, mas foi embora. Então, aquele grupo de alunos que foi para o sexto ano, ou quinta série, não vai usufruir daquela avaliação porque não tenho mais contato com ele, esse é o pri-meiro ponto. Eu acho que perdemos muito aí, porque essa avaliação não acom-panha o aluno nas séries seguintes, e ele não sabe qual foi o desempenho dele naquela escola. É muito relativo você achar que todos os pais vão lá na página do INEP procurar a média da escola onde o filho dele estudou no ano anterior, principalmente na região onde eu trabalho, que é periférica, com pouquíssimo acesso dos pais à internet. Então eu vejo que quando a gente fala que uma escola é 4.7, 4.1, 4.9, isso na realidade é muito relativo porque aquele grupo não mais terá a intervenção que poderia ser feita. E a gente passa a tatear o novo grupo que está no processo para tentar prever que eles não tenham o mesmo histórico que o outro para chegar ao resultado. Mas tudo isso varia porque temos muitas remoções e, na realidade, a gente passa a desenvolver, como gestor, um plano de ação sob condições que a gente avalia nesses alunos, mas só vai saber o resultado deles, da caixa-preta, no final dos quatro anos. Eu acompanho muito isso, e a gen-te nunca vê as escolas que foram as primeiras [no IDEB], por exemplo, se repetir nos próximos anos. Há uma lacuna muito grande nesse sistema de avaliação. E quando a gente fala nessa avaliação tem outra coisa, agora na Provinha Brasil, em que vou colocando no gabarito a nota do aluno online, e ele vai sair dentro de um grupo. isso tem sido um bom auxílio para a escola, porque ela tem as indicações do que “eu” ainda posso fazer, de como posso acompanhar esse processo. Só para finalizar, eu queria que vocês abordassem outra coisa ainda, quando falo da responsabilidade, então a gente teria de começar do MEC, que forma o professor. Como diretora, a gente debate sobre algo que é engraçado: no dia de atribuição de aula para professor, é raro você ter um professor que fale: “me dá um primei-ro ano, morro de vontade de alfabetizar”, ao contrário, o que recebo, na maioria dos anos, é um professor que chega cheio de dúvida, cheio de medo e diz assim: “me dá qualquer coisa, menos primeira série, porque eu não sei alfabetizar”, e ele aprende com o colega no dia a dia, ele vem completamente despreparado e a equipe toda se debruça sobre ele para fazer essa acolhida para ele poder traba-lhar. O que não foi diferente comigo, a minha primeira série me deu um medo enorme, e depois que você começa, você percebe como é; então nesses vinte anos eu não vi uma mudança nesse aspecto, principalmente no da alfabetização. E

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também há aquela fala: “eu vou consertar o que o outro fez”, isso acontece até hoje, a gente ainda fala, como diretor, professor ou coordenador: “vou para a es-cola consertar o que o outro deixou”. Eu acho que fizemos uma discussão muito complexa, vocês levantaram muitos pontos, que são norteadores para nós e isso foi muito bom, e acho que a única coisa que nos falta é esse norte, se as avaliações institucionais estão rotulando, e estão rotulando forte as escolas em todo terri-tório nacional, não só em Guarulhos... Tenho amigos diretores que perguntam: “qual a nota da sua escola?”, “não vou para lá porque acho que vai ser muito duro trabalhar nessa comunidade”, as crianças e a comunidade ficam rotuladas também. isso é muito delicado e acho que deve ser bem trabalhado porque, na realidade, no dia a dia a gente gasta muita xerox para fazer essas provas, elas são imensas, as crianças se cansam, fazem esses simulados para estarem preparadas, mas não vão ter resultado nenhum para a atividade de aprendizagem da criança no próximo ano.

Resposta Ocimar Alavarse: De forma mais geral, vamos tentar fazer um apa-nhado muito rápido aqui. Primeiro, não sejamos ingênuos, nós vivemos em uma sociedade, entre outras definições, liberal. O que quer dizer isso? Igualdade de oportunidades; de sucesso não. Esse é o valor liberal. A mídia não é um demô-nio, a mídia está no meio de todos nós. Quantos professores da escola pública que falam contra a mídia e, na primeira oportunidade, tentam colocar seus filhos nas melhores escolas, pagando, inclusive, para que eles tenham sucesso no ves-tibular. isso não demoniza ninguém, é nessa sociedade que vivemos e o que a imprensa faz é lidar com esses valores. Agora, qual o problema do ranking? Não é fazê-lo, mas sim lembrar que quando eu ordeno – o ranking – eu ordeno po-sição, e a questão é que a posição vem de uma medida anterior. Então, às vezes, primeiro, segundo, terceiro, estão muito próximos em relação à medida anterior, mas quando eu coloco no ranking aparece uma grande diferença. Por exemplo, quando você ordena por língua portuguesa, vai ficar a primeira, a centésima e a milésima escola, mas, às vezes, entre as 100 primeiras a diferença é tão pequena que está na margem de erro. Esse é o problema de fazer o ranking. Outra coisa é olhar para os números e perceber que, quando começa a ter uma distância muito maior, é necessário ver o que está acontecendo com as escolas. Quando a gen-te olha a distribuição de Guarulhos, vocês são muito homogêneos como escola, mas algumas estão discrepantes, tem que ir lá e ver o que está acontecendo. Há uma escola aqui, por exemplo, na quarta série com nível de quase terceira série...

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Precisa ir lá ver o que aconteceu. Pode ser o seguinte, os alunos não fizeram a prova, porque há uma regra de ouro nas provas padronizadas, é fácil abaixar proficiência abaixo da “minha”, é só eu não fazer a prova ou fazer de qualquer jeito. Digamos que estou em 200 na escala SAEB, mas faço de qualquer jeito e fico com 125. Agora, se “eu” sou 200 e aparece 250, é fruto da probabilidade de um em um milhão de casos. Então é possível que os alunos não tenham feito a prova, mas tem que ir lá olhar, e, para isso, inclusive, acionar o supervisor. Quanto aos pais, quando podem, eles fazem comparações entre as escolas, tem a Provinha Brasil e Prova Brasil, o que agora talvez eles façam tentando agregar..., embora eu também não seja favorável colocar o IDEB na porta da escola. Esse é o esforço que nós precisamos estabelecer, de procurar trazer os alunos e os pais para o processo de avaliação. Para terminar, mais duas coisas. A primeira é mais importante. Nós que estamos nessa mesa tivemos, num certo momento, uma associação muito in-tensa com a discussão da escola em ciclos. Quando a discutíamos era no sentido de como organizar a escola em outras bases, porque se, por um lado, a escola se-riada — a que temos na prática — é uma conquista histórica, e não joguemos fora as nossas conquistas, por outro, ela tem limitações para acompanhar os alunos, organizar o currículo, etc. Então, não sei se é uma utopia dizer isso hoje, é preciso retomar a discussão de como organizar a escola em outras bases, e a discussão de ciclos visava esse tipo de coisa. Ao fazê-lo, vamos enfrentar as resistências, por-que os pais têm concepções, os professores têm concepções, mas de toda maneira é um bom combate que talvez devêssemos retomar e repensar de fato na escola em ciclos.

Resposta Sandra Zákia Sousa: Avaliar ou não avaliar, eis a questão. Como não avaliar se, ao chegar ao ensino superior, os alunos são avaliados constantemente, inclusive para entrar na faculdade? Eu sou plenamente favorável à avaliação, mas a questão é a seguinte: não podemos confundir avaliação com prova, não podemos confundir avaliação com nota; a prova é importante como um dos ins-trumentos para avaliação de determinados conhecimentos dos alunos. Querendo ou não a gente usa outros mecanismos de avaliação do aluno. Sou plenamente favorável à avaliação, só acho que não podemos restringi-la à medida de desem-penho do aluno, medida que é parte do processo de avaliação. Quando a Adal-gisa levantou a questão dos resultados das avaliações dela, eu queria lembrar

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que a origem dessas iniciativas não é a de que servissem para avaliar o aluno individualmente. A verdade é que as avaliações externas nascem para iluminar a formulação e a implementação de políticas educacionais, a ideia nem era para ir para a escola. Agora, quando ela passa a focar a escola como forma de induzi-la, ela não está querendo descriminar que o aluno A, B ou C foi o responsável, ela dá um retrato da escola e, portanto, é para subsidiar o planejamento da instituição. Nesse sentido, não é tanto o resultado do aluno individualmente, claro que em escolas onde há uma rotatividade muito grande de professores, quando chega o resultado, o coletivo não se reconhece, mas, de alguma forma, eu acho que [o re-sultado] pode ser explorado por essa perspectiva, porque essa escola com a confi-guração que tinha chegou a esse resultado. E isso pode eventualmente mobilizar a própria escola a fazer o seu diagnostico naquele contexto.

Nós estamos formando seres humanos, formando gente que está em um mundo cada vez mais individualista, cada vez mais violento, e a escola é parte disso, não dá para fecharmos os olhos para essa realidade que está aí, e precisamos sim re-conhecer que a escola tem um papel importante nessa formação geral do aluno, não só em conhecimentos, mas em uma dimensão valorativa.

Pergunta: Clarice, sou pedagoga do ensino fundamental e vou dividir um pouco as minhas angústias. Quando o professor Ocimar estava apresentando aquele gráfico de evolução da Prova Brasil, fiquei pensando em algumas situações que vêm ocorrendo, principalmente em relação à violência, e a Sandra [Zákia Sousa] na sua fala traz um pouco disso. Eu acredito que as avaliações externas são im-portantes sim, acho que elas trazem alguns aspectos que nos fazem refletir sobre o nosso fazer pedagógico, mas, ao mesmo tempo, quando a gente se depara na mídia com essas questões da violência no dia a dia, a gente fica se perguntando: “que resultados são esses?”, “o que a escola está formando?”, “que formação é essa?”. Então, na verdade, quero dividir e gostaria de que vocês falassem sobre isso. Eu acredito também que na educação todos nós temos um papel, em qual espaço estejamos, quer na escola, na secretaria da educação, etc. Acho que é um conjunto de corresponsabilidades. E aí a gente vê uma grande distância nos úl-timos tempos entre a formação inicial e a formação continuada. Sou formadora aqui na Rede Municipal e a gente percebe muitas vezes que o professor vem com sua formação inicial com muita fragilidade, são muitos desafios e eu gostaria de que vocês falassem um pouquinho sobre isso.

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Resposta Ocimar Alavarse: Temos problemas seriíssimos na formação inicial dos professores. Não sei vocês aqui e não quero ser indelicado, mas olhando de conjunto os cursos de licenciatura no Brasil, que são os cursos que formam pro-fessores, eles são em geral noturnos e de três anos de duração, e em condições, muitas vezes, precárias. Eis um grande desafio. Talvez seja interessante recuperar a experiência do CEFAM, pagar uma bolsa... Eu pessoalmente tenho defendido que a formação de professores no Brasil deveria ser pública – ninguém vai pagar para ser professor – e deveria ter uma bolsa para se formar, entre outras medidas. Penso que não podemos simplesmente transferir para a formação continuada as lacunas da formação inicial. Por isso que existe esse discurso de atrair os melho-res, o pessoal que vai fazer medicina, e mesmo que fizéssemos isso são muito poucos, não iria resolver. E se alguém pensou mandar buscar do Paraguai, não adianta, não tem sobrando lá, e se tiver não fala português, as crianças brasileiras vão aprender conosco. Outra coisa é para as novas gerações repensar a formação inicial.

Pergunta: Meu nome é Regina, sou supervisora também. Aos mestres gostaria de perguntar, ou melhor, ouvir uma explanação quanto à importância de um pro-fessor, no processo, considerar a autoavaliação do aluno, visto que a Rede Muni-cipal está construindo, no processo democrático, o Registro-Síntese do Processo Avaliativo e lá tem uma parte que fala da autoavaliação e, a meu ver, é muito importante para o currículo, então gostaria de ouvir a fala de vocês.

Resposta Ocimar Alavarse: Olha, eu não quero contrariar ninguém aqui, mas cuidado, porque autoavaliação mesmo, eu faço comigo mesmo! Toda vez que sou obrigado a externar minha avaliação, começam a interferir suposições de quem vai ler minha autoavaliação. Eu sou mais modesto, nós temos que trazer os alu-nos para o processo de avaliação, mas, às vezes, o máximo que eles fazem é dizer se gostaram ou não das coisas e a gente querendo que eles debatam com a gente. Então, às vezes, nosso desafio é mostrar para os alunos o que nós fizemos sobre eles, qual o julgamento que nós temos, pode-se chamar isso de autoavaliação; mas a autoavalição é criarmos as condições para que o aluno comece a se ver. Mas, de novo, precisa-se tomar cuidado porque ao externar a minha autoava-liação, na verdade, estou começando a fazer heteroavaliação, por isso que é um desafio. Como trazer os alunos para o processo de avaliação da escola? Não es-

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tou dizendo com isso “cuidado!”, que eles não vão ter nem opiniões, não devem expressar seu desejo, não é isso, eu só não chamaria de autoavaliação em pleno sentido, por essas rápidas considerações. Eu agradeço a oportunidade, e esses debates nos forçam a repensar, fazer uma “autoavaliação” do que falamos, do que destacamos, e, no meu caso em especial, como formo professores, tenho res-ponsabilidades na formação inicial deles e isso ajuda a levantar questões a serem repensadas e, além disso, pesquisadas.

Resposta Sandra Zákia Sousa: Eu acho esses momentos bem provocativos e eu vou começar por onde você [Ocimar Alavarse] terminou. Eu sou extremamente a favor da autoavaliação; eu acho que é uma das coisas mais difíceis de fazer, porque o aluno não tem confiança de se colocar, de se autoavaliar. O que é a autoavaliação? É o aluno analisar seu próprio desempenho, os avanços, as difi-culdades; talvez seja uma das coisas mais difíceis, mas não é difícil porque ele não sabe se autoavaliar, é o medo que ele tem do que vai ser feito com aquilo. Se eu falar o que não aprendi e o que eu não entendi ou em que estou com dificul-dade, o professor vai me dar nota baixa e isso vai gerar consequência. Então, na verdade, acho que o grande desafio é uma mudança estrutural, trazer o aluno para uma relação de confiança, em que ele pode expressar suas dificuldades e li-mitações e pedir socorro porque não vai receber “ponto negativo”. É uma grande ruptura que vocês estarão fazendo [na Rede Municipal], é difícil, é complicado, é uma mudança na lógica da escola e é um enfrentamento à lógica da sociedade em que vivemos. Trabalhamos com muita naturalidade a ideia do ranking, acha-mos natural algumas pessoas estarem na frente de outras como seres melhores. A disputa é por outro projeto de escola e de sociedade. A gente precisa aprender a se autoavaliar, tem que aprender também a avaliar o outro com respeito, para exercitar o processo de heteroavaliação, de discussão dos resultados. Penso que, se vocês conseguirem isso, será um avanço muito grande na construção de um projeto de escola democrático.

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AVALIAÇÃO DE MONITORAMENTO E PLANO DE AÇÃO: ALGUNS APONTAMENTOS

Secretaria Municipal de Educação

Os debates em torno da avaliação sempre provocaram calorosas intervenções en-tre os profissionais da educação. Durante muito tempo esses debates se restringi-ram à dimensão da avaliação da aprendizagem, que possui o foco no aluno.

Só mais recentemente, a partir de 1990, é que outros aspectos relativos à avalia-ção educacional ganharam densidade nas discussões, como avaliação de sistema, avaliação institucional, avaliação de projetos, avaliação externa e avaliação de monitoramento.

O contexto da popularização e fortalecimento das várias dimensões da avaliação educacional foi o mesmo: na Europa e Estados Unidos, a crise da década de 1970 criou um terreno fértil para as críticas em relação ao modelo de Estado adotado e impulsionou as reformas neoliberais com o objetivo de tornar o Estado mais leve – gastando menos, principalmente nas áreas sociais, o que inclui a educação – e mais forte, arrecadando mais recursos. No Brasil, essas reformas foram empreen-didas com grande força a partir de 1994, no governo de FHC.

De lá para cá, várias iniciativas governamentais foram ampliando a capilaridade da avaliação no campo da educação e aumentando ainda mais a visibilidade dos resultados das suas diversas dimensões. Por exemplo: a criação do IDEB em 2007 colocou em evidência para toda a sociedade a avaliação externa e de sistema ao tornar públicos os dados das escolas obtidos na Prova Brasil.

O recrudescimento da avaliação educacional tem povoado o cotidiano da escola e dos profissionais da educação e, para que as qualidades das avaliações sejam potencializadas e seus limites minimizados, precisamos conhecer as possibilida-des abertas nesse campo.

Quando falamos de avaliação educacional, estamos nos referindo ao nome ge-nérico que damos para todas as avaliações empreendidas na área da educação, como avaliação de sistema, da aprendizagem, de projetos, etc. O que todas elas

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têm em comum é que são avaliações e, portanto, devem estar fundamentadas em processos que envolvem decisões e ações organizativas com dimensões técnicas, políticas e ideológicas com o objetivo de afirmar o ‘valor’ de algo, dependendo do foco da avaliação, a partir dos julgamentos dos avaliadores.

Para desenvolvermos um processo avaliativo, independentemente do foco, pre-cisamos trilhar, de forma articulada, três etapas: 1) decisão sobre a intenção de avaliar, ou seja, devemos responder à pergunta: por que avaliar?; 2) elaboração dos instrumentos, devemos responder à pergunta: como avaliar?; e 3) uso dos re-sultados em relação ao foco avaliado, decisão sobre o que fazer com os resultados obtidos na avaliação, devemos responder à pergunta: o que fazer com os dados? Caso contrário, não estamos fazendo ‘avaliação’.

O que elas têm de diferente, ou melhor, de complementar, é o foco para o qual se dirigem. Por exemplo, a avaliação da aprendizagem tem o foco no aluno, a de sistema no conjunto das escolas de uma determinada rede e a avaliação institu-cional tem o foco na escola.

Digo que elas são complementares porque podemos fazer vários usos dos re-sultados de uma avaliação, para além do foco inicial do processo avaliativo. Por exemplo, podemos avaliar uma escola a partir dos resultados das avaliações da aprendizagem dos alunos, embora em nossa convicção seja preciso mais do que a aprendizagem dos alunos para podermos afirmar valores sobre as escolas.

Nesse texto focamos nosso debate em torno da avaliação de monitoramento. Cabe destacar que ela é uma avaliação, portanto possui o papel de afirmar valor a par-tir de decisões técnicas, políticas e ideológicas. Mas, afirmar valor em relação a quê?

Pois bem, o foco da avaliação de monitoramento é o resultado, em geral, de pro-jetos. Shapiro (2011) a define como “uma coleta sistemática e uma análise da informação de como um projeto progride”. Trazendo essa definição para nossa realidade, podemos afirmar que, quando queremos saber se estamos atingindo nossas metas nos planos de ação que fizemos, devemos fazer uma avaliação de monitoramento.

Os objetivos dessa avaliação podem ser resumidos em dois, com graus de impor-tância semelhante para nós: 1) prestação de contas para a sociedade; e 2) obten-

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ção de informações e dados para dar continuidade ao trabalho, reafirmando ou corrigindo rumos e rotas. Esses objetivos são importantes porque, na educação pública, precisamos informar à sociedade o que estamos fazendo e como está se desenvolvendo o que estamos fazendo, uma vez que somos funcionários do povo e, também, porque precisamos ter instrumentos para acompanhar nosso trabalho para poder fortalecer suas potencialidades.

Vejamos um exemplo hipotético de avaliação de monitoramento de um projeto de plano de ação:

SON

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AVA

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Os confli-tos entre alunos au-mentaram nos últimos dois anos.

Reduzir em 50% os con-flitos entre os alunos.

- Sensibilização sobre a importância do respeito entre as pessoas;

- Atividades lúdicas sobre amizade e relacionamentos;

- Representação tea-tral sobre conflitos e suas possibilidades de resolução.

- até junho

- até se-tembro

- apresen-tação em dezembro

Márcia

Luis

Joana

profas. da manhã

profas. da manhã

profas. da tarde

mensal: observando o desenvol-vimento de cada uma das ações

Primeiramente, cabe destacar que será possível perceber a importância das orien-tações sobre a elaboração do plano de ação, principalmente em relação à mensu-ração das metas. É possível monitorarmos metas qualitativas dos projetos cons-tantes nos planos de ação, mas é mais difícil do que o monitoramento de metas quantitativas, como o exemplo formulado acima.

Para monitorarmos a meta estabelecida no plano de ação hipotético, precisamos tentar responder a questão: qual(is) resultado(s) esperamos com essa meta? Se a meta é reduzir em 50% os conflitos entre alunos, esse número também é o resul-tado esperado. Se o plano de ação foi elaborado para ser executado no ano letivo,

90 Secretaria de Educação de Guarulhos

esse é o prazo para a consecução da meta. Uma possibilidade de monitoramento é subdividir a meta nos meses de trabalho que temos durante o ano e avaliar mensalmente a consecução de cada ‘parte’ da meta total de 50%.

Aqui cabe uma observação relevante: a meta de 50% se refere a quê? Ao total de alunos? Ao total de conflitos? Todos os conflitos ou somente os considerados mais graves? Nesse momento evidenciamos a importância da sondagem do plano de ação. É nesse tópico que devemos fazer referência ao problema e/ou dificuldade que queremos solucionar com a meta estabelecida. Se observarmos a sondagem do nosso plano hipotético, vemos que ela faz referência aos últimos dois anos, ou seja, nesse caso a meta quer reduzir em 50% do total de conflitos ocorridos nos dois anos anteriores. Sabemos se estamos realizando ou não as metas propostas nos planos quando monitoramos sua efetivação.

Vejamos um exemplo de meta qualitativa:

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As crian-ças estão consumin-do muitos alimentos calóricos e poucos alimentos saudáveis como fru-tas,verduras e legumes.

Melhorar os hábitos alimentares das crian-ças tornan-do-os mais naturais e saudáveis.

- Atividades lúdicas com as diferentes formas e cores dos alimentos in natura;

- Criar o dia da ‘no-vidade’, juntando os brinquedos novos das crianças com a experimentação de uma comida nova;

- durante todo o ano

Milena

José

profas. da manhã

profas. da tarde

mensal: observando o aumento do con-sumo de frutas, verduras e legumes.

Como podemos observar se a meta está sendo alcançada? Nesse caso, é importan-te criarmos critérios do que entendemos por ‘melhora nos hábitos alimentares’. No exemplo que demos já dissemos, na sondagem, que as crianças estavam con-sumindo poucas frutas, verduras e legumes. Podemos traduzir isso por critérios.

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Ainda faz parte da avaliação de monitoramento a análise do impacto do plano de ação. Analisar o impacto é sabermos se as metas que estabelecemos e cumprimos fizeram alguma diferença ou não em relação ao nosso objetivo principal.

Como nosso principal objetivo da Educação no município de Guarulhos é a me-lhoria da nossa qualidade social, que definimos como aquela baseada em um “conjunto de práticas e saberes vinculados à conscientização e mudanças sociais que vislumbram o ideal de emancipação e participação social e política”, anali-sar o impacto das metas dos planos de ação é estabelecer relação entre elas e a melhoria da qualidade social que estamos construindo coletivamente na Rede Municipal.

É essa análise que nos permitirá verificar se as metas foram relevantes, se as ações que nos propusemos nos levaram aonde queríamos, se melhoramos a qualidade social da educação com as metas que estabelecemos no plano de ação, etc. isso porque, antes de decidirmos se proporemos novos projetos ou manteremos os que já temos, precisamos ter certeza de que o que está sendo realizado tem feito sentido em termos do impacto que se quer gerar.

Com essas ações realizaremos conjuntamente uma educação com qualidade so-cial para todas as crianças, jovens e adultos da Rede Municipal.

REFERêNCIA BIBLIOGRÁFICA

SHAPiRO, Janet. Monitoramento e Avaliação. in: http://www.civicus.org/new/media/

Monitoramento-e-Avaliacao.pdf, capturado em 15.09.2011

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SOBRE OS AUTORES

Simone de Fátima FlachPossui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1991), graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1997), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (2005) e doutorado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (2010). Atualmente é pro-fessora na Rede Municipal de Ensino de Ponta Grossa, em função técnica na área de Estrutura e Funcionamento do Ensino e professora efetiva da Universidade Estadual de Ponta Grossa na área de Gestão Educacional.

Ocimar Munhoz AlavarsePossui Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal de São Carlos, São Paulo (1984) e é Mestre (2002) e Doutor (2007) em Educação pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Sandra Zákia SousaPossui graduação em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1975), Mestrado em Educação: Currículo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1986) e Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (1994). Atualmente é professora colaboradora da Universidade de São Paulo e professora do Mestrado em Educação da UNICID.

PrefeitoSebastião Almeida

Vice-PrefeitoCarlos Derman

Secretário Municipal de EducaçãoProf. Moacir de Souza

Secretário Adjunto de EducaçãoProf. Fernando Ferro Brandão

Gestora do Departamento de Ensino EscolarNeide Marcondes Garcia

Gestora do Departamento de OrientaçõesEducacionais e Pedagógicas

Sandra Soria

Gestor do Departamento de Controle da Execução Orçamentária da EducaçãoJosmar Nunes de Souza

Gestor do Departamento de Alimentação e Suprimentos da EducaçãoMarcelo Colonato

Gestor do Departamento de Manutenção de Próprios da EducaçãoLuiz Fernando Sapun

Gestora do Departamento de Planejamento e Informática na EducaçãoCintia Aparecida Casagrande

Gestora do Departamento de Serviços Gerais da EducaçãoMargarete Elisabeth Shwafati

CONCEPÇÃO E ORGANIZAÇÃO Cristiane Machado

Tiago Rufino-Fernandes

EXPEDIENTE

DIVISÃO TÉCNICA DE PUBLICAÇÕES EDUCACIONAISJosé Augusto Lisboa, Claudia Elaine Silva, Maria de Lourdes Dias da Silva, Vanda Martins, Maurício

Burim Perejão, Eduardo Calabria Martins, Maristela Barbosa Miranda e Camila Lima dos Santos.

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