Introdução ao Antigo Testamento

49
INTRODUÇÃO AO ANTIGO TESTAMENTO I N T R O D U Ç Ã O O testemunho da própria Bíblia é de que ela é a palavra de Deus (Os 1.1; Jl 1.1). Foi inspirada por Deus e tem autoridade divina (2 Tm 3.16; 2 Pe 1.21). E, como tal, tem características divinas que vão além da racionalidade humana. Pela Escritura Deus vem aos homens para estar com eles e habitar no meio deles. Do vasto material contido na Bíblia, um aspecto se destaca: é a distinção que se faz entre lei e evangelho Mas também segundo o testemunho da mesma Bíblia, ela também é palavra de homens. Afirma-se isto no sentido que Deus usou instrumentos humanos para compilar o texto santo. Assim sendo, a Bíblia tem características humanas. Ela é compreensível ao bom senso. A sua redação levou 15 séculos (desde Moisés até o apóstolo João). Os seus autores humanos cobrem variadas profissões: reis, sábios, administradores, lavradores, pescadores, etc. Como livro humano, a Escritura apresenta as variações lingüísticas e estilísticas que caracterizam os escritos humanos. O propósito fundamental da Bíblia é ser a revelação do Deus verdadeiro ao homem a fim de trazer o homem de volta a Deus (Jo 5.39; 2 Tm 3.15-17). Daí surge a pergunta: Como alguém volta a Deus? A resposta é uma só: através de Cristo! (Jo 14.6; At 4.12) A Escritura é um livro cristocêntrico. Um "fio vermelho" atravessa toda a Bíblia: Jesus Cristo! Tire Cristo da Bíblia e esta perde o seu elemento fundamental. Portanto, a Bíblia é "terra santa", é "chão sagrado". Ao abrirmos a Escritura estamos diante do próprio Deus. A exemplo de Moisés, precisamos "tirar as sandálias dos pés!" e aproximar-nos da Bíblia com muita humildade e reverência. O M U N D O D O A T I. O CRESCENTE FÉRTIL Da perspectiva geográfica, o Oriente Próximo é o ponto de encontro de três continentes (Ásia, África e Europa) e de três culturas (oriental, africana e ocidental). Ali estava a esquina do mundo de então. Crises, mudanças e progressos num continente afetavam, direta ou indiretamente, toda a região. É nesta área que a Terra Santa está situada. Crescente Fértil é o nome que se dá àquela faixa de terra em forma de "C" (ou dum quarto crescente) caracterizada exatamente por sua fertilidade. (É daí que surge o nome "Crescente Fértil"). É a faixa verde e fértil que vai da Suméria (junto ao Golfo Pérsico) até o Egito (cobrindo toda a faixa banhada pelo Rio Nilo). (Confere, ao final, o mapa do Crescente Fértil.) Ao norte desta região se acha o berço da civilização ocidental. Ali está a Mesopotâmia (com os rios Tigre e Eufrates). Ali desenvolveram-se muitas superpotências (Assíria, Babilônia, Mé- dia-Pérsia, etc.). No centro está a Palestina. Ao sul se acha o Egito e o milenar rio Nilo. A oeste está o mar Mediterrâneo (no AT também é denominado de "Grande Mar"). Ao leste está a região desértica e inóspita da Arábia. Todas estas regiões, umas mais outras menos, estão intimamente ligadas ao texto bíblico. Em números redondos, as dimensões de Israel são 240 km (na direção norte-sul) por 80 km (na direção leste-oeste, do rio Jordão ao mar Mediterrâneo). A área geográfica de Israel tem regiões bem distintas. As principais são as seguintes: 1. Neguebe. É o deserto que se encontra ao sul de Israel. Até hoje é zona inóspita, não tem água. Ali não se mora, é lugar de trânsito. Em geral, é deserto não de areia, mas de terra socada. É a zona que se acha entre Israel e o Egito. 2. Judá. Trata-se da região montanhosa ao norte do Neguebe que chega até o Mar Morto. Esta região tem partes férteis. Ali também se acha o deserto da Judéia (entre Jerusalém e Jericó). Judá é uma região isolada lá no alto, com tendência a ser fechada, "provinciana". De Judá, o acesso - 1 -

Transcript of Introdução ao Antigo Testamento

Page 1: Introdução ao Antigo Testamento

I N T R O D U Ç Ã O A O A N T I G O T E S T A M E N T O

I N T R O D U Ç Ã O

O testemunho da própria Bíblia é de que ela é a palavra de Deus (Os 1.1; Jl 1.1). Foi inspirada por Deus e tem autoridade divina (2 Tm 3.16; 2 Pe 1.21). E, como tal, tem características divinas que vão além da racionalidade humana. Pela Escritura Deus vem aos homens para estar com eles e habitar no meio deles. Do vasto material contido na Bíblia, um aspecto se destaca: é a distinção que se faz entre lei e evangelho

Mas também segundo o testemunho da mesma Bíblia, ela também é palavra de homens. Afirma-se isto no sentido que Deus usou instrumentos humanos para compilar o texto santo. Assim sendo, a Bíblia tem características humanas. Ela é compreensível ao bom senso. A sua redação levou 15 séculos (desde Moisés até o apóstolo João). Os seus autores humanos cobrem variadas profissões: reis, sábios, administradores, lavradores, pescadores, etc. Como livro humano, a Escritura apresenta as variações lingüísticas e estilísticas que caracterizam os escritos humanos.

O propósito fundamental da Bíblia é ser a revelação do Deus verdadeiro ao homem a fim de trazer o homem de volta a Deus (Jo 5.39; 2 Tm 3.15-17). Daí surge a pergunta: Como alguém volta a Deus? A resposta é uma só: através de Cristo! (Jo 14.6; At 4.12) A Escritura é um livro cristocêntrico. Um "fio vermelho" atravessa toda a Bíblia: Jesus Cristo! Tire Cristo da Bíblia e esta perde o seu elemento fundamental.

Portanto, a Bíblia é "terra santa", é "chão sagrado". Ao abrirmos a Escritura estamos diante do próprio Deus. A exemplo de Moisés, precisamos "tirar as sandálias dos pés!" e aproximar-nos da Bíblia com muita humildade e reverência.

O M U N D O D O A T

I. O CRESCENTE FÉRTIL

Da perspectiva geográfica, o Oriente Próximo é o ponto de encontro de três continentes (Ásia, África e Europa) e de três culturas (oriental, africana e ocidental). Ali estava a esquina do mundo de então. Crises, mudanças e progressos num continente afetavam, direta ou indiretamente, toda a região. É nesta área que a Terra Santa está situada.

Crescente Fértil é o nome que se dá àquela faixa de terra em forma de "C" (ou dum quarto crescente) caracterizada exatamente por sua fertilidade. (É daí que surge o nome "Crescente Fértil"). É a faixa verde e fértil que vai da Suméria (junto ao Golfo Pérsico) até o Egito (cobrindo toda a faixa banhada pelo Rio Nilo). (Confere, ao final, o mapa do Crescente Fértil.)

Ao norte desta região se acha o berço da civilização ocidental. Ali está a Mesopotâmia (com os rios Tigre e Eufrates). Ali desenvolveram-se muitas superpotências (Assíria, Babilônia, Mé-dia-Pérsia, etc.). No centro está a Palestina. Ao sul se acha o Egito e o milenar rio Nilo. A oeste está o mar Mediterrâneo (no AT também é denominado de "Grande Mar"). Ao leste está a região desértica e inóspita da Arábia. Todas estas regiões, umas mais outras menos, estão intimamente ligadas ao texto bíblico.

Em números redondos, as dimensões de Israel são 240 km (na direção norte-sul) por 80 km (na direção leste-oeste, do rio Jordão ao mar Mediterrâneo). A área geográfica de Israel tem regiões bem distintas. As principais são as seguintes:

1. Neguebe. É o deserto que se encontra ao sul de Israel. Até hoje é zona inóspita, não tem água. Ali não se mora, é lugar de trânsito. Em geral, é deserto não de areia, mas de terra socada. É a zona que se acha entre Israel e o Egito.

2. Judá. Trata-se da região montanhosa ao norte do Neguebe que chega até o Mar Morto. Esta região tem partes férteis. Ali também se acha o deserto da Judéia (entre Jerusalém e Jericó). Judá é uma região isolada lá no alto, com tendência a ser fechada, "provinciana". De Judá, o acesso

- 1 -

Page 2: Introdução ao Antigo Testamento

ao "mundo" não era tão fácil nos tempos do AT. A rodovia internacional não passava por ali. Descendentes de Judá e Benjamim habitavam nesta região. A grande capital, Jerusalém, é a cidade que se destaca nesta região.

3. Samaria. A Samaria também é conhecida no AT como a "região montanhosa de Efraim". Localiza-se na parte central de Israel. É uma zona com muitas montanhas e terreno rochoso. É de fácil defesa, tem muito refúgio. É um bom local para fins militares. As tribos que ali predominavam eram Efraim e Manassés (que mantinham permanente rivalidade com Judá). Esta região é mais a-berta ao Norte, às influências estrangeiras. A cidade de Samaria foi a capital do reino do Norte.

4. Galiléia. Está no norte de Israel. Foi o quartel-general de Cristo. Ali tem muita água, a fertilidade é muito grande. Cultivava-se cereais, frutos, etc. A rodovia internacional cruzava a Galiléia. Conseqüentemente todos os impérios internacionais passaram por ali deixando suas marcas de destruição. Ali se localiza o mar da Galiléia (que, na verdade, é um grande lago). A Galiléia tinha muito contato internacional. Era aberta às novas idéias. Foi também a primeira região a cair sob o império assírio.

5. Filístia. A Filístia é uma planície que se acha a sudoeste, na região costeira de Israel. Ali moraram os filisteus. Por algum tempo foi uma espécie de "terra de ninguém". Vivia sob constante ameaça pois tratava-se de um região estratégica para o domínio da rodovia internacional. Em virtude disto, a Filístia sempre esteve na mira do Egito.

6. Planície de Sarom. Está ao noroeste de Israel junto à região costeira. É uma região plana, fértil, bonita, e cultivada. Ali se acha o porto de Cesaréia.

7. Transjordânia. Fica do outro lado (lado leste) do rio Jordão. Esta zona é composta de planícies e montanhas. Lá moravam as tribos de Rubem, Gade e Manassés (meia tribo). Já que ao leste desta região não havia defesa natural, esta era uma área aberta e exposta a infiltrações e ataques.

8. Vale do Rio Jordão. O rio Jordão é a linha verde que cruza Israel de norte a sul. O vale do Jordão é depressão mais funda do globo terrestre. O rio Jordão nasce no monte Hermon, acima do mar da Galiléia, e deságua no mar Morto. Em linha reta, tem uma extensão de cerca de 120 km. O rio Jordão desempenhou papel importante nos episódios bíblicos.

9. Mar Morto. As dimensões do mar Morto são 77 km na direção norte-sul e 10 a 15 km no sentido leste-oeste. A superfície da água acha-se a 385 metros abaixo do nível do mar, e no ponto mais profundo do mar acrescente-se mais 390 metros (o que dá quase 800 metros abaixo do nível do mar). Uma característica do mar Morto é o seu alto índice de salinidade: 8 vezes mais que o normal!

II. O TEXTO DO AT

1. Língua. O texto original do AT foi redigido em duas línguas: a maior parte em hebraico e cerca de 9 capítulos em aramai co (Ed 4.8-6.18; 7.12-26; Dn 2.4b-7; Jr 10.11). Infelizmente não temos mais os autógrafos originais do AT. Estes se perderam. O que hoje existe são cópias de cópias. Mas é preciso lembrar que os israelitas eram extremamente cuidadosos na transmissão do texto. Isto nos dá segurança quanto à fidelidade aos originais das cópias que possuímos.

2. Duas Versões Antigas Importantes. Duas versões antigas muito importantes merecem destaque. Trata-se da Septuaginta e da Vulgata.

a. Septuaginta. É a mais antiga versão do AT para outra língua. A Septuaginta é tradução do AT para a língua grega. O símbolo para Septuaginta é "LXX" já que, segundo tradição antiga (que hoje não tem mais credibilidade), achou-se que foi esta versão foi elaborada por 72 tradutores de Israel. Hoje sabe-se que esta tradução foi feita na cidade de Alexandria, no Egito, por judeus alexandrinos. (Daí que também é conhecida como "Versão Alexandrina".) Os muitos judeus que moravam no Egito haviam perdido o domínio das línguas hebraica e aramaica. Falavam grego. A necessidade do AT em grego aumentou cada vez mais. Esta tradução foi fei ta no séc. III a.C. (por volta de 250 a.C.). A tradução não é uniforme. Há variações na qualidade do texto. A importância da LXX se verifica especialmente em dois aspectos: importância religiosa e espiritual (a LXX foi a Bíblia usada por Cristo, pelos apóstolos e pela igreja primitiva); importância para a crítica textual (por comparação, tenta-se estabelecer o texto original do AT onde existe alguma dúvida).

b. Vulgata. É versão para a língua latina e inclui toda a Bíblia. O título "Vulgata" significa "versão de uso comum". Foi elaborada por São Jerônimo no séc. IV A.D. (383-405). Por mais de mil anos (ocasião em que a língua latina dominava) a Vulgata foi a Bíblia utilizada no mundo ocidental. A Vulgata foi adotada como versão oficial da Igreja Católica Romana. Como a LXX, a Vulgata tem grande importância histórica e crítica.

- 2 -

Page 3: Introdução ao Antigo Testamento

3. Valor das Versões Antigas. Verifica-se o valor das versões antigas especialmente em duas áreas:

a. Crítica Textual. Pela análise das versões antigas tenta-se aproximar tanto quanto possível do texto original nos casos em que há alguma dúvida quanto à leitura correta ou melhor leitura. Faz-se comparações. As versões ajudam a achar o verdadeiro (ou o melhor) sentido.

b. Interpretação. Tradução sempre é interpretação. Há peculiaridades gramaticais e lingüís-ticas impossíveis de verter de forma perfeita para outra língua. Desta forma, a tradução também é uma forma de comentário sobre o texto traduzido. As versões mostram como os tradutores compreendiam e interpretavam o texto.

III. A BÍBLIA EM PORTUGUÊS

1. Versão de Almeida. João Ferreira de Almeida, o autor da versão portuguesa mais popular entre os protestantes brasileiros, nasceu em 1628 em Lisboa, Portugal. Era filho de pais católicos romanos. Era jovem quando foi para a Holanda. Aos 13 anos de idade (em 1642), estando na Holanda, abraçou a fé da Igreja Reformada. Foi pastor e evangelista zeloso. Pregava em quatro línguas (português, espanhol, francês e holandês). Era casado mas não consta que tivesse filhos. Faleceu na Batávia (Holanda) em 06 de agosto de 1691. Almeida traduziu o NT do grego com o auxílio da Vulgata. Porém seguiu o grego quando em desacordo com a Vulgata. Ele traduziu todo o NT. O AT não completou. Chegou até Ez 48.12. A parte não traduzida foi completada por Jacob Ofden Akkar, ministro da palavra de Deus na Batávia. A primeira edição do NT de Almeida se deu em 1681, em Amsterdam, Holanda. Outras partes da Bíblia foram sendo publicadas periodicamente. A primeira edição completa do AT segundo Almeida saiu em dois volumes nos anos de 1748 a 1753. A Bíblia completa foi publicada em um só volume pela primeira vez em 1819. A versão de Almeida que hoje temos em mãos não é a original do século XVII. Porém correções, alterações, modificações foram feitas no decorrer do tempo.

2. Versão de Figueiredo. Antônio Pereira de Figueiredo nasceu em Tomar, perto de Lisboa, em 1725. Tornou-se padre. Era famoso como latinista, historiador e teólogo com idéias liberais. Morreu num convento em Lisboa em 1797. Sua versão da Bíblia para o português foi feita a partir da Vulgata, com referências aos textos gregos originais. Trabalhou 18 anos neste empreendimento. Em 1778 saiu a primeira edição do NT. Nos anos de 1787 a 1790 o AT foi publicado em 17 volumes. Em 1821 a Bíblia toda foi impressa em um só volume.

3. Outras Traduções. É preciso mencionar o nome do Frei Joaquim de Nossa Senhora do Nazaré como um dos grandes tradutores da Bíblia para o português. No decorrer do tempo houve também a tradução de livros individuais. A primeira edição brasileira do NT se deu em 1910, e a Bíblia toda foi publicada em 1917.

4. Dias Atuais. Atualmente há excelentes versões da Bíblia em português à disposição dos estudiosos. Temos a Bíblia de Jeru sa lém e a Bíblia Vozes com texto de alto gabarito (o mesmo não se aplica às suas introduções e notas de rodapé). A Sociedade Bíblica do Brasil lançou, em 1988, a Bíblia na Linguagem de Hoje. A No va Versão Internacional da Bíblia está em fase de tradução para o português. Todas estas versões são boas para o estudo e meditação dos fiéis.

IV. GÊNEROS LITERÁRIOS

A Bíblia contém diferentes gêneros literários. A distinção básica está entre a poesia e a prosa. Mas mesmo assim reconhece-se diferentes gêneros literários. Os principais são os que se-guem:

1. Narrativa. Apresenta história, biografia, episódios individuais ou coletivos. Acha-se especialmente nos livros históricos do AT, nos evangelhos e em Atos dos Apóstolos.

2. Lei. É o gênero composto de material legislativo, judicial, de regulamentações. Contém lei moral, civil (doméstica), cerimonial. É encontrado especialmente em Êx, Lv, Nm, Dt.

3. Poesia. Na Bíblia esta tem estrutura própria. Caracteriza-se pela expressão de sentimentos, pela utilidade didática, pela liberdade poética, pelo paralelismo (repetição e contraste) de pensamentos. Às vezes tem fundo histórico. Era utilizada no culto e na proclamação dos profetas.

4. Literatura Sapiencial. O sábio tinha lugar de destaque na sociedade de Israel. Os anciãos eram a liderança do povo e reuniam-se à porta da cidade. Os sábios enunciavam provérbios, dize-res, comentários sobre a vida e o seu dia-a-dia, princípios universais. Tinham algo a dizer sobre o

- 3 -

Page 4: Introdução ao Antigo Testamento

relacionamento homem-Deus e homem-homem. Este tipo de literatura tem a sua expressão clássica nos livros de Pv e Ec.

5. Profecia. O profeta é alguém que, em nome de Deus, proclama o conselho de Deus. Esta proclamação pode incluir predição. Nas profecias é preciso levar em conta o fundo histórico, o gênero literário utilizado, o objetivo original do profeta, o cumprimento no NT, etc. Há diferentes tipos de profecias. Os exemplos clássicos deste gênero literário são os profetas do AT e o livro de Ap.

6. Parábola. A parábola é uma realidade divina enunciada em figuras humanas. Com freqüência Cristo respondia questões com o uso de parábolas. Também era usada como ilustração de um tema. É preciso atentar para o ponto de comparação da parábola e ter cuidado com a alegorização. Encontramos parábolas nos evangelhos, nos livros históricos e proféticos do AT.

7. Epístola. As epístolas eram a correspondência pastoral dos apóstolos. Ao interpretá-las, é preciso atentar para o seu propósito, autor, argumento ou tema, destinatário. Os exemplos deste gênero são as cartas do NT.

V. CLASSIFICAÇÃO DOS LIVROS DO AT

O texto original do AT (a Bíblia Hebraica) dispõe os documentos de forma diferente que as atuais versões. A classificação hoje usada foi adotada pela LXX e tem como critério o conteúdo dos livros. É essa a disposição que temos em nossa Bíblia, na tradução de João Ferreira de Almeida, edição revista e atualizada no Brasil. Os livro bíblicos são assim classificados:

1. Livros Históricos. O Pentateuco (que é composto pelos 5 livros de Moisés, Gn a Dt) e os livros "históricos propriamente ditos" (Js a Et). Ao todo, são 17 documentos.

2. Livros Poéticos. São 5 livros: de Jó a Ct.3. Livros Proféticos. Este conjunto é composto pelos Profetas Maiores (Is, Jr e Ez), os livros

de Dn e Lm, e os Profetas Menores (Os a Ml, tecnicamente chamados de "os Doze"). A soma dá 17 documentos nos livros proféticos.

Isto perfaz um total de 39 livros no AT. O critério para a classificação dos livros proféticos em Profetas "Maiores" e "Menores" não é a qualidade da teologia do livro, mas a extensão, o tamanho do texto.

VI. NAÇÕES DO MUNDO BÍBLICO DO AT

A. CANAÃ

Por volta de 1300 a.C. Canaã era uma província egípcia cujo território compreendia o Líbano, a Síria e o que mais tarde viria a ser a terra de Israel. Grupos distintos viviam nesta área geográfica (Dt 7.1). O termo "cananeu", além de referir-se a um grupo específico (moradores de Canaã), tornou-se um vocábulo de sentido amplo que identificava moradores de toda aquela região, independente do seu caráter étnico. Os que viviam na costa eram mercadores. Os maiores portos da região localizavam-se em Tiro, Sidom, Beirute e Biblos. Destes portos as riquezas iam a vinham. Eram centros comerciais importantes e de renome na antiguidade. A posição geográfica de Canaã (ponto intermediário entre a Ásia e o Egito), bem como suas atividades comerciais, faziam dela um centro aberto a todo tipo de influências culturais e religiosas. A grande contribuição de Canaã à civilização mundial foi a invenção do alfabeto (ca. 2000-1600 a.C.). As cidades cananéias eram pro-tegidas por muros (erigidos com pedras e terra) a fim de manter animais selvagens e invasores fora de seus domínios. As cidades eram independentes, auto-governavam-se, e com freqüência os seus governadores achavam-se em pé-de-guerra com seus vizinhos. O sistema religioso cananeu era politeísta. Em seu panteão figurava um bom número de deuses (por exemplo: Baal e sua esposa Astarte; El, pai de Astarte, casado com Asherah e chefe dos deuses; e outros mais...). Observando o ciclo da natureza, eles praticavam o culto à fertilidade. As suas práticas cultuais eram muito degradantes e envolviam orgias sexuais. A degradação de certas cerimônias religiosas dos cananeus chegou a chocar até escritores gregos e romanos.

B. FILÍSTIA

- 4 -

Page 5: Introdução ao Antigo Testamento

Os filisteus viviam principalmente em cinco cidades ao sudoeste da terra de Israel: Asdode, Ascalom, Ecrom, Gate e Gaza. Eles controlavam a rodovia internacional que vinha do Egito ao longo da costa mediterrânea. No período dos Juízes, de Samuel, de Saul e Davi, os filisteus representaram uma constante e poderosa ameaça aos israelitas. Ambos os povos queriam controlar o mesmo território. A necessidade de organização militar a fim de enfrentar os filisteus em pé de igualdade foi um dos fatores que, historicamente, levaram o povo de Israel a pedir um rei (1Sm 8.20). Cada cidade filistéia tinha um governante. Eles dominavam a tecnologia do ferro, o que lhes dava incrível poder militar. Eram politeístas. O AT menciona alguns de seus deuses: Dagon (com templos em Gaza e Asdode, 1Sm 5), Baal-Zebube (cultuado em Ecrom, 2Rs 1.2) e Astarote (1Sm 31.10).

C. EGITO

Situado ao noroeste da África, o território egípcio é caracterizado pelo deserto do Saara e pelo rio Nilo. Até tempos modernos, o Egito virtualmente devia sua existência às cheias do rio Nilo que trazia o rico humus das suas cabeceiras e o depositava ao longo de suas margens, particularmente no delta. Era o que de melhor havia para a agricultura. Porém uma cheia irregular podia significar fome e morte. Cedo eles aprenderam e dominaram a técnica do transporte fluvial. Afinal, o Nilo era o seu principal e conveniente meio de transporte. Dos desertos e da península do Sinai eram extraídos metais preciosos (cobre e ouro). Dali também vinham as rochas destinadas aos projetos gigantescos. A história do Egito é milenar. Essa começou muito antes de 3000 a.C. Antes havia dois reinos independentes. A data 3000 a.C. é fixada como ponto de referência para a existência do Egito como um império unificado sob um único monarca (o faraó Menes). Pelos próximos 3000 anos sua história é dividida em três períodos distintos e de muita grandeza (ao todo, são 30 dinastias de faraós). 1) A Era das Pirâmides ou o Reino Antigo (cerca de 2600 a 2200 a.C.) é caracterizado pelos projetos arrojados e gigantescos. 2) O Reino Médio (12ª dinastia, ca. 2060-1786 a.C.) expandiu o seu território e fortaleceu a economia da nação. (Este é o período das peregrina-ções de Abraão que morou inclusive no Egito.) Após a 12ª dinastia, governantes fracos dirigiram o país (ca. 1780-1550 a.C., tempo em que José estava no Egito). 3) O Novo Reino ou Império (18ª a -20ª dinastias, ca. 1500-1070 a.C.) é marcado por guerras e expansão territorial. Também pela construção dos imponentes templos em Memfis e Tebas, entre outros. (Esta é a época de Moisés e do êxodo.) Em seu Período Final o Egito já mostrava sinais de decrepitude. Os bons tempos eram coisas do passado. Através de toda história o faraó era o chefe supremo do Egito. A terra estava di-vidida em províncias que tinham os seus governantes locais. A maioria da população era composta por agricultores e pecuaristas. Todos dependiam do rio Nilo. O sistema hieroglífico de escrita era pictográfico. Considerando a época, o Egito nos legou uma rica e variada produção literária (narrativa, poesia, livros de sabedoria, provérbios, cartas, listagens, etc). Eram politeístas, adoravam deuses das mais variadas origens. Determinados animais eram dotados de qualidades especiais para certos deuses (como, por exemplo, o boi ápis, a íbis, o falcão, o gato). Esses podiam atuar como "imagens vivas" dos seus patronos. Os deuses moravam nos templos. Os sacerdotes os serviam com oferendas, alimentos, hinos, rituais, etc. O faraó era o intermediário entre os deuses e os homens. O povo simples não entrava nos grandes templos. Adoravam em santuários locais. Os egípcios tinham discernimento moral (noção do certo e do errado) e praticavam artes mágicas no seu dia a dia. O fato dos mortos serem enterrados com objetos de uso pessoal nos seus túmulos evidencia que os egípcios acreditavam numa vida após a morte no reino de Osíris.

D. ASSÍRIA

O território assírio achava-se na parte norte do atual Iraque, continuava ao longo do rio Tigre chegando aos pés da cordilheira de Zagros (ao leste). A chuva regular e o sistema fluvial providenciavam o necessário para uma agricultura próspera. A Assíria era um pedaço de chão muito atraente para diferentes povos. Não é de admirar que sua história foi escrita com sangue. A capi tal, o país e sua divindade principal compartilhavam o mesmo nome: Assur. Nínive era a segunda cidade. Ambas já prosperavam em 2500 a.C., senão antes. Sua fama de imperialistas cruéis e impiedosos soldados correu o mundo. Eram temidos. As constantes ameaças ao seu território em parte o explicam. O que não quer dizer que o vocabulário assírio não comportava palavras como "paz" e "prosperidade". Entre 1500-1100 a.C. a Assíria ocupou posição de liderança no Oriente Próximo. Chegou a igualar o lendário Egito. Após 200 anos (1100-900 a.C.) de fraquezas e problemas internos, uma série de vigorosos monarcas fizeram da Assíria uma verdadeira superpotência (os principais foram: Assurbanipal II, Salmanaser III, Tiglate-Pileser III, Sargão e Senaqueribe). Sob os governos de Esaradão e Assurbanipal, o império atingiu o ápice da expansão territorial (cobria o Egito, Síria,

- 5 -

Page 6: Introdução ao Antigo Testamento

terra de Israel, norte da Arábia e partes da Turquia e Pérsia). Os povos derrotados eram deportados e substituídos em seus territórios por povos estranhos. Foi a forma que acharam para anular a resistência das nações. Mas o império estava muito grande. Era difícil defender tudo isto e manter a supremacia por muito tempo. Em 625 a.C. a Babilônia tornou-se independente. E em 612 a.C., com ajuda dos medos, os babilônicos destruíram Nínive. Era o começo do fim da Assíria. Prosperidade política e militar traz consigo prosperidade econômica e cultural. Palácios e templos magníficos foram erigidos pelos assírios. Percebe-se uma verdadeira competição entre os monarcas, cada um com planos mais ambiciosos que o outro. Havia móveis finamente decorados com marfim e utensílios de ouro. Usavam largamente o sistema cuneiforme de escrita sobre tabuinhas de barro. A biblioteca de Assurbanipal abrigava cópias de toda produção literária e científica conhecida até então. Os assírios entram na cena bíblica a partir do tempo dos últimos reis do Reino do Norte (Israel), época de Amós e Oséias no Norte, e do profeta Isaías no Sul (Judá). É o fatídico século VIII a.C. para o Reino do Norte. Em 722 a.C., Samaria, a capital do Reino do Norte (Is rael), cai sob os assírios e o povo é definitivamente deportado.

E. BABILÔNIA

O antigo reino da Babilônia localizava-se na parte sul do que hoje é o atual Iraque. A cidade da Babilônia conheceu o poder pela primeira vez ao redor de 1850 a.C. durante algumas gerações. Novamente, 1200 anos mais tarde, sob o domínio de Nabucodonosor, voltou às alturas. Na verdade, a história da civilização ocidental começou na Babilônia em tempos muito remotos. Ali foi localizada a mais antiga forma de escrita conhecida pelo homem: o sistema cuneiforme ainda em sua forma primitiva, não desenvolvida, usando desenhos estilizados. Há registros escritos de dois povos que viviam na Babilônia em tempos muito antigos: os sumerianos e os acádios. Artesãos do terceiro milênio (3000-2000) a.C. produziam artesanato de fino gosto em ouro, prata e pedras semi-preciosas importadas. Também se fazia estatuetas e armas em cobre e bronze. A qualidade deste artesanato é admirável. As tabuinhas de barro com inscrições por eles deixadas são preciosa fonte de estudos lingüísticos. O mais destacado dos reis da Babilônia da primeira dinastia foi Hamurabi (1792-1750 a.C.). Foi hábil diplomata e grande guerreiro. Porém seu nome está intimamente ligado ao Código de Hamurabi, um verdadeiro marco na ciência da legislação da antiguidade. Tempos depois a Babilônia sumiu de vista. Mas voltou ao poder em 612 a.C. quando Nabopolasar destruiu a Assíria e construiu um novo império (constituído em sua maioria de antigas províncias assírias). Nabucodonosor é o segundo grande nome ligado à Babilônia. Ele cuidou da cidade com muito carinho. Os jardins suspensos da Babilônia eram uma das sete maravilhas do mundo antigo. Porém décadas mais tarde, os exércitos de Ciro, o monarca medo-persa, invadiram a Babilônia. Era o seu fim. Entre outros, a Babilônia deixou a sua marca na civilização universal através de seus conhecimentos de astronomia e matemática (mais tarde copiados pelos gregos). As religiões da Assíria e Babilônia tinham elemen-tos similares. Honravam as grandes forças do universo e tinham deuses e deusas favoritas. Os deuses controlavam tudo e tinham um comportamento imprevisível. Estavam hierarquicamente distribuídos com atribuições definidas. Demônios e espíritos dos mais variados rondavam o cidadão comum procurando atrapalhar-lhe a vida. Templos, santuários e sacerdotes estavam em funcionamento. Amuletos e simpatias eram populares. Cada cidade adorava o seu patrono divino em seu templo próprio. Já que os deuses não revelavam o futuro, a adivinhação tinha livre trânsito entre eles e nas mais variadas modalidades. Os astrólogos eram influentes. Relatos e mitos a respeito dos deuses podem ser lidos nos textos sumerianos e acádios. Destaca-se o relato babilônico da criação e do dilúvio. Os mortos habitavam o mundo subterrâneo. Havia idéias vagas de vida após a morte - tão vagas que não proporcionavam esperança alguma.

F. MÉDIA-PÉRSIA

Após inteligentes manobras políticas e militares, o persa Ciro derrotou o monarca medo Ciáxares e proclamou-se rei dos medos e persas. Era o início do império. Em 539 a.C., atacou e venceu a Babilônia e prendeu o seu último rei (Nabonido). Seu filho e sucessor Cambises, em 525 a.C., expandiu o império persa até o Egito. Pela primeira vez todo o Oriente Próximo (Irã, toda a Me-sopotâmia, Palestina, Síria e Egito) estava submetido a um só rei. Uma duração de quase 200 anos estava reservada ao império persa. Os persas eram bem mais tolerantes que assírios e babilônios. Permitiam que povos conquistados continuassem seu próprio modo de vida em sua terra natal e mantivessem seu culto nacional. (Esta atitude favoreceu de forma direta aos exilados de Judá: sig-nificou libertação do cativeiro babilônico e retorno à terra prometida. Ciro devolveu a Israel os utensílios sagrados e autorizou a reconstrução do templo em Jerusalém.) O império inteiro estava

- 6 -

Page 7: Introdução ao Antigo Testamento

dividido em grandes regiões (denominadas "satrapias") governadas por sátrapas. Estes eram escolhidos dentre os nobres persas ou medos, com oficiais nativos sob o comando deles. O luxo e a ostentação da corte persa, segundo a descrição do livro de Ester, são confirmados por descobertas arqueológicas em locais diversos. Ciro, Cambises, Dario, Xerxes e Artaxerxes são os nomes que se destacam na liderança do império. Os persas primitivos reverenciavam os deuses da natureza, da fertilidade e dos céus. No início do século VI a.C., Zoroastro proclamou uma religião com al tos ideais morais baseados no princípio "faça o bem, evite o mal!" Para ela havia apenas um deus: Ahura-mazda, o deus do bem. Em contraposição havia também o poder negro do mal. As doutrinas de Zoroastro se espalharam e tiveram influência internacional, chegando a ultrapassar os limites temporais do próprio império medo-persa.

VII. PERSPECTIVA HISTÓRICA DO AT

Os primeiros capítulos de Gn estão focalizados na Mesopotâmia: o jardim do Éden, a torre de Babel, a jornada de Abraão em direção à terra prometida (onde Deus faria dele uma nação).

A fome levou Abraão e outros patriarcas ao Egito onde havia fartura. Lá os israelitas multiplicaram-se, formaram identidade própria, e passaram a ser vistos como ameaça. Conseqüente-mente foram oprimidos e reduzidos ao estado de deplorável escravidão. Deus preparou Moisés para a difícil tarefa de libertação e liderança de Israel. É o êxodo, momento crucial na história de Israel.

No trajeto do Egito até a terra prometida, Israel consumiu 40 longos anos de vida árdua na região desértica, montanhosa e repleta de dificuldades da península do Sinai. Ali Deus lhes deu revelações que os caracterizaram formalmente como nação. Tudo isto está relatado nos livros de Êx, Lv, Nm e Dt.

Após a conquista da terra de Canaã, relatada no livro de Js, os israelitas dividiram a terra entre suas tribos, e cada uma fixou-se na parte que lhe coube. De tempos em tempos Israel afastou-se do culto genuíno comprometendo sua vida espiritual. Os episódios dos líderes levantados para defesa do povo e "arrumação da casa" estão relatados no livro de Jz. A história de seu de-senvolvimento como nação (com reis e profetas, inclusive a divisão em duas monarquias independentes) continua nos livros de Sm, Rs e Cr. A perspectiva destes eventos tem ao fundo a história de Rute, os livros poéticos (Sl e Ct), bem como a literatura sapiencial (Pv e Ec).

O surgimento da Assíria como um dos temíveis e ameaçadores "poderes do norte" forma o pano de fundo para alguns dos profetas, particularmente Isaías. Após lutas constantes e ameaças de divisão, o povo de Israel (Reino do Norte) foi derrotado e levado ao exílio para não mais voltar/ Sua identidade como povo ali se dissolveu. O Reino do Sul, Judá, escapou por um triz.

O império assírio não resistiu ao poder da Babilônia. E Judá seguiu pela mesma trilha: viu os babilônicos tomando a sua terra e destruindo Jerusalém. Este é o período do profeta Jeremias. O profeta Ezequiel foi com o povo para o exílio e o exortou a permanecer firme. A restauração viria. Daniel registra a história de um homem elevado à posição de proeminência na corte de duas super-potências. Esdras e Neemias enfocam o retorno do exílio e a reconstrução da nação (também os profetas Ageu e Zacarias). A esta altura o poderio babilônico já havia se esvanecido diante do império medo-persa. O livro de Ester testemunha o grande poder deste império e relata a proteção de Deus sobre aqueles do povo que não voltaram para a terra de Israel.

P E N T A T E U C O

I. AUTORIA MOSAICA DO PENTATEUCO

Pentateuco é o nome de se dá ao conjunto dos cinco primeiros livros do AT. Estes documentos foram escritos por Moisés. O termo "pentateuco" vem da língua grega e significa "cinco volumes" ou "cinco livros". A tradição hebraica denomina este conjunto de livros de "Torah" ou "Lei".

A autoria mosaica destes livros não é aceita pacificamente por todos. Em círculos liberais questiona-se a autoria mosaica do Pentateuco. Afirma-se que o mesmo não foi escrito por Moisés. Mas trata-se, na verdade, de uma compilação a partir de diferentes documentos ou tradições anteriormente existentes. Estes foram combinados por um redator em data muito posterior. O Pentateuco, tal como o temos hoje, surgiu por volta de 200 a.C., afirmam alguns. Rejeitamos estas

- 7 -

Page 8: Introdução ao Antigo Testamento

teorias. Percebe-se que os pressupostos com que os críticos liberais estudam o Pentateuco são puramente humanos. Negam a participação divina no processo que culminou com o Pentateuco (e, conseqüentemente, com a Escritura) e tratam a Bíblia como se fosse um livro como qualquer outro livro humano.

Realmente não há cabeçalho em qualquer dos cinco livros que afirme explicitamente ser Moisés o autor do Pentateuco. Porém, as evidências existentes o confirmam. Eis algumas:

1. Evidências do próprio Pentateuco. Êx 17.14; Nm 33.1-2; Dt 31.9,24.2. Evidências de outros livros do AT. Js 1.7,8; 22.9; Jz 3.4; 1Rs 2.3; Ed 6.18; Ne 13.1.3. Testemunho de Cristo nos evangelhos. Cristo menciona passagens do Pentateuco como

sendo de Moisés: Mt 19.8; Mc 10.4,5; Lc 24.27,44.4. Evidência de outros livros do NT. At 3.22,23; Rm 10.5,19; 1 Co 9.9.Além do mais, Moisés tinha plenas qualificações para liderar o povo de Israel no caminho

para a terra prometida e redigir o Pentateuco. Junto à sua fidelidade a Deus, estava a "escola" que recebera do próprio Deus no deserto bem como e educação que tivera no Egito quando lá morava. Não temos motivo real para negar a autoria mosaica do Pentateuco.

II. GÊNESIS

A. TÍTULO

O título "gênesis" está baseado em Gn 2.4 e significa "começo, início, gênese". Este não é o nome hebraico do livro mas lhe foi conferido pela LXX levando em consideração o seu conteúdo. Sem dúvida, este é um título muito apropriado ao livro.

B. PROPÓSITO

Gn registra os inícios, os começos. Gn descreve vários destes inícios: o início do universo e dos seres animados, a gênese do ser humano, o começo do pecado, o início das promessas messiâ-nicas e o primeiro evangelho, o começo das conseqüências do pecado, o início da morte, a primeira destruição da raça humana, o início das alianças de Deus com o homem, o chamado dos patriarcas, a gênese do povo escolhido.

Gn também fornece uma visão da revelação do início do universo até quando os israelitas estão no Egito prestes a formar a nação teocrática. Numericamente são poucos no Egito ao final de Gn. Mas já estão a caminho da grande nação que virão a ser.

C. ESBOÇO

O esboço do livro de Gn é muito simples:1. História primitiva: Gn 1-11.2. História patriarcal: Gn 12-50.

A ênfase da primeira parte do livro está nos inícios e nos episódios fundamentais que afetaram toda a raça humana. A ênfase da segunda parte volta-se mais para o aspecto da aliança de Deus com o seu povo e enfoca especialmente os patriarcas. Esta segunda parte pode ser subdividida em três ciclos: 1. Ciclo de Abraão e Isaque: Gn 12-26.2. Ciclo de Jacó e Esaú : Gn 27-36.3. Ciclo de José: Gn 37-50.

D. CONTEÚDO

1. Não há razão para negar a veracidade do conteúdo de Gn 1-11, a história primitiva. É história real e os fatos são verídicos. Porém hoje não há como investigá-la. Nenhum de nós lá este-ve. Isto foi inspirado por Deus tal como está escriturado. Está na esfera da revelação. A veracidade última daqueles fatos repousa na autoridade do próprio Deus.

2. Os acontecimentos da história primitiva preparam o cenário para a aliança da história patriarcal de Gn 12-50. Nesta seção o enfoque volta-se para os patriarcas Abraão, Isaque, Jacó e

- 8 -

Page 9: Introdução ao Antigo Testamento

José. As narrativas apresentam sua fidelidade, suas falhas, suas vidas (tão humanas quanto as nossas), e o seu lugar na linha messiânica.

3. Particular destaque merece a gênese do povo escolhido. Deus elegeu Abraão para ser o pai do grande povo escolhido de Iahweh através de quem o messias viria ao mundo para tornar "benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.3).

4. É preciso atentar para a importância do tema aliança em Gn. Deus faz alianças universais com Adão (2.15-17), com Noé (9.8-17). Estas são quebradas. Deus então elege Israel. Chama Abraão e entra em aliança com ele e o povo que dele virá (Gn 12). O messias está intimamente ligado ao tema da aliança. Pois o messias virá do povo da aliança.

III. ÊXODO

A. TÍTULO

O título "Êxodo" não vem da tradição do AT mas é herança da LXX. "Êxodo" significa "saída" e está baseado no episódio central do livro que é exatamente a saído do povo da escravidão egípcia.

B. PROPÓSITO

O livro de Êx faz a conexão e a continuação entre Gn e o restante do Pentateuco. O final de Gn é retomado e continuado em Êx. O livro também registra a fundação do povo de Israel como nação teocrática.

C. ESBOÇO

O esboço de Êx é simples e consta de duas partes principais:1. Libertação: Êx 1-19. a. Escravidão e preparo para a libertação: Êx 1-12. b. Êxodo e jornada até o Sinai: Êx 13-19.2. Legislação: Êx 20-40. a. Leis: Êx 20-31. b. Apostasia e retorno: Êx 32-34. c. Construção do tabernáculo: Êx 35-40.

D. CONTEÚDO

1. É difícil exagerar a importância de Moisés no livro de Êx. Moisés é um servo de Deus por excelência. Exerce funções de libertador, legislador, guia do povo, conselheiro, intercessor, etc. Apresenta as feições de um ser humano como qualquer um de nós. Sua fé é firme. Viveu 40 anos no Egito, 40 anos na região desértica de Midiã, e por 40 anos liderou o povo. Ao morrer tinha saúde plena.

2. O episódio do êxodo é de alta significância teológica. Aqui está o coração do evangelho no AT. "Êxodo" significa "saída". Refere-se, em primeiro plano, à saída do povo Israel da escravidão do Egito e partida para a terra prometida. Mas também mostra o Deus gracioso e libertador que vem libertar o ser humano de escravidão muito mais terrível: pecado, morte e condenação. Cristo é o "segundo Moisés" que liberta e lidera o seu povo rumo a "terra prometida eterna".

3. Diante do Sinai Deus sela oficialmente a aliança com o seu povo. Ali acontece oficialmente o "casamento" de Israel com Deus. A descrição e resumo da aliança são extremamente significativos: "Eu sou teu Deus, tu és meu povo, habitarei entre vós!"

4. Fato que com freqüência passa despercebido é a significância do tabernáculo para Israel. Quando o homem ia a Deus ele o fazia no tabernáculo. E Deus vinha ao homem também no tabernáculo. Ali Deus morava. A arca era o seu trono na terra. No tabernáculo Deus estava "encarnado" entre o povo. O tabernáculo era o ponto de encontro entre Deus e homem. Isso aponta para Cristo. O homem encontra Deus em Cristo. E Deus vem ao homem em Cristo. Por tanto, o tabernáculo é uma daquelas muitas sombras de Cristo no AT.

- 9 -

Page 10: Introdução ao Antigo Testamento

IV. LEVÍTICO

A. TÍTULO

Os rabinos chamavam este livro de "A Lei dos Sacerdotes" e "A Lei das Oferendas", referindo-se, evidentemente, à tarefa executada por sacerdotes e levitas. O título "Levítico" vem desde a LXX e a Vulgata assumiu o mesmo título em sua tradução. O vocábulo "Levítico" significa "concernente ao levitas" e aponta para o sacerdócio levítico vigente em Israel. No entanto, este título pode ser enganoso quando se verifica o conteúdo do livro. Pois a matéria de Lv destina-se tanto (e principalmente) aos leigos de Israel como também aos sacerdotes e levitas. Trata-se, portanto, de um livro para leigos e para pastores (sacerdotes e levitas).

B. PROPÓSITO

Israel é agora uma nação teocrática organizada. É o povo de Deus. A aliança está "assinada" por ambas as partes. O tabernáculo também está erigido. Agora se faz necessário orientação para o dia a dia deste povo. Entra então em cena o livro de Lv. Este li vro apresenta a regulamentação para o culto e para a vida santificada do povo de Deus.

C. ESBOÇO

O livro de Lv tem basicamente duas partes e um apêndice:1. Remoção da impureza que separa o homem de Deus: Lv 1-16. a. Sacrifícios: Lv 1-7. b. Sacerdócio: Lv 8-10. c. Purificação: Lv 11-16.2. Comportamento apropriado ao povo purificado: Lv 17-26.3. Apêndice: Lv 27.

D. CONTEÚDO

1. No sacrifício há movimento em duas direções: o homem vai a Deus com a sua oferta (sacrifício), e, também na mesma oferta, Deus vem ao homem com sua graça e perdão (sacramento). O cordeiro é sombra, antecipação de Cristo no AT. A fé nesta pregação em atos é que recebe o benefício da promessa de Deus. Por detrás de tudo isto está a ação vivificante do Espírito Santo.

2. Lv mostra que pecado é coisa da mais alta seriedade. Tão sério que só se repara com derramamento de sangue, ou seja, com morte! Lv também mostra que esta morte reparadora pode ser substitutiva.

3. O sacerdócio exerce função de mediação entre Deus e os homens. Eles são os administradores e despenseiros de Deus. O povo a eles acorre nas ocasiões certas. Também percebemos no sacerdote um tipo, uma prefiguração de Cristo no AT.

4. O livro de Lv mostra claramente como se vive a vida cristã. A ética proclamada por Lv tem por base a justificação do pecador que agora quer amar concretamente, no seu dia a dia, a Deus e ao próximo.

5. Lv apresenta o "calendário litúrgico" do AT. São os tempos especiais, tempos de festa. Não se celebra pessoas. Mas lembra-se eventos significantes. Grandes concentrações aconteciam em algumas destas ocasiões.

V. NÚMEROS

- 10 -

Page 11: Introdução ao Antigo Testamento

A. PROPÓSITO

A agora nação teocrática está pronta para continuar sua marcha rumo à terra prometida. Em Nm, a nação que antes estivera parada diante do Sinai volta a caminhar. Nm é, na verdade, uma combinação entre história e legislação. Relata episódios selecionados) que se passaram entre a partida do Sinai e a chegada às planícies de Moabe. O período de tempo coberto pelo livro é de cerca de 40 anos. Os números dos censos do início do livro (razão porque a LXX o denominou "Números") recebem destaque.

B. ESBOÇO

Em muitos sentidos, o livro é uma miscelânea e quase não revela um esboço claramente delineado. A estrutura básica apresenta relatos históricos com acréscimos de textos legislativos. Com base no itinerário israelita, vemos três seções no livro:1. Preparo para partida do Sinai: Nm 1.1-10.10.2. Jornada do Sinai até as planícies de Moabe: Nm 10.11-21.35.3. Episódios nas planícies de Moabe: Nm 22-36.

C. CONTEÚDO

1. Nm 6 apresenta a instituição do nazireado. Os nazireus eram pessoas que de forma especial dedicavam-se a uma vida piedosa. Era uma espécie de ideal exemplar de santidade. Sansão é o nazireu mais famoso. Desconfia-se seriamente que Samuel também tenha sido nazireu.

2. Nm 13-14 descreve o episódio lamentável do parecer desfavorável dos espias (com exceção de Josué e Calebe) que foram verificar a terra antes da conquista. O povo deu ouvidos aos espias desencorajados e isto custou a Israel 40 longos anos no deserto e morte desta geração descrente.

3. O devido destaque deve ser dado à significante história da serpente de bronze (em Nm 21). Mais tarde, esta mesma serpente é adorada (2Rs 18.4). Cristo interpreta para nós a tipologia e -xistente neste acontecimento (em Jo 3.14ss).

4. Uma das narrativas mais curiosas de toda a Bíblia está em Nm 22-24 onde Balaão entra em cena. No desenrolar do que ali acontece, pela boca de Balaão Deus profere a belíssima profecia messiânica da "estrela de Jacó" (Nm 24.17).

D. TEOLOGIA

1. O avanço do povo era proporcional à sua fé. Não que isto dependesse do povo. Mas Deus queria mostrar-se Deus gracioso. A suficiência de Israel vinha de Deus somente.

2. Igualmente a conquista da terra independe do tamanho do exército. A terra é dádiva divina. Deus queria que Israel cresse na sua promessa de lhes dar uma terra.

3. A igreja cristã é o novo Israel em marcha pelo deserto em direção à terra prometida! Deus prometeu que a igreja lá chegará. Ele convida a igreja e a todos homens a acreditarem na sua promessa, ... e lá chegarão!

VI. DEUTERONÔMIO

A. TÍTULO

"Deuteronômio", título dado pela LXX a este livro, significa "segunda lei". Na verdade, o título está baseado numa interpretação incorreta de Dt 17.18. Ali fala-se de "traslado" ou "cópia" e não de uma "segunda lei".

B. PROPÓSITO

- 11 -

Page 12: Introdução ao Antigo Testamento

O livro apresenta o três últimos discursos de Moisés proferidos ao povo nas campinas de Moabe. Estes discursos, que têm caráter sermônico, expõem as principais leis e orientações que nor-teariam Israel na nova terra. Nesta ocasião Moisés tinha 120 anos e gozava de pleno vigor físico e mental (Dt 34.7).

C. ESBOÇO

1. Primeiro discurso: Dt 1-4.2. Segundo discurso: Dt 5-11.3. Código Deuteronômico: Dt 12-26.4. Bênçãos e maldições: Dt 27-28.5. "Terceiro Sermão": Dt 29-30.6. Conclusão: Dt 31-34

Os capítulos de Dt 31 a 34 concluem tanto o livro de Dt como o Pentateuco.

D. CONTEÚDO

1. O livro de Dt é altamente significante para a teologia do AT e NT. A preocupação de Dt é com a teologia do Pentateuco,i.e., as boas-novas do evangelho que capacitam e motivam toda obediência válida diante de Deus. Certamente não é por mero acaso que o livro de Dt é citado por Cristo 90 vezes!

2. Em Dt 6 temos um comentário sobre o primeiro mandamento. Ali também está o credo do Judaísmo posterior e moderno (v. 4), o primeiro grande mandamento (v. 5), bem como a prioridade a ser dada à "educação cristã" (v. 6ss).

3. Dt 18 registra uma profecia messiânica. Na passagem de Dt 18.15, Cristo é antecipado como o profeta por excelência!

4. Dt 34 fala da morte de Moisés. No mundo acadêmico discute-se a autoria deste capítulo. Quem escreveu? Moisés mesmo? Ou outro autor? Alguns da tradição judaica acham que Josué é o autor. Isto é difícil de responder. A questão fica em aberto.

L I V R O S H I S T Ó R I C O S

I. NOTAS PRELIMINARES

A tradição do AT classifica os livros de Js, Jz, Sm e Rs como "Profetas Anteriores". Neste sentido os episódios da vida de indivíduos e do povo de Deus se tornam proclamação. Os acontecimentos externos trazem em seu bojo o conteúdo divino. Os atos concretos anunciam o conteúdo. Esta mesma tradição considera 1 e 2Sm e 1 e 2Rs como um só livro cada. Estes livros (Js, Jz, Sm e Rs) apresentam a história interpretativa da nação teocrática desde a entrada na terra prometida até a dissolução da teocracia no exílio. Os outros livros continuam a narrativa da trajetória do povo desde o retorno do cativeiro babilônico, passando pela reconstrução da nação e indo até o tempo de Ester, de Neemias e do último profeta escritor (Malaquias), já muito próximo do período intertestamental. Não temos resposta a todas as questões que nos surgem a respeito de todo este período. Estes livros cobrem um longo tempo: mil anos, em números redondos. Mesmo que muitas questões levantadas permaneçam sem resposta, o pressuposto do escritor bíblico é o de que a matéria apresentada é totalmente verdadeira, seja isto da perspectiva dos acontecimentos ou da teologia. A preocupação dos escritores sacros é mais teológica que histórica. Os episódios são enfocados a partir da ótica de Deus. Os livros históricos vão de Josué a Ester. Os livros proféticos complementam as informações dos livros históricos. Correm paralelos.

II. JOSUÉ

- 12 -

Page 13: Introdução ao Antigo Testamento

A. TÍTULO

O título do livro é o nome do seu personagem principal. A nossa tradução tem "Josué". O nome hebraico realmente significa "Jesus". A LXX intitula o livro de "Jesus" (em grego). Tendo em vista o paralelo entre a obra de Josué e a de Jesus, o título do livro é significante.

B. AUTORIA E DATA

O livro nada traz de explícito sobre o seu autor e sobre a data da sua composição. No entanto, há alguns indícios:

1. A tradição judaica é do parecer que o título "Josué" refere-se ao autor do livro. 2. O texto parece indicar que grande parte do livro foi escrita por uma testemunha ocular. E

Josué é o melhor candidato neste caso. 3. Ao menos partes (se não tudo, ou quase tudo) do livro foram escritas por Josué. Js

24.26. 4. Existem algumas indicações de que o livro foi escrito em data recuada. (Por exemplo,

Jerusalém ainda não fora conquistada.) 5. Na forma atual do texto, há eventos que se deram depois da morte de Josué. A tradição

judaica, por exemplo, pensa que o relato da morte de Josué foi escrito e adicionado ao livro pelo sacerdote Eleazar. Nada impede que ele tenha sido inspirado pelo Espírito Santo ao redigir este texto.

De tudo isto, o que se deduz quanto a data e autoria é que boa parte do livro foi escrita por Josué sendo que o restante deve ter sido escrito depois do tempo de Josué. Além disto é difícil de avançar.

C. PROPÓSITO

O propósito do livro de Js é demonstrar como Deus introduziu na terra prometida a nação teocrática que estivera caminhando no deserto. Expõe também a conquista e a divisão da terra. O livro dá continuidade ao Pentateuco e à teocracia. A tarefa primordial de Josué era a de introduzir o povo na terra prometida. Com isto estava cumprida a promessa de Deus aos patriarcas no que diz respeito à doação da terra.

D. ESBOÇO

A estrutura do livro é simples e tem três partes:1. Conquista da Cisjordânia: Js 1-12.2. Divisão da terra: Js 13-22.3. Despedida e morte de Josué: 23-24.

E. TEOLOGIA

1. Em certo sentido, o paralelismo dos nomes "Josué" e "Jesus" aponta para o paralelismo de suas atividades. Josué lidera o povo do deserto, passa o rio Jordão e ingressa na terra prometida. Jesus faz o mesmo com o novo Israel, a igreja. Só que conduz o seu povo para a terra prometida na eternidade.

2. A entrada de Israel na terra de Canaã na verdade foi um cumprimento da promessa de Deus no Pentateuco. O cumprimento real está em Cristo! Em Cristo, os fiéis estão na terra prometida. E a consumação definitiva será na eternidade. Pois Deus tinha muito mais para dar para os seus fiéis do AT do que somente um espaço geográfico. A terra aponta para a Terra! O mesmo vale para nós.

III. JUÍZES

- 13 -

Page 14: Introdução ao Antigo Testamento

A. TÍTULO

O título do livro ("Juízes") está fundamentado no tipo de governo do povo de Deus neste período. Este título é comum à tradição do AT, à LXX e às versões modernas. Quando, porém, falamos de "juízes" temos que nos desligar do sentido moderno, forense que o termo evoca. Ao enunciar "juiz", logo nos vem à mente a idéia de um tribunal, um julgamento, promotor e advogado, etc. Não é esta a idéia de "juiz" neste livro. O juiz, na verdade, era o líder carismático do momento. Foram homens levantados por Deus para determinada função e revestidos com o seu Espírito para executar esta tarefa.

Tradicionalmente classifica-se os juízes deste livro em dois grupos: 1. Juízes Menores. São o seguintes: Sangar, Tola, Jair, Ibsã, Elom, Abdom.2. Juízes Maiores. São os seguintes: Otniel, Eúde, Débora

(e Baraque), Gideão, Jefté, Sansão.Talvez o critério para esta classificação ("menores" e "maiores") não seja a qualidade da

liderança destes juízes, mas, possivelmente, a quantidade de informações que temos sobre eles. O texto de Jz traz pouca informação sobre os juízes menores, enquanto fornece dados detalhados sobre os juízes maiores. O escritor, sob inspiração, selecionou aqueles episódios que interessavam e se enquadravam nos seus objetivos pedagógicos.

B. AUTORIA E DATA

O texto bíblico não apresenta evidência clara quanto à identidade do autor. Ficamos apenas na especulação. Uma linha da tradição judaica (o Talmude) sugere Samuel como o autor de Jz. E isto é tudo. Se não há como provar esta tradição, também não temos melhor candidato.

De modo semelhante quanto à data, tudo o que temos são evidências internas que apontam data antiga para a redação do texto. Desta forma a "conclusão" a que se chega é que talvez o livro tenha sido compilado no início (ou mesmo um pouco antes) da monarquia em Israel (ca. 1000 a.C.)

C. PROPÓSITO

Jz registra a história cheia de problemas do povo de Deus no período turbulento pós-conquista e pós-estabelecimento na terra prometida. Este período foi tudo, menos um período tranqüilo. O último versículo do livro (21.25) caracteriza bem toda esta época: "Cada um fazia o que achava mais reto!"

Historicamente falando, os fracassos deste período, aliados a outros fatores, preparam o caminho para a monarquia que logo segue em Israel. A extensão histórica e cronológica desta era vai desde a morte de Josué até o surgimento de Samuel como juiz (o último) e profeta de Deus (ca. 1400-1000 a.C.).

D. ESBOÇO

O esboço do livro é simples e apresenta três partes bem distintas:1. Introdução: Jz 1.1-2.5.2. História dos juízes: Jz 2.6-16.31.3. Apêndice: Jz 17-21.

E. CONTEÚDO

1. Estruturalmente, o livro está organizado ao redor de objetivos pedagógicos, interesses sermônicos. Vemos no texto episódios selecionados que exemplificam concretamente as falhas e as virtudes de Israel e as intervenções divinas na vida deste povo.

2. Especialmente na segunda parte do livro (Jz 2-16), os acontecimentos são relatados conforme um ciclo que se repete com cada juiz: apostasia (Israel se afasta de Deus), opressão (Deus permite que eles sejam oprimidos por algum povo estranho), arrependimento (Israel reconhece o seu afastamento e clama a Deus), e finalmente a libertação (Deus levanta um líder que os libertará e será seu guia por algum tempo). Este ciclo é um retrato fiel do que é a nossa vida hoje, como

- 14 -

Page 15: Introdução ao Antigo Testamento

indivíduos ou como congregações. Não podemos deixar de perceber que Deus ainda hoje levanta pessoas que se tornam os seus "juízes" do momento para corrigir e direcionar algo que está acontecendo.

3. O desenvolvimento do texto exibe de forma seqüencial o período de cada juiz. Terminado o tempo de um, o relato avança para o próximo juiz.

4. Em última análise, Cristo é o nosso grande juiz. É o libertador por excelência levantado por Deus para corrigir as relações homem-Deus e direcionar a todos para a vida eterna. Em sua primeira vinda, Cristo trouxe a libertação do juízo divino que paira sobre o pecador. E em sua segunda vinda ele aplicará implacavelmente o juízo divino sobre os que lhe foram adversos.

IV. RUTE

A. CONTEÚDO

O texto de Rt narra um episódio da época pré-monárquica e está situado historicamente no tempo dos juízes (Rt 1.1). Em meio à turbulência do período dos juízes, a história de Rute e Noemi emerge com um charme e encanto próprios. Inserido num contexto de afastamento e infidelidade a Deus, temos em Rute um exemplo de fé singela e piedade exemplar. No NT, o texto de Mt 1.5 confirma a existência de Rute como personagem histórico e a genealogia de Lc 3.32 concorda com a de Rt (4.18-22). No calendário litúrgico judaico, o livro de Rute está vinculado à Festa das Semanas, o "Pentecostes". Este livro é a leitura, a "perícope do dia" nesta festa.

B. PROPÓSITO

Destaque maior vai para a importância messiânica do livro. Rute, uma gentia, foi incorporada à genealogia de Davi (foi a sua bisavó) e, conseqüentemente, tornou-se antepassada de Cristo! Uma gentia foi enxertada na linha messiânica! A salvação não é só para os da raça escolhida, mas para todos os seres humanos. Na pessoa de Rute, nós, gentios, estamos representados na linha messiânica!

Um outro propósito, certamente subsidiário, talvez seja o de apresentar um quadro realista e animador, e, ao mesmo tempo, de uma singeleza sem par. O período dos juízes apresentou um quadro desolador quanto à qualidade de vida existente (confere Jz 19-21, especialmente). Rute é um nítido contraste a esta realidade. Sugere um exemplo de vida efetivamente piedosa sob a aliança. É um exemplo que transcende, que vai além do seu próprio tempo e espaço e chega até nós.

C. AUTORIA E DATA

A tradição judaica sugere Samuel como o autor do livro. Apesar de alguma possibilidade, este testemunho é muito improvável em virtude de evidências internas do próprio texto. No entanto, nenhuma outra hipótese mais plausível foi levantada até agora. A concordância generalizada entre os estudiosos é que o livro é anônimo, ou seja, não se sabe com certeza quem o redigiu.

Como não se tem certeza sobre a identidade do autor, isto dificulta a datação do texto. Razões lingüísticas e estilísticas, bem como a menção do rei Davi (Rt 4.17,22), parecem indicar que o texto foi redigido em algum tempo durante o reinado de Davi.

D. ESBOÇO

Já que o livro é um bloco único e compacto, com uma narrativa movendo-se em direção ao seu final, tentar esboçar o livro pode ser um empreendimento sem grande recompensa. Um esboço simples poderia ser o que segue:1. Rute vem para Belém: Rt 1.2. Rute encontra Boaz: Rt 2.3. Rute apela a Boaz: Rt 3.4. Casamento de Rute e Boaz: Rt 4.

- 15 -

Page 16: Introdução ao Antigo Testamento

E. TEOLOGIA

1. Mt 1.5 apresenta Rute como ancestral de Cristo! Uma moabita! Do ponto de vista da estilística, a genealogia ao final do livro (Rt 4.18-22) é um mero apêndice. Mas funcionalmente, teo-logicamente, é o ponto alto do livro. Na genealogia se dá a conexão messiânica de Rute e Boaz com Cristo. A genealogia integra a história particular de Rute ao curso principal da história da salvação, da história de Deus. Rute, a mulher gentia moabita, é "enxertada" na linha messiânica e passa a ser instrumento nas mãos de Deus para o benefício de toda a humanidade. Isto é profundamente significante.

2. Em Rt, Deus não age de forma sobrenatural e miraculosa, mas de maneira natural e providencial. Quase dizemos que Deus age de forma "casual". Não há milagres vistosos no livro de Rt. Mas é preciso ter olhos para ver que em, com e sob decisões humanas, rotineiras, casuais, Deus opera normalmente. Por detrás das coisas simples e do dia a dia, está a ação criativa e transfor-madora de Deus. E quando Deus age, estas ações estão sempre cheias de significância divina e eterna, por mais simples, rotineiras ou "casuais" que possam parecer!

V. SAMUEL

A. TÍTULO

Evidentemente o título "Samuel" vem do primeiro personagem proeminente nos dois livros — o próprio Samuel — que ungiu dois outros dois personagens igualmente importantes na história de Israel: os reis Saul e Davi. Originalmente, na tradição do AT, 1 e 2Sm eram considerados um só livro. Foi a LXX que o dividiu em 2 volumes (sem nada lhes acrescentar ou tirar).

B. ESBOÇO

O esboço dos livros está baseado no personagem principal que entra em cena em cada período da história coberta pelos livros:1. Samuel: 1Sm 1-7.2. Samuel e Saul: 1Sm 8-15.3. Saul e Davi: 1Sm 16-31.4. Triunfo de Davi sobre a casa de Saul: 2Sm 1-8.5. "História da Corte" (de Davi): 2Sm 9-20.6. Apêndice: 2Sm 21-24.

Percebe-se que o relato dos episódios gira ao redor dos três "eixos" principais do livro que são os três principais personagens: Samuel, rei Saul e rei Davi.

C. PROPÓSITO

O propósito do livro é registrar a transição do período teocrático e dos juízes para a nova forma de governo. O livro relata a fundação da monarquia hebraica. Este foi um novo momento, uma transformação sem par na história do povo de Deus. As seqüelas logo se fizeram sentir na vida do povo. Historicamente, houve pelo menos um duplo preparo para o reinado. Primeiro foi o período dos juízes. Foi um tempo política e religiosamente confuso, com muita desorientação e turbulência na vida de Israel. Não havia realmente um elemento político centralizador do povo. Depois foi a ameaça dos filisteus, detentores da tecnologia do ferro (o que então lhes dava incrível poder militar). Havia a necessidade de um bom rei e líder militar que estivesse à frente de Israel e os conduzisse à vitória.

Samuel inclui as carreiras de três grandes nomes que deixaram sua marca indelével no AT: Samuel, Saul e Davi.

D. AUTORIA E DATA

- 16 -

Page 17: Introdução ao Antigo Testamento

Na questão da data e autoria, a situação de Sm é semelhante a Js e Jz. O texto não faz menção do seu autor. A tradição judaica acha que o próprio Samuel é o autor da primeira parte do li-vro, sendo o restante escrito pelos profetas Gade e Natã. Porém temos que perguntar: Até que ponto esta tradição é confiável?

Samuel escreveu ao menos parte do livro (1Sm 10.25). Sua morte é relatada em 1Sm 25.1;28.3. Há também episódios que se passaram após a morte de Samuel.

No que diz respeito à data, estudiosos conservadores datam o livro entre 930 e 722 a.C.

E. CONTEÚDO

1. A figura imponente de Samuel domina a primeira metade do livro. Ele nasceu como resposta de Deus às orações de sua mãe e cresceu à sombra do sacerdote Eli. Manuscritos recentemente encontrados (em Qumran, à beira do mar Morto) parecem confirmar a suspeita de que Samuel tinha sido dedicado por sua mãe como um nazireu (Nm 6). Samuel se encontrava às portas da maior transição política de Israel: passagem da teocracia à monarquia. Foi ele que conduziu este processo. Ele também foi o último e maior dos juízes. Presumivelmente, também era sacerdote (no conflito com Saul, parece que só ele podia sacrificar — 1Sm 13.13). Em muitos sentidos, ele foi o primeiro dos grandes profetas de Israel (At 13.20). Samuel, portanto, é um verdadeiro "segundo Moisés", representando virtualmente todos os ofícios em Israel como nenhum outro tinha feito desde Moisés. De certa forma, Samuel antecipa Elias e Cristo! Com toda certeza, este personagem não pode passar despercebido por nós.

2. O cântico de Ana em 1Sm 2, a exemplo do canto de Maria em Lc 1 no NT, é denominado por alguns como o "Magnificat do AT."

3. A dramática ameaça militar dos filisteus e o pedido de um rei estão registrados em 1Sm 8. A monarquia já tinha sido prevista por Moisés que em Dt 17 orienta a forma de atuação dos futuros reis de Israel.

4. 1Sm 14 relata o comportamento estranho de Saul. Este torna-se cada vez pior. Há estudiosos que desconfiam que Saul portasse alguma doença mental progressiva.

5. Em 1Sm 17 temos a vívida descrição do combate entre Davi e Golias. O relato é tão nítido e a qualidade da descrição da narrativa é tão perfeita, que até parece que somos testemunhas oculares da luta!

6. A partir de 2Sm 5 Davi é rei em todo Israel. Ele conquista Jerusalém, uma cidade com neutralidade política, idealmente localizada no "ponto intermediário" na fronteira norte-sul. Jerusalém torna-se a capital tanto política como religiosa.

7. 2Sm 7.12-16 apresenta um dos grandes oráculos messiânicos do AT. A partir dali, o rei Davi e a dinastia davídica passam a estar vinculados ao reino messiânico. O reino de Davi passa a ser figura do reino messiânico. Davi terá um herdeiro cujo trono será firmado para sempre! Sabemos quem é este filho de Davi: é Cristo!

VI. REIS

A. TÍTULO

O título "Reis" está baseado no conteúdo dos livros. Assim como 1 e 2Sm, os dois livros de Rs também eram, originalmente, um só volume. A LXX os repartiu em dois.

B. PROPÓSITO

O propósito dos livros é relatar a história da monarquia do povo de Deus até o seu final no exílio babilônico. Este relato inclui a divisão do reino unido na monarquia dividida em dois reinos independentes. (Confere, ao final, o mapa do reino dividido.) A extensão histórica da narrativa vai desde as últimas palavras do rei Davi até o cativeiro babilônico de Judá. Grande ênfase é colocada no ministério dos profetas Elias e Eliseu.

C. AUTORIA E DATA

- 17 -

Page 18: Introdução ao Antigo Testamento

O autor não é identificado pelo livro. A tradição judaica (do Talmude) atribui a autoria ao profeta Jeremias. Além disso não conseguimos ir.

Para a data da redação dos livros, os estudiosos conservadores, fundamentados em evidências internas do texto, fixam dois limites para a data do livro: 562 a.C. (ocasião da libertação do rei Joaquim, segundo 2Rs 25-27) e 539 a.C. (data da queda da Babilônia, da qual não há menção no livro). Segundo estes autores, o texto deve ter sido redigido entre estas duas datas.

Rs menciona várias fontes escritas como, por exemplo, o "livro da história de Salomão" (1Rs 11.41), o "livro da história dos reis de Judá" (2Rs 8.23), o "livro da história dos reis de Israel" (1Rs 15.31). Estas fontes talvez fossem os arquivos, anais e registros oficiais do reino aos quais o autor tinha acesso e que podem ter sido usados como fonte de pesquisa.

D. ESBOÇO

O esboço segue a seqüência dos períodos históricos:1. Introdução (morte de Davi e sucessão de Salomão): 1Rs 1-2.2. Reino unido sob Salomão: 1Rs 3-11.3. Monarquia dividida: 1Rs 12-2Rs 17.4. Reino de Judá (722-587 a.C.): 2Rs 18-25.

O relato de Rs é suplementado por 1 e 2Cr e pelos livros proféticos (especialmente Jr). Fora da Bíblia, este período tem rica e extensa documentação arqueológica e histórica, especial-mente no que se refere às nações ao redor de Israel.

E. ESTRUTURA DO TEXTO

A estrutura da narrativa de Rs apresenta uma combinação de cronologia com julgamentos religiosos. Menciona-se os atos de um determinado rei e, ao final, o julgamento teológico do seu reinado. Passa-se então ao próximo monarca. Os relatórios dos episódios de ambos os reinos correm paralelos e contínuos. Narra-se o reinado de um monarca até o fim. Então é a vez de todos os reis do outro reino durante aquele período.

F. CONTEÚDO

1. 1Rs 1-2 narra os últimos dias de Davi e sucessão de Salomão. A corte estava cheia de intrigas!

2. Os detalhes da construção do templo efetuada por Salomão tomam bom espaço do texto (1Rs 3-11). A exemplo do tabernáculo, a importância do templo é aqui ressaltada. No templo, Deus estava temporalmente e "encarnacionalmente" habitando com e no meio do seu povo. Dali, do templo, do lugar santo, a graça de Deus irradia. Pois o mesmo vale para Cristo! Do "lugar santo", Cristo, a graça de Deus irradia para os homens.

3. Em 1Rs 12-22 temos o relato do reino dividido. É preciso estar ciente dos nomes dos dois reinos a partir deste ponto. Após Salomão, o nome Israel (ou Reino do Norte) refere-se ao reino independente do norte do território da terra prometida. E Judá (ou Reino do Sul) refere-se à parte sul. A partir da divisão, em Judá ficaram as tribos de Judá e Benjamim, enquanto que as outras tri bos pertencem a Israel.

4. A partir de 1Rs 17 a atenção volta-se para Elias, a vanguarda do movimento profético de então. Semelhante a outros personagens, Elias é de uma importância histórica e teológica sem igual. Ele é a verdadeira encarnação da profecia (um "Mr. Profecia!"). A luta dele contra o rei Acabe e sua esposa Jezabel, na verdade, era a luta pela sobrevivência do Iahwismo frente a ameaça do Baalismo. E Iahweh venceu!

5. Em 2Rs 1-17 temos o ciclo do profeta Eliseu. Em 722 a.C. Israel (Reino do Norte) é derrotado pelos assírios e levado ao cativeiro. Lá desintegra-se como raça. Outros povos são trazidos para o norte e ali misturam-se com os que lá ficaram surgindo daí um povo híbrido. A partir de 2Rs 18 até o final do livro (2Rs 25), a atenção volta-se para Judá. O Reino do Sul é poupado tem-porariamente. A Babilônia sucede a Assíria no domínio internacional e, com planos de expansão, avança sobre Judá. Jerusalém é arrasada em 587 a.C. e Judá vai para o cativeiro babilônico. Porém volta tempos depois. Deus tem interesses messiânicos em Judá!

- 18 -

Page 19: Introdução ao Antigo Testamento

VII. CRÔNICAS

A. O LIVRO

Na tradição do AT, 1 e 2Cr eram um só livro. A divisão do livro em dois foi feita pela LXX. Na colocação dos documentos na Bíblia Hebraica, Cr é o último livro do AT.

Cr é o terceiro maior corpo historiográfico do AT, junto com a história contida em Sm e Rs e a história pré-davídica que se acha especialmente no Pentateuco. O livro cobre toda a história bíblica desde Adão até o edito do monarca medo-persa Ciro, em 538 a.C., que permitiu o retorno do povo de Judá do cativeiro babilônico.

B. AUTORIA E DATA

A obra é anônima e a tradição indica Esdras como seu autor. Muito mais do que isso é difícil afirmar. A mesma dificuldade se verifica na data da redação do texto. O máximo que se pode dizer é que o livro deve ter sido escrito na segunda metade do século V a.C. (ao redor de 430 a.C.).

C. PROPÓSITO

O livro de Crônicas foi escrito para os fiéis do período pós-exí lico, para aqueles que já tinham voltado do cativeiro babilônico e estavam novamente na terra de Israel. Este período trouxe muitos problemas e dificuldades, tanto externos como internos. Através dos episódios relatados no livro, Cr quer estabelecer a auto-compreensão, a consciência da comunidade pós-exílica como uma entidade religiosa, centralizada nas instituições divinas do templo e da dinastia davídica. Quem é este povo? Este é o povo de Deus, filhos de Adão, de Abraão, de Davi, que foi libertado do domínio egípcio e babilônico, que recebeu a terra prometida, que presta culto ao seu Deus no templo de Jerusalém. Este povo é portador da promessa messiânica que beneficiará toda a humanidade.

D. ESBOÇO

O livro mantém a seqüência histórica e pode ser dividido em blocos históricos:1. Genealogia (de Adão a Davi): 1Cr 1-9.2. Davi: 1Cr 10-29.3. Salomão: 2Cr 1-9.4. História de Judá (até o Edito de Ciro, 538 a.C.): 2Cr 10-36.

E. CONTEÚDO

1. Toda a história pré-davídica é coberta nas genealogias. Os nomes vinculados à linha messiânica (Adão, Noé, Abraão, Judá, Davi) recebem destaque na colocação. As genealogias não se acham necessariamente em ordem cronológica. Via genealogias, o povo é colocado na linha da graça criativa e eletiva de Deus. As suas raízes vêm de Adão, de Abraão, de Davi. Trata-se do povo escolhido por Deus do qual virá o Salvador da humanidade.

2. A história do Reino do Norte é quase toda omitida, exceto menções de passagem. Sintomaticamente, há uma concentração nos episódios do reino de Judá, a nação que tem vinculação com a linha messiânica! O autor quer mostrar que o povo pós-exílico é o povo da linha messiânica.

3. Se compararmos Cr com Sm e Rs, logo percebemos algumas adições ou expansões no texto de Cr. Cr suplementa a história anterior, dá uma nova luz que vem de um ângulo diferente. Sm, Rs e Cr separados não dão o quadro completo. Porém juntos complementam-se, dão a visão do todo.

4. Em Cr, duas instituições divinas inter-relacionadas recebem grande espaço e grande ênfase: são o templo e a monarquia davídica. Em 1Cr 22-29 está relatada a contribuição de Davi ao culto no templo. Depois, 2Cr 2-7 volta-se de novo ao templo. Em meio a tudo isto, Davi é a figura chave. Fica de novo evidente o interesse messiânico de Deus e do autor. A história de Cr foi escrita a partir da ótica do Messias!

- 19 -

Page 20: Introdução ao Antigo Testamento

VIII. ESDRAS E NEEMIAS

A. UNIDADE DOS LIVROS?

Os escribas hebreus tratam ambas as obras como um só livro. Na reflexão deles, há indicações que apontam nesta direção. Por outro lado, há evidências que apontam na direção contrária, ou seja, a independência de cada um dos textos como composição separada. No mundo acadêmico o debate a este respeito é acalorado. Não houve acréscimos nem subtrações ao texto.

B. TÍTULO

É evidente que em ambos os livros os títulos estão baseados nos seus principais personagens, Esdras e Neemias.

C. PROPÓSITO

1. Ambos os livros mostram a reconstrução da nação em seus aspectos físico e espiritual. O povo estava voltando do cativeiro e recomeçando sua vida tanto no sentido físico como religioso.

2. Os livros também exibem a proteção de Deus contra os inimigos externos do povo e contra a corrupção interna. Perigos de fora e de dentro rodeavam o povo de Deus. Mas Deus está ao seu lado.

D. ESBOÇO

O esboço segue os acontecimentos históricos do momento:1. Primeiro retorno dos exilados: Ed 1-2.2. Restauração do culto: Ed 3-6.3. Segundo retorno e reformas religiosas de Esdras: Ed 7-10.4. Restauração dos muros (relato autobiográfico de Ne): Ne 1-7.5. Reformas de Esdras e Neemias (atividades de ambos): Ne 8-13.

E. AUTORIA E DATA

A grande questão é saber quem deu a forma final aos livros de Ed e Ne. A discussão entre os estudiosos é muito grande e há muita divisão. A tradição mais antiga atribui a autoria de ambos os livros a Esdras, porém complementado por Neemias (especialmente no livro de Ne).

Se a autoria dos livros é mesmo de Esdras e Neemias, então a data da redação fica lá no século V a.C.

F. IMPORTÂNCIA DE ESDRAS E NEEMIAS

1. No que se refere à história do povo de Deus, os livros de Ed e Ne são mui to importantes para o conhecimento da comunidade de Israel do século V a.C. Fora destas fontes, quase nada se sabia de Israel neste período de existência até pouco tempo. Hoje, achados arqueológicos suplementam o relato destes documentos.

2. Humanamente falando, sem a atuação de Esdras e Neemias, a comunidade dos que retornaram provavelmente teria sucumbido ou se desintegrado no sincretismo religioso. Os perigos externos (inimigos que não queriam a reconstrução da nação) e internos (desleixo espiritual, casamentos mistos, etc.) eram grandes e destruidores. O momento exigia homens de Deus com fé profunda, mente clara e pulso firme. Esdras e Neemias tinham estas qualidades.

3. Vemos em Esdras e Neemias uma verdadeira "dupla dinâmica" a serviço de Deus. Esdras era um escriba ("pastor") e Neemias um leigo (administrador competente). As atividades de ambos são complementares. Neemias fez aquilo que só um leigo fiel é capaz de fazer. E Esdras

- 20 -

Page 21: Introdução ao Antigo Testamento

guiou o povo de volta à aliança com Deus e à reconsagração. Eis um belíssimo quadro de um pastor e um leigo trabalhando harmoniosamente e, com a bênção de Deus, atingindo os objetivos de Deus.

IX. ESTER

A. TÍTULO

Como é evidente, o título do livro vem do principal personagem que é Ester. "Ester", palavra derivada da língua persa, significa "estrela". O nome hebraico de Ester é "Hadassa" (que sig-nifica "murta").

B. AUTORIA

O texto é anônimo, não indica o autor. Uma tradição judaica atribui sua autoria a Mordecai. Uma outra hipótese levantada para a autoria são os nomes de Esdras e Neemias. No entanto não há boa evidência lingüística para sustentar esta posição. A partir do texto, o máximo que conseguimos inferir quanto ao autor é que ele certamente viveu na Pérsia (pois demonstra acurado conhecimento dos costumes persas de então), e pode ter usado os escritos de Mordecai (Et 9.20), as "crônicas dos reis da Média e da Pérsia" (Et 2.23; 10.2) e também a tradição oral como fonte de pesquisa pa ra a matéria do seu livro.

C. DATA

Semelhante à questão da autoria, não há indicação precisa quanto à data. As evidências fornecidas pelo texto parecem indicar um período entre 465 e 330 a.C. como o tempo da redação. Via de regra, os estudiosos conservadores preferem a segunda metade do século V a.C. como a melhor alternativa para a data do livro.

D. PROPÓSITO

O livro de Ester tem propósito duplo:1. Mostrar como Deus em sua providência governa toda a existência humana (bem como o

universo). Nas mãos de Deus estão os destinos de indivíduos e nações.2. Explicar a origem e o fundo histórico da Festa do Purim (ocasião em que os modernos

judeus celebram a libertação do povo da sentença de morte através da instrumentalidade de Ester).

E. ESBOÇO

Uma forma simples de esboçar o livro é como segue:1. Perigo da destruição do povo: Et 1-5.2. Proteção graciosa de Deus sobre seu povo: Et 6-10.

F. CONTEÚDO

1. Sem dúvida, o livro de Ester é uma narrativa atraente, com lances de um verdadeiro filme de aventura: tem mocinho e mocinha, tem bandido, tem suspense e ameaça de morte, tem salvação na hora certa, e tem final feliz. Mas não podemos esquecer: esta é uma aventura em que Deus está presente!

2. O nome de Deus não ocorre no livro. Além disso, o NT não alude a Et. Teólogos liberais usam estes — e outros — argumentos para atacar a confiabilidade do livro de Et. Mas a verdade é que o fato do nome de Deus não ser mencionado de forma explícita no livro não significa que Deus está "fora da jogada" ou que Deus nada tem a ver com o que ali acontece. Deus age em, com e sob as condições naturais. Aquilo que parece mera coincidência, na verdade é libertação e orientação divinas! É Deus intervindo. As circunstâncias naturais são realmente sobrenaturais quando as vemos

- 21 -

Page 22: Introdução ao Antigo Testamento

do ponto de vista de Deus. O fato do povo de Israel escapar da morte pela aparente intervenção casual de Ester, não foi mera casualidade. Pois por detrás da cortina, Deus estava provendo a salvação do seu povo

3. Os acontecimentos do livro de Et fazem parte da história da eleição, do governo especial de Deus em favor do seu povo escolhido. Por que Israel? Porque Deus, em sua sabedoria suprema, elegeu este povo para que, através dele, viesse redenção a todo o ser humano!

L IT ER AT UR A P O ÉT IC A E S AP I E N CI AL

I. POESIA NO AT

O gênero poético tem lugar privilegiado e de muito importância no AT. Não são apenas os livros poéticos que utilizaram este gênero literário, mas os profetas redigiram bons pedaços dos seus documentos em forma de poesia. Boa parte do texto do AT está escrita em forma poética. Basicamente a poesia do AT tem natureza dupla:

1. Natureza didática. Neste sentido, a poesia está preocupada com o aspecto cognitivo do ser humano, com a transmissão de conhecimentos. Verdades divinas ou humanas são transmitidas via poesia. Como exemplo típico pode-se citar o livro de Pv.

2. Natureza lírica. Isto volta-se para o aspecto poético propriamente dito. Neste sentido a poesia do AT visa a expressão dos sentimentos, das emoções, da vida interior do autor, da beleza da forma poética. Exemplo clássico é o livro de Ct.

A característica básica da poesia do AT é o "paralelismo dos membros". Este paralelismo não consiste na rima de sons ou fonemas ao final das linhas (como, por exemplo, na poesia tradi-cional da literatura brasileira). Mas trata-se da rima de pensamentos. Existe uma relação e combinação de idéias e de conteúdos dentro do poema. No Sl 19.1, por exemplo, notamos que a segunda linha repete o mesmo conteúdo da primeira, mas com palavras diferentes. Isto é o "paralelismo do membros" utilizado na poesia do AT. Exemplos semelhantes se encontram, por exemplo, no Sl 83.14,15 e em Pv 15.1.

A forma poética confere um aspecto de vitalidade e beleza sem igual ao texto sagrado. Ao mesmo tempo, intenciona ensinar e transmitir conteúdos divinos ao homem pecador.

II. LITERATURA SAPIENCIAL DO AT

A sociedade intelectual israelita tinha, entre os seus representantes principais, a figura do "sábio". O sábio é aquela pessoa que, ao longo da vida, havia acumulado muita experiência e conhe-cimento, e os transmitia a outros com o objetivo de edificação. Os textos no AT que tratam da transmissão desta sabedoria são classificados como literatura sapiencial. Além de trechos isolados (alguns salmos, por exemplo), o AT tem livros sapienciais (Ec, Pv, Jó).

Há autores que entendem a sabedoria como a disciplina de aplicar a verdade à vida, à luz da experiência. Trata-se da habilidade de lidar com a vida e o universo.

Superficialmente, a sabedoria do AT poderia ser entendida como um mero apelo à razão e ao bom-senso do ser humano, não ao amor de Deus. Na realidade, a literatura sapiencial do AT está inserida no contexto dos textos sagrados da Bíblia e pressupõe a aliança de Deus com Israel. Esta sabedoria do AT se dirige ao israelita que está em aliança com Deus. (Em última análise, se dirige ao fiel, ao cristão.) E oferece conselhos, "dicas" práticas (como, por exemplo, as exortações do livro de Pv) para o dia a dia do fiel. Nós a entendemos como sendo a aplicação da lei em seu terceiro uso: aquele que está justificado agora recebe orientação prática para a vivência cristã diária no mundo.

III. JÓ

A. TEMA DO LIVRO

- 22 -

Page 23: Introdução ao Antigo Testamento

O tema em discussão no livro de Jó é uma questão universal e profundamente existencial. Discute-se a dor na vida do ser humano. Em Jó procura-se resposta à seguinte pergunta: "Por que os justos sofrem?" Muitas respostas são oferecidas a esta questão. Há os que vêem no sofrimento um meio de purificação e crescimento espiritual. Por outro, os caminhos de Deus vão além da capaci-dade e da percepção humanas. O livro de Jó se ocupa disto e passa em revista todas estas (e outras) respostas ao sofrimento do justo. Jó é o protagonista principal e é daí que vem o título do livro.

B. AUTORIA

Jó é personagem histórico. Isto está atestado em Ez 14.14,20 e Tg 5.11. Porém na discussão da autoria do livro, é preciso distinguir entre os elementos históricos propriamente ditos (ou seja, o período histórico em que Jó viveu) e a composição literária (isto é, a época em que o texto foi redigido). Precisamos distinguir o momento histórico do momento literário.

O texto bíblico não apresenta indicação de autor. Uma tradição judaica sugere autoria mosaica ou pré-mosaica. No entanto, esta opinião não tem muita credibilidade. Lutero era da opinião de que Jó foi redigido num período de grandes produções literárias, ou seja, na época do rei Salomão. Esta posição tem bons argumentos e muitos defensores.

De tudo isto, o que sobra é que a discussão a respeito da autoria de Jó é questão comple-xa. Uma resposta definitiva não é tão simples.

C. MOMENTO HISTÓRICO

Apesar de não se poder decidir definitivamente, o texto sugere algumas evidências muito fortes para o momento dos eventos históricos:

1. Todo o texto transpira um ambiente cultural que não é hebreu. Ele parece indicar um local fora do território de Israel.

2. As evidências internas (costumes, povos, linguagem) sugerem uma data antiga.3. Da perspectiva da arqueologia, o ambiente histórico do livro parece apontar para o início

do segundo milênio a.C.Portanto, ao que tudo indica, parece que Jó viveu no período patriarcal e, talvez, num local

fora, não muito longe de Israel.

D. MOMENTO LITERÁRIO

A expressão "momento literário" refere-se à ocasião em que o texto do livro de Jó foi redigido. Os estudiosos apresentam várias propostas que vão desde a época patriarcal até o período pós-exílico. A grande maioria dos estudiosos conservadores prefere o reinado de Salomão como o período mais propício para a redação do texto de Jó.

Do ponto de vista literário, é preciso considerar que o texto não exibe um diálogo ocasional. Os diálogos registrados no livro não são reproduções literais das conversas exatamente como foram proferidas pelos interlocutores quando dialogavam. Na composição do texto houve atividade literária criativa e elaboração artística. No texto, os interlocutores não estão tão preocupados em convencer-se uns aos outros, mas, na verdade, querem convencer a nós, leitores, que somos a audiência invisível. Esta é uma característica que marca a singularidade do livro de Jó.

E. ESBOÇO

A estrutura do livro é muito simples:1. Prólogo: Jó 1-2 (texto em prosa).2. Discursos : Jó 3.1-42.6 (texto em poesia). a. Três ciclos de discursos dos três amigos de Jó: Jó 3-14; 15-21; 22-31. b. Discurso de Eliú: Jó 32-37. c. Intervenção de Deus: Jó 38.1-42.6.3. Epílogo: Jó 42.7-17 (texto em prosa).

- 23 -

Page 24: Introdução ao Antigo Testamento

F. CONTEÚDO

1. A fidelidade, a piedade, a seriedade de Jó em sua consagração a Deus são paradigmáticas. Sua perseverança é simplesmente exemplar. Quando tudo está contra ele e, ao seu redor, todos se desesperam (até mesmo a sua esposa), ele fica firme. Este é o milagre de Deus. Aos que Deus chama, estes Deus capacita, pela fé, a ficarem firmes e enfrentarem tudo, mesmo sem entenderem bem o que se passa.

2. Num momento de depressão profunda, o texto de Jó 19.25-27 registra a esperança última de Jó: "Sei que o meu redentor vive! Verei a Deus!" A fé projeta Jó para o futuro e para o alto. Quando as respostas humanas nada mais respondem, o coração eleva-se até Deus e dele aguarda a palavra final, mesmo que esta venha só na eternidade.

3. Precisa ficar claro que Jó não é qualquer sofredor. Jó é o homem no contexto da aliança, é o fiel, é o cristão. Apenas pode se identificar com Jó aquele que sofre em aliança com Deus. Existe uma grande diferença entre passar por dificuldades estando ao lado de Deus e sofrer longe do Pai.

4. Deus não nos dá todas as respostas. Mas ele dá A Resposta: Ele mesmo, em Cristo! A resposta de Deus a Jó estava além da realidade humana! Ele mesmo, Deus era a sua resposta. Certamente Jó não sabia o que vinha pela frente, mas Deus se deu a ele. O mesmo acontece hoje. Nem sempre sabemos bem o que está se passando ao nosso redor. Deus nem sempre nos dá a resposta, mas ele nos dá Cristo, o dono de todas as respostas!

IV. SALMOS

O termo "salmo" significa "cântico de louvor". O livro dos Salmos, portanto, é uma coleção de cânticos. Eventualmente também se faz referência ao livro dos Salmos designando-o de saltério.

A. AUTORIA

Nem todos os salmos fornecem sua autoria. Em muitos casos, não há indicação de autor. A única informação que temos a respeito dos salmos se acha nos títulos dos mesmos. Mesmo assim, nem todos os salmos apresentam título. Logo, não temos controle total sobre a autoria destas poesias do AT. Fazendo o levantamento estatístico dos títulos dos salmos, temos o seguinte resultado a respeito da autoria dos mesmos: 34 salmos órfãos (isto é, sem tí tulo); 73 salmos de Davi; 12 salmos de Asafe; 10 salmos dos filhos (ou também descendentes) de Coré (este número chega a 12 salmos se incluirmos os Sl 43 e 88); 2 salmos de Salomão (Sl 72 e 127); 1 salmo de Hemã, o ezraíta (Sl 88); 1 salmo de Etã, o ezraíta (Sl 89); 1 salmo de Moisés (Sl 90).

B. DIVISÃO

Na tradição do AT, os salmos estão divididos em 5 livros, cada um terminando com uma doxologia. O último salmo (o 150) forma uma doxologia ao livro V e a todo o livro dos Sl. De forma semelhante, o Sl 1 serve de introdução a todo o saltério. A divisão dos 5 livros é a seguinte: Livro I: Sl 1-41; Livro II: Sl 42-72; Livro III: Sl 73-89; Livro IV: Sl 90-106; Livro V: Sl 107-150.

Não temos informação a respeito do processo que deu forma ao livro dos Sl tal qual se encontra hoje. Certamente foi um processo longo e complexo. Ao que tudo indica, o livro de Sl é talvez uma coleção de coleções anteriores e envolveu muitos personagens no transcorrer do tempo.

C. TÍTULOS

Alguns títulos de salmos oferecem alguma informação quanto à circunstância histórica do salmo. Esta informação é um elemento precioso para a compreensão e interpretação do salmo. Um bom exemplo é o título do Sl 51. Outros títulos também oferecem alguma orientação musical relacionada com o texto (como, por exemplo, o título do Sl 59).

O enigmático termo "selá" (no Sl 46.7, por exemplo) aparece 71 vezes em 39 salmos. Este termo hebraico carece de explicação precisa. Há muita especulação em torno do assunto. Talvez seja uma anotação musical, ou mesmo indicação de um interlúdio ou refrão. Mas nada de definitivo pode ser afirmado.

- 24 -

Page 25: Introdução ao Antigo Testamento

D. CLASSIFICAÇÃO

Classificar os salmos é tarefa não tão simples. Depende muito dos critérios estabelecidos. O resultado pode acabar sendo superficial. Várias classificações são propostas por diferentes au-tores. Há porém três tipos básicos:

1. Hinos. Esta é uma classificação genérica. Neste grupo inclui-se composições para as reuniões no santuário a fim de louvar a Deus. Exemplos: Sl 46, 76, 96, etc.

2. Lamentos. Como diz o nome, o lamento expressa a dor ou a confissão do seu autor. Este lamento pode ser individual ou coletivo. Exemplos: Sl 6, 36, 44, 51, etc.

3. Ações de graça. Ao contrário dos lamentos, este tipo de salmo manifesta a alegria e/ou a gratidão (individual ou coletiva) do salmista. Exemplos: Sl 30, 34, etc.

Além dos salmos acima mencionados, dois outros tipos merecem atenção especial. São eles:

1. Salmos messiânicos. São os salmos que fazem alusão ao messias vindouro. Exemplos: Sl 2, 110, etc.

2. Salmos imprecatórios. Nestes salmos o autor pede que Deus vingue (ou destrua) o seu inimigo. Exemplos: Sl 35, 58, 69, 109, 137, 139, 149, etc. Há os que questionam o conteúdo destes salmos. Veja, por exemplo, o Sl 58.6ss. Estas palavras indicam falta de amor? Na verdade é o autor divino (Deus Espírito Santo) que está falando através do escritor humano. Deus quer que isto seja dito! Este tipo de linguagem é manifestação da lei de Deus em seu sentido mais duro aos que, em última análise, lhe são adversos.

E. SALMOS FORA DO SALTÉRIO

Naturalmente os salmos não figuram apenas no saltério. Eles estão espalhados por todo o AT. Há também salmos no NT (por exemplo: o Magnificat, salmo de Maria em Lc 1; o Benedictus, salmo de Zacarias também em Lc 1).

F. CONTEÚDO

1. O saltério exemplifica a reação interna do fiel de todas as épocas dentro do contexto da aliança. Os salmos são a expressão do que se passa no coração do filho de Deus. Como as reações internas independem do tempo e do espaço, sempre nos identificamos com o escritor sagrado. Porém, o real sujeito dos salmos não é o homem, mas sim Deus. Via escritor inspirado, é Deus que está falando no saltério. Com sentimentos humanos, Deus expressa os seus "sentimentos".

2. Em certo sentido, é impossível separar Sl do livro de Lv. Enquanto o saltério mostra o que se passa por dentro do adorador, Lv aponta para o que se passa por fora, mostra o cerimonial li-túrgico. Ambos, Lv e Sl, complementam-se.

V. PROVÉRBIOS

A. O LIVRO

O livro de Pv é uma coletânea de afirmações dos sábios apresentando conselhos práticos para a vida do seus leitores. A grande maioria destas afirmações foram redigidas pelo sábio rei Salo-mão. Sua sabedoria se tornou paradigmática no AT (veja o testemunho de 1Rs 4.32). Pv é o corpus de maior representatividade da literatura sapiencial do AT.

B. PROPÓSITO

O propósito de Pv é instruir o leitor nos princípios e nos caminhos da sabedoria (Pv 1.7). O livro contém conselhos práticos para uma vida coerente com a fé professada pelo fiel. Os escritores dos provérbios pressupõem o contexto da aliança. Fica subentendido que o leitor está em aliança com Deus pela fé. A partir disto oferecem a orientação prática de seus provérbios. Portanto, Pv

- 25 -

Page 26: Introdução ao Antigo Testamento

precisa ser entendido a partir da perspectiva do contexto canônico da Escritura. À luz de outros textos interpreta-se as suas afirmações.

C. AUTORIA E DATA

O livro de Pv, na verdade, é uma coleção de coleções. Ele apresenta várias coleções, vários agrupamentos de provérbios. O principal de seus autores é Salomão que, segundo 1Rs 4.32, escreveu "3000 provérbios e 1005 cânticos".

As coleções de provérbios e seus autores são os seguintes:1. Pv 1-9: Salomão (1.1).2. Pv 10.1-22.16: Salomão (10.1).3. Pv 22.17-24.22 e 24.23-34: Duas seções atribuídas aos "sábios" (o termo "sábio" ocorre em 22.17 e 24.23).4. Pv 25-29: Seção compilada pelos "homens de Ezequias" (25.1).5. Pv 30-31: Dois apêndices escritos por Agur (Pv 30) e Lemuel (Pv 31), a respeito dos quais pouco sabemos.

Tendo em vista estas diferentes coleções, cada uma delas certamente teve a sua data de redação. Isto vai desde o período de Salomão (o início do seu reinado foi em cerca de 961 a.C.) até depois do tempo do rei Ezequias (que morreu cerca de 687 a.C.). Ao todo, dá um período de cerca de três séculos. Fica muito difícil definir a data precisa de quando o texto de Pv recebeu a forma tal qual o temos hoje.

D. CONTEÚDO

1. O tema da sabedoria ocupa posição de destaque no texto, especialmente no início do livro, nos capítulos 1 a 9.

2. Pv tem algo a dizer sobre quase todas as facetas da vida. O alcance do seu conteúdo é muito vasto. O cristão sempre achará algo que, a partir de Cristo, se aplica à sua vida e ao seu dia a dia.

3. O destaque vai para a perícope em forma de poema que encerra o livro (Pv 31.10-31). No original, este poema é um acróstico onde cada linha inicia com uma consoante hebraica em ordem alfabética. A mulher virtuosa, cristã e eficiente, sua casa e sua família são aqui caracterizadas com palavras e figuras lindíssimas.

VI. ECLESIASTES

A. DESTINATÁRIO

O livro de Ec pertence à classe da literatura sapiencial. O pregador dirige-se a uma assembléia pública. Ele não se volta somente aos iniciados na sabedoria (ou seja, aqueles que conhecem o seu contexto e estrutura), mas visa também os de fora (o público externo), público em geral cuja sabedoria ainda é a deste mundo. Neste sentido, Ec tem muita matéria para início de diálogo evangelístico. Isto aponta para a utilidade missionária do livro. A partir de Ec, inicia-se a conversa evangelística que termina em Cristo.

B. AUTORIA E DATA

O nome do autor não é expressamente mencionado no livro. Porém Ec 1.1 reporta-se ao "filho de Davi, rei em Jerusalém", expressão tradicionalmente atribuída a Salomão. Em círculos libe-rais questiona-se muito a autoria salomônica. No entanto, os argumentos pró-Salomão permanecem de pé.

Se a autoria é de Salomão, a data da redação evidentemente é a do período salomônico (século X a.C.).

- 26 -

Page 27: Introdução ao Antigo Testamento

C. GÊNERO LITERÁRIO

Ec pertence à classe da literatura sapiencial. Entretanto este documento tem sua a singularidade, tem sua marca própria no contexto canônico. Pode-se entender Ec como uma confissão na forma de uma narrativa auto-biográfica. Momentaneamente o autor faz de conta que não está em aliança com Deus. Ele está filosofando sobre a existência humana a partir de pressupostos puramente imanentes (terrenos, humanos). E reflete sobre a vida humana e os com-ponentes da mesma. Em sua reflexão, o autor toma o leitor pela mão e caminha com ele pela vida. Sua conclusão é que, fora da aliança com Deus, "tudo é vaidade e correr atrás do vento!" Ao final do livro é que ele volta novamente a enfocar a existência a partir da ótica "acima do sol", ou seja, do ponto de vista de Deus. A visão cristã vem ao final e é aí que está o ponto alto do livro. Já que tudo é vaidade e nada sobra, o que resta ao homem, se ele quer ter final feliz, é "temer a Deus e guardar os seus mandamentos, pois Deus trará tudo a juízo!" (Ec 12.13,14)

D. ESBOÇO

Esboçar Ec pode ser um empreendimento sem grande recompensa. Uma tentativa é a que segue:1. Prólogo: Ec 1.1-11.2. A vaidade de todas as coisas: Ec 1.12-6.12.3. Palavras de sabedoria: Ec 7.1-12.7.4. Epílogo: 12.8-14.

E. PROPÓSITO

Por um lado, o livro quer mostrar a inutilidade de qualquer cosmovisão que não ultrapasse o horizonte do próprio homem. Se a vida e a esperança de alguém ficam apenas nas coisas "debaixo do sol", deste mundo, sem Deus, então "tudo é vaidade e correr atrás do vento!" Fora de Deus a vida não tem significado e leva a nada. Por outro, o livro apresenta a cosmovisão que reconhece Deus como o padrão e valor supremos da vida. A aliança com Deus confere uma perspectiva nova, uma perspectiva divina à existência. Em outras palavras, sem Cristo nada temos, com Cristo tudo temos.

F. ATUALIDADE DO LIVRO

A forma como os temas são abordados em Ec são de uma relevância e atração muito grandes. Até lembra o filosofar existencial. Toda a existência terrena e projetos humanos são submetidos a teste e passados em revista. A atualidade do livro de Ec é muito grande. Tem-se a impressão, às vezes, que Ec é uma preciosidade bíblica um tanto esquecida.

VII. CANTARES

A. CLASSIFICAÇÃO

No mundo acadêmico discute-se muito se o livro de Ct realmente pertence à classe dos livros sapienciais. Os estudiosos estão divididos quanto a este ponto. O livro não é explicitamente di-dático. Por outro, o tema de Ct é central na literatura sapiencial. Sem dúvida, Ct é uma das grandes (se não a maior) composições líricas da Escritura Sagrada.

B. TEMA

O tema do livro de Ct é o amor de Salomão pela jovem sulamita (6.13) e a afeição desta por ele. Todo o livro gira ao redor deste relacionamento.

- 27 -

Page 28: Introdução ao Antigo Testamento

C. AUTORIA E DATA

Apesar de questionada por teólogos liberais (à semelhança do livro de Ec), a autoria salomônica de Ct permanece de pé. O próprio texto a apóia (Ct 1.1). Há pelo menos seis referências a Salomão (1.5; 3.7,9,11; 8.11). O interesse do livro pela história natural, pela flora e pela fauna corresponde ao conhecimento enciclopédico de Salomão conforme registrado em 1Rs 4.33. O luxo real sugerido pelo texto bem como referências geográficas parecem apontar para um período anterior à divisão da monarquia em Israel.

Se a autoria do livro é salomônica, evidentemente a data de redação do mesmo é do período de Salomão (século X a.C.).

D. INTERPRETAÇÃO

Este é o ponto mais debatido no livro de Ct: como se deve interpretar este documento? Ct certamente não é alegoria. A simples interpretação literal também não resolve a questão e nem ex-plica convincentemente a razão da existência do livro. Desta forma, é preciso haver uma base histórica e literal que conduz o intérprete ao significado subseqüente do livro. Ct descreve o matri-mônio, o amor humano aqui neste mundo. Mas, na verdade, este amor humano é eco do amor divino e transparência de outra ordem de amor perfeito. Na figura do rapaz e da moça e seu relacionamento amoroso, vemos Deus em relacionamento com Israel, sua noiva. (Este tema é muito bem desenvolvido pelo profeta Oséias.) Em última análise, lemos Ct à luz de Cristo e sua noiva. Cristo é o noivo, a Igreja sua noiva.

L IV R O S P R OF ÉT I CO S

P R E L I M I N AR E S

O estudo, compreensão e interpretação da profecia do AT têm sido uma das mais difíceis tarefas. Muito abuso tem sido cometido contra os textos proféticos. Há muita percepção unilateral ou mesmo falta de compreensão do seu real conteúdo. Por isso, o estudo da profecia do AT (bem como os outros livros bíblicos) exige humildade, cuidado e atenção a fim de que esta tarefa seja desin-cumbida a contento e esteja sincronizada com os reais interesses de Deus. Para tal, o auxílio divino é simplesmente imprescindível. E este nos é garantido pelo próprio Deus (Jr 29.13)!

O profeta é o proclamador, o embaixador, o mensageiro que anuncia uma notícia. O profeta é alguém enviado com uma mensagem a ser proclamada. O profeta bíblico é alguém que traz uma mensagem divina, que age como porta-voz de Deus, é o mediador da vontade de Deus. (Veja Dt 18.18-19.) O profeta proclama lei (admoesta, exorta, ameaça, anuncia catástrofes e castigo) e evangelho (consola, prega a misericórdia, aponta para o Messias). O profeta foi chamado pelo próprio Deus. Este chamado cria nele convicção, fidelidade e coragem. Os profetas falavam com autoridade divina: "Assim diz Iahweh (o SENHOR)!" A proclamação profética do AT se fazia com pa-lavras (como, por exemplo, em Jl 1.1) ou com atos simbólicos (exemplo em Ez 4.1ss). A linguagem por eles usada era digna, sublime, poética, pitoresca, forte, impressionante. Com freqüência, os profetas anunciavam a verdade nua e crua, sem meias palavras!

É preciso ter em mente que profecia não é primordialmente predição do futuro. Esta é a compreensão popular do termo. A profecia pode incluir o futuro (e com freqüência o faz), mas esta não é a sua característica principal. No sentido bíblico, profecia é a proclamação do conselho de Deus aos homens.

No sentido amplo, o profeta e a profecia existem desde o início da revelação de Deus aos homens. Bons exemplos são as passagens relacionadas com o proto-evangelho (Gn 3.15), Enoque (Jd 14), Noé (2 Pe 2.5), Abraão (Gn 20.7), Moisés (Dt 18.15; 34.10), Miriã (Êx 15.20), Débora (Jz 4.4). Também Elias, Eliseu, Natã, (2Sm 12). O título de profeta também é aplicado a Cristo (Mt 16.14). Porém no sentido estrito, o profeta era aquele que tinha o chamado específico para o exercício do ministério profético. Se bem entendido, quase podemos dizer que o profeta era o "profissional" da profecia (Elias, Natã, Isaías, Amós, etc.). A partir da época de Samuel passa a existir a instituição do "ofício de profeta". Trata-se de pessoas formadas em "escolas", que se torna-

- 28 -

Page 29: Introdução ao Antigo Testamento

vam conselheiros dos reis ou críticos dos governantes. Samuel presidia um grupo de profetas (1Sm 19.20), Eliseu é mencionado junto aos "discípulos dos profetas" (2Rs 4.38; 6.1).

Os livros do AT dividem-se em livros históricos, poéticos e proféticos. Os livros proféticos, por sua vez, subdividem-se em Profetas Maiores (Is, Jr e Ez) e Profetas Menores (tecnicamente denominados de "Os Doze"). Os termos "maior" e "menor" reportam-se não à teologia dos profetas mas à extensão dos textos. Apesar da posição que ocupam na versão brasileira, os livros de Dn e Lm não são classificados como livros proféticos propriamente ditos na tradição hebraica.

Os profetas cujos documentos acham-se registrados no AT são denominados de profetas escritores ou profetas canônicos. Aqueles que não deixaram registro na Escritura (como, por exemplo, Elias, Eliseu, Natã, e outros) de igual modo exerceram um ministério legitimamente profético no verdadeiro sentido do termo.

Via de regra, identifica-se períodos na história da profecia. A data que serve como ponto de referência para tal classificação é 587 a.C., ocasião em que Jerusalém sucumbiu diante de Nabu-codonosor e o Reino do Sul (Judá) foi levado para o exílio babilônico. Do ponto de vista cronológico, os livros proféticos do AT são divididos em três grupos:1. Profetas pré-exílicos: Obadias, Joel, Jonas, Amós, Oséias, Isaías, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias e Jeremias.2. Profetas exílicos: Ezequiel, Daniel e Jeremias (em parte).3. Profetas pós-exílicos: Ageu, Zacarias e Malaquias.

A teologia liberal tem esvaziado os livros proféticos de seu conteúdo real. Nega a inspiração divina, desacredita o elemento supranatural (predições, anúncios messiânicos, etc.), reduz os profetas a pregadores de reformas sociais voltados apenas para o seu momento histórico. Enfim, segundo estes, os livros proféticos são documentos meramente humanos, não muito diferentes da literatura produzida pelos grandes escritores da humanidade. Rejeitamos esta compreensão. O texto afirma que Deus escolheu homens para serem profetas e os capacitou do alto para que executassem a sua importante e divina tarefa. Os livros proféticos do AT de forma alguma são apenas documentos do passado e os profetas apenas homens para o seu momento histórico. Ao contrário, os seus escritos são dotados de uma mensagem vigorosa e de uma atualidade vibrante. O nosso século carece da mensagem profética do AT. Certamente Deus Espírito Santo deseja falar à nossa geração, à nossa igreja e a nós mesmos através da voz profética do AT.

O S P R OF ETAS M AIO R E S

I. ISAÍAS

A. O PROFETA

O nome "Isaías" significa "Iahweh é salvação". O profeta era filho de Amoz (1.1, de quem nada se sabe). Segundo a tradição judaica, Amoz era irmão do rei Amazias (pai do rei Uzias) e Isaías teria sido primo do rei Uzias. Tinha descendência real, portanto. Mas não há como verificar esta tradição. Isaías era da tribo de Judá, talvez de Jerusalém. Morava na capital Jerusalém e lá exerceu o seu ministério. Casou-se com "a profetiza" (8.3) e os dois filhos mencionados no texto receberam nomes simbólicos (7.3; 8.1-4). Foi chamado por Deus em 742 a.C., ano em que faleceu o rei Uzias (6.1). Talvez tenha vivido até depois da morte do rei Ezequias (687 a.C.). Profetizou até cerca de 700 a.C. (ou mais). O seu ministério durou uns 50 anos. Uma antiga tradição (que não podemos comprovar) diz que o profeta sofreu martírio nos dias do rei Manassés, tendo sido serrado ao meio (para tal invoca-se a passagem de Hb 11.37).

B. ÉPOCA DO MINISTÉRIO

Isaías exerceu o seu ministério no período dos reis Uzias (também chamado Azarias em 2Rs 14), Jotão, Acaz e Ezequias (1.1). A sua atividade profética se deu num momento crítico da história de Judá (Reino do Sul). O poder da Assíria estava em ascensão. Judá estava sob ameaça. Em conseqüência, dois grupos levantaram-se dentro da nação: como forma de escapar do perigo, um buscava aliança com o Egito, outro com a Assíria. Isaías pregava que se apegassem a Iahweh.

- 29 -

Page 30: Introdução ao Antigo Testamento

Este período foi um momento decisivo na vida da nação. Foi durante o ministério de Isaías no Sul que o Reino do Norte sucumbiu, foi invadido pela Assíria e seus habitantes levados para o exílio.

C. ESBOÇO

Um esboço simples do livro é como segue:1. Is 1-12: Oráculos contra Judá e Jerusalém.2. Is 13-23: Oráculos de julgamento contra as nações.3. Is 24-27: Julgamento cósmico e libertação final de Israel. 4. Is 28-35: Advertências proféticas.5. Is 36-39: Narrativa histórica (Isaías, Ezequias, Senaqueribe).6. Is 40-66: Textos messiânicos e/ou escatológicos.

A grosso modo, na primeira parte do livro (1-39) predominam os oráculos condenatórios, enquanto que na outra metade destaca-se a proclamação de consolo (particularmente a pregação messiânica). Ou seja, percebemos pregação de lei e evangelho.

D. AUTORIA E DATA

Isaías escreveu todo o livro que leva o seu nome. No entanto isto tem sido posto em dúvida por estudiosos liberais. Alguns acham que os capítulos 40-66 foram escritos por um profeta desco-nhecido, denominado "Dêutero-Isaías", ao final do exílio babilônico. Ainda outros acham que os capítulos 56-66 foram redigidos por um terceiro personagem, o "Trito-Isaías". No entanto estas posi-ções carecem de fundamento firme. As evidências apontam para a autoria única do livro. A tradição da autoria isaiana é firme e antiga, existente desde os tempos do livro (apócrifo) de Eclesiástico (190-180 a.C.). Além disso, o testemunho do NT é decisivo. O NT simplesmente desconhece os "outros Isaías". (Como exemplo, veja Jo 12.38-41 onde se faz menção de Is 53.1 e 6.9.)

Se o próprio Isaías é o autor do livro, então a data da redação do texto é durante período do ministério do profeta. Cabe registrar que a qualidade estilística do texto é excepcional. O profeta demonstra grande habilidade literária utilizando diferentes estilos em diferentes partes do livro. Isaías é mestre no uso de figuras e recursos poéticos. O vocabulário é igualmente amplo e rico.

E. TEOLOGIA

Isaías é teólogo de primeira linha. Alguns o denominam de "o evangelista do AT". Seu livro apresenta várias ênfases teológicas.

1. Santidade de Deus. Deus é absolutamente santo e transcendente. Ele é o Santo de Israel. (Veja Is 6.) Porém ele se revela, torna conhecidas a sua glória e a sua misericórdia. Percebe-se isto especialmente nos oráculos messiânicos.

2. Fé. Fé é a única resposta correta do homem para com Deus. Não há outra forma de relacionar-se com Deus a não ser pela fé (Is 30.15).

3. Dia do Senhor. Este é o dia final, o dia da vingança do Senhor contra os seus inimigos. Mas também é o grande dia da salvação dos fiéis, dos que permaneceram firmes na aliança com Deus. (Veja Is 2.6-22, especialmente o vers. 12.)

4. Remanescente. O remanescente é composto por aqueles que permanecerão fiéis até o fim. Após o exílio virá a restauração e os fiéis verão a salvação que Deus trará. São os resgatados do Senhor. Is 4.3; 6.13; 35.10.

5. Sião e Messias. Os temas de Sião e do Messias se acham nos oráculos messiânicos que apontam para Cristo e a salvação final na eternidade. Sião é o monte em Jerusalém sobre o qual estava edificado o templo do povo de Deus. Sião, por um lado, aponta para a Jerusalém terrena, por outro é figura da Jerusalém celeste. O Messias é o filho de Davi que reina em Sião. Isto aponta para a eternidade.

6. Servo do Senhor. Esta figura é proeminente na segunda parte do livro e aponta para Cristo. No AT, "servo" é título de grande honra e status. Isto aplica-se à função toda importante a ser cumprida por Jesus. A passagem clássica mais conhecida que refere-se ao "servo do Senhor" se encontra em Is 52.13-53.12.

- 30 -

Page 31: Introdução ao Antigo Testamento

II. JEREMIAS

A. O PROFETA

O nome "Jeremias" é interpretado de formas diversas ("Iahweh estabelece, ou exalta, ou derruba, ou arremessa"). Jeremias era filho de Hilquias, sacerdote em Anatote, terra de Benjamim, perto de Jerusalém (1.1). Foi chamado por Deus no "décimo terceiro ano do reinado de Josias" (1.2; 25.3), ou seja, no ano 627 a.C. Era muito jovem nesta ocasião, tendo talvez não mais do que 20 anos (1.6-7). Foi levado para o Egito após a queda de Jerusalém, em algum tempo depois de 587 a.C. Logo, o seu ministério durou pelo menos 40 anos, se não mais. Mantinha boas relações com o rei Josias, porém teve dificuldades com os outros. Profetizou principalmente em Jerusalém. Por anunciar o cativeiro e exortar o povo a submeter-se a ele (ou arrepender-se), foi considerado como traidor por muitos. Escapou da morte algumas vezes. Foi levado para o Egito, lá profetizou e provavelmente morreu. Era pessoa extremamente sensível, tinha natureza mansa e simpática, porém firmeza nas convicções. Por ordem divina, não casou (16.1-2). Talvez gozasse de boas condições financeiras (em Jr 32.6-15 o profeta compra a fazenda do parente). Jeremias amou seu povo com afeição, mesmo assim foi rejeitado por ele. Uma tradição judaica (que não sabemos se é confiável) afirma que ele foi apedrejado no ano de 580 a.C., na idade de 70 a 75 anos, vítima do ódio de seu próprio povo.

B. MOMENTO HISTÓRICO

Jeremias viveu no período caótico daquele século que seguiu à queda do Reino do Norte. Neste período a Assíria, a Babilônia e o Egito travavam luta feroz pelo supremacia mundial. Jeremias teve que opor-se a jogadas políticas como meio de evitar o cativei ro. O povo não queria aceitar o cativeiro como medida disciplinar vinda da parte de Deus e nem se arrepender. Josias foi o rei piedoso que promoveu a última reforma religiosa de Judá. Depois dele a situação piorou cada vez mais. A pressão das superpotências era intensa. Jeremias foi contemporâneo de Sofonias (Sf 1.1), da profetiza Hulda (2Rs 22.14; 2Cr 34.22), de Ezequiel e Daniel (ambos no cativeiro), e também de Habacuque e Naum (talvez até Obadias entre nesta lista). O período era crítico, porém a proclama-ção do conselho de Iahweh era abundante! Ao final, Jerusalém foi invadida e Judá foi levada para o cativeiro babilônico, apesar de toda advertência de Deus através dos seus profetas.

C. AUTORIA

As evidências internas e externas apóiam a autoria jeremiana. Jeremias ditou pessoalmente a Baruque (seu "secretário") muitas das profecias (36.1-4). Este rolo foi destruído e outro foi escrito com adições (36.27-32). De igual modo, outros textos bíblicos, tanto do AT como do NT, testemunham favoravelmente a Jeremias como o autor do livro. O NT tem alusões implícitas e explícitas a Jr. As tradições antiga, judaica e cristã seguem na mesma direção.

D. ESBOÇO

Um esboço simples do livro é como segue:1. Jr 1 : O chamado do profeta.2. Jr 2-45 : Profecias contra Judá e Jerusalém.3. Jr 46-51: Profecias contra as nações.4. Jr 52 : Apêndice histórico.

É preciso lembrar que os oráculos não estão dispostos em ordem cronológica. Além disso, o livro contém um grande número de notas auto-biográficas. Estamos melhor informados sobre a vida de Jeremias do que a de qualquer outro profeta.

E. PROPÓSITO

1. Mensagem de juízo. O julgamento contra Judá é o tema que perpassa todo o livro. O texto apresenta exortação ao abandono da iniqüidade e condenação da decadência moral e da

- 31 -

Page 32: Introdução ao Antigo Testamento

apostasia. Apenas uma conversão verdadeira poderia salvar a nação do juízo iminente. Em virtude da situação histórica e religiosa do povo, os oráculos do livro de Jr são necessariamente severos e destruidores. Ele prega a lei.

2. Mensagem de consolo. Contra este fundo negro, algumas das mais gloriosas profecias messiânicas do AT estão registradas em Jr (3.16-18; 23.5-8; 31.31-34; 33.14-16; etc.). O cativeiro teria fim, duraria 70 anos (25.11-12; 29.10). Jr traz uma mensagem de consolo ao povo que iria para o cativeiro. Ele também proclama o evangelho.

III. LAMENTAÇÕES DE JEREMIAS

A. TÍTULO

Na tradição do AT, o título tem sua origem na primeira palavra do livro (que também é o primeiro termo dos capítulos 2 e 4) que significa "Como ...!" Provavelmente esta era a forma padrão de iniciar uma lamentação sobre uma cidade destruída.

B. PROPÓSITO

O livro exibe o lamento pelos muitos males que sobrevieram ao Reino do Sul (Judá) e pela destruição da cidade santa (Jerusalém) e do templo de Iahweh. Na época havia o costume de prantear a morte de entes queridos bem como a destruição de cidades. Era uma espécie de "luto" pela cidade caída.

C. AUTORIA E DATA

Lm é uma composição em lamento à destruição de Jerusalém. Foi escrito, portanto, a partir de 587 a.C. (data da mencionada catástrofe) e certamente antes do retorno do povo à sua terra. O texto deixa evidente que o autor foi testemunha ocular do episódio (pois a descrição ali registrada é impressionante). Apesar do livro não declarar explicitamente o seu autor, é tradição antiga entre judeus e cristãos que o seu autor foi o profeta Jeremias. A maioria das versões antigas apóia esta posição. As afinidades entre o livro de Jr e Lm parecem seguir pelo mesmo caminho. Portanto, se Jeremias é o seu autor, o texto foi composto durante a vida do mesmo.

Na tradição do AT, Lm não figura entre os livros proféticos. Porém por causa da sua associação com Jeremias (tido como seu autor), a LXX o colocou após o livro profético (e as demais versões seguem este exemplo).

D. CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Lm é um escrito poético composto por cinco unidades (ou canções) numa estrutura típica da poesia hebraica que é o acróstico. Nesta estrutura, cada verso começa com uma letra do alfabeto. O livro não tem esboço claramente delineado. Cada capítulo (poema) é uma unidade.

E. TEOLOGIA

1. No livro de Lm, o autor lamenta a destruição da cidade santa, Jerusalém, por meio de um povo pagão (os babilônios). O momento é de sofrimento e reflexão sobre o episódio: "Por que Deus permitiu que um povo pagão invadisse e destruísse a cidade de Jerusalém que é a 'menina dos olhos' de Deus?" Apesar da amargura do momento, Lm não põe em dúvida a justiça de Deus. O livro assume que foi o pecado do povo que levou à catástrofe. O livro igualmente reconhece que Deus não destruiu completamente o seu povo. Ainda resta a misericórdia de Deus que, apesar de tudo, acompanha o povo (veja Lm 3.22-39).

2. O colapso da cidade santa é exemplo magnífico da pedagogia divina que visa levar o seu povo ao arrependimento verdadeiro e à fé genuína. É o aspecto de lei, que mais adiante será acompanhado pelo evangelho (reconstrução da cidade). Lm enfatiza a ira justa de Deus. Sem esta, o evangelho perde a sua doçura. A forma como Deus agiu com o seu povo do AT continua sendo o

- 32 -

Page 33: Introdução ao Antigo Testamento

modo como ele educa os fiéis da atualidade. É importante perceber isto e esperar em Deus, pois suas promessas e misericórdia jamais falham.

IV. EZEQUIEL

A. O PROFETA

O nome Ezequiel significa "Deus é forte, Deus fortifica". Ele foi contemporâneo de Jeremias (ao final do ministério deste) e de Daniel. Era filho de um sacerdote chamado Buzi (1.3), e talvez ele mesmo também sacerdote. Recebeu o chamado de Deus em 593 a.C. (1.2: "no quinto ano do cativeiro do rei Joaquim"). Estava entre aqueles que foram exilados já em 598 a.C. pelo monarca babilônico Nabucodonosor. A última profecia datada no livro de Ez é de 571 a.C. (29.17). O seu ministério, portanto, foi de pelo menos 22 anos (593-571 a.C.), se não mais. Na Babilônia morava em Tel Abibe, às margens do rio Quebar (1.3; 3.15), ao sul da Mesopotâmia. Todo o seu ministério foi exercido no exílio. Tinha sua própria casa (8.1), o que indica boas condições de vida para os exilados. Era casado e aparentemente feliz (24.16,18). Sua esposa morreu no dia em que teve início o cerco final de Jerusalém (24.1,15-18). Ele era consultado pelos anciãos (8.1; 14.1; 20.1), às vezes ouvido por grandes multidões. Talvez até fosse estimado pelos seus compatriotas. Pelo menos não há notícia de que fosse hostilizado. Foi o profeta que usava com uma eficácia toda especial os atos simbólicos. Sua vida se tornou uma verdadeira encarnação de sua mensagem. Era talentoso, tinha boa educação e caráter firme, sendo orador eloqüente com grande imaginação.

B. ESBOÇO

O livro é divido como segue:1. Ez 1-24: Oráculos contra os israelitas.2. Ez 25-32: Oráculos referentes aos gentios.3. Ez 33-39: Oráculos da restauração de Israel.4. Ez 40-48: Visão da nova era.

A simplicidade do esboço do livro é visível. Percebe-se uma estrutura fundamental de lei (1,2) e evangelho (3,4). A queda de Jerusalém (no capítulo 33) divide o texto quanto à tônica da sua pregação (antes, juízo; depois, consolo). Um bom número dos oráculos tem data precisa (1.1ss, por exemplo) e a maioria está disposta em ordem cronológica.

C. AUTORIA

Apesar de posições liberais extremadas, a autoria do próprio profeta não é abalada. O texto tem uma disposição uniforme, datação precisa e propósito claro. O profeta escreve na primeira pes-soa do singular (1.1; 3.3; etc.). A canonicidade do livro sempre foi reconhecida pela igreja do AT e do NT.

D. PROPÓSITO

1. Ezequiel deixa bem claro que Deus foi justo em permitir o cativeiro. O povo foi exilado por causa do seu pecado. Esta é a mais pura verdade e os exilados precisam saber e reconhecer isto.

2. Por outro lado, Deus restaurará o seu povo. Esta pregação é válida para o momento presente e para a eternidade. Os exilados voltarão para sua terra. Os fiéis entrarão na vida eterna.

E. TEOLOGIA

1. A proclamação de Ezequiel determinou de forma muito especial o futuro do povo. Sua pregação enfoca a santidade e a glória do Deus justo. Porém, paradoxalmente, esta santidade de Deus está como que "materializada" no templo. A destruição deste, no entanto, não significa que

- 33 -

Page 34: Introdução ao Antigo Testamento

Deus abandonou suas intenções primeiras. O povo voltará. Ezequiel também aponta para o novo Israel que surgirá ao final dos tempos.

2. Ezequiel foi o verdadeiro sustentáculo do povo exilado em terras longínquas e estranhas. Na Babilônia, os exilados estavam cercados por um povo de cultura e religião pagãs. Estavam longe da sua terra e com sua casa de culto destruída. O desânimo era a grande tentação. Havia o perigo fatal de perderem a fé. Era necessário mantê-los firmes e não deixá-los perder a esperança da restauração. Não fosse a pregação do profeta com relação ao castigo merecido pelo povo e sobre a restauração que viria, talvez os exilados tivessem perdido a fé. Mas não era este o interesse de Deus.

V. DANIEL

A. O PROFETA

Daniel significa "Deus é (meu) juiz". Era filho de família nobre, talvez até de linhagem real (1.3,6). Nada é dito sobre o local onde nasceu. Sua infância certamente foi nos dias do rei Jo sias (que promoveu grande reforma religiosa), durante o ministério de Jeremias (a quem talvez teve oportunidade de ouvir). Foi levado cativo ainda novo (juntamente com outros jovens igualmente nobres) para a Babilônia em 605 a.C. (ocasião da primeira investida babilônica contra Jerusalém). Daniel serviu em altos cargos na corte de duas potências mundiais: império babilônico e império medo-persa. Apesar de viver a maior parte de sua vida em terra estranha e estar sujeito a todo tipo de influência, ele permaneceu fiel ao seu Deus e à religião de seus pais. Sua fidelidade e piedade eram exemplares, mesmo correndo risco de vida. Deus o dotou de muita saúde, bela aparência, e capacidade intelectual invejável. Do mesmo modo lhe foi dada sabedoria para a interpretação de sonhos e visões. Era honrado pelo povo no exílio por causa de sua justiça e sabedoria (Ez 14.14,20; 28.3). Viveu na Babilônia mais de 70 anos. Ele próprio não retornou à Judá, mas viu seu povo fazê-lo. Alcançou boa idade (ao redor dos 90 anos) e nada se sabe com certeza a respeito da sua morte. Os profetas Ezequiel e Jeremias (em parte) foram seus contemporâneos. Daniel é personagem simpático e exemplar na qual sabedoria e prestígio aliaram-se à piedade e seriedade na fé, resultanto daí um servo de Deus no melhor sentido da palavra.

B. AUTORIA E DATA

Em virtude de suas características, há muita controvérsia em torno do livro de Dn, especialmente no que se refere à autoria e época de sua redação. Via de regra, posições liberais negam ao Daniel histórico a sua autoria e projetam a redação do texto para uma data tardia ao redor de 150 a.C. No entanto, as evidências da autoria daniélica são muito fortes. É expressamente dito que Daniel recebeu as revelações contidas no livro (confere, por exemplo, Dn 7.2,28). Os testemunhos do AT e NT e da igreja cristã são favoráveis a Daniel. Outras evidências apontam na mesma direção.

É difícil estabelecer uma data precisa. O livro não a explicita. Certamente foi escrito quando Daniel já tinha idade avançada. Alguns estudiosos arriscam 530 a.C. como uma data razoável.

C. CARACTERÍSTICAS

1. Na tradição do AT, o livro de Daniel não consta entre os livros proféticos, mas figura na seção dos Escritos. Foi a LXX que o trocou de lugar. Isto normalmente se explica pelo fato de Daniel ser, na verdade, um estadista e não um "profeta profissional" (no sentido estrito do termo).

2. No texto original, o trecho compreendido entre Dn 2.4b e 7.28 está redigido em língua aramaica (e não hebraica).

3. Os milagres relatados pelo livro bem como sua natureza apocalíptica (com visões e profecias) têm sido estranhados por alguns. Sua interpretação nem sempre é simples.

4. A Bíblia Católica Romana fez adições apócrifas ao texto canônico do livro de Dn.

- 34 -

Page 35: Introdução ao Antigo Testamento

D. ESBOÇO

A estrutura do livro é bem simples:1. Dn 1-6 : Narrativas.2. Dn 7-12: Visões de Daniel.

E. PROPÓSITO

O livro de Dn visa, em primeiro lugar, confortar os que se encontravam no exílio babilônico. De igual modo, intenciona mostrar que as atuais tribulações e libertações são amostragens e pre-figurações de eventos do final dos tempos históricos. Ou seja, o exílio do povo de Deus não é permanente, e nem os reinos deste mundo (por mais poderosos que possam parecer). Mas o reino eterno de Deus será estabelecido para sempre.

F. DESTAQUES

1. Os capítulos 2 (a grande estátua) e 7 (os quatro animais) referem-se aos mesmos quatro impérios mundiais em sucessão na antiguidade.

2. A expressão "um como o filho do homem" (7.13) foi criada por Daniel e mais tarde assumida por Cristo. Esta expressão "filho do homem" passou a ser o título messiânico por excelên-cia e aponta para Jesus.

3. A oração de Daniel (em 9.1-20) é uma verdadeira jóia do AT e da literatura bíblica, expressão do que de melhor existe em termos de piedade cristã autêntica. O versículo 19 às vezes é denominado de "kyrie eleison do AT".

4. As profecias que seguem ao capítulo 9 não são de interpretação tão simples. Complexos episódios históricos que estavam por vir são usados neste trecho como protótipos de outras realida-des relacionadas com a vida da igreja e seus fiéis.

O S P R OF ETAS M E NO R E S

I. OSÉIAS

A. O PROFETA

Oséias significa "salvação, auxílio". Além do profeta, dois outros personagens conhecidos do AT tinham o mesmo nome: Josué (Nm 13.8,16; Dt 32.44) e o último rei de Israel (2Rs 15.30ss). O profeta era filho de Beeri, de quem nada se sabe. A mando de Deus (1.2), Oséias casou com a prostituta Gômer (1.3, filha de Diblaim) e gerou três filhos (dois rapazes e uma moça) que receberam nomes simbólicos (1.4,6,9). Era natural do Reino do Norte (1.1; 7.5) e foi o único profeta nativo e ativo no Norte (Jonas também nasceu em Israel mas profetizou em Nínive). O versículo inicial do livro menciona quatro reis de Judá (Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias) e apenas um de Israel (Jeroboão II). Não é fácil dizer com precisão o início do ministério de Oséias. Fazendo os cálculos, ele teve um ministério de pelo menos 25 anos. (Alguns estudiosos chegaram a estimar uns 50 ou 60 anos de trabalho.) Foi contemporâneo de Amós, no Norte, bem como de Isaías e Miquéias, no Sul. Oséias demonstra ser conhecedor das localidades do reino de Israel e também das condições de vida no país. Os livros de Moisés e as instituições mosaicas lhe eram familiares. Trabalhou sob condições domésticas muito difíceis (Os 1-3). Com base no vocabulário do livro (4.16; 10.11,12; 9.2), alguns são da opinião de que ele era agricultor. Curiosamente, com base na linguagem de 7.4ss, também levantou-se a hipótese de que Oséias fosse padeiro! Ele foi o último profeta enviado ao Reino do Norte. Alguns o denominam de "profeta do leito de morte de Israel"!

B. MOMENTO HISTÓRICO

- 35 -

Page 36: Introdução ao Antigo Testamento

Sob o monarca Jeroboão II, o Reino do Norte chegou ao auge de seu desenvolvimento. Juntando Israel e Judá, a extensão geo-gráfica chegou a ser a do antigo e glorioso reino de Davi e Salomão, época áurea da história da monarquia do AT. E este foi o último período de prosperidade de Israel. Internamente, o povo estava corrompido. Verificava-se injustiça social e opressão (denun-ciadas principalmente por Amós). No aspecto religioso, ao lado do culto oficial que aparentemente florescia, havia também a falsa adoração, a idolatria. Morto Jeroboão, houve ainda seis reis em rápida e tumultuada sucessão. Tudo isto misturado a rebeliões, assassinatos, pecado e idolatria. E o fim definitivo veio por mediação da Assíria, um instrumento nas mãos de Deus. Em 722 a.C., a capital do Norte, Samaria, foi invadida, e seu povo deportado para não mais voltar.

C. ESBOÇO

Esquematizar o livro de Oséias é tarefa difícil. Propõe-se vários esboços. O livro tem claramente duas partes principais: os primeiros três capítulos (que apresentam a vida familiar do pro-feta) e as demais pregações proféticas. Uma tentativa de esboço simples é o que segue:1. Os 1-3 : Vida familiar do profeta e oráculos variados.2. Os 4-8 : Pecado de Israel.3. Os 9-11: Punição de Israel.4. Os 12-13: Pecado e punição de Israel.5. Os 14 : Promessa e esperança.

D. AUTORIA

A autoria de Oséias sempre foi ponto pacífico. Não há grandes debates quanto a isto. A autenticidade do livro nunca foi posta em dúvida pelas tradições judaica ou cristã. Provavelmente o texto foi redigido ao final do ministério ou da vida do profeta. Seu estilo é retórico e cheio de imagens. Oséias é o mais citado dos profetas menores no NT (cerca de 30 vezes), sendo ultrapassa-do apenas por Isaías e Salmos.

E. O CASAMENTO DE OSÉIAS

O maior debate quanto à interpretação do texto concentra-se em torno do casamento do profeta. A discussão resume-se numa pergunta: o profeta realmente casou com a prostituta ou trata-se de um texto simbólico? Três respostas são oferecidas a esta indagação. E estas são as três posições assumidas pelos diferentes intérpretes do texto:

1. Compreensão alegórica, parabólica ou espiritual. Os estudiosos que assim interpretam o casamento do profeta, entendem que um Deus justo jamais ordenaria um matrimônio com uma prostituta a um de seus mensageiros, ainda mais à luz de claras leis do Pentateuco que condenam os adúlteros (Lv 19.29; 20.10; Dt 23.17,18). Portanto, este casamento foi simbólico ou parabólico, não real. Ele realmente não aconteceu.

2. Casamento real. O Deus que dá ordens contra o adultério é livre para suspendê-las em ocasiões excepcionais visando os seus próprios objetivos. Assim sendo, o profeta realmente casou com uma prostituta. E Deus, com isso, visava ensinar algo a Israel.

3. Posição intermediária. Nesta linha de compreensão, afirma-se que Oséias não estava consciente da real personalidade de Gômer quando ele casou.

No mundo acadêmico as opiniões se dividem entre estas três interpretações e o debate é intenso.

F. TEOLOGIA

1. No momento decisivo, o profeta pronunciou o julgamento final de Israel e entoou o seu canto fúnebre. Mas, ao mesmo tempo, sua voz clamou insistentemente pela volta do povo a Deus. Ao lado da lei, Oséias enfatizou de forma veemente o amor de Deus. Pelo fato de mencionar com insistência o amor de Deus, alguns o chamam de "São João do AT!". Que o povo lembrasse de Deus e voltasse a conhecê-lo e amá-lo. Porém o povo não lembrou a antiga aliança e foi atrás de outros deuses. O resultado foi a destruição sem retorno.

2. O casamento de Oséias foi uma pregação viva, uma encarnação da sua mensagem. É evidente o que Deus intencionava anunciar. Gômer, a prostituta, representava Israel e era a

- 36 -

Page 37: Introdução ao Antigo Testamento

"materialização" da infidelidade do povo para com Deus. Já o profeta representava Deus e "encarnava" seu amor e fidelidade para com Israel, sua "esposa". Seus filhos receberam nomes simbólicos e proféticos. Assim sendo, a vida familiar do profeta tornou-se uma proclamação ambulante do conselho de Deus ao seu povo.

II. JOEL

A. O PROFETA

Joel significa "Iahweh é Deus". O texto afirma que é "filho de Petuel" (1.1) e esta é toda informação explícita que existe sobre o profeta. De resto, o que julgamos saber a seu respeito é inferido do texto de suas profecias. Ele certamente profetizou em Judá e Jerusalém, pois o livro várias vezes menciona Sião, Jerusalém, Judá. Os oráculos de Joel estão centralizados numa praga de gafanhotos e numa seca que afetaram Jerusalém e o templo. Ele dirige-se aos sacerdotes como se vivesse entre eles (1.13-14). Também fala do templo e das ofertas (1.9-13). Anuncia a restauração final do povo de Deus e o juízo divino sobre os inimigos do Senhor.

B. DATA

No mundo acadêmico, o grande debate a respeito do livro de Jl é a questão da data. O texto não apresenta data. Há pouca evidência cronológica no livro. Há duas possibilidades para a data. A primeira é a que entende que Joel é um dos primeiros profetas escritores, talvez precedido somente por Obadias. Neste caso, sua data ficaria por volta do ano 800 a.C. Esta é a posição tradicional. A outra hipótese é a que Joel foi um profeta pós-exílico que viveu por volta de 400 a.C. Esta data é defendida por muitos estudiosos mais liberais. Em suma: é muito difícil decidir a data do ministério do profeta. Aparentemente a posição tradicional é a que melhor sincroniza com o texto. Mas não há como provar (nem por um, nem por outro lado).

C. PROPÓSITO

Por um lado, o livro apresenta uma exortação à humildade e ao arrependimento em vista da certeza da vinda do julgamento do Deus. Por outro, o profeta também registra a vinda certa da salvação de Deus.

D. ESBOÇO

O esboço do livro é simples:1. Jl 1.1 -2.27: Praga dos gafanhotos.2. Jl 2.28-3.21: Bênção e julgamento de Deus.

E. AUTORIA

O livro foi escrito pelo próprio profeta Joel (1.1). A canonicidade do livro é ponto pacífico. A poesia e o estilo do texto são da mais alta qualidade. Jl é citado no NT (At 2.16-21 cita Jl 2.28-32; Rm 10.13 menciona Jl 2.32).

F. CONTEÚDO

1. A questão real em Jl é a relação entre o presente e o futuro, entre o atual e o que há de vir. O ponto de partida do livro é uma grande destruição ocasionada por pragas de insetos e por secas. Esta catástrofe é apresentada como uma figura, uma antecipação do "dia de Iahweh", o grande dia final que está prestes a irromper sobre toda a humanidade. O fato histórico, segundo Jl, lança o nosso olhar para o fato que se dará ao final dos tempos. Os acontecimentos do tempo de Joel fizeram com que o profeta se voltasse e anunciasse as coisas que ainda haveriam de vir.

- 37 -

Page 38: Introdução ao Antigo Testamento

2. Tendo como pano de fundo do dia de Iahweh, Joel anuncia o derramamento do Espírito Santo (2.28-32). Este fato ocorreu no Dia de Pentecoste e foi confirmado pelo apóstolo Pedro (confere At 2.14-21).

3. É preciso atentar para o caráter apocalíptico e escatológico do livro, apesar do seu reduzido tamanho. O profeta Joel enfatiza as coisas do fim, dos últimos tempos.

III. AMÓS

A. O PROFETA

Quando Deus o comissionou, Amós era pecuarista e agricultor (1.1: "entre os pastores de Tecoa"; 7.14: "boieiro e colhedor de sicômoros"). Estas atividades o colocavam muito próximo do povo simples. Mas também o candidatam a membro da classe média do Reino do Sul (Judá). Nesta condição, ele teria tido oportunidade de ter estado em Jerusalém e nos mercados do Reino do Norte (Israel) em transações comerciais. Certamente estas foram ocasiões em que testemunhou in loco o que ali se passava em termos de religião, economia e sociedade. Ele era do sul. Tecoa, sua pequena vila natal, dista menos de 20 km ao sul de Jerusalém e 9 km também ao sul de Be lém. Mas seu ministério se passou no Reino do Norte.

B. DATA DO MINISTÉRIO

O profeta recebeu os seus oráculos "nos dias de Uzias, rei de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel" (1.1). Há referência a um terremoto ("dois anos antes do terre-moto", 1.1) que também foi mencionado por Zc (14.5), cujas evidências a arqueologia desconfia já ter descoberto. Conferindo a cronologia dos reis de Judá e Israel, conclui-se que o ministério de Amós se deu na primeira metade do século VIII a.C., talvez na década de 760-750 a.C. Desta forma, Amós estaria localizado logo depois de Jonas e imediatamente antes de Oséias. Este período é muito bem conhecido tanto de fontes bíblicas quanto extra-bíblicas.

C. PANORAMA HISTÓRICO

Internacionalmente, o período era de vácuo de poder. A Assíria perdera momentaneamente a sua agressividade. O Egito estava com problemas internos. Damasco (na Síria, imediatamente ao norte de Israel) não incomodova. Ambos os reis, Jeroboão II e Uzias, reconquistaram territórios perdidos no passado, fortaleceram e ampliaram seus reinos. Se colocados juntos, os dois reinos perfaziam a maior extensão territorial desde Salomão. Internamente, o tempo era de bonança para ambos os reinos. Aos sucessos militares seguiram segurança interna e prosperidade econômica. Particularmente no Norte florescia o comércio, talvez até com alcance internacional. Construía-se palacetes, os abastados viviam em luxo e festa.

D. REALIDADE RELIGIOSA

A realidade religiosa do povo era deprimente. Havia muita podridão. A classe média contava com poucos e talvez silenciosos representantes. Havia grande abismo entre ricos e pobres. Os ricos ficavam cada vez mais ricos às custas dos pobres que ficavam cada vez mais pobres. O profeta presenciou a injustiça social, o suborno às autoridades, a opressão. Porém, ironicamente, o culto parecia florescer! Sacerdotes e levitas andavam ocupados. Celebrava-se os festivais religiosos, trazia-se ofertas, oferecia-se os habituais sacrifícios. As atividades religiosas eram bem fre-qüentadas. O povo estava lá!

Amós percebeu o que estava acontecendo. Havia o problema social. A prosperidade econô-mica era entendida como manifestação da aprovação divina. Porém na profundeza dos seres humanos estava enraizado o problema teológico. Cultuava-se Iahweh com o intuito de garantir o seu favor. Havia quem acreditava que o tão esperado "dia de Iahweh" traria a recompensa divina ao povo "fiel". Porém o culto não tinha muito a ver com a rotina diária do povo. O rico ia para o san-tuário e trazia o seu sacrifício no sábado, porém roubava, subornava e oprimia no domingo! Os aspectos vertical e horizontal da vida religiosa dos povo estavam dissociados. Eles não percebiam

- 38 -

Page 39: Introdução ao Antigo Testamento

que, em última instância, a adoração genuína se expressa em conduta condizente por parte do adorador. Um correto relacionamento com Deus gera um correto relacionamento com o próximo. Em outras palavras, o culto a Deus se estende além da "bênção" para dentro das atividades da semana, no relacionamento com o próximo.

Este era o quadro: superficialmente florido e enfeitado, porém podre no seu interior. O povo corria sério perigo. Algo tinha que ser feito. E Deus o fez: levantou seu servo Amós, o profeta.

E. TEOLOGIA

1. A missão do profeta Amós era mostrar ao povo do Norte que a situação era grave. Amós foi chamado para pregar que a heresia corrente em Israel, acrescida à longa série de heresias anteriores, estava finalmente enchendo o cálice da ira de Deus ao ponto deste se derramar.

2. Amós mostra ao povo de Israel qual Deus o está chamando ao arrependimento. Não se tratava de um deus qualquer que pudesse se subornado a preço de holocaustos ou sacrifícios. Tratava-se do Deus universal e, por isso, único. Amós enfatiza os atributos da onipotência, da onisciência e da onipresença de Deus, para afiançar-lhes que dele não poderiam escapar, mesmo que o quisessem.

3. O perigo em que Israel se encontrava é enfatizado pelo profeta ao relatar as repetidas vezes em que o povo rejeitou as advertências concretas de Iahweh pela natureza, não se converten-do a ele (4.6-11). Deus permitiu que fome, seca, pragas, peste, guerra, e terremoto sobreviessem ao povo, mas este não voltou para Deus. Por isso Amós conclui, "prepara-te, ó Israel, para te en-contrares com o teu Deus", o Deus todo-poderoso criador, onisciente e onipresente (4.12-13).

4. Amós caracteriza o perigo em que Israel se encontrava ao apontar para o "dia de Iahweh" (5.18-20). Israel, ao contemplar a expansão de seu território, a prosperidade econômica e o florescimento do culto oficial, estava certo que o dia de Iahweh se aproximava. E para eles que acreditavam ter cumprido tudo o que Deus ordenara, principalmente em suas festas religiosas com todo tipo de sacrifícios, este dia seria o dia da vitória final de Deus sobre o restante de seus inimigos e a inauguração de um período de plena prosperidade. Amós, porém, teve que lhes dizer: "Ai de vós que desejais o dia do SENHOR! Para que desejais vós o dia do SENHOR? É dia de trevas e não de luz" (5.18). O "dia do SENHOR" seria uma catástrofe para o povo de Israel, sem qualquer chance de poderem escapar ao juízo de Deus. O dia do SENHOR estava próximo, sim, mas este seria um dia em que seriam consumidos pela ira de Deus.

5. Deus havia marcado um dia de prestação de contas, e Israel estava em falta. O que poderia mudar a sorte de Israel? O profeta não deixa Israel sem esperança. "Buscai ao SENHOR, e vivei" (5.6), conclama o profeta. "Buscai ao SENHOR" significa Israel voltar-se humilde e arrependido ao Deus que, em seu amor, o escolheu e o resgatou com mão poderosa (3.2; cf. Dt 7.6-8). Significa um culto centralizado no Deus da promessa. Significa também conhecer e praticar a vontade ética de Iahweh através de atos de justiça para com o próximo necessitado. Tal volta ao cul-to autêntico a Iahweh resultaria em vida.

F. ESBOÇO

O texto evidencia duas grandes partes no livro de Am:1. Am 1-6: Oráculos contras as nações vizinhas, Judá e Israel.2. Am 7-9: Visões do futuro de Israel.

O livro fecha com belíssima profecia messiânica e escatológica que é retomada e interpretada em At 15.16-17.

IV. OBADIAS

A. O PROFETA E A AUTORIA DO LIVRO

O nome Obadias significa "servo de Iahweh". Este nome era muito comum a partir do tempo de Davi em diante. E o seu nome é tudo que se sabe a respeito do profeta. Nada mais é dito. Nem mesmo o nome do seu pai é revelado. Com um total de 21 versículos, Ob é o menor livro do AT.

- 39 -

Page 40: Introdução ao Antigo Testamento

O nome do autor aparece logo no primeiro versículo. Apesar de não haver menção de Ob no NT, sua autoria sempre foi aceita pela igreja do AT e do NT.

B. PROPÓSITO

O livro consiste numa denúncia das maldades de Edom, a sua destruição, e a salvação de Judá no Dia de Iahweh. Seu propósito básico, portanto, é dois: 1) Proclamar que as ações de Edom contra Judá serão punidas; 2) Anunciar que Judá será exaltado.

C. MOMENTO HISTÓRICO E DATA DO LIVRO

Esta é a grande discussão. Ob talvez seja o livro mais difícil do AT no que se refere à data. Não se conhece com exatidão a época em que Obadias atuou. A data do ministério vai depender da interpretação que se dá aos versículos 11-14 do livro. Ali se fala de uma devastação da cidade de Jerusalém na qual os edomitas participaram. A dificuldade reside em descobrir quando foi que isto aconteceu. No transcorrer de sua história, Jerusalém foi invadida e saqueada várias vezes (cinco, ao menos). A qual delas se refere Obadias? Não há indicação no livro. Posto isto, não é difícil imaginar a discussão em torno de diferentes hipóteses levantadas pelos estudiosos do livro. Em resumo, há três possibilidades básicas para a data do livro:

1. Período ao redor de 850 a.C. O ataque a Jerusalém teria acontecido no reino de Jorão de Judá (cerca de 849-842 a.C.). Isto faria de Obadias o primeiro dos profetas escritores, anterior até mesmo a Joel (uns 20 anos, talvez).

2. Data ao redor de 450 a.C. Nesta ocasião, segundo alguns, tribos árabes pressionaram o território edomita e estes (os edomitas) moveram-se para o sul de Judá investindo contra Jerusalém.

3. Época da queda de Jerusalém em 587 a.C. Há evidências da cumplicidade dos edomitas na catástrofe da destruição de Jerusalém. Ez 25.12-14; Lm 4.21-22; Sl 137.7.

Apresenta-se argumentos em favor das três possibilides. É difícil decidir definitivamente.

D. ESBOÇO

Como esperado, o menor livro do AT tem um esboço simples:1. Ob 1-14: Oráculo contra Edom.2. Ob 15-21: O Dia de Iahweh.

E. CONTEÚDO

1. Não há, em Ob, profecia messiânica no sentido estrito do termo. No entanto, é impossível deixar de ver relação entre Sião (tema mencionado em Obadias) e o Messias de Judá. Sião é o lugar do Messias.

2. Assim como, numa amplitude maior, Judá é a nação que representa o povo de Deus em todas as épocas, de forma semelhante Edom se torna o representante dos inimigos (em todos os tempos) do povo de Deus. Como conseqüência, conclui-se que quem é inimigo do povo de Deus, também é inimigo de Deus! Estar contra a Igreja de Deus, é estar contra o próprio Cristo!

V. JONAS

A. O PROFETA

O nome Jonas significa "pomba". A única menção a Jonas no AT (fora do próprio livro do profeta) se acha em 2Rs 14.25. O profeta era um israelita, filho de Amitai, procedente de Gate-Hefer, na terra de Zebulom, ao norte de Nazaré (Galiléia). Foi expressamente enviado por Deus para pregar em Nínive, capital da impiedosa e sanguinária superpotência de então, a Assíria. Aparentemente, Jonas era um nacionalista ferrenho. Daí se entende sua recusa ao chamado e tentativa de fuga à ordem de Deus.

- 40 -

Page 41: Introdução ao Antigo Testamento

B. AUTORIA

Nem o próprio livro e nem o restante da Escritura afirmam explicitamente que Jonas redigiu o documento que leva o seu nome. No entanto não há motivo para duvidar que Jonas é o autor do li -vro. Isto é posição segura nas tradições judaica e cristã, e o NT não a questiona. Apesar de interpre-tações liberais divergentes, a autenticidade e canonicidade do texto permanecem.

C. DATA

O testemunho de 2Rs 14.23-25 vincula o ministério do profeta a Jeroboão II, rei de Israel (Norte) no período aproximado de 786-746 a.C. Assim sendo, muitos localizam o trabalho de Jonas no tempo compreendido entre 775 e 750 a.C. Isto faz de Jonas um contemporâneo imediatamente anterior a Amós (no Norte), talvez também contemporâneo de Isaías e Miquéias (no Sul). Há quem afirme que quando Eliseu estava encerrando o seu ministério, Jonas o iniciava. Conforme uma tradição judaica, Jonas teria sido discípulo do profeta Eliseu.

D. INTERPRETAÇÃO DO TEXTO

O livro de Jn é o texto clássico onde se revela a posição do teólogo. É ponto de referência entre liberais e conservadores. É onde se percebe, também, qual a postura hermenêutica (princípios de interpretação) do teólogo. O texto de Jn é visto a partir de dois ângulos.

1. Posição liberal. Entende o livro como uma ficção literária onde os episódios e personagens ali mencionados não são reais nem históricos. O livro é tido como lenda, alegoria, parábola, novela, etc., mas não relato de episódios dignos de confiança histórica. Entre outros, o episódio do grande peixe (1.17) é particularmente intragável!

2. Posição conservadora. Compreende o livro como relato histórico de fatos verdadeiros. Entre outros argumentos, o testemunho de Cristo (e do NT) tem um peso todo especial e convincente (Mt 12.39-41; Lc 11.29-32). Para Cristo, Jonas é personagem histórico! (Mt 12.41: "Ninivitas se levantarão e ...") Além disto, Jonas é o único profeta com quem Cristo compara-se diretamente (Mt 12.40)!

Não se pode negar, é verdade, que existe uma abundância do fato sobrenatural (milagres) num texto tão curto como o do livro de Jn. No entanto, o que aí está acontecendo é a atuação de Deus tendo a sua onipotência como pano de fundo. Como todo o sobrenatural da Bíblia, o Deus cristão é o Deus onipotente. O Deus que do nada criou o universo, é o Deus que ressuscitou o seu Filho da morte, bem como o Deus que, com todo o poder, dirige o curso deste mundo segundo a sua divina sabedoria que está muito além da capacidade humana. Os episódios de Jn mostram o Deus onipotente em ação buscando os gentios.

E. PROPÓSITO

O propósito do livro é triplo:1. O texto faz clara demonstração da onipotência de Deus.2. Jonas é apresentado como tipo do Messias.3. Quando Jonas é enviado a uma nação gentia, manifesta-se o interesse de Deus por todos os seres humanos.

F. ESBOÇO

A estrutura do livro é muito simples:1. Jn 1-2: O primeiro chamado e a desobediência do profeta.2. Jn 3-4: O segundo chamado e a atuação do profeta.

G. CONTEÚDO

1. Não podemos deixar de ver no "sinal de Jonas" (Mt 12.29; Lc 11.30) o profeta como um tipo, uma antecipação de Cristo, como o próprio mestre Jesus o interpreta. O profeta no ventre do

- 41 -

Page 42: Introdução ao Antigo Testamento

grande peixe antecipa Jesus "no ventre" da morte. Como o profeta saiu desta situação com vida, também Jesus venceu a morte na sua ressurreição.

2. Por outro, está presente o direcionamento evangelístico universal. Em virtude de sua fama de invasor cruel, Nínive (ou a Assíria) certamente seria o último lugar onde Jonas iria pregar o evangelho! Mas Deus o envia exatamente para lá! Quase podemos denominar Jonas como o "primeiro apóstolo dos gentios", cuja missão tem continuidade em Atos dos Apóstolos!

3. O livro de Jonas também apresenta a contingência (ou a condicionalidade) da profecia divina. Jonas pregou destruição. Porém o povo se arrependeu. Deus, então, não destruiu Nínive!

VI. MIQUÉIAS

A. O PROFETA

O nome Miquéias significa "quem é como Iahweh?", e o versículo contido em Mq 7.18 ("Quem, ó Deus, é semelhante a ti, ...") talvez seja um jogo de palavras com o nome do profeta. Miquéias é o quarto dos grandes profetas do século VIII a.C. Ele era morastita (1.1), ou seja, natural de Moresete-Gate (1.14), em Judá, a cerca de 32 km ao sudoeste de Jerusalém. É uma cidade pequena, lá "do interior". E esta é toda informação que temos sobre a vida particular do profeta. Não sabemos nem mesmo o nome do pai. Talvez devido à sua origem simples e provinciana, o profeta não parece demonstrar muito interesse pelas maquinações políticas da época.

B. MOMENTO HISTÓRICO

O profeta Miquéias atuou no Reino do Sul (Judá) durante a segunda metade do século VIII a.C., nos dias dos reis Jotão, Acaz e Ezequias (cerca de 742-687 a.C.). Viveu, portanto, durante as últimas décadas do Reino do Norte. Foi contemporâneo de Oséias (Os 1.1), no Norte, e de Isaías (Is 1.1), em Judá. Os escritos de Miquéias têm semelhança com os textos de Isaías, especialmente as profecias messiânicas (compare, por exemplo, o texto de Mq 4.1-5 com Is 2.2-5). Judá, sob Jotão, teve um período relativamente bom. Sob Acaz, porém, a influência pagã se fez sentir abertamente. O rei Ezequias, apesar de toda sua piedade e boas intenções, encontrou dificuldades na tentativa de sua reforma religiosa. De forma geral, este é um período de declínio, tanto do Sul e, especialmente, do Norte. A Assíria, por fim, derrotou o Norte e ameaçou Judá de forma assustadora.

C. MENSAGEM DE MIQUÉIAS

Miquéias talvez não tenha freqüentado muito a capital Jerusalém. Igualmente talvez tenha exercido seu ministério longe da corte real e da vida política do país. Ocupou-se dos problemas mo -rais e sociais do povo, não se envolvendo nos problemas políticos então muito atuais. Nenhum segmento da sociedade havia ficado imune à corrupção da época: príncipes, profetas, líderes políti -cos, sacerdotes, o povo em geral. Todos estavam comprometidos com o caos social e com a queda moral (2.2,8,9,11; 3.1-5,9,11). Miquéias sabia que a raiz desta situação era de cunho teológico. E anunciou o castigo de Deus com vigor e coragem. Predisse a queda de Samaria (1.6), bem como a destruição de Jerusalém (3.12) e do templo. Anunciou que o verdadeiro culto a Deus consiste em praticar a justiça, amar a misericórdia, e andar humildemente com Deus (6.8). Como Miquéias e Isaías atuaram na mesma época, vivendo os mesmos problemas, não estranha a semelhança marcante que existe nos seus escritos. As profecias messiânicas e escatológicas têm um lugar de destaque no livro de Mq, particularmente a predição (5.2-5) a respeito de Belém como a vila onde estaria o berço do Messias. (Nota bem: isto foi proclamado pelo profeta um pouco mais de 700 anos antes do fato acontecer!) Miquéias era um mensageiro "... cheio do poder do Espírito do SENHOR, cheio de juízo e força, para declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado" (3.8). Ainda nos dias de Jeremias (100 anos depois) a sua proclamação inflamada era lembrada (Jr 26.18-19).

D. AUTORIA

- 42 -

Page 43: Introdução ao Antigo Testamento

A autoria do livro é questionada em alguns pontos por estudiosos que assumem pressupostos liberais. De resto, não apresenta problemas. Não se duvida da integridade do livro. O NT menciona Miquéias (Mt 2.5-6; 10.35-36; Jo 7.42).

E. ESBOÇO

O livro de Mq pode ser esboçado de várias formas. Uma forma simples de esboço é a que segue:1. Mq 1-2: Mensagem de punição.2. Mq 3-5: Mensagem de promessa.3. Mq 6-7: Mensagem de perdão.

VII. NAUM

A. O PROFETA

Naum significa "consolador, confortador". Semelhante a Obadias, as informações que temos sobre o profeta são apenas aquelas contidas no seu livro. E essas são escassas. Ele se diz "elcosita" (1.1), ou seja, de Elcós (mas não se sabe onde ficava essa localidade). Há pelo menos quatro sugestões geográficas para a localização desta cidade (Galiléia, Judá, Cafarnaum, e até mesmo próximo a Nínive). Afirma uma tradição (que não sabemos se é confiável) que Naum foi sepultado em Nínive, sendo testemunha ocular do cumprimento das suas profecias.

B. DATA E MOMENTO HISTÓRICO

Há relativa certeza quanto à data e ao momento histórico da profecia de Naum. O conteúdo interno do texto força uma data dentro de um período de 50 anos. Em 3.8, Naum menciona a des-truição da invencível cidade de Nô-Amom (ou Tebas), a antiga capital do Alto Egito. Pela história, sabe-se que isto foi obra de Assurbanipal, rei da Assíria, em 663 a.C. Ora, se o profeta menciona es-te acontecimento, então isto já tinha se passado. Logo, o livro não pode ter sido escrito antes de 663 a.C. Esta é, portanto, a data mais recuada para a redação do texto. Por outro, Naum prevê a des-truição de Nínive. Se ele está prevendo a catástrofe, então isto ainda não aconteceu. Sabe-se também pela história que a queda de Nínive se deu em 612 a.C. Logo, o livro não pode ter sido escrito depois desta data. Então, 612 a.C. é a data mais recente para a composição do texto. Os limites para a redação do livro, portanto, são 663 a.C. e 612 a.C., um período de 50 anos. Olhando a cronologia de Judá, isto coincide com os reinados de Manassés, Amon e Josias. Ou seja, talvez Naum tenha profetizado depois de Isaías e Miquéias e, quem sabe, no início do ministério de Jere-mias.

C. PROPÓSITO

O livro de Naum, como Obadias, apresenta um único oráculo gentílico contra Nínive. Seu propósito é anunciar a queda de Nínive como julgamento divino. Em qualidade estilística, o texto de Naum é o melhor dos Profetas Menores. Em toda a literatura do AT só Isaías o supera.

D. ESBOÇO

Como o livro é curto, o esboço é simples:1. Na 1.1-2.2: Salmo da majestade de Deus.2. Na 2.3-3.19: Profecia da queda de Nínive.

E. CONTEÚDO

- 43 -

Page 44: Introdução ao Antigo Testamento

1. Dois profetas do AT ocuparam-se exclusivamente com a cidade de Nínive: Jonas e Naum. Jonas pregou arrependimento em Nínive cerca de 150 anos antes do ministério de Naum. A cidade arrependeu-se. Todavia isto foi passageiro. Logo apostataram e tornaram-se novamente inimigos de Deus (e do povo de Deus). A oportunidade da graça antes oferecida, apesar de inicialmente acolhida com arrependimento, foi agora rejeitada. Deus, então, através de Naum, sela definitivamente o destino da grande cidade. A vingança de Deus se manifesta não apenas na vida de indivíduos, mas também na vida das nações. Deus interfere no curso dos acontecimentos. Na verdade, as grandes potências mundiais estão nas mãos de Iahweh.

2. Teologicamente, o que Naum apresenta é a presença da eternidade já antecipada, como que "materializada" no tempo histórico. O julgamento de Nínive aponta para o julgamento dos inimi-gos de Deus de todos os tempos, inclusive os modernos. Os julgamentos atuais são como que ante-cipação do julgamento final e decisivo. (O mesmo vale para a salvação.) Em Cristo, os povos já es-tão julgados (ou salvos). No entanto os seus efeitos universais e cósmicos ainda estão por ser consumados definitivamente por ocasião da segunda vinda de Cristo. Ou seja, já temos a vida eter-na, mas ainda não estamos no pleno usufruto da vida eterna. Isto se dará a partir da segunda vinda de Jesus. (O mesmo se aplica com relação à condenação.)

VIII. HABACUQUE

A. O PROFETA

Habacuque significa "abraço (ardente), um que abraça," ou "quem ama afetuosamente". Temos pouquíssima informação sobre a vida do profeta. Nada mais há além do que se pode inferir do livro. Ele era cidadão de Judá e ali mesmo atuou como profeta. Sua missão era consolar e encorajar o seu povo nos dias difíceis que atravessavam. A observação musical existente ao final do livro (3.19b: "Ao mestre de música. Para instrumento de corda."), junto com um acréscimo (não canônico) num trecho apócrifo de Dn na versão da LXX, fazem os estudiosos suspeitarem que o profeta era um levita, talvez também cantor do coral do templo.

B. MOMENTO HISTÓRICO E DATA DO LIVRO

O livro não apresenta indicação específica de data. O texto (1.6) menciona que Deus "suscita os caldeus" (isto é, os babilônicos). Isto se refere ao início do poderio babilônico. Este fato aconteceu a partir de 612 a.C. Nesta data, com a destruição da cidade de Nínive, a Assíria foi derrotada. Em 605 a.C., na memorável batalha de Carquemis, o Egito foi definitivamente subjugado por Nabucodonosor. Um pouco depois foi a vez de Jerusalém. Portanto, foi nesta época, por volta do ano 600 a.C. (no reinado de Jeoaquim, talvez), que Habacuque exerceu o seu ministério. O desper-tamento espiritual dos dias do rei Josias não produziu resultados permanentes. O povo voltara à indiferença religiosa. A condição em que vivia o povo é retratada em Hc 1.2-4. Estes eram tempos conturbados, tanto externa (no plano internacional) quanto internamente (no plano nacional). Habacuque foi contemporâneo de Jeremias, com quem compartilhou as convulsões da época.

C. AUTORIA

O próprio profeta é o autor do livro. Há estudiosos liberais que duvidam disto. Porém isto de forma alguma abala a integridade do livro. As tradições judaica e cristã dão apoio integral ao livro. O NT dá excepcional importância teológica a Hc e o menciona várias vezes (At 13.41; Rm 1.17; Gl 3.11; Hb 10.38). O livro é caracterizado por duas peculiaridades:

1. Boa parte do texto está estruturada em forma de um diálogo que se passa entre o profeta e Deus. É como se o profeta estivesse conversando com Deus.

2. O terceiro capítulo é um salmo, um trecho poético da mais alta qualidade estilística. O conteúdo desta oração é belíssimo!

D. ESBOÇO

O esboço é simples:

- 44 -

Page 45: Introdução ao Antigo Testamento

1. Hc 1-2: Questionamento do profeta.2. Hc 3: Salmo do profeta.

D. TEOLOGIA

O conteúdo de Hc corre paralelo, de certa forma, à teologia de Jó e de Lm. O profeta Habacuque defronta-se com a questão da fé em face das dificuldades da vida. O livro enfoca o problema do mal existente na história mundial, na igreja, no coração humano. A reflexão do profeta é a seguinte: "Como pode Deus permitir que pagãos (os caldeus ou babilônicos), homens que não reconhecem a existência de Iahweh, pratiquem maldades contra o povo eleito de Deus? Por que Deus permite (ou até os usa como instrumento) que invadam e devastem a terra santa? Por que prosperam os ímpios, enquanto os filhos de Deus passam pelas maiores privações? Por quê ...? Por quê ...? Sim, por quê?" (É comum ouvirmos, "Se Deus é amor então por que há tanta desgraça e sofrimento no mundo?!?") Esta é uma pergunta verdadeiramente existencial e profundamente angustiante! (Quem de nós nunca teve tais momentos?) A solução humana, na verdade, é a semente da sua dissolução. Em última instância, o ser humano não tem como responder. A solução, a respos-ta tem que ser divina. O profeta aponta para a única resposta: fé no Deus que se manifesta pai, mesmo quando as aparências parecem contradizê-lo! "O justo por fé, este viverá!" Não há outra res-posta ao problema do mal senão a resposta de Deus. E esta exige fé no Deus que responde a seu modo, mas que se revela pai e salvador no Cristo que morre e ressuscita por homens que de forma alguma o merecem! Mesmo por aqueles que não percebem o porquê do seu sofrimento.

IX. SOFONIAS

A. O PROFETA

Sofonias significa "Iahweh esconde (protege)". Além do profeta, o AT menciona outros três Sofonias (1Cr 6.36; Jr 21.1; Zc 6.10). A única informação sobre a vida pessoal do profeta encontra-se no primeiro versículo do texto (1.1). Ali é dito que ele é filho de Cusi, este de Gedalias, este de Amarias, e este de Ezequias. A genealogia retrocede quatro gerações (este fato é incomum) e pára em Ezequias. Diante do nome Ezequias, a seguinte pergunta logo se impõe: Será este o rei Ezequias? O fato incomum da genealogia voltar até a quarta geração seria proposital e visaria enfatizar a vinculação do profeta com a casa real de Ezequias? (Neste caso ele seria trineto do rei.) Muitos estudiosos respondem "sim!" A suspeita é muito forte, no entanto não temos resposta definitiva. Aparentemente (ao menos no tempo em que profetizou) o profeta vivia em Jerusalém. Ele refere-se a Jerusalém usando a expressão "deste lugar" (1.4) e descreve sua topografia com muita precisão (como alguém que tem um conhecimento acurado do lugar).

B. DATA

O texto afirma que Sofonias recebeu a palavra do SENHOR "nos dias de Josias, filho de Amom" (1.1). Ora, sabe-se que Josias reinou no período compreendido entre 640-609 a.C. O conteúdo do livro parece apontar para o tempo que antecede a grande reforma religiosa do rei Josias (que se deu em 621 a.C.). Esta é a opinião de um bom número de estudiosos. Estes entendem que a situação descrita por Sofonias confere com a real condição do povo (1.4-6, 8-9,12; 2.13; 3.1-3,7). Talvez (e principalmente se tinha sangue real) o profeta tivesse acesso à corte. A data do livro fica então por volta do ano 625 a.C. Sabemos que este foi um período muito tumultuado na história de Judá. Sofonias teve Naum, Habacuque e Jeremias como colegas de pregação neste mesmo tempo.

C. ESBOÇO

O esboço do livro é como segue:1. Sf 1: Julgamento contra Judá.2. Sf 2.1-3.7: Oráculos contra os gentios.3. Sf 3.8-20 : Promessa escatológica ao remanescente fiel.

- 45 -

Page 46: Introdução ao Antigo Testamento

D. PROPÓSITO

A intenção básica de Sofonias é exortar o povo quanto ao castigo iminente que paira sobre a nação. Nesta exortação o profeta inclui a promessa de restauração contida na última parte do livro (3.8-20).

E. CONTEÚDO

1. Sofonias é o profeta que com maestria desenvolve o tema do "dia de Iahweh" (ou "dia do SENHOR"). Em certo sentido, o versículo 1.7 é quase que uma condensação de sua pregação. Sofonias proclama palavras veementes e ameaçadoras acerca do juízo divino que está prestes a irromper (capítulo 1). Ele chama o povo seriamente ao arrependimento (2.1-3). Mas também está presente a pregação escatológica, ou seja, a proclamação a respeito das coisas do fim (que, indire-tamente, está vinculado a Cristo) ao final do livro. É o evangelho pregado depois da lei.

2. Em que consiste o "dia do SENHOR"? Este é o dia terrível em que o furor de Deus atingirá os moradores da terra (1.18; 3.8) para castigar os que se voltaram contra ele (1.7-13). Será um dia de angústia, escuridão, desolação (1.14-18). Todos os moradores da terra serão atingidos, inclusive Jerusalém e o povo escolhido. Apenas os que buscam ao SENHOR serão poupados (2.3). E no "dia final", que segue ao dia do SENHOR, o rei de Israel, Iahweh (o SENHOR) estará no meio do seu povo para todo o sempre (3.15,17)! Portanto, para os que temem a Iahweh o Dia do SENHOR é dia de grande regozijo.

X. AGEU

A. O PROFETA

Ageu significa "festivo". A raiz do seu nome é a mesma que é usada para o termo hebraico que se refere aos grandes festivais da vida religiosa de Israel, especialmente as festas de peregri -nação para o templo. Ageu é o primeiro dos três profetas que viveram e atuaram após o cativeiro babilônico do povo de Judá. Não se conhece muito da sua vida. A tradição eclesiástica desconfia que ele fosse sacerdote (por causa do seu nome). Muitos pensam que ele nasceu e foi criado na Babilônia (talvez até tenha conhecido Daniel), e estava entre os que depois retornaram à pátria. Já outros, com base em Ag 2.3, levantam a possibilidade dele ter conhecido o primeiro templo. Isto é, nasceu em Judá antes da queda de Jerusalém, lá morou, sendo depois levado cativo. Desta forma ele estaria já em avançada idade por ocasião da sua atividade profética no período pós-exílico, e esta talvez tenha sido curta. Como não há como provar, fica a suspeita. Em Ed 5.1-2 e 6.14-15, Ageu é mencionado junto com Zacarias, seu contemporâneo e colega de trabalho.

B. MOMENTO HISTÓRICO

Deus prometera que o cativeiro não duraria para sempre, ele teria fim. O império babilônico, na pessoa do monarca Nabucodonosor, foi o instrumento para a execução do juízo de Deus. O povo de Judá foi exilado para longe, para a Babilônia. No entanto, Deus utili za-se dos acontecimentos históricos para atingir os seus objetivos. Enquanto o povo estava no cativeiro, o movimento da história teve continuidade e houve mudanças no cenário internacional. O império babilônico foi derrotado. Um novo poder surgiu: era o império medo-persa. Este tinha uma política bem mais humana e tolerante com relação aos que estavam sob o seu domínio. Foi aí, em 538 a.C., que o rei Ciro promulgou o decreto que permitiu aos exilados de Judá voltar para casa. Era o cumpri-mento da promessa de restauração feita por Deus há muito tempo.

O povo voltou. Em 535 a.C. iniciaram a reconstrução do templo em Jerusalém. Entretanto, devido a dificuldades e oposição, a reconstrução foi abandonada. (Isto está narrado nos livros de Ed e Ne.) A situação era desencorajante e o povo estava desmotivado. Deus então levanta os profetas Ageu e Zacarias. Estes animam o povo a que voltem a trabalhar e terminem a reconstrução do tem-plo. (O início do ministério de Zacarias foi bem no meio da atividade de Ageu.)

- 46 -

Page 47: Introdução ao Antigo Testamento

C. DATA

O conteúdo do livro de Ageu está precisamente datado. Todos os seus oráculos (quatro, ao todo) foram recebidos no "segundo ano do rei Dario" (1.1; 2.1; 2.10; 2.20), que é o ano 520 a.C. do nosso calendário. (É até possível saber o mês em que cada oráculo foi recebido pelo profeta.) Esta atividade profética de Ageu teve a duração de 4 meses durante o referido ano de 520 a.C.

D. ESBOÇO E AUTORIA

O livro contém quatro mensagens do profeta (1.1-15; 2.1-9; 2.10-19; 2.20-23). Cada oráculo foi recebido num momento diferente e é uma unidade em si.

Descontando a opinião de alguns críticos, a autoria do texto pelo próprio profeta está firmemente estabelecida. As tradições judaica e cristã não têm problema quanto a isto. Ageu é o autor do livro que leva o seu nome.

E. TEOLOGIA

1. Ageu teve desempenho importante estimulando o povo a concluir a reconstrução do templo. O que Ageu fez foi motivar corretamente o povo para a obra iniciada. Aquele prédio (o t-emplo), antes de ser um mero amontoado de pedras, era um projeto divino com um propósito teológico muito claro. Deus o queria para os seus interesses. O povo tinha que saber isto. Humanamente falando, Ageu foi profeta que "teve sucesso" e viu o resultado externo do seu trabalho. Segundo Ed 6.15, a construção estava pronta em 516 a.C. ("no sexto ano do reinado do rei Dario").

2. A princípio pode parecer estranho todo este esforço em torno de uma construção. Pois Deus movimentou pelo menos dois de seus mensageiros especiais (os profetas Ageu e Zacarias) para a reconstrução do templo. Afinal, por que o templo recebe tamanha atenção da parte de Deus? Na proclamação bíblica do AT, não se pode subestimar a importância teológica do templo. Quando o povo de Deus foi libertado do cativeiro egípcio, Deus mandou que erigissem o tabernáculo e, mais tarde, o templo de Jerusalém. Agora o povo recapitula esta mesma história e volta novamente do cativeiro. O templo deve ser erigido novamente. Da perspectiva teológica, o templo é a presença de Deus entre o povo. O Deus que preenche os céus, bem como os céus dos céus, agora está como que "encarnado", "materializado" ali no templo. Se alguém quer encontrar-se com o Deus infinito, o templo é o lugar onde este vai achá-lo. O mesmo vale para hoje, com uma peculiaridade: Cristo é este templo. Se alguém quer achar este mesmo Deus, tem que ir a um só "lugar" (e não há outro): Cristo! Ali ele encontra Deus. Neste sentido então, o templo é uma antecipação, uma pregação, um tipo de Cristo.

XI. ZACARIAS

A. O PROFETA

O nome Zacarias significa "Iahweh lembra". Este não é o único Zacarias da Bíblia, outros são mencionados (2Cr 24.20; 26.5; Is 8.22; Lc 1.5ss). Conforme o próprio texto (1.1,7), Zacarias é fi -lho de Berequias e neto de Ido. Provavelmente este Ido é o mesmo levita Ido que voltou para Judá conforme indicação de Esdras (Ed 5.1; 6.14). Se isto é mesmo assim, então Zacarias seria sacerdote e poderia ser identificado com o Zacarias de Ne 12.16. Em Zc 2.4, o profeta é chamado de "jovem". Esta observação parece indicar que ele realmente era novo quando cooperava com o profeta Ageu na campanha de reedificação do templo em 520 a.C. O profeta iniciou o seu ministério dois meses após Ageu ter começado o seu. Ambos atuaram simultaneamente, cada um com o seu modo de ser. Ao que tudo indica, Zacarias trabalhou bem mais tempo que Ageu.

B. MOMENTO HISTÓRICO

- 47 -

Page 48: Introdução ao Antigo Testamento

Sendo contemporâneo de Ageu, o profeta Zacarias compartilhou com este o mesmo momento histórico. Zacarias também iniciou sua atuação "no segundo ano do rei Dario" (Zc 1.1), isto é, no ano 520 a.C., só que dois meses depois de Ageu. Ambos trabalharam juntos na tarefa da reconstrução do templo.

C. DATA

O livro apresenta três datas precisas facilitando assim a identificação da época em que estas mensagens foram proclamadas. Estas três datas (1.1; 1.7; 7.1) ficam entre 520 e 518 a.C. Assim sendo, o ministério registrado de Zacarias é de cerca de dois anos (talvez um pouco mais), um tempo maior que o de Ageu (também o período do qual temos notícia pela Bíblia). Fica um pouco mais difícil datar a segunda parte do livro (Zc 9-14), pois aí não há indicação de data. É possível que esta parte tenha sido escrita algumas décadas mais tarde, talvez quando Zacarias já estava em idade mais avançada. Isto indicaria um tempo longo para a atuação do profeta (talvez 40 ou 50 anos), o que é perfeitamente possível.

D. ESBOÇO

Um esboço simples do livro é o seguinte:1. Zc 1.1-6 : Introdução.2. Zc 1.7-6.15: As "visões da noite" do profeta (1.8).3. Zc 7-8 : O "sermão do jejum" (7.3,5).4. Zc 9-14 : O futuro do povo de Deus.

E. AUTORIA

Há consenso entre os estudiosos quanto à autoria da primeira parte do livro (Zc 1-8). Este é o testemunho claro que o próprio livro dá a respeito de si mesmo (1.1,7; 7.1,8; 8.1). Entretanto, para o lado liberal, a dificuldade está na segunda metade do texto (Zc 9-14). Há diferenças quanto ao estilo e conteúdo. Por isso (e por outras razões), alguns teólogos levantaram a hipótese de que esta parte não foi escrita pelo profeta Zacarias, mas por um suposto "Dêutero-Zacarias" (alguém cuja identidade não se conhece). Todavia, o livro constitui uma unidade em todos os manuscritos hebraicos. O mesmo se passa com a LXX. As tradições judaica e cristã apóiam integralmente a autoria única do livro. As menções diretas ou indiretas do livro no NT são muitas. A diferença no es-tilo pode ser explicada: a segunda parte certamente foi redigida muitos anos (talvez décadas) após a primeira, quando o profeta estava mais velho. Em suma: o profeta Zacarias é o autor de todo o livro.

F. PROPÓSITO

Basicamente, a proclamação de Zacarias visa encorajar a nação para o cumprimento da sua tarefa de reedificação do templo. Visa, também, fortalecer o povo na sua vida santificada.

G. CONTEÚDO

1. À semelhança de Ag, há um interesse todo especial na reconstrução do templo. Ambos tinham o mesmo objetivo, referente à reconstrução do templo, ao trabalharem juntos.

2. É proeminente o caráter messiânico, apocalíptico e escatológico do livro. As alusões proféticas a Cristo são numerosas (por exemplo: 3.6; 9.9-10; 11.12-13; etc.). Igualmente estão pre-sentes as figuras apocalípticas e as menções às coisas que virão no fim dos tempos.

3. Semelhante a Dn, o livro de Zc tem muitas visões e trechos obscuros e de interpretação não tão simples. É preciso ter cautela no estudo e compreensão destas partes.

XII. MALAQUIAS

- 48 -

Page 49: Introdução ao Antigo Testamento

A. O PROFETA

Malaquias significa "meu mensageiro" ou então "mensageiro de Iahweh". A Bíblia simplesmente não registra dados sobre a pessoa e a vida deste profeta. É um personagem totalmente desconhecido. Via de regra, liberais negam a Malaquias a sua historicidade. Afirmam que esta pessoa não existiu. Entendem o "meu mensageiro" (significado do nome) como expressão simbólica para o real autor. Mas a verdade é que a ignorância que temos a respeito da vida do profeta não significa a sua inexistência. Por outro, nada mais podemos acrescentar a isto.

B. MOMENTO HISTÓRICO E DATA

Nada é dito no livro a respeito da data do ministério do profeta. A partir do conteúdo do li-vro, podemos inferir algumas conclusões. Com toda certeza a sua atuação foi após o cativeiro babi-lônico. O templo já estava erigido (dedicado em 516 a.C.) e os sacrifícios estavam sendo oferecidos (1.6-10; 3.8,10). Um espírito de indiferença dominava não apenas o povo, mas também os sacerdo-tes (1.6). A piedade pessoal estava em decadência (1.6-8). Havia muitos casamentos mistos (2.10-12). O dízimo estava sendo negligenciado (3.8-10). Nestes dias Judá tinha governador (1.8). Os pecados combatidos por Malaquias são os mesmos condenados por Neemias. Assim sendo, o tempo da atividade de Malaquias pode ser o mesmo em que Neemias estava em ação. O que signifi-ca que o profeta pode ter trabalhado entre 450 e 400 a.C. Alguns teólogos mencionam 435 a.C. co-mo um bom ponto de referência. Nada impede que o profeta tenha continuado seu trabalho depois desta data.

C. AUTORIA

A autoria do livro está vinculada à discussão da historicidade do profeta. Se esta é aceita, então a autoria não apresenta problemas, apesar de não termos evidências explícitas no texto. O NT reconhece Malaquias como profeta e o menciona várias vezes (Mt 11.10; 17.12; Mc 9.11-13; Lc 7.27; Rm 9.13). O testemunho das tradições judaica e cristã é favorável ao profeta. Nada, portanto, impede que o próprio Malaquias tenha redigido o seu livro.

D. PROPÓSITO

O livro de Ml intenciona reprovar o pecado do povo, chamá-lo ao arrependimento, e convencê-lo de quão importante é a vida santificada. Pois disto dependia a sua sobrevivência como nação e como povo escolhido de Deus.

E. ESBOÇO

O livro de Ml tem basicamente duas seções:1. Ml 1-3: O amor de Deus e o povo e profetas infiéis.2. Ml 4-5: O chamado ao arrependimento e o anúncio do Messias.

F. CONTEÚDO

1. Do ponto de vista estilístico, predomina no livro o discurso didático em forma de diálogo, de perguntas e respostas, e na forma de antíteses (1.2,7,9,10; 2.10,14,17; 3.7,8,13,14). No texto, o profeta "dialoga" com Deus.

2. O ambiente refletido no texto é de uma importância especial para o conhecimento da co-munidade pós-exílica. As notícias que temos deste período (pós-exílico) são mínimas. Apesar das li -mitações, Malaquias (junto com Esdras e Neemias e algumas descobertas arqueológicas) supre esta lacuna.

3. A profecia messiânica contida no último capítulo de Ml é de uma beleza toda especial. É o fecho de ouro do AT e, ao mesmo tempo, preparo para o NT.

- 49 -