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PEDRO ALVES A INFORMALIDADE, UMA RESPOSTA DO PROJETO SOCIETÁRIO CAPITALISTA À QUESTÃO SOCIAL DESEMPREGO: O CASO DOS EX- BANCÁRIOS DO BANESTADO EM CASCAVEL TOLEDO 2005 PEDRO ALVES

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PEDRO ALVES

A INFORMALIDADE, UMA RESPOSTA DO PROJETO SOCIETÁRIO CAPITALISTA À QUESTÃO SOCIAL DESEMPREGO: O CASO DOS EX-BANCÁRIOS DO BANESTADO EM CASCAVEL

TOLEDO 2005

PEDRO ALVES

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A INFORMALIDADE, UMA RESPOSTA DO PROJETO SOCIETÁRIO CAPITALISTA À QUESTÃO SOCIAL DESEMPREGO: O CASO DOS EX-BANCÁRIOS DO BANESTADO EM CASCAVEL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Alfredo Aparecido Batista.

TOLEDO 2005

PEDRO ALVES

A INFORMALIDADE, UMA RESPOSTA DO PROJETO SOCIETÁRIO CAPITALISTA À QUESTÃO SOCIAL DESEMPREGO: O CASO DOS EX-BANCÁRIOS DO BANESTADO EM CASCAVEL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio, da Universidade

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Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Alfredo Aparecido Batista

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Prof. Dr. Pery Francisco Assis Shikida

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Profª Drª Yolanda Demétrio Guerra

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Toledo, 29 de março de 2005.

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Dedico este trabalho dissertativo a quatro pessoas que eternizam a essencialidade de minha existência, duas mulheres: minha esposa e minha mãe. À primeira, pelo amor e companheirismo; à segunda, pelo carinho maternal e afetuoso; e a dois homens: meu filho e meu pai. Ao primeiro, por dar impulso e sentido cotidiano aos meus passos; ao segundo, pelo exemplo incontestável de vida e caráter.

AGRADECIMENTOS

À Carmem Menezes, que em 1999 plantou a semente que gerou a angústia de estudar e entender o universo das metamorfoses do mundo do trabalho. Ao Sindicato dos Bancários de Cascavel/PR, de modo particular à Irinéia Pelisson, pela atenção e disponibilidade ao fornecimento dos dados solicitados. Ao Sindicato dos Bancários de Toledo/PR, nas pessoas de Lúcia Brentano Vogt e João Carlos Padilha, pela disponibilidade de fornecimento de materiais. À Unioeste, à Capes e ao CNPq, pela oportunidade de cursar o Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio, numa universidade pública, e gratuitamente. Aos professores do curso, pelas suas contribuições teóricas e pelas experiências acadêmicas transmitidas e aos colegas pela caminhada conjunta. Ao meu orientador, Prof. Dr. Alfredo Aparecido Batista, pela caminhada conjunta e pela orientação marcada por profissionalismo e competência.

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Ao professor Célio Escher, pela revisão de texto; Ao pessoal técnico-administrativo da Unioeste, campus de Toledo. Ao meu amigo Cléber Luiz Sfolia, pela estruturação dos gráficos e tabelas. Ao colega de mestrado Gilnei Saurin, pelo companheirismo acadêmico. À minha irmã Antônia, pelo incentivo. À dona Tereza, que, em alguns momentos durante o mestrado, trocou o papel de sogra pelo de mãe. À minha família, que pacientemente compreendeu o motivo das ausências. À minha esposa, Ana Paula, por termos juntos partilhado alegrias e perplexidades acadêmicas, familiares e profissionais no enfrentamento a dois mestrados simultâneos. A Deus, por ter feito seus os meus passos...

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“Todo começo é difícil em qualquer ciência” (MARX,

1975, p. 4).

A informalidade engloba o setor informal na sua totalidade, enquanto que o setor informal expressa apenas um aspecto da informalidade, no entanto, sem esgotá-lo (MALAGUTI, 2000).

ALVES, Pedro. A informalidade, uma resposta do projeto societário capitalista à questão social desemprego: o caso dos ex-bancários do Banestado em Cascavel. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. RESUMO

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho, Serviços, Informalidade, Reforma do Estado O trabalho dissertativo que ora apresentamos é resultado do estudo da escolha, entre alternativas, de trabalhadores ex-bancários do Banco do Estado do Paraná – Banestado em Cascavel, desligados desta instituição financeira no período compreendido entre 1995 e 2001. Delimitado o objeto na esfera de um estudo de caso, nossa pesquisa pautou-se em compreender e analisar com elementos teórico-metodológicos quantitativos e qualitativos, fundamentados em conteúdos de referência macrossocietária, marxiana e da tradição marxista, com destaque à obra O Capitalismo Tardio, de Ernest Mandel. O estudo tem como objetivo compreender e analisar as condições atuais destes trabalhadores, com enfoque específico para aqueles que estão inseridos no universo da informalidade, nos subsetores “autônomo ou por conta própria” e “pequeno proprietário informal”. Ao mesmo tempo

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subsidiamos esse fundamento com literatura direcionada, permitindo-nos, por meio da ortodoxia marxista, reconstruir o objeto em questão, o que nos levou a compreender que o trabalhador, na esfera informal, assim como no trabalho formal, é subordinado ao modo capitalista de produção, vendendo sua mercadoria força de trabalho e mantendo o regime em vigência. Portanto, os trabalhadores informais, oriundos da categoria trabalhadora bancária, encontram-se atualmente em condições precárias do ponto de vista social, político e econômico, em comparação ao vínculo anterior de trabalho no setor financeiro. No entanto, identificamos em nossa pesquisa que os projetos teleológicos dos trabalhadores ex-bancários foram alterados, porquanto, não alterou o grau de negação em suas relações objetivas e subjetivas. ALVES, Pedro. Job informality, a possibility in response to unemployment: the case of the ex-bank workers of Banestado in Cascavel. Essay (Master’s Degree in Agribusiness and Regional Development) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

ABSTRACT KEY-WORDS: Work, Services, Informality, State Reform This essay is the result of a study of choices among the alternatives that ex-bank workers of Banco do Estado do Paraná – Banestado in Cascavel, who were laid off from this financial institution between 1995 and 2001. By delimiting the object within the realm of a case study, our research was delineated around understanding and analyzing, with the help of quantitative and qualitative methodological-theoretical elements based on a macro-societal, Marxian and of Marxist tradition reference content, highlighting the work The Delayed Capitalism by Ernest Mandel. The objective of this study is to understand and analyze the conditions in which these workers are today, by focusing specifically on those that are inserted in the informality realm, in the so-called “autonomous or self sufficient” and “informal small business owner” sub-sectors. At the same time, we supported these fundaments with specific literature, thus allowing us, by means of a Marxist orthodoxy, to rebuild the object in question, which made us understand that the worker, be it at the formal or informal realm, is

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subordinated to the capitalistic way of production, selling its merchandise – work force – and keeping the regime afloat. On the other hand, the informal workers who originated from the bank worker’s class, find themselves in precarious conditions as far as the social, political and economic points of view are concerned, when compared with the prior working bond in the financial sector. Thus, we have identified in our research that the teleological project of the bank’s ex-workers have been altered, although it did no alter the negation degree in their objective and subjective relations. SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 13 1ª PARTE 1 A QUESTÃO SOCIAL DESEMPREGO ESTRUTURAL NOS MARCOS DA SOCIEDADE CAPITALISTA TARDIA..................................................................................... 19 1.1 – Reestruturação Produtiva e “Questão Social” ..................................................................... 22 1.2 – Neoliberalismo e “Questão Social” ..................................................................................... 38 2 A ESFERA DA INFORMALIDADE: UMA RESPOSTA AO DESEMPREGO .................... 52 2.1 – A Relação da Informalidade com a Crise do Capital .......................................................... 53 2.2 – “Setor informal” e “Informalidade”: do Conceito Tradicional ao Novo Conceito ............. 55 2.3 – Imbricação e Funcionalidade do Trabalho Informal ao Capital .......................................... 67 2.4 – A Informalidade como Resposta do Projeto Societário Burguês ........................................ 76 2ª PARTE 3 O MOVIMENTO DO PROJETO SOCIETÁRIO BURGUÊS FRENTE À CRISE ESTRUTURAL DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA PÓS-1970 .............................. 82 3.1 – A Reestruturação Produtiva no Setor Bancário................................................................... 82 3.2 – O Movimento do Receituário Neoliberal na Esfera da Privatização das Instituições Financeiras.................................................................................................................................... 86 3.3 – O Movimento do Receituário Neoliberal e Suas Refrações no Desemprego Bancário ...... 90

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3.4 – O Movimento da Categoria dos Trabalhadores Bancários.................................................. 96 4 O MOVIMENTO DA ESCOLHA, ENTRE ALTERNATIVAS, DOS TRABALHADORES EX-BANCÁRIOS DO BANESTADO – CASCAVEL-PR ....................................................... 108 4.1 – Movimento do Banestado em Cumprimento à Reforma do Estado .................................. 113 4.2 – Análise dos Dados: Tendência dos Projetos Teleológicos ................................................ 119

4.2.1 – A Precarização: o Movimento do Velho em Relação ao Novo .......................... 123 4.2.2 – A Supressão ao Sindicalismo pela Ofensiva Neoliberal..................................... 136 4.2.3 – A Resposta dos Trabalhadores Ex-Bancários..................................................... 143

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................... 153 NOTAS ...................................................................................................................................... 160 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 165 ANEXOS ................................................................................................................................... 171

LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Total de demitidos por ano........................................................................................ 114

Figura 2 – Total de demitidos por banco.................................................................................... 115

Figura 3 – Média de idade dos ex-bancários .............................................................................. 115

Figura 4 – Média de tempo de banco ......................................................................................... 116

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Amostra delimitada Banestado................................................................................. 111

Tabela 2 – Total de demitidos por ano e por banco.................................................................... 113

Tabela 3 – Ocupação por setores da economia: ex-bancários localizados ................................. 117

Tabela 4 - Ocupação por setores da economia Banestado: ex-bancários localizados ................ 117

Tabela 5 – Subsetor/ramo de vínculo: ex-bancários localizados................................................ 118

Tabela 6 – Subsetor/ramo de vínculo Banestado: ex-bancários localizados .............................. 119

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos

FEEB/PR Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do Paraná

FMI Fundo Monetário Internacioanl

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFC Projeto do Banco Mundial e da International Finance Corporation

MARE Ministério da Administração e da Reforma do Estado

OIT Organização Internacional do Trabalho

PDRE-MARE Plano Diretor da Reforma do Estado do Ministério da Administração e da Reforma do Estado

PDV Plano de Demissão voluntária

PDVs Programas de Demissão Voluntária

PEA População Economicamente Ativa

PICE Diretrizes Gerais para a Política Industrial e de Comércio Exterior

PREALC Programa Regional de Emprego para a América Latina e Caribe

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PT Partido dos Trabalhadores

SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados

SJC Sem Justa Causa

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INTRODUÇÃO

A escolha do tema “A informalidade, uma resposta do projeto societário capitalista à

questão social desemprego: o caso dos ex-bancários do Banestado em Cascavel” tem relação

direta com o estudo monográfico que apresentei no curso de Especialização em Ciências

Sociais – área de concentração em Sociologia – da Universidade Estadual de Maringá – UEM.

O estudo do enfrentamento ao mundo do trabalho por trabalhadores demitidos de uma

instituição financeira em Cascavel – Banco Itaú – instigou o desenvolvimento de um projeto

de pesquisa – em nível de dissertação de mestrado –, com a intenção de investigar as

estratégias de sobrevivência encontradas por trabalhadores oriundos de oito instituições

financeiras da cidade de Cascavel, que se encontram atualmente desenvolvendo suas

atividades no universo da informalidade, modalidade específica dentro da área de serviços.

No entanto, nossa investigação, no decorrer da pesquisa, apropriou-se de novas determinações

do recorte do objeto.

Neste sentido, a trajetória desta dissertação tem intencionalidades que abrangem três

dimensões. A primeira é pessoal, por atender uma aspiração na esfera intelectual e responder

a uma necessidade de qualificação profissional. A segunda é institucional, ao possibilitar o

desenvolvimento de um projeto de estudo dentro da linha de pesquisa Economia Regional –

para tanto, os trabalhos das disciplinas no decorrer do curso, bem como a participação no

Grupo de Pesquisa “Fundamentos do Serviço Social: Trabalho e Questão Social”,

contribuíram para o recorte do objeto. A terceira dimensão decorre de atender a uma demanda

social, no sentido de contribuir com a comunidade acadêmica e não-acadêmica no

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desenvolvimento de um estudo-pesquisa que trata das metamorfoses no mundo do trabalho,

na peculiaridade “trabalho informal”.

Os fundamentos teórico-metodológicos presentes neste documento fundamentam-se

na perspectiva crítica e histórica. Assim, os autores e suas respectivas obras presentes nesta

dissertação pautam-se na literatura marxiana, com destaque à tese central de Ernest Mandel,

em sua obra O Capitalismo Tardio.

Para a construção desta pesquisa, optamos pela abordagem quantitativa e qualitativa,

por esta possibilitar uma compreensão mais aprofundada da temática a ser investigada, bem

como atingir maior abrangência dos objetivos pré-estabelecidos. Por meio da pesquisa

qualitativa, podemos trabalhar com significados, motivos, aspirações, crenças, valores e

atitudes, respondendo a questões muito particulares. “Ela se preocupa nas Ciências Sociais

com um nível que não pode ser quantificado” (MINAYO, 1994, p. 21). No entanto, temos a

compreensão de que a dimensão empírica quantitativa é parte intrínseca da dimensão

qualitativa.

Para compreender e analisar o recorte do objeto, utilizamos o estudo de caso: “a

escolha, entre alternativas, de trabalhadores ex-bancários do Banestado em Cascavel”,

desligados desta instituição financeira no período compreendido entre 1995 e 2001 e sua

inserção na informalidade. Como técnica para a coleta de dados, utilizamo-nos da entrevista

semi-estruturada, pois esta, “[...] ao mesmo tempo que valoriza a presença do investigador,

oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a

espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação” (TRIVINOS, 1987, p. 146).

Na coleta de dados, pautamo-nos, como instrumental técnico, no roteiro de questões

(Anexo A). Este possibilita fazer observações ou interrogações do entrevistador junto aos

sujeitos da pesquisa, obtendo opiniões e posicionamentos de acordo com o trabalho e com a

visão de cada sujeito entrevistado, permitindo a estes, ao serem indagados, uma reflexão

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rigorosa do objeto estudado. Utilizamos também o gravador para o registro de dados, uma vez

que constitui num recurso capaz de captar o máximo de informações possíveis com o maior

grau de fidelidade e autenticidade.

A delimitação do objeto ocorreu fundamentada em duas situações concretas. Primeiro,

a intenção era analisar o trabalho informal. Segundo, a pretensão era estudar a categoria

trabalhadora proveniente do setor financeiro. Por isto, a delimitação de se estudar “a escolha,

entre alternativas, de trabalhadores ex-bancários do Banestado em Cascavel”. A escolha da

instituição financeira Banestado ocorreu em função de ser este – no conjunto de oito1

instituições financeiras previamente observados na cidade de Cascavel – o banco que teve a

maior expressão de trabalhadores demitidos no período compreendido para o estudo: 1995-

2001, imbricada a outros três fatores: primeiro, por ser o Banestado um banco estatal;

segundo, pelo fato de o governo do Estado do Paraná ter implantado e implementado um

plano de demissão voluntária – PDV – que correspondia ao propósito do capital financeiro; e,

terceiro, por o Banestado enquadrar-se nos princípios legais, políticos e econômicos da

Reforma do Estado.

A construção do problema da pesquisa pautou-se nos referenciais teórico-

metodológicos de Marx e da tradição marxista, permitindo-nos explicitar que a materialidade

é a esfera fundante da possibilidade de colocar em movimento uma dada teleologia (objetiva-

subjetiva) e se possível realizá-la. Neste sentido, perguntamos: no momento em que a

materialidade objetiva-subjetiva dos trabalhadores ex-bancários do Banestado é alterada,

qual é a construção teleológica destes em processo?

Diante de tal problematização, nossa hipótese é que a atividade desenvolvida pelos

trabalhadores ex-bancários do Banestado colocou em movimento a alteração do projeto

teleológico, individual e coletivo, porém, não alterou em suas relações objetivas-subjetivas as

1 Instituições financeiras pesquisadas: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Estado do Paraná –

Banestado, Bradesco, Itaú, Unibanco, HSBC e Mercantil.

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dimensões negadoras vivenciadas nas relações estabelecidas entre capital-trabalho e suas

metamorfoses.

Elegemos como objetivo geral compreender e analisar o movimento do projeto

teleológico que trabalhadores ex-bancários do Banestado estão objetivando em suas

atividades na informalidade. Dois objetivos específicos nortearam a pesquisa: primeiro,

identificar as condições objetivas de trabalho de ex-bancários do Banestado que se

encontram na informalidade em Cascavel; e, segundo, identificar a tendência aproximativa

das relações pessoais e coletivas construídas por trabalhadores ex-bancários do Banestado

no espaço de sua nova ocupação.

Assim, na perspectiva metodológica de Marx, a construção deste trabalho dissertativo

tem a seguinte arquitetura. No primeiro capítulo, sob o título de A questão social desemprego

estrutural nos marcos da sociedade capitalista tardia, tratamos da crise da superprodução do

capital instaurada nos anos 70 do século XX, à luz da categoria de ondas expansivas e

recessivas, de Ernest Mandel. As transformações no mundo do trabalho ocorridas no pós-

1970, desenvolvidas nos capítulos subseqüentes, têm, nesta teoria, a sua base de

fundamentação.

No segundo capítulo, intitulado de A esfera da informalidade: uma resposta ao

desemprego, mostramos de que modo, a partir da crise dos anos 1970, o capital apresentou,

como uma de suas respostas, a ampliação das atividades laborais para a área de serviços,

alterando o conceito até então denominado “setor informal” para o de “informalidade”, dada a

desmedida expansão de atividades no universo da informalidade, ampliando a precariedade no

mundo do trabalho.

No terceiro capítulo, com o título de O movimento do projeto societário burguês frente

à crise estrutural do modo de produção capitalista pós-1970, trata-se de como este projeto

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respondeu ofensivamente à crise no setor financeiro, atingindo diretamente a categoria

trabalhadora bancária.

No quarto capítulo, a que denominamos O movimento da escolha, entre alternativas,

dos trabalhadores ex-bancários do Banestado – Cascavel-PR, iniciamos expondo o

movimento que percorremos enquanto procedimento metodológico para reconstruir o objeto.

Em seguida, fizemos, de forma imbricada, a exposição dos dados quantitativos e qualitativos,

com a análise dos mesmos.

Diante dos objetivos propostos para este estudo, o movimento do objeto possibilitou-

nos perceber, como tendência aproximativa, que os trabalhadores ex-bancários da instituição

financeira Banestado, no período compreendido de estudo, fizeram parte do contexto de

resposta do capital à crise. A categoria trabalhadora bancária foi submetida a enfrentar as

ações da ofensiva neoliberal, por meio da Reforma do Estado, da reestruturação produtiva e

da financeirização, onde se exaltou o aspecto econômico, por meio do consentimento da

subordinação do capital financeiro ao âmbito do privado nacional e internacional. Esta

ofensiva ampliou profundamente e intensificadamente a desmobilização, a fragmentação e a

precarização da categoria trabalhadora bancária.

Na nova materialidade – a informalidade –, estes trabalhadores se encontram inseridos

na área de serviços, para onde migrou a maioria dos ex-bancários situados por esta pesquisa.

Porém, apesar de o campo objetivo-subjetivo ter sido alterado, constatamos que a dimensão

subjetiva, por estar imbricada ao campo objetivo e este ter alterado na dimensão formal,

detectamos que na esfera da consciência dos trabalhadores ex-bancários – sujeitos da

pesquisa, expressam o universo reificado presente em profundidade na sociedade burguesa,

com determinações inovadas na última quadra do século XX. Neste sentido, o problema não é

saber em que instância o trabalhador está vinculado no mercado de trabalho: formal ou na

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informalidade, mas é saber qual conteúdo do projeto societário é colocado diariamente aos

trabalhadores em movimento.

1ª PARTE

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1 A QUESTÃO SOCIAL DESEMPREGO ESTRUTURAL NOS MARCOS DA SOCIEDADE CAPITALISTA TARDIA

Determinações teóricas no marco da história circunscrevem o que se entende pela

expressão “questão social”2, para a qual se registram compreensões diferenciadas e

atribuições de sentido muito diversas (NETTO, 2001). Sob este marco, direcionamos nosso

foco de estudo e análise crítica à “questão social” desemprego3, dimensão que ganhou

destaque no período pós-1970 ao limiar do século XXI.

A expressão “questão social” – na contextualidade da sociedade capitalista4 –,

manifesta seu conteúdo histórico no século XIX, a partir da década de 1830. A pobreza e a

miséria invadem os labirintos das casas dos trabalhadores e da classe burguesa no momento

histórico em que a Europa Ocidental experimentava os impactos da primeira onda

2 Um estudo pormenorizado acerca da questão social pode ser apreendido em Mariangela Belfiore-Wanderley

(2000); José Paulo Netto (2001); Alfredo Aparecido Batista (2002; 2004) e Alejandra Pastorini (2004). 3 O debate sobre a categoria desemprego pode ser apreendido e aprofundado nos estudos realizados por: Ernest

Mandel (1985); David Harvey (1992); Perry Anderson (1995); Emir Sader (1995); Eric Hobsbawn (1995); Nise Jinkings (1995; 1998; 1999; 2001; 2002); René Armand Dreifuss (1996); José Paulo Netto (1981; 1995; 1996; 2001); Francisco Teixeira (1998); Giovanni Alves (1998; 2000); Octávio Ianni (1999); Liliana Rolfen Petrilli Segnini (1998; 1999); Ricardo Antunes (1999; 2003; 2004); Jorge Eduardo Mattoso (2000); Alfredo Aparecido Batista (2002; 2004).

4 O capitalismo é uma das categorias intrínsecas ao conteúdo analítico do presente trabalho e que permeia

diretamente o estudo deste primeiro capítulo. Das raízes da crise econômica do capital, a uma especificidade micro – o Brasil –, procuramos entender como o capitalismo vêm combinando ações planejadas de combate à sua crise e como, no pós Segunda Guerra Mundial, com feição neoliberal, adotou-se definitivamente o caráter de exploração e subordinação do capital nacional ao internacional. Neste movimento, busca-se compreender como Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva acabam sintonizados com o receituário neoliberal, compactuando com os delineamentos do capital estrangeiro. Assim, nossa análise categorial parte do conceito de capitalismo, “denominação do modo de produção em que o capital, sob suas diferentes formas, é o principal meio de produção. O capital pode tomar a forma de dinheiro ou de crédito para a compra da força de trabalho e dos materiais necessários à produção, a forma de maquinaria física (capital em sentido estrito), ou, finalmente, a forma de estoques de bens acabados ou de trabalho em processo. Qualquer que seja a sua forma, é a propriedade privada do capital nas mãos de uma classe, a classe dos capitalistas, com a exclusão do restante da população, que constitui a característica básica do capitalismo como modo de produção” (p. 51). BOTTOMORRE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

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industrializante, iniciada na Inglaterra no último quartel do século XVIII. O fenômeno

concreto do pauperismo toma conta das cidades e dos campos. A contradição capital-trabalho

amplia suas diferenças, possibilitando que o projeto societário burguês exalte o

desenvolvimento econômico e controle pela força e pelo consenso as contradições colocadas

em evidência pela classe trabalhadora em constituição em si e para si, conforme os períodos

históricos.

A partir da segunda metade do século XIX, a classe burguesa reivindica ao Estado que

responda às contradições sociais. A resposta pautou-se num primeiro momento por meio de

instrumentos repressivos – incluindo o campo da legislação. Também interveio com ações

periféricas no campo filantrópico. Estas medidas, restritas à concepção burguesa de direitos,

não tardaram a revelar seus limites.

Desde os seus primeiros escritos, Karl Marx já buscava a compreensão do fenômeno

da “questão social”. Mas é apenas com a publicação do primeiro volume d’O capital, em

1867, que Marx pôde esclarecer com precisão este movimento, demonstrando criticamente

que a questão social “[...] tem a ver, exclusivamente, com a sociabilidade erguida sob o

comando do capital” (NETTO, 2001, p. 46).

No decorrer do final do século XIX e início do século XX, a “questão social”

intensificou suas determinações existentes e criou outras, conforme as relações contraditórias

e antagônicas entre o capital e o trabalho5. Aprofundando as conseqüências da questão social,

o Estado é chamado a ampliar suas ações no centro das manifestações contraditórias. Neste

sentido, o Welfare State foi o ponto alto. Na seqüência da Segunda Guerra Mundial,

especialmente na Europa Ocidental, o capitalismo experimentou o que se denominou chamar

“as três décadas gloriosas”, da construção à transição dos anos 60 aos 70. O regime do capital

5 “A convivência direta entre a emergência da ‘questão social’ nas entranhas do modo de produção capitalista e

a elaboração teórico-metodológica da classe burguesa expressa uma das manifestações concretas da relação

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viveu uma larga conjuntura de crescimento econômico. Mas, o que parecia estar controlado

perdeu sua solidez e “colocou sua cabeça de fora”. A matrona determinação histórica anuncia

que a questão social nunca desapareceu e agora – década de 1970 –, explicita abertamente que

o desemprego é a expressão máxima da relação contraditória e antagônica estabelecida entre

capital e trabalho. Os trabalhadores empregados passaram a viver em processo de incerteza

todos os dias. “Vulneráveis, o desemprego6 transformou-se num verdadeiro fantasma na vida

dos proletários, inclusive dos que continuavam empregados” (BATISTA, 2004, p. 115).

Entretanto, a questão social, tema de inúmeros debates, em função da relevância desta

categoria, é vista sob diferentes pontos de vista. Rosanvallon (1995)i e Castel (1998)ii

entendem que as transformações da questão social estariam indicando a presença de uma

ruptura com a antiga “questão social” que emergiu no século XIX. Pastorini (2004), por sua

vez, postula que não se trata de uma “questão social” essencialmente nova, mas tampouco

idêntica à “questão social” no século XIX. A “questão social” contemporânea nas sociedades

capitalistas mantém a característica de ser:

uma expressão concreta das contradições e antagonismos presentes nas relações entre classes, e entre estas e o Estado. As relações capital-trabalho, no entanto, não são invariáveis, como tampouco o é a forma de organização do capital e do trabalho: por isso, concordamos com a idéia de que existem novidades nas manifestações imediatas da “questão social”, o que é bem diferente de afirmar que a “questão social” é outra, já que isso pressuporia afirmar que a “questão social” anterior foi resolvida e/ou superada. Essas novidades na forma que assume a “questão social” capitalista nos diferentes países e nos distintos momentos históricos vão depender também das particularidades históricas em cada formação econômica e social (conformação das classes sociais, nível de socialização da política, características do Estado e das estratégias de organização do capital) (PASTORINI, 2004, p. 14-15).

contraditória e antagônica que acompanhara a trajetória diária entre as classes burguesa e trabalhadora” (BATISTA, 2004, p. 114).

6 “Desempregados, as conseqüências atingiam dimensões negadoras para os proletários enquanto indivíduos e como classe [...]” (BATISTA, 2004, p. 115).

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O desemprego, expressão concreta da crise do projeto societário burguês de produção

de mercadorias, tem relação direta nas esferas primária, secundária e terciária, ganhando

ênfase, dentro do setor terciário nas últimas décadas, o desenvolvimento dos capitalistas

voltados para a lucratividade via financeirização. Estes determinantes demarcam, ao mesmo

tempo, o grau de sociabilidade em construção na esfera da reprodução social. É sob este

patamar estruturado que o capital responde à crise estrutural em processo.

1.1 - Reestruturação Produtiva e “Questão Social”7

Na entrada dos anos 70 do século XX, esgotou-se mais uma onda longa expansiva da

dinâmica capitalista, obrigando o capital a responder ofensivamente nas dimensões política,

econômica e social. Ao dar os primeiros passos nas dimensões política e econômica, o capital

criou um campo discursivo para proclamar que a saída para a crise que tomava conta do

projeto burguês encontrava sua resposta na conjunção globalização-neoliberalismo. No

entanto, no decorrer das manifestações diárias, ficou patente que esta resposta “não tem

nenhum ‘compromisso social’” (NETTO, 2001, p. 47). A cada novo tempo surgem novas

formas de manifestação das respostas do capital frente ao ser social. “A cada novo estágio de

seu desenvolvimento, ela instaura expressões sócio-humanas diferenciadas e mais complexas,

correspondentes à intensificação da exploração que é a sua razão de ser” (NETT0, 2001, p.

48).

7 O uso das aspas em todo o texto, explicita a necessidade de entender em seu movimento, porém, partimos da

compreensão colocada por Netto (2001, p. 45), onde “[...] as vanguardas trabalhadoras acederam, no seu processo de luta, à consciência política de que a ‘questão social’ está necessariamente calcada à sociedade burguesa: somente a supressão desta conduz à supressão daquela. A partir daí, o pensamento revolucionário passou a identificar, na própria expressão ‘questão social’, uma tergiversação conservadora, e a só empregá-la indicando este traço mistificador”.

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O capital monopolista-imperialista se vê compelido a encontrar alternativas para a

crise estabelecida na sua estrutura. A primeira recessão generalizada da economia capitalista

internacional desde a Segunda Guerra Mundial, ocorrida em 1974-1975, provocou

modificações profundas na dinâmica do capital: chegava ao fim o padrão de crescimento de

“três décadas gloriosas” de ondas longas expansivas, sendo substituído por ondas longas

recessivas (NETTO, 1996).

O capital monopolista tenta responder, estrategicamente, inserindo uma série de

reajustes e reconversões, deflagrando novas tensões e colisões, sob os quais se constrói o

contexto em que surgem e se desenvolvem transformações societárias.

Para preservar-se e reproduzir-se, e conseqüentemente não entrar em colapso, o

capitalismo monopolista contemporâneo enfrenta contradições imanentes, recorrendo a

alterações nas dimensões técnica e organizacional nas esferas da produção e da reprodução.

Entra em cena a acumulação flexível, implicando necessariamente um efetivo modo de

regulação, hipertrofiando o setor financeiro e propiciando uma mobilidade ou

desterritorialização de pólos produtivos. O capitalismo tardio8, em todo o seu movimento

historicamente determinado, reestrutura o mercado de trabalho, registrando mutações e

metamorfoses em seu interior. “Está claro que as modificações derivadas do exaurimento do

regime de acumulação ‘rígido’, mais as implicações da revolução tecnológica, estão

subvertendo o ‘mundo do trabalho’” (NETTO, 1996, p. 93-94).

As transformações no nível social não se reduzem às alterações na estrutura de classe.

Na ordem tardo-burguesa, revelam-se notáveis questões como as profundas modificações no

perfil demográfico das populações, a expansão urbana, ao crescimento das atividades de

serviços – o setor terciário –, a difusão da educação formal e aos novos circuitos de

comunicação social. Cabe referir o caráter concentrador e excludente do capitalismo tardio

8 Esta categoria analítica é pautada na obra de Ernest Mandel (1985).

35

que se quer “flexibilizar” diante de um universo de segmentos heterogêneos, como

aposentados com pensões ínfimas, crianças e adolescentes sem qualquer cobertura social,

minorias e/ou migrantes, doentes estigmatizados, trabalhadores expulsos do mercado de

trabalho (formal e informal) e outras determinações da metamorfose da “questão social”9.

Tais transformações afetam os mais variados aspectos da existência humanaiii. A

flexibilização e a desregulação decorrem do próprio movimento da globalização, que, sob a

égide neoliberal, promove alterações profundas no significado do existir humano.

Denota que, historicamente, sempre os seres sociais estão se defrontando com o

capital para defender aspectos da vida humana. Entretanto, a cada novo tempo a essência de

luta pelas questões sociais10 muda de foco. Cabe ressaltar que o projeto societário em

vigência é burguês, por isso somos produto de um tipo de homem denominado burguês, seja

qual for a classe social a que façamos parte. Alguns homens aceitam o projeto burguês, outros

não, mas aceitando ou não, somos um tipo de homem burguês, por fazermos parte desta

sociedade. Evidentemente, isto não impede que tenhamos um projeto societário novo. Esta

compreensão não retira a existência do homem burguês vinculado a classe de origem.

As transformações societárias em curso no capitalismo tardio que se “flexibiliza” se

processam combinando seqüelas sociais com “dívida social”, como resultado altamente

9 A “questão social” é a expressão concreta da relação contraditória entre capital-trabalho, no interior da

sociedade capitalista (BATISTA, 2004). 10 “[...] a ‘questão social’ capitalista continua sendo um conjunto de problemas que dizem respeito à forma como

os homens se organizam para produzir e reproduzir num contexto histórico determinado, que tem suas expressões na esfera da reprodução social. Ou seja, o núcleo central da ‘questão social’ no capitalismo permanece intimamente articulado ao conjunto de problemas relativos à produção de mercadorias e mais-valia, mas também, à reprodução das relações capitalistas. Afirmar que esses traços essenciais continuam vigentes não significa que a ‘questão social’ no capitalismo é única e que se expressa de forma idêntica em todas as sociedades capitalistas e todos os momentos históricos. Pelo contrário, como já foi dito aqui, a ‘questão social’ assume expressões particulares dependendo das peculiaridades específicas de cada formação social (nível de socialização da política, características históricas, formação econômica, estágios e estratégias do capitalismo) e da forma de inserção cada país na ordem capitalista mundial. Assim sendo, diremos que a ‘novidade’ hoje reside na forma que ela assume a partir das transformações vividas no mundo capitalista em seu conjunto desde os anos 80, que produz, além de um aumento da pobreza, uma desestabilização dos trabalhadores outrora estáveis e, em decorrência, uma perda dos padrões de proteção social” (PASTORINI, 2004, p. 112-113).

36

negativo da lógica de flexibilização do capital. É neste contexto histórico que a crise do

capital merece um tratamento peculiar, por determinar as transformações em movimento.

Ernest Mandel (1985) afirma que a crise do capital dos anos 70 ocorre em função das

oscilações presentes na economia. Matizando a questão fundamentada na dimensão categorial

(ondas longas e curtas), entende que estas determinam e são determinadas conforme os seres

sociais produzem e reproduzem a história humana. A última onda longa com tonalidade

expansionista na economia capitalista internacional ocorre no pós-guerra, sendo substituída

por outra longa onda de crise econômica e social crescente para o capitalismo mundial – esta

com tonalidade de estagnação –, caracterizada por uma taxa reduzida quando comparada com

o crescimento global. Este é, segundo Mandel, o fator determinante que provoca a crise do

capital dos anos 70. Para o autor, o ciclo econômico consiste na aceleração e desaceleração

sucessivas da acumulação, em que, num período de oscilação ascendente, há um acréscimo

nas taxas de lucro, no volume e no ritmo de acumulação. No período subseqüente de

depressão, a taxa de lucros tem uma queda tendencial significativa, ocorrendo o mesmo em

relação ao volume e ao ritmo de acumulação do capital, que acelera durante a fase de

oscilação ascendente, no entanto, quando este movimento atinge determinado ponto, torna-se

difícil assegurar a valorização da massa total de capital acumulado. O indício mais claro dessa

linha divisória é a queda na taxa de lucros. Ao contrário, o capital é desvalorizado e

parcialmente destruído em termos de valor, na fase de crise e da subseqüente depressão.

Entretanto, esta oscilação da economia não ocorre apenas no pós-Segunda Guerra

Mundial. Segundo Mandel, a história mostra quatro momentos em que o capitalismo em nível

internacional aparece não apenas como uma sucessão de movimentos cíclicos a cada sete ou

dez anos, mas também como uma sucessão de períodos mais longos, de aproximadamente 50

anosiv. Cada um destes longos períodos é subdividido em duas partes. A primeira, onde a

tecnologia passa por uma revolução e caracteriza-se por uma taxa de lucros ampliada,

37

acumulação acelerada, crescimento acelerado. A segunda, caracterizada por lucros em

declínio, acumulação gradativamente desacelerada e crescimento econômico desacelerado. O

processo de aceleração e desaceleração em cada onda segue sempre uma ordem cronológicav.

Ocorre que, no momento histórico em que a última onda longa com tonalidade

expansionista estava por terminar seu ciclo, cedendo lugar à onda de estagnação, a

acumulação capitalista não permitiu ao capital tal desaceleração – no pós-Segunda Guerra

Mundial –, estourando em superprodução, criando uma desproporção entre produção e

consumo, ou seja, a produção se dava em maior quantidade que a necessidade de consumo. É

a superprodução, que, por sua vez, leva à instauração da crise do capital. Nas primeiras três

ondas11, nos momentos de grande crise recessiva, sempre surgiu alguma grande descoberta

que significasse uma recuperação no campo da produção, rumo ao fim da crise, promovendo

uma saída, ou seja, a ascensão econômica. Entretanto, nos anos 70, ao invés de ocorrer uma

grande descoberta, ao contrário, deu-se uma superprodução, acentuando a crise do capital. Até

então, o departamento I12 não tinha estrutura suficiente para transformar o departamento II13.

Com a inovação tecnológica, o departamento I passa a produzir em quantidades superiores ao

volume do departamento II. Isto determina a crise da superprodução do capital. Com isto,

chega-se aos anos 70 do século XX com um problema causado ao capital por ele próprio. As

décadas posteriores carregam consigo as conseqüências deste fato. A principal manifestação

social, econômica e política da crise pós-70 (CASTEL, 1998) é o desemprego, que põe, como

conseqüência, a fragmentação das ocupações, deteriorando seus conteúdos, bem como

marginalizando suas centralidades e destruindo as forças de trabalho em diferentes profissões.

11 Do fim do século XVIII à crise de 1847; da crise de 1847 ao início dos anos 90 do século XIX; de 1890 ao

final da Segunda Guerra Mundial. 12 Máquinas que criam outras máquinas ou os meios de produção (MANDEL, 1985). 13 Máquinas que transformam a matéria-prima em bens de consumo (MANDEL, 1985).

38

A última onda longa de crescimento rápido – materializada no pós-Segunda Guerra

Mundial – culminou na crise da superprodução do capital, causando profunda modificação na

vida da população em nível mundial. O capital, que conseguiu, nos anos “gloriosos”, atingir o

seu ápice produtivo, por meio da tecnologia, da ciência e das esferas organizacionais, permitiu

responder em um menor tempo possível o que fazia antes, ampliando a quantidade e

aperfeiçoando a qualidade na produção. Este movimento tem influenciado no equilíbrio e

desequilíbrio das ondas longas e curtas da economia.

A noção de equilíbrio da economia é ponto determinante no projeto do

desenvolvimento global do modo de produção capitalista, entretanto, o mesmo não ocorre no

campo social. Este desenvolvimento corresponde, mais precisamente, a uma unidade dialética

de períodos de equilíbrio e períodos de desequilíbrio, sendo que cada período de equilíbrio

conduz inevitavelmente a um desequilíbrio e, após certo tempo, ocorre um novo e provisório

equilíbrio. Com isto, o ciclo industrial do capitalismo tardio caminha a passos largos rumo à

intensificação da crise do capital, devido ao caráter cíclico das fases sucessivas de recessão,

ascensão, boom, superaquecimento, quebra e depressão.

Chegada às vésperas dos anos 70, há indícios significativos de que a última onda longa

com tonalidade expansionista – pós-Segunda Guerra Mundial – estava chegando ao fim,

cedendo lugar a uma outra onda longa com tonalidade de estagnação. No pós-70, ocorrem

demonstrações das mais diversas formas conseqüentes da onda longa com tonalidade de

estagnação. Um dos indícios mais claros são as profundas alterações no mundo do trabalho e

dos empregos, resultando num crescente aumento no número de pessoas desempregadas nas

décadas que sucedem os anos 70 do século XX em escala mundial14. Conseqüentemente, um

maior contingente de desempregados, quando consegue retornar ao mercado de trabalho, o faz

14 No Brasil, como será tratado posteriormente, esta manifestação ocorre com maior intensidade nos anos 90 do

século XX.

39

em outra função. Conforme têm mostrado os órgãos oficiais, este retorno tem ocorrido fora da

ocupação anterior, ampliando a esfera da precariedade.

Como resultado da crise, fruto da superprodução, o capital passa a implementar táticas

fora do trabalho formal para encontrar meios de manutenção, reprodução e combate à sua

própria crise. Neste sentido, o capital não se opõe e não apresenta nenhum motivo contrário à

penetração no setor de serviços, independente de desestruturar a força de trabalho, bem como

as condições objetivas-subjetivas, individuais e coletivas. O fundamental para o capital é que

haja sempre novos campos de exploração e expropriação, pois é nesta perspectiva que surgem

os lucros, os quais sustentam o modo capitalista de produção.

A expansão dos serviços é uma das tentativas da classe dominante em responder à sua

própria crise, que, após o estouro da superprodução, não tinha mais como se manter, e o

colapso seria inevitável. A intensificação de diferentes formas de exploração seria uma saída

para a manutenção do modo capitalista de produção. Como conseqüência, há uma

complexificação nas relações entre capital e trabalho, expressas pelo desemprego,

subemprego, trabalho informal, precarização, pobreza, miserabilidade e outras manifestações.

Assim, 1970 põe-se como a ruptura entre a crise da superprodução e a necessidade de

adaptação a algo novo. Como o capital tem a necessidade de recriar-se constantemente de

acordo com suas necessidades (MARX, 1963), neste momento é o setor de serviços que surge

como a grande resposta à crise instaurada na estrutura do capital. Sobre as conseqüências de

tal fato, quem poderá responder são as décadas seguintes, em que se presencia uma expressiva

transformação no mundo do trabalho e dos empregos.

Uma das raízes do grande problema econômico instaurado nos anos 70 do século XX

tem suas causas nas inovações tecnológicas, advindas da Segunda Guerra Mundial. Todo

novo crescimento econômico, após um período de estagnação, tem relação direta com alguma

grande invenção ou uma mudança na esfera organizacional da produção. Assim, a quarta onda

40

longa, provocada pela tecnologia investida por ocasião da Segunda Grande Guerra Mundial,

resultou na ascensão econômica no pós-guerra, que posteriormente provocou outra onda de

estagnação. Conseqüentemente, a crise a que nos referimos tem relação direta com a ciência e

a tecnologia. Todo este universo de transformações manifesta suas conseqüências mais

alarmantes sobre o significado da existência humana. Isto se dá determinantemente nas

décadas que se seguem.

Como aponta Netto (1996), as transformações societárias sempre colocam na ordem

do dia a questão social. No século XIX, a fome e a miséria humana foram as expressões que

colocaram alguns resultados da luta de classe em evidência. No século XX, após 1970, é o

desemprego a essência principal da questão social.

Conforme Dreifuss (1996), as transformações no campo econômico produzem

alterações no cotidiano do existir humano. O modo de produção capitalista tem tornado

complexas as últimas décadas, sendo que a principal manifestação desta perplexidade no pós-

70 é o aumento desenfreado do desemprego. A revolução da digitalização, que, por um lado,

torna prático um conjunto de atividades cotidianas, por outro, causa estranheza nas condições

do existir humano, que não mede mais a aceleração em décadas, mas em meses.

O fator tecnológico – o complexo teleinfocomputrônico –, como denomina Dreifuss,

intervém na existência humana, ressignificando modos e estilos de vida, novos

comportamentos e atitudes. Tais alterações atingem desde aspectos gerais a particulares, ou

seja, na denominada época das perplexidades, tempos e espaços são cotidianamente marcados

pela simultaneidade das irrupções científicas e eclosões tecnológicas, concomitantes e

interativas, em todos os campos do conhecimento, da atividade e da existência humana.

Destaca-se que o complexo teleinfocomputrônico tem alterado as individualidades humanas

societárias por meio do desemprego. A aceleração tecnológica produz transformações

substanciais no cotidiano, tornando irrecuperável um número significativo de empregosvi,

41

funções e postos de trabalho. Há casos em que há crescimento econômico, porém, sem

recuperação dos níveis dos empregos a ponto de acompanhar o desenvolvimento da

economia. Inovação tecnológica, combinada ao crescimento populacional, não combina, por

sua vez, com o número de desempregados, que cresce em escala mundial. O desemprego

expressa o problema central a ser enfrentado pela classe burguesa para manter o projeto

societário em voga equilibrado. Esta metamorfose da questão social atingiu a tríade (Europa,

EUA, e Japão), o centro econômico do mundo, tornando a ampliação de postos de trabalho

uma “real impossibilidade” neste início de terceiro milênio.

Sob este campo material, vale destacar o papel das corporações no modo capitalista de

produção, as quais determinam a estruturação e a manutenção do modo de produção e

reprodução capitalista. O capital tem nas corporações empresariais, o sustentáculo da

internacionalização da economia. “As corporações estratégicas e megaconglomerados

determinam um novo quadro macroeconômico e político-institucional, de alcance planetário,

e estipulam padrões emergentes de organização social do trabalho, de alcance mundial”

(DREIFUSS, 1996, p. 181).

Vivemos, no final do segundo milênio, as perplexidades de fenômenos atordoantes e

desconcertantes, enfeitiçadores e inquietantes. Há uma espécie de “desidentificação” do ser

humano em relação ao sentido da vida, à essencialidade da humanidade e à natureza do

existir. Trata-se de total subordinação da vida humana ao projeto societário burguês. Estamos

numa época de perplexidades, “[...] na qual o ser humano, a despeito de um novo discurso

sobre novas formas de existir, continua tendo que alugar ou vender sua capacidade física e

mental – seus minutos, horas, dias, meses e anos de vida – entregando seu tempo e sentido

vital a outros” (DREIFUSS, 1996, p. 334). A venda da força de trabalho de homens,

mulheres, crianças, adultos e idosos coloca-se em situação fragmentada, desregulamentada e

com domínio sutil. Encontramo-nos num estado de perplexidades.

42

Presenciam-se traços da modernidade (BERMAN, 1986), onde, por meio de fábricas e

usinas, bancos e escritórios, poderes sombrios operam em plena luz do dia e as forças sociais

são impelidas em direções ameaçadoras pelos insaciáveis imperativos de mercado, que nem o

mais poderoso burguês seria capaz de controlar. Deste modo, as crises podem aniquilar

pessoas, atuando como inesperadas fontes de força e resistência do capitalismo. A história

mostra que o capital, frente às crises estabelecidas em curso – veja-se o caso da crise dos anos

70 sob o olhar mandeliano –, busca dar respostas que não visam o aspecto humano. Ao

contrário, este serve como instrumento para a sustentação e o crescimento do modo capitalista

de produção. No século XX, os processos sociais que dão vida a estes acontecimentos

perplexos chamam-se “modernização” (BERMAN, 1986)vii.

Para Hobsbawn (1995), as manifestações decadentes da categoria trabalho e sua

especificidade força de trabalho em questão e suas conseqüências, na esfera interventiva

passiva, ou seja, no desemprego, expressam a dimensão da crise enquanto instância estrutural.

O século XX fora marcado por duas grandes eras: a da catástrofe – 1914 a 1948 e a do ouro –

1949 a 1973 –. Os vintes anos após 1973 são os da história de um mundo que resvala para a

instabilidade e a crise. Se uma fase de equilíbrio é seguida por outro período de desequilíbrio;

se a oscilação ascendente é seguida pela oscilação descendente ou depressão (MANDEL), a

era de ouro (HOBSBAWN) desemboca numa irrecuperável crise. Os autores postulam que

um período de desenvolvimento ascendente na economia chega a um ponto de saturação,

sendo seguido por outro período de crise. Deste modo, o século XX foi palco de extremos –

crise, desenvolvimento e novamente crise –. Entretanto, as últimas décadas do século XX são

marcadas por determinações históricas no âmbito social, econômico e político com

características particulares. As décadas de crise mostram que as operações do capitalismo se

tornaram incontroláveis.

43

A realidade em evidência nas décadas de crise opõe-se à era de ouro. A economia

mundial no pós-70 carrega as conseqüências da era do ouro. Para Hobsbawn (1995), uma

maneira de ilustrar tais conseqüências é por meio do trabalho e do desemprego, que, nas

décadas de crise, é estrutural. A crise mostra que o sistema de produção no pós-70 vêm

eliminando forças de trabalho mais rapidamente do que a geração de novos empregos,

intensificando as taxas de desemprego em nível mundial, com ênfase no setor secundário.

As estruturas da política nos países capitalistas, que até 1970 eram estáveis, nas

décadas de crise começam a desabar. Os sinais passam a ser de regressão real. A depressão

econômica, combinada aos ditames do capital, promove a expulsão e a negação da mão-de-

obra que culmina em desemprego e evidencia a perda de antigos estilos de vida. As décadas

de crise trouxeram alterações significativas para a vida humana. Para Hobsbawn, o principal

efeito das décadas de crise foi a ampliação do fosso entre ricos e pobres, abismo em

alargamento irreversível. Outro efeito é político, no qual se estabelece relação entre a crise

dos anos 70 e o colapso mundial em 1989viii.

O mundo do terceiro milênio apresenta-se incerto. A humanidade não sabe para onde

está indo, nem para onde será levada (HOBSBAWN, 1995). Caminhamos, segundo o autor,

para o fracasso, para a escuridão. Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e

transformado pelo processo técnico-científico, sendo encaminhados sob a lógica do projeto

societário burguês, expressão de uma classe que tem como finalidade única a acumulação de

valor. “Nosso mundo corre o risco de explosão e implosão. Tem de mudar” (HOBSBAWN,

1995, p. 562). Este cenário alterou profundamente a forma de produzir e de organizar a

sociedade.

Os delineamentos do movimento do capital em responder à crise colocam barreiras à

diminuição do distanciamento entre ricos e pobres. Como o capital visa unicamente ao lucro,

o campo social sempre é pensado em também propiciar lucro, bem como é uma esfera que

44

possibilita ampliar o poder político por meio de ações patrimonialistas. Assim, o social é a

esfera compensatória, jamais pautada como estágio de superação. Se, por um lado, a ciência e

a técnica promovem o desenvolvimento e a manutenção do modo de produção capitalista, por

outro, a humanidade, no âmbito social, caminha sob incertezas, pelas transformações

inerentes ao sistema capitalista. Na década de 70 há uma manifestação de flexibilização no

mercado (HARVEY, 1992). Um dos elementos constitutivos deste fato é a crise do fordismo,

que não dava mais conta de manter o capital em desenvolvimento crescente e mostrara – em

retrospecto – já nos anos 60, que parecia haver indícios de sérios problemas diante da crise

que se vinha estabelecendo no capital ao longo da década de 70. A acumulação flexível marca

um confronto direto com a rigidez do fordismo. Enquanto o fordismo implantava valores mais

sólidos, a acumulação flexível acentua o novo, o efêmero, o fugidio, o fugaz. Tal tendência

faz parte da resposta do capital à crise instaurada em nível mundial nos anos 70 do século XX.

Entretanto, a flexibilização15 (HARVEY) implica perplexificação (DREIFUSS), sentida nas

últimas décadas do século passado, identificada também pela crise do capital e a conseqüente

ampliação de diferentes formas de desregulamentação do trabalho (MANDEL). Presencia-se

o mesmo no vislumbrar do século XXI.

No período de 1965 a 1973, a incapacidade do fordismo de se manter mostrou-se

evidente. A crise intensificava-se nos Estados Unidos e na Inglaterra, bloqueando

determinantemente a expansão do pós-guerra no período entre 1969-1973. A deflação no

período 1973-1975 faz evidenciar uma profunda crise fiscal e de legitimação. Chega-se a um

período de racionalização, reestruturação e intensificação do controle do trabalhoix. As

15 Nos apropriamos da categoria flexibilização expressa por David Harvey (1992) para tratar da contextualidade

do mundo do trabalho. Entretanto, cumpre-nos afirmar que, por inúmeras vezes, percebemos o capitalismo cada vez mais inflexível. A flexibilização desregulamenta o mercado de trabalho, mas ao não abrir mão do lucro como objetivo primeiro e ao tratar a classe trabalhadora em segunda instância – como coisa, o capitalismo mostra-se inflexível. No atual modo de produção capitalista, a força de trabalho está subordinada ao capital. Neste sentido, o sujeito vira objeto, enquanto o objeto toma a dimensão de sujeito. Esta discussão acerca da reificação pode ser apreendida e aprofundada em José Paulo Netto (1981) e Tom Bottomore (2001).

45

décadas de 70 e 80 sofrem conseqüências, como a reestruturação econômica e o

reajustamento social e político.

Harvey aponta a acumulação flexível como nova flexibilização dos processos de

trabalho e surgimento de setores de produção inteiramente novos, com mudanças rápidas nos

padrões de desenvolvimento desigual, em setores e regiões geográficas, complexificando

estilos e modos de vida. Uma de suas representações é a criação do emprego no chamado

setor de serviçosx. Além disto, nasce de forma incipiente nos anos 70, e prolifera-se nos anos

80, um crescimento rápido de economias informais, registrado em todo o mundo capitalista

avançado, como Nova Iorque, Los Angeles e Londres, por exemplo.

A acumulação flexível pode implicar conseqüências em favor do capital, por sua vez

contrária aos trabalhadores, como altos níveis de desemprego, baixos ganhos, retrocesso do

poder sindical. Este último, para o autor, sendo abalado, sofre conseqüências determinantes, já

que o poder sindical era uma das colunas políticas do regime fordista. Um dos setores que

mais sofre conseqüências é o mundo do trabalho, que passou por uma radical reestruturação.

Os empregadores capitalistas monopolistas e oligopolistas se apropriaram, com maior

incidência, da mais-valia absoluta e, principalmente, da relativa, dos trabalhadores inseridos

na formalidade e na informalidade.

Como resultado, o mercado de trabalho mostra-se muito mais flexibilizado e suas

expressões são, como indica Harvey (1992), a redução do emprego regular e o aumento de

trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado, empregados casuais, contrato de

trabalho por tempo determinado, explicitando insegurança de emprego. A tendência atual é de

redução do número de trabalhadores centrais e o aumento cada vez maior de formas

flexibilizadas de contratação e subcontratação. A mão-de-obra é descartada com a mesma

facilidade com que é admitida. Neste momento, registram-se os limites colocados pelo

fordismo frente às exigências na esfera da produção. A flexibilização manifesta-se presente

46

desregulamentando o mercado de trabalho, não importando se para isto estão sendo destruídos

modos e estilos de vida e culturas existentes. O modernismo fordista, ao ser substituído por

um sistema flexível, faz nascer a diferença, a efemeridade e a mercadificação de formas de

vida e sistemas culturais.

O capitalismo torna-se cada vez mais organizado por meio da dispersão, da

mobilidade geográfica e das respostas flexíveis nos mercados de trabalho, acompanhado de

inovação tecnológica. Entretanto, esta organização referida por Harvey se dá do ponto de vista

do capital, do mesmo modo que Mandel referencia a forma combinada e desigual inerente ao

modo de produção capitalista.

Neste cenário, a informação e a financeirização passam a desregulamentar, fragilizar e

negar o cotidiano humano. A informação redirecionou o mundo dos negócios, enquanto que a

reorganização do sistema financeiro global promoveu uma nova coordenação financeira. Em

cena se fazem presentes conglomerados e corretores financeiros de extraordinário poder

global. As ações intensificadas de bancos, corretoras, serviços financeiros, financiamento

habitacional, crédito ao consumidor, tornaram-se cada vez mais porosas, fugindo da

compreensão de muitas pessoas, devido ao alto grau de complexidade da estrutura do atual

sistema financeiro global. Para Harvey (1992), está-se introduzindo o tempo futuro no tempo

presente de maneiras estarrecedoras.

Os Estados Unidos manifestaram, ao longo da década de 80, imensos déficits públicos,

determinando pouco desenvolvimento econômico neste período. Por conta disso, o Estado

atualmente necessita realizar ações que dimensionam a lógica da acumulação capitalista, com

resultados negativos no campo social. Estas ações pautam-se principalmente quando o Estado

necessita “[...] atrair capital financeiro transnacional e global e conter [...] a fuga de capital

para pastagens mais verdes e mais lucrativas” (HARVEY, 1992, p. 160). A permanente

combinação do capital, artimanhas ou arrumações, em que o interesse determina a ação, ora

47

atrai capital de fora, ora descarta opções menos rentáveis. O capital tem um único objetivo: o

lucro. As condições em sua totalidade não são preocupações para o capital, desde que não

interrompam o aumento da mais-valia. O objetivo de lucro sendo preservado, não importam

as formas como isto se dáxi.

O capitalismo globalizado traz implícita em seu bojo, a tendência às inúmeras

transformações à vida humana. Ianni (1999) manifesta como tal processo ocorre de forma

negativa ao ser social, ao passo que a globalização promove uma espécie de

desterritorialização generalizada, dissolvendo fronteiras, deslocando as coisas, desenraizando

gentes, idéias, culturas, religiões, línguas e modos de ser, agir, pensar, sonhar, imaginar. “A

sociedade global desterritorializa quase tudo o que encontra pela frente. E o que se mantém

territorializado16 já não é mais a mesma coisa, muda de aspecto, adquire outro significado,

desfigura-se” (IANNI, 1999, p. 104-105). Independentemente da vontade dos seres sociais, a

globalização atinge os modos de ser dos mesmos, alterando substancialmente o seu cotidiano,

sem respeitar as suas objetividades e subjetividades. Todos os níveis da vida social, de algum

modo, são alcançados pelo deslocamento ou dissolução de fronteiras, raízes, centros

decisórios, pontos de referência.

Tal processo invade cidades, nações e continentes, formas de trabalho e vida, modos

de ser e pensar, produções culturais e formas de imaginar. As condições de vida e trabalho

sofrem as maiores conseqüências, sendo alteradas profundamente, justamente porque não é a

vida da classe trabalhadora em si que tem significado para o capital, mas a vida voltada à

compra e venda da força de trabalho como forma de sustentação do sistema de acumulação

16 “A palavra território normalmente evoca o “território nacional” e faz pensar no Estado – gestor por excelência

do território nacional -, em grandes espaços, em sentimentos patrióticos (...), em governo, em dominação, em “defesa do território pátrio”, em guerras. O território pode ser entendido também à escala nacional e em associação com o Estado como grande gestor (se bem que, na era da globalização, um gestor cada vez menos privilegiado)” (Souza, 2003, p. 81). Para Santos e Silveira (2001, p. 19), “por território entende-se geralmente a extensão apropriada e usada. Mas o sentido da palavra territorialidade como sinônimo de pertencer àquilo que nos pertence [...] esse sentimento de exclusividade e limite ultrapassa a raça humana e prescinde da existência de Estado. Mas a territorialidade humana pressupõe também a preocupação com o destino, a construção do futuro, o que, entre os seres vivos, é privilégio do homem”.

48

capitalista, pois é por meio da força de trabalho que o capital expropria trabalho excedente,

possibilitando o acúmulo de valor.

A globalização, da forma como se vem desenvolvendo seu movimento, ao mesmo

tempo que integra e articula, desagrega e tensiona, reproduzindo e acentuando desigualdades

em todos os quadrantes, ampliando as desigualdades e os antagonismos sociais. Uma das

conseqüências negativas “mais eficazes”, na ótica neoliberal, é uma intensa e contínua

descaracterização do cidadão, ou seja, a globalização, ao desterritorializar, ao desmanchar

modos de vida, “descidadaniza” as pessoas. É como se o aspecto humano tivesse pouca ou

nenhuma importância.

Santos (1993, p. 24) enfoca que a cidadania existe a partir do momento em que o

cidadão tem as condições básicas para a sua subsistência, tais como direito a um teto, à saúde,

à educação, à moradia, à justiça, ao trabalho, à liberdade, enfim, a uma existência digna, no

entanto, estes direitos não estão sendo respeitados. Há, portanto, uma descidadanização da

cidadania, “uma cidadania mutilada, subalternizada”. Lembra o autor que somente haverá de

fato democracia no sentido político, quando todos os cidadãos forem considerados iguais,

independentemente do lugar onde estejam.

As conseqüências disto são fatalmente humanas e as transformações ocorridas na

sociedade causam desarrumação na vida das pessoas, ao passo que a globalização em nenhum

momento parece preocupar-se com o aspecto humano, pois a mesma “[...] tende a desenraizar

as coisas, as gentes e as idéias. Sem prejuízo de suas origens, marcas de nascimento,

determinações primordiais, adquirem algo de descolado, genérico, indiferente. Tudo tende a

desenraizar-se [...]” (IANNI, 1999, p. 94).

As coisas mudam, os espaços se desterritorializam, a vida e os costumes das pessoas

se desenraizam. Deste modo, pode-se perceber que, por meio do espaço, “a mundialização,

49

em sua forma perversa, empobrece e aleija” (SANTOS et al., 1997, p. 18), invade a vida,

descaracterizando o homem enquanto ser social. Em função dessa “desarrumação”

avassaladora causada pela globalização, observa-se a necessidade de uma nova configuração

de sociedade, onde o cidadão seja tratado como tal, constituindo-se sujeito e não objeto, como

vem ocorrendo nos atuais ditames da política neoliberal. Face a isto, a redução e a ampliação

da esfera dos direitos é uma luta cotidiana que se constrói na esfera dos interesses de classe.

1.2 - Neoliberalismo e “Questão Social”

As intensas transformações sociais, nas quais o desemprego aparece com maior

expressão nas últimas décadas do século XX e início do XXI – tratado neste primeiro capítulo

–, dão-se na contextualidade do neoliberalismo17, que tem sua origem teórica e política após o

término da Segunda Guerra Mundial, apresentando suas determinações mais expressivas no

pós-1970. “A chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra em 1973, quando

todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela

primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo”

(ANDERSON, 1995, p. 10). Neste momento, demarca-se um novo horizonte: as idéias

neoliberais passam a ganhar terreno. Diante deste quadro de crise, a solução visível seria

manter um Estado forte em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos, mantendo

autonomia sobre os gastos sociais e intervindo na economia. A curto prazo, seria necessária

17 “O receituário neoliberal nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte

onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política” (p. 9). ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In: SADER, Emir & GENTILI, Pablo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

50

uma disciplina orçamentária, contendo gastos com bem-estar18, e compactuando com o

redimensionamento de um exército industrial de reserva de trabalho para fragilizar e colocar

em inoperância as entidades sindicais. A hegemonia deste programa levou mais ou menos

uma décadaxii para se tornar fato concreto19.

Como a prioridade mais imediata do neoliberalismo20 era deter a grande inflação dos

anos 70, neste aspecto, seu êxito foi inegávelxiii. A razão principal dessa transformação foi,

sem dúvida, a derrota do movimento sindical, expresso pela queda drástica do número de

greves durante a década de 1980 e numa notável contenção dos salários (ANDERSON, 1995).

Essa nova postura sindical, muito mais moderada, por sua vez, em grande parte era produto

do êxito do neoliberalismo, ou seja, o crescimento das taxas de desemprego, concebido como

um mecanismo natural e necessário de qualquer economia de mercado eficientexiv. A

contenção de movimentos sindicais, o achatamento salarial e o aumento das taxas de

desemprego são fatores positivos ao modo de produção capitalista vigente, como respostas do

capital à sua crise. Neste sentido, o exército industrial de reserva exerce um papel

fundamental, como pressão à classe trabalhadora ativa. Enquanto estiver ocorrendo fila e

pressão dos desempregados sobre os empregados, o capital mantém seu processo de

acumulação capitalista em movimento.

Pode-se dizer que o programa neoliberal21 visava atingir êxito em itens como

deflação, lucros, empregos e salários. Todas essas medidas haviam sido concebidas como

meios para alcançar a reanimação do capitalismo avançado mundial, restaurando taxas altas

18 Gastos sociais. 19O projeto neoliberal iniciou sua materialização em 1976 no Chile, na década de 80 na Inglaterra e EUA e, em

seguida, espalhou-se para outros países. Demais dados sobre este aspecto, ver ANDERSON (1995, p. 11-12). 20 “[...] o receituário neoliberal foi um fracasso na esfera econômica e social – no entanto, na política o sucesso

foi surpreendente [...]” (BATISTA, 2002, p. 103). 21 “O modelo neoliberal, além de não resolver os problemas colocados pelo próprio modo de produção

capitalista, expressa sinais concretos de regressão social [...] Nesse contexto, início de século XXI, as

51

de crescimento estáveis, como existiam antes da crise dos anos 70. No entanto, entre os anos

70 e 80, o receituário neoliberal não conseguiu materializar suas promessas. Este fato

concreto é explicitado no campo da economia por meio da expressão: “a década de 80 foi uma

década perdida”.

“O neoliberalismo na América Latina ganha credibilidade nos argumentos dos teóricos

vinculados ao projeto societário burguês que apontam como problema central para o capital a

crise fiscal do Estado. Seu surgimento está delimitado pelo esgotamento do Estado de bem-

estar-social” (SADER, 1995, p. 35). Por sua vez, a reforma do Estado e a privatização, juntos,

constituem o cerne do contexto de reestruturação produtiva do capital. Da maneira como está

posta, a reforma do Estado é uma reforma para o Estado e não para a sociedade civil, ocorre

sob a ótica neoliberal, exaltando-se os interesses do capital. Antunes (2004) diria que a

privatização do Estado preenche os requisitos do receituário neoliberal, tudo em clara

integração com o ideário do Fundo Monetário Internacional (FMI): “[...] o enxugamento da

liquidez, o quadro recessivo decorrente, a redução do déficit público, a ‘modernização’

(privatista) do Estado, o estímulo às exportações e, é claro, a prática do arrocho salarial,

secularmente utilizada em nosso país” (ANTUNES, 2004, p. 10). Trata-se de um desenho

econômico nitidamente neoliberal de um Estado que se quer todo privatizado.

Neste contexto, ganham as grandes instituições privadas que são centralizadoras,

desconsiderando a organização da classe trabalhadora. Diante do lucro, razão principal destas

empresas multinacionais, os Estados se tornam seus reféns e passam a incorporar as

estratégias dessas empresas, como políticas de desregulamentação e privatizações, valorização

do capital especulativo ao invés do produtivo, liberalização dos mercados e flexibilização dos

direitos trabalhistas, em suma, o Consenso de Washington22. As privatizações das empresas

perspectivas não são promissoras dentro da ordem que está estabelecida e a sociedade sofre conseqüências drásticas do modelo econômico capitalista [...]” (BATISTA, 2002, p. 102).

22O Washington Consensus – termo criado nos EUA em 1989 –, sintetiza um conjunto abrangente de princípios, metas e regras a serem aplicados aos diversos países e regiões do mundo capitalista, para que se “ajustem”

52

estatais em toda a América Latina fazem parte da estratégia do Consenso de Washington e

visam simplesmente à transferência do patrimônio público para mãos privadas, de modo

especial, para as multinacionais.

As conseqüências imediatas das privatizações se refletem no dia-a-dia das pessoas,

considerando-se que as empresas estatais vendidas perdem imediatamente o seu caráter

político-social. Em nome do lucro, tais empresas dispensam funcionários, aumentam tarifas e

constroem monopólios privados, sob os olhares complacentes do governo, que defende tal

reestruturação como exigência de novos tempos (RAMPINELLI, 2001). A privatização faz

parte do contexto de interesses do sistema financeiro nacional e internacional. O Estado

compactua com estas determinações. Como afirma Tavares (1999), o patrimônio público está

sendo “torrado” na ciranda financeira, sem diminuir um dólar na dívida externa ou um real da

dívida pública.

A privatização é um dos instrumentos de respostas do capital frente à sua crise, na

qual a venda do patrimônio público responde aos interesses internacionais/nacionais dos

capitalistas. O “[...] movimento de expansão e reorganização do sistema financeiro privilegia

o grande capital financeiro privado nacional e internacional, em conformidade com os

requisitos da acumulação monopolista” (JINKINGS, 2002, p. 46).

O Brasil23 – no plano particular –, dada a reestruturação do capitalismo tardio, com o

trânsito à “flexibilização” e às transformações que lhe são conexas, não escapou das

econômica e politicamente ao novo capitalismo global, reordenado sob a égide da doutrina neoliberal e do predomínio norte-americano (JINKINGS, 2002).

23 [...] “No Brasil, se o neoliberalismo começou com a eleição de Collor, em 1989, foi entretanto no governo

FHC, entre 1994 e 2002, que ele de fato deslanchou. Como em quase toda a América Latina, o desemprego, a precarização do trabalho e a exclusão social proliferaram. E no Brasil de FHC não foi diferente. Eleito em 1994, depois do desastre da fase Collor, FHC conseguiu posteriormente, em 1998, a reeleição. Ficou, desse modo, governando o país por oito anos. Nesse período, o nosso parque produtivo foi enormemente alterado e retraído pela política intensa de privatização do setor produtivo estatal (especialmente na siderurgia, telecomunicações e energia elétrica), o que alterou sobremaneira o tripé que sustentava a economia brasileira (capital nacional, capital estrangeiro e setor produtivo nacional), elevando o binômio integração/subordinação do país ao universo globalizado e desorganizando o padrão produtivo existente nas últimas cinco décadas” (ANTUNES, 2004, p. 131-132).

53

conseqüências das práticas neoliberais mundiais. É evidente, porém, “[...] que a nossa

sociedade participa da inflexão atual do capitalismo com as refrações derivadas, em primeiro

lugar, da sua condição periférica e, em segundo, do próprio nível de desenvolvimento e

articulação das suas relações capitalistas” (NETTO, 1996, p. 103).

A situação posta mostra que a sociedade brasileira está sintonizada com os rumos

“flexibilizadores” do capitalismo tardio. Condicionado pelo quadro mundial, o projeto

neoliberal compromete significativamente o projeto possível de ser implementado pela classe

trabalhadora, devido à internalização das grandes corporações transnacionais no espaço

socioeconômico brasileiro, às reestruturações dos conglomerados nacionais, ao intercâmbio

econômico e científico-tecnológico com o mundo “globalizado”, às diferenciações na

polarizada estrutura de classes, a uma indústria cultural muito bem sedimentada e

monopolizada, dotada de uma mídia eletrônica com cobertura (espacial e social) inclusiva.

“Tudo isso põe a sociedade brasileira no patamar tardo-burguês” (NETTO, 1996, p. 105).

No caso brasileiro, a crise econômica e política da segunda metade dos anos 80

sinalizava a necessidade premente de um programa de ajuste macroeconômico e de

reestruturação produtiva, além de uma reforma do Estado24, de inspiração neoliberal. Foi

com Fernando Collor de Mello25 que teve início a ampliação do processo de abertura da

economia brasileira ao mercado internacional. A privatização, que, segundo Behring (2002), é

um elemento central da contra-reforma e o desmonte do Estado, que no Brasil ocorre na

perspectiva da adequação do país à dinâmica do capitalismo contemporâneo industrializado,

em busca de superlucros, fez parte da agenda de Collor. Foi no seu governo que lançou-se o

programa de reestruturação produtiva. No entanto, a falência política do governo Collor não

24 Um estudo aprofundado sobre Reforma do Estado pode ser apreendido em BATISTA, Alfredo Aparecido. A

questão social e as refrações no serviço social brasileiro na década de 1990 (tese de doutorado). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica – PUC, 2002.

54

mudou as premissas básicas do seu programa. O governo de Fernando Henrique Cardoso26

manteve a mesma agenda: “acabar com a inflação, privatizar, reformar a Constituição para

flexibilizar as relações entre o Estado e a sociedade, assim como as relações entre capital e

trabalho” (TEIXEIRA, 1998, p. 225).

Um ponto crucial, que levou ao desequilíbrio da balança comercial, foi o fato de, no

processo de privatização brasileira, ter-se entregue o patrimônio público ao capital

estrangeiro, porém, com a não-obrigatoriedade de as empresas privatizadas comprarem

insumos do Brasil, promoveu o desmonte de parcela do parque industrial nacional, bem como

a uma enorme remessa de dinheiro para o exterior e ao desemprego. Este último, em

crescimento nas últimas décadas, apresenta-se de forma avassaladora no pós-70, mostrando

que a crise está na estrutura do capital. Portanto, o desemprego não é uma realidade apenas

brasileira, mas é expressão do que está ocorrendo em escala planetáriaxv.

Os governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso adotaram, na

sua essência, as propostas preconizadas pelo Consenso de Washingtonxvi. Neste sentido, o

receituário neoliberal é uma realidade concreta no Brasil. As estratégias políticas e

econômicas do governo Collor desenvolveram-se neste contexto e concretizaram-se num

amplo programa de estabilização e reformas institucionais de cunho liberalizante, cujos

fundamentos seriam mantidos e aprofundados nos governos posteriores. De fato, constata-se,

já no próximo governo – de Fernando Henrique Cardoso –, a concretização do prenúncio

proclamado: ocorre um aprofundamento da abertura do sistema financeiro nacional ao capital

estrangeiro, consolidando a implementação de programas neoliberais no Brasil.

25 Fernando Collor de Mello foi eleito em 1989 (pelo PRN, Partido da Reconstrução Nacional) e empossado em

1990. Em 1992 sofreu o processo de impeachment, sendo substituído pelo vice Itamar Franco, cujo mandato se encerrou em 1994.

26 Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente em 1994 (pelo PSDB, Partido da Social Democracia

Brasileira), sendo reeleito em 1998, em segundo mandato, que se encerrou em 2002.

55

Os planos econômicos (Cruzado, Bresser, Verão, Collor, Collor II) foram

implementados em resposta à crise que o país enfrentava. Suas ações causaram danos

irreparáveis no campo social, econômico e político em movimento, principalmente aos

trabalhadores. No entanto, o Plano Real, instrumento de resposta à crise, implementado por

FHC, interfere negativamente de forma profunda na sociedade brasileira. Antunes (2004)

utiliza-se de dados do Dieese/Seade para exemplificar que a taxa de desemprego cresceu de

uma média de 15% em 1994 para cerca de 20% em 1999. FHC deixa ao Brasil um legado de

pobreza e dívida. Assim,

[...] do governo FHC, a população poderá referendar ou reprovar a política econômica dominante, com seu sentido neoliberal e destrutivo, pautado pela subserviência aos ditames financeiros globais do FMI, do Consenso de Washington, do Banco Mundial, do salário mínimo de R$151,00, das privatizações, da desindustrialização, do desmonte nacional e da integração servil e subordinada à ordem mundializada. Ou ainda se posicionar quanto à degradação da saúde pública, à perda dos direitos sociais e previdenciários, à precarização social dos trabalhadores, à ação repressiva do tucanato palaciano diante dos professores, dos funcionários públicos, dos movimentos sociais, da ‘satanização’ do MST. Poderá lembrar, por exemplo, da brutal repressão aos índios, aos negros, aos trabalhadores rurais, aos estudantes, aos que reconstituíram o significado verdadeiro dos 500 anos de dominação e de exclusão, quando da comemoração do 22 de abril na Bahia. [...] Os eleitores poderão dizer, então, se referendam ou se condenam o governo FHC e seus representantes estaduais e locais (ANTUNES, 2004, p. 89).

Segundo Ferreira (2001), o governo FHC não deve ser condenado só por ter

conduzido o povo brasileiro a um nível de pobreza sem precedentes. A política econômica

deste governo também arrastou o país a um patamar de endividamento que poderá ser

irreversívelxvii. Depois de dois mandatos, o governo de Fernando Henrique Cardoso deixa um

Brasil de “poucos muito ricos, uma população empobrecida e um país endividado”

(FERREIRA, 2001, p. 46).

56

Está-se, pois, diante de uma contra-reforma do Estado, que implica um profundo

retrocesso social, em benefício de poucos (BEHRING, 2002). O nome dado de reforma27, na

verdade, não passa de uma contra-reforma do Estado, onde há uma contra-ofensiva do capital,

em tentar suprimir a classe trabalhadora. O neoliberalismo em nível mundial configura-se

como uma reação burguesa conservadora e monetarista, de natureza claramente regressiva,

dentro da qual se situa a auto-intitulada contra-reforma do Estado. Tal processo, em especial

no período de governo de Fernando Henrique Cardoso, é funcional ao modo capitalista de

produção.

O momento por que passa a sociedade brasileira, no entanto, não seria o de pensar em

contra-reforma, ao contrário, a tarefa seria a de reconstrução do Brasil após a desestruturação

aprofundada causada pelo receituário neoliberal e suas graves seqüelas –, que deixa de

herança um país privatizado, profundamente endividado, desigual e violento. O Plano Real

constitui o ápice deste contexto da experiência neoliberal no Brasil.

Os processos de reforma do Estado, contidos nos planos de ajuste estrutural,

encontram-se em curso em vários países, sobretudo na década de 90, e apenas podem ser

compreendidos no contexto das transformações mais profundas engendradas no mundo do

capital, em especial a partir dos anos 70 do século XX. A política neoliberal do Estado

ocasiona graves prejuízos a muitas camadas da população e afoga na marginalidade grande

parte dela.

As políticas sociais aparecem como discurso nitidamente ideológico. São políticas

paternalistas, de convencimento e geradoras de desequilíbrio, mas que, devido ao fato de o

seu potencial e de suas ações não atingirem resultados com horizontes de mudança com

27 [...] “há uma aparente lógica esquizofrênica que atravessa a relação entre o discurso da ‘reforma’ e a

implementação da política econômica [...] já que este é um componente central da disputa político-ideológica em curso. Ver-se-á que a prática da ‘reforma’ é perfeitamente compatível com a política econômica, o que reforça a idéia de que seu discurso é pura ideologia e mistificação” [...] (BEHRING, 2002, p. 224).

57

elementos que indicam a emancipação social, acabam sintonizadas com o receituário

neoliberal, como bem a isso se refere Antunes (2004). Desresponsabilização e

desfinanciamento da proteção social pelo Estado ganham espaço, configurando um Estado

mínimo para os trabalhadores e um Estado máximo para o capital. Além disto, a degradação

dos serviços públicos e o corte dos gastos sociais28 levam ao processo de privatização.

Para a política social, uma tendência em evidência é a mobilização da solidariedade

individual e voluntária, bem como das organizações filantrópicas e organizações não-

governamentais prestadoras de serviços de atendimento, no âmbito da sociedade civilxviii.

Delineando a crise, de um ponto de vista econômico, tem-se, na entrada dos anos 90,

um país destruído pela inflação e que será o fermento para a possibilidade histórica da

hegemonia neoliberal. Sem solução consistente para o problema do endividamento e com uma

situação social gravíssima, o Brasil entra numa situação de crise profunda.

O sentido neoliberal do ajuste estrutural capitalista dos anos 90 foi sendo delineado na

década anterior, na periferia do mundo do capital, de uma forma generalizada, e no Brasil em

particular. Assim, o neoliberalismo encontrou solo fértil no Brasil, tendo sua consolidação

como doutrina nos anos 90. Tal implementação recebeu reforço do chamado Consenso de

Washington, com seu receituário de medidas de ajuste, consolidando a década de 90 como o

palco principal da contra-reforma do Estado brasileiro.

O Plano Real29 acabou sendo o ponto alto da contra-reforma do Estado e promoveu,

poucos meses antes da eleição, uma verdadeira chantagem eleitoral: ou se votava no

candidato do Plano, ou estava em risco a estabilidade da moeda, promovendo-se a volta da

28 “[...] Da virada para a onda longa com tonalidade depressiva a partir de 1973, decorre uma inflexão na receita

e no gasto público [...]” (BEHRING, 2002, p. 76). 29“O Plano Real não foi concebido para eleger FHC; FHC é que foi concebido para viabilizar no Brasil a

coalizão de poder capaz de dar sustentação e permanência ao programa de estabilização do FMI, e viabilidade política ao que falta ser feito das reformas preconizadas pelo Banco Mundial” (FIORI, José Luis. Os moedeiros falsos. Petrópolis: Vozes, 1997).

58

inflação, a ciranda financeira e a escalada dos preços. Os brasileiros, traumatizados com uma

inflação de 50% ao mês (junho de 1994) e esgotados com a incapacidade de planejar sua vida

cotidiana, votaram na moeda e na promessa de que, com a estabilidade, viriam o crescimento

e dias melhores (BEHRING, 2002). Entretanto, os “ditos dias melhores” não chegaram. A

eleição de FHC não passou de uma estratégia política do capital internacional, para, por meio

de FHC, dar continuidade à submissão brasileira aos ditames do capitalismo mundial. Dentre

outras conseqüências, destacam-se os milhões de deslocados do campo formal de trabalho

para o desemprego e/ou à informalidade. Também parte deste contingente de trabalhadores

passou para as estatísticas de criminalidade.

Um outro aspecto em evidência no contexto de “reforma” do Estado tem sido a

geração de desemprego, por meio de mecanismos como os Programas de Demissão

Voluntária – PDVs –, bem como as relações trabalhistas, as quais não se pautam mais pela

estabilidade. Paralelo a isto, flexibilizam-se direitos e se propõe implícita ou explicitamente a

privatização de serviços.

Sob a ótica do Plano Diretor da Reforma do Estado (1995) e no entender de Bresser

Pereira30, o Brasil e a América Latina foram atingidos por uma dura crise fiscal nos anos 80,

acirrada pela crise da dívida externa. Este contexto exigirá, de forma imperiosa, a disciplina

fiscal, a privatização e a liberalização comercial. Ao Estado cabe um papel coordenador

suplementar. Há que reformar o Estado, tendo em vista a recuperação da governabilidade. A

perspectiva da reforma é garantir taxas de poupança e investimento adequados, eficiente

alocação de recursos e distribuição de renda mais justa. A superação da crise fiscal31 é o

elemento central para o enfrentamento da crise do Estado. É possível, segundo Bresser

30 Personagem orgânico responsável pelo MARE – foi quem preconizou a Reforma do Estado no Brasil. 31 “Bresser Pereira caracteriza a situação de crise fiscal a partir de cinco ingredientes presentes nos anos 80:

déficit público; poupanças públicas negativas ou muito baixas; dívida interna e externa excessivas; falta de crédito do Estado [...]; e pouca credibilidade do governo” (BEHRING, 2002, p. 193).

59

Pereira, enfrentar a crise fiscal a partir do paradigma social-liberal, que preconiza um Estado

pequeno e forte, com as tarefas de garantir a propriedade e os contratos, promover o bem-estar

e os direitos sociais, e realizar uma política industrial e de promoção das exportações,

considerando que este novo Estado deverá resultar de uma estratégia pragmática que

reconheça a importância da crise fiscal, a necessidade de reformas orientadas para o mercado

e para a manutenção da disciplina fiscal, a necessidade da redução das dívidas interna e

externa, e a hegemonia dos EUA na América Latina, que exige uma atitude mais autônoma e

de defesa dos interesses nacionais no que se refere à dívida (BEHRING, 2002).

Bresser Pereira propõe um pacto de modernização que se inicia com a liberalização

comercial, com as privatizações e com o programa de estabilização monetária (Plano Realxix)

e prossegue com a reforma da administração pública: a chamada reforma gerencial do

Estado32. “Este é o desenho da auto-intitulada ‘reforma’ e que foi totalmente incorporado

como projeto de governo, por meio do Plano Diretor da Reforma do Estado do Ministério da

Administração e da Reforma do Estado (PDRE-MARE)” (BEHRING, 2002, p. 195). A

“reforma” deverá seguir por alguns caminhos, propondo uma redefinição do papel do Estado:

[...] ajuste fiscal duradouro; reformas econômicas orientadas para o mercado – abertura comercial e privatizações –, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica que fortaleçam a competitividade da indústria nacional; reforma da previdência social; inovação dos instrumentos de política social; e reforma do aparelho do Estado, aumentando sua eficiência. [...] deve-se distinguir a reforma do Estado, como um projeto político, econômico e social mais amplo, da reforma do aparelho do Estado, orientada para tornar a administração pública mais eficiente (BEHRING, 2002, p. 197).

32 “O salto adiante é a proposição da reforma gerencial voltada para o controle dos resultados e baseada na

descentralização, visando qualidade e produtividade no serviço público. O Plano é base para um conjunto de reformas constitucionais, e o Presidente convoca a todos para o desafio de implementar a Reforma, criando um ‘novo modelo de justiça social’” (BEHRING, 2002, p. 196).

60

Trata-se de uma reforma para o Estado e não para a sociedade civil. São ações que

mantêm o aparelho do Estado, mas precarizam as condições sociais. A “reforma”, como está

sendo conduzida, é a versão brasileira de um conjunto estratégico internacional destrutivo,

sobretudo se visto pela ótica do trabalho. Há um esforço do governo em promover mudanças

sociais, entretanto, adequadas às demandas de uma nova ordem internacional. É o

neoliberalismo à brasileira, como bem se referia Oliveira (1995), funcional aos interesses do

capital internacional.

Os caminhos empreendidos para assegurar a inserção brasileira à subordinação do

mercado mundial asseguraram alguns passos na contra-reforma do Estado, acarretando o

desemprego, a informalização, a precarização e a superexploração dos trabalhadores

brasileiros. Se está diante de uma contra-reforma do Estado no Brasil, de natureza destrutiva e

regressiva, anti-nacional, anti-popular e anti-democrática33.

Behring (2002) conclui sua tese reconstruindo o conceito ideologizado de “reforma”

posto pelo capital. O que ocorre é uma reforma, entretanto, com caráter ofensivo à classe

trabalhadora, caracterizando-se como contra-reforma. Este processo nefasto mostra que

[...] esteve e está em curso no Brasil uma contra-reforma do Estado e não uma ‘reforma’, como apontam seus defensores. Uma contra-reforma que se compõe de um conjunto de mudanças estruturais regressivas sobre os trabalhadores e a massa da população brasileira, e que são também antinacionais e antidemocráticas (BEHRING, 2002, p. 314).

Cumpre, por fim, dizer que, nos anos 90, houve estragos nos campos econômico,

político, social e cultural. O receituário neoliberal34 impôs práticas abruptas à classe

33 “A contra-reforma do Estado em curso deixa as marcas da obstaculização/inviabilização da seguridade social

pública, tal como foi concebida pela Constituição de 1988” (BEHRING, 2002, p. 291). 34 “O neoliberalismo conseguiu entrar, ficar e causar transformações nas mentes e nos corações dos homens e

mulheres em todas as sociedades capitalistas que o adotaram” (BATISTA, 2002, p. 103).

61

trabalhadora, que sofreu e sofre as conseqüências avassaladoras na contextualidade do

“reformismo” estatal, preconizado pelo receituário neoliberal.

Toda esta processualidade de subordinação da periferia para com o centro do mundo,

conforme Antunes (2004), coloca os países periféricos, e em especial o Brasil, num intenso

processo de desertificação neoliberal35, onde o mundo do trabalho vem sofrendo efeitos

nefastos e perversos. O monumental processo de privatização, desindustrialização, integração

servil e subordinada à ordem mundializada, convertendo-nos em país do cassino financeiro

internacional, tornou despossuído, dilapidado, desqualificado o ser social, o qual não

consegue nem mesmo viver do seu trabalho, diante da tamanha precarização das relações

entre capital e trabalho. Este caráter nefasto de desertificação intensificou-se com os governos

Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, os quais mostraram sua

“docilidade”, tornando o Brasil um quintal colossal da ciranda financeira mundial. O que

houve de comum entre os dois governos foi o fato de ambos terem compactuado com o

receituário neoliberal internacional. Neste sentido, a conivência dos governos brasileiros com

os ditames globais do capital, foi fator essencial para a inserção definitiva do Brasil na nova

ordem desigual mundial. Fato peculiar, no entanto, a FHC é este ter sido exemplar em

exercitar sua dupla face: “a primeira, da manutenção de uma política econômica destrutiva,

em conformidade com o que interessa aos capitais globais. A segunda, a de resgatar, com

plumagem nova, seu solene traço repressivo” (ANTUNES, 2004, p. 41).

Depois de uma década de forte desertificação econômica e social, nas eleições

presidenciais de 2002 o quadro encontrava-se muito mais favorável para uma vitória da

esquerda no Brasil, depois de uma década de equívocos decorrentes da aceitação acrítica do

Consenso de Washington pelo governo de FHC. No entanto, os nefastos estragos e as mazelas

sociais em evidência na sociedade atual dão conta de que com Fernando Collor de Mello e

35 Em menos de 11 meses de posse, começou o dilúvio: FHC amarga índices de rejeição que deixam Sarney e até

Collor lisonjeados. O país da “Era FHC” é hoje um país socialmente devastado.

62

Fernando Henrique Cardoso, compactua também o governo de Luís Inácio Lula da Silva, que

dá continuidade aos (des)mandos dos dois últimos governos. Lula, esperança popular de

combate ao neoliberalismo, ajuda-nos a compreender por que os projetos alternativos, uma

vez no governo, acabam sintonizados com o receituário neoliberal.

Este é o perfil com que a sociedade tardo-burguesa se apresenta na última década do

século XX ao limiar do século XXI. A flexibilização do capitalismo tardio não resolveu

nenhum dos problemas fundamentais postos pela ordem do capital. Todas as indicações

sugerem que o capitalismo “flexibilizado” oferece respostas determinantemente regressivas,

operando na direção do barbarismo.

No Brasil, na década de 90, a matriz ideológica do receituário neoliberal materializa-

se enquanto proposta de governo Fernando Collor de Mello e ganha abrangência e

profundidade no governo de Fernando Henrique Cardoso. É neste período que o projeto social

burguês internacional/nacional realiza a Reforma do Estado, no interior da nova república,

ganhando prioridade o processo de privatização. Dentre os passos concretos da reforma do

Estado, a privatização dos bancos foi uma das ações de maior profundidade encaminhada e

efetivada pelo então Ministro da Reforma do Estado – MARE –, comandado pelo Ministro

Bresser Pereira. É sob esta ação concreta mediada pelo Estado que reside a totalidade do

nosso objeto de estudo, exposição analítica e reflexiva em que iremos nos deter na

continuidade deste trabalho, mais especificamente no terceiro e no quarto capítulo.

63

2 A ESFERA DA INFORMALIDADE: UMA RESPOSTA AO DESEMPREGO

Neste segundo capítulo, apresentamos uma construção aproximativa da dimensão

categorial informalidade, as tentativas de conceituação e suas manifestações ao longo da

história, principalmente na segunda metade do século XX, com seus níveis de intensidade se

manifestando de maneira expressiva mundialmente nos anos 70 e no Brasil nos anos 90 e no

limiar do século XXI. A informalidade, modalidade expressiva da relação estabelecida no

interior do modo de produção capitalista pós-1970, amplia suas bases de fixação. Ao mesmo

tempo, a “questão social” desemprego também cresce além do permitido e controlado pelo

projeto societário burguês.

Estes dois fatores contribuem diretamente para fragilizar as forças individuais e

coletivas da classe trabalhadora, o que traz como conseqüência algo que não é novo; porém,

repleto de novas determinações: redução percentual da força de trabalho protegida pela

legislação e precarização do trabalho em diferentes dimensões. Segundo Ramalho &

Arrochelas (2004), estas duas determinações apresentam-se como as mais importantes no

mercado de trabalho.

Para a abordagem da informalidade, modalidade peculiar dentro do setor de serviços, a

dimensão categorial (ondas longas e curtas), apresentadas por Mandel (1985) e discutidas no

primeiro capítulo, é aqui ponto de partida para o entendimento da expansão dos serviços no

pós-70.

64

Porém, antes de tratarmos da informalidade na sua particularidade, entendemos a

necessidade de fazer uma retomada da crise do capital e da conseqüente expansão das

relações capitalistas na perspectiva mandeliana, com a finalidade de apreender o movimento

entre o capital e o trabalho no pós-70.

2.1 – A Relação da Informalidade com a Crise do Capital

Segundo Mandel (1985), a crise econômica e social da última onda longa do

capitalismo mundial, com tonalidade de estagnação, que provocou, mais uma vez, a

desestabilização da economia, é o fator determinante da crise do capital dos anos 70. O fato

de a acumulação capitalista nos anos que antecederam 1970 não ter permitido a desaceleração

da economia, acumulação contagiada pela superprodução, ocasionou a desestabilização na

estrutura do capital.

Nas primeiras três ondas longas – do fim do século XVIII à crise de 1847; da crise de

1847 ao início dos anos 90 do século XIX; de 1890 ao final da Segunda Guerra Mundial –, em

momentos de grande crise recessiva, uma descoberta científico-tecnológica sempre significou

a recuperação na esfera da produção, ocasionando um novo período de equilíbrio econômico

e, conseqüentemente, o início de outra onda longa expansiva. Entretanto, a quarta onda longa,

iniciada na América do Norte em 1949 e nos outros países imperialistas em 1945/48, não teve

o mesmo percurso, ao contrário, no lugar de uma grande descoberta, deu-se a superprodução,

acentuando a crise do capital.

Com a expansão do setor de serviços:

[...] observa-se um deslocamento de trabalhadores do campo para as cidades, com características de uma verdadeira avalanche, expandindo as relações capitalistas na esfera do trabalho (MANDEL, 1985). Tal fenômeno ocorreu tanto na Europa ocidental quanto na América do Norte na “onda longa com tonalidade expansionista” de 1945/48 até 1965. A transferência destes trabalhadores do meio

65

rural para o meio urbano caminha junto com o processo de transformações tecnológicas no campo, mas ocorrem também nos setores produtivos industriais do meio urbano, alterando o campo das ocupações. “[...] Os computadores e as máquinas de calcular eletrônicas substituem enorme quantidade de auxiliares de escrita, escriturários e contadores de bancos e companhias de seguro. As lojas onde as pessoas mesmas se servem e as máquinas automáticas que fornecem chá, café, balas, etc., com a introdução de moedas, tomam o lugar de vendedores e balconistas. O médico profissional liberal é substituído por uma policlínica com especialistas afiliados ou por médicos empregados pelas grandes companhias; o advogado independente dá lugar ao grande escritório de advocacia ou aos conselheiros legais de bancos, empresas e administração pública [...] O alfaiate particular é substituído pela indústria de roupa feita; o sapateiro, pela divisão de consertos das grandes lojas de departamento, das fábricas e lojas de calçados; o cozinheiro, pela produção em massa de refeições pré-cozidas, consumidas em restaurantes com auto-serviço ou pelo setor industrial especializado; a empregada doméstica ou arrumadeira, pela mecanização de suas funções sob a forma de aspirador de pó, máquina de lavar roupa, de lavar pratos, etc” (MANDEL, 1985, p. 270).

Esta expansão põe-se enquanto a maior e mais expressiva conseqüência da crise do

capital, como resultado da estagnação da quarta onda longa recessiva, ocorrida às vésperas

dos anos 70. O capital, diante da crise da superprodução, passa a buscar táticas fora da

economia tradicional para encontrar meios de manutenção, reprodução e combate à sua

própria crise. O capital não se opõe e não apresenta nenhum motivo contrário à penetração de

suas ações no setor de serviçosxx. O importante é que se mantenham formas de exploração e

expropriação, para a manutenção, sustentação, produção e reprodução do modo capitalista de

produção. Face a isto, a ampliação das relações capitalistas por meio da informalização do

trabalho explica-se como resposta do capital, que necessita buscar novos campos de atuação e

ocupação para a classe trabalhadora. O capital monopolista não se opõe, portanto, de forma

alguma, “[...] à penetração de capital no chamado setor de serviços, mesmo que isso

incontestavelmente reduza a taxa média de lucros, porque uma massa maior de mais-valia

deve somar-se à massa de capital social investido, que aumentou ainda mais do que a

quantidade de mais-valia [...]” (MANDEL, 1985, p. 272).

O projeto capitalista intensificou diferentes formas de exploração frente à classe

trabalhadora. Como conseqüência, há uma complexificação nas relações entre capital e

66

trabalho, expressas pelo desemprego, subemprego, trabalho informal, precarização, pobreza,

miserabilidade e outras manifestações. A expansão do setor de serviços não foi a única

resposta do capital à crise, porém, diante da dificuldade de continuar acumulando altas taxas

de lucros, o projeto societário burguês obrigou-se a reestruturar a produção, ampliar os

serviços prestados pelos bancos, enfatizando o campo da especulação financeira e a colocar

em prática a Reforma do Estado, por meio do receituário neoliberal. Estas ações táticas

contribuíram significativamente para redimensionar o setor de serviços, ampliando

quantitativamente, bem como inter-relacionando com os setores da produção e da

especulação.

Assim, entendemos que existe uma relação entre a informalidade e o setor de serviços,

em que a informalidade é uma das modalidades específicas pertencente ao grande setor de

serviços. Entretanto, as diferentes formas de atividades informais na contextualidade do

complexo e heterogêneo mundo do trabalho são resultado da expansão do setor de serviços. E

este, por sua vez, é conseqüência da crise na estrutura do capital, ocorrida na quarta e última

onda longa com tonalidade de estagnação nos anos 70 do século XX. O contexto de crise pós-

70 permite identificar que as atividades de prestação de serviços, e particularmente as relações

informais de trabalho no modo capitalista de produção, não são um elemento novo, porém

sofrem um crescimento expressivo em conseqüência da crise do capital dos anos 1970.

2.2 – “Setor Informal” e “Informalidade”: do Conceito Tradicional ao Novo Conceito

Os autores pertencentes ao campo da teoria da marginalidade36 compreendem que o

setor informal/tradicional abarca o trabalho informal, o qual está “[...] separado do sistema

36 Para aprofundarmos a teoria da marginalidade, podemos apropriar do debate por meio de algumas literaturas:

NUN, José. “Superpopulação relativa, exército industrial de reserva e massa marginal”. In: PEREIRA, Luiz

67

capitalista de produção; via os trabalhadores que não se encaixavam aos setores mais

‘modernos’ e dinâmicos da economia como participantes de um ‘grupo não-integrado’ ao

sistema capitalista” (ALVES, 2001).

Jakobsen (2000), um dos teóricos da teoria da marginalidade, entende que o termo

“setor informal” foi cunhado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e utilizado

pela primeira vez nos relatórios sobre Gana e Quênia, elaborados no âmbito do Programa

Mundial de Emprego, em 1972. Uma das principais conclusões alcançadas nestes relatórios

foi que o problema social mais importante naqueles países não era o desemprego, mas sim a

existência de um grande número de trabalhadores pobres, ocupados em produzir bens e

serviços sem que suas atividades estivessem reconhecidas, registradas, protegidas ou

regulamentadas pelas autoridades públicas.

Para o Programa Regional de Emprego para a América Latina e Caribe (PREALC) da

OIT, o setor informal é composto por pequenas atividades urbanas, geradoras de rendas, que

se desenvolvem fora do âmbito normativo oficial, em mercados desregulamentados e

competitivos, em que é difícil distinguir a diferença entre capital e trabalho.

Cacciamali (1989, p. 165) aponta que o setor informal estaria associado “[...] a

atividades ilegais, invisíveis para efeitos de tributação e em que as relações de trabalho não se

inserem na legislação trabalhista”. Neste caso, o aspecto ressaltado aborda as “[...]

implicações da existência de uma parcela da força de trabalho, independentemente das

relações de trabalho na produção, à margem do sistema de previdência social”

(CACCIAMALI, 1989, p. 165).

Tais considerações, funcionais ao modo de produção capitalista, sinalizam que as

atividades fora da legislação trabalhista prejudicam o desenvolvimento da economia,

(org). Populações marginais. 2 ed. São Paulo: Duas cidades, 1978; e QUIJANO, Aníbal. “Notas sobre o conceito de marginalidade social”. In: PEREIRA, Luiz (org). Populações Marginais. 2 ed. São Paulo: Duas cidades, 1978.

68

considerando o trabalho informal como marginal ao modo de produção capitalista. Neste

sentido, ou o Brasil acaba com a informalidade ou a informalidade acaba com o Brasil. Na

perspectiva neoliberal, tem-se na informalidade uma prática de sonegação que está

prejudicando o desempenho da economia. Não evidencia, no entanto, preocupação com a

situação de precariedade dos trabalhadores envolvidos na informalidade. É uma visão

puramente econômica, em que o ser social perde a caracterização de sua identidade.

O setor informal, isolado do âmbito do trabalho produtivo organizado, perde seu

significado enquanto conceito à medida que o setor de serviços passa a ocupar maior espaço

no contingente das atividades no final do século XX. O conjunto de ocupações de prestação

de serviços, na modalidade específica informalidade, amplia-se, dificultando uma maior

precisão conceitual. Neste sentido, o “setor informal enquanto um conceito fechado [...] não

dá conta da realidade” (TAVARES, 2004, p. 41), visto que a informalidade engloba o setor

informal na sua totalidade, enquanto que o setor informal expressa apenas um aspecto da

informalidade, no entanto, sem esgotá-lo (MALAGUTI, 2000).

No entanto, a informalidade37, principalmente no decorrer da década de 1990, é

apreendida por alguns teóricos que discutem a temática com novos ingredientes

teórico/metodológicos, que ampliam o conceito. Compartilhando com Tavares (2004, p. 49),

compreendemos que “[...] toda relação entre capital e trabalho na qual a compra da força de

trabalho é dissimulada por mecanismos que descaracterizam a relação formal de

assalariamento, dando a impressão de uma relação de compra e venda de mercadoria, é

trabalho informal [...]” (TAVARES, 2004, p. 49).

37 O presente estudo nos permite afirmar que, diante da heterogeneidade de ocupações que vão além da

legislação trabalhista, ou, além do vínculo formal de trabalho, inexiste um consenso conceitual entre autores acerca da informalidade. No entanto, na contextualidade da discussão do informal e formal, considerando as modificações conceituais ao longo das últimas quatro décadas do século XX, nosso estudo-pesquisa pauta-se em Ernest Mandel (1985); Manoel Luiz Malaguti (2000); Maria aparecida Alves (2001); João Batista Pamplona (2001); Izabel Cristina Dias Lira (2003); Jether Pereira Ramalho & Maria Helena Arrochellas (2004); Maria Augusta Tavares (2004); dentre outros.

69

Assim, há uma sofisticação no modo de abordar a conceituação, que vai dos anos 60,

quando o setor informal era caracterizado enquanto a dimensão tradicional do trabalho, aos

anos 90 e ao limiar do século XXI, quando o conceito de setor informal é substituído pelo

conceito de informalidade. Atualmente, a informalidade é composta por um amplo conjunto

de atividades, as quais se encontram subordinadas ao sistema capitalista de produção. A

informalidade ganha um novo sentido na década de 90, em relação às décadas de 60, 70 e 80.

Esta mudança de significado se dá em função das transformações ocorridas na sociedade

capitalista, contextualidade examinada por Alves (2001), a qual considera que, dentre os

elementos que compõe a expansão do trabalho informal no Brasil hoje, estão as grandes

transformações mundiais ocorridas no processo de produção e no mercado de trabalho. Ao

analisar as formas contemporâneas do trabalho informal no Brasil e seu significado no

processo de acumulação, mostra que o trabalho informal hoje é atípico em relação às décadas

de 70 e 80 no Brasil e que, a partir da década de 80, a situação de complexidade aprofunda-se,

devido à elevação do desemprego resultante de importantes alterações na estrutura produtiva,

a baixa dinâmica de geração de empregos formais e a crescente precarização das condições e

relações de trabalho.

A inserção de novos trabalhadores no mercado de trabalho, imbricada a uma

informalidade crescente, apontam para a complexidade da precarização das condições sociais,

políticas e econômicas do trabalho. Atualmente, um contingente significativo da população

economicamente ativa, se não está envolvido, parte para a informalidade, por ver, nesta

modalidade de ocupação, uma forma de não permanecer dependente de um empregador, na

ilusão de se livrar do capitalista, construindo um negócio próprio, ou como forma de buscar

alternativa por falta de opção no mercado formal de trabalho, que, para Mattoso (2000, p. 11),

“[...] em uma economia incapaz de manter e gerar novos empregos, a informalidade é uma

estratégia para garantir a sobrevivência”. Assim, o trabalho informal pode tanto indicar uma

70

estratégia de sobrevivência face à perda de uma ocupação formal, como uma opção de vida de

alguns segmentos de trabalhadores que preferem desenvolver o seu próprio negócio. Estes

números denunciam, nas últimas décadas, no país, alterações

na elevação de ocupações em condições de vínculo empregatício sem carteira de trabalho assinada e de ocupações de trabalho autônomo. Observa-se também que, entre os autônomos brasileiros dedicados a atividades terciárias, a quase totalidade se aloca na área da produção direta de bens e serviços e uma minoria na área burocrática (KON, 2001, p. 76).

Porém, a resposta do capital à crise, por meio da reestruturação produtiva, da

financeirização e da Reforma do Estado, teve na informalidade um mecanismo operacional,

instrumento concreto de fragilização e precarização das relações de trabalho, tornando difícil

precisar o número de trabalhadores pertencentes ao segmento organizado ou formal e ao

âmbito da informalidade na contextualidade histórica atual. A ampliação desmedida de

diferentes formas de ocupações informais tornam inexistente um número percentual que

subdivida os dois segmentos. Entretanto, a distinção entre formal e informal ganha dimensões

diferenciadas.

Dupas (1999) referencia a OIT – Organização Internacional do Trabalho –, para a qual

o trabalho informal já atinge na América Latina em geral, em cerca de 40% a 70% do

mercado de trabalho, com uma taxa de crescimento anual superior a 4% contra apenas 1% do

setor formal; a Revista Veja, edição de 18 de outubro de 2000, sob a reportagem denominada

O Drama Silencioso dos Sem-Carteira, identificava que a população brasileira ocupada é de

69 milhões de pessoas. Desse total, 60%, ou seja, 41 milhões, estão no mercado informal e se

transformam num problema maior que o desemprego. Trabalham por conta própria, sem

carteira assinada, a maioria não contribui para a previdência social e encontram-se

desassistidos pela legislação social. Para Cardoso Júnior (2000), “a composição da população

71

economicamente ativa (PEA) alterou-se drasticamente nas principais regiões metropolitanas

do Brasil: enquanto o contingente de assalariados com carteira assinada decresceu, no período

1991/1999, de 51,2% para cerca de 41% do total, o percentual de informais (assalariados sem

carteira e trabalhadores por conta própria) passou de 38,8% para 45,9% no mesmo período”.

Ferreira (2001) já mencionava as condições precárias dos trabalhadores na informalidade,

representando quase 40 milhões de brasileiros abaixo da linha da miséria. Segundo a

Organização Internacional do Trabalho, apenas um em cada três brasileiros é assalariado com

registro formal. Dos 76,5 milhões de pessoas que compõem a população economicamente

ativa (PEA), somente 24 milhões possuem algum tipo de proteção social e trabalhista. O

restante está desempregado ou perece no mercado informal (DIEESE, 2004). De um total de

76 milhões de pessoas que trabalhavam em 2003, cerca de 46 milhões (60%) estavam na

informalidade e apenas 30 milhões (40%) na formalidade. O mercado informal abriga pessoas

em situações diferentes. Dos 46 milhões de brasileiros que integram este mercado, cerca de 20

milhões (43%) são empregados sem registro em carteira, 15 milhões (33%) são trabalhadores

por conta própria, seis milhões (13%) são pessoas que trabalham sem remuneração, quatro

milhões (9%) são empregados domésticos (também sem registro em carteira), e um milhão

(2%) são empregadores (PASTORE, 2004).

No entanto, ao referenciarmos Malaguti (2000), Alves (2001), Lira (2003) e Tavares

(2004), os dados acima apresentados perdem rigor, portanto, não conseguem sustentar-se na

atualidade, devido à literatura não apresentar uma conceituação rigorosa do que é o trabalho

informal, bem como devido à ausência de pesquisas também rigorosas dos órgãos oficiais, a

dificuldade é aprofundada.

Neste sentido, a discussão sobre informalidade passa a fazer parte do debate

contemporâneo relacionado a duas dimensões, sendo uma técnica: a reestruturação produtiva;

e outra organizacional: a flexibilização e precarização das relações de trabalho, a

72

terceirização, as mudanças na cultura do trabalho e a configuração de novos padrões de

consumo, na conjuntura em que se dá a intensificação do processo de reestruturação produtiva

do capital e o aumento da informalidade. Identifica Alves (2001) que inexiste um consenso

conceitual para o estudo das situações de informalidade, isto porque, mesmo dentro da

informalidade, há situações diversas, sendo importante apreender as diferentes formas que

envolvem os trabalhadores para não desqualificar a caracterização da informalidade. Por isto,

a autora discorda das teorias que definem os trabalhadores desempregados ou desempenhando

funções em atividades aparentemente fora do circuito capitalista como parte de uma ‘massa

marginal’ ou isolada do processo de acumulação capitalistaxxi.

As mudanças de conceituação e significação no mercado de trabalho atual se dão a

partir das análises dualistas feitas nos anos 60 e 70 sobre as atividades informais,

influenciadas pela teoria da marginalidade, que associavam a informalidade à pobreza e ao

“subdesenvolvimento”; na década de 70, as análises dualistas viam o setor formal como

composto por unidades produtivas organizadas e o setor informal caracterizado por unidades

produtivas não organizadas, que viviam à margem da legislação trabalhista. Além disso, o

setor informal era visto como complementar ao setor formal.

Na década de 80, concebe-se o setor informal como intersticial, separado, e

subordinado ao movimento das empresas capitalistas, rompendo com a abordagem dualista.

“A grande preocupação foi mostrar que as atividades informais tradicionais converteram-se

em novas formas da relação capitalista. O trabalho informal é parte do conjunto das

transformações do mercado de trabalho e da intensificação da reestruturação produtiva do

capital” (ALVES, 2001, p. 4). São percebidas conseqüências como redução dos empregos

assalariados com registro e aumento do trabalho informal sem registro; deterioração das

condições gerais do mercado de trabalho urbano, em decorrência do crescimento

relativamente lento do emprego formal e do aumento da proporção dos trabalhadores por

73

conta-própria e dos assalariados sem contrato de trabalho formalizado, além da significativa

redução do nível dos salários, levando ao aumento do desemprego.

Os anos 80 referendam um momento significativo no que diz respeito ao crescimento

e à complexificação das atividades informais, rumo a uma radical transformação nos anos 90,

quando os conceitos de setor informal e setor formal não dão mais conta de explicar a nova

realidade, em função das mudanças produzidas pela reestruturação produtiva do capital. Nos

anos 90, há a combinação de formas tradicionais de informalidade mescladas com outras

formas de trabalho precárias, como as formas de trabalho assalariadas e não-assalariadas estão

imbricadas uma na outra.

Percebe-se, assim, que, a partir dos anos 60 do século XX aos dias atuais, se modifica

o modo de tratar a compreensão da categoria trabalho e força de trabalho, no aspecto da

exploração do modo de produção capitalista sobre a classe trabalhadora. Não importam as

formas como tal processo se dá. O determinante é que haja por parte do capital o acúmulo de

lucro. Pois, “[...] a flexibilização muniu o capital de mecanismos que permitem maximizar a

exploração e também extrair mais-valia, mediante relações informais que se verificam na

pequena empresa, no trabalho autônomo, no trabalho domiciliar, nas cooperativas, etc.”

(TAVARES, 2004, p. 78). Neste sentido, a organização contemporânea da produção consegue

intensificar a exploração do trabalho a tal ponto que se torna possível extrair mais-valia

mediante relações que parecem negar a forma clássica.

O dualismo perde seu sentido no contexto histórico em que o mundo do trabalho sofre

a expansão de seus sentidos. Marx (1984) já mencionara o que ocorria para além da indústria

e que outras atividades faziam parte da cadeia produtiva, articuladas ao padrão flexível de

acumulação. É o caso dos trabalhadores domiciliares, por exemplo, que movimentam, por fios

invisíveis, outro exército de trabalhadores. Assim,

74

[...] movido pelo impulso do lucro, o capital exige modificações nas suas condições de acumulação. Tais modificações implicam sacrificar um dos termos da relação, que é, sem dúvida, o trabalho, ou melhor, os custos dele. Assim, emergem as formas de trabalho precário, pelas quais são pagos baixos salários sem nenhuma garantia de proteção social. Naturalmente, esse impulso capitalista de precarização do trabalho atinge diretamente as atividades secundárias que, sem nenhum prejuízo para o produto final, podem ser executadas por pequenas empresas subcontratadas, por cooperativas, e por trabalho domiciliar. As atividades centrais, mais qualificadas, e também mais produtivas, ainda permanecem, em muitos países, amparadas pela lei e cercadas de benefícios indiretos que a empresa oferece (TAVARES, 2004, p. 94).

As explicações tradicionais sobre o chamado “setor informal” situado à margem do

capital são insuficientes para explicar a realidade atual, o que permite compreender que a

análise dessas formas de trabalho por meio da posse ou não de carteira assinada, pela

categoria ocupacional ou pela forma de realização do trabalho, não dá conta das atuais

transformações ocorridas no mercado de trabalho. Em função destas mudanças históricas,

ocorridas dos anos 60 do século XX ao limiar do século XXI, a nova realidade não se explica

pelas formas tradicionais de setor informal, o que implica que “[...] a informalidade tem que

ser rediscutida sob novas perspectivas teóricas, que [...] permitam levantar as situações de

informalidade, buscando suas formas de reprodução e sua relação com o processo de

expansão e acumulação capitalistas” (ALVES, 2001, p. 72).

Segundo Lira (2003), torna-se questionável o uso do termo “setor informal”, pois a

dualidade que sugere é posta em xeque pelas condições atuais de trabalho, nas quais se

mesclam cada vez mais relações de trabalho formais e informais, sendo mais apropriado o uso

do termo “informalidade”. Malaguti (2000), ao apreender as engrenagens e os mecanismos

que articulam o “setor informal” com o “formal”, recusa as limitadas análises dualistas,

mostrando que o aumento explosivo da informalidade é parte integrante e ao mesmo tempo

conflituosa do mundo do capital. Tavares (2004) afirma que a existência de trabalho sob

relações informais não significa estar à margem do capital, mas integrado por um caráter que

a própria estrutura capitalista imprime. Deste modo, na perspectiva crítica e histórica, o

trabalho informal enquanto conceito de produção à margem da produção capitalista, vai sendo

refutado, compreendendo-se a heterogeneidade das ocupações informais como componente

75

do capital. “Sob a égide burguesa, o trabalho informal, como qualquer outro trabalho, está

subordinado à dinâmica do capital, e não há como escapar disso [...]” (TAVARES, 2004, p.

62). O trabalho informal, longe de ser um setor “marginal”, está diretamente atrelado e

totalmente subordinado ao modo de produção capitalista.

[...] a coexistência entre trabalho formal e informal, promovida pelos processos de terceirização, torna insustentável a idéia de ‘setor informal’, pois, ao invés de uma produção independente, planejada e executada pelo trabalhador, o segmento moderno da informalidade [...], embora seja geralmente executado fora da fábrica ou do estabelecimento comercial, está submetido ao comando direto do capital (TAVARES, 2004, p. 196).

É possível observar que as fronteiras entre formal e informal são cada vez mais tênues.

Tavares (2004) rejeita inteiramente as idéias setorialistas, defendidas pela razão dual,

considerando que mudanças decorrentes da reestruturação produtiva incidem no mundo do

trabalho, redefinindo as relações de produção e o modo como os trabalhadores nelas se

inserem, especialmente o uso flexível do trabalho através de relações informais. “Formal e

informal coexistem na mesma unidade, e [...] nesta era da acumulação flexível, o trabalho

informal, longe de ser suplementar ou intersticial, tende a ser cada vez mais incorporado pelo

núcleo capitalista” (TAVARES, 2004, p. 16). O capital, flexibilizado e desregulamentado,

tem transformado relações formais em informais.

Para Tavares (2004, p. 52), sob o ângulo da flexibilização, moderno, hoje, é o que é

flexível, e nenhuma forma de trabalho pode se mais flexível que o “[...] trabalho informal [...]

que é central nesta discussão [...] e não tem nenhuma identificação com aquela unidade

produtiva que caracteriza o ‘setor informal’, na perspectiva da OIT, instituição burguesa

obviamente pautada na visão liberal”. Trata-se do emprego fora do âmbito formal, sem os

benefícios do vínculo de carteira assinada, como direito a férias, 13º salário, fundo de

garantia, fundo de aposentadoria, auxílio doença, no entanto, é um conjunto de atividades

informais diretamente vinculado à produção capitalista.

76

Para entender a informalidade na atual conjuntura, é preciso ir além de conceitos

fechados, “setoriais” (setor informal) ou relacionais (relações não-salariais). O “setor

informal” está no “setor formal”, e as relações salariais mais “transparentes” contêm

informalidades mais ou menos latentes. As teses existentes sobre o “setor informal” não dão

conta de explicar a informalidade da era da flexibilização, pois, se a idéia de setor já era

equivocada sob outro padrão de acumulação, neste o dualismo torna-se completamente

insustentável. Conceber o “setor informal” como ação complementar às práticas de assistência

é excluir o trabalho informal do processo de reprodução do capital. Significa dizer que o

circuito de trabalhadores improdutivos se expande pelos imperativos da produtividade, numa

explícita subordinação à produção capitalista. Este quadro da realidade contemporânea

evidencia a insustentabilidade do setorialismo.

No atual momento histórico, por um lado, atribui-se importância ao “setor informal”

por este criar ocupações de baixo custo, por outro, a economia oferece indícios de que o

trabalho informal tende a se generalizar por sua funcionalidade ao capital. Assim, se o

conceito de setor tivesse alguma sustentação teórica, ter-se-ia que, segundo Tavares (2004),

prosseguindo na perspectiva dualista, subdividir a economia informal em dois segmentos, um

atrasado, onde estariam as atividades de sobrevivência, e outro moderno, onde se incluiriam

todos os trabalhadores que colocassem sua força de trabalho a serviço da produção,

tipicamente capitalista, sob relações informais. Evidentemente, tal caracterização não tem

sentido, num confronto com a realidade concreta, em que se presencia um conjunto de

atividades informais díspares, todas participando do processo de produção e circulação de

mercadorias no modo de produção capitalista.

Entretanto, apesar de as teses dualistas se mostrarem insuficientes para explicar a nova

realidade, organismos como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Programa

Regional de Emprego para a América Latina e Caribe (PREALC), por exemplo, assim como

77

teóricos que organicamente fundamentam a classe burguesa em suas diversas entidades, ainda

insistem na dicotomia, distinguindo o atrasado do desenvolvido, como se estes não fossem

partes da mesma organização produtiva. Segundo Tavares (2004), a economia liberal prega a

existência do dualismo. Os (neo)liberais insistem em dividir o indivisível. Tal concepção

parece não passar de um mero discurso ideológico, já que o sistema vigente compactua com a

informalidade e dela depende para a manutenção do sistema vigente.

[...] para a economia liberal, a organização produtiva regulada pelo livre mercado é eficiente, equilibrada, homogênea e integradora. Assim, problemas endógenos ao capital, mas que não confirmam essas características, são tratados como externos ao sistema. Desse modo, é possível conceber uma economia de sobrevivência e outra que atenda aos interesses da acumulação capitalista (TAVARES, 2004, p. 36-37).

Na perspectiva neoliberal, o aumento do trabalho informal possui relação intrínseca

com o projeto societário burguês, aprofundado por FHC. Segundo o DIEESE (2002), “o

crescimento da informalidade foi um desastre, crescendo como erva daninha nos oito anos de

reinado tucano”. A classe burguesa subjuga o trabalho informal, atribuindo a este o posto de

inferioridade, entretanto, o capital depende, além do desempenho do mercado formal, do

movimento da informalidade para a manutenção do modo capitalista de produção.

Tavares (2004), ao citar Salama & Valier38 (1997, p. 76), demonstra como o discurso

neoliberal considera o trabalho informal como marginal ao segmento organizado. Para os

autores citados, esse “[...] segmento do ‘setor informal’ é a última etapa antes da

criminalização, constitui de certa forma uma válvula de escape, uma última possibilidade de

sobrevivência”. Contudo, apesar dessas características pouco nobres, a atividade se expande

de forma integrada e subordinada à produção capitalista. O discurso ideológico, entretanto,

não corresponde com a objetividade, pois o projeto societário burguês tem no trabalho

38 SALAMA, P. & VALIER, J. Pobrezas e desigualdades no 3º mundo. São Paulo: Nobel, 1997.

78

informal as reais possibilidades de dar as respostas esperadas pelo capital à crise na sua

estrutura. Sem o trabalho informal, o modo de produção capitalista está fadado ao fracasso.

A análise da categoria dos trabalhadores ex-bancários neste trabalho insere-se na

modalidade informalidade no atual complexificado mundo do trabalho. Para tanto, cumpre

frisar que os trabalhadores abordados para este estudo não fazem parte do setor informal,

enquanto conceito tradicional, mas inserem-se na informalidade. Desenvolvem atividades não

legalizadas pela legislação, no entanto, promovem a circulação e o consumo de mercadorias e

suas ações estão imbricadas ao modo de produção capitalista. Apesar de o capital se apropriar

do discurso ideológico da marginalidade e da exclusão, este segmento de trabalhadores é

funcional ao sistema em vigência.

2.3 – Imbricação e Funcionalidade do Trabalho Informal ao Capital

As transformações em curso na história dos últimos 40 anos do século XX permitem

identificar que o setor informal está no setor formal e que as relações salariais mais

transparentes contêm informalidades, havendo uma inter-relação entre os dois segmentos. “Os

trabalhadores informais dependem do movimento do mercado de trabalho regulamentado, ou

seja, da renda dos trabalhadores assalariados para sobreviverem [...]” (ALVES, 2001, p. 72).

O capital, por sua vez, necessita do movimento do trabalho informal para a sua sustentação.

Além disso, diante da expressiva complexificação do mundo do trabalho, estamos

vivenciando diversas experiências que explicitam esta metamorfose. Destacam-se as

terceirizações e as subcontratações em diferentes níveis.

Assim, os trabalhadores informais e formais encontram-se imbricados,

interdependentes. Na contextualidade de imbricação, podem se tornar obscurecidas as

79

relações entre as atividades primárias, secundárias e terciárias, colocando na mesma situação

dentro destes setores, trabalho formal e informal. “Nessa ligação entre trabalho produtivo e

improdutivo, trabalho formal e informal ganham uma dinâmica própria, perversa, na qual

ambos se subordinam ao capital, porém, é no trabalho informal e no improdutivo que estão

situados os maiores contingentes de trabalhadores” (LIRA, 2003, p. 32).

O ritmo da informalidade depende do movimento da formalidade, ou seja, nos

momentos de expansão do emprego no segmento capitalista, aumentam as formas de inserção

dos trabalhadores informais nos “segmentos não organizados”. Nas fases de maior expansão

capitalista aumentam-se os espaços passíveis de ocupação pelas atividades informais e nos

momentos de crise essas atividades se retraem. Com isto, grande parte dos trabalhadores

informais necessitam do trabalho formal e do seu movimento para subsistir. Ao invés de haver

a migração de trabalhadores desocupados para atividades informais nos momentos de crise da

economia e, conseqüentemente, do emprego no segmento formal, ocorre o contrário. É

justamente nas fases de equilíbrio econômico e ampliação do emprego formal que incide a

maior expansão e disseminação da informalidade. Quanto maior for o desenvolvimento do

setor formal, maior será a dinâmica do trabalho informal, no sentido de que o informal

também depende do formal para sua manutenção. Quanto maior for o movimento do emprego

formal, maior a estabilidade de renda individual e familiar, possibilitando ampliar o campo da

produção – conseqüentemente a circulação, a distribuição e o consumo ganham novas

proporções. Neste sentido, é possível afirmar a imbricação existente entre o formal e o

informal, dando ênfase à importância da formalidade no processo de produção.

Neste sentido, o trabalho informal deixa de ser intersticial ou suplementar para, cada

vez mais, tender a tornar-se parte do núcleo capitalista (TAVARES, 2004). Sendo assim, a

expansão do trabalho informal passa a depender do ritmo da expansão e reprodução

capitalista, que, sob a égide neoliberal, revela a voracidade por mais trabalho e mais lucro,

80

onde não se respeita nem a duração da força de trabalho. A dimensão humana perde suas

concreticidades em sua totalidade, pois o capital tem como mercadoria principal a força de

trabalho individual e coletiva. Assim,

[...] em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por mais-trabalho, o capital atropela não apenas os limites máximos morais, mas também os puramente físicos da jornada de trabalho. Usurpa o tempo para o crescimento, o desenvolvimento e a manutenção sadia do corpo. Rouba o tempo necessário para o consumo de ar puro e luz solar. Escamoteia tempo destinado às refeições para incorporá-lo onde possível ao próprio processo de produção, suprindo o trabalhador, enquanto mero meio de produção, de alimentos, como a caldeira de carvão, e a maquinaria, de graxa ou óleo. Reduz o sono saudável para a concentração, renovação e restauração da força vital a tantas horas de torpor quanto a reanimação de um organismo absolutamente esgotado torna indispensáveis. Em vez da conservação normal da força de trabalho determinar aqui o limite da jornada de trabalho, é, ao contrário, o maior dispêndio possível diário da força de trabalho que determina por mais penoso e doentiamente violento, o limite do tempo de descanso do trabalhador. O capital não se importa com a duração da vida da força de trabalho. O que interessa a ele, pura e simplesmente, é um maximum de força trabalho que em uma jornada de trabalho poderá ser feita fluir [...] (MARX, 1983, p. 211-212).

Portanto, a atividade “informal” vincula-se ao mercado de trabalho formal como parte

integrante da constituição das relações capitalistas de produção no que tange ao binômio

capital-trabalho (MEDEIROS, 2000). A informalidade é elemento constituinte das relações

entre capital-trabalho, sendo trabalho informal e formal partes inseparáveis de um mesmo

fenômeno social.

Na perspectiva crítica e histórica, a informalidade é um conceito que dimensiona

elementos fundantes os quais incorporam determinações para além do conceito de setor

informal, o qual expressa apenas um aspecto da informalidade, mas sem esgotá-lo, enquanto

que a informalidade engloba o setor informal na sua totalidade (MALAGUTI, 2000).

Enquanto o setor informal designa um campo específico de atuação ou ocupação fora das

margens da legislação, a informalidade engloba o conjunto de atividades fora do segmento

organizado. Entretanto, a heterogeneidade ocupacional torna muito difícil uma delimitação e

definição precisas. “Fica estabelecido, pois, que a formalidade penetra o ‘setor’ informal e o

‘setor’ informal nutre-se da informalidade. A existência de uma sem a outra, de um ‘setor’

81

sem o ‘outro’, parece-nos, na prática, inconcebível” (MALAGUTI, 2000, p. 101). Vê-se que a

formalidade e a informalidade coexistem, subsidiam-se, interpenetram-se e são indissociáveis.

Além da composição dos dois segmentos no âmbito da economia formal e informal, comporta

admitir também que, neste contexto, encontram-se trabalhadores informais no “setor formal”

e trabalhadores formais no “setor informal”. Não há um limite entre o formal e o informal.

Além de as duas formas de trabalho – informal e formal – estarem inteiramente inter-

relacionadas, o trabalho informal mantém nexos com o capital, criando e recriando formas

diversas de subordinação total do trabalho ao capital. Neste sentido, a informalidade,

totalmente subordinada aos novos delineamentos do modo de produção e acumulação

capitalista, mantém vínculos de dependência e contribui determinantemente para a produção,

circulação e manutenção do sistema em vigênciaxxii.

A manutenção do modo de produção capitalista – flexibilizado – desloca muitos

trabalhadores do núcleo formal para a informalidade, em que o trabalho cumpre a mesma

função para o capital, entretanto, sem os custos sociais correspondentes. Da expansão da

informalidade e da fragmentação da classe trabalhadora do mercado formal decorre a redução

do quadro de associados dos sindicatos, enfraquecendo cada vez mais o poder de

reivindicação dos trabalhadores, que, ao invés de se contraporem aos retrocessos nas relações

de trabalho, acabam se submetendo aos delineamentos postos pela política neoliberal.

Neste sentido, a informalidade atende à flexibilidade exigida pelo atual padrão de

acumulação capitalista. É um trabalho informal articulado à produção capitalista (TAVARES,

2004). O caráter flexível da informalidade caminha lado a lado com o crescente

desaparecimento das regulações que caracterizam o trabalho formal, com forte indício de

tendência à generalização do trabalho informal. Generalizam-se diversas formas de trabalho,

onde se obscurece o que é formal do que é informal. Em relação à redução dos custos sociais

do trabalho regulamentado, Antunes (1999, p. 119) afirma que o capital necessita “[...] cada

82

vez menos do trabalho estável e cada vez mais das diversificadas formas de trabalho parcial

ou part-time, terceirizado, que são, em escala crescente, parte constitutiva do processo de

produção capitalista”.

A informalidade constitui relações de trabalho que se dão por meio da exploração,

tanto na esfera da produção como da circulação de mercadorias. “Trata-se de um segmento

moderno da informalidade, no qual o trabalho informal cumpre a mesma função do

formalmente assalariado, que desenvolve a sua ocupação na indústria, nos ramos comerciais

e/ou financeiros, sob uma explícita relação empregado-empregador [...]” (TAVARES, 2004,

p. 19-20). A exploração e expropriação por parte do capital sobre a força de trabalho se dá do

mesmo modo que nas relações formais, também nas relações informais de trabalho, ou seja,

tanto a formalidade como a informalidade compõem regras de acumulação capitalistaxxiii.

Neste sentido, a ampliação de diferentes formas de ocupações informais não são ignoradas

pelo capital, ao contrário, o mesmo não se opõem a elas (MANDEL, 1985). A coexistência do

trabalho informal com o formal, sob mediações que ocorrem nas esferas da circulação e da

produção, cumpre o papel de alcançar o objetivo capitalista: a acumulação.

As diferentes atividades informais estão assentadas numa época em que o setor de

serviços ampliou-se, englobando grande número dos trabalhos ditos informais. A partir do

expressivo volume de desempregados proliferaram cooperativas, empresas familiares,

trabalho domiciliar, micro e pequenas empresas. Estas formas de trabalho, identificadas com a

independência, a autonomia e a ação espontânea, promovem mecanismos pelos quais os

trabalhadores exploram a sua própria força de trabalho para o capital e se deixam ser lesados

nos seus direitos fundamentais.

Para tal, o capital se apropria da força de trabalho para a sua produção e reprodução,

de modo que há uma total subordinação da classe trabalhadora ao modo de produção

capitalista. Todos os espaços econômicos e sociais foram ocupados pelo capital, de maneira

83

que qualquer forma de trabalho está irremediavelmente subordinada ao mesmo, que, para se

manter, estabelece determinadas estratégias que determinam sua existência. Dentre elas, a

manutenção da informalidade.

A explosiva informalização do trabalho realça que as relações informais se articulam

diretamente ao núcleo formal da economia, pelos processos de terceirização. Devido ao

processo de terceirização, a informalidade se torna uma forma adequada ao capital, porque

participa efetivamente da produção sem implicar os custos do trabalho formal. Ao invés da

compra direta da força de trabalho, terceiriza-se. Sob a égide da acumulação flexível, formas

particulares de inserção à produção, que já foram representativas de uma economia atrasada,

tornaram-se funcionais à acumulação capitalista (TAVARES, 2004).

O trabalho informal, enquanto modalidade que cumpre determinações do atual modelo

de acumulação, não pode mais ser tratado como suplementar ou intersticial, pois todos os

movimentos do capital, neste momento histórico, sugerem que a informalidade tende a se

generalizar (TAVARES, 2004). O movimento que conforma o capitalismo contemporâneo

engendra situações que obscurecem as fronteiras entre a atividade agrícola, industrial e de

serviços, entre o trabalho produtivo e o improdutivo, entre o trabalho formal e o informal,

entre o emprego e o desemprego. Tais fenômenos se interpenetram numa dinâmica da

acumulação capitalista que põe fronteiras à conceituação setorialista. Na sociedade

contemporânea, o trabalho informal, pela sua flexibilidade, demonstra ser uma alternativa

adequada ao fim capitalista. O centro é o capital, não havendo alternativa possível para

escapar à sua subordinação. Tem-se, assim, trabalho informal ou emprego informal,

diretamente articulado à produção capitalista na esfera da produção e da circulação de

mercadorias, “[...] uma forma perfeitamente adequada à flexibilização e à necessidade

capitalista de legitimação, pela funcionalidade e pela aparente capacidade de eliminar a

contradição capital-trabalho” (TAVARES, 2004, p. 201-202).

84

A informalidade, da forma como está posta, manifesta-se em empresas públicas ou

privadas, em instituições governamentais ou civis, com isto, não é algo que possa ser

eliminado da dinâmica social e econômica, mas compõe-se como parte integrante do

movimento inerente ao modo de produção capitalista.

Por um lado, a expansão das atividades informais gera precarização; por outro, tal

precarização faz-se necessária à manutenção do sistema. Neste sentido, os trabalhadores por

conta-própria fazem parte do exército industrial de reserva39 e, dessa forma, é de interesse do

capital mantê-los. “Todas as formas de trabalho por conta-própria estão subordinadas ao

capital e dependem das flutuações dele, que, por estratégias múltiplas, mantém as atividades

informais, as recria ou as destrói” (ALVES, 2001, p. 112). O capital cria e recria de acordo

com suas necessidades, na busca de respostas à sua crise. O capital recria novos

engendramentos que passam pela subcontratação. Isto se faz necessário para a manutenção do

modo capitalista de produção.

O domínio do capital sobre o trabalhador informal ocorre também quando este é

autônomo ou pequeno proprietário. E tal domínio ocorre duplamente. Primeiro, pela

submissão ideológica deste trabalhador aos moldes da falsa idéia de independência, por ter

seu negócio próprio; segundo, quando este trabalhador autônomo ou pequeno proprietário

explora seus funcionários, oferecendo a estes um trabalho precário, aumentando a extração da

taxa de sobretrabalho. No caso do trabalhador informal autônomo ou pequeno proprietário,

[...] este é “iludido” com a idéia de “independência”; é levado a trabalhar um número de horas excessivas, sendo extraída mais-valia relativa e mais-valia absoluta. Esse trabalhador tem que assumir mais riscos e também aumentar a extração da taxa de sobretrabalho de seus funcionários, oferecendo condições de trabalho mais precárias que as grandes empresas e, em muitos casos, vende a sua força de trabalho e a de membros de sua família como trabalho não pago, estes cooperam nas fases de grande produtividade (ALVES, 2001, p. 145).

39 Para Marx, o exército industrial de reserva é um dos principais mecanismos que possibilitam a acumulação

capitalista, à medida que fornece o material humano que o capital necessita nos momentos de expansão, independentemente dos limites de aumento da população (MARX, 1980, p. 733-734).

85

“A aparente auto-suficiência desses trabalhadores encobre a relação de subordinação

que mantêm com a grande empresa capitalista que é disfarçada sob a condição de aparente

autonomia” (ALVES, 2001, p. 145). O trabalhador informal autônomo ou pequeno

proprietário, motivado pelas perspectivas de seu próprio negócio, não percebe a sua relação

de subordinação e dependência para com o capital. Neste caso, a autonomia pode não passar

de “aparente autonomia”. Tavares (2004) afirma que ocorrem casos em que o sistema cultiva

a ilusão da propriedade, que a realidade, em pouco tempo, encarrega-se de negar. O ideal de

independência pode sofrer ruptura quando, no enfrentamento às experiências concretas, o

trabalho autônomo não trouxer os resultados almejados. A informalidade difundida pelo

discurso ideológico se pauta principalmente no discurso da autonomia, da independência, da

transformação de trabalhador em empresário. Com isto, atribui-se à pequena empresa uma

relevância que induz os trabalhadores a acreditarem que esta lhes pode assegurar mecanismos

de proteção social, qualificação e renda.

É comum encontrar trabalhadores que defendem a possibilidade de trabalhar por conta

própria como sendo a melhor alternativa. No entanto, esta suposta autonomia, além de

mascarar as reais dimensões do desemprego, “[...] fragmenta a classe trabalhadora, opera o

culto ao individualismo, desqualifica as organizações representativas do trabalho, fomenta a

ordem ideológica dominante e distancia o horizonte revolucionário” (TAVARES, 2004, p.

22).

Quanto ao trabalho por conta própria, Kon (2001) afirma que o conceito generalizado

nas atividades terciárias no Brasil pode incluir algumas características diferenciadas quanto ao

grau de autonomia sobre o processo de trabalho. Assim, alguns trabalhadores autônomos

fornecem sua força de trabalho a empresas esporádica, temporariamente, sem vínculo

86

trabalhista legalizado, utilizando meios de produção que podem ou não ser de propriedade das

empresas e submetendo-se ao processo de trabalho estipulado pela empresa.

Além do discurso ideológico, o projeto burguês, via flexibilização do trabalho,

redistribui trabalhadores em diferentes segmentos do setor de serviços, desfragmenta e

fragiliza a classe trabalhadora enquanto esfera coletiva. Esta lógica é funcional à ofensiva

neoliberal, compreendendo-se que a produção e a circulação ocorrem do mesmo modo,

mesmo com a expansão dos serviços no final do século XX, e o capital leva como vantagem o

enfraquecimento de qualquer possibilidade de organização da classe trabalhadora. Este

movimento mostra-se combinado (MANDEL, 1985), atendendo aos interesses do capital. O

trabalho informal, funcional ao capital, tem no mesmo momento histórico proposições que

impulsionam as atividades fora do circuito formal:

[...] por um lado, instituições financeiras internacionais recomendam que se ofereçam estímulos à expansão do “setor informal”, compreendido como atividades de sobrevivência para os extremamente pobres; por outro, órgãos representativos do governo, e até representações sindicais recomendam a organização autônoma do trabalho, sob a forma da pequena ou da microempresa, como alternativa ao desemprego. Nesta proposta subjaz a idéia de que acabou a era do trabalho, ou melhor, sugere-se a abolição do regime assalariado, sendo a saída possível tornar-se empresário, mesmo que, na maioria dos casos, estes não passem de trabalhadores por conta própria ou de pequenos patrões, com jornadas de trabalho superiores à média dos trabalhadores empregados (TAVARES, 2004, p. 33).

Nesta perspectiva, os capitalistas não tem nenhuma razão para evitar a penetração

definitiva nos meandros do setor de serviços. De qualquer modo, a sociedade como um todo,

em alguns segmentos com maior velocidade, em outros gradativamente, vai inserindo-se ou

na produção ou na circulação de mercadorias. Assim, a informalidade passa a fazer parte da

dinâmica capitalista e intensifica seu movimento.

Se, por um lado, existem trabalhadores que preferem uma atividade autônoma ou um

pequeno negócio informal, como opção para fugir do segmento organizado, por outro lado,

87

diante dos crescentes níveis de desemprego e do propagado fenômeno da informalidade, a

atividade autônoma e a pequena empresa informal tornam-se refúgio na busca de maior

rentabilidade e melhores condições de vida. “O trabalho por conta própria e a pequena

empresa tornaram-se o ‘sonho’ (refúgio da realidade) de milhões de brasileiros

desempregados ou cujos salários formais não permitem manter suas famílias” (MALAGUTI,

2000, p. 63).

2.4 – A Informalidade como Resposta do Projeto Societário Burguês

A ampliação desmedida de diferentes formas de ocupações informais manifesta-se

como resposta do projeto societário burguês à classe trabalhadora diante da crise estabelecida

na estrutura do capital. Esta crise tomou proporções expressivas no pós-70 e, dada a crescente

expansão do setor de serviços nos anos 90, o trabalho informal produz e reproduz, junto com

o trabalho formal, a manutenção do modo capitalista de produção. A circulação de

mercadorias se dá tanto no campo do formal como no do informal. Como a manutenção do

projeto societário burguês em vigência depende da circulação, a informalidade tornou-se

indispensável ao capital.

Deste modo, diferentemente da concepção dual ou setorialista, a informalidade

atualmente é diversa, heterogênea. Os trabalhadores informais sofreram e sofrem as

repercussões da reestruturação produtiva do capital, pois a reprodução social destes

trabalhadores está diretamente ligada às transformações impostas pelo capital (ALVES, 2001,

p. 100). A presente autora faz referência às diferentes formas contemporâneas da

informalidade, apontando primeiro os trabalhadores informais tradicionais, que se

subdividem em trabalhadores informais “estáveis”, os quais possuem meios de trabalho ou

88

um mínimo de conhecimento profissional, como costureiras, alfaiates, pedreiros, pintores de

casas, calçadeiros, jardineiros, vendedor ambulante de artigos de consumo mais imediato

como alimentos, vestuário, calçados e de consumo pessoal, camelôs, empregado doméstico,

engraxates, barbeiro, cabeleireiro, sapateiros, oficinas de reparos, trabalhadores que realizam

atividades em sua própria casa, enfim, inúmeros trabalhadores desenvolvendo suas atividades

no setor de prestação de serviços; trabalhadores informais “instáveis”, os quais dependem de

ocupação eventual, de sua força física e da disposição para realizar pequenas e diversificadas

tarefas de pouca qualificação. Em alguns casos trabalham por empreitada. São recrutados

eventualmente dependendo do ciclo econômico da produção ou do acúmulo de trabalho, nesse

caso são contratados e remunerados por peça ou por serviço realizado. Normalmente são mal

remunerados. Esse trabalhador já desistiu de procurar um trabalho assalariado devido ao rigor

das exigências feitas pelas empresas; trabalhadores informais “ocasionais” ou

“temporários”, os quais desenvolvem atividades informais temporariamente. Praticam os

chamados “bicos”, conciliando o trabalho “regular” com o ocasional. Os trabalhadores

informais tradicionais vivem em condições extremamente precárias, pois eles não têm direito

a aposentadoria, FGTS, licença-maternidade, auxílio-doença; se ficarem doentes são forçados

a parar de trabalhar perdendo integralmente sua fonte de renda. Esses trabalhadores já

desistiram de procurar emprego, já que não se encaixam nas “novas” exigências do mercado

de trabalho, por isso às vezes se inserem em qualquer ocupação que lhes possa auferir algum

rendimento. “A maioria dos trabalhadores informais não contribuem com a previdência social

e portanto não há interesse de sindicatos e órgãos políticos em defenderem seus direitos”

(ALVES, 2001, p. 135-136). Num segundo momento, Alves subdivide os trabalhadores

assalariados sem registro, esses contratados à margem da regulamentação do mercado de

trabalho, à margem das regras dos contratos por tempo indeterminado e em tempo integral e

da organização sindical. Terceiro, os trabalhadores autônomos ou por conta própria,

89

geralmente aqueles mais qualificados, que possuem seus meios de trabalho e utilizam força de

trabalho própria ou familiar, pertencendo aos segmentos médios da sociedade. E, quarto, o

pequeno proprietário informal, diferenciando-se em pequeno proprietário que utiliza o seu

próprio trabalho e subemprega força de trabalho temporária e em condições precárias, e o

pequeno proprietário que exerce uma profissão ou ofício e conta com o auxílio de um ou mais

empregados assalariados com registro em carteira.

No entendimento da autora, “[...] a reestruturação produtiva do capital atinge desde os

trabalhadores informais tradicionais até os pequenos proprietários autônomos que atuam em

várias áreas da economia. Se as novas atividades informais estão crescendo a cada dia, isso é

um indicativo de que as mesmas apresentam lucratividade para o capital” (ALVES, 2001, p.

109).

A expansão de diferentes ocupações informais se amplia a cada dia. Por isso, “as

formas contemporâneas da informalidade trazem novas características que ainda estão em

andamento, dificultando uma análise mais global” (ALVES, 2001, p. 145). A nova ordem

mundial promove modificações constantes no mundo do trabalho. O capital, por sua vez, não

se opõe e não apresenta nenhum motivo contrário à ampliação e penetração no setor de

serviços (MANDEL, 1985). A expansão da informalidade mostra-se como uma das respostas

à crise do capital, além de ser inteiramente funcional ao modo de produção e reprodução

capitalista. As ações engendradas do capital visam à manutenção do sistema, por isso são

combinadas.

O capitalismo, em todos os momentos da história, soube se renovar, respondendo a

crises. Na atualidade, este processo ocorre por meio de princípios neoliberais, das práticas de

mercado, do impacto da mundialização e da flexibilização da produção, fazendo emergir

novas determinações de dominação sobre a classe trabalhadora. Em função das alterações nas

relações de trabalho, principalmente a partir da década de 80 e da tendência à precarização

90

das relações trabalhistas na década de 90, culminando na intensificação do trabalho

temporário e informal, novas experiências passaram a fazer parte das estratégias de

sobrevivência de grandes contingentes populacionais. Deste modo, “a informalidade passa a

ser uma das poucas alternativas de ocupação para os trabalhadores assalariados expulsos pelo

segmento organizado, levando a uma ampliação do trabalho informal” (ALVES, 2001, p.

146). A autora entende que o aumento da informalidade pode ser visto como parte do

processo de reestruturação produtiva do capital, considerando que é no contexto do trabalho

precarizado que se desenvolve o trabalho informal.

A informalidade está impressa no contexto de reestruturação produtiva e ganha, nos

anos 90, um grau de importância e complexidade assustador. Um número expressivo dos

postos de trabalho atualmente são informais. A precarização das relações de trabalho se

alastra pelos diferentes segmentos produtivos e de serviços. “Observa-se a existência de um

contingente considerável da população em situação de pobreza e se reproduzindo

principalmente a partir das relações de trabalho não assalariadas, sem proteção, em suma, na

informalidade” (RAMALHO & ARROCHELAS, 2004, p. 106). Como conseqüências, o

trabalhador é explorado por meio da mais-valia e o capital, que possui sua base de sustentação

no superlucro, continua permanentemente acumulando; há uma complexificação nas relações

entre capital e trabalho, expressas pelo desemprego, subemprego, trabalho informal,

precarização, pobreza e outras determinações para além do campo do mundo do trabalho.

Visando atender às exigências internacionais de valorização do capital – e neste caso

citamos o papel determinante dos governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique

Cardoso –, foi criado um conjunto de estratégias, funcionais ao modo capitalista de produção

e adeptas às decisões preconizadas pelo Consenso de Washington, para manter a classe

trabalhadora subordinada aos ditames do capital. Com isso, emergem novas formas flexíveis

de produção, criadas pelo capital, numa mescla de trabalho informal, parcial, temporário,

91

precário, com formas de trabalho assalariado com ou sem registro em carteira. “Os

trabalhadores informais também foram inseridos nesse novo contexto de reestruturação

produtiva do capital, inclusive dando origem a algumas atividades totalmente novas. Pode-se

dizer que está havendo uma crescente informalização do mercado de trabalho” (ALVES,

2001, p. 148).

A crise do capital dos anos 70 manifestou conseqüências nas décadas posteriores,

precarizando o mundo do trabalho e dos empregos. Nos anos 90, em conseqüência da

expansão do setor de serviços, o trabalho informal ganhou uma dimensão ainda desconhecida.

Como resposta do capital, o projeto societário burguês não contraria a ampliação da

informalidade, pois o capital depende do movimento tanto do segmento formal como da

informalidade para a sua manutenção e ampliação da taxa tendencial média de lucro. Os

trabalhadores ex-bancários entrevistados para a realização deste trabalho são exemplos

concretos do movimento da informalidade, movimento funcional ao modo de produção

capitalista. É sob este campo material específico que iremos deter-nos no terceiro capítulo.

92

2ª PARTE

93

3 O MOVIMENTO DO PROJETO SOCIETÁRIO BURGUÊS FRENTE À CRISE ESTRUTURAL DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA PÓS-1970

Neste terceiro capítulo, mostramos a crise estrutural capitalista do pós-1970, onde a

crise fiscal acirra a liberação de verbas para as políticas sociais, reduzindo custos e investe-se

no mercado, com o objetivo de promover o aquecimento da economia.

Como resposta do projeto societário burguês, ocorre a reestruturação produtiva do

capital, a criação ampliada da financeirização e a implantação do receituário neoliberal,

implantando e implementando a reforma administrativa e previdenciária. Flexibilizam-se as

leis trabalhistas e instaura-se o processo de privatização de órgãos públicos na esfera federal e

estadual.

3.1 – A Reestruturação Produtiva no Setor Bancário

Mais intensamente nos anos 90, quando políticas de liberalização, desregulamentação

e privatização impulsionaram um processo de reestruturação produtiva nos diversos setores da

economia brasileira, desencadeou-se um movimento complexo e acelerado de transformações

no sistema financeiro nacional.

Tal movimento, subordinado à dinâmica financeira internacional e aos interesses do

capital privado, resultou em mudança violenta nas condições de trabalho, emprego e salário

dos trabalhadores nos bancos (JINKINGS, 2002), ou seja, mudanças ocorridas no cenário

econômico interferiram diretamente sobre a categoria trabalhadora bancária.

94

A interferência do setor financeiro internacional sobre o nacional ocorre,

principalmente por meio do projeto do banco mundial, colocando o projeto da reforma do

sistema financeiro em movimento. O Banco Mundial analisa a possibilidade de concessão de

empréstimo ao governo brasileiro em apoio a um “programa de reformas”xxiv, pretendendo a

integração dos mercados de crédito e a desregumentação financeira40. Evidentemente que

todo este complexo processo de reestruturação produtiva é funcional ao modo de produção

capitalista e à ofensiva neoliberal.

O novo padrão bancário, baseado na reestruturação produtiva, na desregulamentação

do sistema e nas inovações, como novos produtos e serviços no setor, veio a ser considerado

condição de sobrevivência para qualquer centro financeiro mundial inserir-se no sistema

global integrado por um sistema telemático instantâneo, onde:

[...] o referido processo de reestruturação dos bancos é compreendido como uma das características constitutivas do processo de reestruturação do próprio capitalismo, mais amplo e complexo do que ocorre no âmbito dos espaços produtivos; trata-se de um processo de intensificação da internacionalização do capital, acompanhado pela expansão do ideário neoliberal (SEGNINI, 1999, p. 186).

O discurso da integração do sistema financeiro nacional ao internacional vem

comprovar a tese mandeliana da crise do capital nos anos 70, estabelecida na sua própria

estrutura. O capital, diante disto, precisa dar respostas. Inicia seus primeiros passos na década

de 70, aprofunda na década de 80 e nos anos 90 sedimenta seu projeto.

Com o processo de reestruturação produtiva em movimento, o sistema financeiro

nacional foi reestruturado, para que se ajustasse aos movimentos dos mercados globais de

40“No cenário internacional, os movimentos de mundialização e desregulamentação financeiras implicavam

profunda transformação nos sistemas bancários nacionais, mais vulneráveis pela intensificação da concorrência nos mercados financeiros nacionais e internacionais [...]” (JINKINGS, 2002, p. 324).

95

capitais, viabilizados por políticas de liberalização e desregulamentação da economia

(JINKINGS, 2002).

O governo brasileiro adotou os princípios neoliberais e o programa de reformas e de

ajuste econômico global sintetizados no Consenso de Washington. Suas propostas abrangiam

dez áreas: “disciplina fiscal; priorização dos gastos públicos; reforma tributária; liberalização

financeira; regime cambial; liberalização comercial; investimento direto estrangeiro;

privatização; desregulação e propriedade intelectual” (TEIXEIRA, 1998, p. 224).

No Brasil, o sistema financeiro tem seguido a dinâmica das principais modificações

ocorridas no sistema financeiro mundial. Este movimento pode ser verificado pelo aumento

da participação dos bancos estrangeiros no setor, pela expansão dos grandes bancos nacionais

para o exterior, pelo endividamento externo, por meio da participação dos bancos privados

nacionais como intermediadores financeiros em escala internacional.

Assim como em outros países, o sistema financeiro brasileiro vem se adequando, por

meio de políticas econômicas e financeiras, a um processo de ajuste nacional ao âmbito

internacional, engendrado às exigências de uma nova ordem mundial, caracterizada

politicamente por propostas neoliberais (SEGNINI, 1999). Sob esta perspectiva, são grandes

as proporções da reestruturação produtiva no setor bancário brasileiro, subordinado ao sistema

financeiro internacional e aos seus engendramentosxxv.

As principais manifestações se dão no início dos anos 90, quando se assiste a um

conjunto de iniciativas para implementação do projeto neoliberal no Brasil, praticado por

meio de políticas de desregulamentação da economia, fim das restrições ao capital externo,

privatização de empresas estatais, abertura do sistema financeiro a instituições financeiras

internacionais e com intensidade à efetivação de um conjunto de medidas de ataque aos

direitos e conquistas históricas dos trabalhadores, os quais têm sofrido conseqüências

96

concretas nas relações entre capital x trabalho, face às novas determinações do mundo do

trabalho, por conta da reestruturação produtiva no setor financeiro.

Jinkings (2002) aponta em Segnini (1998) três condições essenciais que caracterizam a

reestruturação nos bancos, na década de 90, reestruturação marcada

[...] por intenso desemprego, como conseqüência de práticas de gestão relativas à flexibilização funcional do trabalho, redução de níveis hierárquicos e política tecnológica direcionada para a diminuição de postos de trabalho e o aumento da produtividade; terceirização e precarização do trabalho, como estratégia de redução de custos e elevação da produtividade, expressa em condições de trabalho caracterizadas por jornadas laborais mais longas, salários relativamente inferiores e maior intensificação do trabalho, quando comparadas às condições regularmente contratadas nos bancos; intensificação do trabalho, em decorrência da fusão de postos de trabalho e redução de níveis hierárquicos, de um lado, e, de outro, das políticas de gestão e controle do trabalho que visam a maximização dos resultados (SEGNINI, 1998, p. 93).

Os três fenômenos expressam interferências no modo de ser da categoria trabalhadora

bancária. As transformações ocorridas no sistema financeiro em função da reestruturação

produtiva do capital exaltam o aspecto econômico, ocultando-se qualquer preocupação com a

força de trabalho bancária.

A abertura à entrada do capital internacional no Brasil tem em Fernando Collor de

Mello um marco referencial. É com este governo que a “[...] liberalização comercial surge

como um dos principais eixos da política neoliberal voltada para a inserção na mundialização

do capital, capaz de instaurar novos patamares de valorização no Brasil” (ALVES, 2000, p.

186). Surge, em 26 de junho de 1990, um conjunto de medidas de política industrial

denominado “Diretrizes Gerais para a Política Industrial e de Comércio Exterior” (PICE).

Segundo a então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo, tais propostas tinham o

objetivo de promover um processo de modernização, uma “ruptura com o passado”, uma

mudança profunda na rota da produção nacional, uma “grande revolução”, como o espírito do

ajuste neoliberal.

97

De fato, obteve-se êxito. O sistema financeiro internacional encontrou em Fernando

Collor de Mello as reais possibilidades de reestruturar a economia brasileira de acordo com os

seus interesses. A liberalização comercial prossegue sob o governo de Itamar Franco e o de

Fernando Henrique Cardoso, tornando-se a pedra fundamental da era neoliberal (ALVES,

2000).

A partir destes personagens, o ideário neoliberal assenta-se no Brasil como proposta

concreta, aprofundando sua subordinação aos ditames do capital nacional e internacional,

preconizado pelos delineamentos do Consenso de Washington. A privatização dos bancos é

um passo concreto de resposta do capital à crise, na perspectiva de desestatização de

instituições no interior do Estado.

3.2 – O Movimento do Receituário Neoliberal na Esfera da Privatização das Instituições

Financeiras

Uma das principais transformações que o sistema financeiro nacional vem sofrendo

nos últimos anos consiste no processo de privatização dos bancos estaduais, resultado das

intenções políticas de reduzir ao mínimo ou até eliminar a presença de instituições financeiras

de controle estatal. Observa-se que, no passado, a partir de meados dos anos sessenta,

implementou-se uma política favorável à maior concentração bancária. Se naquela época o

horizonte era nitidamente o mercado nacional, hoje defende-se a concentração para que os

bancos privados nacionais possam atuar competitivamente no âmbito do mercado financeiro

globalizado.

Este processo de maior abertura à participação de instituições financeiras estrangeiras

se dá no Brasil na década de 90, especialmente a partir do Plano Real (MINELLA, 2001). O

atual processo de privatização dos bancos estaduais atende às pressões e interesses de grandes

98

grupos financeiros nacionais, os quais buscam consolidar sua competitividade no contexto da

globalização financeira. Além disso, acata as determinações de organismos como o Banco

Mundial e o Fundo Monetário Internacional, que incluem a privatização dos bancos estatais

em suas negociações com os governos.

O Plano Real também é citado por Alves (1998), em que se pode verificar, a partir

deste fato, que o ajuste neoliberal tende a promover uma série de fusões e incorporações de

empresas, principalmente no setor bancário. A partir de 1990, a privatização dos bancos

estaduais corresponde a uma estratégia de reestruturação do capital, funcional ao

neoliberalismo. Tais fusões e incorporações ainda são tímidas, se comparadas aos países

centrais, mas indicam uma nova reorganização produtiva, que é componente de novos

arranjos da hegemonia do capitalxxvi.

O processo de reorganização da esfera financeira no Brasil segue os passos das

alterações nos sistemas financeiros centrais internacionais, tornando o setor financeiro

brasileiro mais centralizado e mais internacionalizado. O acirramento da concorrência em

termos de concentração e centralização de capital nacional ocorre entre grandes grupos

financeiros privados nacionais e estrangeiros.

Paralelo a isto, enquanto aumenta aceleradamente a participação de bancos

estrangeiros no setor financeiro nacional, as atuais políticas reduzem e enfraquecem o sistema

financeiro estatal, com a privatização ou liquidação de instituições (JINKINGS, 2002)xxvii.

Com a finalidade de adaptar o sistema financeiro brasileiro à dinâmica dos mercados

mundiais de capitais, liberalizados e desregulamentados, ocorre um aumento significativo da

concentração e centralização do capital privado, desmontando o sistema financeiro estatal.

Assim, à medida que cresciam em poder econômico os grandes grupos financeiros

privados nacionais e estrangeiros, mais de dez bancos públicos iam sendo privatizados ou

liquidados, entre 1994 e 1999. O governo brasileiro segue assim os preceitos neoliberais para

99

o desenvolvimento capitalista, tornando o sistema financeiro nacional dominado pelo regime

de finanças do mercado internacional.

Especialmente a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, quando os princípios

neoliberais encontraram as condições ideais de propagação e prática no Brasil, a tendência à

intensificação de reestruturação ocorre nos bancos, com o intuito de converter as instituições

bancárias estatais em empresas lucrativas, adaptadas ao cenário de mundialização financeira,

atraentes ao capital privado internacional.

Tal tendência à internacionalização do setor privado é um movimento que geralmente

antecede os processos de privatização desses bancos, no contexto da atual desestruturação do

sistema bancário estatal. “As políticas de abertura comercial, desregulamentação financeira e

cambial e privatização em setores fundamentais da economia favoreceram os interesses

financeiros privados internacionais, enquanto desmontavam a estrutura indutora de

desenvolvimento estatal” (JINKINGS, 2002, p. 43).

Para acompanhar a internacionalização da economia, no setor financeiro, um processo

intenso de reestruturação tem sido deflagrado nos sistemas bancários nacionais, implicando

fusões e incorporações entre instituições, liquidações e privatizações de bancos. Tais

movimentos, que privilegiam e fortalecem o grande capital privado transnacional,

generalizaram-se nos anos 80 pelo mundo capitalista avançado e atingiram grande parte de

países periféricos e semi-periféricos, na década de 90 (JINKINGS, 2001).

Com isto, o Brasil insere-se subordinadamente nos movimentos mundiais do

capitalismo, sujeito aos dinamismos das economias hegemônicas e dos mercados de capitais,

o que implica diretamente questões como desregulamentação, privatização, precarização do

trabalho, agravamento dos níveis de pobreza, instabilidade do emprego, desregulamentação de

direitos, intensificação do trabalho, agravamento de problemas de saúde para enorme

contingente de trabalhadores, enfraquecimento da capacidade de organização política e

100

sindical da classe trabalhadora, tolhida pelos altos índices de desemprego e de subemprego e

pelas estratégias anti-sindicais dos governos neoliberais.

Segundo o Dieese (2001), enquanto a participação dos bancos privados estrangeiros no

total dos ativos do Sistema Financeiro Nacional se expandiu de 6,9% em 1992 para 27,4% em

2000, a participação das instituições estaduais e federais caiu de 52,7% para 36,5%, no

mesmo período.

Os interesses especulativos privados nacionais e internacionais aumentam a

concentração e centralização do capital, fortalecendo o controle estrangeiro no setor e

desmontando o sistema bancário estatal. Jinkings (2002) afirma que 20 bancos estatais foram

privatizados, liquidados ou federalizados para futura privatização, desde a segunda metade

dos anos 90.

Enquanto os bancos privados impõem a pressão aos trabalhadores, inibindo qualquer

possibilidade de participação sindical, os bancos estatais, além de seguir a mesma lógica,

ainda impõem a experiência da intensificação do trabalho e da instabilidade do emprego. A

desmontagem do sistema financeiro estatal brasileiro, aprofundada em meados da década de

90, revela a degradação das condições de trabalho dos bancários dos bancos públicos. “Os

programas de estabilização implementados nos anos 90 acentuaram as fragilidades e o

estrangulamento dos bancos estaduais, em função dos impactos da queda da inflação sobre os

ganhos das instituições e das medidas de política monetária adotadas no período” (DIEESE,

1997).

A privatização, deste modo, faz parte do contexto da Contra-Reforma do Estado de

ajuste neoliberal, como resposta do projeto societário burguês. No entanto, diante da crise do

capital, não é esta a resposta esperada pela classe trabalhadora. Ao invés de práticas

emancipatórias, acirra-se a exploração, a subordinação, aumentando as contradições entre

capital e trabalho.

101

3.3 – O Movimento do Receituário Neoliberal e Suas Refrações no Desemprego Bancário

O setor bancário brasileiro sofreu, no pós-1970, especialmente nas duas últimas

décadas do século XX, porém, com maior expressão nos anos 90, uma forte diminuição de

trabalhadores no interior dos bancos. Segundo o Dieese (1997), o sistema bancário nacional

eliminou cerca de 40% dos postos de trabalho no período compreendido entre 1990 a 1997.

Além da diminuição do número de funcionários – de 812 mil, em janeiro de 1989, para 497

mil, em dezembro de 1996 –, o setor também está passando por mudanças estruturais

(DIEESE, 1997). Em 1999, este número caiu para 230 mil (DIEESE, 1999), resultado da

reestruturação produtiva, da reforma do Estado e da financeirização, que vem provocando

transformações na sociedade, as quais implicam conseqüências nas relações de trabalho no

pós-70.

Segundo o Ministério do Trabalho, de 1989 a dezembro de 1996 foram eliminados

314.784 postos de trabalho, que, passíveis de um grau elevado de normatização – como, por

exemplo, caixa de banco, encarregado de separação de documentos e cheques, digitador –,

foram os mais atingidos pela racionalização por meio do desenvolvimento de softwares que

possibilitaram a transferência de tais tarefas para o cliente, no momento da realização da

operação bancária (auto-atendimento), ou para o funcionário que as executa.

Desta forma, é observada uma redução mais intensa do trabalho em tempo parcial,

executado por bancários denominados escriturários. Estas tarefas, na sua grande maioria, não

implicam um alto grau de qualificação por serem repetitivas, comumente submetidas a tempos

predefinidos. No entanto, exigem um alto grau de atenção e responsabilidade.

102

A categoria dos bancários está envolvida, além da automação, por gerar desemprego

no setor, com várias outras preocupações, tais como demissões, privatizações, terceirizações,

fusões, informatização, doenças ocupacionais, desrespeito à jornada de trabalho, entre outros

problemas, sem contar a luta por aumento salarial, que foi a bandeira do ano 2000 (Jornal O

Paraná, 2000). Em 2004, a categoria trabalhadora bancária passou por mais um processo de

luta e reivindicações, materializada por meio de paralisação.

Segundo o Relatório Anual do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos

Bancários de Cascavel, constata-se, desde 1995 até 2001, uma progressiva diminuição do

número de funcionários na cidade de Cascavel, ou seja, em 31/12/95 havia 1.128 bancários,

passando para 664 em 31/12/01. Na região oeste, de 1.542 em 31/12/95, o número diminuiu

para 899 em 31/12/2001 (Anexo B).

Pode-se constatar, a partir do conjunto de modificações no setor bancário, o

desaparecimento de algumas funções e o surgimento de outras, “[...] apontando assim para a

emergência de um novo perfil da categoria bancária e uma nova compreensão do que é um

banco” (DOURADO, 1998, p. 153), aprofundando a crise no setor. A crise em movimento é

resultado de três décadas de retração, acarretando modificações no setor e, conseqüentemente,

refletindo sobre o trabalhador, comprometido diretamente pelas transformações que trazem

conseqüências negativas para a mão-de-obra humana.

Jinkings (1995), para falar da crise, retorna quatro décadas, relatando historicamente

como se deu o processo de transformação nos bancos a partir dos anos 60. Ao colocar o

processo de transformação em destaque enfatiza:

[...] a introdução da tecnologia de base microeletrônica no sistema financeiro nacional, a partir da década de 60, efetivou-se através de quatro momentos distintos, de acordo com Sônia Laranjeira (1997): o primeiro, no início dos anos 60, com a criação de centros de processamento de dados (CPDs) baseados em computadores de grande porte; o segundo, chamado automação de “vanguarda”, nos primeiros anos da década de 80, com a implantação do sistema on line, que interconecta as diversas agências do banco em tempo real; o terceiro, iniciado em meados de 80 e considerado automação de “retaguarda”, “constitui-se na utilização de terminais nas

103

agências bancárias ligadas ao computador central, permitindo o fornecimento de dados, em rede, para o conjunto das agências do banco”; o quarto, finalmente, constituído a partir do final dos anos 80, “caracteriza-se pela captura e transferência eletrônica de dados externamente às agências bancárias, ou seja, nas residências, nas lojas, nos escritórios” (JINKINGS, 1995, p. 46).

Uma das funções mais comprometidas pela redução do quadro funcional é a de caixa

bancário, em função do incremento tecnológico de softwares e caixas de auto-atendimento. O

mesmo se apresenta com maior vulnerabilidade, em função das tecnologias de auto-

atendimento, que vêm substituí-lo, na linguagem de Jinkings (1995, p. 61), “cotidianamente

pelo computador”. A mão-de-obra bancária está cada vez mais qualificada e há uma intensa

substituição do trabalho humano por serviços automatizados. Um dos resultados desse

processo evidencia-se na significativa dispensa de pessoal41.

Segundo Segnini (1999), a rede bancária no Brasil, em 1993, era constituída por 245

bancos, 17.194 agências e 13.326 postos de atendimento; em maio de 1997, 225 bancos

significavam 16.418 agências e 14.859 postos de atendimento. O processo de concentração

bancária, por meio de corporações, fusões e privatizações, possibilitou a expansão da

participação do capital estrangeiro no sistema bancário nacional, sobretudo no setor de varejo

bancário, pela intermediação financeira e pela política do Banco Central do Brasil. Todas

essas medidas provocaram uma forte redução no mercado de trabalho bancário, tanto pela

eliminação de postos de trabalho, superposição de agências, reestruturação das formas de

gestão, fusão de postos de trabalho, bem como pelo uso intensivo das tecnologias da

informação. Dessa forma, se em 1986 a categoria representava um milhão de trabalhadores,

41 O expressivo volume de demissões nos bancos, no Brasil, além da dimensão da reestruturação produtiva e

organizacional no setor, deve também, ser relacionado ao fenômeno de queda da inflação: os picos de demissão associam-se à implantação dos planos econômicos que produziram redução da inflação. Assim, o primeiro momento de crescimento das demissões verifica-se em 1986, após o chamado Plano Cruzado, com a eliminação de cerca de 110.000 postos de trabalho; o segundo momento coincide com o chamado Plano Collor, quando os bancos eliminaram 124 mil postos de trabalho e o Banco Itaú possuía 87.500 empregados ao final de 1985; em junho [...] este número estava em torno de 30.300 e o terceiro, com a implantação do Plano Real.

104

em 1996 foi reduzida para 497 mil bancários, o que significa que, em dez anos, 503 mil

postos de trabalho foram suprimidos.

A pressão no interior dos bancos obriga a categoria trabalhadora a intensificar cada

vez mais seu desempenho e produtividade, como forma de evitar a exclusão – o desemprego –

maior expressão do processo de reestruturação bancária, no modo de produção capitalista em

vigência, acompanhado de um amplo processo de “tensões” que impregnam medo e

insegurança sobre os bancáriosxxviii.

A drástica redução no emprego bancário pode ser atribuída a diversos fatores que

caracterizam a reestruturação produtiva do setor, refletida no mercado de trabalho. Porém, é

possível apontar um conjunto de medidas que objetiva a minimização dos custos e que afeta

diretamente o emprego bancário. A partir do momento em que a inflação deixou de ser uma

fonte segura de lucratividade para os bancos, alguns fatores passaram a ser determinantes,

como tendências a provocar agravantes diretos sobre o emprego bancário desde a década de

1970. Tais fatores42 são: a evolução bem como o uso intensivo das tecnologias de informação,

informática e telemática permitiram automatizar serviços para reduzir custos e aumentar a

segurança e a qualidade dos serviços disponibilizados para uma parcela da população, via fax,

telefones, computadores em escritórios e residências; a terceirização de um volume crescente

de trabalhos considerados ‘não bancários’, como transporte, segurança, limpeza, engenharia e

manutenção de prédios e equipamentos, restaurante, desenvolvimento de softwares.

Posteriormente, serviços bancários também passaram a ser terceirizados, como análise

de crédito, compensação de cheques e as centrais de atendimento; diferentes formas de gestão

que objetivam a fusão de postos de trabalho, a redução dos níveis hierárquicos como

programas de reengenharia. Mesmo os programas de qualidade, implantados como

programas de melhoria das condições de trabalho, adotaram sobretudo medidas propostas

42 SEGNINI, 1999.

105

pelos círculos de qualidade, que possibilitaram a redução de custos e a maximização dos

resultados financeiros.

Tanto no plano macro, como no plano microeconômico e social, a adequação do

sistema financeiro nacional a um mercado mundializado – expressão da reestruturação do

capitalismo e do capital43 – implicou mudanças na organização do emprego dos bancários.

Progressivamente, o mercado internacional vai se utilizando do setor financeiro, no espaço

nacional. Paralelo a isto, a precarização do trabalho no interior dos bancos vai se

intensificando, à medida que os interesses financeiros dos grandes investidores não condizem

com os interesses enquanto condições de trabalho da categoria trabalhadora bancária.

Uma das causas desta dimensão de precarização no contexto do trabalho bancário é a

inserção do auto-atendimento e a generalização do uso de cartões magnéticos, que “[...]

repercutiu profundamente no trabalho bancário, reduzindo o movimento de clientes no

interior das agências, extinguindo postos de trabalho e criando outros” (JINKINGS, 1995, p.

61), além de atingir o caixa bancário, função substituída diretamente pela introdução de novas

tecnologias no sistema financeiro. A automação não significou melhores condições de

trabalho para os bancários. Pelo contrário, contribuiu para o surgimento de novos

problemasxxix.

Como conseqüência das transformações no setor, “[...] à problemática do desemprego

se soma a do subemprego, que atinge cada vez maiores contingentes de trabalhadores nos

43 Diferentemente do conceito de capitalismo, denominação do modo de produção em que o capital, sob suas

diferentes formas, é o principal meio de produção (verificar página 19 deste trabalho dissertativo), “a palavra capital, em linguagem comum, é geralmente usada para descrever um bem que um indivíduo possui como riqueza. Capital, poderia, então, significar uma soma de dinheiro a ser investida de modo a assegurar uma taxa de retorno, ou poderia indicar o próprio investimento: um instrumento financeiro, ou ações que constituem títulos sobre meios de produção, ou ainda os próprios meios físicos de produção. Dependendo da natureza do capital, a taxa de retorno a que o proprietário tem um direito jurídico é um pagamento de juros ou uma participação nos lucros. A ciência econômica burguesa amplia ainda mais o uso da expressão, entendendo-a também como qualquer bem, de qualquer tipo, que possa ser usado como fonte de renda, ainda que apenas potencialmente. Assim, uma casa poderia ser parte do capital de uma pessoa, ou mesmo um conhecimento especializado que lhe permitisse obter maior renda (capital humano). De um modo geral, portanto, o capital é um bem que pode gerar um fluxo de renda para seu dono” (p. 44). BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

106

bancos” (JINKINGS, 1998, p. 27). É comum encontrar ex-bancários subempregados, o que

comprova que o banco não prepara o funcionário para o trabalho após a demissão. O trabalho

no banco, ao penetrar definitivamente num processo sem retorno à precarização, perdeu o

caráter de emprego de alto nível, caracterizando o subemprego ou o emprego precário e de

baixa renda em algumas funções, instaurando:

[...] um processo contínuo de redução e precarização do emprego tem acompanhado a reestruturação do sistema financeiro nacional e a mudança tecnológica e organizacional nos bancos. A força de trabalho bancária, constituída por cerca de 815 mil trabalhadores ao final dos anos 80, compõe-se de pouco mais de 230 mil no início do ano 2000. Com efeito, na década de 90 diversos elementos derivados das políticas de desregulamentação, privatização, flexibilização e automatização combinam-se de modo complexo, como fatores de aumento significativo dos índices de desemprego e subemprego no sistema bancário nacional (JINKINGS, 2002, p. 375-376).

O processo de reestruturação produtiva no sistema financeiro nacional promove

aumento da concentração e centralização do capital, maior participação do capital estrangeiro

e a conseqüente desmontagem do sistema estatal, com a privatização ou liquidação de bancos

federais e estaduais (JINKINGS, 2002), acarretando altos índices de desemprego e

subemprego no setor bancário. Conseqüentemente, o presente quadro impõe medo e

insegurança ao bancário pela perda do emprego, significando mudanças profundas nas

possibilidades de resistência dos trabalhadores.

A reestruturação produtiva explicita, pelo movimento ocorrido em relação aos

processos de privatização de bancos estataisxxx, que o desemprego é a tônica em evidência,

tornando enfraquecidos os movimentos de emancipação da categoria trabalhadora, que vê na

transnacionalização da economia a fragmentação e o desmantelamento do trabalhador

bancário enquanto instância coletiva. A fragilização da categoria trabalhadora, que tinha no

sindicato o órgão de defesa de seus direitos trabalhistas, bem como a luta e a conquista de

107

novos direitos, tem a ver com este quadro de precarização do mundo do trabalho no setor

bancário.

Na atual conjuntura, a qual destaca o desenvolvimento econômico, porém, com intensa

precarização social, expressivamente por meio da categoria trabalho, pode-se afirmar que

ocorre uma relação direta entre a evolução do setor bancário brasileiro e o desemprego, no

contexto da reestruturação produtiva no setor financeiroxxxi.

O regime de acumulação flexível de capital possibilita aos bancos contratar e demitir

trabalhadores conforme as necessidades concretas dos processos de trabalho e as exigências

variáveis do mercado consumidor. Especialmente a disseminação da subcontratação e da

terceirização nos bancos constitui importante mecanismo de diminuição dos custos com força

de trabalho, implicando, para os trabalhadores, desregulamentação e precarização das

condições de contratação e remuneração, perda de direitos sociais e fragmentação do trabalho.

Neste contexto de profunda transformação no trabalho e nas condições do emprego, “[...]

novas práticas de poder organizacional se difundem nos ambientes laborais, para obter a

máxima produtividade do trabalhador que pensa e age em nome do capital” (JINKINGS,

2002, p. 376).

O quadro nacional, caracterizado no movimento do contexto internacional de

desemprego no setor bancário, mostra que, em função das incessantes transformações

advindas da reestruturação produtiva no cotidiano do trabalho no interior dos bancos, a

categoria trabalhadora deste setor teve abalado o significado das atividades laborais. O banco

deixou de ser uma fonte segura de renda. “No contexto da reestruturação produtiva, o

emprego nos bancos deixa de ser caracterizado como provisório, que se transforma em

definitivo, para se constituir em definitivamente provisório” (SEGNINI, 1999, p. 202).

108

3.4 – O Movimento da Categoria dos Trabalhadores Bancários

O processo em curso de reestruturação no sistema financeiro nacional, que resulta em

aumento da concentração e centralização de capital, em maior participação do capital

estrangeiro e em desmontagem do sistema estatal, significa, conseqüentemente, mudanças

profundas nas possibilidades de resistência dos trabalhadores. O desmantelamento do sistema

financeiro estatal atinge dramaticamente a ação sindical bancária. A política atual de

privatização desmontou, portanto, a base fundamental de sustentação do sindicalismo

bancário. Sob um contexto de crescente precarização social, que enfraquece as práticas

reivindicativas e de luta dos sindicatos no conjunto dos setores da economia, o extenso

programa de desestruturação do setor estatal debilitou fortemente as ações de resistência nos

bancos (JINKINGS, 2001). Reestrutura-se a atividade em função dos interesses do capital,

porém desestrutura-se a força de trabalho enquanto instância coletiva. Além disso, a

reestruturação produtiva, ao exaltar o lucro e a manutenção do modo capitalista de produção,

interfere sobremaneira nas condições e no significado do trabalho no interior dos bancos.

Assim, gradativamente, a força de trabalho bancária vai se tornando mais expropriada,

subjugada, perdendo seu poder de força diante da ofensiva neoliberal.

Alves (2000) afirma que o sindicalismo brasileiro sofre a passagem da “confrontação à

cooperação conflitiva”, promovendo alterações substanciais nas estratégias sindicais no

Brasil, as quais refletem na debilitação estrutural do mundo do trabalho organizado, surgindo

um novo (e precário) mundo do trabalho.

A crise do sindicalismo acompanha historicamente a crise do capital, considerando o

processo de “longa duração”, iniciado nos primórdios dos anos 70. Diante deste quadro, a

ofensiva do capital põe notáveis desafios ao movimento do trabalho (ALVES, 1998). A crise

do sindicalismo, que remonta às últimas três décadas do século XX, acentuando-se

109

progressivamente na última década, caracteriza-se por um novo defensivismo, diante dos

engendramentos do capital, que visa desfragmentar a categoria trabalhadora bancária44. O

capital, ao impor a ofensiva neoliberal como combate à classe trabalhadora, fragiliza a classe

e o seu projeto histórico de superação da ordem vigente.

O Brasil, que na década de 80 ainda apresentou resistência às propostas neoliberais,

sofreu enfraquecimento nos anos 90xxxii. Os movimentos sociais tiveram, durante os últimos

30 anos do século XX, alterações significativas no modo de existência dos sindicatos. Toda a

trajetória de lutas, conquistas, que alcançou seu auge nos anos 80xxxiii, teve seu movimento

emancipacionista barrado nos anos 90 pela ofensiva neoliberal. Ao longo de dez anos – de

1980 a 1990 –, o capital fragmentou a força de expressão dos sindicatos45. Os anos

posteriores até o início do século atual demonstram um sindicato organizado, porém,

perdendo forças diante do poder ideológico do capital, que vai progressivamente

desmobilizando, alterando e fragilizando as formas de luta da classe trabalhadora.

Os movimentos sociais chegam, por meio de greve, em 1985 ao auge em termos de

organização. Entretanto, em 1986, a decretação do Plano Cruzado provocou uma queda

abrupta da inflação, afetando o lucro dos bancos e conduzindo a um processo de

reestruturação do trabalho no sistema financeiro nacional, reestruturação que repercutiu

intensamente no emprego bancário46.

Durante a década de 90, disseminam-se velozmente nas instituições financeiras as

novas formas produtivas introduzidas pela acumulação flexível de capital, mudando as

relações e condições de trabalho (JINKINGS, 2002). A reestruturação produtiva alterou o

44 “Esta ofensiva do capital de novo tipo impõe novos desafios para a luta dos trabalhadores assalariados, que, tal

como os capitalistas, são levados a inovar suas estratégias de luta e organização de classe, sob pena de irem à ruína” (ALVES, 1998, p. 121).

45 O programa neoliberal em sua maior letalidade visa à destruição da esperança e das organizações sindicais,

populares e de movimentos sociais, que tenham por finalidade dar uma resposta à ideologia neoliberal no Brasil (OLIVEIRA, 1995).

46 “Nesta ocasião, mais de mil agências bancárias foram fechadas” (JINKINGS, 2002, p. 284).

110

significado do trabalho no interior dos bancos, bem como penetrou no interior da categoria

trabalhadora bancária, ressignificando o lugar da representatividade do sindicato junto aos

trabalhadores do setor bancário.

Para Jinkings (2002), a crise que fragilizou o sindicalismo na maioria dos países de

capitalismo avançado, ao longo dos anos 80, atinge com força o movimento sindical brasileiro

somente nos anos 90. Nesta década, desenvolvem-se, no Brasil e em outros países da América

Latina, algumas das condições políticas e econômicas que determinaram o refluxo das ações

de resistência da classe trabalhadora em grande parte do globo terrestre. O governo brasileiro

adotava um conjunto de iniciativas para implementação do projeto neoliberal no país. O

programa de estabilização, ajuste e reformas institucionais do centro da estratégia do governo

Fernando Collor de Mello baseava-se em medidas liberalizantes de reforma administrativa,

patrimonial e fiscal do Estado, renegociação da dívida externa, abertura comercial, liberação

dos preços e desregulamentação salarial. Os fundamentos estratégicos e as reformas do

governo Collor teriam continuidade nos governos posteriores. Todavia, a consolidação do

programa neoliberal no Brasil se dá na segunda metade dos anos 90, por meio do bloco de

forças conservadoras que constituiu o governo Fernando Henrique Cardoso. Por meio de um

programa de estabilidade monetária que se converteu no centro de sua política econômica – o

Plano Real –, o governo FHC implementa medidas de liberalização financeira e comercial

que desarticulam a estrutura industrial do país e aumentam a vulnerabilidade externa da

economia brasileira. “[...] as realizações do ‘Real’ transformam-se de conquistas

modernizantes em catástrofe social” (MALAGUTI, 2000, p. 15).

Acompanhando o processo de reestruturação produtiva do setor financeiro, ocorre em

paralelo um oculto engendramento do capital com o intuito de desmobilizar a espinha dorsal

da luta de classes – os sindicatos –. Estes, que nos anos 80 representavam um meio de

111

organização da classe trabalhadora, nos anos 90, desmobilizados e fragmentados pelos novos

direcionamentos postos sob o comando do capital, reduzem suas potencialidades.

O que ocorre no Brasil, com maior expressão a partir de 1990 com o governo

Fernando Collor de Mello e posteriormente com Fernando Henrique Cardoso, é o resultado de

um processo sócio-histórico mais amplo, de dimensões planetárias, e que atinge os principais

países capitalistas desde 1973. É a partir da crise do capital, especialmente no pós-1970, que

se pode compreender a crise do sindicalismo em sua dimensão estrutural, visto que a nova

ofensiva do capital atinge de modo decisivo a esfera do trabalho, conseqüentemente a classe

trabalhadora, por meio do enfraquecimento dos movimentos sindicais.

A crise do sindicalismo passa pelas transformações que agitam o mundo produtivo e

que compõem uma contextualidade política, social e econômica de intensa mobilidade e

concentração do capital, hegemonizada por princípios e programas de ação neoliberais

(JINKINGS, 2002). Construída desde o final dos anos 70 na Europa e EUA, a hegemonia

neoliberal veio se consolidando em diversos países de capitalismo periférico, como o Brasil,

ao longo dos anos 90. As experiências neoliberais praticadas em grande parte do globo

terrestre aumentaram extraordinariamente os níveis de pobreza, aprofundaram a concentração

da riqueza e ampliaram a heterogeneidade entre os povos e a dependência do capitalismo

periférico e semiperiférico em relação ao Primeiro Mundo. Para a classe trabalhadora, a

reestruturação capitalista neoliberal traduz-se em desemprego e precarização do trabalho, com

intensa repercussão sobre suas históricas formas de luta contra a exploração do capital.

Na contemporaneidade, para o capital assegurar a sua reprodução, os bancários

confrontam-se com importantes entraves à sua ação de resistência. Nos ambientes laborais

predomina sobrecarga de trabalho, novas exigências de competências, além do enfrentamento

à ofensiva neoliberal – barreira aos movimentos de lutas dos trabalhadores bancários.

112

[...] os mecanismos de resistência praticados pelos bancários nos sindicatos e ambientes laborais não têm sido capazes de impedir os efeitos destrutivos do intenso processo de reestruturação do trabalho nos bancos. Os atuais métodos de racionalização produtiva e as estratégias de poder recriadas nas empresas para mascarar a exploração capitalista do trabalho debilitam a organização e a mobilização dos bancários em direção a seus interesses de classe. Diferentemente dos anos 80, quando se destacou no cenário nacional de lutas contra a ditadura militar, o sindicalismo bancário da década de 90 enfrenta obstáculos para o desenvolvimento de práticas conflituais unificadoras e mobilizadoras do coletivo de trabalhadores dos bancos (JINKINGS, 2002, p. 272).

Na década de 90, um conjunto de elementos estruturais e conjunturais se inter-

relacionam de modo complexo. Esta década foi marcada por anos de refluxo, princípios e

programas neoliberais no sindicalismo bancário e pelo domínio do mercado sobre as

condições de emprego e salário. Os bancários brasileiros têm suas possibilidades de

resistência e de ação coletiva reduzidasxxxiv.

A inserção subordinada do Brasil nos movimentos de reorganização mundial do

capital, sob os preceitos neoliberais, conduziu a um movimento de crescente precarização do

emprego (JINKINGS, 2002). Os governos brasileiros dos anos 90, adotando medidas de

desregulamentação e liberalização da economia, acabam criando mecanismos de ataque aos

direitos dos trabalhadores e à sua organização política e sindical. A despolitização da classe

trabalhadora se dá por meio da “dessindicalização”, ou seja, dos trâmites promovidos pelo

capital com o intuito de fragmentar os movimentos sindicais. Esta “dessindicalização” a que

hoje assistimos é um forte fator de perda de força do sindicato enquanto esfera de defesa

coletiva da categoria trabalhadora bancária. Neste sentido, “[...] a ofensiva neoliberal tem

sido, no plano social, simétrica à barbarização da vida societária [...]” (NETTO, 1995, p. 32).

Sob a realidade de dura ofensiva do Estado e do capital contra a classe trabalhadora, a

luta sindical bancária viveu forte refluxo na década de 9047. A crescente dificuldade de

mobilização dos trabalhadores bancários no decorrer das campanhas salariais é revelador de

47 “[...] quer pelas condições sociais, políticas, ideológicas e econômicas que marcam a contemporaneidade

brasileira, subordinada a princípios e programas neoliberais, quer pela intensa mudança nos ambientes laborais – automatização, novos métodos de organização, controle, remuneração e contratação da força de trabalho – e suas repercussões nas condições salariais, de emprego e saúde dos trabalhadores, o sindicalismo bancário tem sua capacidade conflitual e organizativa fortemente reduzida e pratica ações reativas diante da ofensiva do capital e do Estado neoliberal contra o trabalho” (JINKINGS, 2002, p. 364-365).

113

tais impasses do movimento sindical. À medida que os anos vão passando, intensificaram-se

as formas de entraves à emancipação dos trabalhadores bancários. O capital perpetua a

desmobilização à categoria trabalhadora por meio da

[...] difusão das formas flexíveis de remuneração nos bancos, no contexto de crescentes índices de desemprego e de subemprego no setor – que fragmentam os trabalhadores e intimidam suas práticas de resistência –, é mais um obstáculo ao desenvolvimento da luta sindical bancária e de seus mecanismos coletivos de enfrentamento da exploração capitalista do trabalho, nos anos 90. Confrontando-se com processos intensivos de reestruturação, que racionalizam brutalmente o trabalho nos bancos e cultuam o individualismo e a competição nos ambientes laborais, diante de políticas estatais e do capital de ataque aos trabalhadores e a seus movimentos de defesa de classe, o sindicalismo bancário tem sua capacidade conflitual reduzida e pratica ações defensivas, no final do século XX (JINKINGS, 2002, p. 335-336).

Os bancários brasileiros vêem as possibilidades de resistência abaladas pela profunda

transformação da sociedade capitalista. A articulação entre a reestruturação produtiva do

capital e os programas e princípios neoliberais intensificaram o ritmo do trabalho, a

insegurança do emprego e o culto às leis do mercado, afastando muitos trabalhadores da luta

sindical. Os bancários vivem no dia-a-dia uma realidade de intensificação da exploração de

sua força de trabalho, repercutindo nas ações que afetam o modo como estes trabalhadores se

relacionam com a luta sindical.

A partir de meados da década de 80 e adentrando nos anos 90, “[...] o capital tendeu a

elaborar intervenções muito mais estratégicas do que os sindicatos, presos ainda à sua lógica

reativa/reivindicativa” (ALVES, 1998, p. 154). O capital adianta-se em encontrar estratégias

rápidas de ofensiva às organizações que possam vir a ameaçar o sistema vigente.

O sindicalismo na década de 90 não demonstra a mesma vitalidade política da década

de 80. Uma das principais causas do decrescimento do sindicalismo nos primeiros anos da

década de 90 teria sido a profunda recessão e o crescente desemprego, decorrentes do Plano

Collor I, que desarmou o movimento sindical. “[...] A política econômica recessiva, a crise do

114

socialismo e a ofensiva ideológica do neoliberalismo, em escala internacional, atingiram, em

cheio, a organização e luta sindical no Brasil” (ALVES, 1998, p. 158).

O desmantelamento do sistema financeiro estatal atinge drasticamente a ação sindical

bancária. A política atual de privatização desmontou, portanto, a base fundamental de

sustentação do sindicalismo bancário. Sob um contexto de crescente precarização social, que

enfraquece as práticas reivindicativas e de luta dos sindicatos no conjunto dos setores da

economia, o extenso programa de desestruturação do setor estatal debilitou fortemente as

ações de resistência nos bancos (JINKINGS, 2001). O sindicato perdeu seu poder de

representatividade junto à categoria trabalhadora bancária.

Na década de 90, a desmontagem do sistema financeiro estatal destrói as condições

que diferenciavam positivamente os trabalhadores dos bancos estatais do conjunto do setor.

Com sua capacidade de resistência reduzida, em um contexto de forte ofensiva neoliberal

contra o trabalho, os bancários das instituições estatais assistem à perda de direitos

conquistados ao longo das lutas sindicais, desencadeadas desde as primeiras décadas do

século XX. “É o caso, por exemplo, dos planos de cargos e salários, gradativamente

substituídos por sistemas flexíveis de remuneração que condicionam os rendimentos do

trabalhador ao seu desempenho, avaliado segundo critérios de produtividade e qualidade [...]”

(JINKINGS, 2001, p. 194).

Os bancários brasileiros têm as possibilidades de resistência abaladas na base da

sociedade capitalista. A reestruturação produtiva do capital e os programas e princípios

neoliberais revelam nos ambientes laborais a intensificação do trabalho, insegurança do

emprego, afastando muitos trabalhadores da luta sindical. No caso dos bancos privados, “[...]

a alta rotatividade do emprego e formas de pressão e controle do trabalho mais intensas e

explícitas, dificultavam a criação de instrumentos sindicais nos ambientes laborais”

(JINKINGS, 2001, p. 193).

115

O que se percebe é que gradativamente os sindicatos perdem espaço junto aos

trabalhadores, perdem gradativamente a função de instrumento de luta destes últimos por

melhores condições de trabalho e salariais. Acuado, o sindicalismo bancário atua

defensivamente em face da reestruturação produtiva do capital. Nos anos 90 e posteriores, a

ação sindical ficou restringida e debilitada. Quando o sindicalismo deveria ter uma atuação

forte na luta por novas conquistas emancipatórias da categoria, torna-se suprimido pelo

sistema capitalista, que inibe as ações sindicais à mera defesa. É a ofensiva neoliberal atuando

eficazmente em defesa dos ditames do capital.

Quer pelas condições sociais, políticas, ideológicas e econômicas que marcam a

contemporaneidade brasileira, subordinada a princípios e programas neoliberais, quer pela

automatização, organização, gestão, remuneração e contratação da força de trabalho, “[...] o

sindicalismo bancário tem sua capacidade conflitual e organizativa fortemente reduzida e

pratica ações reativas diante da ofensiva do capital e do Estado neoliberal contra o trabalho”

(JINKINGS, 2002, p. 365). Neste quadro,

as possibilidades de resistência dos trabalhadores ficam mais reduzidas, e o sindicalismo bancário não tem conseguido organizar e mobilizar os trabalhadores em direção aos interesses de classe. A ação sindical nos ambientes laborais não tem sido capaz de impedir os efeitos lesivos dos movimentos de transformação do trabalho para as condições de vida e trabalho dos bancários. A luta coletiva, que, nos anos 80, mobilizou grande quantidade de bancários em assembléias, passeatas e greves, em todas as regiões do país, dá lugar a atividades e manifestações com participação mais restrita de uma base sindical tolhida pelo medo do desemprego [...] o sindicalismo bancário vive forte refluxo desde os anos 90, sem se contrapor aos fundamentos das atuais estratégias capitalistas de dominação, que invadem os locais de trabalho e a vida privada dos trabalhadores. Atuando defensivamente, os sindicatos desenvolvem formas de ação reativas, que se baseiam cada vez menos na mobilização e participação ampla dos bancários (JINKINGS, 2002, p. 380-381).

No interior dos bancos, estratégias neoliberais redirecionam o cotidiano das atividades

dos trabalhadores bancários com o intuito de minimizar as ações sindicaisxxxv. Diante de uma

realidade recessiva e de um contexto de ofensiva neoliberal, ocorre um recuo do sindicalismo

116

mundial. Os dirigentes sindicais bancários praticamente não têm conseguido intervir no

processo de reestruturação tecnológica, adotando políticas meramente defensivas. Por sua vez,

os trabalhadores bancários não têm conseguido articular-se, em seus diferentes setores, para

se contrapor ao controle capitalista de seu trabalho. O sindicalismo bancário, “[...] preso a

ações defensivas, imediatas, que não questionam os fundamentos da ordem vigente, tem tido

dificuldades para organizar e mobilizar a categoria em direção ao desenvolvimento de uma

consciência sindical dotada de elementos anticapitalistas” (JINKINGS, 1995, p. 118).

Para a compreensão das condições da atual conjuntura do trabalho bancário e da

categoria trabalhadora no setor financeiro no contexto da reestruturação produtiva do capital,

o sindicato deveria exercer um papel fundante frente aos trabalhadores. Entretanto, o que se

observa é que o sindicato não vem conseguindo ser um órgão suficientemente representativo

para a classe trabalhadora, devido às ações da ofensiva neoliberal, que gradativamente inibe

as iniciativas do sindicato, quando este se posiciona em defesa da classe trabalhadora. Isto

constata o enfraquecimento do poder dos sindicatos, que, a partir dos anos 80, mas com maior

expressividade nos anos 90, vêm perdendo forças diante do modo de produção capitalista.

Com isto, o sindicato mostra-se inoperante frente à intensa desestruturação causada

pelo capital à categoria trabalhadora bancária. A reestruturação produtiva traz em seu bojo

mudanças rápidas sobre o trabalho bancário, apresentando combinações planejadas

(MANDEL, 1985), que interferem sobremaneira sobre o significado do trabalho bancário.

A ampliação do fosso entre trabalhadores estáveis e trabalhadores instáveis tem sido

um elemento decisivo na expansão da crise do movimento sindical. Um mercado de trabalho

fragmentado, complexificado, dividido e principalmente heterogeneizado (ANTUNES, 2003),

fragiliza-se, tornando-se mais difíceis as organizações dos trabalhadores enquanto classe.

Estas transformações também afetaram as ações e práticas de greves, que tiveram sua eficácia

117

em alguma medida reduzida em decorrência da fragmentação e heterogeneização dos

trabalhadores.

A realidade do mercado de trabalho bancário possui a peculiaridade de promover

tensões, que fazem parte do próprio cotidiano de trabalho, além de jogar estas tensões de

encontro à pressão pela desregulamentação sindical, ou seja, a realidade do trabalho bancário

é de medo e ansiedade. Medo, pela vulnerabilidade aos riscos de assalto; ansiedade, pela

pressão psicológica causada pelo banco aos funcionários. “Especialmente nos bancos estatais,

onde as políticas governamentais privatizantes impõem demissões, arrocho salarial e

intensificação do trabalho [...]” (JINKINGS, 2002, p. 248), agravam-se as manifestações

psicopatológicas entre os trabalhadores, que podem resultar em depressão, alcoolismo e até

suicídio48. O medo do desemprego cresce e generaliza-se, principalmente no interior dos

bancos privados, impondo barreiras à organização da categoria trabalhadora nos locais de

trabalho. Outros fatores, como medo de ser transferido de local de trabalho arbitrariamente, de

ser colocado em disponibilidade e de ser considerado excedente, têm sido motivos

determinantes da diminuição da capacidade de resistência dos bancários. Fatalmente, com a

diminuição da participação dos trabalhadores bancários na esfera individual, o sindicato perde

seu poder de força representativa na esfera coletiva.

A desregulamentação da economia, o aumento drástico dos níveis de desemprego e a

desmontagem de direitos sociais e de trabalho, acarretam insegurança e medo no cotidiano

laboral e o sujeitamento a uma brutal exploração do trabalho. Toda a sobrecarga da jornada

extenuante de trabalho, do ritmo intenso, da sobrecarga de tarefas, ansiedade e tensão acabam

sendo fatores que intimidam ações individuais e coletivas de resistência da categoria

trabalhadora bancária.

48 “No âmbito da reestruturação capitalista contemporânea e de suas formas brutais de precarização social, o

cotidiano laboral dos trabalhadores bancários é marcado pela insegurança, pelo estresse e pelo medo [...]” (JINKINGS, 2002, p. 250).

118

Por um lado, a classe trabalhadora, desmobilizada, não possui estratégias de auto-

defesa. Por outro, os sindicatos, enfraquecidos diante da ofensiva neoliberal, passam a ser

uma representatividade fragmentada e fragilizada, portanto, desarticulada em defesa da

categoria trabalhadora bancária. Assim,

nos anos 90, com a legitimação do ideário neoliberal, as políticas de desregulamentação, privatização e flexibilização criam novas segmentações na classe trabalhadora. Particularmente no universo bancário, a desmontagem do sistema financeiro estatal, num contexto de incremento dos níveis de desemprego e subemprego, atinge fortemente as condições de trabalho que diferenciavam positivamente os bancários dos bancos públicos do conjunto dos trabalhadores do setor. Com capacidade de resistência reduzida, a força de trabalho dos bancos estatais assiste à perda de direitos, conquistados ao longo das lutas sindicais bancárias desencadeadas desde as primeiras décadas do século XX. É o caso, por exemplo, dos planos de cargos e salários desses bancários, que são substituídos por sistemas flexíveis de remuneração, baseados no desempenho do funcionário e da sua unidade de trabalho e relacionados a metas de produtividade [...] (JINKINGS, 2002, p. 90).

O capital, sob a égide neoliberal, vai aos poucos alterando a caminhada de luta da

classe trabalhadora. O sindicato – espinha dorsal dos movimentos em prol da categoria

trabalhadora bancária – é uma ameaça ao sistema vigente. Com isto, o capital vai

engendrando, promovendo alterações na estrutura do trabalho no interior dos bancos, de modo

a fragilizar toda e qualquer manifestação de luta dos bancários. Concebe-se o

enfraquecimento dos sindicatos como combinação planejada do capital, que somente poderia

promover a reestruturação produtiva mediante a luta de classes desestruturada, que não

representasse nenhum tipo de ameaça frente à ofensiva neoliberal.

É sob a égide neoliberal que têm ocorrido as metamorfoses no mundo do trabalho, no

campo da reestruturação produtiva, no âmbito da Reforma do Estado e das leis trabalhistas e

no tocante à fragmentação e desproteção das ocupações. Todas estas transformações têm seus

resultados sendo acarretados sobre a classe trabalhadora. O projeto societário burguês

reestrutura a produção, reforma o Estado, alterando em seu favor as leis que subordinam a

119

força de trabalho ao modo de produção capitalista, fragiliza o mundo do trabalho e dos

empregos, desprotegendo e precarizando a classe detentora da mão-de-obra. Entretanto, todas

as conseqüências negativas recaem sobre o trabalhador. Ao capital continua interessando

somente a acumulação de lucros. As condições humanas para alcançar este objetivo estão em

segundo plano.

4 O MOVIMENTO DA ESCOLHA, ENTRE ALTERNATIVAS, DOS TRABALHADORES EX-BANCÁRIOS DO BANESTADO – CASCAVEL-PR “[...] na análise das formas econômicas não se pode utilizar nem microscópio nem reagentes

químicos. A capacidade de abstração substitui esses meios” (MARX, 1975, p. 4).

Qualquer ato teleológico possui, consciente ou não, uma intencionalidade (LUKÁCS,

1969). Ao construirmos o estudo que ora apresentamos, situaremos ontologicamente para o

leitor o objeto e seu movimento em sua singularidade, particularidade e universalidade.

Assim, estamos cientes que foram reveladas determinações as quais se encontram no

próprio objeto historicamente apreendido. Nesta perspectiva, nosso estudo é um resultado em

que a reconstrução do objeto encontra-se num campo de possibilidades.

Neste sentido, o capítulo quarto tem uma relação direta e integral de totalidade com o

objeto de pesquisa e sua delimitação. Para percorrer este caminho, selecionamos, do total de

1149 instituições financeiras (bancos) em Cascavel, oito50, considerando que estas possuem

49 Cascavel hoje (2005) conta com 11 bancos e três cooperativas, totalizando 31 agências. 50 Bancos selecionados: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Estado do Paraná – Banestado,

Bradesco, Itaú, Unibanco, HSBC e Mercantil. As três primeiras instituições possuem razão social pública estatal e as demais razão social pública privada.

120

maior número de trabalhadores demitidos durante o período selecionado da pesquisa (1995 a

2001).

Delimitado o número de instituições financeiras, iniciamos o processo de coleta de

dados, utilizando documentações pessoais dos ex-bancários, especificamente as

homologações e rescisões dos contratos de trabalho51.

Os dados coletados seguiram os seguintes itens referentes à individualidade do

trabalhador demitido: nome, sexo, idade, tempo de banco, o ano que foi desligado e o que

motivou o desligamento da instituição contratante. Em seguida, de posse dos dados empíricos

obtidos, procuramos saber qual a ocupação atual, o setor da economia e o ramo específico de

atividade em que os trabalhadores desligados se encontravam52.

No computador, construímos, por meio do programa Excel, uma planilha eletrônica,

facilitando o processo de lançamento e sistematização das informações coletadas. Este

mecanismo possibilitou com agilidade e sem perder o conteúdo das informações, classificá-

las e mediá-las.

Assim, trouxemos ao conhecimento do processo o número de trabalhadores

desligados, identificando quantitativamente o número de demissões de cada ano pesquisado, o

número total em todo o período e o número de demissões por banco.

Ao mesmo tempo, também iniciamos a coleta de dados qualitativa. Os procedimentos

tomados pautaram-se no resultado da sistematização, exposição e da análise empírica, a qual

demonstrou que, de 1995 a 2001, ocorreram 467 demissões53, porém, durante o trabalho de

51 Informamos que todos os documentos, homologações e rescisões somente puderam ser resgatados devido à

autorização do Sindicato Regional dos Bancários de Cascavel, pois os mesmos estão arquivados na entidade sindical.

52 Estas informações foram concedidas pelos representantes diretores que se encontram atualmente (2005) no

Sindicato dos Bancários, os quais, devido à continuidade das relações estabelecidas durante muitos anos, não vacilaram em dar as informações do colega de trabalho desligado da instituição bancária.

53 Das 467 demissões, 310 (66%) são do sexo masculino e uma menor quantidade, 157 (34%), são do sexo

feminino. Este é um dado que incide em todas as instituições financeiras pesquisadas. Os números se aproximam de um terço de trabalhadores ex-bancários do sexo feminino e dois terços do sexo masculino.

121

campo (identificação dos trabalhadores desligados no período), conseguimos identificar 268

trabalhadores do total das oito instituições financeiras. A partir deste número 268,

delimitamos nossa amostra em suas diferentes dimensões.

Porém, durante a manipulação dos dados, delimitamos a instituição Banestado como

sendo o locus específico da pesquisa, devido ao Banestado ser uma instituição bancária

pública estatal e que foi privatizada atendendo à política do receituário neoliberal por meio da

Reforma do Estado; pelo fato de o governo do Estado do Paraná ter implantado e

implementado um plano de demissão voluntária – PDV – que correspondia ao propósito do

capital financeiro. Também é, dentre as oito instituições financeiras, o Banestado54 que

desligou o maior número de trabalhadores, conforme apresentamos na Tabela 255.

A delimitação da amostra segue os seguintes critérios: primeiro, delimitou os

trabalhadores que realizaram rescisão de contrato, qual a razão presente Plano de Demissão

Voluntária (PDV) ou Sem Justa Causa (SJC) em igual proporção; segundo, do quantitativo

sistematizado, elegemos as demissões referentes ao período entre 1995 a 2001, ou seja, a

totalidade da pesquisa; terceiro, do contexto geral da área de serviços, expressos pelos

subsetores “informal tradicional”, “assalariado com registro”, “assalariado sem registro”,

“autônomo ou por conta própria” e “pequeno proprietário informal”, delimitamos pelos

subsetores “autônomo ou por conta própria” e “pequeno proprietário informal” por

incorporarem numericamente maior expressão; quarto, optamos em estruturar 50% da amostra

com sujeitos do sexo feminino e 50% do sexo masculino.

Após escolhidos por meio dos critérios os sujeitos a serem entrevistados, consultamos

antecipadamente as possibilidades de a entrevista ser realizada, ou seja, consentida pelos

54O Banestado, igual aos demais bancos estatais no Brasil, teve seu processo de privatização iniciado após o

Plano Diretor da Reforma do Estado, sendo que o Banestado sedimentou esta proposição em 17/10/2000. 55 Ver Tabela 2 página 113.

122

sujeitos. No entanto, todos os componentes da amostra foram receptivos e concederam

entrevistas.

No entanto, dos 147 trabalhadores desligados do Banestado, conseguimos identificar

85. Estes encontram-se atualmente nos subsetores que expressam o maior número de

demissões no período estudado, ou seja, os subsetores “autônomo ou por conta própria” e

“pequeno proprietário informal”.

Porém, devido à compreensão do recorte do objeto que fizemos, pautado nos

conteúdos dos capítulos anteriores, o universo dos sujeitos caiu para 3556) (Tabela 1), dos

quais 17 trabalhadores saíram do Banestado pelo PDV (plano de demissão voluntária), sendo

que 15 deles (42%) atuam como autônomos ou por conta própria e 02 (6%) atuam como

pequenos proprietários informais; dos outros 18 trabalhadores dispensados sem juta causa, 10

(29%) atuam como autônomos ou por conta própria e 08 (23%) atuam como pequenos

proprietários informais. Significa dizer que 25 destes trabalhadores estão atuando como

autônomos ou por conta própria e 10 estão atuando como pequenos proprietários informais,

desenvolvendo suas atividades na cidade de Cascavel.

Assim, conforme demonstraremos e analisaremos em seguida, do total de 147

trabalhadores desligados do Banestado, 4 foram entrevistados, em virtude de sua tipicidade

para a representatividade amostral57. Suas falas foram mantidas na íntegra e identificadas da

seguinte forma: entrevistado número 1 pela letra A; entrevistado número 2 pela letra B;

entrevistado número 3 pela letra C; e entrevistado número 4 pela letra D.

56Os 35 ex-bancários atualmente estão por ocupação inseridos na divisão técnica e social do trabalho enquanto:

juíza de direito (01); hotelaria (01); restaurante (01); transportes, entregas e fretes (03); advogados (04); agiotas (06); vendas, serviços em diversos segmentos, como veículos, produtos do Paraguai, administração de pequena empresa, servente de pedreiro, verdureiro, cozinheiro, marceneiro, produtos para cozinha, limpeza, alimentos, instalação de granitos em cozinhas, banheiros, áreas de serviços, e produtos de informática, compõe o restante (19).

123

Tabela 1 – Amostra delimitada Banestado

AMOSTRA BANES BANES Peq Prop Inf / SJC 8 Aut cta prop / SJC 10 Aut cta prop / PDV 15 Peq Prop Inf / PDV 2

TOTAL 35

Fonte: dados da pesquisa

Detalhando os aspectos do objeto delimitado, conforme agrupamento de saída do

banco (PDV ou SJC) e por subsetor de ocupação atual, encontramos, dentre os 35

trabalhadores ex-bancários do Banestado, a seguinte configuração em suas atividades:

autônomo ou por conta própria e pequeno proprietário informal.

Os autônomos ou por conta própria saíram do Banestado por meio do PDV ou SJC.

Assim, pelo plano de demissão voluntária (PDV), dos 15 trabalhadores, 04 são advogados; 04

são agiotas; 03 são vendedores de veículos; 01 trabalha com transporte escolar; 01 entrega

medicamentos na região oeste do Paraná; 01 trabalha com locação de casas e na venda de

produtos do Paraguai; 01 trabalha com caminhão de frete. No entanto, os demitidos sem justa

causa (SJC), em número de 10 trabalhadores, 03 trabalham com vendas de produtos de

limpeza; 02 são agiotas; 01 é juíza de direito; 01 é vendedor de veículos; 01 trabalha com a

terceirização de um hotel em Cascavel; 01 trabalha como servente de pedreiro na Espanha; 01

é verdureiro, cozinheiro e marceneiro.

Quanto aos pequenos proprietários informais, desligados pelo plano de demissão

voluntária (PDV), em número de 02, 01 possui uma casa comercial (bar) no centro da cidade

de Cascavel; outro é sócio de uma pequena empresa na área de produtos de cozinha – pratos,

xícaras, louças e similares –, além de desenvolver paralelamente atividades de agiotagem e

compra e venda de produtos do Paraguai. Dos desligados sem justa causa (SJC), 08

57Sobre isto, ver, dentre outros, Antônio Carlos Gil. Técnicas de pesquisa em economia. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 1991.

124

trabalhadores, dos quais 04 trabalham com prestação de serviços na área de alimentos, pedras

para pias, banheiros, áreas de serviços e similares, e produtos de informática; 01 é proprietário

de um estabelecimento comercial (restaurante); 01 possui loja de “R$1,99”; 01 ex-bancária

administra a empresa de chapeação e pinturas com o marido; 01 trabalha com despachante e

auto-escola.

4.1 – Movimento do Banestado em Cumprimento à Reforma do Estado

Com os dados coletados, iniciamos o processo de articulação e cruzamento dos

mesmos, possibilitando uma visão precisa do levantamento previamente realizado. Pode-se

observar que, dos dados das oito instituições financeiras pesquisadas, o Banestado (conforme

Tabela 2) é o banco que apresenta o maior número de demissões no período estudado,

correspondendo ao processo de desestatização em movimento, aos resultados implementados

pelo Plano de Demissão Voluntária e às ações da Reforma do Estado.

Tabela 2 – Total de demitidos por ano e por banco

ANO BB ITAU CAIXA BRADE HSBC BANES UNIBA MERC TOT 1995 53 3 0 14 6 2 5 4 87 1996 9 5 6 13 26 8 11 3 81 1997 8 3 6 8 15 5 16 2 63 1998 9 4 0 2 20 1 1 2 39 1999 3 2 0 3 15 61 4 4 92 2000 2 0 2 1 10 2 0 2 19 2001 2 0 3 2 2 68 7 2 86

TOTAL 86 17 17 43 94 147 44 19 467

Fonte: dados da pesquisa

No momento que demonstramos em seguida os dados acima (Figura 1), permite-se

visualizar o total de trabalhadores demitidos em cada ano, no período compreendido entre

1995 a 2001. Observa-se que, em 1999, ocorre o maior número de demissões em todo o

125

período estudado. Isto se deve ao fato de o projeto de demissão implementado pelo governo

do Estado do Paraná – Plano de Demissão Voluntária – também ter ocorrido neste período,

além das rescisões rotineiras sem justa causa58.

87

816339

92

19 86

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Figura 1 – Total de demitidos por ano

Aproximando das condições específicas de cada unidade financeira, a Figura 2

possibilita visualizar o total de trabalhadores demitidos de cada banco no mesmo período. O

Banestado destaca-se como o banco que teve o maior número de demissões em todo o período

de estudo – 147 rescisões de contrato de trabalho –. Este número, no entanto, não se refere

puramente ao término da relação trabalhista entre empregador e empregado na sua forma

tradicional59.

Como o Banestado estava em processo jurídico e político de ser privatizado,

implementou-se o “Plano de Demissão Voluntária” com a finalidade de diminuir o quadro

funcional antes da concretização da venda do banco. Assim, das 147 demissões do Banestado

entre 1995 e 2001, 59 ocorreram por meio do plano de demissão voluntária – PDV e 88 foram

rescisões sem justa causa – SJC. Por ser 1999 um ano em que o Banestado lançou um “plano

58 Confira as páginas 111 e 112 deste trabalho. 59 Forma tradicional é uma denominação utilizada para identificar a forma na qual o trabalhador se vincula ao

seu local de trabalho, ou seja, com carteira assinada.

126

de incentivo voluntário” às demissões, o mesmo destacou-se com o maior número de

demissões no conjunto das oito instituições financeiras pesquisadas60.

86

1717

43

94

147

44 19

BB ITAU CAIXA BRADEHSBC BANES UNIBA MERC

Figura 2 – Total de demitidos por banco

Outro aspecto a ser mencionado em relação ao Banestado diz respeito à idade dos

demitidos (Figura 3). Percebemos que o Banestado também lidera. Este dado tem uma relação

tendencial conforme têm mostrado as pesquisas do IBGE e do Seade/Dieese, que os

trabalhadores acima de 40 anos possuem maior dificuldade de reinserção no mercado de

trabalho, bem como, quando conseguem retornar a um posto de trabalho, na maioria das

vezes, ocupam funções distantes daquelas que antes executavam. O fator idade, que coloca

dificuldades na vida cotidiana dos trabalhadores e de seus familiares, vem acompanhado da

redução salarial, bem como da perda de direitos sociais.

46

39

42

3840

46

36

36

BB ITAU CAIXA BRADE HSBCBANES UNIBA MERC

Figura 3 – Média de idade dos ex-bancários

60 É fundamental ressaltar que a pesquisa dá tratamento igualitário tanto para quem se desligou do banco pelo

127

Ao mesmo tempo que o Banestado se destaca em desligar trabalhadores com maior

média de idade, a instituição também ocupa o primeiro lugar, dentre as demais pesquisadas,

em desligar trabalhadores com maior tempo de atividade enquanto vínculo empregatício,

conforme demonstrado na Figura 4.

1511 12

914

17

79

0

5

10

15

20

BANCOS

Nº D

E AN

OS

BB ITAU CAIXA BRAD HSBC BANES UNIB MERC

Figura 4 - Média de tempo de banco

A característica específica do Banestado em relação às demais instituições, quando o

assunto é média de tempo de atividade, coloca duas questões preocupantes para o trabalhador.

A primeira é a de que os trabalhadores se apropriaram de conhecimentos técnicos específicos,

perdendo a totalidade do objeto. Esta condição aproxima dos animais não humanos no que se

refere à repetição, porém, o trabalhador põe teleologia e o animal não humano, não. Segunda,

devido ao fato de a atividade ser repetitiva, limitada, quando desligado do banco, o mercado

de trabalho põe resistência, pois exige-se pluralidade de conhecimentos.

Aprofundando o movimento do objeto delimitado em suas características específicas,

ao classificarmos as atividades por setor da economia (primário, secundário e terciário),

destaca-se estatisticamente que o setor terciário (área de serviços), apresenta a maior

expressão. Por isto, referindo-nos aos 268 trabalhadores ex-bancários das oito instituições

financeiras localizadas durante a pesquisa (conforme Tabela 3), identificamos que,

plano de demissão voluntária (PDV), como para quem foi demitido sem justa causa (SJC).

128

destacadamente, é na área de serviços que a maioria dos trabalhadores advindos do setor

financeiro se aloca (87%), seguido da agricultura (4%) e da indústria (1%).

Tabela 3 – Ocupação por setores da economia: ex-bancários localizados

SETOR BB ITAÚ CAIXA BRADE HSBC BANES UNIBA MERC TOT AGRICULT 2 1 1 0 0 6 1 0 11 INDÚSTRIA 2 0 0 0 0 0 0 0 2 SERVIÇOS 32 11 13 37 37 72 18 12 232 APOSENT 11 1 0 0 1 7 0 0 20 DESEMPR 0 2 0 0 0 0 1 0 3

TOTAL 47 15 14 37 38 85 20 12 268

Fonte: dados da pesquisa

Na especificidade Banestado, a maior incidência de trabalhadores ex-bancários

alocados na área de serviços é precisa quando nos referimos apenas aos 85 trabalhadores

localizados durante a pesquisa (Tabela 4). Este setor é representado por 85%, contra 7% da

agricultura e 0% da indústria.

Tabela 4 – Ocupação por setores da economia Banestado: ex-bancários localizados

SETOR BANES AGRICULT 6 INDÚSTRIA 0 SERVIÇOS 72 APOSENT 7 DESEMPR 0

TOTAL 85

Fonte: dados da pesquisa

No entanto, conforme os dados pesquisados, a área de serviços é qualificada em

“informal tradicional” (subdividido em trabalhadores informais “estáveis”, trabalhadores

informais “instáveis” e trabalhadores informais “ocasionais” ou “temporários”) representando

129

0%; os “assalariados com registro” 29%61; os “assalariados sem registro” 0%; os

“autônomos ou por conta própria” 33% e os “pequenos proprietários informais” 18%.

Deste modo, entre os trabalhadores ex-bancários que foram localizados (conforme

Tabela 5), as atividades presentes nos subsetores da área de serviços ora chamados “autônomo

ou por conta própria” e “pequeno proprietário informal” se destacam como as atividades

para onde migra a grande maioria da categoria trabalhadora bancária, advinda das oito

instituições financeiras pesquisadas.

Tabela 5 – Subsetor/ramo de vínculo: ex-bancários localizados

RAMO DE VÍNCULO BB ITAÚ CAIXA BRADE HSBC BANES UNIBA MERC TOT Infor tradicional 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Assal c/ regist 9 5 6 20 12 20 6 1 79 Assal s/ regist 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Autôn/cta própr 16 5 4 11 12 26 4 8 86 Peq prop inform 9 1 2 6 8 16 6 1 49 Desempregado 0 2 1 0 5 10 2 2 22

Agricultura 2 1 1 0 0 6 1 0 11 Aposentado 11 1 0 0 1 7 1 0 21

TOTAL 47 15 14 37 38 85 20 12 268

Fonte: dados da pesquisa

No que se refere ao Banestado na sua especificidade, ao tratar apenas dos 85

trabalhadores ex-bancários localizados, os números seguem a ordem conforme Tabela 6.

Nesta particularidade, o “informal tradicional” (subdividido em trabalhadores informais

“estáveis”, trabalhadores informais “instáveis” e trabalhadores informais “ocasionais” ou

“temporários”) representa 0%; “assalariado com registro” 24%; os “assalariado sem

registro” 0%; os “autônomos ou por conta própria” 30% e os “pequenos proprietários

informais” 19%.

61Este número é expressivo, no entanto, por ser um campo específico no interior da área de serviços,

representado formalmente por carteira assinada, deixa de fazer parte do foco de nossa pesquisa.

130

Pode-se identificar que, no conjunto das oito instituições financeiras pesquisadas, a

maioria dos trabalhadores ex-bancários migrou para a área de serviços, com destaque

expressivo para os subsetores específicos “autônomo ou por conta própria” e “pequeno

proprietário informal”. Este dado se materializa no estudo da instituição Banco do Estado do

Paraná – Banestado. São 25 trabalhadores ex-bancários atuando como autônomos ou por

conta própria e 10 atuando como pequenos proprietários informais62.

Tabela 6 – Subsetor/ramo de vínculo Banestado: ex-bancários localizados

RAMO DE VÍNCULO BANES

Infor tradicional 0 Assal c/ regist 20 Assal s/ regist 0

Autôn/cta própr 26 Peq prop inform 16 Desempregado 10

Agricultura 6 Aposentado 7

TOTAL 85

Fonte: dados da pesquisa

Deste modo, constatado qual é o campo de atuação dos trabalhadores ex-bancários, no

caso específico do Banestado, passamos a analisar a escolha, entre alternativas, destes

trabalhadores, por meio das informações coletadas junto aos ex-bancários do Banestado.

4.2 – Análise dos Dados: Tendência dos Projetos Teleológicos

Os trabalhadores ex-bancários entrevistados, na sua totalidade, expressaram a

precarização enfrentada na nova materialidade. A informalidade põe desafios que,

principalmente pelo fator financeiro, complexifica o cotidiano de pais e mães de família. Por

TP

62 Verificar Tabela 1, à página 111.

131

isto, o desemprego altera a vida após a demissão do banco, nas dimensões

econômico/financeira, na saúde, no aspecto social e no âmbito pessoal na sua totalidade.

Enfim, a precarização expressada pelos trabalhadores ex-bancários, atualmente

desenvolvendo atividades na informalidade, é reflexo da resposta que o capital está dando à

crise da última onda longa recessiva iniciada nos anos 70 (MANDEL, 1985). O capital, que

sofreu a crise da superprodução, apresenta, como uma de suas respostas, a ampliação do setor

de serviços, expandindo as relações capitalistas.

Como os trabalhadores ex-bancários passaram e passam pelo processo de crise

estrutural no setor financeiro, os mesmos incorporaram o contingente do mercado de trabalho

precarizado do trabalho informal. Segundo Alves (2001), o aumento da informalidade pode

ser visto como parte do processo de reestruturação produtiva do capital, considerando que é

no contexto do trabalho precarizado que se desenvolve o trabalho informal.

Resgatamos Netto (1996), quando este afirma que, no século XIX, foram a fome e a

miséria; e no século XX, após 1970, o desemprego em suas diferentes dimensões, a essência

principal enquanto uma metamorfose da questão social na contemporaneidade. Entretanto, no

final do século XX e início do século XXI, a expansão das relações de trabalho para além do

segmento organizado ou formal tomam uma dimensão que foge do controle político.

Deste modo, desempregados inserem-se neste contexto de precarização do mundo do

trabalho, ampliando o fosso entre ricos e pobres (HOBSBAWN, 1995), como práticas antes

formais tomam características de informalidade, pelas transformações impressas pelo capital

como resposta do projeto societário burguês.

Conseqüentemente, as estruturas da política nos países capitalistas, que até 1970 eram

estáveis, nas décadas de crise começam a desabar, alterando sobremaneira a vida humana. A

humanidade caminha incerta, sem saber para onde está indo, nem para onde será levada

(HOBSBAWN, 1995). A classe burguesa põe a classe trabalhadora diante do fracasso e da

132

escuridão, num jogo de forças e de interesses, dando ao campo social contornos de

precarização que não acompanham o crescimento e o desenvolvimento da economia.

Para Harvey (1992), a criação do emprego no setor de serviços é uma manifestação da

acumulação flexível do capital, diminuindo a dimensão política, econômica e social da classe

trabalhadora, como redução do emprego regular e o aumento de trabalho em tempo parcial,

temporário ou subcontratado, empregados casuais e contrato de trabalho por tempo

determinado.

A ampliação do setor de serviços, e a conseqüente expansão da informalidade,

imprime ao trabalhador um padrão de vida precarizado, processo em que as transformações da

vida humana estão implícitas no contexto do capitalismo globalizado. Para Ianni (1999), este

processo de precarização é negativo ao ser social, ao passo que a globalização promove uma

espécie de desterritorialização generalizada, dissolvendo fronteiras, deslocando as coisas,

desenraizando gentes, idéias, culturas, religiões, línguas e modos de ser, agir, pensar, sonhar e

imaginar.

Conseqüentemente, o direito a um teto, à saúde, à educação, à moradia, à justiça, ao

trabalho, à liberdade, enfim, a uma existência digna, condições básicas para a concretização

da cidadania (SANTOS, 1993), encontram-se comprometidos numa realidade em que o

capital, em nome do lucro, deixa relegado para segundo plano o ser social. Na mesma

perspectiva de ofensiva neoliberal, Santos et al. (1997, p. 18), afirmam que “[...] a

mundialização, em sua forma perversa, empobrece e aleija [...]”, invadindo a vida e

descaracterizando o homem enquanto ser social.

Neste quadro, ganha dimensão o grau de precarização no mundo do trabalho e dos

empregos. Após as transformações societárias pós-1970, o próprio trabalho assalariado com

registro ganhou um estatuto de vulnerabilidade, dadas as condições de flexibilização a que

vem sendo submetido. Conforme Lira (2003, p. 171),

133

[...] o desemprego é preocupante, mas a informalidade, hoje, adquire contornos sombrios, porque é um contingente silencioso de trabalhadores, que, a cada dia, vê as condições de trabalho e de vida, suas e de suas famílias, numa curva descendente e contínua, uma situação que aguça a insegurança, a individualização e a desigualdade em termos distributivos em nosso país, criando disparidades entre os trabalhadores, que contribuem para fragilizar sua organização.

Deste modo, a reestruturação produtiva, inserida no contexto de Reforma do Estado –

preenchendo os requisitos do receituário neoliberal –, colocou em evidência a questão social

desemprego, ganhando contornos antes não vislumbrados. A precarização das condições da

existência humana penetram o interior do cotidiano dos trabalhadores informais,

perplexificando as relações de trabalho na transição do segundo para o terceiro milênio,

quadro em que a informalidade está impressa.

Este contexto de precariedade do mundo do trabalho aprofunda-se e intensifica-se com

Fernando Collor de Mello. Assumindo a Presidência em 1990, Collor abriu as portas para a

entrada do receituário neoliberal no país. O capital internacional não tem mais barreiras para

entrar, por meio de investimentos, no Brasil. Com Fernando Henrique Cardoso, iniciando seu

mandato em 1994, o Brasil torna-se definitivamente subordinado ao receituário neoliberal.

Foram oito anos de ciranda financeira internacional circulando no mercado brasileiro, tudo

isto num contexto de desertificação neoliberal (ANTUNES, 2004) na perspectiva de contra-

reforma do Estado (BEHRING, 2002).

O ministro Bresser Pereira preconiza o Plano Diretor da Reforma do Estado do

Ministério da Administração e da Reforma do Estado (PDRE-MARE) (BEHRING, 2002),

documento que objetiva um esforço do governo em promover mudanças sociais. Entretanto,

estas mudanças são adequadas à nova ordem internacional, nas palavras de Oliveira (1995),

funcionais aos interesses do capital internacional.

A abertura ao âmbito internacional está em sintonia com o Consenso de Washington,

que sintetizou um conjunto de princípios, metas e regras a serem aplicadas a diversos países e

134

regiões do mundo capitalista, com a finalidade de ajustá-los econômica e politicamente ao

receituário neoliberal, sob o predomínio norte-americano (JINKINGS, 2002).

Assim, as transformações ocorridas no setor financeiro acompanham os

engendramentos e a subordinação do âmbito nacional ao internacional. Neste segmento, a

expressão mais significativa do processo de reestruturação produtiva do capital, sob a égide

neoliberal, é a privatização, que responde aos interesses de investidores nacionais e

internacionais, fazendo parte do processo de Reforma do Estado, além de ser funcional ao

modo de produção capitalista.

Este fato dá à categoria trabalhadora do setor financeiro o posto de precariedade, num

nível de intensidade ainda desconhecido. Junto com o contexto de privatização, acompanham

outras questões similares, como pressão à categoria trabalhadora, estresse, desmobilização

sindical, dentre outras determinações que subjugam as ações da categoria bancária aos

delineamentos do sistema financeiro, impresso no contexto do programa neoliberal.

4.2.1 – A Precarização: o Movimento do Velho em Relação ao Novo

A primeira determinação analisada é a precarização, nos aspectos

econômico/financeiro, da saúde, da vida social e no aspecto pessoal. Na questão

econômico/financeira, a totalidade das entrevistas apontou para um acirramento das ações

cotidianas, por conta da transição do emprego bancário para o trabalho informal e do

conseqüente enfrentamento ao trabalho fora do âmbito do segmento organizado.

Nos anos 1970, a matrona determinação histórica anunciara que a questão social do

desemprego era a expressão máxima da relação contraditória e antagônica estabelecida entre

capital e trabalho. Nos anos 90, devido à ampliação atordoante das taxas de desemprego, o

135

campo denominado mercado de trabalho ganha mais uma vez expressões concretas da

vulnerabilidade da relação capital x trabalho.

A precarização do trabalho em todas as suas dimensões aprofunda proporções e

diversidades que contribuem decisivamente na negação do trabalho enquanto centralidade da

vida humana. Hoje, nos espaços públicos e privados, o conceito mais utilizado para expressar

este universo é a precarização do mundo do trabalho (ANTUNES, 2004).

Esta precarização decorre da flexibilização e da desregulação do movimento da

globalização, que, sob a égide neoliberal, promove desarrumações no significado da

existência humana, sob os (des)mandos do capital, deteriorando as condições de vida da

classe trabalhadora. Assim, o projeto societário burguês apresenta respostas regressivas,

caminhando em direção ao barbarismo.

Deste modo, a saída do banco significou, para os ex-bancários, uma precarização em

relação à atividade desenvolvida anteriormente, no aspecto econômico/financeiro. Diversas

são as situações que evidenciam nas falas dos mesmos este fato.

— “O terrorismo econômico pelo qual eu passei [...] foi terrível [...], você se vê no mato sem cachorro [...] sem contar que do dia para a noite eu me vi sem emprego e sem dinheiro” (A).

— “Além do salário a gente perde por exemplo, o vale alimentação. Quer queira ou não, você desfruta disso, o auxílio escola, creche ou babá e assim por diante, você está acostumado num padrão de vida e do dia para a noite você perde tudo. Minha filha estudava em colégio particular, eu tive que tirar. É uma perda que prejudicou na vida familiar” (A).

A fala do entrevistado A aponta que o trabalho no setor financeiro dava-lhe condições

de dignidade, mas que, na informalidade, tais condições tornaram-se comprometidas,

tomando espaço a precarização no cotidiano do trabalho. De fato, o campo da informalidade é

precarizado.

136

No entanto, o trabalho bancário cria as condições materiais para que o trabalhador

desenvolva suas atividades com alto grau de alienação em relação ao seu objeto de trabalho,

bem como em relação aos sujeitos que compõem a equipe de trabalho, o que permite a

reprodução da lógica capitalista. O trabalho sob pressão no interior dos bancos segue os

delineamentos dos (des)mandos do capital, sob a ótica da acumulação.

Além disto, no enfrentamento e crescente contradição entre capital e trabalho,

inserem-se políticas sociais compensatórias e perdas de direitos sociais adquiridos pela classe

trabalhadora, que, diante da precarização do mundo do trabalho e da legislação trabalhista, o

capital impõe um acirramento nas condições de trabalho e de existência humana. Isto se

expressa na fala do entrevistado, que afirma que, após a demissão, no enfrentamento ao

mercado de trabalho,

— “foram ‘n’ dificuldades [...] a financeira [...] você está numa crise financeira tremenda [...] então [...] você vive esticado” (A).

A realidade concreta apresenta-se complexificada. A situação de precarização

enfrentada pela classe trabalhadora encontra-se num estado de perplexidades (DREIFUSS,

1996), em que o ser humano desidentifica-se em relação ao sentido da vida, imprimindo a

subordinação da vida humana ao projeto societário burguês, que dá respostas que aniquilam

pessoas frente ao capital (BERMAN, 1986). São respostas que exaltam o campo econômico e

jogam para segundo plano o campo do existir humano.

— “Depois que eu saí do banco, e estou aqui fora é que eu vi que a realidade é totalmente diferente, é outra vida [...] Bem pior!” (B).

Os sonhos e as perspectivas alteram-se quando se depara com uma realidade diferente

do almejado.

137

— “Você sai do banco e vê o modo de pensar totalmente diferente. Você acha que aqui fora está todo mundo bem, mas não é bem assim. Tudo o que se vai fazer, tem os prós e os contra, então quando você vê, dá de cara com uma porta, a qual você tem que voltar, tem que repensar várias vezes o que você vai fazer. É uma dificuldade muito grande” (B).

Diante do concorrencial e acirrado mercado de trabalho, as opções de ocupação estão

ficando cada vez mais restritas. Entretanto, o desemprego somente afeta o trabalhador na sua

centralidade/totalidade quando este perde o seu emprego e se vê na real condição de

desempregado. Por isto, os próprios entrevistados deixam clara, nas suas falas, a noção de

dentro e fora do banco, ou seja, o dentro como o estável e o fora como o exposto. Por outro

lado, mesmo os trabalhadores reconhecendo a pressão por produtividade, achatamento salarial

e desestabilização sindical, dentre outras determinações, não evidenciam, em suas falas, que o

trabalho no interior do banco possui grau significativo de alienação.

— “Financeiramente eu achei que com o dinheiro que eu ia sair do banco, teria condições de montar uma empresa [...], por que via várias empresas dando certo, então eu achava que iria me sair muito bem, mas foi totalmente o contrário [...]. Em um ano e meio eu perdi todo o dinheiro do acerto com o banco. Em um ano e meio eu perdi tudo!” (B). Consequentemente, impõe-se a necessidade de trabalhar sob uma perspectiva de renda

menor.

— “Eu tive que diminuir minhas despesas mais supérfluas, controlar um pouco e direcionar mais para o que era necessário mesmo. Eu tive que aprender a sobreviver dentro daquilo que era a nova realidade [...] o padrão de vida é baixo [...] neste momento estou passando a fase mais delicada” (C).

Considerando a condição vivida no aspecto financeiro,

— “eu tenho certeza que se eu estivesse no banco hoje eu estaria melhor” (B).

138

Percebe-se, na fala do entrevistado, que, no mercado de trabalho, devido à

impossibilidade de escolha, entre alternativas, os trabalhadores ex-bancários, mesmo

reconhecendo que é alienante o cotidiano no interior da instituição, almejam, se fosse

possível, retornar ao seu posto, pois é uma ocupação no interior da divisão técnica e social do

trabalho, que difere de outras ocupações.

A estrutura pessoal e familiar vivida no cotidiano é expressão e reflexo do aspecto

financeiro.

— “Se você não tem dinheiro, o que vai fazer [...] não acho que a gente tem que viver só em função dele. Mas sem o dinheiro é complicado de viver” (C).

— “Começou a pesar o aspecto financeiro [...] Diminuiu muito! Era apartamento, cobertura total, para mim, para os três filhos e para o marido. Eu tinha comprado um carro financiado na época, tive que vender para pagar dívida, porque eu fiquei sem dinheiro, não arrumava emprego, então é complicado [...]. Além do plano de saúde, a cesta básica [...] a gente tinha associação, praia, piscina, lazer, podia jogar bola, meu marido sempre jogava, acho que neste sentido a gente perdeu. Só pelo fato de a gente não poder mais viajar, sair, com lugar certo para ir [...]. Mas, eu acho que a perda maior foi a financeira” (D).

A entrevista D indica que financeiramente houve uma precarização evidente nas

condições de vida familiares. Mas a fala da mesma indica que o fator financeiro está

interferindo na totalidade do ser, de modo a comprometer todo o cotidiano da família,

precarizando as condições de existência humana. O âmbito do financeiro não é unicamente

uma questão contábil. O econômico precarizado traz repercussões no cotidiano de pais e mães

de família.

Outro aspecto é em relação à saúde, que tinha alguns benefícios quando do vínculo

formal com o banco. Na nova materialidade, os ex-bancários, para dispor de certos

atendimentos, têm que desembolsar. Passou-se, assim, por alterações que reduzem a qualidade

de vida, apontando para a precariedade neste segmento específico e muitas vezes colocando o

ser social fora da materialidade efetiva, isto é,

139

— “Me foi tirado no mínimo 70% da saúde. Não adianta você ir no médico, o cara dá uma receita, mas você sabe que não vai poder comprar” (A).

Assim, cabe acreditar em forças no campo da fé para resolver uma questão concreta de

saúde ou abrir um campo de possibilidades de entrar na fila dos benefícios sociais sob a lógica

assistencialista.

No mesmo campo da saúde, os ex-bancários, em algumas das novas atividades,

deparam-se com situações em que a dimensão física do indivíduo não é adequada e menos

ainda preparada para desenvolver atividades de trabalho simples, como explica o entrevistado

A.

— “Eu já estou com problema de coluna, coisa muito pesada eu não posso levantar. Quando trabalha com trator, quando entra uma roda na terra, você levanta aí cem, cento e vinte quilos. De noite eu quase não consigo dormir de dor. Aí você passa com analgésico, mas é necessário e acabou” (A).

A condição que o banco dava em relação à saúde não se concretiza na nova

materialidade.

— “Quando eu estava no banco, todos os anos eu fazia aqueles exames periódicos, obrigatórios. Hoje não tem mais nada disso, hoje se eu quiser fazer uma bateria de exames, tem que fazer tudo por conta” [...] (B).

— “Hoje para você ter uma idéia, eu não tenho plano de saúde nenhum, nem a minha esposa que trabalha no Estado. Eu trabalho autônomo e para você ter uma idéia, eu teria que pagar aí R$300,00, R$500,00, R$600,00 num plano de saúde para a família toda. Aí fica difícil! Hoje a gente está aí no dia-a-dia torcendo para que as coisas dêem tudo certo [...] que ninguém fique doente, por que se você fôr pagar por exemplo aí R$600,00 por mês, num ano, vai dar R$6.600,00. Você vai ter que se desfazer, quando que você não tem um trabalho fixo” (B). A entrevistada D reclama da ausência do plano de saúde, dizendo que:

140

— [...] “parece que tudo acontece, as crianças começaram a ficar doentes, eu já não tinha mais plano de saúde, então, foi complicado. Diminuiu muito! Eu tinha um plano de saúde que era cem por cento, hoje não tem plano de saúde para ninguém” (D).

A saúde dos bancários é comprometida também em relação à pressão no interior dos

bancos, sendo que os resultados do fator estresse apresentam conseqüências no âmbito das

particularidades destes trabalhadores, comprometendo até o seu descanso.

— “Hoje eu consigo dormir, na época não, por que a gente tinha inúmeros problemas. Tinha que vender, com meta quinzenal a cumprir. Às vezes, diferenças de caixa, que tinha três dias para solucionar, aí você pagava se não encontrasse a diferença, então acabava não dormindo e nos últimos anos não dormia por causa de dor de LER também. Nos últimos tempos eu tive que tomar remédio para depressão e para poder dormir. Era complicado [...]” (D).

Em um outro aspecto em relação ao campo social, como alegam os trabalhadores ex-

bancários, também sofreram alterações significativas:

— “No tempo que eu estava no banco, tínhamos uma festa praticamente todo fim de semana na associação que fica na saída para Toledo. Reunia todos, existia aqueles jogos do Banestado que era na praia, em Curitiba, todos os anos. Comparando o lazer daquela época e o de hoje, caiu no mínimo 99%. Caiu, caiu muito! Existiam bailes, muitas festas, você era convidado para várias coisas. Hoje, não! Hoje para você comprar uma rifinha é raro, é totalmente diferente” (B).

Segundo a entrevistada D,

— “[...] pelo menos uma vez por semana a gente saía lanchar fora, ou jantar, hoje a gente não sai” (D).

Esta prática acabou. A vida social teve modificações que atingiram o campo do bem-

estar, do lazer e, evidentemente, na nova ocupação, os ex-bancários, por atuarem num

segmento mais precarizado, não têm as mesmas condições de vida. A ruptura do vínculo com

141

o banco impõe mudanças que afetam o campo da sociabilidade, que, por sua vez, interfere no

aspecto pessoal.

— “Era melhor, a gente tinha um clubinho de mulheres do banco. Quando a gente não saía com a turma toda, saía pelo menos com aquela turma de mulheres. Então a gente ia jantar, ia dar uma volta. Hoje as minhas amizades são contadas nos dedos, mesmo porque não saio de casa em hipótese nenhuma. Então hoje vida social, nenhuma!” (D).

No tocante ao reconhecimento de graus de sociabilidade-individualidade, no interior

da contextualidade do aspecto social, ocorreram também alterações.

— “A gente costumava dizer o seguinte, que quem era conhecido na cidade era o prefeito, o padre e o funcionário do banco [...] o pessoal passava no outro lado da rua e te cumprimentava. Hoje vira-se a cara ou faz de conta que não te viu ou não te conhece” (B).

Percebe-se, assim, que o lugar ocupado na sociedade e o reconhecimento que a mesma

tinha pelo bancário, compunha um significado de existência expressiva.

— “Quando eu entrei no banco que vi que eu tinha bastante conhecimento, por que o pessoal respeitava você como um ser humano [...] eu participava da igreja, de todos os campeonatos, o pessoal me chamava para o envolvimento na comunidade, eu participava do colégio, da APM. Na política eu era mesário, então tudo isso fazia sentir-se um ser humano, se sentia uma pessoa respeitada” (B).

Se, por um lado, a sociedade reconhece no bancário um trabalhador com significativo

grau de sociabilidade, por outro, o banco tem uma relação mercadológica com seus

funcionários. Ao capital, interessa extrair do trabalhador a mercadoria força de trabalho, por

isto as relações humanas no ambiente de trabalho por parte dos capitalistas ficam relegadas a

segundo plano, seja problema familiar, seja problema pessoal (como LER, lesão por esforço

repetitivo), até ocorrer a demissão:

142

— “Eles não levavam em consideração o fato de você ter um problema familiar” (D).

— “[...] nunca se importaram em ver se eu tinha melhorado ou não da minha LER” (D).

— “[...] o banco simplesmente me chamou e disse que não precisava mais dos meus trabalhos a partir daquele dia” (D).

A precarização nas condições de trabalho no setor financeiro torna mais complexo o

cotidiano do trabalho no interior dos bancos, que acirra a pressão à categoria trabalhadora

bancária e intensifica seu desempenho e produtividade como forma de evitar o desemprego,

maior expressão do processo de reestruturação produtiva. Assim, o setor financeiro vai

suprimindo e subordinando as ações dos trabalhadores bancários ao mero funcionalismo,

descaracterizando qualquer segmentação coletiva.

O trabalhador, na sua individualidade, tem menor poder de organização do que na

coletividade. Esta situação expressa uma condição real do receituário neoliberal, pois o

mesmo necessita incessantemente inviabilizar qualquer possibilidade de organização da classe

trabalhadora, por meio de suas organizações. A fragilidade da instância coletiva é funcional

ao modo capitalista de produção em vigência.

Outro campo que também acarretou alterações na contextualidade da precarização, é o

aspecto pessoal.

— “As perdas influenciaram em todos os aspectos pessoais e familiares” (A).

— “Se você trabalha no banco, eles te pagam INPS, plano de saúde, ticket refeição. De repente você não contabiliza isto na tua vida, no dia-a-dia. E quando sai, você pensa: poxa como isto me faz falta. Então neste sentido me fez diferença” (C).

O trabalhador não percebe o salário indireto, porém, valoriza-o como conquista.

Certos benefícios induzem a categoria trabalhadora bancária a conceber ganhos

143

complementares como avanços e são levados a assimilar a compensação de salário indireto

por benefícios, que não significam crescimento no aspecto valorativo do trabalho. No campo

do trabalho, que mantém o vínculo entre empregador e empregado, o capital vem

gradativamente tirando direitos da classe trabalhadora. Por outro lado, a ruptura de vínculo

empregatício interfere na continuidade dos projetos teleológicos. Nesta perspectiva, a

demissão do banco interferiu sobremaneira no cotidiano, no âmbito pessoal.

— “No campo emocional eu fiquei abatida. Muito abalada, fiquei trinta dias sem sair de casa, porque por mais que eu sabia que ia ganhar a conta, é um fato que você não aceita [...] os meus filhos não podiam nem falar comigo, eu queria moer eles quando chegavam perto de mim para falar alguma coisa [...] Eu acredito que eu fiquei com uma depressão muito grande nesse período, eu cheguei a ter que me medicar, pelo fato de não ter conseguido trabalho e vendo que, sabe que criança, eles não querem nem saber se você tem ou não [...] Nos primeiros meses que eu saí do banco eu me senti uma inútil, primeiro por que eu não podia fazer nem meu trabalho de casa, depois, porque eu não conseguia trabalho, então, eu me senti muito inútil. Chegou uma época que resolvi que eu não ia mais nem procurar trabalho [...]” (D).

Percebe-se que a condição de existência do ex-bancário alterou no aspecto econômico,

político, social e cultural, mas é na instância econômica que o trabalhador enfrenta, de

imediato ao desligamento, as conseqüências mais profundas, conforme fala da entrevistada D.

A dificuldade em empregar-se novamente atinge aspectos do âmbito da saúde biológica do

trabalhador. Mas torna-se também grave a condição de estar desempregado na dimensão do

desalento.

Entretanto, o fator precarização não sofre determinações apenas pelo aprofundamento

das questões econômicas, mas tem relação direta com a fragilidade da categoria trabalhadora

bancária, por conta da precarização nas condições de trabalho, que por sua vez, tem relação

com a diminuição do número de greves, a qual encontra como uma das justificativas

concretas, o medo do desemprego.

144

Todas as tentativas da categoria trabalhadora de pressionar o sistema financeiro

bancário em favor de seus direitos esbarram nas determinações do capital, que tem, no

receituário neoliberal, as formas combinadas e planejadas (MANDEL, 1985) de combate à

crise e da manutenção do modo capitalista de produção, mediante a supressão da organização

da categoria trabalhadora bancária (JINKINGS, 2002). A luta no âmbito individual tem menor

poder de força do que na esfera coletiva.

O quadro de precarização do mundo do trabalho no setor financeiro às vésperas do fim

do segundo e do limiar do terceiro milênio, com a conseqüente fragilidade do poder sindical

bancário, estão associados às condições de trabalho no interior dos bancos, que eram, no

relato dos entrevistados, caracterizados por pressão e estresse. Nos bancos é necessário haver

um volume de vendas, e isto recai sobre os bancários.

— “Cumprir metas, estar sempre correndo atrás de clientes. Eu vejo que hoje em dia eles estão empurrando coisas para os clientes. Pressionando, querendo tornar necessário uma coisa que não é necessária para o cliente” (C).

— “Eu me sentia mal e não gostava de vender, ainda mais sob pressão. Não que o banco pressionava, a própria estrutura bancária é que exige isto. Hoje se você está no banco, você tem que cumprir metas, é o trabalho do banco. Ele vende de tudo para você lá dentro” (C).

Trata-se de total subordinação da mercadoria força de trabalho aos ditames do capital.

O trabalho é negado em função da acumulação de lucro, que tem no processo de venda no

interior dos bancos, a circulação de mercadorias, sob os moldes de serviços, como venda de

consórcios, seguro de vida, fundos de capitalização, poupança programada, dentre outros.

— “No caso das metas, eram feitas reuniões onde a gente era avaliado. Todos os funcionários iam lá na frente e aí eles diziam: fulano cumpriu a meta, tantos por cento e fulano não cumpriu nem um por cento. Então a gente era humilhado muitas vezes por não conseguir cumprir meta. Essa punição era registrada com pontuação, nós tínhamos uma avaliação. Muitas vezes a pessoa era promovida em função desse cumprimento de metas.

145

Então a gente era pressionado por que vivia 30 dias com venda na cabeça e aí de repente não vendia. No final ainda você era humilhado, porque eles diziam lá na frente, às vezes até com chefia alta, que você não tinha feito venda o suficiente. E não queriam nem saber por qual motivo. O que importava era que vendesse, eles não queriam saber se tinha algum problema com o teu filho ou problema com você naquele mês, com atestado ou não, a meta era igual, tinha que cumprir. Preocupação com você, com a sua família, não! Nenhuma preocupação!” (D).

A pressão pelo cumprimento de metas rege o trabalho no interior dos bancos, por sua

vez determina o cotidiano de famílias inteiras. Sem trabalho e renda, na conjuntura atual, a

vida humana atinge o grau extremo de precariedade. No entanto, algumas ocupações, como o

emprego no setor financeiro, submete o empregado a situações aprofundadas de negação do

trabalho, em nome do objetivo do capital: a acumulação. O banco suga, explora, expropria.

Enquanto o trabalhador estiver gerando lucro, é de interesse do capital mantê-lo. Mas

— “[...] o elemento humano não é principal, ele é um mero componente” (A).

Ao trabalhador, cumpre apenas exercer o seu papel: a venda da mercadoria força de

trabalho. Com isto, o econômico é exaltado e o social, subjugado às determinações do capital.

— “O banco sugava, ele suga e acredito que todas as instituições financeiras sugam os funcionários, por que, enquanto estiver dando lucro, você é um funcionário excelente, mas a partir do momento em que deixou de produzir aquilo que eles querem, você deixou de ter valor, isso eles sempre deixaram bem claro. Em todas as reuniões realizadas, eles valorizavam muito aquele funcionário que dava lucro, que vendia, que conseguia fazer uma aplicação grande, que corria, que conseguia, e aquele que se ferrava, que ia atrás e não conseguia, não tinha valor. Quem conseguia era premiado, muitas vezes em espécie” (D).

— “Os bancos, eu acho que num aspecto geral sugam muito. Hoje eu penso assim, naquela época não, eu achava que estava tudo bem, o meu salário era bom, eu tinha privilégios que outras pessoas não tinham, naquela época eu não pensava dessa maneira, hoje, você vendo por outro aspecto, você vê que a gente era muito explorado” (D).

146

O capital, ao longo da sua história, criou e recriou formas de manter-se enquanto

sistema. Na atualidade, utiliza-se de sutilezas, estratégias e combinações que subjugam e

manipulam a classe trabalhadora aos seus interesses. No setor financeiro, a pressão por

produtividade, o enfraquecimento do poder sindical, o achatamento salarial, entre outras

determinações, impõem um novo comportamento à categoria. Como resultado, chega um

momento em que os trabalhadores não encontram mais na atividade bancária as mesmas

expectativas quando da sua entrada no banco. Por exemplo:

— “Quando o banco [...] começou a transferir, vai pra lá, vai pra cá, pá..pá..pá, passei por incríveis situações” (A).

— “Eu não suportava mais aquilo lá. É um verdadeiro terrorismo psicológico” (B).

Outro exemplo da pressão a que era submetido o trabalho ao capital no interior dos

bancos é anunciado pelo depoimento seguinte:

— “Quando saiu o Plano de Demissão Voluntária, fui a primeira pessoa a chegar e falar olha, eu quero entrar nesse PDV” (B).

A pressão, a submissão e o estresse levam à saturação, até o momento em que a

categoria trabalhadora bancária deixa de sonhar com o trabalho do banco. Quem está fora do

banco hoje não tem a mesma impressão de quando iniciou suas atividades no setor financeiro.

As recordações são ruins.

— “A gente vê que o pessoal que continua trabalhando estão bagassados” (D).

O trabalho no setor financeiro encontra-se num nível de profunda expropriação. Por

um lado, a pressão por produtividade é intenso, por outro, o poder de organização categorial

147

enquanto luta de classes encontra-se comprometido face aos engendramentos do capital. Com

isto, o esfacelamento da força de trabalho bancária enquanto instância coletiva é um dos

exemplos mais concretos do aumento das contradições entre capital e trabalho.

Conseqüentemente, um grande contingente de trabalhadores ex-bancários, ao se

depararem com o mercado de trabalho concorrencial pós-demissão, desqualificados e

deslocados das novas exigências de qualificação x preparação, na perspectiva da formação

para o mercado, acabam inserido-se na informalidade.

Na nova materialidade, deparam-se com condições de trabalho mais precarizadas que

o trabalho no setor financeiro; prevalecem condições de desproteção da legislação, que o

trabalho sem carteira assinada não tem; deparam-se com a total desorganização de

trabalhadores enquanto instância de luta categorial, dada a ampliação das relações de trabalho

no setor terciário, perdendo o vínculo com uma das poucas categorias que ainda tem poder de

representatividade perante o capital. Por outro lado, o trabalho no setor financeiro é alienado,

o trabalhador estando consciente ou não. Por sua vez, ao ser trabalho alienado, o trabalhador

bancário reproduz a lógica capitalista.

4.2.2 – A Supressão ao Sindicalismo pela Ofensiva Neoliberal

O sindicalismo, segunda determinação em análise, teve seu papel enfraquecido diante

da categoria trabalhadora bancária no final do século XX, frente à ofensiva neoliberal, que

teve, na supressão ao sindicalismo bancário, uma das suas maiores e mais expressivas

manifestações. O sindicalismo bancário, que nos anos 80 tinha forte poder de

representatividade junto à categoria trabalhadora, passou nos anos 90, e enfrenta neste início

de século XXI, intensa ofensiva neoliberal, tornando-se fragilizado e tendo suas bases de luta

148

enfraquecidas diante do capital, que visa fragmentar a classe trabalhadora que se organiza e

reivindica seus direitos. No caso da categoria trabalhadora bancária, o receituário neoliberal,

por meio da Reforma do Estado, intensifica ações regressivas, tornando esta categoria mais

fragmentada e fragilizada, para que esta se submeta às determinações do modo de produção

capitalista, subjugando sua mercadoria força de trabalho aos delineamentos do capital. Assim,

quanto maior for a pressão do capital contra a organização na instância coletiva maior é a

fragilidade e menor é o poder de luta da classe trabalhadora, que, na esfera individual, perde

seu sentido de luta de classes.

Entretanto, apesar da dura ofensiva neoliberal ao sindicalismo, é no setor bancário que

ainda reside uma das maiores organizações de categoria. Esta possui o sistema de ter um

funcionário de cada instituição financeira licenciado para atuar exclusivamente no sindicato,

mostrando que, enquanto coletividade, lutou-se por conquistas que foram adquiridas

historicamente.

Os representantes das suas devidas instituições junto ao sindicato dos bancários

possuem poder de luta para manter os direitos adquiridos pela categoria em vigor, bem como

manter-se em permanente atuação por novas conquistas trabalhistas. Neste sentido, o bancário

não só foi para a informalidade, mas deixou de estar numa categoria que ainda tinha poder

representativo perante o capital. Consciente ou não, o ex-bancário perdeu isto, pois o banco

dava condições, ou seja, poder de luta, que, na informalidade, fragmenta-se.

Enquanto no setor financeiro o bancário tinha poder representativo de categoria

trabalhadora, no trabalho informal, a esfera coletiva perdeu seu significado, imperando ações

individuais. Este, por sua vez, apresenta um poder de força substancialmente menor,

comparativamente à organização dos bancários enquanto categoria trabalhadora.

Conforme Jinkings (2001), a reestruturação produtiva debilitou as ações de resistência

no interior dos bancos, tornando desestruturada e fragilizada a força de trabalho bancária, que

149

se vai tornando mais expropriada e subordinada aos ditames do capital, que, por meio do

receituário neoliberal, interfere sobremaneira nas condições e no significado do trabalho no

interior dos bancos. Assim, diante da dimensão de embate da força de trabalho bancário em

movimento – ora enfraquecida –, o sindicato perde gradativamente poder de força e

representatividade para com os trabalhadores bancários.

Para Jinkings (2002), esta crise sindical ocorreu na maioria dos países capitalistas

avançados ao longo dos anos 80, mas afetou a estrutura sindical bancária brasileira de maneira

expressiva nos anos 90. O governo Fernando Collor de Mello foi decisivo para a crise do

sindicalismo bancário brasileiro, do mesmo modo que foi dócil à entrada da política

neoliberal no país. Fernando Henrique Cardoso, ao dar continuidade à política do governo

anterior, além de compactuar com o receituário neoliberal, aprofunda a ofensiva neoliberal à

categoria trabalhadora bancária. Atualmente, o governo de Luís Inácio Lula da Silva vem

cumprindo as mesmas premissas do receituário neoliberal.

Ocorre, no processo de reestruturação produtiva no setor financeiro, uma combinação

planejada do capital, como se refere Mandel (1985), com a finalidade de desmobilizar os

sindicatos – espinha dorsal da luta de classes. Esta meta tem alcançado resultados

surpreendentes ao capital, e a partir dos anos 90, no Brasil, ocorre uma redução significativa

no enfrentamento do trabalho em relação ao capital, com destaque à categoria sindical dos

bancários.

Para combater a crise, o capital coloca com mais veemência e centralidade o aspecto

econômico no sentido de mercado, tendo, como conseqüência, a ampliação do trabalho

precário e, por meio de mecanismos propagandísticos de forte cunho ideológico e/ou pela

força, tem ofuscado a contradição e o antagonismo de classe.

Assim, caminha junto com a precarização do emprego, a despolitização da classe

trabalhadora que, pelos trâmites do capital, tem como objetivo tornar a categoria o mais

150

“dessindicalizada” possível, fragmentando os movimentos sindicais. Este quadro, conforme

Netto (1995, p. 32), mostra que “[...] a ofensiva neoliberal tem sido, no plano social, simétrica

à barbarização da vida societária [...]”.

Por outro lado, mesmo diante da fragilidade do poder sindical, conforme explicitado

por Jinkings (2001; 2002), os trabalhadores, em suas falas, reconhecem, no sindicato, uma

instância de defesa da categoria trabalhadora.

— “Eu acho que sempre tem que ter um sindicado porque senão piora. Eu acho que o sindicato é uma entidade que está lá para defender o funcionalismo. Tem que existir porque, senão melhora, também não deixa cair” (C).

— “Eu acho que hoje em dia nenhum trabalhador consegue alguma coisa se não tiver o sindicato por trás. O sindicato é importante para o trabalhador e no sentido de conseguir fazer um acordo, tanto trabalhista como qualquer outro tipo de acordo. Se não tiver o sindicato, acho que o trabalhador, de nenhuma categoria consegue alguma coisa. Acho que em todas as categorias o sindicato é importante” (D).

Entretanto, a categoria trabalhadora bancária, da forma como está composta, não está

suficientemente organizada coletivamente. Isto diminui o poder de ação do sindicato. Muitos

trabalhadores se mantêm na individualidade, mantendo contato com o sindicato por mera

formalidade e assistencialismo, esperando do mesmo um advogado de defesa.

Os bancários, ao invés de se envolverem com o sindicato na perspectiva de luta por

conquistas e direitos, vêem neste órgão uma mera representatividade, no âmbito individual e

não coletivo. Este conformismo, no entanto, é um elemento novo no pós-90, quando o

receituário neoliberal colocou em prática seu ofensivismo, com o objetivo de desmobilizar a

categoria trabalhadora.

[...] quer pelas condições sociais, políticas, ideológicas e econômicas que marcam a contemporaneidade brasileira, subordinada a princípios e programas neoliberais, quer pela intensa mudança nos ambientes laborais – automatização, novos métodos de organização, controle, remuneração e contratação da força de trabalho – e suas

151

repercussões nas condições salariais, de emprego e saúde dos trabalhadores, o sindicalismo bancário tem sua capacidade conflitual e organizativa fortemente reduzida e pratica ações reativas diante da ofensiva do capital e do Estado neoliberal contra o trabalho (JINKINGS, 2002, p. 364-365).

A categoria trabalhadora bancária, assim como em outros segmentos profissionais,

enfrenta, no setor financeiro, uma realidade de dura ofensiva do capital, contexto em que a

luta sindical viveu forte refluxo na década de 90. No entanto, mesmo enfraquecido, o

sindicato é a esfera de defesa dos bancários. Estes trabalhadores vêem no sindicato, na

maioria das vezes, apenas uma instância de defesa no âmbito econômico. Neste sentido, os

interesses são financeiros e não de categoria.

— “[...] por exemplo, um aumento de salário, toda vez que precisa alguma coisa a favor do funcionário, tem que ter alguém e esse alguém seria o sindicato, para efetivar as reivindicações [...]. Não que o sindicato seja mais forte que a empresa, mas de alguma forma ele é ouvido, sempre tem que estar lá negociando. Eu acho que o sindicato é o teu advogado de defesa” (B).

Várias são as expressões que sinalizam o grau de consciência da classe trabalhadora

para com o enfraquecimento da instância que deveria ser seu órgão representativo, mas que

está abalado, enfraquecido e fragilizado pelos (des)mandos do capital, por meio do receituário

neoliberal, inclusive destacando o período atual em que o partido dos trabalhadores é governo.

— “Eu acho que o próprio sindicato vai se enfraquecendo [...] É muito ôba-ôba para pouca solução [...] no tempo que o PT era regra, o sindicato era uma coisa [...] agora o PT é vidraça [...] (A).

— “Eu acho que o desemprego é tanto, não que a gente tem que aceitar tudo o que vem por aí, mas se você está no banco, ganhando aquele valor, e tem tanta gente desempregada, eu acho que não adianta hoje em dia fazer essas greves. Eu acho que na condição que está o Brasil agora, não sei se eu participaria, assim como eu fui ativa na época em que estava no banco. Acho que o sindicato tem um poder de força menor hoje. Naquele tempo ele tinha força, porque o banco precisava de muita gente para trabalhar, o que não acontece hoje. Na atualidade, é só demitir todos os funcionários que vai encontrar o mesmo

152

número de pessoas desempregadas para empregar na hora. Tanta gente desempregada que tem por aí. Isso faz com que os bancários trabalhem sob pressão, é ruim! E também se submetam a um salário menor, em função disso” (C).

Por isto, o desemprego, por um lado, inibe e enfraquece as possibilidades de greves. O

capital utiliza-se de estratégias combinadas (MANDEL, 1985) para fragilizar a categoria

trabalhadora na esfera coletiva. Por outro lado, quanto maior for o exército industrial de

reserva, maior tende a ser a pressão aos trabalhadores no interior dos bancos. O desemprego

intensifica a pressão por produtividade. O enfraquecimento do sindicato é funcional ao setor

financeiro e à lógica do capital, no processo de pressão à categoria trabalhadora bancária.

— “O sindicato está mais fraco e fragilizado hoje. Eu acho que a causa é o próprio desemprego que tem no país e a informatização que tem no banco, pois não tem mais necessidade de tanta gente. Quando eu estava no banco, o que eles queriam é que se ensinasse o cliente para que, quanto mais ele se virasse, melhor. Porque daí, em média, se mil clientes soubessem se virar sozinhos, poderia dispensar uns três funcionários. É o auto-atendimento! Então, se você começar brigar, daqui um pouco é mais uma justificativa para o banco dispensar os trabalhadores” (C).

O movimento de reestruturação produtiva no setor financeiro tem acirrado as

condições de trabalho no interior dos bancos, acompanhado pelo contexto de introdução de

novas tecnologias, como o auto-atendimento, por exemplo. Com isto, a política de demissões

implementada pelas instituições financeiras vem promovendo tensão e medo da possibilidade

de desemprego, um dos fortes fatores de desmobilização da categoria trabalhadora na esfera

coletiva, que, no pós-70, em função da crise do capital, ampliou suas dimensões.

E o setor financeiro sofreu nos anos 90 as conseqüências desta crise, diminuindo o

número de trabalhadores no interior dos bancos. Com isto, o medo do desemprego acirra a

pressão aos trabalhadores, interferindo diretamente em dois fatores: primeiro, o

enfraquecimento da categoria trabalhadora mediante a diminuição ou supressão do

envolvimento do bancário com o sindicato; segundo, submetendo o bancário à lógica do

153

trabalho no setor financeiro das últimas décadas – financeirizado –, sob o ritmo do estresse,

pressão e venda, expropriando e subordinando o trabalho às determinações da acumulação

capitalista, dentro e fora do banco.

Diante do quadro de flexibilização e crescente precarização da contradição das

relações entre capital e trabalho no setor financeiro, a ofensiva neoliberal, além da pressão à

categoria trabalhadora e do combate ao poder sindical, da imposição do trabalho bancário à

lógica da financeirização no sistema financeiro, vem alterando a intensidade das greves, que

teve nos anos 80 o seu auge, mas que passa por um período de crise na década de 199063.

O enfraquecimento do poder dos sindicatos enquanto instância coletiva em defesa da

classe trabalhadora, e a conseqüente pressão cotidiana sobre a mesma, em atividade no

mercado formal de trabalho, alterou o sentimento e a opção da classe trabalhadora no

envolvimento com as greves.

— “Eu acho que não adianta hoje em dia fazer essas greves” (C).

— “O sindicato já foi muito forte e tinha forte poder de representatividade até 90. A partir de 90 eu acredito que o sindicato dos bancários perdeu muito a sua fertilidade perante as instituições financeiras. Acho que eles afrouxaram, porque até 90 a gente fazia piquete, não trabalhava em hipótese alguma. Eles conseguiam mobilizar os funcionários e colocar na cabeça da gente que só se conseguia alguma coisa através de pressão. Naquela época a gente ficava um mês, dois meses fazendo greve, ficava de fora, se tivesse que descontar os dias parados, que descontassem. Então, o sindicato dava essa credibilidade para a gente lutar. Eu acho que a partir de 90, eles davam muita liberdade para o patrão. No meu entender é isso que acontecia, quando fazia-se assembléia eles deixavam os patrões participar junto, aí eles ficavam marcando quem é que ia erguer a mão e que ia aceitar greve. É lógico que o pessoal se sentia inibido” (D).

— “Falo de ponto fraco do sindicato pela falta de resistência. Hoje os funcionários têm os dias descontados se fizer greve, o sindicato não consegue mais fazer o patrão pagar os dias parados, então eles pegaram o ponto fraco e lógico, se você fica mais que quinze dias, vai ter

63 Para se ter uma idéia, em 1989 registrou-se 3.394 greves da classe trabalhadora em todo o país. Em 1999, este

número caiu para 553. Foi uma redução de mais de 700% (DIEESE, 2000; 2001).

154

uma perda muito grande, então, você não fica parado fazendo piquete, eu duvido alguém que fique fazendo piquete hoje mais de dez dias” (D). 4.2.3 – A Resposta dos Trabalhadores Ex-Bancários

A terceira determinação expressiva – a resposta dos trabalhadores ex-bancários –,

diz respeito à escolha, entre alternativas, como manifestada na fala dos entrevistados, no

contexto de enfrentamento a um novo mercado de trabalho após a demissão do banco. Os

trabalhadores ex-bancários precisaram submeter-se ao trabalho informal, diante do

acirramento de oferta de vagas no mercado formal de trabalho ou por opção destes

trabalhadores em manter-se fora do segmento organizado ou formal da economia.

Assim, por conta da desqualificação promovida pela limitação às atividades no banco,

os trabalhadores ex-bancários, ao se depararem com a realidade objetiva, tiveram que

encontrar uma atividade que lhes desse condições de dar continuidade aos seus projetos

pessoais e familiares. Tais projetos sofreram alterações na vida dos ex-bancários, sendo que a

maioria dos mesmos migrou para a área de serviços64.

Mediante as entrevistas realizadas, percebemos que a atividade dos trabalhadores que

são autônomos que trabalham por conta própria, assim como os pequenos proprietários

informais, desenvolvem atividades que são funcionais ao modo capitalista de produção,

promovendo a circulação de mercadorias e impulsionando o consumo. É um conjunto de

atribuições enfrentadas pelos ex-bancários na contextualidade do trabalho informal, como:

— “Fazer temperos, conservas, pimentas [...] cozinhar” (A).

— “Quando saí, eu não tinha um projeto, não tinha nada. Eu saí aqui fora para tentar a vida e começar tudo de novo” (B). 64 Conforme expressam as ilustrações das páginas 111 a 119.

155

— “Quando saí do banco, como eu sabia que a única coisa que eu sabia mexer era com

dinheiro, era com banco, fui agiotar. Fui trocar uns chequinhos, não é bem agiotar, eu tenho uns amigos que precisavam de dinheiro, então eu comprava, quando tinha uns chequinhos, eu comprava deles. Não é bem... sei lá, é uma sociedade, a lei talvez vai dizer que isto aí é agiotagem. Mas poxa vida, fiquei tanto tempo no banco e vou continuar fazendo a mesma coisa? E parei com isto aí e fui mexer com carro, mas como eu não tinha conhecimento nenhum no mercado de carro, foi pior ainda, aí que eu comprei a Dismarina, que eu entrei com 50% que daí acabou de ficar pior ainda. Então eu acho que todo bancário, a única coisa que ele sabe fazer mesmo é trabalhar na área de dinheiro, na área de empréstimo, de compra de cheques, não vou dizer que o cara vá trabalhar exclusivamente com agiotagem, mas ele pode pegar uma empresa que faz empréstimo, esta é a área do bancário. Fora disto é difícil. Então depois que saí do banco, eu já agiotei, já vendi carro, tive pequena empresa, a qual sou sócio ainda, já vendi produtos do Paraguai, o que está fraco no momento e voltei a comprar e vender uns chequinhos aí” (B).

Os trabalhadores, em qualquer que seja o ramo específico de atividade informal,

reproduzem a lógica de acumulação capitalista. Entretanto, no processo de valorização

(distribuição, circulação e consumo), colocam-se para o trabalhador condições para usufruir

da liberdade de mercado, porém, este movimento não o torna livre. O mercado dá opções de

ocupação, com aparente liberdade, portanto, uma liberdade limitada, pois todo o conjunto de

ocupações, no modo capitalista de produção, está subordinado aos (des)mandos do capital.

Na falta de um trabalho garantido,

— “Eu peguei e fui trabalhar informal, comecei ir no Paraguai comprar produtos de informática, arrumei uns ‘clientinhos’ que me compravam as mercadorias, joguei uma margenzinha, e isso aí me ajudou um pouco” (2B12). Por isso, “profissionalmente alterou totalmente, porque aquilo que eu fui fazer, que é o comércio, é uma modalidade comercial totalmente diferente do banco” (C).

Outra dimensão da informalidade também se põe na dimensão de criação de pequena

empresa informal. Como aponta a entrevistada C, que se uniu a seu pai em um atacado de

“R$1,99”.

Na mesma dimensão de pequena empresa e pequeno negócio, a informalidade foi, no

caso da entrevistada D, uma resposta diante da dificuldade de conseguir emprego.

156

— “Quando me desliguei do banco, a primeira tentativa foi fazer curriculum e distribuir nas empresas, tentando alguma coisa na minha área [...] Não consegui emprego nenhum, aí entrei em desespero pelo fato de não conseguir trabalhar” [...] (D).

Esta situação perdurou por três anos. Dentre os motivos alegados pela entrevistada,

destacam-se: a desqualificação, a limitação que o banco deixou para exercer qualquer outro

trabalho, o fator idade e a LER. No entanto, após os três anos,

— “Hoje eu tenho um pequeno negócio graças a Deus e ao meu esforço também [...] Hoje a loja me dá uma luz no fim do túnel, eu tenho esperanças” (D).

Percebe-se, conforme as falas anteriores, que uma das causas diretas de os

trabalhadores ex-bancários se inserirem na informalidade reside na desqualificação, ou seja,

na limitação que as atividades do setor financeiro promovem à categoria trabalhadora. As

instituições financeiras, na sua grande maioria, não proporcionam preparação ao trabalhador

para que o mesmo possa reinserir-se no mercado de trabalho após a demissão, pois as

atribuições dos trabalhadores no cotidiano do trabalho bancário são em geral atividades

simples com especialidade direta para o setor bancário somente, sendo exemplos o

trabalhador caixa do banco, escriturário e atendente.

Neste sentido, as conseqüências da não-qualificação durante o período de vínculo

empregatício com o banco recaem após a demissão, quando o enfrentamento com o novo

mercado de trabalho exige algum tipo de qualificação. No entanto, percebe-se que o

trabalhador ex-bancário tem a consciência, após a demissão, de que o tempo médio em que se

dedicou à instituição financeira não possibilitou apropriar-se de outras dimensões da própria

profissão ou de outra, inclusive não ter aproveitado oportunidades para, no mínimo, realizar

um curso superior.

157

— “Na época que eu estava no banco, se tivesse feito uma ou duas faculdades, isto iria me ajudar muito mais hoje” (B).

Trabalhar numa instituição financeira não significa ter uma profissão assegurada, pois

o mercado de trabalho tem mostrado correntemente que os empregadores desta área alteram o

seu quadro, o que coloca em destaque a vulnerabilidade da relação empregatícia. Na última

década, esta situação tem agravado, pois, além do fator vulnerável, a redução do quadro

funcional já atingiu 80%65. “No contexto da reestruturação produtiva, o emprego nos bancos

deixa de ser caracterizado como provisório, que se transforma em definitivo, para se constituir

em definitivamente provisório” (SEGNINI, 1999, p. 2002).

É expressiva, na fala dos ex-bancários, a dificuldade de inserção no mercado de

trabalho por conta da desqualificação causada pelo banco.

— “Eu mesmo tive que saber o que fazer, o banco não me preparou para fazer nada aqui fora não” (B).

Com a reestruturação produtiva, a atividade/função desenvolvida pelos bancários tem

reduzido a cada dia em trabalho simples, o que causa o sentimento de desproteção do

emprego diante da necessidade de responder às novas exigências impostas pelo mercado,

reduzidas as escolhas entre alternativas, os ex-bancários não conseguem trilhar outro caminho

profissional ou permanecer nas mesmas funções. É neste contexto que estes trabalhadores, em

conjunto com a grande maioria da força de trabalho ativa, estão se inserindo nas novas

determinações do mundo do trabalho, ou seja, na esfera da informalidade.

65 Verificar página 90 deste trabalho.

158

Destaca-se, dentre os entrevistados, a fragilidade em que se encontram enquanto

bancários, pois a ideologia66 presente na proposta de qualificação dos trabalhadores sempre é

reduzida a cursos de curta duração e restrita à área de informática, pois é este o campo por

meio do qual as instituições financeiras investiram recursos volumosos, cumprindo os grandes

ajustes tecnológicos e científicos, dando vazão à reestruturação produtiva nesta área. Em

primeiro lugar vem o banco e seus objetivos. O trabalhador é, de forma sutil, concebido como

uma mercadoria qualquer. Em um primeiro momento, ocorre o processo de alienação.

Entretanto, dado o intenso grau de expropriação, o sujeito deixa de ter importância primeira e

a mercadoria toma o seu lugar. Este passa a ocupar o lugar da mercadoria, enquanto a mesma

toma o lugar de sujeito. Trata-se da inversão de papéis e conteúdos, onde o sujeito torna-se

objeto e o objeto torna-se sujeito, ganhando a dimensão concreta da reificação67.

— “O banco não me preparou para nenhuma atividade, mesmo por que a única

preparação que eles davam era um cursinho de informática. Como é que eu ia fazer um curso de informática se eu tinha LER, estava com o meu braço duro?” (D).

No entanto, não passa de uma medida paliativa, pois os conhecimentos adquiridos

neste caso são apropriados pelo banco em atividades rotineiras no cotidiano do interior do

próprio banco. É um investimento permanente, porém voltado especificamente para o

momento pontual. Com a velocidade de ajustes nos programas de softwares, esta qualificação

perde sua potencialidade em curto prazo, mas é significativa em expropriar de forma direta

66 Para aprofundar o conceito de ideologia em suas diferentes referências teóricas, não é preocupação neste

trabalho. No entanto, para referenciar uma discussão no viés marxista e marxiano, é possível referenciarmos O que é ideologia? (CHAUÍ, 2001) e A ideologia alemã (MARX & ENGELS, 1986).

67“Reificação é o ato (ou resultado do ato) de transformação das propriedades, relações e ações humanas em

propriedades, relações e ações de coisas produzidas pelo homem, que se tornaram independentes (e que são imaginadas como originalmente independentes) do homem e governam sua vida. Significa igualmente a transformação dos seres humanos em seres semelhantes a coisas, que não se comportam de forma humana, mas de acordo com as leis do mundo das coisas. A reificação é um caso ‘especial’ de alienação, sua forma mais radical e generalizada, característica da moderna sociedade capitalista” (p. 314). BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

159

enquanto perdurar, retirando dos trabalhadores o máximo das suas energias físicas e

psíquicas.

Esta constatação recai em todas as funções bancárias. No entanto, a função de caixa

bancário ganha expressividade no que se refere à exploração e caracteriza-se em seu extremo

em trabalho repetitivo que, em curto espaço de tempo, ganha graus de simplicidade.

— “Teve gente aí que hoje passa necessidade por não saber fazer outra coisa, exceto

na área de banco” (A).

Ao chegar neste limite, há afirmativas que materializam a situação de negação

profissional. Bancário não é uma profissão. O setor financeiro é uma modalidade de trabalho

que coloca características técnicas aos seus trabalhadores.

Situado no extremo do campo simples de trabalho no momento atual, os trabalhadores

ex-bancários apontam que a única saída que alguns dos colegas encontraram foi o

investimento pessoal fora do banco e com recursos próprios.

— “Eu acho que eu mesmo me preparei, o banco em si não. Se você analisar, você faz do banco como se você tivesse entrado numa agência e saído, ninguém fala para você: amanhã você está fora do banco” (B).

O que ocorrerá com o trabalhador do setor financeiro após a demissão não está nos

planos do capital. O profissional bancário é sempre necessário à instituição financeira

enquanto o mesmo estiver vendendo sua mercadoria força de trabalho. No entanto, após a

demissão, o destino dos trabalhadores já faz parte de outro contexto. A dimensão humana não

faz parte do projeto societário burguês, pois, para estes filisteus, representantes centrais do

capital, o ser social é uma coisa68, ou seja, objeto, igual a qualquer outra mercadoria e esta

68 Para Netto (1981, p. 16), “[...] a manutenção funcional do capitalismo tardio tem o seu elemento axial na

reificação das relações sociais: é a reificação, fenômeno sócio-cultural específico do capitalismo tardio, que engendra a resistência histórica deste sistema cuja falência global a crítica teórica vem anunciando há muito [...]”.

160

ganha toda a dimensão de sujeito, mesmo o banco não sendo uma esfera onde o trabalho

produtivo é o determinante, conforme a compreensão (LUKÁCS, 1969).

A estratégia encontrada por todos os ex-bancários entrevistados apresentou formas

combinadas do capital (MANDEL, 1985), de estratégias de sobrevivência (MATTOSO,

2000), bem como expressa as características centrais no atual mundo do trabalho de

desertificação neoliberal (ANTUNES, 2004).

A presente pesquisa possibilitou compreender que todos os ex-bancários entrevistados

inseridos na informalidade estão em situação de precariedade em escala crescente em

comparação com o período de trabalho exercido no banco, isto é, a informalidade, modalidade

específica dentro do setor de serviços, tem uma relação direta e conseqüente da crise de onda

longa recessiva que o capital vem experimentando desde a década de 197069.

Em relação ao entendimento de “setor informal” e “informalidade”, por meio da fala

dos entrevistados, podemos afirmar que a informalidade na concepção atual é o conceito que

mais se aproxima da realidade evidenciada pela pesquisa. Neste caso, o setor informal, como

conceito fora do circuito capitalista de produção, não se sustenta na materialidade estudada,

pois é verificada uma alteração constante e rápida na troca de funções em seu cotidiano. O

primeiro entrevistado autônomo atua como verdureiro, marceneiro e cozinheiro, sendo que

suas atividades oscilam de acordo com a época e a procura por suas prestações de serviços; o

segundo entrevistado atua como pequeno proprietário informal, é sócio de uma representação

de vendas de louças e similares para cozinhas, mas desenvolve paralelamente atividades de

agiotagem e venda de produtos do Paraguai; o terceiro entrevistado é autônomo, é proprietário

de um veículo (caminhão), prestando serviços por meio de fretes na cidade de Cascavel e

região do oeste do Estado do Paraná. O quarto entrevistado é pequeno proprietário informal,

de produtos de “R$1,99”.

69 Verificar o debate teórico no capítulo 2.

161

Percebe-se que, em todos os casos, as atividades não estão isoladas do movimento do

capital, ao contrário, fazem parte do processo de produção, circulação, consumo e acumulação

capitalista. A diversidade e a heterogeneidade de ocupações informais tornou-se tão ampliada

que as explicações sobre o chamado “setor informal”, sob a ótica da teoria da marginalidade,

são insuficientes para explicar a realidade atual. Malaguti (2000), ao apreender as

engrenagens e os mecanismos que articulam o “setor informal” com o “formal”, recusa as

limitadas análises dualistas, entendendo que a informalidade é parte integrante do capital. Na

mesma linha, Tavares (2004) rejeita a concepção dualista, afirmando que o trabalho sob

relações informais não significa estar à margem do capital, mas intrínseco ao modo de

produção capitalista. Esta situação torna-se funcional ao sistema vigente, no sentido de que o

trabalho informal é necessário para a manutenção do sistema em voga. Corrobora ainda

Tavares (2004, p. 16), ao afirmar que [...] “formal e informal coexistem na mesma unidade, e

[...] nesta era da acumulação flexível, o trabalho informal, longe de ser suplementar ou

intersticial, tende a ser cada vez mais incorporado pelo núcleo capitalista”.

Destaca-se que os trabalhadores informais, sujeitos desta pesquisa, encontram-se

imbricados ao segmento formal ou organizado. Suas atividades não estão à margem da

economia capitalista, mas são interligadas e submetidas à formalidade na esfera do processo

de trabalho e, principalmente, na esfera da valorização. São ocupações que expressam um

eixo central que contribui na sustentação e manutenção do capitalismo, porém, em condições

de trabalho em todos os sentidos cada vez mais precárias.

A informalidade apresenta-se, deste modo, como uma das respostas do projeto

societário burguês à crise do capital, que mostrou, na década de 70, elementos concretos de

superprodução. No entanto, esta mesma informalidade no pré-70 era compreendida e

materializada pela teoria da marginalidade como uma dimensão periférica do sistema de

produção e reprodução capitalista. Mas o próprio capital conseguiu, por meio de suas próprias

162

necessidades concretas, alterar e valorizar o mesmo conceito, inclusive ganhando status de

importância para o mercado nas dimensões equiparativas aos setores primário e secundário

(MALAGUTI, 2000; ALVES, 2001; TAVARES, 2004).

Assim, todas as entrevistas que ilustram este trabalho dissertativo caminham na

direção do entendimento da informalidade no seu conceito atual, que se refere ao conjunto de

atividades e/ou ocupações que se encontram fora do campo da legislação trabalhista,

entretanto, inteiramente subordinadas ao capital. Corrobora, nesta perspectiva, o conceito de

Tavares (2004, p. 19), o qual afirma que “[...] toda relação entre capital e trabalho na qual a

compra da força de trabalho é dissimulada por mecanismos que descaracterizam a relação

formal de assalariamento, dando a impressão de uma relação de compra e venda de

mercadoria, é trabalho informal [...]”.

As relações formais e informais encontram-se, assim, interligadas, sendo que a

informalidade ocupa a posição de funcionalidade ao modo capitalista de produção,

permitindo-nos afirmar que a informalidade é – na contextualidade do setor de serviços –,

uma resposta do projeto societário burguês à classe trabalhadora diante da crise estabelecida

na estrutura do capital. Entretanto, grande parte destas atividades são precárias, porém, esta

resposta vem trazendo perdas significativas à classe trabalhadora, principalmente no que

tange à crescente precarização nas relações de trabalho, o que põe a classe trabalhadora, a

partir da resposta do capital, a buscar saídas de enfrentamento. No entanto, na última década,

os resultados não têm sido satisfatórios, porém, principalmente o movimento sindical tem

buscado, em alguns momentos, colocar a contradição entre capital/trabalho na ordem do dia.

Dentre as categorias, destaca-se a dos bancários.

Por fim, este trabalho teve como objetivo compreender e analisar o movimento do

projeto teleológico que trabalhadores ex-bancários do Banestado estão objetivando em suas

atividades na informalidade. Entretanto, devido à complexidade desta temática e da literatura

163

reportada, sugerem-se, como futuras extensões do presente estudo, que outras pesquisas sejam

realizadas para examinar novas (ou velhas) contextualizações acerca da informalidade, bem

como da questão social desemprego, em níveis nos quais esta proposta nos possibilite

inferências.

164

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho dissertativo possibilitou, por meio do contato com trabalhadores

ex-bancários do Banco do Estado do Paraná – Banestado, uma aproximação da compreensão

da escolha, entre alternativas, de trabalhadores ex-bancários do Banestado em Cascavel,

confirmando o anteriormente exposto e identificado pelos dados empíricos: uma gradual,

progressiva e aprofundada tendência à precarização do mundo do trabalho no setor bancário e

uma maioria significativa de ex-bancários migrando para o setor de serviços, destacadamente

nos subsetores informais “autônomo ou por conta própria” e “pequeno proprietário

informal”, comprovando a hipótese inicialmente levantada, de que “a atividade desenvolvida

pelos trabalhadores ex-bancários do Banestado colocou em movimento a alteração do

projeto teleológico, individual e coletivo, porém, não alterou em suas relações objetivas-

subjetivas as dimensões negadoras vivenciadas nas relações estabelecidas entre capital-

trabalho e suas metamorfoses”.

Na objetividade, o projeto teleológico destes trabalhadores foi alterado, pois os ex-

bancários depararam-se, na nova materialidade – a informalidade –, com uma maior

precarização das condições de trabalho, comparativamente ao vínculo anterior com o setor

financeiro. Os projetos pessoais, familiares e sociais passam a ter um maior grau de

dificuldade e complexificação para serem colocados em movimento. A totalidade dos

entrevistados deixou explícito que a informalidade impõe desafios significativamente maiores

do que quando se trabalhava no banco, para manter os compromissos familiares e os projetos

em movimento. No entanto, mesmo com alterações no projeto teleológico, em todas as

atividades, sejam elas formais ou informais, no atual modo capitalista de produção, o que não

alterou no cotidiano dos trabalhadores ex-bancários, na informalidade, foi o grau de negação

165

do trabalho para com o capital, que se apropria da força de trabalho enquanto mercadoria e

desta transforma sua exploração em função da acumulação. O campo econômico é exaltado e

o campo social é aniquilado pelas respostas regressivas e ofensivas do projeto societário

burguês. Trabalho formal e informal estão subjugados ao capital, são indissociáveis e juntos

reproduzem a lógica do modo de produção e acumulação capitalista. O trabalho informal

amplia suas bases de subordinação ao capital, tanto quanto o trabalho formal no interior do

banco também o é. Neste sentido, a meta do capital é extrair valor pela via da exploração da

mercadoria mão-de-obra, fato que se concretiza tanto no trabalho formal como no trabalho

informal. Independente da forma como se dá, interessa tão somente ao capital o resultado

final, que é a acumulação de lucro.

Neste sentido, ao tentar “compreender e analisar o movimento do projeto teleológico

que trabalhadores ex-bancários do Banestado estão objetivando em suas atividades na

informalidade”, identificamos alterações substanciais com tendências à precarização nas

“condições objetivas de trabalho de ex-bancários do Banestado que se encontram na

informalidade em Cascavel”, assim como as “relações pessoais e coletivas construídas por

estes trabalhadores na sua nova ocupação” têm sido um espaço de enfrentamento a

condições concretas mais precarizadas, comparado ao emprego anterior, no setor financeiro.

Assim, a presente pesquisa possibilitou a percepção de algumas tendências:

1. Desemprego bancário na região oeste do Estado do Paraná. Segundo o Relatório

Anual do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Cascavel,

verifica-se, desde 1995 até 2001, uma progressiva diminuição do número de

funcionários, referindo ao conjunto de todos os bancos públicos e privados da cidade

de Cascavel e região oeste do Estado do Paraná. Em 31/12/95 havia na cidade de

Cascavel 1.128 bancários; em 31/12/96, 1.144; em 31/12/97, 1089; em 31/12/98, 981;

166

em 31/12/99, 693; em 31/12/2000, 694; e em 31/12/2001 era de 664 o número de

trabalhadores ocupados em unidades financeiras. Comparando e relacionando o

período de 1995 a 2001, a cidade desempregou 464 trabalhadores, correspondendo a

aproximadamente 59%. Na região oeste, que compreende 21 municípios do pólo

Cascavel, havia, em 31/12/1995, 1.542 funcionários; em 31/12/1996, 1.553; em

31/12/97, 1.423; em 31/12/98, 1.277; em 31/12/99, 950; em 31/12/2000, 935 e em

31/12/2001 o número era de 899 trabalhadores que mantinham vínculo empregatício

com seus bancos. Na região, no mesmo período, foram demitidos 643 trabalhadores,

correspondendo a aproximadamente 42%.

2. Relação entre a informalidade com a crise do capital pós-1970. Diante da crise

estrutural capitalista dos anos 70 do século XX, o capital precisou dar respostas à

crise. Estas respostas se manifestaram por meio da reestruturação produtiva, da

financeirização e do receituário neoliberal. Dentre os diferentes encaminhamentos

adotados pelo receituário, implantou e implementou a Reforma do Estado, que, dentre

suas medidas, registra mudanças profundas na legislação trabalhista, previdenciária e

administrativa. Uma das manifestações peculiares expressivas ocorrida no interior do

Estado é a desestatização de instituições públicas. A privatização do Banestado é uma

das expressões de resposta do capital à crise, correspondendo aos interesses do projeto

societário burguês. Como conseqüência, a informalidade – modalidade específica

dentro do setor de serviços, que tem relação direta e conseqüente da crise estrutural do

capital desde os anos 70, porém com ênfase no Brasil na década de 1990, momento em

que ocorre o processo de desligamento dos trabalhadores das instituições bancárias,

com destaque para o Banestado. Nesta direção, estes trabalhadores, em sua maioria,

deslocaram-se para a informalidade, com um mecanismo operacional, instrumento

concreto de fragilizar e precarizar as relações de trabalho. A informalidade –

167

instrumento do capital – ganhou sustentabilidade na Reforma do Estado por meio da

legislação e atingiu a classe trabalhadora. Por outro lado, a formalidade não é só uma

dimensão burocrática. Ela é a expressão das conquistas sociais, econômicas e

políticas.

3. A indissociabilidade entre setor informal e trabalho informal. O vínculo de

carteira assinada e a relação salarial não dão conta de explicar a realidade atual,

momento em que se discute a temática com novos ingredientes teórico-metodológicos,

que ampliam o conceito. A ampliação das ocupações sob relações fora do âmbito da

legislação trabalhista expandiu-se de forma desmedida. O trabalho informal, na

atualidade, é heterogêneo e fragmentado, tornando impossível mensurar

quantitativamente quantos trabalhadores se encontram desenvolvendo atividades

informais. Entretanto, é possível afirmar que o setor informal, enquanto conceito que

sinaliza para as ocupações que estariam à margem do capital, não explica a realidade

atual, em que existe um conjunto diverso e ampliado de ocupações informais, dando a

caracterização de informalidade enquanto conceito que historicamente apresenta novas

determinações, como defendido por Malaguti (2000), Alves (2001), Pamplona (2001),

Lira (2003), Ramalho & Arrochellas (2004) e Tavares (2004), abarcando todo o

conjunto de atividades que vão além do campo da legislação trabalhista, ilustrado

neste trabalho dissertativo por trabalhadores ex-bancários, alocados dentro do setor de

serviços, nos subsetores informais “autônomo ou por conta própria” e pelos

“pequenos proprietários informais”.

4. A informalidade enquanto modalidade específica e precária dentro da área de

serviços. Pelo fato de os trabalhadores ex-bancários do Banestado estarem alocados

numa área de trabalho (serviços), os dados mostraram que o caminho, após a perda de

ocupação, na sua grande maioria, é migrar para a informalidade. Entretanto, há uma

168

particularidade dentro da informalidade para onde migra o ex-bancário: os subsetores

“autônomo ou por conta própria” e o “pequeno proprietário informal”. Com isto, há

uma crescente precarização nas condições de trabalho na nova materialidade. Pelo

levantamento feito durante a pesquisa, estes dois subsetores foram os que

destacadamente absorveram o maior número de ex-bancários provenientes do

Banestado. Entretanto, estes trabalhadores enfrentam uma crescente precarização nas

condições e relações de trabalho no campo da informalidade. O término do vínculo

com o setor financeiro pôs fim à estabilidade financeira, colocando perdas concretas

na materialidade diária destes trabalhadores e seus familiares.

5. A manutenção e ampliação da informalidade no modo de produção capitalista

em vigência e sua relação direta com o receituário neoliberal. Ao capital não

interessa acabar com o trabalho informal. Devido ao acirramento das condições do

mercado de trabalho no âmbito formal, a existência e permanência de trabalhadores

desenvolvendo suas atividades na esfera da informalidade é um mecanismo

operacional de face neoliberal do capital, que depende tanto do trabalho

regulamentado, quanto do movimento do trabalho informal para a manutenção do seu

modo de produção e acumulação. Do mesmo modo, a manutenção de um exército

industrial de reserva é de interesse dos capitalistas, tanto para a pressão por

produtividade, quanto por achatamento salarial aos trabalhadores formalmente

empregados.

6. Respostas do capital à crise no campo econômico e social. As ações capitalistas

exaltam o econômico e deixam para segundo plano o social. Neste sentido, diante da

crise, o capital reestrutura a produção, financeiriza a economia e reforma o Estado,

processo em que a privatização dos bancos está impressa. As ações do capital com

face neoliberal prioriza unicamente o combate à crise, não importando o grau de

169

implicação posterior que isto venha a causar para os trabalhadores da categoria

bancária.

7. O saudosismo dos trabalhadores ex-bancários. Pela situação de precarização

enfrentada pelos ex-bancários na nova materialidade, a maioria dos trabalhadores

abordados durante a pesquisa manifestou o desejo de ainda permanecer empregado no

setor financeiro, mesmo cientes da lógica de reprodução capitalista. Em geral, os

trabalhadores não tinham a noção do enfrentamento ao mercado de trabalho pós-

banco, que é concorrencial e precário. Por isto, mesmo diante da pressão do trabalho

bancário, este ainda é almejado, ou seja, os trabalhadores informais ex-bancários

prefeririam estar desenvolvendo alguma atividade no interior do banco, a estar na

informalidade.

8. O governo Lula e a continuidade do receituário neoliberal. Luís Inácio Lula da

Silva vem desenvolvendo políticas que não passam de ajustes, com programas sociais

paliativos, que falseiam a verdade. A esquerda no poder (Partido dos Trabalhadores –

PT) não significou transformação, até o presente momento. Observa-se e constata-se

que o governo Lula, eleito pelo PT, vem conduzindo ações, compactuando com as

determinações estabelecidas pelo Consenso de Washington, já antes “aceitas” pelos

governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.

Na informalidade, o trabalhador ex-bancário, ao manter-se imbricado ao segmento

formal, também reproduz a lógica capitalista, no sentido de que o trabalho formal depende do

movimento da informalidade para a manutenção do modo capitalista de produção, enquanto

que a informalidade depende da formalidade, ou seja, nos momentos de expansão do emprego

no segmento capitalista, aumentam as formas de inserção dos trabalhadores informais nos

segmentos “não organizados”.

170

Assim, formalidade e informalidade juntas, imbricadas, produzem e reproduzem o

modo de produção capitalista de acumulação, que depende do movimento dos dois segmentos

para a sua sustentação. Comprovou-se, deste modo, a hipótese de que a atividade

desenvolvida pelos trabalhadores ex-bancários do Banestado colocou em movimento a

alteração do projeto teleológico, individual e coletivo, porém, não alterou em suas relações

objetivas-subjetivas as dimensões negadoras vivenciadas nas relações estabelecidas entre

capital-trabalho e suas metamorfoses. Ou seja, os trabalhadores ex-bancários, atuando na

informalidade, tiveram seus projetos teleológicos alterados, porém, o que não alterou foi o

grau de negação do trabalho ao capital e ao capitalismo.

Por ser o Banestado um banco estatal, pelo fato de o governo do Estado do Paraná ter

implantado e implementado um plano de demissão voluntária que correspondia ao propósito

do capital financeiro e por o Banestado enquadrar-se nos princípios legais, políticos e

econômicos da Reforma do Estado, estes três fatores, unificados, levaram-nos à compreensão

de que a política adotada pelo Banestado, instaurando o PDV e, ao mesmo tempo, a

privatização do mesmo, foi uma experiência concreta das respostas do capital frente à crise

estrutural instaurada no pós-1970.

171

NOTAS

i Segundo Rosanvallon (1995), “o crescimento do desemprego e o aparecimento de novas formas de pobreza (nova pobreza, exclusão social, etc.) estariam indicando o surgimento da “nova questão social” e o esgotamento do modelo de proteção social baseado no risco coletivo devido à não adaptação dos velhos métodos de gestão social à nova realidade. Assim, hoje estaríamos em presença de uma crise de ordem filosófica que questionaria a base de sustentação do Estado-providência: o princípio de solidariedade e a própria concepção de direitos sociais” (PASTORINI, 2004, p. 16-17). ii Castel (1998), entende que “a crise dos anos 70, que se manifesta pelo agravamento do problema do emprego (aumento do desemprego e da precariedade, processo este último regido pelas novas exigências tecnológico-econômicas da evolução do capitalismo moderno), tem-se tornado um processo irreversível e cada vez mais acelerado. Sem desconhecer a importância que o desemprego tem para a sociedade salarial, o autor entende que a precarização torna-se um dos principais riscos na contemporaneidade, uma vez que alimenta, sem limites, a vulnerabilidade social, contribuindo, ao mesmo tempo, com a ampliação do processo de desfiliação. Assim, coloca-se a desestabilização dos estáveis como o principal problema da sociedade capitalista” (PASTORINI, 2004, p. 17). “A abordagem de Robert Castel sobre a questão social busca caracterizá-la, hoje, a partir da desagregação da sociedade salarial. Por sociedade salarial, o autor designa a sociedade que se construiu com base no trabalho e suas proteções. Em sua ótica, é do trabalho e de sua proteção que se organizam o direito social, a seguridade social, a sociedade moderna, enfim. Para Castel, a questão social hoje põe em causa essa função integradora do trabalho, desestabilizando a vida social como um todo. Neste sentido, segundo ele, a questão social configura-se como uma dificuldade central, a partir da qual essa sociedade se interroga sobre sua coesão e suas fraturas” (WANDERLEY, 2000, p. 11-12). iii As corporações transnacionais, o grande capital, implementam a erosão das regulações estatais visando claramente à liquidação de direitos sociais, ao assalto ao patrimônio e ao fundo público, com a “desregulação” sendo apresentada como “modernização” que valoriza a “sociedade civil”, liberando-a da tutela do “Estado protetor” – e há lugar, nessa construção ideológica, para a defesa da “liberdade”, da “cidadania” e da “democracia”. E, com freqüência, forças imediatamente opositivas ao grande capital têm incorporado o antiestatismo como priorização da sociedade civil e, também, como demanda democrática, do que decorrem dois fenômenos: 1) a transferência, para a sociedade civil, a título de “iniciativa autônoma”, de responsabilidades antes alocadas à ação estatal; 2) a minimização de lutas democráticas dirigidas a afetar instituições estatais. As implicações da incorporação desse antiestatismo pelas forças opositivas pode significar não apenas a politização de novos espaços sociais (ou a repolitização de espaços abandonados), mas, ainda, a despolitização de demandas democráticas, numa quadra em que – precisamente pelas características das práticas neoliberais – as lutas pela democracia se revestem de importância maior (NETTO, 1996, p.100-101). iv “- o longo período compreendido entre o fim do século XVIII e a crise de 1847, basicamente caracterizado pela difusão gradativa, da máquina a vapor de fabricação artesanal ou manufatureira, por todos os ramos industriais e regiões industriais mais importantes. Essa foi a onda longa da própria Revolução Industrial; - o longo período delimitado pela crise de 1847 e o início da década de 90 do século XIX, caracterizado pela generalização da máquina a vapor de fabrico mecânico como a principal máquina motriz. Essa foi a onda longa da primeira revolução tecnológica; - o longo período compreendido entre o início de 1890 e a Segunda Guerra Mundial, caracterizado pela aplicação generalizada dos motores elétricos e a combustão a todos os ramos da indústria. Essa foi a onda longa da segunda revolução tecnológica; - o longo período iniciado na América do Norte em 1949 e nos outros países imperialistas em 1945/48, caracterizado pelo controle generalizado das máquinas por meio de aparelhagem eletrônica (bem como pela gradual introdução da energia nuclear). Essa foi a onda longa da terceira revolução tecnológica” (MANDEL,1985, p. 83-84). v “[...] de crescimento acelerado até 1823, de crescimento desacelerado entre 1824/47, de crescimento acelerado entre 1848/76, de crescimento desacelerado entre 1874/93, de crescimento acelerado entre 1894/1913, de crescimento desacelerado entre 1914/39, de crescimento acelerado entre 1940/45 e 1948/66, deveríamos estar agora na segunda fase da “longa onda” iniciada pela Segunda Guerra Mundial, caracterizada por uma acumulação desacelerada de capital” (MANDEL, 1985, p. 84-85).

172

vi “Declinam as oportunidades de emprego, induzidas pela ‘racionalização’ promovida pela revolução científico-tecnológica e pelo desenvolvimento de novas formas e forças produtivas (no marco da globalização econômica) [...] Reduzem-se as vagas de emprego e cresce a massa mundial dos excedentes [...]” (DREIFUSS, 1996, p. 209). vii Na esperança de ter algum controle sobre algo tão vasto quanto a história da modernidade, Berman a dividiu em três fases: “na primeira fase, do início do século XVI até o fim do século XVIII, as pessoas estão apenas começando a experimentar a vida moderna; mal fazem idéia do que as atingiu. Elas tateiam, desesperadamente mas em estado de semi-cegueira, no encalço de um vocabulário adequado; têm pouco ou nenhum senso de um público ou comunidade moderna, dentro da qual seus julgamentos e esperanças pudessem ser compartilhados. Nossa segunda fase começa com a grande onda revolucionária de 1790. Com a Revolução Francesa e suas reverberações, ganha vida, de maneira abrupta e dramática, um grande e moderno público. Este público partilha o sentimento de viver em uma era revolucionária, uma era que desencadeia explosivas convulsões em todos os níveis de vida pessoal, social e política. Ao mesmo tempo, o público moderno do século XIX ainda se lembra do que é viver, material e espiritualmente, em um mundo que não chega a ser moderno por inteiro. É dessa profunda dicotomia, dessa sensação de viver em dois mundos simultaneamente, que emerge e se desdobra a idéia de modernismo e modernização. No século XX, nossa terceira e última fase, o processo de modernização se expande a ponto de abarcar virtualmente o mundo todo, e a cultura mundial do modernismo em desenvolvimento atinge espetaculares triunfos na arte e no pensamento. Por outro lado, à medida que se expande, o público moderno se multiplica em uma multidão de fragmentos, que falam linguagens incomensuravelmente confidenciais; a idéia de modernidade, concebida em inúmeros e fragmentários caminhos, perde muito de sua nitidez, ressonância e profundidade e perde sua capacidade de organizar e dar sentido à vida das pessoas. Em conseqüência disso, encontramo-nos hoje em meio a uma era moderna que perdeu contato com as raízes de sua própria modernidade” (BERMAN, 1986, p. 16-17). viii “À medida que a Era de Ouro do capitalismo mundial chegava ao fim, no início da década de 1970, uma nova onda de revolução varria grandes partes do mundo, seguida na década de 1980 pela crise dos sistemas comunistas ocidentais, que levou ao seu colapso em 1989” (HOBSBAWN, 1995, p. 436). ix “A mudança tecnológica, a automação, a busca de novas linhas de produto e nichos de mercado, a dispersão geográfica para zonas de controle do trabalho mais fácil, as fusões e medidas para acelerar o tempo de giro do capital passaram ao primeiro plano das estratégias corporativas de sobrevivência em condições gerais de deflação” (HARVEY, 1992, p. 137-140). x Percebe-se um notável aumento proporcional do emprego no setor de serviços a partir dos anos 70. Justifica-se pela rápida contração do emprego industrial depois de 1972, promovendo o rápido aumento do emprego em segmentos como na assistência, nas finanças, nos seguros, no setor de imóveis, saúde e educação. xi “[...] o sistema mundial capitalista é, em grau considerável, precisamente uma função da validade universal da lei de desenvolvimento desigual e combinado” (MANDEL, 1985, p. 14). “A imagem que assim se forma é a de um sistema mundial imperialista construído a partir do desenvolvimento desigual da acumulação de capital, composição orgânica do capital, taxa de mais-valia e produtividade do trabalho, consideradas em escala mundial [...]” (MANDEL, 1985, p. 39-40). xii “[...] ao final da década, em 1979, surgiu a oportunidade. Na Inglaterra, foi eleito o governo Thatcher, o primeiro regime de um país de capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o programa neoliberal. Um ano depois, em 1980, Reagan chegou à presidência dos Estados Unidos. Em 1982, Khol derrotou o regime social liberal de Helmut Schimidt, na Alemanha. Em 1983, a Dinamarca, Estado modelo do bem-estar escandinavo, caiu sob o controle de uma coalizão clara de direita, o governo de Schluter. Em seguida, quase todos os países do norte da Europa ocidental, com exceção da Suécia e da Áustria, também viraram à direita. A partir daí, a onda de direitização desses anos tinha um fundo político para além da crise econômica do período [...]. Os anos 80 viram o triunfo mais ou menos incontrastado da ideologia neoliberal nesta região do capitalismo avançado” (ANDERSON, 1995, p. 11-12). xiii “No conjunto dos países da OCDE – Organização Européia para o Comércio e Desenvolvimento –, a taxa de inflação caiu de 8,8% para 5,2%, entre os anos 70 e 80, e a tendência de queda continua nos anos 90. A deflação, por sua vez, deveria ser a condição para a recuperação dos lucros. Também nesse sentido o neoliberalismo obteve êxitos reais. Se, nos anos 70, a taxa de lucro das indústrias nos países da OCDE caiu em cerca de 4,2%,

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nos anos 80 aumentou 4,7%. Essa recuperação foi ainda mais impressionante na Europa ocidental como um todo, de 5.4 pontos negativos para 5.3 pontos positivos [...]” (ANDERSON, 1995, p. 15). xiv “[...] A taxa média de desemprego nos países da OCDE, que havia ficado em torno de 4% nos anos 70, pelo menos duplicou na década de 80. Também este foi um resultado satisfatório. Finalmente, o grau de desigualdade – outro objetivo sumamente importante para o neoliberalismo – aumentou significativamente no conjunto dos países da OCDE: a tributação dos salários mais altos caiu 20% em média nos anos 80, e os valores das bolsas aumentaram quatro vezes mais rapidamente do que os salários” (ANDERSON, 1995, p. 15). xv Nos países da OECD, por exemplo, (que reúne as 21 economias mais avançadas), em 1973, o número de desempregados era de 11.3 milhões (20% destes desempregados há mais de 1 ano). Em 1991, chegava a mais de 30 milhões (50% dos quais considerados como desempregados de longo prazo). Em 1993, o número de desempregados e subempregados subiu para 40 milhões. Maiores e mais detalhadas informações sobre a evolução do desemprego em escala mundial, ver Dreifuss, 1996, p. 208-209. xvi “[...] O Brasil caminha com ‘botas de sete léguas’ em direção a uma economia cada vez mais marcada e dominada pela lógica do mercado. Para uma economia em que a fase estatizante de seu desenvolvimento é considerada superada e que, por isso, é chegado o momento da desestatização, da volta às leis do mercado, como princípio regulador da economia e da sociedade como um todo” (TEIXEIRA, 1998, p. 226). xvii “[...] De 1994 a 1999, a dívida pública interna líquida saltou de RS$ 70.267 bilhões para RS$ 516.579 bilhões e a dívida externa passou de US$ 148.295 bilhões para US$ 241.056 bilhões. Isto representa um crescimento de 635% e 63%, respectivamente. Este agigantamento da dívida deu-se em função da elevada taxa de juros, que o governo mantém desde o início do Plano Real com o objetivo de frear o consumo interno e atrair capitais externos” (FERREIRA, 2001, p. 46). xviii Numa perspectiva neoliberal, Rifkin (1995) analisa o aumento do desemprego na sociedade capitalista, focando a expansão do terceiro setor – a economia social, das comunidades, da solidariedade, relações humanas, sentimentos de intimidade, companheirismo e vínculos fraternais –, como alternativa de ocupação dos deslocados ou desempregados, oferecendo a estes “opções” de ocupação de seu tempo ocioso e como forma de transferência de uma série de responsabilidades do Estado ao cidadão, como fundamental diante do crescente afastamento do Estado em relação à população. O serviço comunitário é visto, neste sentido, como uma ação de ajuda, de estender a mão (RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. São Paulo: Makron Books, 1995). Já numa perspectiva crítica, o mesmo objeto – terceiro setor – é explicado com rigor por Montaño (2003), para o qual o conceito e o debate sobre tal questão presta um serviço efetivamente ideológico ao capital e à ofensiva neoliberal no processo de reestruturação produtiva. Este debate se dá no interior dos interesses do grande capital, seguindo os postulados neoliberais. Tal discurso tem se mostrado inteiramente funcional ao projeto neoliberal (MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003). xix “O chamado Plano Real, implantado progressivamente desde 1993, fazia-se acompanhar de medidas estatais de ajuste fiscal, liberalização financeira, privatização e abertura comercial indiscriminada, que conduziriam a um maior endividamento externo e à desarticulação da estrutura industrial do país. Tal política atrairia grandes grupos financeiros internacionais ao país, ávidos pelas possibilidades de lucros [...]” (JINKINGS, 2002, p. 63-64). xx Para Mandel (1985), a lógica do capitalismo tardio consiste em converter, necessariamente, o capital ocioso em capital de serviços e ao mesmo tempo substituir o capital de serviços por capital produtivo ou, em outras palavras, substituir serviços por mercadorias: serviços de transporte por automóveis particulares; serviços de teatro e cinema por aparelhos privados de televisão e, num futuro breve, quem sabe, programas de televisão e instrução educacional por videocassetes (O autor jamais teria imaginado, ao fazer tal afirmação, que no limiar do século XXI, as transformações seriam tamanhas, a ponto de seus exemplos ficarem empobrecidos. Hoje o setor de serviços invadiu todos os segmentos da vida humana – grifos meus). xxi As atividades informais desenvolvidas pelo setor informal das cidades latino-americanas, longe de serem ‘marginais’, estão inseridas no processo de acumulação capitalista. “Os trabalhadores informais encontram-se inseridos nas novas formas de acumulação, inclusive, no contexto de reestruturação produtiva do capital tem surgido algumas atividades informais totalmente novas” (ALVES, 2001, p. 53).

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xxii “[...] se por um lado o capital insiste em organizar a subordinação e a exploração no processo de produção, por outro, busca formas de fazer com que isso não seja percebido pelos produtores diretos. Com esse propósito, o capital investe num discurso cuja função ideológica transforma as necessidades do capital em necessidades objetivas do trabalhador, derivando daí uma série de confusões que começa pela divisão do trabalho, em que o saber técnico e a autoridade do capital parecem indissociáveis, e vai se espraiando por todas as relações sociais capitalistas. Nessa esteira, quase todos os riscos do capital vão sendo transferidos para o trabalho, enquanto o discurso capitalista afirma estar defendendo o respeito à liberdade de iniciativa do trabalhador. Assim, postos de trabalho informais são acionados por grandes empresas dos setores produtivos e improdutivos, e esse fenômeno é tratado como se fosse representativo de autonomia e de independência para o trabalho. Enfim, o capital, assessorado pelo aparato da racionalidade estatal, cria formas de organização que, ao invés de tender ao desaparecimento do trabalho, e da mais-valia, alargam o campo da exploração mediante mecanismos que incorporam velhas e novas formas do trabalho informal à produção capitalista” (TAVARES, 2004, p. 148). xxiii Assim, se a faxineira, a cozinheira e o alfaiate particulares não produzem mais-valia, a produção e a circulação de aspiradores de pó, sistemas de aquecimento central, eletricidade para consumo privado e refeições pré-cozidas de produção industrial o produzem, isto é, são uma forma de produção capitalista direta de mercadorias e mais-valia, como qualquer outro tipo de produção industrial capitalista. xxiv “(a) eliminarão a interferência governamental nos mercados de crédito e desenvolverão os mercados de capitais privados e os instrumentos de empréstimo a longo prazo; (b) nivelarão as exigências de reserva legal para todos os instrumentos e instituições financeiras, mediante a redução do nível e da variância dessas exigências; (c) fortalecerão o ambiente operacional, mediante o aumento da competição entre os bancos e a introdução de um sistema de seguro de depósitos; (d) apoiarão as reformas institucionais do Banco Central, mediante a melhoria das práticas de supervisão e o aprimoramento da capacidade de pesquisa econômica; (e) reestruturarão o sistema bancário estadual, mediante a liquidação ou privatização dos bancos estaduais; e (f) reformarão o sistema financeiro de habitação, mediante a eliminação do crédito direto e o desenvolvimento de fontes de recursos no mercado” (Projeto do Banco Mundial e da International Finance Corporation (IFC), Reforma do Sistema Financeiro Nacional, Washington (EUA), 2.11.1988: 1/2) – (JINKINGS, 1995, p. 20). xxv “Um intenso processo de reestruturação produtiva desencadeia-se no setor bancário brasileiro, a partir das medidas institucionais implementadas desde o programa de estabilização monetária que se convencionou chamar de “Plano Real”. A política econômica e financeira, inspirada nos princípios teóricos do neoliberalismo, adota ações de liberalização monetária e desregulação do mercado, de privatização e de estímulo a fusões e incorporações entre empresas, que favorecem o grande capital privado nacional e estrangeiro. Sob a pressão da concorrência internacional e do contexto de estabilização da moeda, as instituições financeiras adotam medidas de redução de custos operacionais e investem maciçamente em sistemas de atendimento eletrônico. Tais medidas imprimem ao sistema financeiro do país um perfil concentrador de capital, altamente informatizado, seletivo e elitizado quanto à oferta de serviços à população e extremamente restrito no que concerne ao emprego de força de trabalho” (JINKINGS, 1999, p. 171). xxvi “[...] no bojo do processo histórico de novo arranjo da dominação do capital no Brasil, é importante destacar as privatizações de empresas estatais que, a partir da década de noventa, com os governos neoliberais, passaram a ocorrer e a minar o sindicalismo de classe em setores importantes da indústria no Brasil [...]” (ALVES, 1998, p. 149). xxvii Estas ações de reestruturação do sistema financeiro, subsidiadas pelo governo brasileiro e comandadas pelo grande capital externo e interno, incluem programas de privatização de instituições estatais, como medida de grande importância estratégica na política neoliberal. Atuando em conformidade com as diretrizes dos organismos financeiros internacionais, o governo perpetra uma visível redução da presença do Estado no sistema. Vinte bancos estatais foram privatizados, liquidados ou federalizados para futura privatização, desde a segunda metade dos anos 90 (JINKINGS, 2002, p. 73-74). xxviii “No interior das instituições bancárias, os movimentos de automatização e de reorganização produtiva mudam conteúdo, condições e relações de trabalho. Os bancários realizam tarefas simplificadas pelos processos automatizados e se encontram submetidos a novas práticas de controle e gerenciamento que intensificam e disciplinam mais seu trabalho. Sob um contexto de crescente desemprego e de difusão de formas precárias de contratação, que excluem enorme parcela de trabalhadores do mercado de trabalho formal, os bancários estão sujeitos à sobrecarga de tarefas e jornadas de trabalho extenuantes, na sua atividade cotidiana. Agravam-se os

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problemas de saúde destes trabalhadores nas últimas décadas, e observa-se um aumento sem precedentes das Lesões por Esforços Repetitivos – LERs, que reduzem a força muscular e comprometem os movimentos do portador da doença. Em contrapartida, os programas de ‘qualidade total’ e de remuneração variável, amplamente difundidos no setor, recriam estratégias de dominação do trabalho que mistificam e obscurecem a exploração capitalista” (JINKINGS, 1999, p. 171-172). xxix A brutal potencialidade produtiva da automação e da microeletrônica não se traduz em melhores condições de trabalho para o conjunto dos bancários. As transformações tecnológicas, acopladas às modalidades contemporâneas de organização e controle do trabalho, intensificam e tensionam os ritmos de trabalho nos bancos, produzindo novos problemas de saúde e contribuindo para o aumento de níveis de desemprego e subemprego no setor (JINKINGS, 1998, p. 20-21). xxx “[...] à medida que cresciam em poder econômico os grandes grupos financeiros privados nacionais e estrangeiros, mais de dez bancos públicos iam sendo privatizados ou liquidados, entre 1994 e 1999. O governo brasileiro seguia os preceitos neoliberais para o desenvolvimento capitalista [...]” (JINKINGS, 2002, p. 374). xxxi A primeira fase da automação bancária ocorreu no início dos anos 60, com a criação dos CPDs – Centros de Processamento de Dados, que veio responder às necessidades de processamento de um grande volume de documentos correspondentes às diversas operações realizadas pelos bancos. Tratava-se de uma demanda, cuja determinação principal residia na especificidade da produção e do trabalho bancários, numa conjuntura de ampliação, diversificação e crescimento dos serviços realizados pelos bancos. Com os CPDs, implantou-se a automação do chamado setor de retaguarda do serviço bancário; a segunda fase da automação bancária, ocorrida no início dos anos 80, além da determinação acima apontada, buscou responder a uma acirrada competitividade entre os bancos numa conjuntura inflacionária, onde a velocidade no processamento das informações tornara-se primordial para atender ao mercado. Assim, a redução de custos, a alta produtividade e a qualidade das informações e serviços oferecidos pelos bancos se tornaram cada vez mais estratégicos. Nesta segunda fase, chamada de automação de vanguarda, foi introduzido o sistema on-line de informações, com a automação nas agências – concentrada nos caixas, cujas operações são agora realizadas nos terminais locais; a terceira fase da automação nos bancos ocorreu numa conjuntura econômica bem diferente. Pode-se afirmar que é a partir de 1986, após o Plano Cruzado I, que a automação passou a estar associada à intensa racionalização do trabalho, desencadeando uma onda de demissões em todo o país. Em dezembro de 1985, havia 978 mil bancários no país; em dezembro de 1986, esse número caiu para 868 mil, ou seja, uma redução de 110 mil trabalhadores bancários em apenas um ano (DIEESE, 1994). xxxii “[...] a vitalidade da sociedade civil, da explosão do sindicalismo, caracterizou uma resistência organizada à ofensiva neoliberal que avassalava os países capitalistas desenvolvidos (e alguns países capitalistas periféricos). É a partir da derrota política das forças organizadas da sociedade civil, que apoiaram o candidato do PT, Luís Inácio Lula da Silva, na eleição de 1989, que se instaura o ‘neoliberalismo à brasileira’. A eleição de Collor irá colocar o Brasil no rol dos experimentos neoliberais, voltado para a recuperação da economia de mercado, com resultados perversos no plano societário” (ALVES, 1998, p. 132). xxxiii “[...] a década de 80 foi de avanços da ação sindical no Brasil. Nestes anos, observa-se um recrudescimento dos movimentos sociais no país, que se reorganizam e rearticulam na resistência ao domínio político ditatorial da burguesia, imposto desde o golpe militar de 1964. Irrompendo nas greves operárias da região paulista do ABC no final dos anos 70, o sindicalismo ressurge na cena política do país lutando contra a política econômica de arrocho salarial e reivindicando maior autonomia e liberdade de organização [...]” (JINKINGS, 2002, p. 264-265). xxxiv “As assembléias, passeatas e movimentos grevistas que mobilizaram, nos anos 80, enormes contingentes de trabalhadores nas lutas contra a exploração capitalista dão lugar a atividades e manifestações com participação mais restrita de uma base sindical amedrontada pelo desemprego, sujeita aos critérios e imposições do que a classe patronal entende por produtividade e qualidade” (JINKINGS, 2002, p. 302). xxxv “[...] Os mecanismos de auto-atendimento, a terceirização do trabalho, a diminuição de escriturários e o incremento de gerências nas agências bancárias (o que dificulta sua adesão integral ao movimento grevista) constituem entraves significativos nos processos grevistas e colocam novos desafios às direções sindicais, pois a concepção de novas formas de organização e mobilização dos trabalhadores, capazes de obter sua ampla participação nas lutas bancárias – inclusive nas greves –, dependerá da apreensão dessa nova realidade pelas lideranças bancárias” (JINKINGS, 1995, p. 118).

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