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CURRÍCULO, DIDÁTICA E AVALIAÇÂO DA APRENDIZAGEM: DA
APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA AO DISTANCIAMENTO OBSERVADO NO
COTIDIANO ESCOLAR
A busca por uma escola pública de qualidade é o objetivo declarado de diversas
políticas educacionais em curso, todavia faz-se necessário investigar cientificamente
seus desdobramentos nas escolas. Neste sentido, as pesquisas aqui apresentadas
adentram o cotidiano da escola pública em três diferentes redes de ensino e evidenciam
que as políticas educacionais investigadas impõem um controle excessivo sobre o
trabalho realizado pela escola, reduzindo sua autonomia de gestão, de definição e
efetivação do currículo escolar e de utilização de procedimentos avaliativos que
contemplem suas peculiaridades. O primeiro texto, elaborado a partir da análise dos
resultados do IDESP de alunos das séries finais do ensino fundamental I da rede pública
paulista de ensino regular constatou que a grande maioria destes alunos não possui
autonomia em leitura e escrita em função, principalmente, do abandono dos recursos da
Didática no cotidiano escolar. O segundo trabalho, elaborado com informações obtidas
a partir da análise de um procedimento utilizado pela rede pública municipal de ensino
de Guarulhos para avaliar o desenvolvimento escolar de seus alunos detectou lacunas
entre os saberes a serem elencados para cada etapa escolar e as dificuldades encontradas
pelos coordenadores para a leitura do registro avaliativo. Finalmente o terceiro artigo,
elaborado a partir da análise do Programa Mais Educação desenvolvido no município de
São Paulo, identificou intensificação do trabalho docente, organização escolar
inadequada, falta de estrutura e condições materiais num contexto em que a autonomia
do professor docente se vê ameaçada. O conjunto de investigações aqui apresentadas
sugere que, com a justificativa de busca por uma escola de qualidade, a necessária e
comprovadamente bem sucedida aproximação entre Didática, currículo e avaliação da
aprendizagem dos alunos não tem ocorrido, ao menos nas três diferentes redes
investigadas. Este cenário é, no mínimo, preocupante.
Palavras-chave: Escola Pública. Avaliação da Aprendizagem. Reforma Curricular.
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AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ESCOLAR: OS SABERES EM
QUESTÃO
MOLINARI, Simone Garbi Santana
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP
Resumo
O presente estudo tem como objetivo contribuir para o debate sobre os saberes
elencados em uma proposta curricular denominada Quadro de Saberes Necessários
(QSN) e sua relação com a avaliação da aprendizagem de alunos do 1º ao 5º ano. Desde
2010, a rede municipal de Guarulhos utiliza uma proposta curricular elaborada pelos
seus gestores e professores que, continuamente, recebem formação para refletirem sobre
a sua prática e se apropriarem da concepção nela contida. O município está inscrito,
também, no Pacto Nacional da Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), que contribui à
formação desses professores e pretende que eles alfabetizem seus alunos até os oito (8)
anos de idade ou até o 3º ano (final do Ciclo I). Semestralmente, os professores
registram a avaliação em um instrumento denominado Registro-Síntese, onde estão
elencados os saberes trabalhados em cada fase escolar. Os saberes são escolhidos pelos
professores e coordenador pedagógico para serem trabalhados durante o ano letivo. A
questão que serviu de base para essa discussão foi: Quais as dificuldades encontradas
por educadores para o registro de uma avaliação que se baseia em saberes? Ela foi
respondida por cinco (5) coordenadores pedagógicos de escolas diferentes. A rede de
ensino municipal de Guarulhos é regida por ciclos e utiliza legendas para o registro
avaliativo semestral: IP (início do processo), ES (entende o saber), AS (Apropria-se do
saber) e NT (Não trabalhado). Os depoimentos demonstram as lacunas existentes entre
os saberes a serem elencados para cada etapa escolar e as dificuldades encontradas pelos
coordenadores para a leitura do registro avaliativo. Tais dificuldades expressam a
subjetividade do instrumento de avaliação que não define o tempo destinado ao
aprendizado desses saberes, assim como quais saberes devem ser elencados de acordo
com a faixa etária, podendo variar de uma instituição escolar para outra.
Palavras-chave: proposta curricular; avaliação da aprendizagem; escola pública.
Introdução
Desde a década de 1980, tem-se vivenciado as mudanças ocorridas em âmbito
educacional, especificamente, aquelas que estão diretamente relacionadas às crianças
entre 6 e 10 anos de idade, fase em que a sistematização da alfabetização ocorre. Várias
foram as mudanças que promoveram, e continuam a promover, a reflexão sobre a
postura de professores alfabetizadores diante de suas práticas: a chegada dos estudos de
Ferreiro e Teberosky (1985) ao Brasil, a política de ciclos das escolas públicas, como
organização escolar não seriada após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
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(BRASIL,1996), a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997),
a Lei 11.114/2005 (BRASIL, 2005a), que torna obrigatória a matrícula de crianças de 6
anos no Ensino Fundamental, a criação de programas destinados aos professores
alfabetizadores, como o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC (BRASIL,
2012) que visa alfabetizar todos os alunos até os 8 anos de idade ou até o 3º ano e a
introdução das avaliações educacionais em larga escala que mensuram o aprendizado de
alunos em processo de alfabetização.
Dentre estas avaliações destacam-se a Provinha Brasil que investiga o
desenvolvimento das habilidades relacionadas à alfabetização e ao letramento em
Língua Portuguesa e Matemática, desenvolvidas pelas crianças matriculadas no 2º ano
do ensino fundamental das escolas públicas brasileiras (BRASIL, 2007); a avaliação
censitária Prova Brasil que envolve os alunos da 4ª série/5ºano e 8ª série/9º ano do
Ensino Fundamental das escolas públicas das redes municipais, estaduais e federal com
o objetivo de avaliar a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas (BRASIL,
2005b) e outra avaliação censitária, no caso a Avaliação Nacional de Alfabetização
(ANA), que envolve os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas
com o objetivo principal de avaliar os níveis de alfabetização e letramento em Língua
Portuguesa, alfabetização Matemática e condições de oferta do Ciclo de Alfabetização
das redes públicas (BRASIL, 2013).
Até a década de 1980, o debate sobre o processo de alfabetização concentrava-se
no professor como um técnico da arte de ensinar. Aquele que dominava o método, seja
ele qual fosse, era considerado o professor eficiente. Se um aluno não conseguisse
aprender, não se questionava o professor, e sim, as fragilidades do aluno por não ter
conseguido aprender. Lembremos que a classe popular começava a ter acesso à escola e
não havia se pensado em "técnicas" para se ensinar ou promover a aprendizagem
daquela parcela da população que não possuía o mesmo acesso a bens culturais daqueles
que já a frequentavam. Eram alunos que nem sempre podiam contar com a instrução
escolar de seus pais e que não tinham o hábito de frequentar museus, bibliotecas ou
cinemas. Eram alunos da camada popular, filhos de trabalhadores e operários, com
baixo poder aquisitivo.
O baixo aproveitamento escolar fez que com se buscasse formas de justificar tal
fracasso: déficit de aprendizagem, falta de "estrutura familiar", baixa condição
socioeconômica, preguiça, apatia, falta de alimentação devido às condições precárias
existentes em suas casas, falta de acesso à pré-escola, entre outros. Pouco se falava
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sobre os saberes que os professores alfabetizadores precisariam ter para contribuir com
a aprendizagem de uma das fases mais significativas da vida escolar: a alfabetização.
A eficiência do método passa a ser questionada a partir do momento que os
resultados não mais são alcançados. Sabe-se, contudo, que a técnica, aquele conjunto de
procedimentos utilizados para determinado fim, existe em todas as áreas. Um médico
aprende as técnicas menos invasivas para seu paciente e as aprimora continuamente; o
motorista aprende a dirigir e precisa seguir determinados passos para que seja um bom
condutor do veículo; o agricultor atualiza técnicas de plantio e colheita, para cada vez
mais ter menos desperdício, enfim, a técnica é essencial à vida humana. Entretanto, a
técnica pela técnica, ou seja, o cumprimento de um roteiro de ações sem a reflexão do
que se está fazendo, é uma ação tecnicista. Mas não haveria saberes que cada
trabalhador deveria ter para desempenhar bem a sua função? Quais seriam os saberes
necessários ao bom cumprimento da técnica de ensinar? Esta é, justamente, a questão
que, a partir da década de 1980, passou-se a considerar. O professor não é um técnico
eficiente, simplesmente porque desempenha bem determinado método. Ele deve possuir
saberes que contribuam para que essa tarefa seja bem feita. Caso contrário, esse manual
de se fazer "qualquer coisa", poderia ser comprado em livrarias e todos poderiam
desempenhar funções sem, de fato, frequentar uma instituição escolar e apropriar-se de
conhecimentos que fossem capazes de explicar os motivos pelos quais se escolhem
determinadas ações em situações específicas a cada área.
André e Vieira (2006) apontam que a temática dos saberes docentes passou a ser
difundida, primeiramente, no mundo anglo-saxão e, posteriormente, por toda a Europa.
O artigo de Tardif, Lessard e Lahaye (1991) é visto pelas autoras como o desencadeador
de muitos textos e pesquisas sobre o assunto no Brasil, justamente pela emergente ideia
de superar o tecnicismo que dominava o pensamento educacional até a década de 1980.
As pesquisas apontavam a necessidade de tornar o professor um agente transformador,
uma autoridade emancipatória, capaz de refletir sobre a sua prática e ser um crítico de si
mesmo.
André e Vieira (2006) apontam as questões levantadas por Tardif (2002) sobre
os saberes docentes, a saber:
Quais são os saberes que servem de base ao ofício do professor? Essa questão se
desdobra em outras, como: Quais são os conhecimentos, o saber-fazer, as competências
e as habilidades que os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas
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escolas, a fim de realizar concretamente as suas diversas tarefas? Qual é a natureza
desses saberes?
Tardif (2002) concluiu que o saber dos professores é um saber social por quatro
motivos: (1) por ser compartilhado pelos seus pares e estar relacionado a uma situação
coletiva de trabalho; (2) há todo um sistema que garante a sua legitimidade; (3) o
professor trabalha com um sujeito social, representado por uma turma de alunos; (4) os
saberes relacionado ao ensino e à forma de se ensinar acompanham o tempo e as
mudanças sociais; (5) esse saber torna-se profissional e é "incorporado, modificado e
adaptado em função dos momentos e das fases de uma carreira ao longo de uma
história profissional onde o professor aprende a ensinar fazendo o seu trabalho"
(TARDIF, 2002, p. 14).
A história profissional dos professores é marcada por saberes que antecedem a
sua carreira docente. Faz-se necessário considerá-los, uma vez que são trazidos às
escolas e salas de aula.
Na rede municipal de Guarulhos, campo empírico dessa pesquisa, os professores
recém-contratados são chamados para um período de formação em que se apresenta a
proposta da rede e a concepção de ensino e aprendizagem que eles devem se apropriar.
A questão dos saberes e a proposta curricular
Com a questão dos saberes em pauta, e com uma concepção de ensino e
aprendizagem voltada à formação sócio-histórico cultural (VYGOTSKY, 1984 e 1998),
a rede municipal de Guarulhos elaborou sua proposta curricular e seu instrumento de
avaliação da aprendizagem com base nos saberes julgados necessários à formação de
seus alunos.
A rede municipal de Guarulhos iniciou-se na década de 1970, apenas na
Educação Infantil. A primeira escola destinada ao Ensino Fundamental data de 1997.
Nos últimos dezoito anos, o número de escolas, alunos e funcionários aumentou
significativamente. Se no ano 2000 a rede contava com 24.000 alunos (GUARULHOS,
2010), em 2015 eram 96.720 alunos distribuídos em 139 escolas e 54 escolas
conveniadas, sendo 41.453 na Educação Infantil e 55.267 no Ensino Fundamental
(GUARULHOS, 2015).
Com o aumento da rede, os educadores sentiram a necessidade de uma proposta
curricular que compusesse o Projeto Político Pedagógico da Secretaria da Educação
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e,em 17 de junho de 2009, eles se reuniram para discutir diversas questões, entre as
quais se destacam: Quais seriam os saberes necessários para formar os alunos que
desejamos? Já sabiam de antemão que buscavam o suporte para a formação de um
sujeito autônomo, crítico, solidário e criativo. A necessidade das discussões deu
margem a vários encontros e novas questões, como: O que ensinar? O que aprender?
Quem são nossos alunos? Como aprendem? Como se desenvolvem? Para começar essa
discussão, educadores se basearam, primeiramente, em um princípio: a educação é um
direito de todos e, como já sabemos, garantido por lei. A questão, agora, se desdobraria
para: Como fazer para que "todos" tenham o mesmo direito, além do acesso, sabendo
que há diferentes realidades e que muitas delas minimizam as condições e
possibilidades de sucesso escolar?
Houve um consenso entre os educadores de que a nova proposta curricular da
rede deveria elaborar os saberes necessários à educação em uma perspectiva de inclusão
escolar e, para isso, reconhecer que há diferenças entre as pessoas em diferentes
aspectos foi o primeiro passo (GUARULHOS, 2010).
A rede de ensino municipal de Guarulhos construiu seu próprio instrumento de
avaliação entre 2010 e 2011: o Registro-Síntese do Processo Avaliativo.
O Registro-Síntese é um instrumento que o educador e a equipe
escolar utilizam para sistematizar o aprendizado e o
desenvolvimento do educando em seu percurso escolar. Além de
ser um material de síntese das avaliações realizadas, é um
instrumento diagnóstico, contribuindo para a reorientação das
práticas pedagógicas. Desse modo, ele se constitui como
referência para o pensamento acerca do que é necessário fazer
para que o educando possa se desenvolver de maneira plena
(GUARULHOS, 2012, p. 15).
O Registro-Síntese está dividido por ciclos, a saber: Educação Infantil (0-3
anos), Educação Infantil (4-5 anos), Ensino Fundamental (6-10 anos) e outro destinado
à Educação de Jovens e Adultos.
Para avaliar seus alunos, o registro das atividades que eles produzem é muito
importante e o professor é orientado a fazer, por exemplo, um portfólio para cada
criança, embora essa forma de registro não seja obrigatória.
Há cinco finalidades elencadas e, para cada uma delas, há saberes que, se forem
escolhidos pela equipe pedagógica para serem trabalhados naquele ano, serão avaliados
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quanto à apropriação desses saberes pelo aluno. Para registrar a etapa do processo em
que o aluno se encontra, o professor utiliza por referência as informações dispostas no
Quadro 1.
Quadro 1 - Registro do processo avaliativo do aluno
Legenda
IP Início do processo Tem uma ideia do saber, informações e/ou notícias sobre ele.
ES Entende o saberIdentifica o saber e interage com ele: determina as características e
apresenta dados.
AS Apropria-se do saberUsa o conhecimento em seu cotidiano e o aplica quando necessário,
julgando-o e avaliando-o; dispõe do saber para agir no mundo.
NT Não trabalhadoIndica que tal saber, ainda, não foi definido para o trabalho em sala
de aula em determinado período.
Fonte: Guarulhos, 2012.
Observa-se no Quadro 1 que o processo de aprendizagem apresenta etapas a
serem alcançadas até o seu objetivo final, ou seja, a apropriação do saber (AS). Os
saberes não escolhidos para determinada turma são registrados com a legenda NT (Não
trabalhado).
Após entrevistas com cinco coordenadores pedagógicos, de cinco escolas,
responsáveis por garantir que a proposta curricular e a concepção da rede de ensino
estejam claras para os professores e o registro de avaliação dos alunos seja feito de
forma correta, verificou-se que:
1. Ainda que não haja orientação no Quadro Saberes Necessários (QSN) para
divisão dos saberes no período letivo, todas as escolas pesquisadas dividem os saberes
escolhidos por bimestre;
2. Não há uma unidade entre as escolas, ou seja, cada grupo de professores
escolhe os saberes a serem trabalhados durante o ano. Há, portanto, a preocupação,
segundo eles, de que se uma criança for transferida, ela poderá não ter a continuidade do
que estava sendo trabalhado em sua escola anterior;
3. As escolhas desses saberes não obedecem, segundo eles, a uma sequência
gradativa de dificuldades, ou seja, do mais rudimentar para o mais complexo;
4. Professores recém-contratados são vistos por um coordenador como mais
preparado e flexível, uma vez que passou recentemente por formação na rede de ensino;
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5. Professores inexperientes podem, segundo quatro coordenadores, ter
dificuldades para elencar os saberes por turma e, por isso, precisarão da ajuda de seus
pares;
6. Há divergência entre os coordenadores sobre quais seriam os saberes
prioritários ao processo da alfabetização, pois para dois deles, todos são essenciais e, para
os outros três, os prioritários seriam aqueles que estiverem relacionados à oralidade,
leitura e escrita;
7. Todos os coordenadores lamentam a falta de orientação oficial sobre a temática
avaliação e o seu registro nas reuniões destinadas à sua formação contínua;
8. Não há a exigência de uma única forma de registro para o acompanhamento do
processo de desenvolvimento da aprendizagem do aluno. Cabe ao professor fazer essa
escolha. Há professores que escolhem algumas atividades, outros fazem portfólio, alguns
utilizam provas diagnósticas, entre outros;
9. Todos os coordenadores disseram que os professores não gostam dessa forma
de registro, porque precisam explicar aos pais e muitos não o compreendem. Acreditam
que é muito subjetivo, o que não quer dizer que tenham maior facilidade para fazê-lo de
forma descritiva;
10. Alguns professores se baseiam em outros documentos e livros para elencarem
os saberes para a sua turma, de acordo com a faixa etária;
11. Nenhum dos coordenadores tem clareza dos motivos pelos quais os saberes
não vêm elencados por turma, uma vez que acreditam não ser possível trabalhar com
todos eles de uma vez. Um coordenador acredita que seja uma forma de superar uma
proposta conteudista.
Considerações finais
O presente estudo partiu da constatação de que, a partir da década de 1980,
muitas foram as mudanças ocorridas na área educacional, especificamente, com
professores alfabetizadores. Tais mudanças influenciaram diretamente a forma como
eles ensinam e como avaliam a aprendizagem de seus alunos. As avaliações externas
contribuem, também, para o controle de sua prática pedagógica quando são
apresentados os resultados das provas feitas pelos alunos. Buscou-se, a partir da década
de 1980, superar as técnicas de ensino e compreender os saberes docentes. A discussão
trouxe possibilidades de se repensar o currículo. O município de Guarulhos elaborou
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uma proposta curricular baseada nos saberes que acredita serem necessários à formação
de seus alunos. Assim como a proposta, criou-se um instrumento avaliativo que elenca
os saberes a serem trabalhados e que devem ser avaliados ao final de cada semestre por
siglas.
As entrevistas com os cinco coordenadores de cinco escolas apontam que a
interpretação de uma pedagogia por saberes precisa ser melhor discutida e
acompanhada. Salientam que o instrumento avaliativo baseado em saberes pode se
tornar subjetivo e de difícil entendimento, principalmente, por aqueles que não fazem
parte da vida acadêmica. Para os coordenadores, ele não é um documento simples de ser
preenchido e requer que o relatório descritivo seja feito, uma vez que as legendas não
conseguem traduzir as dificuldades no aprendizado do aluno. Os depoimentos
demonstram as lacunas existentes entre os saberes a serem elencados para cada etapa
escolar e as dificuldades encontradas para a leitura do registro avaliativo. Tais
dificuldades expressam a subjetividade do instrumento de avaliação que não define o
tempo destinado ao aprendizado desses saberes, assim como quais deles devem ser
elencados de acordo com a faixa etária podendo, ainda, variar de uma instituição escolar
para outra.
Referências
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A DIDÁTICA NA REDE PÚBLICA PAULISTA EM FUNÇÃO DAS
AVALIAÇÕES EDUCACIONAIS EM LARGA ESCALA
GESQUI, Luiz Carlos
Centro Universitário de Araraquara – UNIARA
Agência de Fomento: FUNADESP
Resumo
As avaliações educacionais em larga escala têm o objetivo de contribuir com a gestão
das escolas, fornecendo-lhes informações, em especial referentes ao fluxo e
desempenho escolar de seus alunos. Desta forma, busca impulsionar a qualidade
educacional expressa em seus indicadores. Todavia, por meio da análise dos resultados
de itens utilizados nas avaliações do Sistema de Avaliação e Rendimento Escolar do
Estado de São Paulo (SARESP) de 2013 para classificar o desempenho em Língua
Portuguesa dos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, observou-se que 50,8%
do total de alunos da rede pública paulista de ensino regular ao término desta etapa de
escolarização não apresentam autonomia em leitura de pequenos textos que solicitam
muito pouco em relação à leitura e interpretação. Destacam-se nesta comunicação a
estreita relação observada entre os resultados da análise dos itens com a intensificação,
no interior das escolas, da priorização de práticas de treinamento dos alunos para o
SARESP em detrimento de outros procedimentos didáticos que comprovadamente
contribuam para o processo de ensino e aprendizagem. O controle promovido pela
difusão das avaliações em larga escala, nesse caso expressas nos indicadores do Índice
de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (IDESP), produz e referenda
práticas escolares, que diminuem significativamente a contribuição da Didática com
vistas à obtenção de um processo de ensino e aprendizagem eficiente, uma vez que
impede que docentes e gestores escolares façam uso de seu vasto repertório de técnicas,
estratégias e procedimentos. A observação do baixo desempenho da maioria dos alunos
na resolução de itens considerados fracos e cuja solicitação é apenas a de ler e
interpretá-los é preocupante, porém pontual, contudo o abandono da Didática como
possibilidade concreta de reverter este cenário é o que mais preocupa.
Palavras-chave: avaliações educacionais em larga escala; práticas escolares; Didática.
1. Introdução
A busca pela qualidade da educação básica nacional representa um dos temas
mais recorrentes do campo educacional brasileiro, tanto que recebe atenção especial no
atual Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2014). Contudo merece destaque o
fato de que o instrumento estabelecido para a aferição da referida qualidade da educação
básica nacional é um indicador estatístico, no caso o Índice de Desenvolvimento da
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Educação Básica – IDEB. Entretanto, vários Estados possuem indicadores estatísticos
que apresentam a mesma construção metodológica do IDEB e aferem a qualidade da
educação básica em seus Estados, entre eles o Índice de Desenvolvimento da Educação
do Estado de São Paulo – IDESP que mensura, desde 2007, a qualidade da educação das
mais de 5.000 escolas da rede pública paulista de ensino regular.
O IDESP estabelece anualmente metas a serem alcançadas em cada escola da
rede pública paulista de ensino regular com o objetivo declarado de melhorar a
qualidade da educação pública paulista, porém o atrelamento do cumprimento destas
metas a premiações financeiras, punições e responsabilização dos profissionais da
educação paulista transformou o IDESP em prioridade para as escolas da referida rede
independente do engessamento da gestão escolar em função do IDESP como relatado
por Almeida (2012), do declarado descontentamento de professores quanto as atividades
que priorizam para o cumprimento das metas descrito por Rocha Junior (2012) ou das
significativas alterações nas práticas escolares observadas no interior das escolas com o
objetivo de cumprir as metas IDESP estabelecidas anualmente (BONAMINO e
SOUZA, 2012; GESQUI, 2015). O conjunto destas produções apresenta em comum a
observação da ampliação excessiva da realização, nas escolas, de atividades voltadas ao
treinamento dos alunos para as avaliações externas em Língua Portuguesa e Matemática
e a conivência de professores e gestores escolares com estas práticas.
Apesar da constatada importância atribuída ao IDESP tanto pela Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) ao utilizá-lo como parâmetro de qualidade
educacional quanto para pesquisadores por utilizá-lo como objetos de pesquisa fato é
que ambos – SEE-SP e pesquisadores – fazem uso das informações disponibilizadas em
documentos oficiais elaborados pela SEE-SP. Assim, o objetivo desta comunicação é o
de analisar o que as informações contidas nestes documentos revelam sobre a
aprendizagem efetiva dos alunos e cotejá-las com os resultados do conjunto de
pesquisas citado. Melhorar, em valores absolutos, o IDESP corresponde à melhoria na
aprendizagem dos alunos? Quais os desdobramentos relativos à Didática escolar – seja
ela entendida como “a ciência do ensino; a arte do ensino; uma teoria da instrução; uma
teoria da formação ou mesmo uma tecnologia para dar suporte metodológico às
disciplinas curriculares (MARIN e PIMENTA, 2015, p.7)” - com a centralidade do
IDESP na atual política de qualidade da educação para as escolas da rede pública
paulista de ensino regular?
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Para investigar estas questões, estão apresentados alguns dados oficiais, aspectos
metodológicos do estudo com dados analisados.
2. O problema
A obtenção de indicadores estatísticos utilizados no campo educacional
brasileiro é realizada com base nos resultados das avaliações educacionais em larga
escala externas à escola cujo percurso Bonamino e Souza (2012) situam em três (3)
momentos: o primeiro caracterizado pela utilização dos resultados destas avaliações
para diagnosticar a educação escolar, porém, sem consequências para a escola e para o
currículo escolar; o segundo caracterizado por articular estes resultados a premiações ou
sanções aos profissionais da educação e alterar o currículo escolar e, o terceiro, e atual
momento, caracterizado por articular estes resultados a premiações ou sanções aos
profissionais da educação, alterar o currículo escolar e serem amplamente divulgados à
sociedade.
O Estado de São Paulo utiliza, desde 1996, os resultados das avaliações
educacionais em larga escala externas à escola produzidas pelo Sistema de Avaliação e
Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) para mensurar a qualidade da
educação de sua rede pública de ensino regular e, a partir de 2007, parte destas
informações compõem o IDESP. A metodologia de construção do IDESP bem como
algumas análises sobre a mesma são descritas por Gesqui (2012), todavia, sua
construção pode ser sintetizada da seguinte forma:
O desempenho dos alunos dos quintos e nonos anos do ensino fundamental e dos
terceiros anos do ensino médio em Língua Portuguesa e em Matemática obtidos
no SARESP são utilizados como Indicador de Desempenho em Língua
Portuguesa (IDlp) e Indicador de Desempenho em Matemática (IDmat)
respectivamente e a média de ambos estabelece o Indicador de Desempenho
(ID) da etapa de escolarização;
O indicador de fluxo (IF) de cada etapa de escolarização é obtido pela média das
taxas de aprovação dos alunos de todas as séries-anos que compõem a referida
etapa;
O ID é multiplicado pelo Indicador de Fluxo (IF), resultando no IDESP da
referida etapa de escolarização.
A divulgação do IDESP de cada escola é realizada, pela SEE-SP, através do
Boletim da Escola (SÃO PAULO, 2013), contudo este documento disponibiliza ainda a
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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média IDESP da rede estadual de cada etapa de escolarização que a escola em questão
atende o que permite a elaboração da Tabela 1 que apresenta as médias IDESP dos anos
iniciais do ensino fundamental da rede pública paulista de ensino regular no período de
2007 a 2013.
Tabela 1: Médias IDESP dos anos iniciais do ensino fundamental da rede pública
paulista de ensino regular
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
3,23 3,25 3,86 3,96 4,24 4,28 4,42
Média Idesp da
rede estadual Fonte: Elaborado pelo autor a partir de São Paulo, 2008; 2009; 2010; 2011; 2012; 2013
e 2014a.
Os valores apresentados na Tabela 1 sugerem que a qualidade da educação dos
anos iniciais do ensino fundamental da rede pública paulista de ensino regular tem
melhorado ano a ano destacando que o valor observado em 2013 é 36,84% maior que o
valor observado em 2007. Contudo, este tipo de informação – pautado em médias –
muito pouco expressa sobre a efetiva aprendizagem dos alunos em Língua Portuguesa
ou em Matemática, uma vez que, como exposto anteriormente, na construção
metodológica do IDESP o indicador de desempenho é obtido pela média do
desempenho em Língua Portuguesa e em Matemática, ou seja, não é possível, dessa
forma, identificar o desempenho de cada componente curricular.
A considerarmos as informações expostas até o momento e somadas ao fato de
que é desta forma – expressas em médias – que chegam ao grande público, pode-se
inferir que a qualidade da educação dos anos iniciais da rede pública paulista de ensino
regular tem melhorado em valores absolutos, contudo não se pode realizar qualquer
afirmação sobre melhora, ou não, em Língua Portuguesa ou em Matemática. Analisada
parte das informações contidas em documentos referentes ao IDESP da rede pública
paulista de ensino regular dos anos iniciais do ensino fundamental no período de 2007 a
2013 temos a justificativa de que se faz necessária a produção de evidências empíricas –
além das oficialmente disponibilizadas pela SEE-SP - que possibilitem investigação
científica se os indicadores obtidos permitem a afirmação de que está ocorrendo, ou
não, melhoria na qualidade da educação pública paulista do ponto de vista da
aprendizagem dos alunos. Os resultados apontam para o fato de que os alunos dos anos
iniciais do ensino fundamental da rede pública paulista de ensino regular – independente
do aumento observado nos valores absolutos do IDESP - ao término de sua passagem
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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por esta etapa de escolarização a imensa maioria não consegue ler e escrever com o
mínimo de autonomia
Dito de outro modo: faz-se necessário buscar, organizar e analisar outras
informações que permitam identificar o desempenho dos anos iniciais do ensino
fundamental da rede pública paulista de ensino regular em Língua Portuguesa e em
Matemática para qualquer afirmação sobre melhora, ou não, da qualidade da educação
desta etapa de escolarização na referida rede.
3. Questões metodológicas
Esta comunicação tem o objetivo de apresentar informações que permitam
identificar e analisar o desempenho dos anos iniciais do ensino fundamental da rede
pública paulista de ensino regular em um dos componentes curriculares utilizados no
IDESP, no caso Língua Portuguesa, utilizando dois (2) procedimentos.
No primeiro procedimento são apresentados os quatro (4) níveis de proficiência
utilizados pela SEE-SP para classificar os alunos em função de seu desempenho nas
provas do SARESP e a distribuição dos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental
da rede pública paulista de ensino regular por níveis de proficiência no período de 2007
a 2013 seguidas de algumas inferências. Espera-se com este procedimento identificar,
em termos quantitativos, alterações na distribuição dos alunos por níveis de
proficiência.
No segundo procedimento é apresentado um (1) item exemplo utilizado pela
SEE-SP no SARESP 2013 para classificar os alunos no nível de proficiência básico com
o objetivo de ilustrar o que os alunos classificados neste nível conseguem realizar e um
(1) item exemplo utilizado pela SEE-SP no SARESP 2013 para classificar os alunos no
nível de proficiência adequado com o objetivo de ilustrar o que os alunos classificados
neste nível conseguem realizar neste que, em tese, é considerado o nível de proficiência
esperado ao término de uma etapa de escolarização.
O cruzamento das informações apresentadas nos dois (2) procedimentos
encontra-se descrito nas considerações finais e permite inferências sobre a
aprendizagem efetiva dos alunos dos anos iniciais da rede pública paulista de ensino
regular em Língua Portuguesa – expressa nos itens exemplos utilizados pela SEE-SP
para classificar seus alunos em níveis de proficiência - e fundamentam questionamentos
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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sobre o papel da Didática na atual política de qualidade da educação da rede pública
paulista de ensino regular.
4. Procedimento 1: Os níveis de proficiência
A SEE-SP utiliza quatro (4) níveis de proficiência para classificar seus alunos,
em função de seu desempenho no SARESP, independente da etapa de escolarização em
que se encontram. Os níveis de proficiência são descritos pela SEE-SP (SÃO PAULO,
2014b) da seguinte forma:
Abaixo do básico: Os alunos neste nível demonstram domínio insuficiente dos
conteúdos, competências e habilidades requeridas para a série escolar em que se
encontram.
Básico: Os alunos neste nível demonstram domínio mínimo dos conteúdos,
competências e habilidades, mas possuem as estruturas necessárias para interagir
com a proposta curricular na série subsequente.
Adequado: Os alunos neste nível demonstram domínio pleno dos conteúdos,
competências e habilidades desejáveis para a série escolar em que se encontram.
Avançado: Os alunos neste nível demonstram conhecimentos e domínio dos
conteúdos, competências e habilidades acima do requerido para a série escolar
em que se encontram.
No que se refere à definição de cada nível de proficiência é possível inferir que
para uma política educacional cujo objetivo é a melhora da qualidade da educação o que
se espera, em resultados, é a diminuição e, se possível, a inexistência de alunos
classificados no nível abaixo do básico; a diminuição, ou registro do menor número
possível, de alunos classificados no nível básico; ampliação, ou registro do maior
número possível, de alunos classificados no nível adequado e a ampliação do número de
alunos classificados no nível avançado.
A Tabela 2 apresenta a distribuição dos alunos dos anos iniciais do ensino
fundamental da rede pública paulista de ensino regular no período de 2007 a 2013 por
níveis de proficiência em Língua Portuguesa. O campo Abaixo do básico + Básico
representa o percentual de alunos que não alcançou o nível adequado ou, dito de outro
modo, após o encerramento de sua passagem de, no mínimo, cinco (5) anos sob a
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responsabilidade da escola ainda não alcançaram o nível de proficiência esperado, isto
é, o adequado.
Tabela 2: Distribuição dos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental da rede
pública paulista de ensino regular no período de 2007 a 2013 por níveis de proficiência
em Língua Portuguesa.
2007 20,7 39,1 34,7 5,6
2008 26,7 41 25,8 6,5
2009 20,9 37,2 31,6 10,3
2010 19,8 39,3 31,1 9,8
2011 17,4 37,4 32,9 12,3
2012 18,1 33,6 33,5 14,8
2013 16,1 34,7 34 15,1
51,7
50,8
Ano
Nível de proficiência em %
59,8
67,7
58,1
59,1
Abaixo do básico
+ Básico
Abaixo
do básicoBásico Adequado Avançado
54,8
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de São Paulo, 2008; 2009; 2010; 2011; 2012; 2013
e 2014a.
Inicialmente observa-se que, apesar das oscilações, os percentuais de alunos nos
níveis mais baixos de proficiência diminuíram; o percentual de alunos no nível
adequado se manteve praticamente inalterado e o percentual de alunos no nível
avançado quase triplicou ao compararmos os percentuais de 2007 com os de 2013. Num
segundo momento, ao analisarmos isoladamente os níveis abaixo do básico e básico
observa-se que a redução os percentuais registrados em 2013 representam um avanço
muito pequeno para um período de seis (6) anos e tal afirmação é corroborada com as
informações do campo Abaixo do básico + Básico uma vez que em 2007 a rede pública
paulista de ensino regular classificou 59,8% dos alunos dos anos iniciais do ensino
fundamental em Língua Portuguesa como “demonstram domínio mínimo dos
conteúdos, competências e habilidades, mas possuem as estruturas necessárias para
interagir com a proposta curricular na série subsequente” (SÃO PAULO, 2014b, p.47) e
em 2013 este percentual foi reduzido para 50,8%%. Certamente uma redução de 9% nos
níveis mais baixos de proficiência representa um avanço em termos quantitativos,
porém torna-se necessário identificar o que estes percentuais representam em termos de
aprendizagem efetiva dos alunos.
Procedimento 2: Os itens exemplos utilizados para classificar os alunos nos níveis
de proficiência básico e adequado.
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As provas utilizadas nas avaliações do SARESP não são publicamente
disponibilizadas pela SEE-SP o que impede uma investigação mais ampliada sobre os
itens que classificam os alunos por nível de proficiência. Desta forma o documento
disponibilizado pela SEE-SP que permite uma investigação (SÃO PAULO, 2014b)
apresenta apenas um (1) ou dois (2) itens exemplo para cada nível de proficiência. Não
se pretende aqui realizar uma análise técnica de cada item e sim ilustrar o que cada um
solicita ao aluno.
No que se refere ao nível de proficiência básico o exemplo de item apresentado
a seguir é um dos utilizados pela SEE-SP para classificar os alunos neste nível ou, dito
de outro modo, corresponde afirmar que, segundo a Tabela 1, 50,8% dos alunos da rede
pública paulista de ensino regular conseguem, ao término do ensino fundamental I,
realizar corretamente itens como este ou compatíveis a este e cuja solicitação foi apenas
a de identificar o que tornou a história engraçada.
“Leia o texto e responda a questão:
A história é engraçada porque o A história é engraçada porque o
(A) lobo está com muita fome.
(B) Cascão substitui um dos três porquinhos.
(C) lobo usa macacão, mas porquinhos estão sem roupa.
(D) Cascão consegue correr mais depressa que os dois porquinhos (SÃO
PAULO, 2014b, p.58)”.
A leitura da comanda do item, da tirinha utilizada e das alternativas de resposta
apresentadas sugerem, num primeiro momento, que o percentual de alunos cujo limite
de aprendizagem possa ser representado por um item como este deveria ser reduzido.
Porém observe-se que mais da metade dos alunos da rede pública paulista de ensino
regular, após um período de, no mínimo, cinco (5) anos sob a responsabilidade da
escola conseguem, no máximo, solucionar itens como o apresentado com domínio
mínimo dos conteúdos e competências para ler as alternativas e escolher a correta. Tal
informação levanta questionamentos sobre a eficiência das muitas atividades e
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6322ISSN 2177-336X
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estratégias utilizadas ao longo destes cinco (5) anos e que possibilitaram tal resultado.
Some-se a isto o fato de que todos os personagens (lobo, Cascão e porquinhos) estão
presentes em histórias amplamente utilizadas, ao menos em tese, na escola pública e
meios de comunicação para infância.
Quanto ao nível de proficiência adequado o exemplo de item abaixo é um dos
utilizados pela SEE-SP para classificar os alunos neste nível ou, dito de outro modo,
corresponde afirmar, segundo a Tabela 1, que 50,8% dos alunos da rede pública paulista
de ensino regular não conseguem, ao término do ensino fundamental I, realizar
corretamente a resposta e cuja solicitação era identificar “quem conta esta história é?”
(SÃO PAULO, 2014b, p.64).
“A TERRA DOS MENINOS PELADOS
Graciliano Ramos
Havia um menino diferente dos outros meninos: tinha o olho direito
preto, e o esquerdo azul e a cabeça pelada. Os vizinhos mangavam dele e
gritavam:
- Ó pelado!
Tanto gritaram que ele se acostumou, achou o apelido certo, deu para
se assinar a carvão, nas paredes: Dr. Raimundo Pelado. Era de bom gênio e
não se zangava; mas os garotos dos arredores fugiam ao vê-lo, escondiam-se
por detrás das árvores da rua, mudavam a voz e perguntavam que fim tinha
levado os cabelos dele. Raimundo entristecia e fechava o olho direito.
Quando o aperreavam demais, aborrecia-se, fechava o olho esquerdo. E a
cara ficava toda escura.
Não tendo com quem entender-se, Raimundo Pelado falava só, e os
outros pensavam que ele estava malucando.
Estava nada! Conversava sozinho e desenhava na calçada coisas
maravilhosas do país de Tatipirun, onde não há cabelos e as pessoas têm um
olho preto e outro azul.
(Graciliano Ramos. Alexandre e outros heróis. 14ª edição. Rio, São Paulo:
Record, Martins, 1977)
Quem conta esta história é:
(A) Raimundo Pelado.
(B) o narrador.
(C) um menino.
(D) um vizinho. (SÃO PAULO, 2014b, p.64)”.
É necessário considerar que a solicitação do item era apenas a de identificar
quem conta a história, ou seja, uma atividade prevista para ser desenvolvida em diversas
oportunidades ao longo dos cinco (5) anos desta etapa de escolarização; num texto
poucas linhas, isto é, de rápida leitura que oportuniza sua realização por diversas vezes
caso o aluno considere necessário e que não apresenta palavras incomuns ao cotidiano
do aluno. Diante disso, torna-se, no mínimo, questionável a identificação de que, em
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2013, 50,8% dos alunos da última série do ensino fundamental I da rede pública paulista
de ensino regular se encontra nesta condição independente das inúmeras hipóteses
pedagógicas ou administrativas possíveis para tal, pois o esperado é que as situações de
leitura e interpretação de texto sejam frequentes no cotidiano escolar e, em especial,
nesta etapa de escolarização, no entanto, só metade dos alunos consegue demonstrar o
domínio das competências esperadas para o final do ensino fundamental I.
Os dois (2) itens exemplos utilizados solicitam o identificar, isto é, um resultado
lógico e esperado ao término de uma leitura, porém, os resultados observados em ambos
apontam para a hipótese de que os alunos classificados por estes itens não possuem,
autonomia em leitura após cinco (5) anos sob a responsabilidade da escola, o que coloca
em xeque a eficiência dos procedimentos metodológicos utilizados, uma vez que os
resultados das pesquisas, expostas anteriormente, evidenciam a limitação do potencial
da didática efetivada no âmbito escolar à poucas atividades de treinamento de alunos
para as avaliações externas.
Considerações finais
A utilização de indicadores estatísticos no campo educacional brasileiro tem sido
difundida de tal forma que dificilmente são questionados quanto à sua validade,
precisão e, principalmente, se, apesar de toda a tecnologia de que faz uso, realiza aquilo
a que é oficialmente proposto, ou seja, contribuir para a melhoria da qualidade da
educação e fornecer informações que orientem políticas educacionais. A pequena
evolução observada nos valores absolutos do IDESP ao longo de seis (6) anos aliada à
manutenção da atual política educacional para a qualidade da educação na rede pública
paulista de ensino regular corrobora esta afirmação.
Quanto ao objetivo central deste artigo, isto é, identificar a aprendizagem dos
alunos dos anos iniciais do ensino fundamental da rede pública paulista de ensino
regular em Língua Portuguesa conclui-se que 50,8% do total dos alunos avaliados pelo
SARESP em 2013 não alcançaram o nível de proficiência adequado, ou seja, segundo
os parâmetros da SEE-SP possuem apenas condições mínimas para interagir com a
proposta curricular da série subsequente, em outras palavras, não possuem autonomia
em leitura e interpretação de textos para seguir para o fundamental II.
A análise dos itens utilizados para classificar os alunos nos níveis de proficiência
básico e adequado sugere que ambos solicitam muito pouco aos alunos em termos de
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leitura e interpretação de um texto e, ainda assim, os resultados obtidos são
preocupantes, ou seja, apesar da evolução do IDESP em valores absolutos, não é
possível afirmar que é observada uma evolução, em aprendizagem efetiva, dos alunos,
ao menos para a grande maioria do alunado
Outro dado importante, e muito preocupante, é a hipótese obtida com a
triangulação de informações da análise dos itens utilizados para classificar os alunos nos
níveis de proficiência com os resultados obtidos com a distribuição dos alunos por
níveis de proficiência e os achados das produções acadêmicas citadas que destacam a
ampliação de treinamentos dos alunos para o SARESP e conivência de professores e
gestores escolares: o enorme potencial da Didática no processo de ensino e
aprendizagem tem sido substituído por simples e repetitivas ações de treinamento para
as avaliações externas em larga escalo no cotidiano da rede pública paulista de ensino
regular.
A considerar que 50,8% os alunos não conseguem ler e interpretar textos simples
e que a Didática, como possibilidade historicamente comprovada de reverter este
cenário, está abandonada na atual política de qualidade da educação da rede pública
paulista de ensino regular torna-se urgente uma análise adensada da mesma, o que
acontece em eventos como este.
Referências
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REFORMA CURRICULAR, PRÁTICA PEDAGÓGICA E TRABALHO
DOCENTE: UMA ANÁLISE DO PROGRAMA “MAIS EDUCAÇÃO – SÃO
PAULO”
SOUZA, Rafaela de Barros Souza
Universidade Federal de São Paulo - Unifesp
PENNA, Marieta Gouvêa de Oliveira
Universidade Federal de São Paulo - Unifesp
Resumo
Nesta comunicação são apresentados resultados parciais de pesquisa sobre o programa
“Mais Educação – São Paulo”, implantado no município no ano de 2014, trazendo
alterações no currículo e na prática pedagógica. O objetivo aqui é analisar aspectos dos
efeitos dessa reforma no trabalho dos professores. O ensino, cerne do trabalho docente,
é investigado a partir de pressupostos da Didática, sendo compreendido como atividade
realizada na escola e intencionalmente organizada, relacionada ao sistema de ensino e
ao contexto social. Assume-se que em sua análise, se faz necessária uma interconexão
de temas e níveis de aprofundamento, que vão desde a sala de aula até as políticas
educacionais. Considera-se a complexidade dos processos educativos escolares face ao
trabalho docente, a partir do depoimento de professores. Os dados foram coletados por
meio de entrevistas semiestruturadas com seis professores em duas escolas da rede
pública municipal de São Paulo. Nas análises, são acionados os conceitos de
intensificação do trabalho docente, saberes docentes e prática pedagógica. Dentre os
efeitos da reforma sobre o exercício docente, foi possível identificar: intensificação do
trabalho, sentimento de insegurança e solidão, perda de direitos, falta de estrutura e de
condições materiais, organização escolar inadequada, dificuldades para executar o
trabalho, num contexto em que a autonomia docente se vê ameaçada. Por força da
própria legislação e dos programas de reforma, os professores são levados a dominar
novos saberes, mas nem sempre de forma reflexiva. Verificou-se que os professores
acionam saberes oriundos de fontes diversas, sobretudo aqueles que surgiram da
experiência, em contexto no qual as condições de trabalho não as mais adequadas. A
reforma curricular analisada incide diretamente sobre as práticas pedagógicas, marcadas
pelas interações com os alunos, com os outros docentes e também com a instituição
escolar.
Palavras-chave: Reforma curricular; Saberes docentes; Prática pedagógica.
Introdução
A busca pela qualidade tem se apresentado como um novo paradigma para a
educação brasileira nos últimos anos. Em meio a essa busca, os sistemas de ensino têm
lançado constantemente programas e projetos cujos focos principais quase sempre
permeiam o currículo e a prática pedagógica. As propostas chegam ao cotidiano escolar
e encontram uma grande diversidade de contextos, sujeitos e circunstâncias.
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Quando se fala em reformas curriculares é comum estas não se instalarem na
prática no mesmo ritmo em que são encaminhadas. Um dos motivos, segundo Gimeno
Sacristán (1998) é o fato de tais reformas coisificarem o currículo, concebendo-o como
um objeto manipulável, apreensível, mensurável, podendo ser moldável de forma
controlada a partir de modelos previamente estabelecidos, capazes de mudar a realidade
por si só. A concepção limitada de algumas reformas curriculares esgota suas ações à
mera elaboração, difusão e afirmação desses documentos. A realidade educativa, suas
condições de interpretação, as limitações da prática, as características do texto
curricular, ou mesmo as condições de trabalho dos professores são desconsideradas. As
prescrições de reorganização curricular e as práticas pedagógicas vivenciadas dentro das
escolas possuem uma relação de interdependência que não pode ser desconsiderada,
posto estarem em interação (MARIN, 1996).
Nesta comunicação são analisadas facetas da implantação do programa “Mais
Educação – São Paulo” (SÃO PAULO, 2013a), cuja meta é a reorganização do ensino
fundamental na rede pública municipal. A pesquisa foi realizada em 2014, objetivando
captar a relação existente entre o cotidiano escolar e reformas que incidem sobre o
currículo, e assim analisar a nova realidade vivida no interior das escolas municipais,
com foco nos efeitos sobre o trabalho docente e o ensino.
O ensino, cerne do trabalho docente, é compreendido a partir de pressupostos da
Didática, como intencionalmente organizado e realizado na escola e, portanto, marcado
por esse contexto institucional, ao mesmo tempo em que se relaciona ao sistema de
ensino e ao contexto social (MARIN, 1996). Aqui, considera-se a complexidade dos
processos educativos escolares e do trabalho docente face às alterações adjacentes à
implantação de uma reforma curricular, a partir do depoimento de professores. Para
tanto, foram coletados dados por meio de entrevistas semiestruturadas, com seis
professores em duas escolas da rede pública municipal de São Paulo.
O texto está organizado em três partes. Num primeiro momento, são debatidas as
relações existentes entre as condições de trabalho docente e as práticas pedagógicas.
Depois, são apresentados os principais aspectos do “Programa Mais Educação”, para em
seguida serem analisados os efeitos de tal programa no trabalho docente.
Condições de trabalho docente e prática pedagógica
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Ao se debater o ensino a partir de pressupostos da Didática, parte-se de
compreensão que se trata da relação estabelecida entre o professor, o aluno e o
conhecimento escolar, compreendida como uma relação triádica (PASSMORE, 2002).
No entanto, é preciso considerar que essa relação não ocorre no vazio, mas num
contexto específico que se faz necessário considerar.
O ensino, cerne do trabalho docente, necessita ser considerado como atividade
realizada na escola e intencionalmente organizada, sendo essa atividade relacionada ao
sistema de ensino e ao contexto social. Para que se possa investigar ou mesmo intervir
no ensino, faz-se necessário compreendê-lo a partir de uma interconexão de temas e
níveis de aprofundamento, que vão desde a sala de aula até as políticas educacionais
(MARIN, 1996). De acordo com Azanha (1995), é importante investigar a escola, para
que se possa analisar a prática educacional nela desenvolvida.
Um dos aspectos relacionados à escola e que interferem diretamente no ensino
diz respeito às condições de trabalho do professor. Discussão apresentada por Sampaio
e Marin (2004) enfatiza conexões existentes entre as condições de trabalho do professor
e suas consequências no ensino, seja no que diz respeito aos conteúdos básicos da
escolarização, seja no que diz respeito ao ensino de crenças e valores na escola. Paul e
Barbosa (2009) relacionam a eficácia no ensino a fatores como fixação do professor na
escola, entre outros aspectos referidos a condições de trabalho docente. Biasi (2009)
destaca a existência de imbricações entre formação, condições salariais, tempo de
serviço e situação funcional, ao se considerar o desempenho dos alunos.
Diferentes estudos têm apontado as difíceis condições de trabalho às quais os
professores se encontram submetidos no exercício de sua função. Na atualidade, a
precariedade existente nas condições de trabalho docente se acentua, num contexto de
reformas educacionais de cunho neoliberal (SAMPAIO e MARIN, 2004). Oliveira
(2004; 2008), identifica aumento de controle sobre o trabalho docente, em decorrência
de novas formas de gestão, que passam a focar a produtividade e os resultados
escolares, reestruturando e intensificando seu trabalho. Ao discutirem a precariedade no
trabalho do professor, Lüdke e Boing (2004) destacam a falta de reconhecimento social
da docência, face à falta de autonomia na profissão, à subordinação dos professores ao
Estado, às múltiplas possibilidades formativas para o exercício dessa função, aos baixos
salários recebidos.
Ao debater as condições de trabalho dos professores, Apple (1995) evidencia a
desqualificação do trabalho, relacionada a uma crescente imposição de procedimentos
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de controle técnico sobre o currículo e sobre a docência. Reformas como a que aqui se
analisa propõem uma reorganização do currículo por meio de regulação do trabalho
docente. Implicam em mudanças no cotidiano dos professores e da escola, conferindo à
prática docente uma espécie de autonomia relativa. Ou seja, as reformas incidem sobre
a prática docente, aqui compreendida como atividade complexa que engloba várias
etapas, tais como orientar os estudos, regular as relações na sala de aula, preparar de
materiais, selecionar atividades, organizar o espaço (GIMENO SACRISTÁN, 1999). O
autor considera que o professor utiliza esquemas práticos para conduzir suas ações,
produzidos no contexto escolar. Esses esquemas, por se encontrarem enraizados na
cultura escolar, fazem com que os professores, em alguns aspectos da ação realizada na
escola, possuam desempenhos semelhantes.
Tal semelhança nas ações dos professores pode ser compreendida a partir do
conceito de saberes da experiência, que são desenvolvidos e aprendidos pelos docentes
no contexto escolar, no contato com os colegas e com as regras de funcionamento da
escola (TARDIF e RAYMOND, 2000). Os saberes da experiência compõem um dos
aspectos do saber profissional dos professores, englobando várias facetas, indo além do
domínio do conteúdo a ser ministrado: saber planejar, habilidades relacionadas à
postura, ao trato com os alunos, conhecimentos sobre o sistema de ensino, entre outras.
A partir do exposto, destaca-se a relevância de se investigar os efeitos do
“Programa Mais Educação – São Paulo” sobre as condições de trabalho do professor, o
que por certo traz consequências para suas práticas pedagógicas e para o ensino.
O “Programa Mais Educação” e o Ciclo Interdisciplinar
Em 2013 foi lançado o programa “Mais Educação – São Paulo” como novo
plano do governo municipal para a rede. Pode-se inserir tal reforma em tendência –
presente nas trocas de mandatos em diferentes administrações, no que se refere à
educação – de lançamento de novas moções, quase sempre apresentadas em documentos
escritos e em discursos com promessas de melhoria, muitas vezes conjugando novas
propostas com práticas já existentes (BALL e MAINARDES, 2011). Nos documentos
do programa há também uma clara preocupação com a prática docente e com o
currículo. A sala de aula é considerada espaço precioso de encontro dos sujeitos
(professor/aluno) e dos conhecimentos, emoções, sentimentos, consciência e valores
(SÃO PAULO, 2013b). No contexto das reformas neoliberais a prática docente e o
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currículo são considerados eixos importantes. O encaminhamento de programas, como a
reorganização do ensino desenvolvida por esta gestão, pode ser entendido como mais
um indício desta tendência.
O documento que subsidia a implantação (SÃO PAULO, 2014) afirma que o
foco está centrado na gestão e na qualidade social da educação. Em termos de gestão,
são ressaltados três eixos: a gestão pedagógica; a gestão do conhecimento e a gestão
democrática. A gestão pedagógica é considerada a base para a implantação do
programa. Por meio dela as práticas de educadores e gestores devem se adequar aos
princípios estabelecidos, a partir das noções de interdisciplinaridade, autoria, pedagogia
de projetos e avaliação para a aprendizagem. (SÃO PAULO, 2014).
De acordo com as primeiras medidas, buscou-se reorganizar o ensino
fundamental em três ciclos com três anos de duração cada. Ficando assim estabelecidos:
Ciclo de Alfabetização, o Ciclo Interdisciplinar e o Ciclo Autoral (SÃO PAULO,
2013a). Em conjunto, foram encaminhadas propostas como: o fim da aprovação
automática; formação do educador voltada para os temas do programa; gestão
participativa e democrática, avaliações externas.
A prática pedagógica no Ciclo Interdisciplinar foi estudada com maior
profundidade nesta pesquisa sobre o programa “Mais Educação – São Paulo”. De
acordo com a proposta oficial, espera-se que professores especialistas e polivalentes, ao
atuarem no Ciclo Interdisciplinar, ministrem aulas em conjunto. A partir da
reorganização, os professores polivalentes podem atuar no 6º ano em regência
compartilhada como professores de “projetos”. Isto, de acordo com a proposta,
contemplaria a perspectiva interdisciplinar nela presente. Do mesmo modo, professores
especialistas passaram a poder atuar nos 4º e 5º anos, com as mesmas condições e
objetivos.
Sobre esse aspecto, com a realização da pesquisa, verificou-se que os
professores que atuaram no Ciclo Interdisciplinar no ano de 2014 identificaram
dificuldades em realizar a articulação das áreas do conhecimento, já que pouco
conseguiam se encontrar para realizar o planejamento. A autonomia e a mobilidade em
relação ao currículo e as possibilidades que a interdisciplinaridade trariam, apareceram
de maneira parcial. Alguns professores relataram se sentir autônomos, mas isso ao se
referirem ao trabalho em geral, não necessariamente ao trabalho interdisciplinar. Nas
respostas, também ficou claro que algumas práticas foram mantidas por parte do sistema
de ensino, mas também reproduzidas por parte dos sujeitos. O planejamento feito por
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séries, os conteúdos organizados por disciplinas, as avaliações feitas separadamente.
Isso expressa a manutenção da lógica seriada em termos metodológicos.
A prática tem uma continuidade temporal inevitável e não é um simples passado
ao qual se olha como um objeto petrificado, pelo contrário, continua sendo operacional,
organizando a ação dos membros que compartilham uma cultura (GIMENO
SACRISTÁN, 1999).
Uma das maiores dificuldades para a efetivação do trabalho articulado entre os
professores especialistas e polivalentes, pelo que se pode verificar, diz respeito às
poucas possibilidades de encontros na escola, resultando na persistência de
planejamento e práticas mais individualizadas. Para Gimeno Sacristán (1998), o
planejamento compõe uma das dimensões do currículo em ação, sendo uma de suas
funções organizar e sistematizar o currículo a ser cumprido. O trabalho com o Ciclo
Interdisciplinar pressupõe atividades integradas e a transversalidade entre as áreas do
conhecimento. No cotidiano escolar, as formas de organização não viabilizam tais
momentos, sobretudo, do ponto de vista da cisão histórica entre os professores do antigo
Ciclo I e IIi, que continuaram trabalhando separadamente.
Identificou-se também, que o trabalho por projetos no Ciclo Interdisciplinar foi
impactado por critérios burocráticos, tanto na escolha dos docentes, quanto na escolha
do tema a ser desenvolvido. Verificou-se uma fragilidade na suposta construção coletiva
e democrática defendida nos documentos. De acordo com as falas presentes nas
entrevistas, o critério de preenchimento da jornada dos docentes e outras normatizações
estiveram à frente da regência compartilhada e do trabalho por projetos, inovações que
poderiam ao menos iniciar o processo de articulação entre as disciplinas, favorecendo a
qualidade social da educação, o fortalecimento da autonomia, um currículo menos
compartimentado e mais dialogado, tal como fora idealizado.
.
Trabalho docente e efeitos da reforma: o que afirmam os docentes
No que se refere aos efeitos da reforma para o exercício docente, alguns aspectos
foram verificados. Os docentes indicaram que houve uma intensificação do seu
trabalho, falta de tempo e aflição por não se sentirem em condições de executar tudo o
que a proposta demandava. Além de usarem constantemente o tempo livre para planejar
e pesquisar assuntos relacionados ao trabalho.
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Apple (1995) afirma que a intensificação do trabalho docente representa uma das
formas tangíveis pelas quais os privilégios de trabalhadores da educação são
degradados, caracterizando-se pela crescente demanda de novas atribuições, pela falta
de tempo para as atividades mais básicas da vida humana, pelo sentimento de cansaço
oriundo da criação de objetivos comportamentais, pela criação de pacotes institucionais
e pelas intensas cobranças burocráticas referidas ao processo de ensino aprendizagem.
Insegurança e solidão foi outro ponto levantado, sobretudo pela exigência de
novos conhecimentos, e pelo fato dos docentes se sentirem responsabilizados pelo
possível êxito ou fracasso da reforma, já que era o seu primeiro ano de vigência. Acosta
(2013) aponta que os docentes constantemente buscam o sentido da práxis, visando sua
reconstrução permanente e que, cotidianamente, tomam decisões em sua prática
pedagógica, porém as fazem, comumente, em condições de incerteza. A forma como as
escolas foram organizadas, com as turmas seriadas, os professores divididos por turnos,
enfim, as permanências oriundas do antigo sistema de organização escolar reforçaram as
contradições presentes no trabalho docente. Estes viviam uma realidade fragmentada e
solitária, com um discurso que apelava para o trabalho coletivo, integrado e
interdisciplinar.
Perda de direitos e alterações na jornada de trabalho constituíram um dos efeitos
identificados. “Diminuiu o número de aulas, diminuiu o meu salário, não posso fazer a
Jornada Especial Integral de Formação (JEIF)ii e por aí vai” (Willian). A perda de
direitos dos trabalhadores da educação é uma característica do contexto neoliberal e se
intensifica com as reformas, conforme explicitado por Oliveira (2003).
Houve ainda a falta de condições objetivas para a implantação da reforma
curricular como, por exemplo, a falta de materiais, de espaço físico adequado e demora
na entrega de equipamentos, colocando a prática pedagógica em condição de
imprevisibilidade.
De acordo com Giroux (apud SOUZA e FERNANDES, 2014), as condições
materiais sob as quais o professor atua constituem as bases para delimitar e firmar suas
práticas como intelectuais, levando por sua vez à necessidade de reconsiderar e,
possivelmente, transformar fundamentalmente a natureza das condições sob as quais
pretende atuar.
Do ponto de vista dos materiais e recursos disponíveis, ou de ponto de vista do
currículo face ao planejamento das aulas, foi mencionada a necessidade de se realizar
adequações. A falta de tempo para adaptação dos planos às necessidades institucionais
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foi apontada como parte dos descompassos entre a realidade vivida no contexto de
implantação e as recomendações do programa.
A organização escolar inadequada foi identificada como fator que também gerou
efeitos na prática pedagógica dos docentes do Ciclo Interdisciplinar, uma vez que estava
em claro desajuste com as expectativas de uma nova prática. Os espaços físicos
limitados, os turnos e turmas que permaneceram agrupados de mesma maneira, a
divisão do tempo das aulas em períodos curtos, os professores com horários limitados às
aulas, sem possibilidades de encontros para diálogo e trabalho coletivo na maior parte
dos casos. “[...] quando não há estrutura e reorganização escolar não adianta nada os
Ciclos” (Marisa).
A escola possui algumas características organizacionais e sociais que
influenciam o trabalho dos agentes escolares. Como lugar de trabalho, ela não é apenas
um espaço físico, mas um espaço social que define como o trabalho dos professores é
repartido e realizado, como é planejado, supervisionado, remunerado e visto por outros.
Gimeno Sacristán (1998) também reconhece os limites institucionais presentes na
atuação dos docentes. Embora ele seja um mediador decisivo na ressignificação do
currículo prescrito, o professor não escolhe as condições para desenvolver o seu
trabalho. No entanto, possui a capacidade de modelar o currículo, reconfigurando sua
prática, o que lhe permite atuar com certa autonomia, mesmo que diminuída aos limites
da organização escolar. Assim, “[...] a racionalidade dominante na prática escolar está
condicionada pela política e mecanismos administrativos que intervêm na modelação do
currículo dentro do sistema escolar” (GIMENO SACRISTÁN, 1998, p. 107).
Diante das condições nem sempre favoráveis, quando inseridos em seu
cotidiano, os professores realizam adaptações e transformações nos programas, pois têm
que lidar constantemente com o improviso. Para dar conta dos objetivos traçados os
professores comumente usam: saberes das disciplinas, os saberes curriculares, os
saberes da formação profissional e os saberes da experiência (TARDIF, 2002). Tal
aspecto se sobressaiu nas entrevistas, no que se refere à necessidade de promover
articulações entre o novo e velho, entre os saberes da experiência e as novas
recomendações. Os docentes relataram que misturam os saberes da experiência,
tentando adequar às prescrições. Muitas vezes, possuem experiência em fazer tais
adequações, dado o acúmulo de vezes e de tempo vivenciando tais condições, em face
da profusão de reformas vivenciadas na rede. “A gente vai misturando, vai pegando as
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experiências que a gente tem os materiais que são enviados, os que a gente tem em
mãos e vai montando na medida do possível” (Emília).
A prática docente tem reguladores externos aos professores, em uma instituição
que tem suas normas de funcionamento marcadas pela cultura escolar e pelas condições
de trabalho às quais os docentes estão submetidos (GIMENO SACRISTÁN, 1998). No
caso do magistério no Ciclo Interdisciplinar, a realidade multifacetada e contraditória
induziu a uma prática igualmente fragmentária e difusa. Os docentes assumiram que
mesclam saberes oriundos de fontes diversas, sobretudo daqueles que surgiram da
experiência. Uma experiência marcada pelas interações com os alunos, com os outros
docentes e também com a instituição escolar, herdeira de diversas reformas anteriores
com discursos e recomendações acumuladas.
Oliveira (2004) em seu clássico artigo sobre a reestruturação do trabalho
docente, afirma que esses trabalhadores se sentem obrigados a responder às novas
exigências pedagógicas e administrativas, contudo expressam sensação de insegurança e
desamparo tanto do ponto de vista objetivo – faltam-lhes condições de trabalho
adequadas –, quanto do ponto de vista subjetivo. Aquela escola tradicional,
transmissiva, autoritária, verticalizada, extremamente burocrática mudou. O que não
quer dizer que estejamos diante de uma escola democrática, pautada no trabalho
coletivo, na participação dos sujeitos envolvidos, ministrando uma educação de
qualidade. Valores como autonomia, participação, democratização foram assimilados e
reinterpretados por diferentes administrações públicas, substantivados em
procedimentos normativos que modificaram substancialmente o trabalho escolar. O fato
é que o trabalho pedagógico foi reestruturado, exigindo-se uma nova organização
escolar, sem as adequações necessárias, isso implica processos de precarização do
trabalho docente (OLIVEIRA, 2004).
Por força da própria legislação e dos programas de reforma, os docentes foram
levados a dominar novos saberes no exercício de suas funções como: pedagogia de
projetos, currículos transversais, avaliações formativas, enfim, novas exigências a para
responder, que, apresentadas como novidade ou inovação, foram tomadas como
indispensáveis.
Considerações finais
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O estudo da reforma proposta pelo programa “Mais Educação – São Paulo”
permitiu identificar que, entre o que está posto nos documentos oficiais e a realidade
cotidiana relatada pelos docentes, há um grande distanciamento, em especial no que se
refere à organização dos tempos e espaços. De um lado a proposta de organização do
ensino em ciclos sob a ótica interdisciplinar, de outro um espaço que ainda se configura
de maneira seriada, com as áreas do conhecimento e agrupamentos fragmentados, além
de os docentes especialistas e polivalentes contarem com pouco espaço para articulação
do trabalho.
A permanência de práticas mais individuais firmadas na própria cultura
profissional dificultou a mudança de atitude para um trabalho mais integrado. Do
mesmo modo, para além da possibilidade de regência compartilhada no Ciclo
Interdisciplinar, houve poucas ações governamentais que alterasse as jornadas ou
ampliasse os momentos de encontro coletivo, nos quais os professores especialistas e
polivalentes pudessem articular o trabalho.
Há um clima de mal-estar estar entre os professores, nutrido pelo descompasso
existente entre o imaginário de sua função pedagógica e a realidade vivida, ou seja,
entre suas necessidades reais e as ambiciosas expectativas postas nacionalmente.
O estudo aqui apresentado evidencia relevância de, ao se estudar a prática
pedagógica docente, a partir de pressupostos da Didática, considerar-se os diferentes
âmbitos a ela inter-relacionados, no caso, o currículo prescrito e o currículo praticado
pelos docentes, face às condições objetivas de efetivação do ensino. Entende-se, como
afirma Marin (1996), que a análise das práticas pedagógicas realizadas na escola é
importante ponto de partida para a compreensão do ensino, aspecto fundamental para a
superação de dificuldades presentes no cotidiano escolar. Aqui, evidenciou-se a
necessidade de se atentar para as condições de trabalho docente, bem como para as
práticas enraizadas na cultura escolar, ao se propor uma reforma curricular.
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i Forma de organização dos Ciclos no município de São Paulo até a reforma aqui estudada, o Ciclo I
correspondendo ao ensino fundamental I e o Ciclo II ao ensino fundamental II. ii A Jornada Especial Integral de Formação (JEIF) corresponde a uma jornada estendida remunerada
voltada para estudos e discussões coletivas entre os docentes e coordenação pedagógica. Apenas os
professores com uma jornada completa de vinte e cindo aulas semanais tem garantido o direito de optar
por esta jornada.
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