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10 INTRODUÇÃO O tema abordado trata sobre um dos crimes contra o patrimônio, o Furto, previsto no título II, capítulo I, art. 155 do Código Penal, cuja punição já é encontrada na história dos homens há muito tempo e, com o transcorrer, foi sendo reprimido de uma maneira mais branda, sem, penas corporais. Em um primeiro momento, será apreciado os elementos básicos do estudo do crime em espécie, de maneira não exaustiva, mas não impedindo que os problemas mais encontradiços fossem analisados. Questões quanto ao valor econômico da coisa subtraída também foram explanados, ocorrendo em alguns casos, o objeto furtado possuir apenas valor afetivo. Outro ponto também analisado, quando o objeto possui valor irrisório se o sujeito pratica crime ou não (pelo Princípio da Bagatela). Quanto ao momento consumativo do delito, várias teorias apresentam-se para explica-lo, surgindo dúvidas para precisa-lo ao certo. Em um segundo momento, o furto será abrangido tanto em sua forma simples (art. 155, caput), como em suas outras espécies: Furto Noturno (art. 155, § 1º); Furto Privilegiado (art. 155, § 2º); Furto de Energia (art. 155, § 3º); Furto Qualificado (art. 155, § 4º e 5º), além de Furto Famélico e Furto de Uso. A pesquisa é baseada nas doutrinas sobre o assunto e nas decisões dos tribunais, sendo incluído no texto e em notas de rodapé referencias a tais obras e decisões.

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INTRODUÇÃO

O tema abordado trata sobre um dos crimes contra o patrimônio, o Furto,

previsto no título II, capítulo I, art. 155 do Código Penal, cuja punição já é encontrada

na história dos homens há muito tempo e, com o transcorrer, foi sendo reprimido de

uma maneira mais branda, sem, penas corporais.

Em um primeiro momento, será apreciado os elementos básicos do

estudo do crime em espécie, de maneira não exaustiva, mas não impedindo que os

problemas mais encontradiços fossem analisados.

Questões quanto ao valor econômico da coisa subtraída também foram

explanados, ocorrendo em alguns casos, o objeto furtado possuir apenas valor

afetivo.

Outro ponto também analisado, quando o objeto possui valor irrisório se o

sujeito pratica crime ou não (pelo Princípio da Bagatela).

Quanto ao momento consumativo do delito, várias teorias apresentam-se

para explica-lo, surgindo dúvidas para precisa-lo ao certo.

Em um segundo momento, o furto será abrangido tanto em sua forma

simples (art. 155, caput), como em suas outras espécies: Furto Noturno (art. 155, §

1º); Furto Privilegiado (art. 155, § 2º); Furto de Energia (art. 155, § 3º); Furto

Qualificado (art. 155, § 4º e 5º), além de Furto Famélico e Furto de Uso.

A pesquisa é baseada nas doutrinas sobre o assunto e nas decisões dos

tribunais, sendo incluído no texto e em notas de rodapé referencias a tais obras e

decisões.

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As opiniões sobre o assunto, que se apresentam de forma antagônica,

foram apresentadas de maneira clara nas várias posições dos autores, passando-se

para conclusão dos mesmos e conclusão própria dos aspectos relevantes.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10

1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS ..........................................................................12

2. FURTO ..................................................................................................................14

2.1. Generalidades .................................................................................................14

2.1.1. Conceito ....................................................................................................15

2.1.2. Objetividade Jurídica .................................................................................15

3. SUJEITOS DO DELITO.........................................................................................17

3.1. Sujeito Ativo.....................................................................................................17

3.2. Sujeito Passivo ................................................................................................18

4.TIPO OBJETIVO ....................................................................................................19

4.1. Objeto Material ................................................................................................20

4.1.1. Coisa .........................................................................................................20

4.1.2. Alheia.........................................................................................................22

4.1.3. Móvel .........................................................................................................22

5. VALOR ECONÔMICO E VALOR AFETIVO ..........................................................25

6. TIPO SUBJETIVO .................................................................................................27

7. CONSUMAÇÃO ....................................................................................................28

8. TENTATIVA...........................................................................................................30

9. CONCURSO DE CRIMES.....................................................................................33

9.1. Absorção .........................................................................................................34

10. ESPÉCIES DE FURTO .......................................................................................35

10.1. Furto Famélico...............................................................................................35

10.2. Furto de Uso..................................................................................................36

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10.3.Furto de Energia ...........................................................................................38

10.4. Furto Noturno ...............................................................................................40

10.5. Furto Privilegiado .........................................................................................43

10.6. Furto Qualificado..........................................................................................46

11. PENA E AÇÃO PENAL........................................................................................59

11.1. Imunidades Penais Absolutas ......................................................................59

11.2. Imunidades Penais Relativas .......................................................................62

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................63

BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................65

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SINÓPSE

Tendo o presente trabalho o objetivo de propiciar o entendimento sobre o delito de

Furto, em suas generalidades e suas diversas espécies, oferece uma visão

panorâmica completa – embora de forma clara e objetiva – incluindo a parte histórica

e diversas posições de autores sobre o tema. Através das páginas que seguem, é

possível a compreensão dos relevantes aspectos do Furto aqui abordados, que é

um crime patrimonial, ou seja, trata-se da “subtração de coisa alheia móvel”.

A linguagem é acessível e complementada com ótimas bibliografias e

jurisprudências.

Entendo as diferentes posições e dirimindo as dúvidas, o objetivo terá sido atingido:

a obtenção de novos conhecimentos acerca do tema proposto.

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CURSO DE DIREITO

FURTO

ARIANE GIAMUNDO

R.A.: 440.307-4

TURMA: 325 – A

FONE: (011) 6942-7193

E-MAIL: [email protected]

SÃO PAULO

2004

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CURSO DE DIREITO

ARIANE GIAMUNDO

Monografia apresentada ao Curso

de Direito da Uni-FMU, como

requisito parcial para a obtenção do

grau de Bacharel em Direito, sob a

orientação do Prof. Adriano

Conceição Abílio.

SÃO PAULO

2004

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BANCA EXAMINADORA

ORIENTADOR:___________________( )

ARGUIDOR:______________________( )

ARGUIDOR:______________________( )

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“Dedico esta aos meus queridos

pais, Palmira e Antonio, por me

ensinarem o verdadeiro caminho e

por lutarem comigo realizando meus

sonhos e à minha amada e eterna

avó Lourdes (in memorian), por me

fazer compreender o sentido desta

vida”.

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Ao Professor e Mestre Adriano

Conceição Abílio, meus sinceros

agradecimentos pela dedicação,

paciência e pela orientação, sempre

precisa e segura.

Aos Professores do Curso de Direito

da Uni-FMU.

Aos ilustres Professores Argüidores,

minha gratidão.

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“A grande generosidade está em

lutar para que, cada vez mais, essas

mãos, sejam de homens ou de

povos, se estendam menos, em

gestos de súplica. Súplica de

humildes a poderosos. E se vão

fazendo, cada vez mais, mãos

humanas, que trabalhem e

transformem o mundo”.

Paulo Freire

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1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Muito antiga é a punição contra o patrimônio, cuja existência é encontrada

bem cedo na história dos homens, onde era imposto com muita crueldade o castigo

em certas sociedades. Porém, em algumas legislações, o furto era encarado como

ato lícito e nobre, pois em Sioux, região da África, o furto atribuía ao homem

honradez e o dignificava.

A legislação do Hoandi, data de 35 séculos A.C., é a legislação escrita

mais antiga, em que assegurava o direito de propriedade e punia severamente o

atentado contra o patrimônio individual.

Penas extremamente severas também foram encontradas na velha China,

para reprimir os atentados contra o patrimônio1, como o enforcamento, o

enterramento vivo, etc.

Na Bíblia (Êxodo, 22, 1 e segs.) também encontram-se disposições sobre

o furto de bois, ovelhas, etc., com penas cominadas em duplo, triplo e quíntuplo do

valor do objeto furtado, e também, penas corporais foram cogitadas de serem

aplicadas.

A Lei das XII Tábuas, em Roma, disciplinava a punição do furto. O Direito

Romano distinguia duas formas de furto: o manifesto (furtum manifestum) e o não

manifesto (furtum nec manifestum). Pelo primeiro, o agente era surpreendido

executando a ação e as sanções eram corporais; já para o segundo, as sanções

eram pecuniárias. O furto manifesto, portanto, era punido com penas mais severas,

por provocar desagravo entre a vítima e o agente.

1 Carlos Xavier. Os Crimes Contra o Patrimônio. p. 8

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Na Idade Média, distinguia-se o furto em: de pequeno valor do de grande

valor. No primeiro, aplicava-se a pena nos cabelos e na pele e, no segundo, era

aplicada nas mãos e no pescoço. A pena de morte também era muito aplicada.

Passou-se a reprimir o furto de maneira mais humana com o movimento

filosófico do século XVIII, em que aplicava-se a pena de morte apenas ao furto

acompanhado de homicídios (Código Francês de 1810). No Código Imperial, ao furto

era imposta a pena de prisão com trabalho e no Código de 1890 era cominada de

acordo com o valor da coisa furtada.

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2. FURTO

2.1. Generalidades

O furto está previsto no Título II, Capítulo I da Parte Especial do Código

Penal de 1940. O Título II trata “Dos crimes contra o Patrimônio”.

O Código de 1.890 tratava a matéria sob a epígrafe: “Crimes contra a

Propriedade Pública e Particular”. Vale distinguir propriedade e patrimônio.

O conceito de propriedade pode ser extraído do art. 1.228 “caput”, do

Novo Código Civil:

“O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e

dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem

quer que injustamente a possua ou detenha”.

Patrimônio é “o complexo de relações jurídicas de uma pessoa que tiver

valor econômico2, ou o conjunto de direitos e encargos de uma pessoa, apreciáveis

em dinheiro.

Propriedade e patrimônio não são termos iguais pois não tem o mesmo

significado. A noção de patrimônio é de maior alcance. Os crimes que atingem bens

jurídicos não patrimoniais, como a vida, por exemplo, não estão incluídos no Título II,

já que nos crimes patrimoniais a vítima sofre prejuízo econômico, ou seja,

diminuição do patrimônio.

2 Clóvis Beviláqua. Teoria Geral do Direito Civil, p. 209

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2.1.1. Conceito

Conforme preceitua o art. 155, “caput” do Código Penal:

“Furto é a subtração de coisa alheia móvel para si ou

para outrem”.

O Legislador empregou o verbo subtrair designando a ação de

apoderamento ilegítimo da coisa pelo agente.3

Através do furto, a vítima é desapossada daquilo que lhe pertence, mas

sem emprego de violência ou grave ameaça, diferindo assim, do delito de roubo (art.

157 C.P.) em que há emprego de grave ameaça ou violência a pessoa.

2.1.2. Objetividade Jurídica

Há na doutrina discordância quanto à objetividade jurídica. Entende-se

que a objetividade jurídica do furto que é protegida diretamente é a posse e,

indiretamente, a propriedade4.

Pode haver dois sujeitos: o possuidor como no caso de penhor, e o

proprietário, embora a posse e a propriedade quase sempre se confundam na

mesma pessoa.

O art. 155 do Código Penal protege, pois, a posse (direta ou indireta), a

propriedade e a detenção. Basta que o apoderamento da coisa por parte do agente

constitua ato ilegal, para a posse e propriedade serem tuteladas. A vítima pode

3 Alguns códigos estrangeiros definem o furto como a subtração fraudulenta da coisa alheia: Francês, art. 379;Belga, art. 461; Português, art. 421; entre outros.4 Para: E. Magalhães Noronha. Direito Penal., p. 221; Damásio E. de Jesus. Direito Penal: parte especial. pág.315; Heleno Cláudio Fragoso. Lições de Direito Penal, pág 295.

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possuir a coisa em nome próprio ou alheio; posse legítima ou ilegítima. Exemplo

clássico desta última é o ladrão que furta de outro ladrão, e caracteriza o crime de

furto, mas o sujeito passivo do segundo fato, conforme dispõe Damásio, não é o

ladrão, e sim o dono da coisa.

Outra corrente, entretanto, diz que se tutela primeiramente a propriedade

e, de forma secundária a posse5.

A opinião dominante, porém, afirma que tanto a posse como a

propriedade ou a mera detenção são objeto da tutela penal.

5 Nelson Hungria; Heleno Cláudio Fragoso. Comentários do Código Penal., p. 17.

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3. SUJEITOS DO DELITO

3.1. Sujeito Ativo

Pode praticar o crime em análise, qualquer pessoa física, salvo o

proprietário, ou seja, o dono da coisa, já que o tipo penal exige que esta seja alheia.

O sujeito ativo do furto é quem subtrai a coisa alheia móvel, e a lei não

exige nenhuma qualidade específica a respeito do autor. Portanto, não se trata de

delito próprio, mas sim, crime comum praticado por qualquer pessoa.

Se o sujeito ativo já encontrava-se na posse ou na detenção da coisa, ele

não pratica furto, responde pelo delito de apropriação indébita:

“Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a

posse ou a detenção”. (C.P. art. 168).

Entretanto, para Mirabete, a posse vigiada enseja subtração6.

Há bastante controvérsia sobre se existe furto de coisa própria. Para

Damásio e outros doutrinadores7, não existe, pois o legislador deixa bem claro

quando fala em subtração de coisa “alheia”. Se o sujeito subtrai coisa própria, tipifica

o delito descrito no art. 346 do Código Penal, que pune aquele que subtrai coisa

própria que se encontra com terceiro, em razão de convenção ou determinação

judicial. Portanto, não pratica furto o proprietário que subtrai a própria coisa da posse

legal de terceiro.

6 Nesse sentido: o empregado de uma fábrica é mero detentor das ferramentas com que trabalha, cometendo furtose transforma a posse transitória e precária em propriedade . Praticam furto também, o balconista que subtrai amercadoria, o caixa que desvia dinheiro dos fregueses, etc.7 Damásio E. Jesus. Direito Penal, pág. 306; Heleno Cláudio Fragoso. Lições, pág. 264; Álvaro Mayrink Costa.Direito Penal, pág. 352; Nelson Hungria. Comentários, pág. 16 e Paulo José Costa Junior. Curso de DireitoPenal, pág. 78.

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Vale dizer que, quando o credor subtrai coisa do devedor para ressarcir-se

de dívida já vencida e que ainda não foi paga, comete o crime de exercício arbitrário

das próprias razões (C. P. art. 345), pois a intenção do agente é o auto-

ressarcimento e não gerar dano patrimonial à vítima.

Para outra corrente8, o proprietário pode figurar como sujeito ativo até no

do crime de furto. Contudo, fica claro que a primeira corrente doutrinária tem razão,

não logrando êxito a segunda corrente, pois se a coisa pertence ao proprietário, ela

não é alheia a este.

3.2. Sujeito Passivo

O sujeito passivo do crime de furto é a pessoa física ou jurídica, titular da

posse, da propriedade ou da detenção da coisa móvel, ou seja, o possuidor, o dono

ou o detentor do bem.

Noronha9, considerando a posse, a objetividade jurídica direta do delito de

furto, diz que o sujeito passivo direto do crime é aquele que possui a coisa, e sujeito

passivo indireto é o proprietário, que também é possuidor e sofre diminuição no seu

patrimônio.

Quando ocorrer a subtração da coisa móvel de quem a detém

desinteressadamente, como o operário de uma fábrica, o balconista ou o caixa, por

exemplo, o sujeito passivo do crime será apenas o proprietário.

8 Edgard Magalhães Noronha. Direito Penal., p. 223; FARIA, Bento. Código Penal Brasileiro Comentado, p. 359 E. Magalhães Noronha. Direito Penal, pág. 218

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4.TIPO OBJETIVO

O núcleo do tipo do furto é o verbo “subtrair”, que significa retirar uma

coisa do poder de alguém, desapossá-la; em outras palavras, apoderar-se do bem

da vítima.

O verbo subtrair vem do latim “subtrahere”, que designa a ação, a conduta

do agente. Diversas expressões são utilizadas pelos Códigos para designar essa

ação, tais como:

Subtrair – Códigos: Francês, art. 379; Húngaro, art. 333; Português, art.

421; Belga de 1867, art. 461; Brasileiro de 1890, art. 330.

Apossar – Códigos: Italiano de 1889, art. 402; Italiano de 1930, art. 624;

Argentino, art. 162; Chileno de 1874, art. 432; Uruguaio de 1889, art. 369.

Levar uma coisa – Código Alemão de 1871, § 242.

Segundo o art. 155 do Código Penal, subtrair uma coisa é, portanto, tirá-la

ilegitimamente daquele que a detém, sem o seu consentimento, com o fim de

apoderar-se dela para si ou para terceiro.

O apossamento pode ocorrer inclusive, às vistas da vítima10, não exigindo-

se que a subtração seja efetuada de forma clandestina ou fraudulenta. Contudo, o

furto dará lugar ao roubo se existir emprego de violência ou grave ameaça.

Até mesmo quando a própria vítima entrega o bem ao agente, e este leva

o objeto sem autorização, existe furto. Clássico é o exemplo do agente que entra na

loja, pede para ver um objeto e, ao recebê-lo, sai correndo. Neste caso, o bem foi

entregue espontaneamente, mas o agente retira-o da esfera de vigilância da vítima

sem permissão. Configura-se o crime de furto e não apropriação indébita11.

10 Julio Fabrini Mirabeti. Manual de Direito Penal, pág. 220.11 Victor Eduardo Rios Gonçalves. Dos Crimes Contra o Patrimônio, pág. 2.

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O apossamento pode ser classificado como: direto e indireto. Ocorre o

primeiro quando o agente subtrai pessoalmente o objeto material; já o apossamento

indireto ocorre quando o sujeito usa, por exemplo, animais adestrados para realizar

a subtração ou instrumentos, aparelhos ou máquinas.

4.1. Objeto Material

Coisa alheia móvel (res mobilis aliena) é o objeto material do furto.

4.1.1. Coisa

Coisa é todo objeto corpóreo, material, suscetível de apreensão, ou seja,

possível de ser transportado, deslocado ou removido do local em que se encontra

para outro. Ficam, então, excluídas, as coisas incorpóreas ou imateriais.

Pode a coisa não ser tangível, não deixando de ser objeto de furto. Os

corpos gasosos podem ser furtados, ainda que intangíveis, pois podem ser

apreendidos. Os direitos obrigacionais não podem ser objeto de furto, pois não são

coisas corpóreas, mas os títulos que os representam, podem ser furtados.

Na categoria das coisas que não são suscetíveis de furto, encontra-se o

homem. A subtração do homem vivo não constitui o crime de furto, pois não se trata

de coisa, mas sim, pode configurar outro crime.

Entretanto, partes do corpo humano podem ser furtadas, como cabelos e

dentes para serem vendidos, e também objetos postiços ou artificiais como perna ou

braços ortopédicos, dentaduras, olho de vidro etc.

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O cadáver é res extra commercium e, em regra, não pode ser objeto

material de furto. A subtração de cadáver constitui crime contra o respeito aos

mortos (C.P., art. 211), porém, sua subtração pode tipificar o furto se pertencer a

alguém, como, por exemplo, a faculdade de medicina ou a um laboratório para

estudo ou pesquisas científicas.

Mirabete preceitua que, se o cadáver for subtraído por seu valor

econômico ocorrerá furto e não subtração de cadáver12.

As coisas que nunca tiveram dono, chamadas de res nullius e as coisas

abandonadas, denominadas res derelicta (arts. 592 e 593 do C.C./1916), não podem

ser objeto de furto, pois não são alheias, sendo que a primeira não tem dono, e a

segunda foi abandonada voluntariamente por ele, portanto, não se verifica ofensa à

coisa alheia. O próprio Código Civil ressalta que, aquele que encontra coisa

abandonada e dela se apodera, possa a ser seu legítimo proprietário.

O apoderamento de coisa perdida (res deperdita), constitui o delito de

apropriação indébita, previsto no art. 169, inciso II do C.P., e não o de furto. A coisa

somente pode ser considerada perdida quando está em local público. Portanto,

quem vai à casa de uma pessoa e encontra um objeto que estava sendo procurado

por esta, e dele se apodera, comete crime de furto.

As coisas sagradas, denominadas res sacrae, ou destinadas ao culto

religioso, podem ser objeto de furto se a subtração se opera com o objetivo de

auferir lucro ou proveito, por exemplo: furto ocorrido em uma igreja, onde foram

subtraídos até objetos de ouro, para serem comercializados. São ainda suscetíveis

de furto, as coisas móveis pertencentes aos cemitérios e aos túmulos, como, por

exemplo, placas, vasos, etc.

12 Júlio Fabrini Mirabeti. Manual de Direito Penal, pág. 221.

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4.1.2. Alheia

Para ser considerada “alheia” uma coisa, é preciso que tenha dono,

possuidor ou detentor; que a coisa não pertença àquele que está apoderando-se

dela, ou seja, coisa alheia é aquela que não pertence ao agente, nem mesmo

parcialmente.

O crime de furto possui um elemento normativo. A necessidade de a coisa

ser “alheia” constitui o elemento normativo do tipo, sem esse elemento o fato é

atípico ou pode constituir o crime de exercício arbitrário das próprias razões (C.P.,

art. 346), se o proprietário subtrai coisa sua que se acha em poder legítimo de

outrem.

Torna-se necessário, no processo, que existam provas desse elemento,

ou seja, que a coisa pertença a alguém, não sendo preciso identificar o proprietário

ou possuidor, bastando provar que era de alguém.

As res nullius e a res derelicta não são alheias, visto que coisa de

ninguém não tem dono e, a coisa abandonada foi voluntariamente por ele deixada.

Coisa alheia, segundo a opinião de Puglia:

“...é a que se encontra em poder de

terceiro”13.

4.1.3. Móvel

A coisa deve ser móvel. Para o Direito Penal, móvel é tudo aquilo que é

suscetível de remoção, deslocamento, transporte, ou por ser dotado de movimento

13 Puglia Ferdinando. Dei Delitti Contra la Proprietá, in Enc. De Pessina, pág 100 e segs.

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próprio, como os semoventes, ou por ação do homem. Somente os bens móveis

podem ser subtraídos, já que apenas eles podem ser tirados da esfera de vigilância

da vítima.

Os bens imóveis não podem ser furtados, salientando-se que, são

considerados assim, para fins penais, aqueles que não podem ser levados de um

local para outro.

Os bens que o Código Civil equipara a imóveis, mas que podem ser

transportados como os navios e as aeronaves, por exemplo, são considerados

móveis para fins penais, podendo ser objeto de furto, não obstante afirmar o

legislador civil que são imóveis. Portanto, afasta-se a lei penal da civil, na

consideração de imóveis por determinação legal.

Os acessórios do imóvel, como as árvores, os frutos, uma vez

mobilizados, podem ser sujeitos à subtração, se forem arrancados, colhidos, o que

no caso permite a remoção para outro lugar. Não importa saber se a coisa foi

mobilizada pelo agente ou não, o furto é possível nos dois casos14.

Não se pratica furto de coisas imóveis sendo certo que o furto só pode ter

por objeto a coisa móvel. Se uma coisa era móvel antes da subtração, mas que ao

momento desta era imóvel, não será objeto de crime de furto15. Exemplo clássico

são os materiais de construção, que após serem utilizados na obra do edifício, como

por exemplo, os tijolos, perdem a condição de coisa móvel.

Segundo Mário Hoeppner Dutra:

“O furto, portanto, só pode recair sobre coisas móveis,

entendo-se como tais, as que propriamente o são, no

14 E. Magalhães Noronha. Direito Penal, p. 223.15 Bento Faria. Código Penal Brasileiro Comentado, p. 13

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33

momento da subtração e aquelas que, embora agregadas

ao imóvel, são removidas pelo agente”16.

16 Mário Hoeppner Dutra. O Furto e o Roubo, pág. 110

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5. VALOR ECONÔMICO E VALOR AFETIVO

Para configurar o crime de furto, a coisa subtraída, ou seja, a coisa alheia

móvel, precisa ter um valor, seja ele pecuniário ou não. Tal coisa, para o Direito

Penal, deve ter ou um valor econômico ou uma utilidade que demonstre uma

importância para seu dono.

A lei não exige que o objeto material do crime tenha valor econômico, ou

seja, valor de troca, bastando que represente alguma utilidade para quem o possui,

portanto, os objetos que têm valor afetivo, embora sem valor econômico podem ser

objeto material de furto. É imprescindível que a coisa tenha valor, cabendo distinguir-

se o valor econômico do valor afetivo.

Conforme doutrina de Nelson Hungria, sem um efetivo desfalque do

patrimônio alheio não há furto. O valor econômico ou valor pecuniário corresponde a

uma quantia em dinheiro.

“Para que se configure o furto, a coisa deve ter algum

valor econômico, pois o crime é material e requer efetiva

lesão ao patrimônio”17.

Não constitui crime a subtração de um alfinete, de uma agulha, de um

lápis, que são objetos de pequeno valor, irrisório, não suficiente à caracterização do

crime de furto, pois a sua subtração não tem relevância jurídica.

Pelo Princípio da Bagatela, diante da insignificância da lesão jurídica, não

se reconheceu crime nos casos de: furto de uma caixinha ovos, furto de ramas de

mandioca, subtração de folhas de palmeiras, dentre outros.

17 Jurisprudência Brasileira Criminal, 4/263

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As coisas que tenham valor afetivo, como as fotografias, cartas de amor,

mechas de cabelo, também integram o patrimônio do homem, pelo valor de afeição,

por sua utilização. Não atente contra o patrimônio, economicamente considerado,

mas causa-lhe dano de natureza afetiva.

Embora não tenha valor econômico, nem por isso a subtração deixa de

configurar o furto, desde que apresente valor patrimonial.

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6. TIPO SUBJETIVO

O elemento subjetivo do crime de furto é o dolo, que é a vontade livre e

consciente de subtrair coisa alheia móvel. Não há forma culposa para esse crime.

O agente deve ter uma intenção específica de ter o objeto para si ou para

terceiro, ou seja, exige-se outro elemento subjetivo do tipo (dolo específico),

referente à especial finalidade de agir (para si ou para outrem) de forma não

transitória, mas que indica o fim do assenhoramento definitivo. É o chamado animus

furandi ou animus rem sibi habendi que é a intenção do agente de apoderar-se

definitivamente da coisa subtraída.

A ausência de dolo opera a atipicidade do fato. O erro de tipo exclui o

crime de furto quando o agente, por exemplo, supondo- a própria, não sabia que se

tratava de coisa alheia. Também o consentimento da vítima na subtração elide, ou

seja, exclui o delito, pois o patrimônio é um bem disponível ou, também, se não

houve consentimento, mas o agente estava convicto que lhe havia sido dado, não

há o crime, pois a boa fé inclui o dolo.

Se o agente agiu com a intenção de brincadeira, excluído ficará o crime,

pois inexistiu dolo e, cumpre ao brincalhão, provar esse animus. Porém, conforme

afirmação de Damásio, não é lícito brincar com a propriedade alheia, havendo

entendimento de que o fato é conduta reprovável18.

Para configurar o crime, é irrelevante o motivo que levou o agente a

praticá-lo, pois pode ser por capricho, fim de lucro, vingança, despeito, supertição,

fim de romance, etc.

18 Damásio E. de Jesus. Código Penal Anotado, pág. 546

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7. CONSUMAÇÃO

Primeiramente, vale dizer que, o furto é crime material: o tipo penal

descreve a ação e o resultado visado pelo agente, que tem que ser produzido e,

instantâneo: não se prolonga no tempo, ocorre em dado instante.

Diz-se consumado o crime, de acordo com o art. 14, I, do Código Penal,

quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal. Várias são as

teorias para explicar o momento consumativo do furto, a saber:

Para a teoria da contréctatio, basta o sujeito tocar a coisa, ou seja, por a

mão no objeto material. Só o contato físico já configura o delito.

Para a teoria da apprehensio rei é suficiente o agente tocar o objeto e

segurá-lo.

Nos termos da teoria da amotio, exige-se a remoção da coisa de lugar, ou

seja, o momento consumativo ocorre com a deslocação da coisa.

Para a teoria da ablatio, a consumação ocorre quando há apreensão física

da coisa e deslocação para o local que se destinava, em segurança.

Porém, nenhuma dessas teorias logrou êxito. Damásio diz ser o momento

consumativo do furto quando o objeto material é retirado da esfera de posse e

disponibilidade da vítima, ingressando na disponibilidade do autor, ainda que este

não obtenha a posse tranqüila19.

Ensina Mário Hoeppner Dutra que:

“O momento consumativo do furto se dá com o fato de

passar a coisa da custódia do possuidor para a do

agente. Desde que a coisa deixe a esfera de vigilância do

possuidor e passe para a do agente, efetivado está o

19 Damásio E. de Jesus. Direito Penal Parte Especial, pág. 309.

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apoderamento. Para tanto, dispensável é que o ladrão

transporte a coisa furtada de um lugar para outro, ou que

a esconda em si mesmo, sem afastar do local em que

praticou a subtração”20.

Dentre muitas teorias, a jurisprudência consagrou a teoria chamada

inversão de posse. O furto se consuma quando o objeto é tirado da esfera de

vigilância da vítima, e o agente tem a posse tranqüila da coisa, ainda que por pouco

tempo. Portanto, para essa teoria, não basta que o agente se apodere do bem, ele

tem que ter a sua posse tranqüila.

A res furtiva é retirada do poder do sujeito passivo, passando para o

sujeito ativo, ocorrendo assim, inversão da posse. A posse tranqüila da res furtiva

pelo sujeito ativo do crime de furto, ainda que momentaneamente, faz com que o

crime se consume.

Mesmo que o agente esconda a res furtiva no próprio local do furto, para

posteriormente levá-la, consuma-se o crime, pois a vítima não mais tem a

disponibilidade física da coisa. Exemplo é o caso de empregada doméstica que se

apodera de uma jóia da patroa e a esconde em um local da própria casa para depois

transportá-la para outro lugar. O objeto não mais está sob a esfera de

disponibilidade da vítima, e o furto está consumado.

Em regra, a consumação exige deslocamento do objeto material, mas,

como no exemplo acima citado, ocorre ainda que não haja deslocação da coisa.

20 Mário Hoeppner Dutra. O Furto e o Roubo, pág. 64.

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8. TENTATIVA

A tentativa é possível, pois o furto é crime material. Conforme preceitua o

art. 14, II, do Código Penal, diz-se tentado o crime quando, iniciada a execução, esta

não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, ou seja, ele não

consegue retirar a coisa móvel da esfera de proteção e vigilância da vítima.

Configura-se a tentativa de furto a conduta do agente que esconde sob

suas roupas a coisa que quer subtrair e é detido ao tentar passar pelo caixa do

supermercado.

Segundo Noronha:

“Há tentativa de furto sempre que a atividade do

agente estaque ou cesse, antes que sua posse haja

substituído a da vítima, por circunstâncias alheias à sua

vontade. Deve o ato de execução, como em qualquer

outro crime, ser inequivocamente dirigido à consumação

do furto. Praticado que seja ele, se o sujeito ativo não

conseguir apossar-se da coisa, terá ficado na tentativa”21.

Importante analisar a conduta do agente que coloca a mão no bolso da

vítima, desejando subtrair bens desta, como, por exemplo, a carteira. Podem ocorrer

duas hipóteses:

A vítima não trazia consigo a carteira. Nesta caso, há divergência na

doutrina acerca da conseqüência jurídica. Damásio, Mirabete e Delmanto entendem

haver crime impossível por absoluta impropriedade do objeto, previsto no art. 17 do

Código Penal:

21 Edgard Magalhães Noronha. Direito Penal, pág. 235.

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“Não se pune a tentativa quando, por ineficácia

absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do

objeto, é impossível consumar-se o crime”.

Neste caso, não há tentativa punível, pois não houve perigo ao patrimônio

da vítima por inexistir o objeto material, qual seja, a coisa móvel. Não se pode furtar

o nada; é preciso haver no momento coisa alheia.

Hungria e Fragoso acreditam que há tentativa de furto, já que a ausência

do objeto é meramente acidental.

A orientação que mais se adequou ao caso é a primeira, que não há

tentativa punível, pois pelas circunstâncias, o fato não pôs em perigo o bem jurídico,

no caso, a carteira.

A segunda hipótese: o ladrão põe a mão no bolso direito, quando a

carteira se encontra no bolso esquerdo. Neste caso, o agente responde por tentativa

de furto, pois o objeto material do crime existe e houve risco ao bem jurídico; a

subtração somente não ocorreu por circunstâncias alheias, simplesmente o fortuito,

não se consumando o crime.

Quando o agente não obtém a subtração de veículo diante da instalação

de dispositivo antifurto, há tentativa e não crime impossível, pois não torna o

automóvel objeto absolutamente impróprio e nem o meio empregado pelo agente em

absolutamente ineficaz.

Se o agente é preso dentro do prédio, antes de começar a subtração,

entendeu-se haver mero ato preparatório e não tentativa22.

22 Nesse sentido: JTACrim SP, 65/289

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Se o agente é preso no quintal da residência alheia, após arrombamento

de via de acesso, é tentativa de furto, e se também é preso no jardim, após

arrombamento23.

Se o agente é preso dentro da residência, portando o objeto material, há

tentativa de furto24.

23 Nesse sentido: RT 661/299 e JTACrim SP, 95/20324 Nesse sentido: JTACrim SP 66/322

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9. CONCURSO DE CRIMES

O furto pode existir em concurso material e formal com outros delitos. Há

concurso material quando o agente mediante mais de uma ação ou omissão, pratica

dois ou mais crimes (C.P., art. 69, caput). Há concurso formal quando o sujeito,

mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes (C.P., art. 70).

Se o agente, por exemplo, penetra na casa da vítima e lhe subtrai bens e

ainda pratica estupro (C.P., art. 213), responderá por dois crimes em concurso

material: furto e estupro. As penas serão aplicadas cumulativamente. Outro caso de

concurso material ocorre quando o agente, após a subtração, vende a res furtiva a

terceiro de boa-fé, como no furto de automóvel e estelionato na venda posterior do

veículo como próprio, praticando, assim, dois crimes: furto e estelionato.

No entanto, se o agente penetrar na residência da vítima, para subtrair

coisa alheia móvel, e lá explode uma bomba para abrir o cofre, ocorrendo a morte de

um dos moradores, o sujeito responderá por dois crimes em concurso formal: furto

qualificado e homicídio.

O furto também admite continuidade com outros crimes. Preceitua o art.

71 do C.P. que:

“Quando o agente, mediante mais de uma ação ou

omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie

e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução

e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser

havidos como continuação do primeiro”.

O agente que trabalha numa loja e, todo dia, por exemplo, subtrai do caixa

dinheiro, terá cometido furto em delitos continuados. Embora tenham ocorrido vários

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furtos, o agente será punido como se tivesse praticado um único crime, por que se

entendeu que os demais foram praticados em continuação do primeiro.

É controverso o entendimento sobre continuação entre furto e roubo. Há

duas posições:

A primeira admite a continuação, entendendo-se que são crimes da

mesma espécie.

A segunda posição diz que, embora sejam delitos da mesma natureza,

não são da mesma espécie. Na maioria dos casos, tem-se negado a continuidade

deletiva.

Também foi entendido que não existe continuidade deletiva entre furto e

estelionato, pois, apesar de pertencerem ambos ao gênero de crimes contra o

patrimônio, são considerados como de espécies diferentes.

9.1. Absorção

Há crimes que são absorvidos pelo furto, dentre os quais:

Quando o agente entra na residência da vítima para furtar, o crime de

violação de domicílio fica absorvido pelo furto, ou seja, o crime-meio é absorvido

pelo crime-fim (Princípio da Consumação).

Se, após furtar, o agente destrói o objeto, o crime de dano fica absorvido,

pois trata-se de post factum impunível; não há novo prejuízo a vítima.

O dano, no crime qualificado pelo rompimento de obstáculo, também fica

absorvido.

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10. ESPÉCIES DE FURTO

10.1. Furto Famélico

Pratica furto famélico o sujeito que subtrai alimentos para poder se

alimentar em estado de extrema penúria. Ele age impelido pela necessidade de se

alimentar, afastando-se assim, a antijuricidade de sua conduta.

O agente que comete o crime de furto para matar a fome, o faz em estado

de necessidade; não há crime, pois o agente atuou sob a excludente do estado de

necessidade. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para

salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo

evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não eram razoável

exigir-se (C.P., art. 24). Portanto, o estado de necessidade exclui a antijuridicidade;

exclui a ilicitude.

Haverá, porém, necessidade de prova dessa situação do agente, que

deve ser grave e atual. São requisitos para se provar o furto famélico25: que o fato

seja cometido para saciar a fome ou satisfazer necessidade vital; que seja o único e

derradeiro recurso e; que haja subtração de coisa capaz de diretamente contornar a

emergência.

Não se pode confundir o crime famélico com o crime praticado em

momento de crise financeira, em que não se reconhece o estado de necessidade. O

furto de dinheiro, de toca-fitas, de aparelho de som e de cigarros, não caracteriza

estado de necessidade26.

25 Nesse sentido: JTARS 67/7326 Nesse sentido: RT 448/401; JTACrimSP 49/211; JTACrimSP 91/388 e JTACrimSP 82/282

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O texto de Deuteronômio 23, 25 exemplifica o estado de necessidade

famélico:

“Quando passares pela vinha do teu próximo poderás

comer uvas, segundo teu desejo, até a saciedade, mas

não as colocarás no cesto”.

Também não se reconheceu esse estado de necessidade na alegação de

pobreza e alegação de desemprego.

Quem tenta furtar um quilo de carne, não visa aumentar seu patrimônio,

mas age por fome; ou agente com mulher gestante e família na penúria que subtrai

alimento de supermercado27.

Referentes ao crime de furto praticado em estado de necessidade,

existem dois versículos no Livro de Provérbios declarando que:

“O ladrão não se sujeitava a qualquer castigo porque,

quem furta por necessidade, para não morrer à mingua,

não comete falta alguma”.

10.2. Furto de Uso

O furtum usus é a subtração de coisa móvel alheia, com o propósito de

usá-la momentaneamente e com a intenção de restituí-la a seguir, sem o animus

rem sibi habendi, ou seja, sem o ânimo de assenhoramento definitivo.

Há diferenças entre o furto comum e o furto de uso. No primeiro, o agente

tem o interesse de apoderar-se da res furtiva definitivamente, para si ou para

outrem. No segundo, inexiste intenção de apoderamento definitivo; a subtração é

27 Nesse sentido: TACrSP 82/206

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momentânea para que o agente possa usar a coisa subtraída e restituí-la em

seguida28.

O furto de uso não constitui crime em face do atual Código Penal, mas no

Código de 1969, era previsto no art. 166 como delito, com a descrição:

“Se a coisa não fungível é subtraída para fim de uso

momentâneo e, a seguir, vem a ser imediatamente

restituída ou reposta no lugar onde se achava: pena-

detenção, até 6 meses, ou pagamento não excedente a

30 dias-multa”.

O Código Penal Militar, no seu artigo 241, também tipifica o furto de uso.

Para o reconhecimento do mero furto de uso são necessários dois

requisitos: o elemento subjetivo e o elemento objetivo.

O primeiro é a intenção, desde o início, de uso momentâneo da coisa

subtraída. O segundo é a restituição imediata e integral do objeto à vítima. Assim, se

o agente subtrai o objeto para usá-lo momentaneamente e depois o devolve nas

mesmas condições, não responde pelo crime, por ter havido mero furto de uso, que

constitui um fato atípico para a Legislação Penal.

A restituição da res furtiva deve ser feita nas mesmas condições que, ao

tempo da subtração se encontrava; não pode ser substituída por outra, conforme

ensina Maggiore29, nem ser a restituição pecuniária; e deve ser feita

voluntariamente, ou seja, por livre e espontânea vontade do agente, se não, não

poderá falar-se em furto de uso.

28 Damásio E. de Jesus. Direito Penal. Ob. Cit., V 2, p. 324; Fragoso. Lições. Ob. Cit., V. 1, p. 312-313;Delmanto. Código Penal Anotado. Ob. cit., p. 15629 Direito Penale. V. 2, p. 539

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Não devolvendo a coisa no mesmo local e nas mesmas condições, há

furto, como nos seguintes casos: se o agente abandona o veículo em local distante

ou diverso daquele em que foi subtraído; o veículo se encontra danificado ou

destruído; e quando há uso prolongado e não momentâneo.

Tem-se entendido não haver crime se ocorrer acidente de trânsito que

impeça o retorno do automóvel ao local, pois inexistiu o animus furandi na

subtração30.

Se o furto de uso for de automóveis ele deverá ser devolvido com a

mesma quantidade de combustível e acessórios que tinha no momento da

subtração, senão, o agente responderá pelo furto de gasolina, de óleo, etc.

10.3.Furto de Energia

O Legislador de 1890 não incriminou o furto de energia, que só foi objeto

de sanção no Código atual.

O art. 155, 3º do Código Penal, equipara à coisa móvel a energia elétrica

ou qualquer outra energia que tenha valor econômico como a térmica, mecânica,

nuclear, genética, etc.

Diz a exposição de motivos do C.P. de 1940, nº 56 que:

“Toda energia economicamente utilizável e suscetível

de incidir no poder de disposição material e exclusiva de

um indivíduo, como, por exemplo, a eletricidade, a

radioatividade, a energia genética dos produtores, etc.,

pode ser incluída entre as coisas móveis, a cuja

regulamentação jurídica, portanto, deve ficar sujeita”.

30 Nesse sentido: JCAT 65/373

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Para fins penais, possui equiparação à coisa móvel, a energia que tenha

valor econômico e exista possibilidade de apoderamento por parte do agente. O

apoderamento exige que a coisa possa ser destacada de um todo.

Se, por exemplo, o agente desvia a eletricidade antes de passar pelo

registro (medidor), ocorre a subtração dessa quantidade de energia, apoderando-se

dela de forma gratuita, em prejuízo ao fornecedor, ou seja, a companhia de

eletricidade. Pode ocorrer também do agente desviar clandestinamente energia

elétrica de outrem, após ter essa passado pelo seu medidor, apoderando-se dela,

assim, em prejuízo do consumidor.

No caso do agente alterar o medidor de energia elétrica, objetivando

diminuir o seu custo, existem duas posições: a primeira diz que há crime de

estelionato (C.P., art. 171), uma vez que o agente utilizou artifício para induzir a erro

ou engano a vítima, acusando o medidor um resultado menor do que consumido; um

resultado fictício.

Essa também é a posição de Edgard Magalhães Noronha que ensina:

“Se a ação do agente consiste por exemplo, em

modificar o medidor, para acusar um resultado menor do

que o consumido, há fraude, e o crime é estelionato,

subentendido naturalmente, o caso em que o agente está

autorizado, por via de contrato, a gastar energia elétrica.

Usa ele, então, de artifício que induzirá a vítima a erro ou

engano, do que lhe advém vantagem ilícita. Estelionato

ainda pode haver quando o agente usa a energia para

fins diversos do estipulado no contrato, empregando

artifícios para assim ganhar com a diferença de taxa”31.

31 Direito Penal. Cit., v. 2, p. 246

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A segunda posição sustenta que há furto qualificado pelo emprego de

fraude na hipótese do emprego de artifícios para diminuir o consumo, entendendo

que, nessa condição ocorre fraude no furto, visto que no estelionato a entrega da res

furtiva é feita com a concordância da vítima, e no caso em estudo, tal entrega não

existe, pois foi obtida fraudulentamente.

A posição que mais se assemelha ao caso é a primeira: havendo

alteração do medidor estamos diante de um crime de estelionato, pois embora o

agente esteja subtraindo energia elétrica, tal energia lhe é colocada à disposição em

virtude do contrato de prestação, devendo ele pagar pelo que consome.

10.4. Furto Noturno

Conforme o art. 155, § 1º do Código Penal, a pena aumenta-se de um

terço se o crime é praticado durante o repouso noturno. É o chamado crime de furto

noturno (furtum nocturnum).

A exposição de motivos do Código Penal vigente, no item 56, afirma:

“É prevista como agravante especial do furto a

circunstâncias de ter sido o crime praticado durante o

período do Sossego Noturno”.

Trata-se de uma causa de aumento de pena só aplicável ao furto simples,

previsto no “caput” do art. 155, não se estendendo nas hipóteses de furto qualificado

previsto nos §§ 4º e 5º do mesmo32.

32 Não encontramos essa agravante nos Códigos Italiano, Russo, Espanhol, Peruano, Suíço, Argentino e noPolonês.

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As expressões noite e repouso noturno, não tem o mesmo sentido. A

primeira significa a negação da claridade do dia, ou seja, caracteriza-se pela

ausência da luz solar.

Segundo Ferri, astronomicamente, a noite começa no campo e na cidade

simultaneamente e, socialmente, inicia-se mais cedo no campo do que na cidade,

porque a civilização dotou o homem da iluminação artificial, prolongando, dessa

forma, a vida diária33.

A segunda expressão, repouso noturno, indica o tempo em que a cidade

ou local repousa, ou seja, é o período em que as pessoas de uma certa localidade

se recolhem para descansar, para dormir.

Contudo, deve-se levar em consideração as características do local, pois

o tempo do repouso noturno varia de uma região para outra (rural, urbana) e

também com costumes locais.

No centro de São Paulo, por exemplo às 21 horas, ninguém dirá que foi

praticado furto durante o período noturno, no entanto, numa fazenda do interior

ocorrerá a agravante, pois é comum as pessoas se recolherem cedo para o repouso

neste local.

Assim, o crime deve ter sido praticado durante tal período de repouso para

que o aumento seja aplicado, não bastando que o fato ocorra à noite.

Nélson Hungria afirma que:

“O que o Código tem em mira, com a maior

punibilidade do furto noturno, é única e exclusivamente

assegurar a propriedade móvel contra a maior

precariedade de vigilância e defesa durante o

33 Enrico Ferri. La notte nel condice penale, in há scuola positiva, p. 1028.

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recolhimento das pessoas para o repouso durante a

noite”34.

O sujeito quando pratica o furto durante o repouso noturno, encontra

maior facilidade por ocorrer menor capacidade de vigilância da vítima na guarda ou

seu patrimônio.

Parte da doutrina e também da jurisprudência entendem ser necessário

dois requisitos para caracterizar a agravante do repouso noturno: que a casa esteja

habitada e que haja moradores repousando no momento da subtração”35.

Para essa posição, visa-se assegurar a tranqüilidade das pessoas que

descansam e não a simples menor vigilância do patrimônio. Hungria, no entanto, não

reconhece o furto noturno quando os moradores estão em festiva vigília, ou seja,

não se acham repousando36.

Álvaro Maurynk sustenta que o critério de aferimento do repouso noturno

é variável segundo os valores e hábitos locais e sua razão existencial e discutível,

seria a maior impunidade do autor e a menor resistência do lesado. Só ocorre

quando a casa é habilitada e a vítima estava repousando, e não cabe o seu

reconhecimento em caso de ser estabelecimento comercial, ou ser praticado na via

pública37.

Outra parte da doutrina entende ser desnecessário que o fato seja

praticado em casa habitada e que haja moradores repousando.

Para essa corrente é suficiente que a subtração ocorra durante o período

de repouso noturno, pois a lei não está visando a tranqüilidade da vítima, mas sim, à

34 Comentários. Cit, v. 7, p. 2735 Nesse sentido: primeira exigência de casa habitada, RT 401/307, 507/412; segunda exigência de pessoasrepousando, RT 430/407, 442/43936 Comentários. Ob. Cit. V. 7, p. 3137 Álvaro Maurynk da Costa. Direito Penal, p. 357; Nesse sentido, também doutrina de Bento de Faria. CódigoPenal Brasileiro Comentado, p. 242.

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proteção do patrimônio desta, que fica exposto durante a noite a maiores riscos.

Esta é a posição predominante38.

Então, proteger-se-iam as casas comerciais contra os furtos ocorridos

durante o período de repouso, mas já se tem decidido não ocorrer a agravação em

furto praticado em casa comercial e também furto na rua39.

10.5. Furto Privilegiado

Conforme preceitua o § 2º do art. 155 do Código Penal, se o criminoso é

primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de

reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a

pena de multa. Trata-se do furto privilegiado, conhecido também como furto mínimo

ou furto de pequeno valor.

É necessário dois requisitos para que ocorra o privilégio: que o agente

seja primário e que a coisa furtada seja de pequeno valor:

O primeiro requisito é ser o criminoso primário, ou seja, não reincidente.

Para os fins penais, primário é a pessoa que, em razão de outro crime, não sofreu

condenação anterior com trânsito em julgado. Trata-se do criminoso que não é

reincidente.

Segundo o art. 63 do Código Penal, verifica-se a reincidência quando o

agente comete novo crime depois de transitar em julgado a sentença que, no país

ou no exterior, o tenha condenado por crime anterior.

38 Nesse sentido: orientação do STF e TACrimSP, RT 449/445 e E. Magalhães Noronha. Direito Penal, p. 22739 Nesse sentido: RT 529/321

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53

Se o sujeito comete um crime e, no transcorrer da ação penal vem a

cometer outro, ele não é reincidente; se o sujeito, condenado irrecorrivelmente pela

prática de um crime, pratica novo delito, é considerado reincidente.

Portanto, verifica-se a reincidência quando novo crime é cometido após a

sentença condenatória de que não cabe mais recurso. Faz-se necessária a

comprovação do trânsito em julgado da sentença condenatória anterior, com

menção da data em que se tornou irrecorrível40.

Alguns julgadores, além da primariedade exigem que o réu seja portador

de bons antecedentes e outros requisitos subjetivos referentes a personalidade,

conduta, para a obtenção do crime de furto privilegiado.

Segundo entendimento de Damásio e Mirabete41 é que devem concorrer,

além dos requisitos do § 2º do art. 155, outros, para se auferir a viabilidade da

concessão ou não do benefício ao acusado. Porém, alguns acórdãos entendem

bastar as circunstâncias do § 2º do art. 155 do Código Penal, uma vez que este não

inclui como requisito a existência de bons antecedentes, mas apenas de

primariedade.

O segundo requisito é ser de pequeno valor a coisa subtraída. O Código

Penal, entretanto, é omisso no conceito do que seria pequeno valor. Na

jurisprudência, reconheceu-se o furto privilegiado quando a coisa não alcança o

preço correspondente a um salário vigente à época do fato.

Portanto, considera-se coisa de pequeno valor aquela que, não exceda a

um salário mínimo vigente ao tempo do fato, mas, todavia, se excede em alguns

cruzeiros, o juiz não deve denegar o benefício.

40 Nesse sentido: JTACrimSP 16/226; 23/220; 43/32141 Damásio E. de Jesus. Direito Penal, p. 333 e Julio Fabbrini Mirabeti. Manual de Direito Penal., p. 204

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54

Há distinção entre o pequeno valor da res furtiva e o pequeno prejuízo

sofrido pela vítima. O primeiro é apurado no momento da consumação do crime, e o

segundo é apurado no final. Para a doutrina, somente se reconhece o furto

privilegiado quando a coisa for de pequeno valor42. Para a jurisprudência há duas

posições.

A primeira posição acompanha a doutrina, e é prestigiada pelo STF e STJ,

que ao pequeno valor da coisa furtada não se equipara o pequeno prejuízo

resultante do crime. Leva-se em conta o pequeno valor do objeto material ao tempo

da prática do furto. A segunda posição equipara pequeno valor e pequeno prejuízo43.

No art. 155, § 2º do Código Penal, a lei é expressa em exigir pequeno

valor da coisa furtada, não se trata do pequeno prejuízo sofrido pela vítima, pois é

possível a ausência de prejuízo decorrente da apreensão ou restituição da res

furtiva.

Em face do benefício, ou seja, com o reconhecimento do privilégio, o juiz

pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminui-la de um a dois terços,

ou aplicar somente a pena de multa. A primeira e a segunda hipótese podem ser

cumuladas.

Apesar da lei empregar a expressão “o juiz pode” tomar uma das três

atitudes previstas, uma vez presentes os requisitos legais, a aplicação do privilégio é

obrigatória, pois não se trata de simples faculdade do juiz, mas de um direito do réu.

Não se pode confundir o reconhecimento do privilégio do furtum

privilegiatum com o Princípio da Insignificância ou Bagatela. Enquanto no primeiro o

valor da coisa furtada é pequeno (pode alcançar até um salário mínimo na época

dos fatos) e existe condenação do réu com uma pena abrandada, ou seja,

42 Nesse sentido: Fragoso. Lições. Ob. Cit., v. 1, p. 302 e Damásio E. de Jesus. Direito Penal, p. 328/33343 Nesse sentido: RT 446/429; 493/332; JTACrSP 56/390

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tratamento penal menos severo, no segundo, o valor do objeto é inexpressivo,

juridicamente irrelevante, irrisório, como na subtração de um alfinete, por exemplo,

tratando-se de causa de exclusão da tipicidade.

Quanto à aplicação do privilégio ao furto qualificado, existem duas

posições.

Para a primeira, o benefício só incide sobre o furto simples e noturno

(“caput” e § 1º do art. 155); não se aplica ao § 4º 44.

Já para a segunda posição, o privilégio é aplicável às formas típicas

simples (“caput”) e qualificadas (§§ 1º e 4º)45, sob a argumentação de que a lei penal

não veda tal hipótese expressamente.

A opinião majoritária é no sentido de que a aplicação do privilégio ao furto

qualificado não é possível, pois a gravidade desse delito é incompatível com as

conseqüências brandas do privilégio, e também a posição em que se encontra os

parágrafos46, indica a intenção do Legislador que somente seja aplicado o privilégio

do furto simples e noturno, pois o privilégio no § 2º é anterior às qualificadoras dos

§§ 4º e 5º.

10.6. Furto Qualificado

O art. 155, § 4º, prevê as hipóteses em que se qualifica o crime de furto,

que revela maior periculosidade por parte do agente.

A primeira qualificadora diz respeito ao “crime praticado com destruição ou

rompimento de obstáculo à subtração da coisa (C.P., art. 155, § 4º, I)”.

44 Nesse sentido: RT 580/460; JTACrimSP 61/364. Essa orientação foi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça45 Damásio E. de Jesus. Direito Penal, p. 334/33746 Nesse sentido: Hungria, Fragoso. Comentários. Ob. Cit. V. 7, p. 32; Noronha. Direito Penal. Ob. Cit. V. 2, p.252 e 253

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Destruir é demolir, desfazer, desmanchar o obstáculo. Romper é

despedaçar, partir, separar, abrir. Obstáculo é o impedimento, a barreira, ou seja,

são as coisas existentes ou criadas com o escopo de impedir ou dificultar a

subtração da coisa. O obstáculo pode ser de natureza passiva, chamados

obstáculos passivos como muros, paredes, cofres, portas, fechaduras etc.; ou de

natureza ativa, chamados de obstáculos ativos como armadilhas, alarmes etc. Os

obstáculos visam proteger o bem patrimonial atingido.

Podem ser citados como exemplos mais corriqueiros, o arrombamento de

trincos, portas, janelas, fechaduras, neste caso, o sujeito estará rompendo obstáculo

à subtração da coisa e, também detonação de uma bomba na porta de um cofre,

estará se destruindo obstáculo à subtração. Basta a destruição total ou parcial, mas

o simples estrago na coisa não configura a qualificadora47.

É necessário que a conduta do agente atinja algum obstáculo que impede

a apreensão ou remoção do objeto que pretende subtrair (fechaduras, cadeados,

etc.) e não parte dele, ou seja, mas não a própria coisa48. Então, quando o agente

rompe quebra-vento de veículo para sua subtração, não incide a qualificadora. E

também não se aplica a qualificadora se o agente rompe os fios elétricos do sistema

de ignição do veículo49.

No entanto, incide a qualificadora no rompimento de quebra-vento de

veículo para subtração de bens de seu interior, como bolsa ou toca-fitas por

exemplo50.

Mas há entendimento de não incidir a qualificadora nessa hipótese, uma

vez que a violação para a subtração do veículo será simples e a violação para

47 Nesse sentido: 502/33748 Entendem assim: Noronha. Direito Penal. Ob. Cit. V. 2, p. 248 e; Fragoso. Lições. Ob. Cit. V. 1, p. 30349 Nesse sentido: RT 442/45350 Nesse sentido: RT 546/377 e JTACrimSP 56/30

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subtrair uma coisa menor (acessórios etc.) será qualificada, recebendo o agente

uma pena maior51.

Tem-se entendido que não é causa qualificadora do crime a ligação direta,

pois não há violência contra obstáculo à subtração do veículo52.

Se não houver rompimento ou destruição do obstáculo, não qualifica o

crime. Portanto, a simples remoção do obstáculo como desparafusar janelas, não

qualifica o crime no inciso I. Já para a remoção de telhas para furto em residência,

existem duas posições:

A primeira diz que configura a qualificadora e para a segunda, aplica-se a

qualificadora da escalada.

A qualificadora em questão, somente ocorre quando a destruição ou o

rompimento ocorre antes ou durante a tirada da coisa, ou seja, funcionando como

meio para a subtração, mas nunca depois de consumado o furto. Neste caso, fica

absorvido o crime de dano. Por outro lado, se o agente quebrar uma janela depois

de consumado o crime, responderá, em concurso material por furto simples e crime

de dano.

O exame pericial é indispensável para o reconhecimento da qualificadora,

ou seja, para constatar o rompimento ou destruição do obstáculo, pois é infração

que deixa vestígios.

As qualificadoras previstas no inciso II são se o “crime é cometido com

abuso de confiança ou mediante fraude, escalada ou destreza”.

Confiança é a credibilidade depositada em uma pessoa. Mário Hoeppner

explica que:

51 Nesse sentido: RT 661/304 e JTACrimSP 79/4152 Nesse sentido: JTACrimSP 21/48; 55/342

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58

“A confiança é um liame particular entre duas

pessoas. Decorre de estado particular de fidelidade. É o

vínculo que une o agente ao lesado”53.

Trata-se de circunstância subjetiva e é necessário que o agente tenha

consciência que pratica o fato com abuso de confiança, revelando maior

periculosidade, pois viola a confiança nele depositada. Ele pode valer-se da

confiança já existente ou captá-la da vítima propositadamente.

Essa qualificadora pressupõe dois requisitos: o subjetivo, referente ao

vínculo de confiança que a vítima, por algum motivo deposita no agente, como por

amizade, relação profissional; e o objetivo, decorrente da facilidade que o agente se

aproveita para executar a subtração. Se comete o furto de maneira que qualquer

outra pessoa poderia cometer, não haverá qualificadora.

A mera relação empregatícia, por si só, é insuficiente à caracterização do

crime de furto com abuso de confiança, porque para haver a qualificadora se exige a

relação de confiança entre ambos; e é através da confiança que o crime se perpetra.

Há decisões que entendem haver qualificadora quando o furto é praticado

por vigia ou guarda-noturno, pois a vítima deposita confiança no agente em razão da

própria atividade54. Exemplo: o vigia fica com todas as chaves do escritório.

Quanto ao empregado que subtrai objetos do local de trabalho, a posição

majoritária é que ele não comete furto qualificado, mas furto simples com agravante

genérica das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade (art. 61, II,

C.P.); pois é irrelevante a mera relação empregatícia, exige-se um vínculo especial

de lealdade ou fidelidade.

53 Mário Hoeppner Dutra. O Furto e o Roubo. Cit. p. 19154 Nesse sentido: JTACrimSP, 57/56, 59/167 e 84/371

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Em relação à empregada doméstica, não basta a relação empregatícia, é

necessário que a relação de confiança tenha sido a causa da prática delituosa para

haver qualificadora. Não incide a qualificadora meretriz que furta bens da vítima55.

A diferença entre o furto qualificado com abuso de confiança com o crime

de apropriação indébita (CP, art. 168) é clara; em ambos ocorre a quebra da

confiança, mas no furto o sujeito subtrai objetos da vítima aproveitando-se da menor

vigilância em razão da confiança, enquanto que na apropriação indébita, a própria

vítima entrega o bem ao agente, e este, não devolve.

Fraude é o artifício, o ardil, o meio enganoso, malicioso, usado pelo

agente para subtrair o bem. Não haverá qualificadora se a fraude for praticada após

a consumação do crime de furto; a ação deve ser dirigida à coisa no momento da

subtração56.

Com a fraude o agente engana a vítima, fazendo com que a res furtiva

seja subtraída com maior facilidade. Exemplo clássico de crime de furto qualificado

pela fraude é quando o agente se apresenta à vítima passando-se por funcionário da

companhia de água e ingressa em sua residência, e a vítima, acreditando que se

trata de um funcionário, exerce menor vigilância sobre suas coisas, facilitando a

subtração.

Outros exemplos: quem distrai a balconista mandando-a em busca de

outra mercadoria para subtrair coisa; quem se apresenta como convidado em uma

festa para ingressar na residência que vai furtar; quem se finge de doméstica e se

emprega apenas para furtar57; sujeito que distrai o vendedor enquanto o outro

subtrai bens; sujeito que se diz policial para penetrar no local da subtração58.

55 Nesse sentido: RT 485/35156 Nesse sentido: JTACrimSP 69/35457 Nesse sentido: JTACrimSP 24/8758 Nesse sentido: JTACrimSP 55/240

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O furto mediante fraude não se confunde com o estelionato (CP, art. 171,

caput). Naquele, o bem é tirado da vítima sem que esta perceba que está sendo

desapossada. No estelionato, a fraude visa fazer com que a vítima incida em erro,

entregando espontaneamente a coisa ao agente.

Se o sujeito se apresenta como motorista e leva o automóvel, é

estelionato e não furto59. Se o sujeito se apresenta ao lava-rápido como encarregado

da retirada do veículo, paga a conta e dele se apropria, é estelionato.

A escalada é o ingresso no local do furto por via anormal, ou seja, por

meio anormal de uso e com o emprego de meios artificiais como escadas, cordas,

ou que o agente atue com agilidade ou grande esforço para adentrar ao local, como

transpor um muro muito alto.

O Código Penal Belga considera escalada toda entrada nas casas,

habitações, pátios, telhados ou qualquer outra espécie de recinto (art. 486)60.

A escalada configura ato executório e não preparatório do crime de furto61.

A colocação da escada é ato preparatório, pois a execução tem início com a

escalada. A escalada é uma circunstância de caráter objetivo, que se comunica aos

co-autores do crime.

Não caracteriza o furto qualificado pela escalada quando a entrada for por

janela que não necessite ser escalada e quando se tratar de muro ou obstáculo de

pequena altura, pois o agente tem que se utilizar esforço incomum ou empregar

escada ou corda para qualificar o crime.

59 Nesse sentido: JTACrimSP 68/30460 Esta modalidade de agravante ainda é prevista em algumas legislações, como: Alemã, art. 243, § 3º;Portuguesa, art. 426 § 6º; Argentina, art. 767 § 3º e outras.61 Nesse sentido: JTACrimSP 37/338

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61

A escalada de muro com dois metros de altura qualifica62 e também se a

janela for muito alta, desprendendo o agente esforço físico63. A escavação de túnel

para entrar no lócus delicte também é utilização de via anormal e tipifica o crime

qualificado.

Nélson Hungria entende que tanto a entrada como a saída do agente por

meio anormal, podem qualificar o crime de furto por escalada64.

Quanto à subida do agente em poste para subtração de fio elétrico,

dividida é as posições. Para a primeira, não incide a qualificadora, pois a subida do

agente em poste, para a subtração de fios elétricos, ainda que o seja com esforço

incomum, não configura a qualificadora da escalada, porque o posto não representa

meio de defesa de proteção a coisa65.

Em sentido contrário, diz ser causa que qualifica o crime de furto pela

escalada66. Com razão está a primeira posição.

Quanto à remoção de telhas para o agente ingressar no local, alguns

acórdãos entendem tratar-se da qualificadora de rompimento de obstáculo, e outros

de escalada.

Como a escalada nem sempre deixa vestígios, o exame pericial não é

necessário, podendo a qualificadora ser provada por outro meio. Mas há

entendimento em sentido contrário, dizendo ser indispensável67.

A destreza revela a habilidade especial do agente, habilidade esta que

pode ser física ou manual, permitindo a subtração sem que a vítima perceba que

está sendo desapossada de seus bens. Caso típico de destreza é a “punga” dos

62 Nesse sentido: TACrSP, RT 600/36163 Nesse sentido: JTACrimSP 26/71 e 54/25064 HUNGRIA, Nélson. Comentários. Cit. V. 7, p.; 41; JTACrimSP 75/40565 Nesse sentido: JTACrimSP, 30/5666 Nesse sentido: JTACrimSP 98/28967 Nesse sentido: RT 435/350

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batedores de carteiras; “punguistas” na gíria criminal brasileira e “pick-pockets” na

Inglaterra.

Para incidir essa qualificadora, a vítima tem que trazer seus pertences

junto a si, como no bolso do paletó, um anel, uma bolsa, e trata-se de conduta do

agente no ato da subtração, pois a destreza posterior, para facilitar a fuga ou o

transporte da res furtiva, não qualifica o crime.

Não configura a destreza o arrebatamento violento ou inopinado, como no

caso do sujeito tirar o objeto violentamente da vítima. Também, se a vítima está

dormindo durante a subtração ou está embriagada, não há que se falar em destreza,

e não há qualificadora; existe apenas furto simples.

Se o agente é inábil fazendo-se notar pela vítima, responderá por tentativa

de furto simples68. Pois sendo a destreza uma habilidade especial do agente, se a

vítima percebe a subtração, não ocorre a qualificadora, uma vez que a própria

inabilidade impede a consumação do crime. Essa é a posição dominante, pois há

entendimento minoritário que o agente responde por tentativa de furto qualificado,

pois o que caracteriza a circunstância qualificadora é o meio empregado,

independentemente da habilidade.

Por outro lado, se a conduta do agente é vista por terceiro, responderá por

tentativa de furto qualificado para a posição dominante e que corresponde à melhor

orientação, pois a destreza deve ser analisada sob o aspecto da vítima, e se ela não

percebe o ato, é irrelevante que terceiro tenha impedido a consumação do crime. A

posição minoritária entendeu o agente responder por tentativa de furto simples.

68 Nesse sentido: RT 330/196; 355/352

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Entendeu-se haver destreza, se o agente cortar a bolsa ou o bolso da

vítima, sem que esta perceba a subtração. Neste caso há furto qualificado pela

destreza.

No inciso III, qualifica-se “o crime de furto se é cometido com emprego de

chave falsa”.

Chave falsa significa todo instrumento utilizado pelo agente, com ou sem

forma de chave, destinado a abrir fechaduras como, por exemplo, grampos, pregos,

arames, etc., e também a imitação da verdadeira. Trata-se de circunstância objetiva.

Todavia, se o agente romper ou destruir a fechadura com violência, haverá furto

qualificado pela destruição ou rompimento ou obstáculo à subtração da coisa (inciso

I, 4º, art. 155).

Galdino Siqueira enuncia as seguintes modalidades principais de chaves

falsas:

“1 – Todo Instrumento contrafeito, imitado ou alterado

para abrir as portas ou móveis alheios; 2 – A Gazua, isto

é, o ferro torto ou de gancho, que abre fechaduras, como

também qualquer instrumento que não é destinado a

faze-lo regularmente”69.

Se a chave é encontrada na fechadura, não há furto qualificado, mas

simples, pois a qualificadora aumenta a pena da pessoa que se preocupou em fazer

uma chave falsa, pois revela periculosidade por parte do agente; o que não acontece

se a vítima deixa a chave na porta e o sujeito a encontra70.

69 Galdino Siqueira. Tratado de Direito Penal, p. 46270 Nesse sentido: RT 460/366; JTACrimSP 68/286

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Se o agente consegue apanhar a chave verdadeira, de forma ardilosa,

para abrir fechadura e efetuar a retirada do objeto temos, neste caso, furto

qualificado pelo emprego de fraude, mas não pelo emprego de chave falsa. Pois não

se pode considerar falsa a chave verdadeira, embora haja entendimento contrário,

pois Noronha equipara à falsa a chave verdadeira furtada71.

Também foi decidido que o uso de chave falsa ou ligação direta para pôr o

veículo em movimento não qualifica o furto72. Só se considera chave falsa a usada

no exterior do carro, para abri-lo.

Quanto à perícia, se é necessária ou não, existem duas orientações: a

primeira diz ser preciso a perícia pois sem o exame do instrumento usado como

chave falsa para conhecer sua eficiência, desclassifica-se para furto simples73; a

segunda orientação diz que o emprego de chave falsa não deixa vestígios, e

portanto, é dispensável a realização do exame pericial74.

É ainda qualificado o crime, “quando cometido mediante concurso de duas

ou mais pessoas”.

Trata-se de qualificadora de caráter objetivo. A circunstância do concurso

de agentes denota maior periculosidade dos mesmos, que reúnem forças para a

prática do delito.

Como sujeitos ativos do crime, devem figurar no mínimo, duas pessoas,

ainda que uma delas seja inimputável (doente mental, menor, etc.) ou que não

sejam todas identificadas, bastando que seja comprovada a existência.

71 Direito Penal. Ob. Cit. V. 2, p. 251. Nesse sentido também: Luiz P. de Carvalho. Furto, Roubo e Latrocínio.Ob. Cit., p. 3472 Nesse sentido: RT 481/408, 558/35973 Nesse sentido: RTJ 86/526; RF 191/29874 Nesse sentido: RT 438; JTACrimSP 39/287

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Não é preciso que as duas ou mais pessoas estejam presentes no local

da subtração, pois a lei fala em crime cometido mediante duas ou mais pessoas, e

comete crime àquele que concorre para a sua realização (C.P., art. 29, “caput”). A lei

não diz “subtração cometida mediante duas ou mais pessoas”, pois quando a lei

quer a execução por todos os envolvidos, ela utiliza outra expressão. Exemplo é o

art. 146, § 1º que preceitua:

“...quando, para a execução do crime, se reúnem mais

de três pessoas”.

Essa é a orientação de Damásio e Fragoso, que a qualificadora atinge

todas as pessoas envolvidas, mesmo que não tenham praticado atos executórios e

mesmo que só uma tenha estado no local do crime75.

Em sentido contrário é a doutrina de Hungria que, segundo seu

entendimento:

“é necessário a presença in loco dos concorrentes, ou

seja, a cooperação deles na fase executiva do crime”76.

E, assim também decidiu recentemente o STF. A primeira orientação é a

que tem mais amparo legal.

É imprescindível à qualificadora o vínculo psicológico, ou seja, o liame

subjetivo que deve ser estabelecido pelo menos até antes da consumação.

Se o furto é cometido por quadrilha, não ocorre a qualificadora em estudo,

conforme decidiu STF; respondem os sujeitos por quadrilha (C.P., art. 288) e furto

simples, pois haveria bis in idem.

75 Direito Penal. Cit. V. 2, p. 342/343; Lições. Cit. V. 1, p. 27776 Comentários. Ob. Cit. V. 7, p. 46/47

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Havendo dois agentes, se um deles for absolvido pelo crime de furto, o

outro irá responder somente pelo crime de furto simples77.

Havendo concurso de qualificadoras, uma delas qualifica o delito e a outra

deve ser considerada como agravante para os fins de aplicação da pena.

O § 5º do art. 155, foi inserido no Código Penal pela Lei nº 9.426 de

24/12/96, e traz a seguinte redação:

“A pena é de reclusão de três a oito anos, se a

subtração for de veículo automotor que venha a ser

transportado para outro estado ou para o exterior”.

Trata-se de mais uma espécie de furto qualificado e, por ser mais severa

que a lei anterior, não retroage, não atingindo assim, os fatos ocorridos antes da

data de 26/12/96.

São requisitos para haver a qualificadora: a coisa subtraída deve ser

veículo automotor e o veículo deve ser transportado para outro Estado ou para o

exterior.

O objeto material é veículo automotor, que significa todo veículo de motor

de propulsão que circule por seus próprios meios, ou seja, se move mecanicamente,

e que serve normalmente para o transporte de pessoas ou coisas. Abrange,

portanto, caminhões, automóveis, aeronaves, lanchas, etc.

Para qualificar o crime, exige-se que o veículo tenha transposto os limites

do Estado ou do Território Nacional, ou seja, é indispensável que o veículo seja

transportado para outro Estado ou para o exterior, para que a qualificadora se

considere caracterizada.

77 Nesse sentido: JTACrimSP 65/422 e 85/469

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Se, por exemplo, o agente vem a ser surpreendido nas proximidades da

fronteira de São Paulo (onde ocorreu a subtração) da divisa com Minas Gerais, para

onde se dirigia, a pena não é agravada. Também, se se encontra perto da fronteira

brasileira com o Paraguai, para onde pretendia levar o automóvel.

O momento consumativo do crime de furto, não está condicionado à

consecução da finalidade pretendida pelo agente, que é o efetivo transporte do

veículo para outro Estado ou para o exterior.

A qualificadora somente terá aplicação quando já havia intenção de ser

efetuado o transporte do veículo, ou seja, é necessário que o agente saiba que o

veículo está sendo transportado para outro Estado ou para o exterior.

Se uma pessoa, que não teve participação no furto, é posteriormente

contratada para efetivar o transporte, responde por receptação dolosa (art. 180,

“caput’), e não por furto qualificado. Mas, quem concorre para o transporte, tendo

conhecimento da circunstâncias, responde por furto qualificado.

O crime de furto de veículo automotor não comina pena de multa

cumulativa com a pena privativa de liberdade.

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11. PENA E AÇÃO PENAL

A pena do furto simples (art. 155, “caput”, C.P.), é de reclusão, de um a

quatro anos e multa.

Se o furto é cometido durante o repouso noturno (art. 155, § 1º, C.P.), as

penas são aumentadas de um terço.

No furto privilegiado (art. 155, § 2º do C.P.) o juiz pode substituir a pena

de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a

pena de multa.

O furto qualificado (art. 155, § 4º do C.P.) é apenado com reclusão, de

dois a oito anos, e multa. Tratando-se de veículo automotor que venha a ser

transportado para outro Estado ou para o exterior (art. 155, § 5º do C.P.), a pena é

de três a oito anos de reclusão.

A ação penal para o delito de furto, no silêncio do legislador, é pública

incondicionada; é promovida pelo próprio Estado-Administração, por intermédio do

M.P. Todavia, a ação penal poderá ser pública condicionada à representação, que

ocorre nos casos do art. 182 do Código Penal, a saber:

“Se o crime é cometido em prejuízo do cônjuge

judicialmente separado, de irmão, e de tio ou sobrinho,

com quem o agente coabita”.

11.1. Imunidades Penais Absolutas

É isento de pena, de acordo com o art. 181 do Código Penal, quem

comete crime contra o patrimônio, em prejuízo do cônjuge, na constância da

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sociedade conjugal; e de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou

ilegítimo, seja civil ou natural.

É a chamada imunidade penal absoluta ou escusa absolutória. Escusa

significa desculpa. Objetiva-se preservar a honra e a paz da família, e tem como

conseqüência a total isenção de pena para o autor da infração penal.

O rol é taxativo, pois a isenção de pena aplica-se somente para as

pessoas ali mencionadas; tal imunidade penal absoluta não se aplica ao estranho

que participa do crime (art. 183, II do C.P.).

A imunidade só vale para os crimes contra o patrimônio, como no caso de

furto; não é aplicada aos delitos conexos de outra natureza.

No inciso I, o fato tem que ocorrer durante a constância da sociedade

conjugal, ou seja, antes de eventual separação judicial. Se a esposa furta o marido

enquanto estão casados e depois se separam, a imunidade permanece; mas, se o

crime acontece antes do matrimônio, a celebração deste não traz a imunidade ao

agente.

Se o objeto apenas estava na posse do cônjuge, mas pertencia a terceiro

estranho, subsiste a punibilidade, uma vez que resultou prejuízo a terceiro.

O regime de bens adotado é irrelevante, e a escusa será cabível.

Quanto a separação de fato, há duas posições: a primeira diz que não

exclui a imunidade78, e a segunda diz que fica excluída79.

Uma vez que as partes ainda se encontram na constância da sociedade

conjugal, a separação de fato ou de corpos não exclui a imunidade.

Casamento e concubinato possuem características diferentes. Entretanto,

o art. 226, § 3º da Constituição Federal estabelece que:

78 Nesse sentido: RT 506/43179 Nesse sentido: RTJ 39/306

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“Para efeito de proteção do Estado é reconhecida a

união estável entre o homem e a mulher como entidade

familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em

casamento”.

O companheiro é equiparado ao cônjuge, e a escusa absolutória deve

estender-se à hipótese de união estável.

Há entendimento de que a imunidade deve ser aplicada aos concubinos,

uma vez que formam, tal como os cônjuges, uma entidade familiar. Mas a doutrina

tradicional diz que não se aplica o instituto aos concubinos, porque a lei só faz

referência aos cônjuges, durante a constância da sociedade conjugal.

O inciso II determina a aplicação da escusa absolutória se o sujeito

praticar crime em prejuízo de ascendente (bisavós, avós, pais) ou descendentes

(filhos, netos, bisnetos).

Como a Constituição Federal veda qualquer distinção em razão ao estado

de filiação, atualmente é dispensável o esclarecimento feito pela lei entre parentesco

legítimo ou ilegítimo, natural ou civil.

O parentesco por afinidade não é atingido pela imunidade, como o sogro,

sogra, nora ou genro. Os primos também não são alcançados pela imunidade80.

Não é suficiente a simples alegação de parentesco; exige-se prova

idônea.

80 Nesse sentido: JTACrimSP 24/354

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11.2. Imunidades Penais Relativas

As imunidades relativas, também chamadas de imunidades processuais,

não tem como conseqüência a extinção da punibilidade, mas sim, a transformação

da ação penal de pública incondicionada para pública condicionada à representação.

Essas imunidades não se aplicam aos crimes que se apuram mediante queixa (ação

penal privada, ex. crime de dano simples, art. 163, “caput”, C.P.).

A autoridade policial não pode instaurar o inquérito policial sem a

manifestação da vontade do ofendido ou de seu representante legal.

O inciso I, aplica-se quando o crime é cometido em prejuízo do cônjuge

desquitado (pela antiga legislação civil) ou judicialmente separado. A ação penal

somente se procede mediante representação. Não há imunidade se o fato ocorre

após o divórcio.

No inciso II é cabível a imunidade relativa quando o crime verifica-se entre

irmãos. Vale tanto para os irmãos, filhos do mesmo pai e mãe, chamados de

germanos, quanto para os irmãos filhos apenas do mesmo pai ou da mesma mãe,

chamados de irmãos unilaterais.

O inciso III tem aplicação quando tio e sobrinho coabitam juntos. Coabitar

significa morar juntos, na mesma residência, de forma não transitória. É irrelevante

que o crime seja praticado no lugar da coabitação, podendo ser em qualquer outro

lugar.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, conclui-se pelos caminhos que foram perseguidos, que

o estudo do furto e sua aplicação exigem acentuado conhecimento jurídico.

O Furto, como crime contra o patrimônio, é um fato potencialmente penal,

que pode ser praticado por qualquer pessoa física, salvo o próprio proprietário, e

tendo como sujeito passivo o titular da posse ou propriedade.

O tipo objetivo é subtração de “coisa alheia móvel”, e o elemento subjetivo

é o “dolo”, a vontade livre e consciente de cometer a subtração.

Tendo o objetivo de possuir um valor, este necessariamente não precisa

ser econômico, ou seja, possuir valor de troca, pode ter apenas valor sentimental

que represente uma utilidade ou importância para seu dono.

A subtração de coisas com valores ínfimos, não constitui crime de furto,

pois não tem relevância jurídica a sua subtração, não sendo preciso mover a

máquina judiciária. Pelo Princípio da Bagatela, portanto, não se reconhece o crime

diante da insignificância da lesão jurídica.

Ta,bem, não comete crime o sujeito que furta alimentos para matar a

fome, se o fez em estado de extrema necessidade.

Quanto ao momento consumativo do delito, a dúvida foi dirimida, sendo

observadas inúmeras teorias. O furto se consuma quando o objeto é retirado da

esfera de disponibilidade da vítima e ingressa na disponibilidade do autor, obtendo a

posso de forma tranqüila, ainda que por poucos instantes.

Em se tratando de furto qualificado pelo rompimento ou destruição de

obstáculo à subtração da coisa, sendo o obstáculo atingido, aquele que impede a

remoção ou apreensão do objeto, e não a própria coisa; não incide a qualificadora

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no rompimento de quebra-vento para subtrair automóvel, mas incide se for para

retirada dos objetos que se encontram no interior do mesmo.

Encerra-se por aqui, a presente monografia, sendo de nossa ciencia que

de maneira alguma, foi ainda esgotado o tema ora proposto.

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BIBLIOGRAFIA

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XAVIER, Carlos. Os Crimes Contra o Patrimônio. Rio de Janeiro [S.E.], 1942.

JURISPRUDÊNCIA

JTACrimSP: Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo.

RT: Revista dos Tribunais, Editora Revista dos Tribunais.