HC - Relaxamento do flagrante pela ausencia de apresentacao ...

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR VICE-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelos defensores públicos que esta subscrevem, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 5º, inciso LXVIII, bem como nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar ordem de HABEAS CORPUS com pedido liminar 1

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR VICE-PRESIDENTE

DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO.

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO,

pelos defensores públicos que esta subscrevem, vem, respeitosamente, à presença de

Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 5º, inciso LXVIII, bem como nos

artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar ordem de

HABEAS CORPUS

com pedido liminar

em favor de CÍCERO LIMA CELESTINO, RG nº 71.013.620, filho de maNOEL

Celestino da Silva e Maria Lima Celestino, nascido em 18/09/1992, em Brejo Santo

- CE, figurando como autoridade coatora o Juízo de Plantão de São Paulo, em razão

do constrangimento ilegal a que está sendo submetido no RDO 2483/2012, pelos

motivos a seguir expostos.

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I - DOS FATOS

O paciente foi preso em flagrante no dia 31 de agosto de 2012

por suposta prática do delito descrito no artigo 33 da Lei 11.343/06. Narra a

ocorrência que Cícero teria sido abordado por policias militares que teriam

encontrado em sua posse certa quantia em dinheiro (R$ 87,00 – oitenta e sete reais).

Espontaneamente o paciente teria dito que o dinheiro era fruto de venda de

entorpecentes e, não satisfeito, indicou, também espontaneamente, o local onde as

drogas estariam armazenadas.

Trata-se de versão pouco crível. Justamente por conta de

situações como essa, a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos prevêem a garantia de apresentação da

pessoa presa ao juiz no momento da prisão.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,

incorporado pelo Decreto 592/92, em seu artigo 9º, 3, assim dispõe:

“Artigo 9, 3.  Qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os

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atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.”

Por sua vez, a Convenção Americana de Direitos Humanos,

incorporada pelo Decreto 678/92, prevê em seu artigo 7º, 5, o seguinte:

“ Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal

5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”

Por isso, no dia da comunicação da prisão em flagrante a

Defensoria Pública requereu a imediata apresentação do paciente em juízo, dada a

provável ilegalidade de sua prisão. Todavia, o juízo de plantão indeferiu o pedido

sob o fundamento de que “A prisão em flagrante do indiciado está formalmente em

ordem e foi convertida em prisão preventiva, em decisão fundamentada. Desta

forma, não há motivo para se determinar sua apresentação em Juízo, perante o

Plantão Judiciário”.

Além disso, decretou a prisão preventiva para garantia da ordem

pública, para conveniência da instrução processual e para assegurar a aplicação da

lei penal, sem, contudo, apresentar qualquer fundamento concreto para tanto.

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Assim, não restou outra medida senão a impetração do presente

habeas corpus.

II - DO DIREITO

II.i. DO RELAXAMENTO DA PRISÃO POR AUSÊNCIA DE CONDUÇÃO

DO PACIENTE AO JUIZ

A Constituição da República dispõe em seu artigo 5º, § 2º que

“os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Por conta disso, a doutrina defende o caráter constitucional das

normas dispostas em Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Todavia, o

Supremo Tribunal Federal, no julgamento Recurso Extraordinário 466.343-SP,

firmou entendimento de que tais normas ostentam caráter supralegal quando não

aprovadas conforme o disposto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. É o

caso das normas aludidas acima.

Assim, não resta dúvida da aplicabilidade das normas

internacionais de direitos humanos que garantem a condução, sem demora, de toda

pessoa presa à presença de um juiz.

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A interpretação ampliativa que permeia as normas citadas tem,

inclusive, previsão nos Tratados Internacionais (artigo 29, b, da Convenção

Americana de Direitos Humanos, e artigo 5, 2, do Pacto Internacional de Direitos

Civis e Políticos). Dessa forma, infere-se que a condução da pessoa presa ao juiz

constitui uma garantia que se alia às demais previstas na Constituição da República

e nas leis processuais penais.

Como não há norma constitucional que contrarie o disposto nos

citados Tratados Internacionais, conclui-se que a condução da pessoa presa, sem

demora, a um juiz constitui uma formalidade essencial ao ato da prisão em flagrante,

sem o qual a prisão deve ser necessariamente relaxada, nos termos do artigo 5º,

LVV.

No caso em tela, o juízo de primeira instância entendeu ser

necessária apenas a comunicação da prisão, mas desnecessária a condução do

paciente à sua presença, conforme requerido. Todavia, não é esse o melhor

entendimento sobre o assunto, conforme já se manifestou a Corte Interamericana de

Direitos Humanos:

“78. Tal y como lo ha señalado en otros casos, este Tribunal estima necesario realizar algunas precisiones sobre este punto. En primer lugar, los términos de la garantía establecida en el artículo 7.5 de la Convención son claros en cuanto a que la persona detenida debe ser llevada sin demora ante un juez o autoridad judicial competente, conforme a los principios de

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control judicial e inmediación procesal. Esto es esencial para la protección del derecho a la libertad personal y para otorgar protección a otros derechos, como la vida y la integridad personal. El simple conocimiento por parte de un juez de que una persona está detenida no satisface esa garantía, ya que el detenido debe comparecer personalmente y rendir su declaración ante el juez o autoridad competente.” (Caso Acosta Calderón Vs. Equador. Sentença de 24/06/2005).

“118. Este Tribunal estima necesario realizar algunas precisiones sobre este punto. En primer lugar, los términos de la garantía establecida en el artículo 7.5 de la Convención son claros en cuanto a que la persona detenida debe ser llevada sin demora ante un juez o autoridad judicial competente, conforme a los principios de control judicial e inmediación procesal. Esto es esencial para la protección del derecho a la libertad personal y para otorgar protección a otros derechos, como la vida y la integridad personal. El hecho de que un juez tenga conocimiento de la causa o le sea remitido el informe policial correspondiente, como lo alegó el Estado, no satisface esa garantía, ya que el detenido debe comparecer personalmente ante el juez o autoridad competente. En el caso en análisis, el señor Tibi manifestó que rindió declaración ante un “escribano público” el 21 de marzo de 1996, casi seis meses después de su detención (supra párr. 90.22). En el expediente no hay prueba alguna para llegar a una conclusión diferente.” (Caso Tibi Vs. Equador. Sentença de 07/09/2004)

Pelo exposto, a não apresentação do paciente ao juiz, conforme

requerido, tornou a prisão ilegal, que deve, portanto, ser relaxada.

II.ii. DA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

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O juízo de primeira instância converteu a prisão em flagrante em

prisão preventiva sem, contudo, elencar elementos concretos que fundamentem a

decisão. Apenas aduz genericamente à gravidade em abstrato do crime, pois

“fomenta a prática de outros delitos e atormenta a sociedade”, além de não ter

comprovado “ter ocupação lícita e vínculo com o distrito da culpa”. Sob tal manto,

decretou a prisão preventiva para garantia da ordem pública, para conveniência da

instrução processual e para assegurar a aplicação da lei penal

No que concerne à garantia da ordem pública, sabe-se que está voltada

para a proteção de interesses estranhos ao processo. A expressão “ordem pública” é

vaga, de conteúdo indeterminado. Realmente, a ausência de um referencial

semântico seguro para a “garantia da ordem pública”, coloca em risco a liberdade

individual. A jurisprudência tem se valido das mais diversas situações, todas elas

reconduzíveis à garantia da ordem pública: “gravidade do crime”, “comoção social”,

“periculosidade do réu”, “perversão do crime”, “insensibilidade moral do acusado”,

“credibilidade da justiça”, “clamor público”, “repercussão na mídia”, “preservação

da integridade física do indiciado”... Tudo cabe na prisão para garantia da ordem

pública.

Embora, na prática, venham sendo utilizados tranquilamente tais

fundamentos da prisão preventiva, é correta a crítica do Ilustre Antonio Magalhães

Gomes Filho (Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991,

p. 69) no sentido de que a prisão para garantia da ordem pública fere a garantia da

legalidade estrita em termos de restrição da liberdade.

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E, explicitando seu ponto de vista, o professor (Presunção de

inocência ..., p. 67-68) explica que:

“À ordem pública relacionam-se todas aquelas finalidades do encarceramento provisório que não se enquadram nas exigências de caráter cautelar propriamente dita, mas constituem formas de privação de liberdade adotadas como medidas de defesa social; fala-se, então, em ‘exemplaridade’, no sentido de imediata reação ao delito, que teria como efeito satisfazer o sentimento de justiça da sociedade; ou, ainda, em prevenção especial, assim entendida a necessidade de se evitar novos crimes; uma primeira infração pode revelar que o acusado é acentuadamente propenso a práticas delituosas ou, ainda, indicar a possível ocorrência de outras, relacionadas à supressão de provas ou dirigidas contra a própria pessoa do acusado. Parece evidente que nessas situações a prisão não é um ‘instrumento a serviço do instrumento’, mas uma antecipação da punição, ditada por razões de ordem substancial e que pressupõe o reconhecimento da culpabilidade.”

No mesmo sentido, também merecendo transcrição, é o

posicionamento de Odone Sanguiné (Clamor público como fundamento da prisão

preventiva, In: SHECAIRA, Sérgio Salomão (Org.). Estudos Criminais em

Homenagem a Evandro Lins e Silva (Criminalista do Século). São Paulo: Método,

2001, p. 258-259):

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“Quando se argumenta com razões de exemplaridade, de eficácia da prisão preventiva na luta contra a delinqüência e para restabelecer o sentimento de confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico, aplacar o clamor público criado pelo delito, etc., que evidentemente nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que oficialmente se atribuem à instituição, na realidade se introduzem elementos estranhos à natureza cautelar e processual que oficialmente se atribuem à instituição, questionáveis tanto desde o ponto de vista jurídico-constitucional como da perspectiva político-criminal. Isso revela que a prisão preventiva cumpre ‘funções reais’ (preventivas gerais e especiais) de pena antecipada incompatíveis com sua natureza.” (Grifos nossos).

Em suma, quando se prende para “garantir a ordem pública” não se

está buscando a conservação de uma situação de fato necessária para assegurar a

utilidade e a eficácia de um futuro provimento condenatório. Ao contrário, o que se

está buscando é a antecipação de alguns efeitos práticos da condenação penal. No

caso, privar-se o acusado de sua liberdade, ainda que juridicamente tal situação não

seja definitiva, mas provisória, é uma forma de tutela antecipada, que propicia uma

execução penal antecipada.

Justamente por isso, a doutrina, tem destacado que a prisão para

garantia da ordem pública não tem finalidade cautelar: José Frederico Marques,

Elementos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1965, p. 49-50;

Roberto Delmanto Jr., As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de

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Duração. Rio de janeiro: Renovar, 1998, p. 156; Aury Lopes Jr., Introdução Crítica

ao Processo Penal – Fundamentos da Instrumentalidade Garantista. 3 ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 208.

Por tudo isso, não se acredita que exista eventual necessidade de prisão

preventiva do paciente, para “garantia da ordem pública”, mormente identificando-a

com a gravidade abstrata do delito, por ser equiparável aos crimes hediondos.

Todavia, caso seja diverso o posicionamento deste Tribunal de Justiça,

que adita, em tese, a possibilidade de prisão preventiva para garantia da ordem

pública, passa-se a demonstrar a inocorrência do periculum libertatis, no presente

caso, identificado com tal requisito da prisão preventiva.

O único fundamento invocado seria, em tese, a gravidade do delito,

que por “fomentar a prática de outros delitos e atormentar a sociedade”, necessitaria

da custódia cautelar, para a garantia da ordem pública.

Há, implicitamente, em tal forma de pensar, a manutenção da prisão

cautelar obrigatória, como simples corolário a imputação penal, no caso o tráfico de

drogas, tido de tamanha gravidade por uma convicção pessoal do magistrado.

Desnecessário ressaltar que, tal modalidade de prisão que já existiu em

nosso sistema, na redação originária do art. 311 do Código de Processo Penal, em

boa hora foi revogada pela Lei n. 5.349, de 3 de novembro de 1967.

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Por outro lado, a tentativa de ressuscitá-la, na Lei dos Crimes

Hediondos, sob a vedação de qualquer forma de liberdade provisória (art. 2º, inc. II)

e, posteriormente, em dispositivo semelhante constante da Lei n. 11.343/2006, art.

44, caput, foi frustrada, vez que revogados tais artigos pela Lei n. 11.464, de 2 de

março de 2007, posto que incompatíveis com a presunção de inocência.

Não tem sido aceita a prisão decretada com base apenas na gravidade

abstrata do delito, mesmo quando se trate de crime hediondo ou, no caso, tráfico

ilícito de entorpecente, que se equipara a tais delitos por disposição legal. Nesse

sentido: STF, HC n. 90.862/SP, 2ª T., Rel. Min. Eros Grau, j. em 27/04/07. v.u.;

STF, HC n. 88.408/SP, 1.ª T. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 22/09/06; STF,

HC n. 87.041/PA, 1.ª T., Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 24/11/06 v.u.; STF, HC n.

81.126/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 08/03/02; STJ, RHC n. 11.755/RS, 6.ª T.,

Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 12/11/01. v.u.; STJ, HC n. 18.633/SP, 5.ª T.,

Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 08/04/02 v.u..

De qualquer forma, no presente caso, considerando concretamente o

crime tal qual teria sido praticado pelo paciente, em si e concretamente considerado,

não se mostra de gravidade elevada.

Com relação às demais situações que poderiam caracterizar o

periculum liberatis, para que não reste a menor dúvida sobre a desnecessidade da

prisão do paciente, passa-se a demonstrar a inocorrência das demais hipóteses legais

que poderiam justificá-la.

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Não há de se cogitar da prisão preventiva para garantia da ordem

econômica. Com efeito, refere-se tal fundamento apenas às hipóteses de delitos

econômicos, crimes contra as relações de consumo ou crimes contra o sistema

financeiro nacional. À evidência, não se trata da hipótese em exame, posto que a

imputação que pesa sobre o Acusado tem por objeto o crime de trafico ilícito de

drogas. Sob esse aspecto, desnecessárias maiores considerações.

No que concerne à prisão cautelar por conveniência da instrução

criminal, expressão de sentido por demais amplo, deve-se compreender somente os

casos nos quais a instrução criminal não se faria ou se deturparia sem a prisão

cautelar. Como, v.g., são os casos em que o acusado tenta subornar ou intimidar as

testemunhas, procura fazer desaparecer os vestígios do crime praticado, ou, de

qualquer outra maneira concorre para impedir que o juiz colha as provas necessárias

à apuração correta dos fatos.

Por último, a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal visa

evitar que diante de uma possível fuga do Acusado, pelo temor da condenação, uma

possível execução da sanção penal pudesse ser frustrada. Busca garantir, assim, os

fins do processo. Porém, também não há nos autos nada, absolutamente nada, que

evidencie que o Acusado procure evadir-se.

Cumpre salientar, quanto à ocupação lícita, que a comprovação

documental não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico, nem tampouco

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na doutrina. Assim, não há nada no caso em tela que autorize, justifique ou exija a

decretação da prisão preventiva do acusado, ou, no caso, a manutenção de sua prisão

em flagrante delito.

O status de inocência do acusado não permite a imposição de qualquer

restrição à sua liberdade, que não seja absolutamente necessária.

A prisão cautelar, como medida processual de restrição da liberdade de

quem ainda se presume inocente, e não pode ser equiparado aos condenados por

sentença transitada em julgado, não pode representar uma pena antecipada.

Lembre-se, por necessário, que após inúmeros julgados nesse sentido,

o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 10 de maio de 2012, reconheceu,

incidenter tantum, a inconstitucionalidade da vedação da liberdade provisória no

tráfico de drogas, em razão da ofensa direta ao princípio da presunção de inocência.

Ainda, o, tratando-se de delito cometido sem violência ou ameaça à

pessoa, e, sendo o indiciado primário, em caso de prolação de sentença condenatória

ao fim, haverá a incidência do parágrafo §4º do mencionado artigo 33 da Lei

11.343/06, que preconiza uma causa obrigatória de diminuição de pena.

Assim é que, a depender o redutor a ser aplicado, o indiciado, caso

condenado, poderá ter direito ao sursis do Código penal (artigo 77- pena de até 2

anos). Poderá também ter direito a regime aberto ou a pena substitutiva à de prisão,

cf. reiterada e pacificamente decidido pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça:

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“A Turma concedeu a ordem de habeas corpus a paciente condenado pelo delito de tráfico de entorpecentes a fim de garantir-lhe a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, conforme orientação adotada pelo STF no HC 97.256-RS, julgado em 1º/9/2010, que declarou a inconstitucionalidade dos arts. 33, § 4º, e 44 da Lei n. 11.343/2006”. (HC 163.233-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 28/9/2010, publicado no informativo 449, STJ, de 27 de setembro a 1º de outubro de 2010). (Grifou-se.)

Sobre o assunto, imperioso citar os seguintes julgados:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material. 2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do

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sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória. 3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero. 4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes. 5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.”

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(HC 97256 / RS. Relator(a):  Min. AYRES BRITTO Julgamento:  01/09/2010. Órgão Julgador:  Tribunal Pleno. Publicação 16-12-2010)

“TRÁFICO DE ENTORPECENTES. MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. APLICAÇÃO DA FRAÇÃO MÁXIMA. POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE REGIME PRISIONAL DIVERSO DO FECHADO. REGIME INICIAL ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS.1. A escolha do redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 deve ser feita de forma motivada e proporcional, levando em conta, também, a quantidade, a natureza e a qualidade de droga apreendida.2. No caso, inexistindo circunstâncias desfavoráveis, fixada a pena-base no mínimo legal e apreendida pequena quantidade de droga (5,51 gramas de cloridrato de cocaína, acondicionados em vinte e dois invólucros de papel de alumínio), não é razoável a redução em apenas 1/3 (um terço) da pena. Esse conjunto de fatores justifica a aplicação da fração de 2/3 (dois terços), redutor mais condizente com a realidade posta nos autos.3. Considerando a quantidade de pena aplicada (um ano e oito meses de reclusão), a primariedade do réu e as demais circunstâncias favoráveis, cabível o estabelecimento do regime aberto para o cumprimento da privativa de liberdade.4. A Sexta Turma reconhece a possibilidade de conversão de pena também aos condenados por tráfico de entorpecentes em casos como o dos autos. Há também precedente do Supremo nesse sentido. Do STJ, HC n. 118.776/RS, Relator Ministro Nilson Naves, DJe de 23/8/2010; e do STF, HC n. 97.256/RS, Relator Ministro Ayres Britto, DJe de 16/12/2010.5. Habeas corpus concedido para a redução das penas aplicadas ao paciente a um ano e oito meses de reclusão e cento e sessenta e sete dias-multa, estabelecer o regime aberto para o cumprimento da reprimenda e substituir a privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.”

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(Processo HC 141360. Relator Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) (8175) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 12/04/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 02/05/2011).

E, seguindo a lógica de nossas Cortes Superiores, foi que o Senado

Federal editou a Resolução n. 5, suspendendo a vedação da conversão da pena

privativa de liberdade em restritiva de direitos, contida no art. 44 da Lei. 11343/06.

Isso quer dizer que, nem com eventual sentença condenatória, o

indiciado terá sua segregação social decretada - revela, portanto, verdadeira

contradição a sua prisão processual, já que, nem ao fim será encarcerado. Seria mais

vantajoso, se fosse possível, optar por uma condenação automática.

Foi percebendo tal absurdo que o legislador editou a Lei 12.403/2011,

que altera, em parte, o  Código de Processo Penal, especialmente no que se refere à

prisão processual, fiança, liberdade provisória e outras medidas cautelares.

Frisa-se que referido diploma legal vem ao encontro da idéia da prisão

processual como sendo a ultima ratio, isto é, a última opção ou alternativa, como

medida extrema, nos moldes como vem sendo defendida pela doutrina penal e

criminológica moderna.

Com efeito, a lei 12.403/11, cujo propósito principal é tentar corrigir

os excessivos e abusivos decretos de prisão preventiva, encampou a idéia de que a

prisão, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, deve ser reservada às

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situações em que, de fato e devidamente comprovado e fundamentando, não for

possível a substituição por outra medida cautelar, medidas estas previstas, agora, no

artigo 319 do Código de Processo Penal.

Em suma, a nova lei se resume na observação do princípio da

presunção da inocência: simplesmente coloca o diploma processual penal em

sintonia com a Constituição Federal, no sentido de que a prisão processual apenas e

tão-somente poderá ser decretada, caso realmente não haja outro meio para garantir

a satisfação da futura e eventual tutela jurisdicional. Conforme a Carta Magna, a

liberdade é a regra, e a prisão, a exceção.

Ante todo o exposto, ausentes os requisitos necessários à manutenção

da custodia, de rigor a revogação da prisão preventiva decretada.

Caso não seja este o entendimento desta Corte, requer-se,

subsidiariamente, seja aplicada alguma das novas medidas cautelares alternativas à

prisão processual previstas no Código de Processo Penal. Vejamos:

II.iii. DA APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À

PRISÃO

Dando continuidade a uma série de reformas já implementadas na

legislação processual penal, o Congresso Nacional aprovou recentemente a Lei nº

12.043/11, de 04 de maio de 2011, que, além de trazer diversas alterações no que diz

respeito aos aspectos da prisão processual, da liberdade provisória, da fiança, inovou

ao prever um rol de medidas cautelares pessoais a serem aplicadas ao acusado ou

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investigado, de forma a evitar, sempre que possível, a segregação social ao longo do

curso do processo.

Referidas medidas são, na verdade, nas palavras de Gustavo Henrique

Badaró, “medidas cautelares alternativas à prisão (arts. 319 e 329 do CPP)

informadas pelo caráter subsidiário da prisão preventiva (art. 282, § 6º CPP) .”

(texto “Reforma das Medidas Cautelares Pessoais o CPP e os Problemas de Direito

Intertemporal Decorrentes da Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011” – Boletim

IBCRIM – ano 19 – nº 223, junho – 2011).

Dessa forma, se o magistrado verificar que determinada medida

cautelar alternativa à prisão for igualmente eficaz para atingir a finalidade para a

qual for decretada, deverá aquele aplicar tal medida, sempre menos gravosa se

comparada à prisão processual, não lhe sendo possível, portanto, decretar a prisão

preventiva.

Neste sentido, novamente de acordo com Gustavo Badaró “(...) com o

início de vigência da Lei 12.403/11, (...), caberá ao juiz, motivadamente, justificar

porque, naquele caso concreto e segundo a situação do momento, não será

adequada aos fins cautelares uma medida cautelar alternativa à prisão cautelar.

Sem isso, a prisão preventiva passará a ser ilegal, devendo ser relaxada.” (ob. cit.)

O novel diploma legal, ao estabelecer a imposição das medidas

cautelares a serem aplicadas de forma preferencial em relação à prisão temporária e

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preventiva, demonstra o intuito do legislador de se evitar que a prisão processual

ganhe ares de “definitividade”, tornando-se uma verdadeira antecipação da eventual

pena a ser aplicada, de forma a violar entendimento já consagrado pela Corte Maior.

Destarte, entendendo Vossa Excelência estarem presentes os “fumus

comissi delicti” e o “periculum in libertatis”, ou seja, constatados os indícios de

autoria e a razoável suspeita da ocorrência do crime, além do efetivo risco da

liberdade ampla e irrestrita do agente, de forma a prejudicar o resultado prático do

processo, considerando, ainda, as atuais disposições do CPP trazidas pela Lei

12.403/11, requer seja aplicada, de forma subsidiária, qualquer das medidas

cautelares previstas no referido diploma legal, preferencialmente aquela consistente

no comparecimento periódico em Juízo, evitando, assim, a decretação da prisão

preventiva, medida esta, como acima demonstrado, que deverá, agora, ser tida como

a última opção a ser considerada pelo magistrado, reservando-se a situações

extremamente graves.

III – DO PEDIDO

Ante o exposto, apontada a ofensa à liberdade de locomoção do

paciente, encontra-se presente, in casu, o fumus boni iuris. No mesmo sentido,

verifica-se a ocorrência do periculum in mora, pois a liberdade do paciente, somente

ao final, importará em inaceitável e injusta manutenção de violação ao seu status

libertatis. Presente, portanto, seus requisitos, requer a concessão da medida liminar

com expedição alvará de soltura.

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No mérito, requer o relaxamento da prisão por ausência de condução

do paciente preso ao juiz. Subsidiariamente, requer a revogação da prisão

preventiva, ante a ausência de seus requisitos ou, por fim, a aplicação de alguma

medida cautelar alternativa à prisão, conforme exposto acima.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 12 de setembro de 2012.

Patrick Cacicedo

Defensor Público

Bruno Shimizu

Defensor Público

Bruno Girade Parise

Defensor Público

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