Literatura Portuguesa: MODERNA E...

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2010 LITERATURA PORTUGUESA: MODERNA E CONTEMPORÂNEA JUREMA OLIVEIRA

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2010

Literatura Portuguesa:

MODERNA E CONTEMPORÂNEAJureMa oLiVeira

IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

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O48 Oliveira, Jurema. / Literatura portuguesa moderna e contemporânea / Jure-ma Oliveira. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2010.

216 p.

ISBN: 978-85-387-0323-5

1.Literatura portuguesa – Estudo e ensino. 2.Literatura portuguesa – História. 3. Literatura portuguesa – História e crítica. I.Título.

CDD 869.07

Jurema Oliveira

Pós-doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense (FAPERJ/UFF). Dou-tora em Letras pela UFF. Mestre em Literatura Portuguesa pela Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Graduada em Letras pela UFRJ.

Sumário

Gêneros literários e tradição oral ........................................ 13

A figura do narrador ................................................................................................................. 16

A moderna literatura africana ............................................................................................... 17

A arte de narrar .......................................................................................................................... 18

Angolanidade, moçambicanidade, cabo-verdianidade e são-tomensidade ...... 19

Sophia de Mello Breyner e os mistérios literários ......... 29

A narrativa de Sophia de Mello Breyner Andresen ....................................................... 29

A poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen ............................................................ 32

Claridade e Certeza ................................................................... 47

Pressupostos teóricos da revista Claridade ...................................................................... 49

Pressupostos teóricos da revista Certeza .......................................................................... 51

A renovação e a ampliação com Claridade ...................................................................... 53

Os poetas e prosadores pós-Claridade e Certeza ........................................................... 54

A poesia africana na contemporaneidade ...................... 63

A poesia de Arlindo Barbeitos .............................................................................................. 65

A poesia de José Luís Mendonça ......................................................................................... 66

A poesia de Ruy Duarte de Carvalho .................................................................................. 68

A poesia de Eduardo White ................................................................................................... 69

A poesia de Luís Carlos Patraquim ...................................................................................... 70

Agostinho Neto e a modernidade literária em Angola ..................................... 81

A poesia denunciatória ........................................................................................................... 82

Mensagem: espaço de resistência ........................................................................................ 85

A formação do romance angolano ..................................................................................... 87

Os anos de luta libertária no discurso literário ............................................................... 88

José Craveirinha e a moçambicanidade .......................... 97

Características da poesia de José Craveirinha ................................................................ 97

A musicalidade da poética moçambicana .....................................................................100

A reinvenção vocabular ........................................................................................................103

Uma estética da oratória .......................................................................................................104

O musseque como matriz: a narrativa de José Luandino Vieira .................................115

Musseque: um espaço marginalizado .............................................................................115

Bairros periféricos: cenário de violência..........................................................................116

O real diário como base discursiva ...................................................................................117

A formação matricial africana .............................................................................................118

A força das mulheres do musseque ..................................................................................120

A história literária e a construção identitária angolana .............................................121

O Mosteiro e o discurso contemporâneo .......................131

A casa das Teixeiras ou a casa de Avis ..............................................................................132

Uma casa em construção .....................................................................................................133

Belchior: a voz da reescritura narrativa ...........................................................................135

O duplo loucura–sanidade ..................................................................................................138

Perda identitária ......................................................................................................................139

A Costa dos Murmúrios: uma autoanálise do destino português .........................147

Revolução dos Cravos ............................................................................................................148

Uma crítica à colonização .....................................................................................................148

Um conceito de romance .....................................................................................................149

O discurso do outro ................................................................................................................152

José Saramago: história, ficção e identidade ...............161

O Memorial em Saramago ....................................................................................................162

Reescrevendo a história ........................................................................................................163

As incertezas da contemporaneidade .............................................................................164

A escrita de um novo tempo ...............................................................................................166

Fernando Pessoa segundo Saramago .............................................................................168

Mia Couto e a narrativa contemporânea moçambicana .........................................181

A narrativa pós-colonial ........................................................................................................181

Conceituando o conto a partir de Cada Homem é uma Raça ..................................183

O hibridismo literário .............................................................................................................184

Um discurso reinventado .....................................................................................................186

O romance em Angola: ficção e história em Agualusa ............................................197

Narrativa pós-colonial ...........................................................................................................198

A conjuntura: a crônica como caminho ...........................................................................200

Nação Crioula: um passeio pelo século XIX ...................................................................201

Estação das Chuvas: um tempo de expurgar a dor ......................................................202

O Vendedor de Passado e suas histórias ...........................................................................206

Anotações .................................................................................215

Apresentação

O objetivo da disciplina literatura portuguesa moderna e contemporânea é estabelecer os parâmetros primordiais da transição da literatura portuguesa da fase modernista para o período contemporâneo, bem como apresentar os prin-cípios norteadores da construção identitária da literatura africana de língua por-tuguesa. Assim, as experiências poéticas e ficcionais das tendências mais recen-tes da literatura portuguesa e africana serão a base do discurso estético e crítico desta disciplina.

No primeiro capítulo, trata-se da questão “gêneros literários e tradição oral”. Aspecto, inclusive, que influenciou as gerações de poetas e escritores portugue-ses do século XX. No segundo capítulo, com o intuito de explorar característi-cas inerentes à poesia e prosa de cunho testemunhal e memorialista estuda-se “Sophia de Mello Breyner e os mistérios literários”. Os elementos oriundos da tra-dição oral se fazem presente em toda produção literária desta escritora, já que em entrevista concedida a Eduardo Prado Coelho para a Revista n.°6 do ICALP (Instituto de Cultura e Língua Portuguesa) Sophia de Mello Breyner faz a seguinte afirmação: “comecei a contar histórias para meus filhos a partir de fatos e lugares da minha infância (sobretudo lugares)”.

No terceiro capítulo intitulado: “Claridade e Certeza”, procura-se traçar os pa-râmetros sustentadores da literatura de Cabo Verde, já que este país apresenta características bastante diversificadas por ser um arquipélago. Desta forma, em sua formação inicial contou com a participação de africanos de diversas regiões, logo, Cabo Verde nasce de uma miscigenação necessária ao desenvolvimento da colonização portuguesa naquela parte do continente africano. Diante disso, para dar continuidade às análises críticas acerca da poesia, desenvolve-se o quarto ca-pítulo enfatizando a temática “a poesia africana na contemporaneidade”.

Seguindo uma linha paradigmática, o quinto capítulo foi dedicado ao mentor da nação angolana, Agostinho Neto – poeta e primeiro presidente da Repúbli-ca Democrática de Angola – bem como a modernidade da literatura em Angola desde os seus primeiros passos para a promoção da luta libertária, até a atuali-dade. Com o intuito de fechar o ciclo poesia, constrói-se o sexto capítulo sobre o poeta fundador da estética de valorização da cultura de Moçambique. Assim, sob o título: “José Craveirinha e a moçambicanidade”, procura-se estabelecer os conceitos de africanidade, a musicalidade como marca específica da poética de Moçambique e a reinvenção vocabular do poeta da Mafalala, José Craveirinha.

Os capítulos subsequentes serão dedicados à prosa de autores que valorizam o espaço ficcional de Angola como Luandino Vieira, o cenário português como Agustina Bessa Luís que estabelece um diálogo entre a Revolução dos Cravos e a história dos feitos portugueses. Nessa dinâmica discursiva, destaca-se também

Lídia Jorge autora de A Costa dos Murmúrios, romance que denuncia a relação violenta entre o colonizador e o colonizado. Neste processo de traçar os perfis de uma literatura contemporânea de África de língua portuguesa e de Portugal não se pode deixar de estudar José Saramago, um autor que desde a sua primeira obra redimensiona a ideia de história, ficção e identidade para estabelecer a dinâ-mica do pensamento da contemporaneidade.

Assim, se Portugal tem um Saramago que se consagrou como ficcionista que recorre à História para recontá-la de forma inovadora, Moçambique tem um Mia Couto, um autor capaz de articular tradição oral com aspectos oriundos da cultu-ra portuguesa para criar uma prosa poética híbrida. No capítulo final, intitulado: “O romance em Angola: ficção e história em Agualusa”, explora-se entre outras questões a narrativa pós-colonial que desconfia daquele discurso sacralizado pela urgência histórica.

Gêneros literários e tradição oral

O momento em que se verifica o início de uma regularidade na ativida-de literária e, nos moldes ocidentais, cultural na África está intimamente ligado à implantação e ao desenvolvimento do ensino privado ou sancio-nado pelo Governo da Metrópole.

As primeiras iniciativas governamentais relacionadas com a educação na África datam de 1740, mas só a partir da segunda metade do século XIX foram tomadas as medidas cabíveis para desenvolver o ensino em Cabo Verde, primeira colônia portuguesa a ser beneficiada pelo projeto de “ins-trução pública no ultramar”.

Nos documentos oficiais (boletins) de Cabo Verde, verificam-se algu-mas das providências acerca da instrução pública ultramarina, como: “es-colas principais, materiais de ensino, provimento, vencimentos, jubilação e aposentadoria dos professores, criação dos conselhos inspetores de ins-trução primária, sua composição e deveres” (FERREIRA, 1987, p. 9). Cabe ressaltar que o prelo1 foi instalado nas colônias portuguesas nas seguintes datas: Cabo Verde, 1842; Angola, 1845; Moçambique, 1854; São Tomé e Príncipe, 1857; Guiné-Bissau, 1879.

A instalação do prelo em Angola abre espaço para a publicação de Es-pontaneidades da Minha Alma (1849), de José da Silva Maia Ferreira, pri-meira obra de língua portuguesa impressa na África, mas não a primeira produção literária de autor africano. Segundo Manuel Ferreira, Tratado breve dos reinos (ou rios) da Guiné, de autoria do caboverdiano André Álva-res de Almada, foi escrito em 1594.

A produção literária nos países africanos divide-se em duas fases: a da literatura colonial e a das literaturas africanas. A primeira exalta o homem europeu como herói mítico, desbravador das terras inóspitas, portador de uma cultura superior. A segunda constitui-se inversamente, pois nela o mundo africano passa a ser narrado por outra ótica. O negro é privilegiado

1 Imprensa oficial ligada à Administração da colônia.

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Gêneros literários e tradição oral

e tratado com solidariedade no espaço material e linguístico do texto, embora não sejam excluídas as personagens europeias (de características negativas ou posi-tivas). É o africano que normalmente preenche os apelos da enunciação e é ele quase exclusivamente, enquanto personagem ficcional ou poético, o sujeito do enunciado.

Os cuidados e os esmeros do sujeito enunciador são os de organicamente moldar o enunciado com os ingredientes significativos e representativos da especificidade africana. Se colocados lado a lado dois textos, um de literatura colonial e outro de literatura africana, é como se procedêssemos a uma justaposição de brusco contraste. (FERREIRA, 1987, p.13-14)

Diante disso, pode-se dizer que o universo literário e cultural dos naturais da terra, nas literaturas africanas, é valorizado e explorado significativamente, pois, quando os autores negam a legitimidade do colonialismo no discurso literá-rio, fazem da revelação e valorização do mundo africano a raiz primordial tanto na ficção quanto na poesia, que, inicialmente, foram registradas em jornais ou folhetins.

As literaturas africanas de língua portuguesa, do ponto de vista linguístico, contam com numerosos termos, expressões, provérbios oriundos das línguas fala-das nos vários grupos étnicos em Angola e Moçambique, enquanto em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau se usam duas línguas: a portuguesa e a crioula.

Cabe ressaltar que o crioulo falado em Cabo Verde é muito similar ao da Gui-né-Bissau, e denominado crioulo pelo povo da terra; já em São Tomé e Príncipe era e é chamado de forro – denominação dada tanto à língua quanto aos natu-rais da terra – por ser usado primeiramente pelas camadas mais pobres, e ile-tradas, já que a língua portuguesa era falada apenas pela burguesia mestiça ou negra que lá se formava. Após a independência, o crioulo adquiriu autonomia e passou a ser valorizado e falado em todas as camadas sociais das ex-colônias cabo-verdiana, guineense e são-tomense.

Em 1846, um ano após a instalação do prelo em Angola, publicaram-se no Boletim Oficial dessa colônia alguns textos literários. Por volta de 1874, verifica-se o aparecimento da Imprensa livre angolana, publicação de registros de expe-riências literárias e artigos, e cujo mérito era levantar a bandeira da democracia republicana almejada pelos intelectuais africanos e portugueses engajados na busca de uma imprensa propagadora das realidades africanas.

Gêneros literários e tradição oral

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Os estilos narrativos mais produtivos foram a crônica e o panfleto, este de caráter doutrinário e político. Outro gênero literário valorizado nessa fase foi o folhetim, que agradava tanto aos africanos como aos portugueses. Eram publi-cados na colônia e algumas vezes reeditados na metrópole:

Africanos, portugueses e brasileiros publicavam nos espaços comuns dos almanaques, boletins, jornais, revistas e folhetos. Não tinham surgido ainda as designações de literatura angolana, moçambicana ou são-tomense com caráter de sistema nacional, mas a escrita já deixara de ser espaço de europeidade absoluta para se tornar contaminação relativa de línguas. De facto, poetas portugueses, e angolanos intercalavam no texto em português, mais extenso, frases, diálogos, versos, lexemas em língua banta, quase que exclusivamente o quimbundo. A integração é perfeita, na coerência do sentido e da sonoridade e na coesão dos segmentos e dos ritmos. (LARANJEIRA, 1992, p.11-12)

Sendo assim, o trabalho literário aproxima os intelectuais que buscavam um caminho para fazer circular seus textos ficcionais, poéticos e de cunho político-ideológico. Destaca-se neste estágio de despertar cultural Alfredo Troni – escritor, jornalista e advogado –, precursor da prosa moderna angolana com a criação de Nga Muturi, bem como Pedro Félix Machado, também jornalista, que cultivou a prosa de ficção, publicando em folhetim na Gazeta de Portugal a primeira edição do romance Scenas d’África, reeditado em 1882.

No final do século XIX, floresceram nas colônias africanas de língua portu-guesa varias associações recreativas, grêmios literários, diversos jornais, alguns de curta duração, mas geradores de motivação criadora bastante significativa. Cabo Verde, por exemplo, viu nascer em Praia,

[...] desde 1858 treze associações recreativas e culturais, como a Sociedade de Gabinete de Literatura (1860) e a Associação Literária Grêmio Cabo-verdiano (1880). Assinala, ainda, que por essa altura, se cria a imprensa de Angola e Moçambique e que aí se dá um notável surto de jornalismo. Aparecem os primeiros periódicos, como A Aurora (1856), A civilização da África Portuguesa (1866), O Eco de Angola (1881), O futuro de Angola (1882), O farol do povo (1883), O serão (1886), O arauto africano (1889), Ensaios literários (1891), Luz e crença (1902-1903). (SANTILLI, 1985, p.10)

Vê-se portanto que surgiram muitos jornais entre o final do século XIX e início do XX, e, apesar da maior parte ter tido curta duração, até o final do século XIX enume-raram-se 46 deles, os quais contaram com a participação de europeus e africanos.

Da mesma forma como ocorreu em Angola e Cabo Verde, a imprensa mo-çambicana é instalada em 1854, quando nasce o Boletim Oficial. No entanto, é no século XX que a imprensa se estabelece com maior autonomia.

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Gêneros literários e tradição oral

A figura do narradorDe acordo com Barry (2000), durante séculos, antes que o fio da escrita, inter-

namente e por todos os lados, costurasse o mundo negro a si mesmo, os griôs2 – por meio da voz e dos gestos – foram os demiurgos3 que construíram esse mundo, e suas únicas testemunhas.

O griô tinha dupla função: romper o silêncio do esquecimento, usando a voz acompanhada de ritmos, e exaltar a vitória da tradição que sobreviveu aos im-pactos das guerras. Os gêneros literários africanos descendem dessa matriz rica em ritmos que só o poder da oralidade pode captar. A tradição oral guarda a história acumulada pelos povos ágrafos, que transmitem oralmente seus conhe-cimentos de geração a geração. Nessas comunidades, o ancião é o narrador por excelência, aquele personagem capaz de irrigar a memória coletiva de forma prazerosa e festiva.

O papel do griô é manter viva a chama que alimenta a existência de toda uma coletividade. Neste sentido, o ritual de transmissão de conhecimento exige que haja entre o contador e o ouvinte uma perfeita harmonia, um equilíbrio que ga-ranta a sobrevivência do passado no presente. Essa cumplicidade entre o velho e o novo mantém viva a consciência africana de resistência ao domínio branco- -europeu. No dizer de Laura Cavalcante Padilha (1995, p. 47),

O ancião liga o novo ao velho, estabelecendo as pontes necessárias para que a ordem se mantenha e os destinos se cumpram [...], tentando preservar os pilares de sustentação da identidade [africana], antes, durante e depois do advento do fato colonial.

Na figura do narrador, concentra-se a ligação mais profunda entre a fonte de conhecimentos, as experiências vividas e a textura do narrado. Conhecedor das tradições e costumes do grupo a que pertence, o contador de histórias mantém acesa a chama da oralidade, num “jogo gozoso armado entre o narrador e seu ouvinte, vive-se a vida que não teme a morte” (PADILHA, 1995, p. 65).

O vasto conhecimento da comunidade autóctone4 constitui uma rede de cumplicidades entre as cinco literaturas de língua portuguesa. Para manter vivo o sistema de vasos comunicantes, a produção literária africana precisa ser irriga-da constantemente com as experiências individuais e coletivas, raiz primordial 2 Guardião das tradições orais nas sociedades ágrafas, sem escrita. BARRY, Boubacar. Senegâmbia: o desafio da história regional. Rio de Janeiro: UCAM, 2000, p. 5.3 Criatura intermediária entre a natureza divina e a humana. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa, 1986, p. 533.4 Aquele que é oriundo da terra onde se encontra. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa, 1986, p. 202.

Gêneros literários e tradição oral

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da arte milenar do contar e ouvir estórias. Nesse sistema cultural, o ato de narrar adquire um status mágico, ritualístico, um ato de iniciação ao universo da afri-canidade. Diante disso, pode-se dizer que a palavra tem força e quem a detém passa a ser respeitado pelo papel que desempenha no grupo:

Assim, [...], nas antigas comunidades, um mesmo velho que se sentava ao sol, para tecer seu luando e/ou fumar seu secular cachimbo de água, no conselho dos anciãos se transformava em um ser luminoso e iluminado de cuja palavra dependia o próprio destino dos homens e do grupo. (PADILHA, 1995, p. 16)

A dimensão histórica do narrador/contador, como se verifica na citação ante-rior, corporifica um sistema de valores estéticos que constitui a base da poética e da dicção africana em língua portuguesa. A voz conduz metaforicamente os fatos, e é “por ela que o contador de estórias libera a força do seu imaginário e a do seu grupo, fazendo do processo de recepção um ato coletivo” (PADILHA, 1995, p.15).

A moderna literatura africanaA dinâmica da discursividade, advinda da oralidade, constrói a base do que

Inocência Mata chama de cumplicidade entre as cinco literaturas de língua por-tuguesa. Sendo a matriz a mesma, guardadas as devidas proporções,

[...] os autores textualizaram temas específicos, actualizaram sentires e saberes diferentes segundo a imagem da nação a construir, a partir de signos, símbolos, motivos e formas – daí resultando um reconhecimento das individualidades nacionais [...]. Individualidades nacionais formuladas, literariamente, em angolanidade, cabo-verdianidade, moçambicanidade e são-tomensidade, embora com diferença de cronologia. (MATA, 2001, p.18)

A moderna literatura africana pertence a uma rede de cumplicidade, como bem define Inocência Mata. Rede esta cuja matriz primeira é a tradição, fonte que durante décadas vem alimentando as narrativas africanas. Neste sentido, os escritores e os poetas estabelecem um pacto com suas origens e, convocan-do outras memórias, seguem o percurso dos contadores ancestrais. O espaço matricial é recuperado em vários níveis, o destaque, no entanto, é para a discur-sividade oralizada e a materialização de tal discurso, quando o autor “sangra o português” – língua padrão do texto – (PADILHA, 1995 p. 77) com o quimbun-do, quicongo5 e outras línguas que representam o lugar da africanidade numa construção que busca estabelecer um diálogo com o leitor. Logo, no poema que destacamos aqui podemos perceber uma musicalidade típica da fala:

5 Nome de línguas locais faladas em Angola.

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Gêneros literários e tradição oral

Picada de marimbondo

(LARA, 2004, p. 78)Junto da mandioqueiraPerto do muro de dobeVi surgir um marimbondo

Vinha zunindo!cazuza!Vinha zunindo!Cazuza

Era uma tarde em janeirotinha flores nas acáciastinha abelhas nos jardinse vento nas casuarinas,quando vi o marimbondovinha voando e zunindovinha zunindo e voando!

Cazuza!Marimbondofoi branco quem inventou...

A arte de narrarO hibridismo matricial – as recordações do autor e da comunidade a que ele

pertence – presentes nos textos de autores como Assis Junior, Agostinho Neto e Manuel Rui de Angola; Manuel Lopes e Baltasar Lopes de Cabo Verde; Francisco José Tenreiro de São Tomé e Príncipe; José Craveirinha de Moçambique; Abdulai Sila e Odete Semedo da Guiné-Bissau e outros, constituem um paradigma do processo de formação da literatura africana de língua portuguesa. Cabe ressal-tar, no entanto, que existe nesse processo uma diferença cronológica.

A africanidade reclamada pelos autores já citados e por outros garante a so-brevivência daquelas marcas típicas da oralidade resistentes ao bombardeio so-frido com a chegada do outro, o invasor, que tentou silenciar a palavra, conside-rada pelos ancestrais como uma força vital capaz de dar vida a um texto que é ao mesmo tempo uma “narrativa da nação”, como bem define Manuel Rui (1987, p. 308) em seu ensaio:

Quando chegaste mais velhos contavam estórias. Tudo estava no seu lugar. A água. O som, A luz. Na nossa harmonia. O texto oral. E só era texto não apenas pela fala, mas porque havia árvores, parrelas sobre o crepitar de braços da floresta. E era texto porque havia gesto. Texto

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porque havia dança. Texto porque havia ritual. Texto falado, ouvido, visto.

Nesse cenário equilibrado, teorizado por Manuel Rui, a força que emana da palavra, matriz de todo o conhecimento envolto na cadeia da tradição, faz circu-lar as várias formas de expressões literárias como “os mitos, contos, adivinhações, provérbios e enigmas” (SOW, 1977, p. 26). Essa prática narrativa é um exercício de sabedoria compartilhado, já que existe entre o contador e seus ouvintes uma interação capaz de criar a necessária cumplicidade para reiterar a ideia de que “é preciso ser, na força da diferença, preservando-se, com isso, o vasto manancial do saber autóctone” (PADILHA, 1995, p.15).

A arte de narrar dos mais velhos – os mitos, as lendas, os provérbios e as es-tórias em geral –, só é recuperada pela ficção, poesia ou teatro por meio de me-canismos, isto é, técnicas de recriação, geradoras da reflexão sobre o próprio ato de narrar, poetizar e encenar. Tal encenação, presente em todas as formas de expressões artísticas africanas, constitui a estética fundadora das modernas li-teraturas africanas de língua portuguesa, como bem define Pathé Diagne (1977, p. 139):

A narrativa oral tradicional do contador e do griot negro-africano utiliza uma técnica de caracterização e um modo de dramatização que se articulou sobre uma estrutura frequentemente simples. Os acontecimentos enxertam-se aí sobre uma intriga linear. A riqueza das peripécias cria uma tensão permanente. O romance moderno, parece, paradoxalmente, embrenhar-se hoje nesta via, que se julgaria simplista depois de Joyce.

Nessa linha teórica, destaca-se aqui, mais uma vez, a visão de Laura Cavalcan-te Padilha acerca da oralidade recriada, para reafirmar a herança matricial que funda “o encontro da magia da voz com a letra” (PADILHA, 1995, p.14).

Angolanidade, moçambicanidade, cabo-verdianidade e são-tomensidade

No encontro provedor da renovação literária africana, diferentes fontes – culturas – serão reinterpretadas pelos escritores e poetas dos países africanos de língua portuguesa. A oralidade constitui a marca da tradição e é convocada pelos escritores para o registro das experiências literárias e culturais nos cinco países africanos de língua portuguesa. Esse registro pode ser percebido na poética de Agostinho Neto, um membro da Geração “Vamos descobrir Angola”. Assim, com o intuito de denunciar e despertar o sonho libertário do homem angolano, Agostinho Neto escreve Sagrada Esperança (1974) que de acordo com

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Gêneros literários e tradição oral

Maria Soares Fonseca (2009),

[...] delineia uma proposta poética que recupera dados importantes do processo de conscientização encaminhado pelos intelectuais e escritores angolanos. A poesia de combate de feição pragmática recorre por vezes à intenção mais descritiva e compõe quadros em que o dia a dia dos angolanos toma o lugar das intenções pedagógicas tão comuns à poesia de desalienação.

Dessa forma, se a poesia conta com a presença de Agostinho, figura emble-mática da história de Angola, o romance – gênero singular no resgate das tradi-ções – foi inaugurado por António Assis Júnior com o livro O Segredo da Morta (1934), primeira obra do gênero na literatura angolana. Segundo Rita Chaves (1999, p. 21), desde a publicação desta narrativa:

A trajetória do romance em Angola vem deixando nítida a vontade de seus autores de, [por meio] da literatura, colocar em prática um projeto de investigação sobre as realidades que compõem o país. Potencializando a sua capacidade de analisar com certa dose de objetividade a matéria artisticamente transfigurada, o romance, naquele sistema literário, aproveita-se do senso de historicidade que também o define como gênero para oferecer ao leitor um instigante painel das múltiplas faces que particularizam o país.

Neste cenário de múltiplas visões das estórias e da História ficcionalizada, encontram-se vários seguidores de António Assis Júnior: Oscar Ribas, José Lu-andino Vieira, Pepetela, José Eduardo Agualusa, entre outros. Cabe ressaltar, no entanto, que a oralidade valorizada por Luandino Vieira advém dos “contos tra-dicionais, os missossos, narrativa tradicional de ficção, incluindo personagens humanos, animais e/ou monstros” (MACÊDO, 2002, p. 62).

Guardadas as devidas proporções, a literatura de Moçambique tende a trilhar um caminho semelhante para estabelecer o paradigma de sua poética e, pos-teriormente, de sua prosa. A primeira obra de cunho moçambicano foi o conto escrito por João Dias intitulado “Godido e outros contos” (1952), mas o nome de destaque na formação da poética de Moçambique foi José Craveirinha, que, no final dos anos 1940, intensifica sua produção literária e é considerado um dos precursores da moçambicanidade. Como as demais literaturas africanas de língua portuguesa, esta se forma também num espaço híbrido, repleto de refe-rências culturais oriundas de diversas fontes.

Gêneros literários e tradição oral

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As origens das discursividades africanas provêm de oralidades distintas, mas apesar disso, a moderna literatura africana apresenta uma história semelhante, pelo papel que desempenharam na construção identitária de cada ex-colônia. No dizer de Inocência Mata (2001, p. 17),

[...] a literatura funcionou também, por razões diversas, como subsidiária da luta anticolonial, conjugando-se numa frente de exortação cultural, o discurso literário africano foi decorrente desse percurso histórico comum: daí os paralelismos e até as identificações temáticas, estilísticas e ideológicas entre esses sistemas.

Num percurso semelhante encontra-se a literatura de Cabo Verde. Nela, o processo de caracterização dos gêneros literários ocorre a partir da publicação da revista Claridade (1936), marco fundacional da cabo-verdianidade. Nesta re-vista, lançou-se “Bia” – capitulo inicial do romance Chiquinho, de Baltasar Lopes, só publicado na íntegra em 1947 e que é, de acordo com Manuel Ferreira, o marco inaugural da narrativa de Cabo Verde, uma abertura para a pesquisa lite-rária que busca a reinvenção da escrita, organizada a partir de signos, expressões ou formas sintáticas em crioulo, tendo em vista o bilinguismo do país.

A evolução de São Tomé e Príncipe ocorre, em vários aspectos, paralelamente à de Cabo Verde. A obra fundamental da construção discursiva são-tomense foi Ilha de São Tomé (1961), de Francisco José Tenreiro, poeta expressivo da literatura de São Tomé e Príncipe. Essa ex-colônia, como Cabo Verde, também é bilíngue, logo a busca identitária deste povo, como dos demais membros da comunidade lusófona na África, se dá em meio a um universo híbrido, composto por mais de uma matriz fundacional, já que nesse cenário miscigenado a cultura é transmi-tida por meio da língua portuguesa ou crioula. Esse painel dos gêneros literá-rios dos países de língua portuguesa conclui-se com Guiné-Bissau, país bilíngue como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, mas com um diferencial em termos de produção literária. Na Guiné-Bissau, o despertar para a valorização do país e de uma reescrita das tradições só se efetiva “em pleno período da luta armada ou então já no período pós-libertação nacional” (FERREIRA, 1987, p.105).

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Gêneros literários e tradição oral

Texto complementar(KI-ZERBO, 2006)

Trechos de entrevista de Joseph Ki-Zerbo feita para o livro Para quando a África?

Pergunta do entrevistador: O senhor poderia explicar a relação entre as migrações e a escrita? A densidade da população é uma condição para as inovações?

Resposta de Joseph Ki-Zerbo

A escrita, como a geometria do Antigo Egito, provém da fixação da po-pulação. Enquanto as pessoas estiveram no Saara, ninguém se preocupou em anotar o que quer que fosse; havia espaço em profusão. Mas a partir do momento em que a desertificação começou, as pessoas enfiaram-se no vale do Nilo. A densidade aumentou e tornou-se necessária a organização, para se saber quem estava instalado e em que sítio. A demarcação levou à ideia da computação, da escrita e do desenho, utilizados para preservar as marcas da propriedade.

O sistema pré-colonial assentava fundamentalmente na liberdade de deslocamento. A quase opacidade das fronteiras é um fenômeno relativa-mente recente, que começou com a colonização. Assinalemos, de passagem, que, na realidade, os colonos de que nos queixamos exploraram menos as fronteiras do que o fazem os dirigentes africanos atuais. No quadro da África Ocidental francesa, num espaço imenso de oito países atuais, as pessoas podiam deslocar-se como queriam. Os membros de uma mesma etnia não estavam separados, a não ser que estivessem em territórios dependentes de dois países europeus diferentes1. Os haussás do Níger e da Nigéria, por exemplo, foram divididos em dois blocos.

Pergunta do entrevistador: Quais são os lados positivos e negativos das migrações?

1 No final do século XIX, a França dominava os atuais países: Marrocos, Argélia, Mauritânia, Senegal, Gâmbia, Mali, Guiné, Costa do Marfim, Burkina Fasso, Benim, Níger, parte do Chade, República Centro-Africana, Congo, Gabão, Djibuti e Madagascar; Inglaterra os atuais países: Serra Leoa, Gana, Nigéria, partes da Líbia, do Chade e da Somália, Egito, Sudão, Quênia, Uganda, Malaui, Zâmbia, Botsuana e África do Sul; Portugal os atuais países: Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique; Alemanha os atuais países: Togo, Camarões, Tanzânia e Namíbia; Itália: Eritreia, norte da Líbia e oeste da Somália; Espanha: o sul de Marrocos e a Guiné Equatorial; Bélgica o atual: Zaire. Eram independentes somente a atual Etiópia, a Libéria, o Transvaal (incorporado à África do Sul) e Orange (atual Lesoto). (N.E.) (ZERBO, 2006, p. 40-41).

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Resposta de Joseph Ki-Zerbo

Existem aspectos econômicos e políticos, e ambos dificultam seriamen-te o desenvolvimento e o desabrochar africanos hoje. No plano econômico, dou-lhe o exemplo dos migrantes mossis de Burkina Faso. A liberdade de instalação em diferentes partes do país levou as pessoas do planalto mossi a ocupar as porções do território nacional menos densamente povoadas. Por vezes, infelizmente, essa dispersão dos mossis fez-se irregularmente; as pes-soas instalaram-se com mentalidades, não de bons pais de família, mas de gente de passagem. Ou seja, uma mentalidade de coleta, e não de acumu-lações e salvaguarda. No plano político, não houve, da parte dos dirigentes africanos, em nenhum país, uma estratégia de ordenamento do território em função da ocupação das terras pela população. Isso facilitou os conflitos in-terétnicos ou intersociais. As fronteiras são bombas-relógio, no sentido em que há conflitos em perspectiva. Os desequilíbrios demográficos deveriam ser compensados e regulados, mas, em geral, ignora-se em que bases isso deverá ser feito. Também não há vontade de explicar às pessoas em que di-reção se deve caminhar.

Pergunta do entrevistador: Quando se fala da política migratória, há um paradoxo: défice em migração nos países ricos, excesso de migrantes nos países pobres. O que o senhor pensa das políticas sobre migração na Europa? Em sua opinião, o que leva as pessoas a migrar? São atraídas pela riqueza do Norte? Os países do Sul não lhes oferecem perspectivas?

Resposta de Joseph Ki-Zerbo:

Os países do Norte fecharam-se em fortalezas com torres de vigia, linhas de fronteira semeadas de seteiras. A maioria dos países dá prioridade ao ‘direito do solo’, e alguns outros recorrem aos ‘direitos de sangue’, para im-pedir que as pessoas do exterior venham ‘invadi-los’. É a defesa do nível de vida, a recusa de partilhar e a rejeição de um mundo plural. Mas, ao mesmo tempo, os países do Norte recorrem às pessoas do Sul por causa do enve-lhecimento da sua população. Têm necessidade de quadros e de técnicos de alta qualidade. Se a redução da natalidade seguir o seu curso atual, e os países ditos desenvolvidos mantiverem essa política de rejeição dos outros, caminharão para o despovoamento. Todas essas interferências levam-me a pensar que a política da repulsa dos ‘condenados da terra’ não poderá conti-nuar eternamente.

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As pessoas não partem de casa de boa vontade. Se o fazem, é porque são mais rejeitadas no seu país do que atraídas pelo Norte. O excesso de migran-tes nos países pobres deve-se às guerras e à pobreza, como na região dos Grandes Lagos2 neste momento. O superpovoamento relativo desses países vem do fato de que o equipamento técnico intelectual não é suficiente para absorver toda a população.2 Região da África Central que abrange partes da Uganda, Quênia, Zaire, Tanzânia, Zâmbia, Ruanda e Burundi. (N.E.) (Ki-Zerbo, 2006, p. 41)

Dicas de estudoLeitura do livro intitulado Para quando a África?: entrevista com René Holens-

tein. Neste livro, um dos maiores pensadores africanos de todos os tempos faz revelações esclarecedoras acerca da política, história, literatura, economia e várias outras áreas do conhecimento.

Filme: Palavra Encantada (2009).

A diretora Helena Solberg construiu o filme com base em 18 entrevistas feitas com músicos, poetas, compositores e pensadores que ofereceram suas ideias e opiniões sobre a trajetória da música popular brasileira nas últimas seis décadas. São artistas e criadores, cada um com um processo individual muito especial. Eles revelaram suas descobertas na literatura escrita e oral, que eventualmente foram fonte de inspiração em seu processo criativo.

Atividades1. Defina com suas palavras a ideia de rede de cumplicidade na moderna litera-

tura africana.

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2. Os gêneros literários africanos originaram-se de qual matriz? Como Bouba-car Barry define o perfil dessa origem?

3. Quem são os expoentes na poesia e no romance angolano?

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ReferênciasBARRY, Boubacar. Senegâmbia: o desafio da história regional. Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes (UCAM), 2000.

CHAVES, Rita de Cássia Natal. A Formação do Romance Angolano: entre inten-ções e gestos. São Paulo: Via Atlântica, 1999.

DIAGNE, Pathé. In: Introdução à Cultura Africana. Lisboa: Edições 70, 1977.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portugue-sa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

FERREIRA, Manuel. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa. São Paulo: Ática, 1987.

FONSECA, Soares Maria. Poesia em Tempos Sombrios: o projeto literário de sagrada esperança. Disponível em: <www.uea-angola.org/artigo.cfm?ID=576>. Acesso em: jun. 2009.

KI-ZERBO, Joseph. Para quando a África?: entrevista com René Holenstein. Rio de Janeiro: Pallas, 2006.

LARA Filho, Ernesto. In: Obra Poética. Luanda: Edições Maianga, 2004.

LARANJEIRA. Pires. De Letra em Riste: identidade, autonomia e outras questões na literatura de Angola, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Porto: Afrontamento, 1992.

MACÊDO, Tania. Angola e Brasil: estudos comparados. São Paulo: Arte e Ciência, 2002.

MATA, Inocência. Literatura Angolana: silêncios de uma voz inquieta. Lisboa: Mar Além, 2001.

NETO, Agostinho. Sagrada Esperança. Luanda: Edições Maianga, 2004.

PADILHA, Laura Cavalcante. Entre Voz e Letra: o lugar da ancestralidade na ficção angolana do século XX. Niterói: EDUFF, 1995.

RUI, Manuel. Eu e outro – O invasor ou em poucas três linhas uma maneira de pensar o texto. In: Sonha Mamana África. São Paulo: Epopeia, 1987.

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SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias Africanas: história e antologia. São Paulo: Ática, 1985.

SOW, Alpha I. In: Introdução à Cultura Africana. Lisboa: Edições 70, 1977.

Gabarito1. A contemporânea literatura africana pertence a uma rede de cumplicidade.

Rede esta cuja matriz primeira é a tradição, fonte que durante décadas vem alimentando as narrativas africanas. Neste sentido, os escritores estabelecem um pacto com suas origens e, convocando outras memórias, seguem o per-curso dos contadores ancestrais. O espaço matricial é recuperado em vários níveis, o destaque, no entanto, é para a discursividade oralizada e a materiali-zação de tal discurso, quando o autor modifica, altera a língua portuguesa ao introduzir termos e estruturas frasais oriundas do quimbundo, do quicongo, do umbundo e de outras línguas que representam o lugar da angolanidade, da moçambicanidade, da cabo-verdianidade, são-tomensidade e guineensi-dade.

2. Os gêneros literários africanos originaram-se da tradição oral, que consti-tuem numa herança ancestral, baseada em lendas, mitos, fábulas, provérbios e na história de um povo que era transmitida oralmente de geração para ge-ração. Segundo Boubacar Barry, durante séculos, antes que o fio da escrita, internamente e por todos os lados, costurasse o mundo negro a si mesmo, os griôs – por meio da voz e dos gestos – foram os “demiurgos”, os precursores, que construíram esse mundo, e suas únicas testemunhas.

3. Agostinho Neto um membro da geração “Vamos descobrir Angola”, que con-tribuiu não só com uma vasta produção poética para a formação literária an-golana, mas, também com sua prática política no momento do enfretamento com o outro, o invasor. Se a poesia conta com a presença de Agostinho Neto, figura emblemática da história de Angola, o romance – gênero singular no resgate das tradições – foi inaugurado por António Assis Júnior com o livro O Segredo da Morta (1934), primeira obra do gênero na literatura angolana.