Logística Reversa
-
Upload
helio-diniz -
Category
Documents
-
view
25 -
download
3
description
Transcript of Logística Reversa
-
FUNDAO GETULIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAO DE EMPRESAS DE SO PAULO
FERNANDA SANTOS MOTA
INSERO DAS ORGANIZAES DE CATADORES DE MATERIAIS
RECICLVEIS EM PROGRAMAS EMPRESARIAIS DE LOGSTICA REVERSA
UM ESTUDO MULTI-SETORIAL NO ESTADO DE SO PAULO
SO PAULO, SP
2012
-
FERNANDA SANTOS MOTA
INSERO DAS ORANIZAES DE CATADORES DE MATERIAIS
RECICLVEIS EM PROGRAMAS EMPRESARIAIS DE LOGSTICA REVERSA
UM ESTUDO MULTI-SETORIAL NO ESTADO DE SO PAULO
Dissertao apresentada Escola de
Administrao de Empresas de So Paulo da
Fundao Getlio Vargas, como requisito para
obteno do ttulo de Mestre em Administrao
de Empresas.
Linha de Pesquisa: Gesto Socioambiental e da
Sade.
Orientador: Prof. Dr. Jos Carlos Barbieri.
SO PAULO, SP
2012
-
Mota, Fernanda Santos Insero das organizaes de catadores de materiais reciclveis em programas empresariais de logstica reversa: um estudo multi-setorial no estado de So Paulo / Fernanda Santos Mota. - 2012. 147 f. Orientador: Jos Carlos Barbieri Dissertao (mestrado) - Escola de Administrao de Empresas de So Paulo. 1. Reciclagem - Indstria. 2. Reaproveitamento (Sobras, refugos, etc.). 3. Logstica empresarial. 4. Desenvolvimento sustentvel - So Paulo (Estado). 5. Cooperativismo. 6. Cooperativas de Catadores de Materiais Reciclveis. I. Barbieri, Jos Carlos. II. Dissertao (mestrado) - Escola de Administrao de Empresas de So Paulo. III. Ttulo.
CDU 628.477.61(816.1)
-
FERNANDA SANTOS MOTA
INSERO DAS ORANIZAES DE CATADORES DE MATERIAIS
RECICLVEIS EM PROGRAMAS EMPRESARIAIS DE LOGSTICA REVERSA
UM ESTUDO MULTI-SETORIAL NO ESTADO DE SO PAULO
Dissertao apresentada Escola de
Administrao de Empresas de So Paulo da
Fundao Getlio Vargas, como requisito para
obteno do ttulo de Mestre em Administrao
de Empresas.
Linha de Pesquisa: Gesto Socioambiental e da
Sade.
Data de Aprovao: ______/______/_________
Banca Examinadora:
________________________________________
Prof. Dr. Jos Carlos Barbieri (orientador)
FGV-EAESP
________________________________________
Prof. Dr. Luiz Carlos Di Serio
FGV-EAESP
________________________________________
Profa. Dra. Maria Tereza Saraiva de Souza
UNINOVE
-
Deus pela Sua Providncia e Verdadeira
Sabedoria.
Nem vos chameis mestres, porque um s o vosso Mestre, que o Cristo.
(Mateus 23,10)
-
AGRADECIMENTOS
Louvo a Deus pela oportunidade, agradeo a Maria por ter passado na frente dos meus
estudos e me sinto agraciada pela ao do Esprito Santo iluminando minha mente.
No decorrer desta pesquisa, ocorreram inconvenientes que me deixaram em situaes
delicadas. Sendo assim, o sentimento de Unidade proporcionado pelo apoio de pessoas foi
fundamental para que eu tivesse garra e perseverana, superando os desnimos gerados por
comentrios sobre as condies desfavorveis em que me encontrei em determinados
momentos, no desistindo mesmo ciente que no seria conforme imaginava. Confesso que
certas ocorrncias derivaram-se da minha imaturidade. O mestrado, ento, mais do que
representar uma etapa de crescimento profissional, proporcionou aprendizagem para vida
pessoal.
Agradeo s pessoas mais importantes da minha vida que me estimularam e auxiliaram no
decorrer da pesquisa: meus pais Edson e Alaide! A presena de vocs (mesmo que, s vezes,
somente em pensamentos) representou a rocha no meio da areia movedia de incertezas e
inseguranas. Apesar de ter demorado em ouvir seus conselhos, agradeo ao meu irmo
Edson pela orientao e alertas profissionais com base em suas experincias.
Sou grata ao meu noivo Gabriel que, mais do que compartilhar sorrisos e lgrimas, divide
comigo sonhos! Agradeo por ter sido meu assistente de pesquisa e pela compreenso e
espera para minha dedicao aos preparativos do casamento.
Agradeo ao meu orientador Prof. Barbieri pela confiana, pelas ricas discusses sobre
resduos slidos tentando transmitir um pouco de toda sua experincia e pela pacincia.
A todos os amigos do Ministrio Universidades Renovadas que so meu irmos na f na
busca pela Civilizao do Amor atravs de obras, crendo que Ele capacita os escolhidos. s
amigas Carol, Ktia e Emlia que, mesmo na minha ausncia nesse tempo, sei que podemos
contar uma com as outras! Aos colegas do Departamento (POI) que me fizeram valorizar a
rotina do dia a dia, em especial secretria Mrcia e colegas Cristiane, Josiane e Milton.
De maneira geral, aos familiares, amigos e colegas que, s vezes, cruzamos nossos passos no
caminho da vida, compreendendo seu sentido, que o Amor.
Nesta pesquisa transmitirei um pouquinho do que aprendi com o orientador, disciplinas
cursadas na FGV e com as cooperativas de catadores. Vale destacar a frase de um catador de
materiais reciclveis: [...] se quiser mudar o mundo, basta juntar o lixo reciclvel em uma
caixa de papelo!.
-
"[...] no tenho um rancor nenhum desses
momentos que passei na minha vida, que foram
momentos bons para eu poder aprender,
aprender e poder dialogar, poder conversar e
aprender, e a vida assim mesmo, a gente vai
apanhando para aprender; mas hoje na verdade,
vrios desses a que fechavam as portas hoje a
gente pode sentar, a gente conversa... Ento
assim, hoje um outro momento, hoje um
momento que a indstria senta com a gente, a
gente pode dialogar, pode conversar, e pensar em
negcios, em arranjos de negcios. Ento eu
acho que esse foi o grande avano do processo.
Catador de Materiais Reciclveis (Nome no identificado por sigilo e confidencialidade)
-
RESUMO
A pesquisa objetivou compreender a insero de organizaes de catadores em programas
empresariais de logstica reversa para reciclagem de embalagens ps-consumo. O estudo
multi-casos englobou programas empresariais de quatro setores de embalagens: vidro,
papelo, embalagem longa vida e plstico PET. As unidades de anlise foram as relaes
empresa/cooperativas de catadores. Utilizou-se como requisito para seleo dos programas o
avano das cooperativas na cadeia reversa atravs da sua atuao como fornecedoras de
primeira camada, ou seja, sem intermedirios. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com quatro empresas e quatro cooperativas de catadores, sendo uma delas
analisada como explanao rival. De maneira geral observou-se que as caractersticas dos
programas so funo das motivaes para estruturao da logstica reversa, seja pela
responsabilidade socioambiental, recuperao de materiais, competitividade da embalagem,
imagem corporativa ou compras de materiais secundrios. Alm da obteno de escala e
regularizao, o avano das cooperativas de catadores nessas cadeias de suprimentos foi
viabilizado atravs da aprendizagem prtica quanto correta identificao e seleo de
materiais reciclveis e desenvolvimento de processos de pr-processamento para garantia de
qualidade conforme, exigncias das empresas. Vale destacar tambm a infraestrutura obtida
atravs de convnios com a Prefeitura Municipal de So Paulo e de financiamentos pelo
Banco Nacional do Desenvolvimento - BNDES. Em dois casos analisados constatou-se a
atuao de empresas de bens de consumo na gesto de fluxos de informaes, permitindo uma
gesto eficiente das operaes de logstica reversa. Em todos os programas estudados, apesar
da comercializao direta, faz-se necessria a realizao de etapas de beneficiamento pelas
empresas com emprego de tecnologias apropriadas. Para as cooperativas de catadores a
comercializao direta tem proporcionado melhores preos dos materiais reciclveis e
perspectivas de vendas em longo prazo e, consequentemente, perspectivas de vida e
reconhecimento profissional dos catadores.
Palavras-Chave: Logstica Reversa. Recuperao de Produtos e Materiais. Embalagens Ps-
consumo. Reciclagem. Cooperativas de Catadores de Materiais Reciclveis.
-
ABSTRACT
The research aimed to understand the inclusion of scavengers cooperatives in business
programs to recycle post-consumer packages by reverse logistics. The multi-cases study
involved four packaging sectors: glass, cardboard, PET plastics and aseptic packagings for
liquid and semiliquid foods (known as long life packages). The units of analysis were the relations firm/scavengers cooperatives. The program selection requirement was the
cooperatives advancement in reverse chain as first layer suppliers, without "middlemen".
Semi-structured interviews were conducted with four companies and four cooperatives of
collectors; one of them was analyzed as a rival explanation. In general it was observed that
programs characteristics are function of the firm motivations to implement reverse logistics,
like social and environmental responsibility, material recovery, packaging competitiveness,
and branding or secondary materials purchases. Besides scale and regularization, the
advancement of scavengers cooperatives in these supply chains has been made possible by
learning by doing to identify and select recyclable materials, pre-processing process development for quality assurance in accordance with business requirements. It was also
noteworthy the advantages of infrastructure, obtained through agreements with the
Municipality of Sao Paulo and banks funding. In two cases we found the information flow
management performed by consumer goods companies, which allowed more efficient reverse
logistics operations. In all programs studied, the recycled materials processing by firms was
necessary before reintroduce them in production. These programs provides best recyclable
materials prices and long term sales prospects for cooperatives, thus, prospects for their life
and recognition of waste collectors as professionals.
Key Words: Reverse Logistics. Product Recovery and Materials. Post-consumer Packaging.
Recycling. Scavengers Organizations.
-
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Processos e funes em gesto de cadeia de suprimentos. ...................................... 19
Figura 2 - Relaes entre unidades produtivas na gesto de cadeia de suprimentos................ 20
Figura 3 - Cadeia de valor, segundo Porter. ............................................................................. 21
Figura 4 - Alternativas para reduo de resduos. .................................................................... 26
Figura 5 - Classificao de pesquisas em gesto ambiental em cadeias de suprimentos. ........ 29
Figura 6 - Motivadores de prticas de logstica reversa. .......................................................... 32
Figura 7 - Modelo relacional para estruturao da logstica reversa. ....................................... 40
Figura 8 - Modelo de relao capital/trabalho baixa nas atividades de catadores de materiais
reciclveis. ................................................................................................................................ 53
Figura 9 - Atuao das organizaes de catadores na reciclagem em canais reversos ps-
consumo. ................................................................................................................................... 54
Figura 10 - Diagrama de Venn, representando setores de materiais reciclveis e integrao das
.................................................................................................................................................. 61
Figura 11 - Registro fotogrfico da prensagem de papelo e de fardos na Cooperativa
Coopamare. ............................................................................................................................... 70
Figura 12 - Registro fotogrfico de materiais reciclveis na triagem e seleo de plsticos e
sucata metlica pela Cooperativa Cooperao. ........................................................................ 74
Figura 13 - Registro fotogrfico de veculo usado na coleta de vidros e cacos de vidros na
Cooperativa Vira Lata. ............................................................................................................. 79
Figura 14 - Modelo relacionando motivaes das empresas, quantidade de cooperativas de
catadores e exigncias das empresas s cooperativas de catadores. ....................................... 101
Figura 15 - Relaes entre cooperativas de catadores e empresas estudadas no setor de
papelo. ................................................................................................................................... 111
Figura 16 - Qualidade dos fardos de papelo confeccionados pelas cooperativas Coopamare e
Vira Lata. ................................................................................................................................ 112
Figura 17 - Relaes entre cooperativas de catadores e empresas estudadas no setor de vidro.
................................................................................................................................................ 114
Figura 18 - Relaes entre cooperativas de catadores e empresas estudadas no setor de
plsticos PET. ......................................................................................................................... 118
Figura 19 - Registro fotogrfico da seleo de plsticos por uma cooperada. ....................... 119
Figura 20 - Relaes entre cooperativas de catadores e empresas estudadas no setor de
embalagem longa vida. ........................................................................................................... 120
-
LISTA DE TABELAS E QUADROS
Tabela 1 ndices de reciclagem de diversos setores. ............................................................... 16
Tabela 2 - Motivaes de empresas brasileiras para retorno de produtos. ............................... 34
Tabela 3 - Categorias de anlise para cooperativas de catadores e empresas. ......................... 64
Tabela 4 - Representatividade de vendas do setor e de vendas diretas, em volume e receita,
pela Cooperativa Cooperao. .................................................................................................. 75
Tabela 5 - Quadro comparativo das categorias de anlise para cooperativas de catadores...... 84
Tabela 6 - Quadro comparativo das categorias de anlise para empresas. ............................. 105
Quadro 1 - Processos de agregao de valor aos materiais secundrios. ................................. 28
Quadro 2 - Aspectos observveis na estruturao de canais reversos. ..................................... 39
Quadro 3 - Comparao entre sociedade por aes e cooperativas. ......................................... 44
Quadro 4 - Quatro testes de qualidade...................................................................................... 58
Quadro 5 - Relaes comerciais estudadas............................................................................... 61
Quadro 6 - Fontes de dados da pesquisa. ................................................................................. 62
Quadro 7 - Participao em eventos pela pesquisadora. .......................................................... 63
Quadro 8 - Projeto de estudo de caso. ...................................................................................... 65
Quadro 9 - Relao dos cargos dos entrevistados das organizaes pesquisadas. ................... 66
Quadro 10 - Classificao dos ciclos das cadeias reversas. ..................................................... 67
-
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABIPET Associao Brasileira da Indstria do Pet
ABIVIDRO Associao Tcnica Brasileira das Indstrias Automticas de Vidro
ABPO Associao Brasileira do Papelo Ondulado
ACI Aliana Cooperativa Internacional
BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento
BRACELPA Associao Brasileira de Celulose e Papel
CBO Classificao Brasileira de Ocupaes
CEMPRE Compromisso Empresarial para Reciclagem
CETESB Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental
Coopamare Cooperativa dos Catadores Autnomos de Papel, Aparas e
Materiais Reaproveitveis
Cooperao Cooperativa Regional de Coleta Seletiva e Reciclagem
da Regio Oeste
Coopermyre Cooperativa de Produo, Coleta, Triagem e Beneficiamento de
Materiais Reciclveis da Miguel Yunes
EPI Equipamento de Proteo Individual
FSC Forest Stewardship Council
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
MNCR Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Reciclveis
OAF Organizao de Auxlio Fraterno
ONG Organizao No-Governamental
OSCIP Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico
PET Politereftalato de Etileno
PNRS Poltica Nacional de Resduos Slidos
SEBRAE Servio de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
SENAC Servio Nacional de Aprendizagem Comercial
SPC Servio de Proteo ao Crdito
Vira Lata Cooper Vira Lata
-
SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................................... 12 1.1 Objetivos ............................................................................................................................ 14
1.2 Justificativas ...................................................................................................................... 14
2 REVISO DA LITERATURA .......................................................................................... 18 2.1 Gesto de Cadeia de Suprimentos ................................................................................... 18 2.1.1 Cadeia de Valor ............................................................................................................... 20 2.1.2 Gesto Ambiental em Cadeia de Suprimentos ................................................................ 22 2.1.3 Gesto de Resduos Slidos em Cadeia de Suprimentos ................................................. 23
2.1.4 Recuperao de Produtos e Materiais .............................................................................. 24 2.1.5 Logstica Reversa ............................................................................................................ 29
2.2 Cooperativismo no Brasil ................................................................................................. 41 2.2.1 Organizaes de Catadores de Materiais Reciclveis ..................................................... 45
3 METODOLOGIA DE PESQUISA .................................................................................... 56
4 ANLISE DOS RESULTADOS ........................................................................................ 66 4.1 Anlises Intraorganizacionais ......................................................................................... 68 4.1.1 Cooperativas .................................................................................................................... 68 4.1.2 Empresas .......................................................................................................................... 89
4.2 Anlise das Prticas Setoriais de Logstica Reversa com Integrao de Cooperativas
de Catadores ................................................................................................................... 110 4.2.1 Setor de Papelo ............................................................................................................ 110 4.2.2 Setor de Vidro ................................................................................................................ 113 4.2.3 Setor de Plsticos PET ................................................................................................... 117
4.2.4 Setor de Embalagem Longa Vida .................................................................................. 119
5 CONCLUSES .................................................................................................................. 122 5.1 Limitaes da pesquisa ................................................................................................... 126
5.2 Sugestes para futuras pesquisas .................................................................................. 126
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 130
ANEXOS ............................................................................................................................... 138
ANEXO 1: Carta de Apresentao ..................................................................................... 139
ANEXO 2: Termo de Confidencialidade ............................................................................ 140
ANEXO 3: Roteiro das Entrevistas .................................................................................... 141
-
12
1 INTRODUO
Por considerar as limitaes acerca da disposio final de resduos slidos em aterros
sanitrios, o surgimento de legislaes ambientais mais restritivas, o incremento da utilizao
de bens descartveis, a adoo de estratgias de reduo da utilizao de recursos naturais e as
possibilidades de reaproveitamento de materiais e/ou produtos para agregao de valor,
prticas de logstica reversa tm sido implantadas.
A gesto de resduos atravs da recuperao de produtos visa a utilizao eficiente de
recursos naturais (MEDINA, 1999), o incremento da vida do produto (JAYARAMAN et al.,
1999) e a minimizao de resduos enviados aos aterros (NAKASHIMA et al., 2002).
No Brasil, dentre os atores envolvidos na cadeia da reciclagem, destaca-se o papel do
catador de material reutilizvel e reciclvel na recuperao de produtos e materiais (LEAL et
al., 2003; AQUINO et al., 2009; GONALVES-DIAS, 2009; PAULA et al., 2010).
Popularmente conhecido como catador de reciclveis, catador de sucata e agente
ambiental, a profisso foi regulamentada como catador de material reciclvel na
Classificao Brasileira de Ocupaes (CBO), em 2002 (MTE, 2002). Para a presente
pesquisa, a fim de evitar redundncia e facilitar a leitura, ser utilizada a terminologia
simplificada catador (es).
No entanto, apesar da importncia do papel que desempenham, so pouco valorizados
(AQUINO et al., 2009), trabalham em condies precrias e subumanas (LEAL et al., 2003);
permeando-se por zonas de vulnerabilidades, fragilidades e precariedades ocasionadas pela
informalidade e trabalho intensivo em condies desfavorveis (GONALVES-DIAS, 2009).
Em contrapartida, os catadores organizam-se em cooperativas e associaes para
quebrar o ciclo vicioso da pobreza (MEDINA, 2000), valorizar a profisso de catador
(MOTA, 2005), adquirir legitimidade na sociedade (WILSON et al., 2006), ter os direitos
reconhecidos (AQUINO et al., 2009), melhorar a renda (GONALVES-DIAS, 2009; BID,
2010) e diminuir dependncia de intermedirios (WILSON et al., 2006; GONALVES-
DIAS, 2009; BID, 2010).
-
13
Porm, apesar da organizao em empreendimentos autogestionrios, ainda so vrias
as barreiras encontradas pelas organizaes de catadores para agregao de valor aos
materiais reutilizveis e reciclveis, como a falta de capital de giro (RIBEIRO e BESEN,
2007), a falta de qualificao profissional (BESEN et al., 2006; GONALVES-DIAS, 2009),
de recursos materiais e tecnolgicos (RIBEIRO e BESEN, 2007; GONALVES-DIAS,
2009), instabilidade de renda (BESEN et al., 2006; GTZ, 2010) e fragilidade na organizao
interna (BESEN et al., 2006; GONALVES-DIAS, 2009).
O dilogo entre organizaes de catadores e a iniciativa privada destacado como
alternativa para a consolidao de uma cadeia de reciclagem ambientalmente adequada e
socialmente justa e inclusiva (MOTA, 2005; BUNCHAFT, 2007). Assim, os programas
empresariais que incluam as organizaes de catadores so alvos potenciais para
fortalecimento da atuao desses (MOTA, 2005; TORRES, 2008; GTZ, 2010).
Vrios autores tm apontado o surgimento de polticas ambientais como fator
motivador para a gesto ambiental empresarial (THOMAS e GRIFFIN, 1996), estruturao de
canais reversos (BRITO e DEKKER, 2002; LINTON et al., 2007, GONALVES-DIAS,
2009) e reciclagem de produtos (SRIVASTAVA, 2007). Paula et al. (2010) enfatizam o papel
das organizaes de catadores e a consolidao de programas de logstica reversa de empresas
interessadas na recuperao de produtos.
No Brasil, dentre os objetivos da atual Poltica Nacional de Resduos Slidos - PNRS
(BRASIL, 2010), instituda pela Lei 12.305/2010, encontra-se o que incentiva indstria da
reciclagem e a integrao dos catadores nas aes que envolvam a responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Os sistemas de logstica reversa so apontados
como instrumentos dessa poltica, podendo ser operacionalizados pelos fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes dos produtos atravs de parcerias com
cooperativas ou outras formas de associao de catadores.
O Decreto 7.404/2010, que regulamenta a PNRS e cria o Comit Interministerial e o
Comit Orientador para a Implantao dos Sistemas de Logstica Reversa, prev a priorizao
da participao de cooperativas, ou outras formas de associaes de catadores, na
implementao e operacionalizao do sistema de logstica reversa, especialmente no caso de
embalagens ps-consumo (BRASIL, 2010).
-
14
De acordo com o exposto acima, a pergunta que estimula esta pesquisa : como as
organizaes de catadores esto sendo inseridas em programas empresariais de logstica
reversa atravs da comercializao direta para recuperao de embalagens ps-consumo?.
1.1 Objetivos
O objetivo principal da pesquisa avaliar a insero das organizaes de catadores de
materiais reciclveis na logstica reversa de empresas, atravs da comercializao direta para
recuperao de materiais (embalagens). Quanto aos objetivos especficos, so eles:
Realizar um levantamento de programas empresariais de logstica reversa que
incluem as organizaes de catadores, atravs de comercializao direta, existentes
no Estado de So Paulo;
Descrever como os programas empresariais de logstica reversa, com incluso das
organizaes de catadores, esto sendo estruturados, bem como suas motivaes,
sob perspectiva de ambas as organizaes;
Identificar oportunidades e barreiras na integrao das organizaes de catadores na
logstica reversa em diversos setores de embalagens (papelo, vidro, plstico e
embalagem longa vida).
1.2 Justificativas
No Brasil, o incremento na gerao de resduos slidos per capita, entre os anos de
2009 e 2010, foi de 5,3% (ABRELPE, 2010). Dados indicam que, somente na regio Sudeste
do Brasil, so geradas 81.980 toneladas dirias de lixo urbano (BRASIL, 2011). A gesto de
resduos slidos no Brasil pode ser considerada uma problemtica contempornea e, portanto,
potencial para desenvolvimento de pesquisas acadmicas.
Na Agenda 21, fruto da Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, afirma-se que, para a gesto
ambientalmente adequada dos resduos slidos, as abordagens devem ultrapassar a simples
disposio segura, exigindo-se a aplicao do conceito de gesto do ciclo de vida de produtos
de maneira a conciliar desenvolvimento econmico e preocupao ambiental (UNCED,
1993). Ao se levar em considerao que a recuperao de produtos e materiais visa a
minimizao de resduos enviados aos aterros (NAKASHIMA et al., 2002) e o incremento da
-
15
vida do produto (JAYARAMAN et al., 1999), essa torna-se elemento estratgico para a
gesto de resduos slidos. Tal abordagem no gerenciamento de resduos pode gerar valor
adicional atravs do surgimento de novas cadeias de suprimentos que reusam e reciclam
materiais (HICKS et al., 2004). Alm da recuperao de produtos e materiais criar
oportunidades de negcios rentveis (DOWLATSHAHI, 2010). Portanto, alm de uma
questo estratgica na gesto de resduos slidos, a recuperao de produtos e materiais
representa uma alternativa para a gerao de renda e trabalho, com desenvolvimento das
cadeias de reuso e reciclagem.
No Brasil, reportou-se acerca de um milho de catadores em 2009, considerando tanto
os cooperativados como os autnomos, com base em dados de 2010 fornecidos pelo
Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE)1. Os setores que apresentam destaque
na cadeia de reciclagem no Brasil so os de alumnio, papel, vidro e plstico (ABRELPE,
2010). Segundo dados da Associao Brasileira de Alumnio (ABAL)2, a relao entre o peso
reciclado e o consumo domstico de alumnio, em 2008 foi de 36,6%, e, se consideradas
somente as latas de alumnio, em 2009, obtm-se o valor de 98,3%, conforme Associao
Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade (ABRALATAS)3. Segundo a
Associao Brasileira de Celulose e Papel (BRACELPA)4, no setor de papel e celulose, em
2009, o consumo aparente de papel no Brasil foi de 8,5 milhes de toneladas e a recuperao
de aparas foi de 3,9 milhes de toneladas, representando uma taxa de recuperao de 46%. A
Associao Brasileira do Papelo Ondulado (ABPO)5 aponta um ndice de reciclagem de
79,6% para o papel ondulado. J, a taxa de recuperao de plstico tipo politereftalato de etila
(PET) foi de 55,6% em 2009, segundo dados da Associao Brasileira da Indstria de PET
(ABIPET)6. Por fim, o ndice de reciclagem do vidro foi de 47% em 2008, conforme estudos
da Associao Tcnica Brasileira das Indstrias Automticas de Vidro (ABIVIDRO)7,
conforme Tabela 1, a seguir.
1 Disponvel em: http://www.cempre.org.br/download/pnrs_002.pdf
2 Disponvel em: http://www.abal.org.br/industria/estatisticas_recicla_total.asp?canal=8. Acesso em: 07 jul.
2011.
3 Disponvel em: http://www.abralatas.org.br/common/html/dadosdareciclagem.php. Acesso em: 07 jul. 2011.
4 Disponvel em: http://www.bracelpa.org.br/bra2/?q=node/141. Acesso em: 07 jul. 2011.
5 Disponvel em: http://www.abpo.org.br/meio_ambiente.php. Acesso em: 13 fev. 2012.
6 Disponvel em: http://www.abipet.org.br/index.html?method=mostrarDownloads&categoria.id=3. Acesso em:
07 jul. 2011.
7 Disponvel em: http://www.abividro.org.br/index.php/28. Acesso em: 07 jul. 2011.
-
16
Tabela 1 ndices de reciclagem de diversos setores.
SETOR NDICE DE RECICLAGEM
Alumnio 36,6%
Latinhas de alumnio 98,3%
Papel 46%
Papel Ondulado 79,6%
Plstico PET 55,6%
Vidro 47%
Fonte: ABAL (2008), ABRALATAS (2009), BRACELPA (2009), ABPO (2011), ABIPET (2009), ABIVIDRO
(2008).
Ao se levarem em considerao os ndices de reciclagem no Brasil, evidencia-se a
necessidade de estudos que analisem essas cadeias a fim de descrever quais so os atores
envolvidos, quais os benefcios sociais, econmicos e ambientais oriundos da reciclagem,
quais os fatores de sucesso que tornam o Brasil relevante no cenrio internacional, de que
maneira a recuperao de produtos e materiais est sendo viabilizada e operacionalizada,
dentre outras questes a serem exploradas.
Nos pases desenvolvidos, a pesquisa em gesto de resduos tem enfatizado as
tecnologias relacionadas coleta, ao transporte, ao armazenamento, ao reaproveitamento e
sua industrializao (GONALVES-DIAS, 2009). J, nos pases em desenvolvimento,
destaca-se a atuao dos catadores em detrimento aos estudos relativos tecnologia
(GONALVES-DIAS, 2009). Alguns autores mostram que os catadores brasileiros
encontram-se fragilizados social e economicamente (LEAL et al., 2003; AQUINO et al.,
2009; GONALVES-DIAS, 2009), e que suas organizaes (cooperativas e associaes)
apresentam diversas barreiras tcnicas e econmicas (BESEN et al., 2006; RIBEIRO e
BESEN, 2007; GONALVES-DIAS, 2009, GTZ, 2010). Com a PNRS, instituda pela Lei
12.305/2010, o governo brasileiro optou por polticas pblicas na gesto de resduos slidos
com incluso dos catadores (BRASIL, 2010), sendo relevantes, portanto, as abordagens de
pesquisas na gesto de resduos slidos no Brasil que considerem a atuao desses catadores,
para que realmente sejam includos social e economicamente na cadeia de reciclagem no pas.
As pesquisas de gesto de resduos sob a tica empresarial concentram-se no espao
interno das organizaes e na sua capacidade de implementar polticas de reutilizao e
reciclagem de resduos; encontram-se lacunas na literatura nacional, no entanto, para estudos
-
17
que tratem do papel dos catadores na cadeia de reciclagem (GONALVES-DIAS, 2009).
Paula et al. (2010) enfatizam o papel dos catadores para a consolidao de programas de
logstica reversa de empresas interessadas na recuperao de produtos e materiais. E,
sabendo-se que a PNRS aponta as parcerias com cooperativas, ou outras formas de associao
de catadores, como meio de viabilizao dos sistemas de logstica reversa, pesquisas no
mbito acadmico que descrevam como as organizaes de catadores esto sendo inseridas na
logstica reversa de empresas atravs de parcerias podem subsidiar polticas pblicas para a
criao de instrumentos econmicos e implantao de acordos setoriais, bem como programas
privados de reciclagem, visando a gesto de resduos ps-consumo com incluso de
organizaes de catadores.
-
18
2 REVISO DA LITERATURA
Primeiramente, a reviso bibliogrfica apresenta duas vertentes que se entremeiam: (i)
a conceituao de logstica reversa inserida sob a tica de gesto de cadeia de suprimentos e
(ii) a recuperao de produtos e materiais, com nfase na reciclagem na perspectiva
empresarial. O foco fundamental do referencial terico a logstica reversa. Entretanto, para
estud-la, fez necessrio um entendimento bsico sobre gesto de cadeia de suprimentos, bem
como gesto ambiental e de resduos em cadeias de suprimentos. Em seguida, apresenta-se
uma abordagem terica de organizaes de catadores considerando a relevncia da atuao
dessas no panorama brasileiro de reciclagem de resduos slidos.
2.1 Gesto de Cadeia de Suprimentos
Nas ltimas duas dcadas, o foco para a otimizao na gesto de operaes tem sido a
abordagem da cadeia de suprimentos (LINTON et al., 2007). Para Mentzer et al. (2001)
cadeia de suprimentos um conjunto de organizaes envolvidas diretamente nos fluxos de
produtos, servios, recursos financeiros e/ou informaes de um ponto de origem ao
consumidor. Lambert et al. (1998) afirma que a gesto de cadeia de suprimentos a
integrao de processos de negcios (conforme Figura 1). Christopher (2007, apud Carvalho
e Barbieri, 2010) aborda a gesto dos relacionamentos com fornecedores e clientes para
agregar valor ao cliente e reduzir custos. A motivao para implementao de processos de
negcios, entre os integrantes da cadeia de suprimentos, pode ser tanto para tornar as
transaes eficientes e eficazes, como para estruturar os relacionamentos entre empresas
(LAMBERT, 2006).
-
19
Figura 1 - Processos e funes em gesto de cadeia de suprimentos.
Fonte: Lambert et al., 1998, p. 2.
Segundo Carvalho e Barbieri (2010) a integrao a palavra-chave na gesto de
cadeia de suprimentos, seja funcional ou de fluxos de materiais, recursos, finanas,
tecnologias, relacionamentos e/ou informaes. Os mesmos autores afirmam que, como a
cadeia de suprimentos constituda por organizaes individuais, a gesto da mesma ocorre
por meio de colaborao, negociao e exerccio do poder de influncias para a integrao
entre os membros.
As parcerias entre empresas e fornecedores so apontadas como uma questo central
da gesto de cadeia de suprimentos para Paiva et al. (2009), considerando-se que a eficincia
das operaes depende do planejamento conjunto e compartilhamento de informaes. Os
autores identificam trs elementos essenciais no processo de planejamento, operao e
controle da cadeia de suprimentos: os fluxos de materiais, financeiros e de informaes. A
Figura 2 ilustra a gesto de cadeia de suprimentos por meio da gesto de fluxo de materiais e
informaes entre unidades produtivas que integram uma cadeia de suprimentos (SLACK et
al., 2008).
-
20
Figura 2 - Relaes entre unidades produtivas na gesto de cadeia de suprimentos.
Fonte: Slack et al. (2008, p. 414).
Com base no exposto acima, percebe-se que a gesto de cadeia de suprimentos por
meio da integrao entre organizaes, visa otimizar operaes e transaes e agregar valor.
Essa integrao, por sua vez, ocorre por meio de processos de negcios, funes, fluxos,
relaes, transaes, dentre outros. Uma vez que o desafio est em como realizar essa
integrao (LAMBERT, 2006), o presente estudo pretende avaliar como as cooperativas de
catadores esto integradas na cadeia de suprimentos de empresas.
Segundo Pires (2004), alguns autores definem cadeia de suprimentos como a
somatria e/ou integrao de diversas cadeias de valor. Antes da abordagem terica de gesto
ambiental e de resduos slidos em cadeia de suprimentos, apresentam-se na seo a seguir os
conceitos referentes cadeia de valor.
2.1.1 Cadeia de Valor
A cadeia de valor um conceito apresentado por Porter (1989) que engloba as
atividades de uma organizao que geram custo e agregam valor para o cliente. O instrumento
proposto pelo autor subsidia a busca pela vantagem competitiva atravs da quantificao dos
custos e anlise de valor agregado. Na Figura 3, a seguir pode ser visualizado o modelo
proposto pelo autor.
-
21
Figura 3 - Cadeia de valor, segundo Porter.
Fonte: Porter (1989).
Porter (1989) divide as atividades primrias em:
logstica interna: manuseio de material, armazenagem de insumos, controle de
estoque, entre outras;
operaes: embalagens, manuteno de equipamentos, operaes de produo, etc.;
logstica externa: coleta, armazenagem de produtos acabados, distribuio fsica,
processamento de pedidos, entre outras;
marketing e vendas: propaganda, promoo, fora de vendas, seleo de canal de
venda, etc; e
servios: instalao, conserto, treinamento, etc.
E as seguintes atividades integram as de apoio e/ou suporte:
LO
GS
TIC
A I
NT
ER
NA
OP
ER
A
E
S
LO
GS
TIC
A E
XT
ER
NA
MA
RK
ET
ING
E V
EN
DA
S
SE
RV
IO
INFRA-ESTRUTURA
GESTO DE RECURSOS HUMANOS
DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA
AQUISIO
MA
RG
EM
AT
IVID
AD
ES
PR
IM
RIA
S
AT
IVID
AD
ES
DE
AP
OIO
-
22
infraestrutura da empresa: administrao, finanas, assessoria jurdica, gerncia
de qualidade, entre outras;
gesto de recursos humanos;
desenvolvimento de tecnologia; e
aquisio de insumos e recursos.
As atividades, portanto, requerem recursos e custos, agregando valor ao produto ou
servio. Como o valor refere-se ao percebido pelo cliente, a margem obtida atravs da
diferena entre esse e o somatrio de custos (PORTER, 1989).
Segundo Di Serio et al. (2007), a meta de uma estratgia genrica que o valor
percebido pelos compradores exceda o custo atravs da liderana em termos de custo, na
diferenciao em relao concorrncia, ou no atendimento de um nicho do mercado
negligenciado pela concorrncia.
No caso de cadeia de suprimentos, o encadeamento das cadeias de valor dos membros
viabiliza a anlise de cadeia de valor da cadeia de suprimentos. Sendo assim, alm da
coordenao das atividades da organizao, h interdependncias entre cadeias de valores dos
membros da cadeia de suprimentos (PORTER, 1989). O autor ressalta, ento, sobre a
necessidade de convergncia dos objetivos das cadeias de valores dos membros para um
objetivo comum, visando benefcios mtuos de sistema de valores.
Porter (1989) distingue cadeias fsica e virtual de valores no ambiente de negcios,
sendo a virtual baseada na eficincia do uso da informao. O autor aborda, assim, o conceito
de empresa ampliada atravs da coordenao dos fluxos contnuos de informao a fim de
enxergar a cadeia de suprimentos como um todo.
2.1.2 Gesto Ambiental em Cadeia de Suprimentos
Linton et al. (2007) afirmaram que so necessrias pesquisas em questes sistemticas
sobre as intersees entre gesto ambiental e cadeia de suprimentos. A gesto ambiental de
cadeia de suprimentos tem sido motivada por questes legais e/ou pela satisfao de
consumidores (SRIVASTAVA, 2007).
-
23
Segundos alguns autores, a nfase na gesto ambiental de cadeia de suprimentos deve
ser o delineamento de responsabilidades das organizaes envolvidas e as relaes entre os
membros da cadeia. Por exemplo, Penman e Stock (1994) afirmam que uma atitude
ambientalmente responsvel indica relacionamentos balanceados entre clientes, usurios,
fornecedores e governo. Barbieri e Dias (2002) afirmam que consumidores, produtores,
distribuidores e varejistas desempenham papel nas polticas ambientais. Ou seja, as estratgias
ambientais na gesto de cadeia de suprimentos requerem vrios graus de interao entre as
organizaes (VACHON e KLASSEN, 2008)
2.1.3 Gesto de Resduos Slidos em Cadeia de Suprimentos
As vrias abordagens acerca das questes ambientais nas cadeias de suprimentos
incluem substituio de matrias-primas, eficincia na utilizao de recursos naturais,
reciclagem e reuso de materiais e disposio ambientalmente adequada de resduos slidos,
estabelecendo uma hierarquia no gerenciamento de resduos slidos. Srivastava (2007) cita
prticas empresariais pr-ativas envolvendo vrios Rs, como reduo, reuso, retrabalho,
reciclagem, remanufatura e logstica reversa (reverse logistic, em ingls).
Hicks et al. (2004) afirmam que o gerenciamento de resduos uma questo
estratgica para a cadeia de suprimentos por vrios motivos, entre eles: busca das empresas na
minimizao de resduos slidos nos processos internos e externos; incremento de legislaes
e regulamentos nacionais e internacionais e preocupao dos clientes e consumidores quanto
aos impactos dos produtos e servios no meio ambiente. A implementao de programas para
reduo, reuso e reciclagem de resduos gera valores tangveis e intangveis, alm de
contribuir para melhorar a imagem da empresa (SRIVASTAVA, 2008).
A gesto de resduos slidos tem sido apontada de maneira sistmica por alguns
pesquisadores, visando fechamento da cadeia de suprimentos. Demajorovic (1995) trata da
gesto de resduos slidos sob a perspectiva de um sistema circular (ecological cycle
management). Angel e Klassen (1999) abordaram reengenharia da cadeia de suprimentos para
o desenvolvimento de um sistema de ciclo fechado (closed-loop system). Alguns autores tm
especificado o fechamento do ciclo de cadeias de suprimentos sob a perspectiva da vida do
produto, como Sarkis (2003), que afirma que o ciclo de vida do produto um fator estratgico
organizacional que influencia na gesto de cadeia de suprimentos e impacta na sua adequao
-
24
ambiental. Em contrapartida viso do fechamento da cadeia de suprimentos, os
pesquisadores Hicks et al. (2004) mostraram que a melhoria de prticas de gerenciamento de
resduos pode gerar valor adicional atravs do surgimento de novas cadeias de suprimentos
que reusam e reciclam materiais.
2.1.4 Recuperao de Produtos e Materiais
A recuperao de produtos e materiais envolve uma ampla gama de atividades, tais
como reuso, remanufatura, reciclagem e reaproveitamento energtico. Essas atividades visam
tanto objetivos econmicos quanto ambientais. Entre os objetivos ambientais est a
minimizao de resduos enviados aos aterros sanitrios pela recuperao de materiais e de
componentes dos produtos para reuso, reciclagem e remanufatura (NAKASHIMA et al.,
2002). A reindustrializao dos resduos reciclveis de maneira a torn-los novamente
consumveis amplamente difundida como uma ao benfica que auxilia na reduo de
danos ambientais, pois permite o reaproveitamento de parcela dos resduos slidos,
colaborando para soluo de um dos maiores problemas urbanos da atualidade (LEAL et al.,
2003).
Alm da recuperao de produtos e/ou materiais estar intimamente relacionada com a
gesto de resduos sob a perspectiva empresarial, um sistema de recuperao de materiais
inclui estratgias que permitem o incremento da vida do produto, como reparo, remanufatura
e reciclagem (JAYARAMAN et al., 1999). Alm disso, a recuperao de produtos para
remanufatura, reconfigurao e reciclagem cria oportunidades de negcios rentveis, como
por exemplo, pela utilizao de materiais reciclveis como matrias-primas em novas cadeias
de suprimentos e pelo surgimento de novos segmentos do mercado que valorizam produtos
reciclados. (DOWLATSHAHI, 2010).
Medina (1999) assim distingue os conceitos de reuso e reciclagem: enquanto o reuso
refere-se recuperao de materiais atravs de pequenas modificaes para utilizao com a
mesma finalidade original, a reciclagem requer algum tipo de processamento fsico, biolgico
ou qumico para utilizao como matria-prima para novos produtos. A reciclagem envolve a
recuperao de materiais sem conservar as estruturas iniciais do produto, mas mantm o valor
agregado, economizando energia e matrias-primas (FIELD e SROUFE, 2007).
-
25
Rogers e Tibben-Lembke (1998) classificam as atividades de remanufatura e
recuperao de produtos em cinco categorias: reparo, renovao, remanufatura, canibalizao
e reciclagem. O reparo, a renovao e a remanufatura envolvem o recondicionamento dos
produtos, diferenciando-se quanto aos esforos para recuperao e ao grau de melhoria.
Canibalizao a recuperao de um conjunto restrito de partes reutilizveis de produtos
usados e reciclagem, a reutilizao de materiais dos produtos aps seu reprocessamento.
Brito (2004) relaciona os processos de recuperao de produtos e/ou materiais com o
nvel do produto, que incluem o reparo (nvel de produto), a renovao (nvel modular), a
remanufatura (nvel dos componentes), reciclagem (nvel dos materiais) e incinerao (nvel
energtico).
King et al. (2006) descreve e compara alternativas de reduo de resduos conforme
apresentado na Figura 4. Segundo os autores, o reparo consiste na correo de falhas
especficas no produto; o recondicionamento envolve a reconstruo de parte dos
componentes; a remanufatura refere-se ao processo no qual os produtos so retornados
empresa manufatureira original para desmantelamento, restaurao e substituio de seus
componentes; e a reciclagem requer a utilizao de energia para a transformao de produtos
em matrias-primas para produo de novos produtos.
-
26
Figura 4 - Alternativas para reduo de resduos.
Fonte: King et al., 2006.
Como os programas empresariais de logstica reversa, considerados neste estudo,
objetivam a recuperao de embalagens por meio da reciclagem, a seguir apresentado um
enfoque terico sobre o tema.
2.1.4.1 Reciclagem
O entendimento da reciclagem est atrelado origem da palavra ciclo que, em grego
(kyklos) significa crculo ou roda. Um ciclo, ento, consiste em uma srie de eventos
ou processos que retorna posio original repetidamente. A reciclagem envolve uma srie de
atividades intermedirias de coleta, separao e processamento, pelas quais materiais ps-
consumo so usados como matria-prima na manufatura de bens, anteriormente feitos com
matria-prima virgem (BUTTER, 2003). Para Barbieri (2007), a reciclagem ocorre em dois
nveis de interveno: reciclagem interna, visando minimizao de resduos e emisses, e
reciclagem externa com a reutilizao de resduos. Um conjunto de tcnicas empregado
visando o aproveitamento de resduos e reutilizao nos ciclos de produo de origem ou
-
27
paralelo, nos quais so desviados, coletados, separados e tratados para serem utilizados como
matrias-primas na manufatura de novos produtos (SHIBAO, MOORI e SANTOS, 2010).
Calderoni (1997) afirma que a indstria obtm ganhos com a reciclagem atravs da
economia de matrias-primas e energia; reduo no consumo de gua e diminuio dos custos
com controle ambiental exigido pela legislao e rgos ambientais; alm do incremento da
vida til do produto. A reciclagem , ento, uma resposta adaptativa para a escassez, sendo
uma atividade econmica que visa a utilizao eficiente dos recursos (MEDINA, 1999).
Leal et al. (2003) tem uma viso complementar e afirma que a indstria de reciclagem,
alm de recuperar o valor de uso dos materiais, recupera valor do trabalho que foi utilizado
em sua produo e o valor de troca das mercadorias, sendo uma atividade lucrativa para os
que detm poder de controle dessa cadeia produtiva.
Os materiais reciclveis ps-consumo que apresentam maior destaque, no caso do
Brasil, tm sido os papis, metais (alumnio, ferro e ao), vidros e plsticos. Calderoni (1997)
notou que, quanto mais oligopolizado o setor, como as latas de alumnio, maior o ndice de
reciclagem e, quanto maior pulverizao, os ndices de reciclagem encontram-se mais baixos,
como o caso do setor de plstico.
Gonalves-Dias (2009) relata que os atores da cadeia de reciclagem podem ser
diferenciados quanto (i) devoluo, com qualquer integrante da cadeia sendo responsvel
por essa etapa, incluindo consumidores; (ii) recebimento, com receptores ao longo da cadeia
de suprimentos (fornecedores, fabricantes, intermedirios, etc.); (iii) coleta, tais como
companhias especficas de recuperao, fornecedores de servios de logstica reversa,
empresas coletoras de resduos municipais, fundaes pblicas e privadas; e (iv)
processamento dos materiais reciclveis, responsveis pela transformao dos resduos em
novos produtos para retorno ao mercado. Segundo a autora, quanto ao comrcio dos materiais
reciclveis, cada ator envolvido entre a coleta e o beneficiamento agrega valor em funo do
tipo de tratamento - separao por tipo, prensagem e limpeza, e em relao ao volume
acumulado.
A adio de valor aos materiais recuperados, com destaque para atividades de
reciclagem ps-consumo, ocorre pela seleo, limpeza e alterao das propriedades fsicas,
-
28
visando facilitar seu transporte e agregao em quantidade vivel comercialmente (WILSON
et al., 2006). Com base nos estudos desse autor, o Quadro 1 apresenta, sucintamente, os
processos de agregao de valor aos materiais destinados reciclagem. Nota-se que o autor
considera a seleo como principal processo que recupera valor, o que faz sentido porque a
partir da seleo que os materiais reciclveis so encaminhados aos processos especficos de
tratamento. Parte desse processo de seleo pode ser feito pelo prprio consumidor, pelo
rgo pblico responsvel pela coleta dos resduos slidos ou pelos catadores, sendo que esse
ltimo parece que desempenha um papel relevante no caso brasileiro. Monteiro e Zveibil
(2001) consideram os processos executados pelas cooperativas de catadores como alternativas
de segregao de resduos slidos, visando a recuperao de materiais reciclveis.
Coleta Identificao e coleta de resduos visando torn-los recursos.
Seleo Principal processo que adiciona valor. Possibilidade de seleo em categorias (ex.:
plsticos) e subcategorias (ex.: PET).
Acumulao de Volume Aumento de volume possibilita melhores preos unitrios e poder de barganha.
Necessidade de espao fsico para estocagem.
Pr-Processamento Limpeza e alteraes fsicas (compactao, granulao, enfardamento, corte, etc).
Manufatura em
Pequena Escala
Transformaes dos reciclveis em produtos para comunidade (ex.: artesanato,
papel reciclado).
Inteligncia de Mercado Proximidade fsica dos comerciantes e recicladores informais, acuracidade dos
preos de mercado dos materiais primrios/secundrios, parcerias, etc.
Comercializao Venda para mercados formais e/ou informais. Necessidade de capacidade
financeira e conservao do valor dos reciclveis.
Quadro 1 - Processos de agregao de valor aos materiais secundrios.
Fonte: adaptado de Wilson et al. (2006).
Segundo Medina (1999), a Amrica Latina possui grande potencial para promoo da
reciclagem, visando resolver problemas referentes ao manejo de resduos slidos de maneira
economicamente vivel, socialmente desejvel e ambientalmente adequada. A cadeia de
reciclagem dos resduos slidos urbanos no Brasil complexa, em funo dos diferentes
segmentos econmicos envolvidos, desde catadores e sucateiros at intermedirios e, por fim,
indstrias e poder pblico (GONALVES-DIAS, 2009). A autora afirma que esses segmentos
envolvidos variam em funo do tipo de material e da regio na qual ocorre a coleta,
comercializao e industrializao dos materiais reciclveis.
-
29
2.1.5 Logstica Reversa
Angell e Klassen (1999), a partir de grupo focal com pesquisadores na rea de gesto
de operaes e meio ambiente, identificaram a logstica reversa como oportunidade potencial
de pesquisas, conjuntamente com o conceito de cadeia de suprimentos ambientalmente
adequada. Os estudos em cadeias de suprimentos sob o vis ambiental, segundo Srivastava
(2007), incluem a logstica reversa em pesquisas de operaes verdes (green operations),
como pode-se ver na Figura 5. A logstica reversa, ento, apresenta-se como uma rea de
conhecimento na gesto ambiental empresarial e de cadeias de suprimentos. A gesto de
resduos, apontada pelo autor, trata da gesto de resduos no ambiente interno das
organizaes, ou seja, no se refere ao objeto desta pesquisa.
Figura 5 - Classificao de pesquisas em gesto ambiental em cadeias de suprimentos.
Fonte: Srivastava, 2007, adaptado.
Os primeiros estudos sobre logstica reversa so encontrados nas dcadas de 1970 e
1980, tornando-se mais visvel a partir da dcada de 1990 (LEITE, 2009). A logstica reversa
descrita com base na direo do fluxo de materiais, ou seja, como sendo a movimentao de
bens do consumidor para o produtor. Entretanto, definies mais recentes consideram tambm
-
30
os fluxos de informaes na definio de logstica reversa e enfatizam sua natureza gerencial.
Para a Reverse Logistics Executive Council8, por exemplo, logstica reversa o
processo de planejamento, implementao e controle da eficincia e do custo-
benefcio no fluxo de matrias-primas, inventrio em processo e produtos acabados
e os fluxos de informaes do ponto de consumo at o ponto de origem com o
propsito de recapturar valor ou descarte adequado.
Pesquisadores brasileiros tm utilizado conceitos similares, como a abordagem de
Leite (2009):
rea da logstica empresarial que planeja, opera e controla o fluxo e as informaes
logsticas correspondentes, do retorno dos bens de ps-venda e de ps-consumo ao
ciclo de negcios ou ao ciclo produtivo, por meio dos canais de distribuio
reversos, agregando-lhes valores de diversas naturezas: econmico, de prestao de
servios, ecolgico, legal, logstico, de imagem corporativa, dentre outros.
Shibao, Moori e Santos (2010), por sua vez, caracterizam a logstica reversa como o
planejamento, implantao e controle dos custos e dos fluxos de informaes e de produtos ou
materiais, passveis de serem reutilizados ou reciclados, desde o ponto de consumo at o
ponto de reprocessamento a fim de recuperar valor ou dispor adequadamente.
O conceito de logstica reversa est relacionado com recuperao de materiais e
produtos. Por exemplo, Rogers e Tibben-Lembke (1998) definem logstica reversa como o
processo de recuperao dos bens da sua destinao final tradicional para agregao de valor
ou destinao mais adequada. Brito (2004), na definio de logstica reversa, aborda os fluxos
que apresentam valor a ser recuperado, gerando uma nova cadeia de abastecimento. Ressalta-
se que a logstica reversa inclui o processamento de mercadorias devolvidas devido danos
materiais, estoque sazonal, reabastecimento, recalls, excesso de estoque e recuperao de
produtos e materiais (ROGERS e TIBBEN-LEMBKE, 1998).
Sendo assim, o conceito de logstica reversa est sendo aplicado, por alguns autores,
para a gesto de produtos. De acordo com o Council of Supply Chain Management
Professionals CSCMP9, situado em Lombard, Illinois, logstica reversa consiste no
segmento especializado da logstica com foco na movimentao e gesto de produtos e
recursos ps-venda ou ps-consumo. J, Gonalves-Dias (2006) afirma que prticas de
logstica reversa consistem na estruturao de canais que facilitem o retorno de produtos ao
8 Disponvel em: http://www.rlec.org/glossary.html . Acesso em 22 nov. 2011.
9 Disponvel em: http://cscmp.org/digital/glossary/glossary.asp. Acesso em 22 nov. 2011.
-
31
ciclo produtivo, alm de atrelar ao conceito de ciclo de vida do produto: por trs do conceito
de logstica reversa est o ciclo de vida do produto. A vida de um produto, do ponto de vista
logstico, no termina com sua entrega ao cliente.
No Brasil, a Lei n. 12.305/2010 que institui a Poltica Nacional de Resduos Slidos
(PNRS) reenvasada, define logstica reversa como:
instrumento de desenvolvimento econmico e social caracterizado por um conjunto
de aes, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituio dos
resduos slidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em
outros ciclos produtivos, ou outra destinao final ambientalmente adequada
(BRASIL, 2010).
A regulamentao brasileira, como se pode perceber, aborda a logstica reversa quanto
gesto de produtos pelo setor empresarial atravs de agregao de valor aos resduos slidos
e recuperao de produtos e/ou materiais, motivada pelos aspectos econmicos, sociais e
ambientais.
2.1.5.1 Motivadores
Prticas de logstica reversa empresariais tm sido motivadas por diversos aspectos,
conforme representado na Figura 6 e descritos a seguir:
econmicos e financeiros (PENMAN e STOCK, 1994; BRITO e DEKKER, 2002;
LEITE, 2009; CORRA, 2010),
legislaes (BRITO e DEKKER, 2002; LINTON et al., 2007; LEITE et al., 2008;
LEITE, 2009),
responsabilidade socioambiental (BRITO e DEKKER, 2002; LINTON et al., 2007;
SRIVASTAVA, 2007; LEITE et al., 2008),
satisfao de clientes (LEITE, 2009; DOWLATSHAHI, 2010)
imagem corporativa (SINNECKER, 2007; LEITE, 2009),
competitividade (SINNECKER, 2007; LEITE et al., 2008),
gesto de riscos (LEITE, 2009); e
recuperao de produtos (LEITE et al., 2008).
-
32
Figura 6 - Motivadores de prticas de logstica reversa.
Fonte: Elaborado pela autora
Como visto anteriormente, a conceituao de logstica reversa est intimamente ligada
com os processos de negcios e aspectos gerenciais. Por isso, o aspecto econmico tem
merecido destaque como motivador de prticas de logstica reversa. Penman e Stock (1994)
ressaltam a substituio das matrias-primas por materiais reciclveis devido aos preos
reduzidos. Leite (2009) aponta economias de energia, componentes e de investimentos em
fbricas de matrias-primas. Para Corra (2010), apesar dos custos associados aos fluxos
reversos, uma boa gesto da logstica reversa em redes de suprimentos permite a recuperao
de valor de produtos e materiais. Concomitantemente, podem-se destacar fatores que
impactam os negcios, como a influncia da adoo de prticas de logstica reversa na
satisfao dos consumidores (DOWLATSHAHI, 2010) e no incremento da competitividade
(SINNECKER, 2007).
Prticas de logstica reversa tambm apresentam, como motivadores, as questes
ambientais atravs da abordagem de gesto de produtos, considerando a logstica reversa
como forma de recuperar valor de produtos e/ou materiais e de minimizar os impactos
ambientais atrelados produo e consumo, como utilizao excessiva de recursos naturais e
gerao de resduos slidos. Carter e Ellram (1998) definem logstica reversa, ento, como o
processo no qual as empresas tornam-se mais eficientes ambientalmente atravs da
reciclagem, reutilizao e reduo da utilizao de materiais. J, Sinnecker (2007) atrela
Motivadores de Prticas de Logstica Reversa
Aspectos Econmicos e Financeiros
Legislaes
Responsabilidade Socioambiental
Satisfao de Clientes
Imagem Corporativa
Competitividade
Gesto de Riscos
Recuperao de Produtos
-
33
logstica reversa com a consolidao da imagem corporativa atravs da associao dos
programas empresariais de logstica reversa com a responsabilidade ambiental e social.
Com base no exposto, percebe-se que tm sido apontados os aspectos econmicos,
ambientais e sociais para a consolidao de programas empresariais de logstica reversa. Esses
aspectos correspondem ao conceito de sustentabilidade, conforme o modelo tripple bottom
line, definido por Elkington (1998). H autores que incorporam esse modelo na estruturao
de canais que facilitem o retorno de produtos ao ciclo produtivo cadeia de suprimentos tais
como Linton et al. (2007), Srivastava (2007) e Shibao, Moori e Santos (2010):
o processo de logstica reversa revela-se como uma grande oportunidade de se
desenvolver a sistematizao dos fluxos de resduos, bens e produtos descartados,
seja pelo fim de sua vida til, seja por obsolescncia tecnolgica e o seu
reaproveitamento, dentro ou fora da cadeia produtiva de origem, contribuindo dessa
forma para reduo do uso de recursos naturais e dos demais impactos ambientais,
isto , o sistema logstico reverso consiste em uma ferramenta organizacional com o
intuito de viabilizar tcnica e economicamente as cadeias reversas, de forma a
contribuir para a promoo da sustentabilidade de uma cadeia produtiva (SHIBAO,
MOORI e SANTOS, 2010).
Diversos autores tm enfatizado o papel do surgimento de leis como motivadores para
implementao de programas empresariais de logstica reversa. Segundo Brito e Dekker
(2002), por exemplo, alm de fatores econmicos e de responsabilidade socioambiental,
apontam a legislao como fora motriz que direcionam as aes das fabricantes. LINTON et
al. (2007) destacam a implementao da logstica reversa para produtos ps-consumo como
uma postura reativa ao cumprimento de legislaes. Leite (2009), sobre a perspectiva
estratgica, acrescenta ao surgimento de legislaes, outros motivadores para prticas de
logstica reversa, como recuperao de valor financeiro, prestao de servios aos clientes,
mitigao dos riscos, imagem da marca ou corporativa.
Leite, Brito e Silva (2008) realizaram uma pesquisa quantitativa descritiva, aplicando
questionrio tipo survey em 188 empresas brasileiras de diversos setores e posicionamento na
cadeia de suprimentos, durante os anos de 2006 e 2007. Dentre os resultados da pesquisa
foram constatadas as motivaes empresariais brasileiras referentes prtica da logstica
reversa, conforme Tabela 2. Percebe-se que, entre os motivos apontados, os aspectos
relacionados com os negcios dos membros da cadeia (competitividade, eliminao de
produtos imprprios, entre outros) superam o atendimento s exigncias legais.
-
34
Tabela 2 - Motivaes de empresas brasileiras para retorno de produtos.
MOTIVAO
Ter diferencial competitivo 18,5%
Eliminar produtos imprprios para uso do canal de distribuio 17%
Recuperar produtos para reprocesso 16,75%
Responsabilidade ecolgica 14,75%
Recuperar produtos para revenda 14%
Cumprimento de legislaes 11,25%
Outra 7,75%
Fonte: Leite, Brito e Silva (2008).
Iniciativas de polticas pblicas que incentivem a estruturao de canais reversos ps-
consumo so recentes no Brasil. Merece destaque a Lei 9.974/2000, regulamentada pelo
Decreto 4.074/2002, que responsabiliza as empresas que produzem e comercializam
agrotxicos pela destinao das embalagens vazias dos produtos, por elas fabricados e
comercializados, aps a devoluo pelos usurios para sua reutilizao, reciclagem ou
inutilizao. A Lei 12.305/2010, regulamentada pelo Decreto 7.404/2010, institui a PNRS e
obriga aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de pilhas e baterias, pneus,
leos lubrificantes, lmpadas (fluorescentes, de vapor de sdio e mercrio e de luz mista) e
produtos eletroeletrnicos, podendo estender s embalagens, a estruturar e implementar
sistemas de logstica reversa, mediante retorno dos produtos aps o uso pelo consumidor, de
forma independente do servio pblico de limpeza urbana e de manejo dos resduos slidos
(BRASIL, 2010).
O estudo de Santos et al. (2011) revela que o enfoque dos artigos acadmicos na
temtica logstica reversa, no perodo entre os anos de 2005 e 2010, podem ser categorizados
em cinco tipos: reduo de custos, melhoria da imagem corporativa, alterao de processos,
vantagem competitiva e a preocupao com o meio ambiente. Estes dados so compatveis
com os encontrados por Leite, Brito e Silva (2008).
-
35
2.1.5.2 Canais Reversos
A implantao da logstica reversa requer a estruturao de canais de distribuio
reversos a fim de retornar os produtos e/ou materiais para recuperao ou destinao
adequada. Segundo Leite (2009), os canais de distribuio reversos de ps-venda so
constitudos pelas alternativas de retorno de produtos que no foram utilizados, ou foram
utilizados restritamente por problemas relacionados qualidade ou a processos comerciais. J,
os canais de distribuio reversos de ps-consumo so constitudos pelo fluxo reverso de
produtos e materiais, originados do descarte aps o fim de sua utilidade original. Os canais de
distribuio reversos ps-consumo podem ser distinguidos em trs subsistemas reversos
(LEITE, 2009):
Reuso: quando os produtos ainda so passveis de utilizao, estendendo o uso do
produto ou de seus componentes com a mesma funo original;
Remanufatura: reaproveitamento dos produtos que j atingiram o fim de sua vida
til, atravs da substituio de componentes para reconstituio do produto, com a
mesma finalidade e natureza originais;
Reciclagem: revalorizao dos materiais constituintes dos produtos descartados,
transformando-os em matrias-primas secundrias ou recicladas para re-incorporao
em novos produtos; e
Disposio final: destino dos produtos no passveis de revalorizao.
Os canais de distribuio reversos podem ser classificados com base no destino dos
produtos e/ou materiais reciclveis e na funcionalidade dos produtos e/ou materiais a serem
produzidos com a recuperao dos produtos e/ou materiais. Brito (2004) classifica as prticas
de recuperao na cadeia de suprimentos, considerando os aspectos cclicos dos processos, em
cadeias fechadas (closed-loop) fsicas, quando os produtos e/ou materiais retornam ao
membro da cadeia original; cadeias fechadas (closed-loop) funcionais, quando os
produtos e/ou materiais retornam sua funo original; ou cadeias abertas, quando os
produtos e/ou materiais no retornam nem ao membro nem funcionalidade originais. Leite
(2009) distingue duas categorias de ciclos reversos de retorno ao ciclo produtivo:
Ciclo aberto: constitui-se pelas etapas de retorno dos materiais constituintes dos
produtos de ps-consumo para reintegrao ao ciclo produtivo em substituio s
-
36
matrias-primas na fabricao de diversos outros produtos. Os canais reversos com
ciclo aberto so caracterizados pela especializao, pela natureza do material
constituinte, como a extrao de materiais plsticos e de material ferroso de diversos
produtos diferentes. Nesses canais as empresas da cadeia produtiva reversa revelam
menor tendncia integrao em funo da origem diversificada dos produtos; e
Ciclo fechado: j os canais reversos de ciclo fechado incluem as etapas de retorno
de produtos ps-consumo, visando a fabricao de produtos similares. So
caracterizados pela alta eficincia no fluxo reverso, alm da especializao para
revalorizao do material constituinte de determinado produto, como as latinhas de
alumnio, leos lubrificantes usados, baterias de veculos descartadas, entre outros.
Nesses canais h uma tendncia de integrao entre cadeia direta e reversa.
2.1.5.3 Estruturao da Logstica Reversa
Rogers e Tibben-Lembke (1998) consideram os fatores relacionados ao produto
logstico como principais na estruturao de atividades de logstica reversa: sua origem e a
sua natureza. Mas, os mesmos autores questionam: como a empresa deve encaminhar os
produtos no desejados para os locais onde eles podem ser processados, reutilizados e
recuperados, de uma maneira eficiente e eficaz?
A abordagem de processos apontada como parte integrante da estruturao da
logstica reversa a fim de disciplinar a movimentao dos retornos. Segundo Rogers e Tibben-
Lembke (1998), independentemente do seu destino final, todos os materiais e/ou produtos no
fluxo reverso devem ser recolhidos e classificados antes de serem enviados para os seus
prximos destinos. Krikke e Blanc (2004) afirmam que a possibilidade de retornos rentveis
depende do desenho adequado de processos reversos. Gonalves-Dias (2009) caracteriza
quatro processos logsticos reversos envolvendo a reciclagem: a coleta, o processo
combinado de inspeo, seleo e triagem; o reprocessamento e a redistribuio.
Krikke (1998) relaciona a extenso do ciclo de vida de produtos e a estruturao da
logstica reversa. O autor ainda afirma que a logstica reversa funo da viabilidade tcnica,
dos fornecimentos de produtos e/ou materiais adequados, da demanda de mercados
secundrios, dos benefcios e dos custos econmicos e ambientais. O autor elencou seis
problemas que devem ser enfrentados na estruturao da rede de logstica reversa:
-
37
Tecnolgicos: incluindo desenho de produtos passveis de serem reciclados (design
for recycling), alternativas viveis ambiental e economicamente de recuperao de
produtos e/ou materiais, atravs de fluxos de retornos e incremento dos processos
produtivos;
Marketing: obteno de taxas de retornos que permitam economias de escala
atravs de comunicao e informao, alm da criao de mercados secundrios para
produtos e/ou materiais que foram manufaturados parcialmente com resduos
recuperados;
Informao: com previso de suprimentos e demandas, apesar das dificuldades de
dimensionamento da magnitude, tempo, localizao e qualidade dos fluxos de
retornos e adaptao de sistemas de informao;
Organizao: atravs da atribuio de operaes e processos para os membros da
cadeia, considerao da logstica reversa nas estratgias de negcios, formao de
alianas e cooperao na troca de informaes, no desenho de produtos e em
operaes de recuperao de produtos e/ou materiais;
Financeiro: incluindo o incremento da viabilidade econmica atravs do
desenvolvimento de mercados secundrios, equilbrio entre oferta e demanda e
controle de custos, financiamento de atividades na cadeia e valorizao dos fluxos
reversos; e
Operaes: desafios quanto ao controle de estoques com incremento da
complexidade do sistema, planejamento de recursos para manufatura, considerando
incertezas quanto ao equilibro oferta e demanda, roteirizao dos fluxos reversos,
estratgias de recuperao, criao de rede logstica, otimizando localidade e
capacidade, integrao entre fluxos diretos e reversos, dentre outros.
Quanto aos fatores crticos, Lacerda (2002) aponta seis fatores que influenciam na
eficincia da logstica reversa: (i) bons controles de entrada; (ii) processos mapeados e
formalizados; (iii) tempo de ciclo reduzido; (iv) sistemas de informao; (v) rede logstica
planejada; e (vi) relaes colaborativas entre clientes e fornecedores.
Brito (2004) apresenta questes fundamentais que devem ser respondidas para uma
adequada estruturao da logstica reversa:
Por que os produtos esto sendo retornados?
-
38
Por que os produtos retornados esto sendo recebidos?
O que est sendo retornado (caractersticas e tipologias dos produtos)?
Como os produtos so recuperados (alternativas de recuperao e processos)?
Quem est realizando a recuperao (atores e papis)?
Leite (2009) destaca a importncia da integrao entre organizaes para viabilizar a
logstica reversa. Segundo o autor, as empresas que utilizam materiais reciclados apresentam
diferentes nveis de integrao vertical e distinguem-se em pelo menos trs principais cadeias
reversas:
Empresas no integradas em reciclagem: adquirem os materiais reciclados da
indstria de reciclagem, ou agentes distribuidores, em condies tcnicas de serem
reintegrados ao processo industrial em substituio s matrias-primas virgens;
Empresas semi-integradas em reciclagem: adquirem os materiais beneficiados
(adensamento de carga e seleo de materiais) por intermedirios processadores,
exigindo o prvio beneficiamento industrial antes da reintegrao do material ao
processo; e
Empresas integradas em reciclagem: adquirem seus materiais da fonte primria de
resduos slidos, atravs da coleta dos produtos ps-consumo, diretamente ou atravs
de parcerias. Trazem benefcios atravs do adensamento e seleo, alm do prvio
processamento industrial.
Leite et al. (2006) apontaram aspectos que devem ser observados na estruturao de
canais reversos conforme Quadro 2. Como se pode ver, esses aspectos envolvem questes
tpicas da logstica, em geral, como transporte, informao, armazenagem e contratao,
acrescidas de questes especficas da recuperao de materiais como os relacionados com
revalorizao.
-
39
PROCEDIMENTOS GERAIS
Procedimentos de retorno definidos
Controle do recebimento de retornos
Classificao e quantificao do retorno
Codificao dos retornos por controles
Procedimentos de consolidao do retorno
Procedimentos de seleo e destino definidos
ARMAZENAGEM E RECURSOS
reas especficas destinadas ao retorno
reas especficas destinadas remanufatura
Controle de custos de armazenagem do retorno
Pessoal dedicado ao retorno
Equipamentos dedicados ao retorno
Sistemas de informao dedicados ao retorno
TRANSPORTE
Meios e veculos definidos
Frequncia e trajeto de coleta definidos
Acondicionamento definido do retorno
Prioridade do retorno
Controle de custos de transportes do retorno
REVALORIZAO
Motiva o tratamento do retorno
Proporciona ganho de imagem
Proporciona recuperao de valor
Custo e receita conhecidos
H mercados secundrios definidos
CONTRATOS
H contratos de retorno junto cadeia
H terceiros contratados para revalorizao
H um fluxo de pagamentos e ressarcimentos
FLUXO DE INFORMAES
H um sistema de informaes para o retorno
Operaes so informatizadas
Informaes alimentam outras reas
Quadro 2 - Aspectos observveis na estruturao de canais reversos.
Fonte: Leite et al. (2006).
Srivastava (2007) destaca a importncia de discusses sobre sistemas de planejamento
de produo reversa, modelos de minimizao de custos e gesto de resduos do canal
reverso, contextos de incerteza do volume do fluxo reverso e localizao das instalaes
quanto ao fornecimento de retornos e aos mercados secundrios.
Leite (2009) afirma que as condies essenciais de organizao e implementao da
logstica reversa em um canal reverso so: (i) remunerao em todas as etapas reversas; (ii)
qualidade dos materiais reciclados; (iii) escala econmica de atividade; e (iv) mercado para os
produtos reciclados. O mesmo autor complementa seu modelo relacional considerando os
fatores necessrios ou de influncia, que atuam como motivadores ou inibidores dos fluxos
reversos; alm dos fatores modificadores, como reao s condies preexistentes em certos
tipos de canais de distribuio reversos (Figura 7). Quanto aos aspectos operacionais, o
mesmo autor enfatiza que as decises envolvem ferramentas como caracterizao do produto
logstico, definies da rede operacional, localizaes, modais de transporte, gesto de
estoques, sistemas de informaes, entre outros. Corra (2010) destaca que as decises quanto
-
40
centralizao ou descentralizao na gesto de redes reversas de suprimentos influenciam na
agilidade e eficincia das mesmas.
Figura 7 - Modelo relacional para estruturao da logstica reversa.
Fonte: Leite (2009).
Shibao, Moori e Santos (2010) apresentam uma abordagem funcional da logstica
reversa baseada em cinco funes: (i) planejamento, implantao e controle do fluxo de
materiais e informaes do ponto de consumo ao ponto de origem; (ii) movimentao de
produtos e/ou materiais na cadeia produtiva do consumidor para o produtor; (iii) utilizao
mais eficiente de recursos atravs da reduo do consumo de energia e da utilizao de
materiais com o reaproveitamento, reutilizao ou reciclagem dos resduos; (iv) recuperao
de valor e (v) destinao final segura. Os autores pontuam os seguintes problemas na
estruturao da logstica reversa: a descentralizao dos pontos para coleta dos resduos, as
dificuldades no recolhimento das embalagens dos produtos, a necessidade de cooperao do
remetente e o baixo valor dos produtos e/ou materiais a serem recuperados e/ou reciclados.
Ainda ressaltam os autores, sobre a importncia da determinao do nmero de ns da rede de
recolhimento e da quantidade e localizao de depsitos ou pontos intermedirios, a
integrao da cadeia reversa com a cadeia de suprimentos direta e o financiamento do canal
de distribuio reverso.
-
41
Para Sinnecker (2007) devem-se equacionar os aspectos envolvidos para estruturao
dos canais de distribuio reversos dos materiais e/ou produtos de ps-consumo e estabelecer
relaes de parcerias entre empresas das cadeias reversas.
2.2 Cooperativismo no Brasil
A organizao coletiva do trabalho caracteriza-se por prticas e formas
organizacionais de associao de pessoas cujos meios de produo esto nas mos dos
trabalhadores, com gesto democrtica, sendo a cooperativa sua forma tpica (COELHO,
2011). Segundo Silva (2007) as propostas de organizao coletiva buscam a superao de
realidades de excluso e pobreza.
Barreto (2009) relata que o movimento cooperativista iniciou-se em 1844 com a
fundao da cooperativa de consumo de operrios da indstria txtil Rochdale Society of
Equitable Pionner, em Rochdale (Manchester, Inglaterra), no auge da Revoluo Industrial.
No Brasil, o cooperativismo surgiu atravs da imigrao europeia, no final do sculo XIX
(SINGER, 2001; MORAIS et al., 2011). A Constituio Brasileira de 1891 tambm foi
crucial para criao de um ambiente legal para viabilizao e implantao das cooperativas,
consolidando o movimento cooperativista no pas (SIMIONI 2009). Essa Constituio
garantia a liberdade s organizaes de profissionais para defesa de seus direitos (BRASIL,
1891).
O Decreto-Lei 5.764/1971 institui a regulamentao das cooperativas, e, com a
Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, a interveno estatal cessada no
inciso XVIII do artigo 5, mas mantendo-se a Poltica Nacional de Cooperativismo: a
criao de associaes e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorizao,
sendo vedada a interferncia estatal em seu funcionamento (BRASIL, 1971 e 1988).
Segundo Barreto (2009), a Aliana Cooperativa Internacional - ACI aprovou, em
1995, em um Congresso realizado em Manchester na Inglaterra, a Carta de Princpios da ACI,
integrando sete princpios cooperativistas. Estes princpios encontram-se listados a seguir com
uma breve descrio baseada na Poltica Nacional de Cooperativismo, instituda pela Lei
5.764/1971 (BRASIL, 1971):
-
42
1. Adeso livre e voluntria com consentimento aos propsitos sociais e condies
estabelecidas no Estatuto Social. A quantidade de associados pode ser limitada pela
capacidade tcnica de prestao de servios e por critrios do rgo normativo, como
vnculos determinada entidade ou exerccio profissional. Agentes de comrcio e
empresrios que atuam no setor econmico no so passveis de ingresso no quadro
das cooperativas;
2. Gesto democrtica atravs da singularidade de voto, havendo possibilidade de
definio de critrios de proporcionalidade pelas cooperativas centrais, federaes e
confederaes de cooperativas. Alm do quorum para o funcionamento e deliberao
da Assembleia Geral basear-se na quantidade de associados. Entretanto, o
estabelecimento de relao empregatcia com a cooperativa anula o direito de voto. A
cooperativa administrada por uma Diretoria ou Conselho de Administrao e
fiscalizada por um Conselho Fiscal;
3. Participao econmica dos membros atravs da variabilidade do capital social
representado por quotas-partes, no podendo ser destinadas a terceiros, com
possibilidade de critrios de proporcionalidade, visando objetivos sociais. A
quantidade de quotas-partes limitada para cada associado. A cooperativa visa
prestao de assistncia aos associados, com retorno das sobras lquidas do exerccio
proporcionalmente s operaes realizadas pelo associado. Ressalta-se tambm a
indivisibilidade dos Fundos de Reserva e de Assistncia Tcnica, Educacional e
Social;
4. Autonomia e independncia j que as cooperativas so organizaes autnomas,
de ajuda mtua, controladas pelos seus membros. As Assembleias Gerais so
realizadas com o intuito de instrumentalizar a autogesto, deliberando sobre questes
estratgicas, gerenciais e oramentrias. O controle democrtico e a autonomia da
cooperativa devem ser mantidos mesmo em acordos com outras organizaes, ou em
investimentos de capital externo;
5. Educao, formao e informao para o desenvolvimento das cooperativas, alm
de repasse de informaes ao pblico em geral sobre cooperativismo e rea de
atuao;
6. Intercooperao buscando o fortalecimento e incentivo das relaes
intercooperativas, como uma forma de ajuda mtua para a realizao de negcios e a
-
43
troca de experincias (Barreto 2009) atravs das estruturas locais, regionais,
nacionais e internacionais; e
7. Interesse pela comunidade: empenho para que a vivncia dos princpios
represente, alm da gerao de renda e emprego, uma proposta de carter social
atravs de polticas aprovadas pelos membros.
Os princpios cooperativistas so utilizados em mbito mundial, destacando-se o
controle pelos seus prprios membros como modelo de gesto (SIMIONI, 2009). Segundo
Singer (2001), a solidariedade continua dando o tom e a especificidade da cooperativa. O
autor afirma tambm que a solidariedade um dos elementos que diferencia as cooperativas
das empresas, como no que tange as escalas de remuneraes, que decidida pelo voto
individual de cada associado; e a destinao das sobras (lucros) que so, em geral,
reinvestidos para gerao de novas fontes de trabalho e renda dentro da prpria cooperativa
ou sob a forma de novas cooperativas. Essa solidariedade intercooperativas vital para o xito
das cooperativas.
De acordo com a Morais et al. (2011), o cooperativismo classificado em categorias
conforme suas funes no mercado, como as cooperativas de consumo, de crdito, de compra
e venda e de produo. As cooperativas podem ser singulares, formadas por pessoas fsicas
que prestam servios diretamente aos associados; centrais ou federaes, constitudas por
cooperativas singulares para a organizao dos servios econmicos e assistenciais de
interesse das filiadas, integrao e orientao das atividades; ou confederaes, integrando
federaes de cooperativas, ou cooperativas centrais objetivando a orientao e coordenao
das atividades das filiadas, quando ultrapassar o mbito de atuao das cooperativas centrais
ou federao de cooperativas. possvel a admisso de pessoas jurdicas, ou sem fins
lucrativos nas cooperativas singulares desde que seus objetos sejam correlatos com as
atividades econmicas. As cooperativas centrais, ou federaes de cooperativas podem
admitir associados individuais visando transformao desses em futuras cooperativas
singulares (BRASIL, 1971).
Considerando-se que os programas empresariais estudados nesta pesquisa consistem
na integrao entre empresas de capital aberto e cooperativas, fez-se necessrio entender as
principais diferenas entre essas organizaes no contexto brasileiro. O Quadro 3 apresenta
uma sntese da comparao entre essas organizaes baseado na Lei 6.404/1976, que dispe
-
44
sobre as Sociedades por Aes, e na Lei 5.764/1971, que institui o regime jurdico das
sociedades cooperativas (MENDES, 2010).
CARACTERSTICAS SOCIEDADE POR AES COOPERATIVA
Objeto Qualquer empresa de fim lucrativo
Qualquer gnero de servio,
operao ou atividade sem fins
lucrativos
Sociedade Mercantil Cooperativista
Capital Social Expresso em moeda nacional Expresso em quotas-partes
Voto em Deliberaes em
Assembleias Gera