O Trecheiro - agosto de 2014 #227

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IMPRESSO Notícias do Povo da Rua Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected] Ano XXII Agosto de 2014 - Nº 227 Rose Barboza 10 anos, o massacre que não termina Há 10 anos ocorria, em São Paulo, o “Massacre da Sé”. Em quatro dias, 15 pessoas foram brutalmente espancadas, sete das quais morreram. Desde então, esse massacre tem estado no cen- tro dos debates das políticas de vida e morte de quem vive nas ruas. A data de início dos ataques – 19 de agosto –, foi escolhida para celebração do Dia Nacional de Luta da População de Rua, que, anualmente, reivindica não só a memória desse episódio brutal, mas continua a exigir que a justiça seja feita e os culpados condenados. A sociedade que testemunhou com horror e indignação a bru- talidade de tais crimes se mostra mais intolerante 10 anos depois. Mesmo contabilizando algumas conquistas após muita luta e mo- bilização, as desigualdades estru- turais no Brasil e, no mundo, são cada vez mais profundas e perma- nentes. De lá para cá É certo que de 2004 para cá, algumas conquistas no enfren- tamento à violência contra a po- pulação de rua ocorreram, como a organização do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), o Decreto 7.053/2009, que instituiu a Política Nacional para o segmento e a criação de comitês estaduais e muncipais e nacional de acompanhamento e implementação de políticas públi- cas para a população em situação de rua, em várias cidades do país. Em abril de 2011, foi inaugurado o Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis (CN- DDH), que coleta e acompanha denúncias de violações de direi- tos. O CNDDH está localizado, em Belo Horizonte, e tem núcle- os em sete estados. Higienização e o Mundial de Futebol da FIFA Além dos homicídios com arma de fogo, gasolina e pedra- das, chamam a atenção as de- núncias sobre o processo de hi- gienização das cidades, processo agravado pelo mundial de fute- bol da FIFA em 2014: “Um dos casos mais preocupantes foi a denúncia do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, de que a prefeitura da cidade remo- veu das ruas, compulsoriamente, 669 pessoas, forçando-as a per- manecer em um albergue sem as mínimas condições, para ‘lim- par a cidade’ durante o Mundial. Além do Rio de Janeiro, Vitória e São Paulo enviaram denúncias da limpeza social que antecedeu a Copa do Mundo no país”, afir- ma Karina Vieira, coordenadora do CNDDH. Violência estrutural e higienização: duas faces do mesmo massacre Chamamos de violência es- trutural aquela que se mistura ao cimento das paredes que co- locam em pé nossa sociedade. Para muitas pessoas que vivem em situação de rua até mesmo pequenas escolhas do dia a dia, como encontrar um lugar para tomar banho, urinar ou comer são limitadas. Quando uma pes- soa tem sua liberdade individual e necessidades básicas de sobre- vivência reguladas por leis e re- gras – que se aplicam de forma seletiva, criminalizando alguns segmentos da sociedade e outros não –, estamos diante de casos de violência estrutural, que re- duzem a dignidade das pessoas enquanto as submetem à segre- gação. As ameaças constantes, “su- tis ou não tão sutis”, de violên- cia física – que pode partir de agentes públicos e/ou de segu- ranças privados – formam uma lista interminável e legitimam os processos de limpeza social e de expulsão dos centros da cidade. O ciclo de violência estrutu- ral, colocado em marcha pelas desigualdades econômicas, ra- ciais e de gênero, também escon- dem as causas reais da situação de rua e, a própria população de rua é julgada culpada pela condi- ção na qual se encontra. O cami- nho aberto por essa violência é lucrativo para alguns e enche os bolsos de especuladores, que ga- nham com a chamada “limpeza social” e muitas vezes, triplicam os preços de imóveis em regiões “higienizadas”. Sem Habitação, Trabalho, Saúde e Educação é mais fácil vender para toda a sociedade as remoções e “limpezas urbanas”, como políticas necessárias. É nesse ponto em que a violência estrutural se perpetua em mas- sacres cotidianos, inexplicáveis e brutais. MNPR: 10 anos de luta contra a violência Apesar da tristeza e a revolta – as quais nos assola por fazer parte do fato ocorrido e que ainda está longe, muito longe de po- dermos fazer justiça a esses companheiros e a tantos que tiveram suas vidas ceifadas, fruto da ignorância, do descaso e da impu- nidade –, não podemos nos esquecer que isso foi o estopim que faltava para levantarmos uma bandeira. Maria Lúcia Santos Pereira. MNPR – Salvador. Consideramos um avanço as políticas reconhecidas para a população em situação de rua. Entretanto, para continuar avan- çando, precisamos de mudanças no comportamento, na forma de como quem está em situação de rua ainda continua sendo visto, discriminado e desrespeitado. O nosso papel como movimento tem sido o de dialogar constantemente, com o governo, a segu- rança pública, mas mesmo assim, coisas absurdas continuam a ocorrer com nossos companheiros nas ruas da capital. Antonia Cardoso. MNPR – Distrito Federal. No Paraná, vamos realizar, em Londrina e Curitiba, ações voltadas aos dez anos de impunidade dos assassinatos da Praça da Sé e também das violências e assassinatos da população de rua no estado do Paraná, que ainda são ignorados pela Secreta- ria de Segurança Pública. Leonildo Monteiro. MNPR – Curitiba. São dez anos do Massacre da Praça da Sé, episódio que foi o estopim para o surgimento do MNPR, porém de lá para cá nada aconteceu, muito pelo contrário: os culpados pelo ocorrido não foram responsabilizados e mortes continuam ocorrendo em todo país. Somente em 2013, foram assassinados 30 companheir@s nas ruas de Belo Horizonte, sem falar nos assassinatos em Goiâ- nia, Maceió entre outros. Samuel Rodrigues. MNPR – Belo Horizonte. Desde abril de 2011, o CNDDH registrou 860 homicídios e 1.012 tentativas de homicídio contra a população de rua em todo o país. O CNDDH entretanto assegura que o número é subestimado, uma vez que não existe um mé- todo que registre tais crimes e ofereça informação fidedigna a respeito. Fotos: Arquivo/Rede Rua

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Notícias das ruas

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IMPRESSO

Notícias do Povo da Rua Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected]

Ano XXII Agosto de 2014 - Nº 227

Rose Barboza

10 anos, o massacre que não termina

Há 10 anos ocorria, em São Paulo, o “Massacre da Sé”. Em quatro dias, 15 pessoas foram brutalmente espancadas, sete das quais morreram. Desde então, esse massacre tem estado no cen-tro dos debates das políticas de vida e morte de quem vive nas ruas. A data de início dos ataques – 19 de agosto –, foi escolhida para celebração do Dia Nacional de Luta da População de Rua, que, anualmente, reivindica não só a memória desse episódio brutal, mas continua a exigir que a justiça seja feita e os culpados condenados.

A sociedade que testemunhou com horror e indignação a bru-talidade de tais crimes se mostra mais intolerante 10 anos depois. Mesmo contabilizando algumas conquistas após muita luta e mo-bilização, as desigualdades estru-turais no Brasil e, no mundo, são cada vez mais profundas e perma-nentes.

De lá para cáÉ certo que de 2004 para cá,

algumas conquistas no enfren-tamento à violência contra a po-pulação de rua ocorreram, como a organização do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), o Decreto 7.053/2009, que instituiu a Política Nacional para o segmento e a criação de comitês estaduais e muncipais e nacional de acompanhamento e implementação de políticas públi-cas para a população em situação de rua, em várias cidades do país. Em abril de 2011, foi inaugurado

o Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis (CN-DDH), que coleta e acompanha denúncias de violações de direi-tos. O CNDDH está localizado, em Belo Horizonte, e tem núcle-os em sete estados.

Higienização e o Mundial de Futebol da FIFA

Além dos homicídios com arma de fogo, gasolina e pedra-das, chamam a atenção as de-núncias sobre o processo de hi-gienização das cidades, processo agravado pelo mundial de fute-bol da FIFA em 2014: “Um dos casos mais preocupantes foi a denúncia do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, de que a prefeitura da cidade remo-veu das ruas, compulsoriamente, 669 pessoas, forçando-as a per-manecer em um albergue sem as mínimas condições, para ‘lim-par a cidade’ durante o Mundial. Além do Rio de Janeiro, Vitória e São Paulo enviaram denúncias da limpeza social que antecedeu a Copa do Mundo no país”, afi r-ma Karina Vieira, coordenadora do CNDDH.

Violência estrutural e higienização: duas faces do

mesmo massacreChamamos de violência es-

trutural aquela que se mistura ao cimento das paredes que co-locam em pé nossa sociedade. Para muitas pessoas que vivem em situação de rua até mesmo pequenas escolhas do dia a dia,

como encontrar um lugar para tomar banho, urinar ou comer são limitadas. Quando uma pes-soa tem sua liberdade individual e necessidades básicas de sobre-vivência reguladas por leis e re-gras – que se aplicam de forma seletiva, criminalizando alguns segmentos da sociedade e outros não –, estamos diante de casos de violência estrutural, que re-duzem a dignidade das pessoas enquanto as submetem à segre-gação.

As ameaças constantes, “su-tis ou não tão sutis”, de violên-cia física – que pode partir de agentes públicos e/ou de segu-ranças privados – formam uma lista interminável e legitimam os processos de limpeza social e de expulsão dos centros da cidade.

O ciclo de violência estrutu-ral, colocado em marcha pelas desigualdades econômicas, ra-ciais e de gênero, também escon-dem as causas reais da situação de rua e, a própria população de rua é julgada culpada pela condi-ção na qual se encontra. O cami-nho aberto por essa violência é lucrativo para alguns e enche os bolsos de especuladores, que ga-nham com a chamada “limpeza social” e muitas vezes, triplicam os preços de imóveis em regiões “higienizadas”.

Sem Habitação, Trabalho, Saúde e Educação é mais fácil vender para toda a sociedade as remoções e “limpezas urbanas”, como políticas necessárias. É nesse ponto em que a violência estrutural se perpetua em mas-sacres cotidianos, inexplicáveis e brutais.

MNPR: 10 anos de luta contra a violência

Apesar da tristeza e a revolta – as quais nos assola por fazer parte do fato ocorrido e que ainda está longe, muito longe de po-dermos fazer justiça a esses companheiros e a tantos que tiveram suas vidas ceifadas, fruto da ignorância, do descaso e da impu-nidade –, não podemos nos esquecer que isso foi o estopim que faltava para levantarmos uma bandeira. Maria Lúcia Santos Pereira. MNPR – Salvador.

Consideramos um avanço as políticas reconhecidas para a população em situação de rua. Entretanto, para continuar avan-çando, precisamos de mudanças no comportamento, na forma de como quem está em situação de rua ainda continua sendo visto, discriminado e desrespeitado. O nosso papel como movimento tem sido o de dialogar constantemente, com o governo, a segu-rança pública, mas mesmo assim, coisas absurdas continuam a ocorrer com nossos companheiros nas ruas da capital. Antonia Cardoso. MNPR – Distrito Federal.

No Paraná, vamos realizar, em Londrina e Curitiba, ações voltadas aos dez anos de impunidade dos assassinatos da Praça da Sé e também das violências e assassinatos da população de rua no estado do Paraná, que ainda são ignorados pela Secreta-ria de Segurança Pública. Leonildo Monteiro. MNPR – Curitiba.

São dez anos do Massacre da Praça da Sé, episódio que foi o estopim para o surgimento do MNPR, porém de lá para cá nada aconteceu, muito pelo contrário: os culpados pelo ocorrido não foram responsabilizados e mortes continuam ocorrendo em todo país. Somente em 2013, foram assassinados 30 companheir@s nas ruas de Belo Horizonte, sem falar nos assassinatos em Goiâ-nia, Maceió entre outros. Samuel Rodrigues. MNPR – Belo Horizonte.

Desde abril de 2011, o CNDDH registrou 860 homicídios e 1.012 tentativas de homicídio contra a

população de rua em todo o país. O CNDDH entretanto assegura que o número é subestimado,

uma vez que não existe um mé-todo que registre tais crimes e

ofereça informação fi dedigna a respeito.

Fotos: Arquivo/Rede Rua

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O Trecheiro página 2 Agosto de 2014

Rua Sampaio Moreira,110 - Casa 9 - Brás - 03008-010 - São Paulo - SP - Fone: (11) 3227-8683 3311-6642 - Fax: 3313-5735 - www.rederua.org.br - E-mail: [email protected]

CONSELHO EDITORIAL:Arlindo DiasEDITORIAL Produção Coletiva

Jornalista ResponsávelDavi AmorimMTB: MTB 48.215/SP

EQUIPE DE REDAÇÃO: Arlindo DiasCleisa RosaDavi AmorimLéa TosoldRose Barboza

REVISÃO Cleisa Rosa

FOTOGRAFIA: Alderon Costa DIAGRAMAÇÃO: Fabiano Viana

ApoioAndreza do CarmoAna Clara FernandesFelipe MoraesJoão M. de Oliveira

IMPRESSÃO: Forma Certa5 mil exemplares

Se pensarmos em cada pessoa que vai para a rua, ou melhor, se pensarmos em pessoas que perdem o em-prego; não podem pagar aluguel; têm problemas de saúde; fazem uso de drogas; não conseguem entrar no mercado urbano de trabalho e acabam sem alternati-vas, vemos que a situação de rua representa um alerta e uma afi rmação de que o massacre continua. Os massacres são também simbólicos, assim como, reais. Começam e continuam nas “veias abertas”, di-ria Eduardo Galeano, que sangram em um contexto social que apresenta sintomas de política econômica cada vez mais seletiva e excludente. Os massacres continuam nas favelas e são perceptíveis na ausência total de alternativas de vida e de políticas públicas. As mortes de tantas pessoas em situação de rua não signifi caram e não signifi cam nada para nossa socie-

dade. A impunidade é tão presente na cidade, como a miséria vista publicamente. Sem falar na quantidade de pessoas que continuam sendo assassinadas, por jovens de classe média e alta, “burguesinhos” que acreditam na impunidade, não, eles têm certeza que nunca serão condenados por matar uma pes-soa em situação de rua, a qual eles chamam de “mendigo”. A verdade é essa: as pessoas continuam encontrando, na rua, sua última saída antes do enterro coletivo, sem roupa, sem parentes, sem velas e sem qualquer outro símbolo que possa identifi car que ali existia um ser humano. É preciso dizer, que não apenas os jovens são os responsáveis, mas sim todos que permanecem na indiferença, em atitudes preconceituosas e go-vernos, em todas as instâncias, que não promovem a efetivida-de no atendimento.

A selvageria não acontece somente nas mortes violentas, como a do “Massacre da Sé”, em São Paulo (2004); em Maceió (2009); em Goiânia (2012), mas, em outras cidades, todos os dias. A violência não é só dos covardes que sujam as mãos a mando de outros, os quais a polícia nunca consegue encontrar.Havia na época do Massacre da Sé, um sentimento de que com aquele trágico e brutal assassinato, o poder público se voltaria para buscar formas de enfrentar a problemática da rua, como também, os protegeria com ações. Uma pergunta ainda persis-te: porque não apurar seriamente? Será por que a apuração revela e denuncia não apenas a morte, mas a prática higienista dirigida aos pobres? Até quando perguntar: “Cadê Amarildo? Cadê Maria? Cadê José? Cadê aquele morador de rua”?

O que temos visto de 2004 para cá? Uma polícia truculenta e despreparada para lidar com quem está em situação de rua, pessoas frágeis sujeitas ao mundo da drogadição e ao tráfi co. A “política do massacre” imposta sob quem vive na rua, não é apenas a de tirar a vida física, mas, quando os intimidam e os forçam a perambular pelos bairros, exaurindo-os até aceita-rem a única resposta: os albergues. O massacre percorre a rua, as favelas, as lideranças de movimentos sociais.Temos que avançar não só na apuração desses fatos violen-tos contra os mais pobres, aqui incluídas pessoas em situação de rua e nos cárceres, jovens da periferia, líderes da luta pela reforma agrária, mulheres, dentre outras. Quando não se eli-mina, se encarcera, portanto, eliminar de fato é muito além do que tirar a vida.

Para enfrentar a extrema pobreza é essencial um aparato bem mais articulado entre as diversas secretarias e com especiali-zações, em várias áreas da política pública, em todos os níveis de governo. Pensar em intervenções para mudanças dessa rea-lidade é pensar em ações que também venham a transformar as relações da sociedade com aqueles que foram escolhidos como bodes-expiatórios de um sistema o qual nunca deu conta de os acolher dignamente.

ViDA No TReCHoE

dito

rial

APOIO:

O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

Os massacres continuam

Arquivo pessoal

“Quando esquecemos, comete-mos o erro de novo”

Davi Amorim

“Corações Ausentes” é o sétimo livro do escritor e fotógrafo Arlindo Gonçal-ves e marca os 10 anos do massacre da população em situação de rua no centro de São Paulo. O autor é cario-ca, veio para São Paulo ain-da criança, mora no centro da cidade e convive cotidia-namente com o tema central de suas obras, sempre fo-cados na realidade urbana. Arlindo é colaborador da revista OCAS”, e conheceu o jornal O Trecheiro, em meados de 2000, do qual se tornou leitor e parceiro.

“Quando ocorreu o mas-sacre de 2004, acompanhei os protestos e não preciso dizer o quanto isso chocou todo mundo. Esse massacre me afetou bastante, pessoal-mente, de tal forma que eu parei um pouco de escrever na época. Na verdade, pa-rei um pouco com esse tipo de literatura que eu estava acostumado”, conta Arlin-do, em entrevista ao jornal, e explica que, entre seus personagens, há um olhar especial às pessoas em situ-ação de rua.

“Em 2010, senti vontade de voltar à temática da lite-ratura que eu vinha fazendo. Então, eu escrevi uma pe-quena novela de fi cção ba-seada no massacre do Cen-tro, o `Corações Suspensos no Vazio´, uma novela, não é um livro jornalístico”, de-clarou Arlindo. A obra é um ensaio escrito em primeira pessoa sobre acontecimen-tos do massacre, no Centro, e de momentos posteriores, estilo diferente do livro an-terior de fi cção, mas com diversas referências a esse trabalho.

“Um ano depois de lan-çar a novela baseada no massacre, fi z uma palestra em um centro de memória da Unesp, bem na Praça da Sé. Essa palestra e o li-vro [“Corações Suspensos no Vazio” tornaram-se] re-ferências para “Corações Ausentes”. “Este livro está muito ligado ao resgate da memória. É uma refl exão de um cidadão comum a res-peito de uma questão que marcou a gente, na época. A memória é algo bem for-

te, nesse ensaio, a gente tem que lembrar, por mais doído que seja, [porque] quando es-quecemos, cometemos o erro de novo”, completa Arlindo e cita o escritor Marçal de Aquino, que fez o prefácio do primeiro livro sobre o massa-cre, alertando para o fato de outros massacres continua-rem sendo feitos em todo o Brasil.

O “Corações Ausentes” não vai ser comercializado, mas será disponibilizado em versão PDF pela editora e em sites parceiros, bem como, em formato e-book, para lei-tura em dispositivos móveis. A revista OCAS” e a Rede Rua já têm disponível o livro para download em seus res-pectivos sites.

Por que o nome “Cora-ções Ausentes?

Arlindo: O primeiro cha-mava-se “Corações Suspen-sos no Vazio”, e minhas fo-tos remetem a situações de vazio, são cenas silenciosas da cidade. Os personagens são um casal de velhos e cada capítulo se refere a um deles. No capitulo em que me refi -ro ao velho, ele comenta al-gumas situações de vida e a gente vai, por intermédio da refl exão dele, saber o motivo pelo qual ele foi parar na rua. Esse idoso faz referências a um vazio pessoal, por que ele não conseguiu criar laços fa-miliares e afetivos fortes. Ele só resgata esses laços quando vai para a situação de rua, que é quando ele conhece uma se-nhora que ao fi m da vida dele vai preencher esse vazio. Em relação a “Corações Ausen-

tes”, estou me referindo aos personagens que estão sus-pensos no vazio. O livro faz a trajetória desses dois per-sonagens, um deles morre no massacre, o outro sobrevive, mas vai embora. No “Cora-ções Ausentes”, então 10 anos depois do Massacre, refi ro-me a eles, os quais estão ausentes desde então. A intenção é re-cuperar a memória e não fazer o assunto cair no esquecimen-to.

Como é o processo de criação de suas obras?

Arlindo: Fico muito na rua, sou um escritor urbano e quem trata de assuntos ur-banos tem que fi car na rua, tem que ir para o bar, o su-permercado para se expor às situações. Na época que eu fi z um ensaio fotográfi co a inten-ção não era registrar as pes-soas em fragrantes fortuitos e roubar a imagem. A ideia era fazer retratos, então tinha que abordar a pessoa e conversar. Fiquei três meses fazendo esse trabalho e muitas histó-rias vieram dessa fase. Todos os meus livros são baseados em coisas que eu vivenciei ou verifi quei no dia a dia. No “Corações Ausentes”, falo bastante da origem do livro anterior, portanto, de como eu construí cada personagem.

Sou bastante idealista, faço tudo sempre com muito ide-al, acho que a vida é mais do que aparências, mais do que observações. A gente capta a realidade com os sentidos que temos que são, muitas vezes, obstruídos e temos que supe-rar essa limitação. A fotogra-fi a e a literatura ajudam bas-tante nisso.

Fale sobre seus livros an-teriores.

Arlindo: Os três primei-ros livros: Dores de perdas (2004), Desonrados e outros contos (2005) e Desacelerada mecânica cotidiana (2008) fo-ram escritos como um roman-ce só. Era muito grande para publicar, na época, e a edito-ra se interessou em publicar apenas alguns contos, então, eu reescrevi dois fora do livro original, em forma de novela. Já na editora Horizonte, pu-bliquei a parte fi nal e formei a trilogia, depois e fi z um li-vro de fotografi as e poesias “Carinhas(os) Urbanas(os)” também pela Horizonte em parceria com Luciana Fátima, minha namorada, também fo-tógrafa e escritora. Depois fi -zemos um livro de humor, por incrível que pareça, algo bem diferente, além de “Crônicas de viagem” que saiu também pela Horizonte.

Mais informações: <http://editorahorizonte.blogspot.com.br/2010/12/ultimo-lan-camento-do-ano-coracoes.html>.

Este livro está mui-to ligado ao res-

gate da memória. É uma refl exão de

um cidadão comum a respeito de uma questão que mar-

cou a gente, na época.

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O Trecheiro página 3 Agosto de 2014

Aprovação do Plano Diretor Estratégico de São Paulo

Em 31 de julho, foi realizada solenidade, no auditório Oscar Niemeyer do parque do Ibirapuera, com a presença de quase 800 pessoas, além de um telão instalado na marquise do lado de fora que reuniu mais de 200 pessoas para assistir a transmissão ao vivo da sanção da lei nº 16.050, que apro-vou a Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo. As estratégias foram pactuadas durante intenso processo participativo, so-mando-se 114 audiências públicas, 25.692 participantes e um total de 10.147 contri-buições, informou o site da Prefeitura de São Paulo

Resta-nos indagar!O que ficou pactuado para a população de rua tendo em vista as palavras do prefeito de São Paulo, ao afirmar que essa lei é para toda a cidade? “É a primeira vez que São Paulo tem um rumo certo para perseguir até garantir qualidade de vida para todo mun-do”, disse Fernando Haddad na solenidade.

Liberdade para Rafael Braga Vieira!No próximo dia 26 de agosto, às 13 horas, no Rio de Janeiro, será julgada a apelação da defesa de Rafael Braga Vieira. Condenado a cinco anos de prisão em regime fechado por porte de Pinho Sol e água sanitária em meio aos protestos de junho de 2013, sua pena poderá ser finalmente revogada. Apesar de o laudo técnico da polícia civil já haver com-provado que os produtos de limpeza que Rafael portava não podem ser convertidos em coquetel molotov, con-forme alega a acusação, Rafael já cumpriu mais de um ano de prisão.

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Cleisa Rosa e Léa Tosold

Davi Amorim

DiReTo DA RuA Os catadores e o Plano Diretor da cidade de SP

Fotos: Arquivo/Rede Rua

Sebastião Nicomedes

10 anos do massacre dos moradores de rua de São Paulo

E de lá para cá as coisas só piora-ram

Na matança silenciosa do descaso

Das drogas, do crack, que deterio-ram as pessoas A cidade se encheu de barracas, de barracos Por todas as praças, por todos os espaços

Como se isso fosse um modelo de moradia

Dignidade é o que não há nisso tudo!

Projeto de lei tem ações que atingem organizações de catadores de materiais recicláveis

Trabalho de inclusão de catadores corre risco de acabar

Davi Amorim

Há cerca de dois anos, o Mercado Municipal de São Paulo destina corretamente seus resíduos recicláveis com a ajuda de catadores de materiais reci-cláveis atendidos pela Associa-ção Clube de Mães do Brasil, que desenvolve projeto social de inclusão social e produtiva de pessoas em situação de rua e de dependentes químicos. O projeto tem tirado pessoas da situação de risco, a qual estão expostas, mas está ameaçado de acabar de um dia para o outro.

Sem muita explicação e diálogo, a Associação recebeu a notificação de que devem se retirar do espaço onde a coleta seletiva é realizada, dentro do Mercadão, para dar lugar a outra organização que fará, a partir de então, a destinação dos resíduos. “A partir do próximo 1 de agos-to, toda coleta de lixo reciclável do mercado paulistano, bem como, seu armazenamento e sua destinação ficarão sob a res-ponsabilidade da Associação da Renovação do Mercado Central Paulistano (Renome)”, aponta

o ofício assinado por Marcelo Mazeta Lucas, supervisor geral de Abastecimento da Prefeitura de São Paulo, órgão ligado à Se-cretaria Municipal de Trabalho e Emprego.

“Estamos realizando um trabalho de inclusão social que beneficia, também, o meio am-biente na cidade de São Paulo, é um trabalho correto que está res-gatando vidas e não pode acabar assim”, declarou Eduardo Fer-reira de Paula, do Comitê de Ca-tadores da Cidade de São Paulo e diretor da Rede Cata Sampa que desenvolve parceria com a Associação Clube de Mães do Brasil, com suporte logístico para os catadores do Mercadão. Para Eduardo, a mudança coloca em risco todo o trabalho de anos, e pode levar as pessoas de novo à situação de vulnerabilidade so-cial e à dependência química.

A presidente da Associação Clube de Mães do Brasil, Clau-dineia Viana, denuncia que, após receber o ofício para deixarem o espaço, os catadores têm so-frido assédio moral por parte de funcionário da “Renome”, enti-

dade escolhida para administrar os permissionários do Mercado. “Os catadores estão revoltados, pois chega gente tirando fotos e não dá nem bom dia, eles estão sendo tratados como lixo, estão fazendo uma pressão psicológi-ca”, declarou Claudineia.

Depois de diversas tentativas de diálogo em que o supervi-sor Marcelo Mazeta se negou a atendê-los, foi agendada recen-temente reunião para a segunda quinzena de agosto, mas quem irá recebê-los é a assessoria de comunicação de Mazeta.

No ofício, Marcelo Mazeta alega que o Mercado Munici-pal está se adequando à Lei nº 12.305, muito embora ela es-tabeleça que a destinação dos resíduos sólidos deva ser feita em parceria, prioritariamente, com catadores de materiais re-cicláveis. Outra irregularidade é o fato de a “Renome” não ser associação de catadores fato que não a dispensaria de um processo licitatório, e tampou-co trabalha com destinação de resíduos.

Foi aprovado ontem, dia 30 de junho, na Câmara Munici-pal, o Plano Diretor Estratégi-co da cidade de São Paulo que regula o planejamento de uso e desenvolvimento da cidade. Diversos movimentos sociais, principalmente, os de moradia, mobilizaram-se para a aprova-ção desse marco regulatório que interfere na vida de milha-res de pessoas e procura tornar a cidade mais justa e acessível aos mais pobres.

Mas o que muda, no Pla-no Diretor, para os catadores de materiais recicláveis e para o trabalho das cooperativas e associações? O Plano Diretor, além de regular os espaços da cidade destinados a determina-das atividades, também tem um olhar para a gestão dos resídu-os.

O Comitê de Catadores da Cidade de São Paulo enviou, em 2013, sugestões ao verea-dor Nabil Bouduki e à Secreta-ria Municipal de Planejamento e participou de audiências pú-blicas. O Plano Diretor aprova-do possui uma seção que trata da Gestão Integrada de Resídu-os Sólidos, incluindo propos-tas apresentadas pela popula-ção durante a IV Conferência Municipal de Meio Ambiente. Esse trecho do Plano Diretor dá força de lei às reivindicações da sociedade, como a inclusão socioeconômica dos catadores de materiais recicláveis.

Entre as ações prioritárias, estão a universalização da co-leta seletiva de resíduos secos e orgânicos com atendimento dos territórios dos distritos da cidade e a implementação da responsabilidade estendida do setor privado, no sentido de “assinar termo de compromis-so para a logística reversa junto aos fabricantes, importadores, comerciantes e distribuido-res dos materiais previstos na Política Nacional de Resídu-os Sólidos”. O Plano Diretor também aprovou em seu texto: “definir estratégia para forma-lização contratual do trabalho das cooperativas e associações de catadores, para sustentação econômica do seu processo de inclusão social e dos custos da logística reversa de embala-gens”.

Além disso, os Planos Re-gionais das subprefeituras de-vem ter, entre seus objetivos, a indicação de “áreas para locali-zação de equipamentos neces-sários à gestão de resíduos sóli-dos, inclusive para cooperativas de catadores de materiais reci-cláveis”, aspecto também pre-visto no planejamento regional do Plano de Desenvolvimento do Bairro no Sistema de Plane-jamento. O Plano Diretor tam-bém menciona o tratamento de resíduos orgânicos, no sistema de coleta seletiva, estabelecen-do áreas especificas para equi-pamentos públicos para essa finalidade.

Mais informações: projeto na integra: <http://planodiretor.ca-mara.sp.gov.br/wp/> e principais pro-postas do novo Plano Diretor: <http://goo.gl/XeMXLI>.

Agosto 2014

Divulgação

Page 4: O Trecheiro - agosto de 2014 #227

O Trecheiro página 4 Agosto de 2014

Rogério Sottili*

Construindo a Política Pública para a População em Situação de Rua

Notabene, revista de rua na Eslováquia

Arlindo Pereira Dias (Bratislava – eslováquia)

Arquivo Rede Rua Agosto de 2004 foi marcado

por um inaceitável episódio que fi cou conhecido como “Massa-cre da Sé”, no qual, em três dias, 15 pessoas em situação de rua foram golpeadas na cabeça en-quanto dormiam, resultando na morte de sete delas. O inquérito policial apontou seis suspeitos pelos crimes, entre eles cinco policiais, porém, somente dois destes foram condenados por uma das mortes, deixando, in-clusive, os outros crimes sem resposta. Desde então, em me-mória a este Massacre, o dia 19 de agosto tornou-se o Dia Na-cional da Luta da População em Situação de Rua.

Quase dez anos depois, em 2013, foi criada a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), em São Paulo, com o compromisso de promover a cidadania a diversos grupos vulneráveis, entre eles, a população em situação de rua, fundamentando-se na garantia dos direitos humanos e na par-ticipação social, sendo um com-promisso do prefeito Haddad trabalhar, de maneira transver-sal, a atenção a este público.

Desde então, o governo mu-nicipal tem construído diversas ações importantes: aderimos à Política Nacional e constituímos o Comitê PopRua para desenhar o Plano Municipal; estamos traba-

lhando a inserção produtiva por meio do Pronatec; a GCM está alterando a forma de aborda-gem da população em situação de rua; 2.000 unidades habita-cionais serão destinadas a este

público; implantamos mais 12 consultórios na rua; e os serviços da Assistência Social estão sendo reestruturados, prevendo a cria-ção de dois restaurantes comuni-tários, cinco Centros Pop e mais

Eslováquia, ex-país comu-nista, localizado na Europa Central, possui uma popula-ção de mais de 5.000.000 de habitantes, e não é exceção em relação à presença de pes-soas em situação de rua. O recém-eleito presidente, An-drej Kiska, em um esforço de chamar a atenção para as de-sigualdades sociais, convidou algumas pessoas em situação de rua e crianças que vivem em orfanatos para um almoço no jardim do palácio presiden-cial, em Bratislava, no dia de sua posse.

Um dos projetos signifi ca-tivos para a população de rua na capital é a revista mensal Notabene. As instalações fi -cam no primeiro andar de um edifício, no centro da cidade. Na entrada, encontramos pes-soas que, logo pela manhã, procuravam os coordenadores para adquirir exemplares da revista. Não se trata apenas de espaço de trabalho, mas lugar de convivência e de relação. Fomos atendidos por Zuzana Pohánková, a arrecadora de fundos da revista e por Marek Jajkay, um dos coordenadores.

“A maioria das pessoas em situação de rua, em Bratislava, dorme em velhos edifícios que funcionam como hotel a bai-xo custo, outros frequentam os albergues para pessoas de rua e um grupo menor vive na rua”, explica Marek. “Difí-cil encontrar trabalho para as pessoas que enfrentaram gra-ves problemas na vida”, reite-ra. Por isso, a associação, que mantém a revista, iniciou um projeto de geração de empre-go para carregadores de malas na estação de trens da cidade.

Marek explica que “a ausên-cia de elevadores na estação faz com que viajantes idosos tenham que subir as escadas a pé com suas malas”. Em uma roda de conversa, “um dos frequentadores do projeto da revista propôs criar um servi-ço de carregadores”. O reco-nhecimento ofi cial do trabalho lhes dará direito a contar com seguro social. Eles serão divi-didos por turno. Muitos estão endividados e com isso pode-rão saldar suas dividas. Será um projeto para 30 pessoas.

Marek aponta o preconceito como um grande desafi o para as pessoas em situação de rua. “O maior problema é contar com a confi ança da vizinhan-ça. Os preconceitos nascem da insegurança de cada um, e não vêm necessariamente dos políticos, dos escritórios ou, de nós mesmos, mas existem”, comenta. Quem convive de perto com essas pessoas tem

outra visão: “Todos os dias, eles me ensinam muitas coi-sas sobre a vida e a realidade. Repito isso a eles para que se torne um encorajamen-to, porque quando estão em busca de trabalho, pensam que lhes oferecemos algo es-pecial. Eu digo que não, que nós precisamos uns dos ou-tros, aprendemos uns com os outros, damos um ao outro o que temos, eu te dou alguma coisa, mas também recebo. Essa é a fi losofi a da nossa or-ganização”, conclui.

Zuzana Pohánková parti-cipa do projeto há seis meses. Ao se transferir de Praga, na Republica Checa, para a Es-lováquia conheceu Sandra Tordová, editora chefe que a convidou para concretizar um sonho antigo de trabalhar com ONGs.

O projeto da revista teve inicio, em 2001, época em que a Eslováquia não ofere-cia serviços à população em situação de rua. Era pratica-mente o único projeto com tais objetivos. Notava-se um número signifi cativo de pes-soas em situação de rua, mui-tas que desejavam realizar algo, mas não sabiam como cooperar uns com os outros. Nesse mesmo ano, a Interna-tional Network of Street Pa-pers (INSP), em português, Rede Internacional dos Jor-nais de Rua, propôs a cria-ção de uma revista de rua, em Bratislava, aos estudantes universitários de Serviço So-cial. A primeira edição foi de 2.000 exemplares e, no mo-mento, ela imprime 32.000 por mês. Zuzana nos conce-deu breve entrevista.

Quais os dados e o perfi l das pessoas em situação de rua na Eslováquia?

Zuzana: Ainda não reali-zamos nenhum senso. Nem o governo e nem as ONGs sabem como proceder para contar essa população. Cal-culamos que existam, apro-ximadamente, 4.000 pessoas na capital Bratislava. Nosso projeto vai ao encontro das pessoas e estamos em conta-to com mais ou menos 1.000, mas temos registradas, ao redor de 2.400, desde o ano de 2001, e já tivemos contato

Histórias que não são novelas*Nascida em 1956, a sra. Alica Ondrejíčková, é uma mu-

lher tímida e feliz, que irradia paz e serenidade. No mo-mento, ela vive só. Qual é a sua história? Alica era a mais velha entre seus irmãos e irmãs. Quando criança, sua mãe a abandonou, passou a morar com avó e não teve mais contato com a mãe. Após terminar os estudos secundários, trabalhou como garçonete. Casou-se aos 19 anos e mudou--se com o marido para outra cidade onde receberam um apartamento da empresa em que trabalhavam. Viviam fe-lizes com uma vida boa, trabalho e três fi lhos, quando o marido veio a falecer de câncer aos 33 anos.

A partir dai, tudo começou a mudar. Ela tinha apenas 29 anos e o fi lho mais novo, seis. Alica perdeu o emprego e não conseguia dinheiro sufi ciente para pagar o aluguel, por isso teve que deixar o apartamento. De repente, fi ca-ram sem casa e essa dura experiência a fez se mudar para Bratislava, onde começou a trabalhar, como faxineira para levar sustento aos fi lhos. Em 2013, perdeu também esse emprego. A venda da revista Notabene passou, portanto, a ser a sua única fonte de renda. Mesmo assim, Alica não se queixa, continua contente e agradecida, pois tem dinheiro para aluguel e alimentação.

Ela não bebe e nem fuma. Todas as manhãs, Alica inicia seu dia com uma xícara de café, prepara algo para o almo-ço e, em seguida, sai para a venda. No retorno a casa, gosta de se distrair assistindo novelas. Em junho de 2013, per-deu seu segundo fi lho com leucemia. Era um homem bom e trabalhador, e muito jovem – tinha apenas 32 anos. Alica tem muitas lembranças tristes, mas não perdeu o equilíbrio e a serenidade. Os outros dois fi lhos ainda são solteiros e a visitam regularmente. A venda da revista tem lhe pro-porcionado boas experiências e ela é muito grata por isso. Embora seja uma mulher solitária, seu grande sonho é ter um pequeno cão que lhe possa fazer companhia.

* A historia de Alica foi traduzida por Stanislaw Orečný (revista Notabene, maio de 2014).

22 novos Centros de Acolhida, em especial para famílias.

Muito está sendo feito, mas temos muito a fazer. As neces-sidades dessa população são urgentes e ainda falta estrutura para respondermos às deman-das de forma adequada. Entre-tanto, estamos realinhando as prioridades do município para garantir, de forma estruturante, mais qualidade nos serviços e equipamentos, oportunidades de emancipação e autonomia e a proteção dos direitos huma-nos dessa população.

A memória de capítulos tris-tes da historia, como foi agosto de 2004, é fundamental para construirmos uma mudança da realidade da população em si-tuação de rua, por meio da ga-rantia de direitos e de serviços e da construção de uma cultura de paz, de valorização das dife-renças e da ampla participação social na construção das políti-cas públicas.

*Secretário Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo

com 3.400 pessoas, nos últimos 10 anos.

O perfi l das pessoas é muito diferente, com média de idade entre 20 e 60 anos, estão de-sempregados, muitos tiveram apenas a educação primária e alguns vivem em tendas. Gra-ças a um novo projeto, um tipo de hotel onde podem pagar um aluguel mais baixo, alguns es-tão tendo acesso à moradia.

Vocês têm algum conta-to com a revista OCAS”, no Brasil?

Zuzana: Tivemos contato com o pessoal da OCAS”, há anos atrás, em Melbourne, na Austrália, durante um semi-nário sobre jornais de rua, or-ganizado pela INSP. Éramos em torno de 100 entidades de diferentes países.

Fotos: Arlindo Dias

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